Psicologia Social - Jorge Vala E Maria Benedicta Monteiro

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PSICOLOGIA SOCIAL

JORGE VALA • MARIA BENEDICTA MONTEIRO COORDENADORES

PSICOLOGIA SOCIAL

Centro de Recurso. Prior Velho

FUNDA~Ao CALOUSTE GULBENKIAN

Servi<;a de Educa<;aa e Balsas

Apresento<;QO do 4. 9 edi<;Qo Seis anos de uso e a dupla reedi~ao da Psicologia Social ao longo desse perfodo mostraram 0 valor deste volume, mas tambem algumas das suas lacunas e Iimita~oes que agora vern preencher-se por ocasiao da publica~ao da sua 4." edi~ao. Para isso foram importantes tanto a experiencia docente de todos os seus autores como as sugest6es de colegas e de estudantes, a quem aqui deixamos 0 nosso agradecimento. o novo texto e os textos renovados que integram esta edi~ao tiveram como objectivos completar, actualizar e integrar mais e nova informa~ao dos varios dominios da Psicologia Social. Manteve-se, no entanto, a estrutura inicial, que organizava os textos em torno de cinco questoes: I. A historia da disciplina - desde a sua origem no seculo XIX, a par das restantes ciencias sociais, ate as principais fases da sua constru~ao ao longo do seculo XX - e as suas orienta~oes metodologicas; 2. Os fen¢menos e processos que intervem em vastas areas do comportamento, nas suas dimensoes intrapessoal e interpessoal; 3. Os fenomenos e processos que intervem no comportamento, nas suas dimensoes de grupo e das rela~oes entre grupos; 4. Os processos de constru~ao colectiva dos significados sociais, e 5. Questoes de epistemologia e de validade ecologica na investiga~ao em psicologia social.

Reservados todos os direitos de harmonia com a lei Edi~lio da FUNDA<;AO CALOUSTE GULBENKIAN Av. Bema I Lisboa

2006 Dep6sito Legal: 249493/06 ISBN 972-31-0845-3

Esta 4: edi~ao contem nao so urn novo capitulo sobre processos cognitivos e estereotipos sociais, como significativas a1tera~oes em dez dos restantes capftulos e ainda urn Indice tematico que fac ilite a procura de temas e de conceitos ao longo de todo 0 volume. Vejamos, entao, em sintese, essas novas contribui~oes, que tern lugar a partir da segunda area de questoes. No capitulo V, sobre 0 tema cJassico da forma~ao de impressoes, Antonio Caetano introduz as teorias irnplfcitas da personalidade e apresenta urn modelo recente que explora 0 processamento paralelo da informa~ao. Com 0 objectivo de facilitar a pluraJidade de propostas nesta area, 0 texto adianta ainda uma sintese integrada dos diferentes modelos sobre forma~ao de impressoes. o capitulo VI, sobre atrac~ao interpessoal, sexualidade e rela~oes intimas, de Valentim Alferes, alarga a apresenta~ao da investiga~ao, nomeadamente ao topico da amizade. No capitulo VII, que versa os processos de atribui~ao causal, Elizabeth Sousa desenvolve sobretudo a discussao sobre a especificidade dos processos de atribui~ao social. As atitudes, no capitulo VIII, sofrem nesta edi~ao urn alargamento importante Luisa Lima integra neste capitulo as teorias da persuasao, complementando assim a ultima parte, que tratava das propostas teoricas sobre os processos de mudan~a de atitudes. A fechar este conjunto de capitulos, e fazendo a transi~ao para a terceira area de questoes, Leonel Garcia Marques estende 0 capitulo IX sobre a influencia social, as teorias que releem os fen6menos classicos de influencia a luz de novos processos, como 0 de auto-categoriza~ao ou 0 do confl ito sociocognitivo. Os processos de grupo, tema do capitulo X, apresentam tambem altera~oes de relevo. Jorge Correia lesuino mostra agora de forma mais alargada fenomenos especfficos da situa~ao grupal,



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tais como a polariza~ao e 0 pensamento de grupo, e as suas repercussoes sobre a tomada de decisao. Os estereotipos sociais e os processos socio-cognitivos que os originam e mantem e uma area de investiga~ao que atravessa toda a psicologia social do seculo xx, com amplas ramifica~oes e entrosamentos com muitos outros conceitos e areas da interac~ao social, constituindo, a partir do final do seculo xx uma das areas fortes da Cogni~ao Social. Constitufa, nas tres primeiras edi~oes da Psicologia Social, uma lacuna que desde 0 infcio urgia colmatar. Jose Marques e Dario Paez, no capftulo XI, sistematizam 0 percurso da investiga~ao neste domfnio, apresentando os processos c~gni­ tivos da constru~ao dos estereotipos e a articula~ao contextual que lhes confere significado social. o capftulo sobre a identidade social e as rela~oes entre grupos, de Lfgia Amancio, e agora 0 capftulo XII. A par da exposi~ao crftica das propostas teoricas mais classicas, as extensoes contemporaneas do modelo das rela~oes de poder simbolico aparecem agora com novos desenvolvimentos decorrentes do cruzamento dos nfveis de analise situacional e cognitivo, ilustrados com investiga~ao recente, nomeadamente na area das rela~Oes de genero. Ainda no domfnio das rela~oes entre grupos, 0 capftulo XIII, de Maria Benedicta Monteiro, apresenta novas contribui~oes, sobretudo em dois pontos teoricos da resolu~ao de conflitos: 0 que e expresso pel a teoria da identidade social e das rela~oes entre grupos e 0 que e estudado no quadro da negocia~ao formal. A quarta questao que estrutura a organiza~ao deste volume - os processos de constru~ao colectiva dos significados sociais - continua, nesta edi~ao, a ser tratada no capitulo sobre as representa~Oes sociais, agora 0 capitulo XIV. Jorge Vala alargou a sua apresenta~ao especial mente no dominio dos processos sociocognitivos que pres idem a forma~ao dessas representa~oes - a ancoragem e a objectiva~ao - tambem eles agora ilustrados por investiga~ao mais recente. Por fim, 0 capitulo XV continua, com altera~oes sobretudo de actualiza~ao da literatura relevante, a propor-nos uma reflexao de contomos epistemologicos sobre 0 olhar e 0 pensar da psicologia social, dividida entre as matrizes positivista e sistemica da sua forma de interrogar a interac~ao social. A sistematiza~ao das teorias e da investiga~ao sobre contextos territoriais, sobre densidade populacional e distancia~ao interpessoal em meio urbano, a partir da qual Lufs Soczka ilustra e defende a instaura~ao de uma perspectiva ecologic a em psicologia social, remata de novo este volume em jeito de desafio. o gosto com que agora trazemos ao publico de Ifngua portuguesa esta 4." edi~ao da Psicologia Social e aquele que esperamos que os nossos leitores partilhem connosco ao le-Io. Gosto pela reflexao, pela pesquisa e pelo confronto crftico. Gosto existencial pelo perguntar. Ate porque, como diz 0 Consul Honorario, de Graham Greene, «as unicas perguntas importantes sao as que 0 homem faz a si proprio».

Lisboa, Novembro de 1999 Maria Benedicta Monteiro Jorge Vala

Prefacio 6 primeira edi<;do Em 1982 realizou-se em Lisboa, na Fundariio Calouste Gulbenkian, um simposio sobre «Mudanra e Psicologia Social». Este simposio teve 0 apoio da European Association of Experimental Social Psychology e nele participaram, entre outros psicologos socia is portugueses e estrangeiros, W. Doise, H. Ta.ifel e J. Ph. Leyens. Na sequencia deste encontro, iniciaram-se laros de colaborariio estdveis entre os psicologos sociais portugueses e os seus colegas que, desde 1963, vinham procurando uma refundariio da Psicologia Social na Europa. Este manual de Psicologia Social reflecte os resultados dessa colaborariio e e, em larga medida, uma expressiio das questoes que, pelo menos desde entiio, tem sido objecto de pesquisa teorica e emp{rica pOl' parte dos investigadores e docentes em Psicologia Social no nosso pa{s. A expansiio do ensino da Psicologia Social criou a necessidade da elaborariio de um manual que apoiasse a formariio dos estudantes do ensino superior que, nas mais variadas licenciaturas, seguem cursos desta disciplina. A diversidade dos interesses destes estudantes e a variabilidade dos graus de profundidade exigida na abordagem da Psicologia Social a n{vel de licenciaturas tiio d{spares constitu{ram um dos constrangimentos que orientaram a programariio desta obra. POI' outro lado, pretendia-se fazer um manual que reflectisse os interesses e as orientaroes da Psicologia Social no nosso pars. Niio se trata, assim, de uma obra que abrange todas as temdticas desta disciplina, mas cuja preocupariio e a de reflectir a especificidade do olhar psicossociologico nas diversas temdticas que siio abordadas. Ora, uma das caracter{sticas deste olhar e a sua pluridireccionalidade com uma coerencia que the e conferida pela procura constante de novas articularoes. Este objectivo foi prosseguido atraves da colaborariio de diversos autores. A diversidade dos especialistas que colaboram nesta obra procura garantir a diversificariio teorica, a par de uma profundidade equivalente ao longo dos diversos cap{tulos, 0 que dificilmente seria poss{vel caso a sua redacriio tivesse cabido apenas a um ou dois autores. Os organizadores deste manual vem ensinando Psicologia Social ao longo de quase vinte anos. Para os estudantes, cujo esp{rito cr{tico e cuja criatividade os estimularam na sua progressiio intelectual, viio os primeiros agradecimentos. Agradecemos tambem aos colegas que desde a primeira hora nos apoiaram neste projecto e que aceitaram colaborar nele, conferindo, assim, a este trabalho o que nele hd de positivo. 0 nosso papel foi 0 de simples gestores de uma ideia - a distancia que separa a qua/idade poss{vel da qualidade conseguida e responsabilidade nossa. Jorge Vala Maria Benedicta Monteiro Fevereiro de 1993



Apresento<;oo do primeiro edic;oo A Psicologia Social e uma disciplina animada pela paixao da investiga~ao e pela preocupa~ao com a interven~ao. Pode dizer-se que a paixao pela investiga~ao e uma caracterfstica forte desta disciplina, na medida em que 0 seu saber se oferece c\aramente como urn saber em constru~ao, sujeito a reformula~oes contfnuas, em dialogo com a analise empfrica. Para alguns, pon!m, isso nao e uma manifesta~ao de maturidade epistemologica, mas de inconsistencia teorica. Fora maior a solidez teorica desta disciplina, e seria menor 0 seu recurso a investiga~ao empfrica. Para outros, a presen~a forte da investiga~ao empfrica em Psicologia Social teria vantagens, sim, mas nao para esta disciplina - ela nao seria mais do que urn laboratorio das ciencias sociais mais nobres, que daf retirariam as ilustra~oes de que carecem sobre a dimensao individual dos fenomenos colectivos. Quanto a Psicologia Social, ela propria, seria urn epifenomeno que desapareceria com a matura~ao an unci ada das demais ciencias sociais e humanas. Nao e este 0 lugar para descortinar as razoes da elevada produ~ao empfrica desta disciplina, nem para discutir 0 significado e 0 futuro des sa produ~ao. Mas, tratando-se de apresentar 0 primeiro manual de Psicologia Social escrito por autores portugueses, vale a pena sublinhar que aquela foi uma das caracterfsticas desta disciplina a que se quis dar destaque. A apresenta~ao de cada problema sera, assim, pautada por referencias a estudos empfricos. Neste sentido, as referencias a investiga~oes empfricas ou, por vezes ate, a sua apresenta~ao detalhada servem dois objectivos - ilustrar a analise de urn problema e ilustrar a estrategia de constru~ao de conhecimentos nesta disciplina. E nosso proposito que este manual possa ser urn pedagogo do jogo que consiste em lutar contra as hipoteses que se soube formular e, de uma forma mais geral, que possa contribuir para uma perspectiva nao doutrinal e nao opinativa em ciencias sociais. Dissemos que a Psicologia Social era uma disciplina animada pela preocupa~ao com a interven~ao. Este objectivQ cedo a associou a ideia de tecnologia social e em muito contribuiu para a identifica~ao desta disciplina com os mecanismos de gestao dos sistemas dominantes. Dispensarno-nos de entrar na polemica sobre a Psicologia Social como disciplina subversiva ou repressiva. Mas pretendemos que esta obra reflectisse a relevancia social desta disciplina. Ora, pod era parecer que esta preocupa~ao esta ausente na medida em que nao existe nenhum capftulo dedicado as aplica~oes da Psicologia Social. Em nosso entender, dedicar urn capftulo as aplica~oes desta disciplina estaria em contradi~ao com a sua propria logica. Na sua historia, sempre que questoes relativas a problematicas sociais relevantes dominaram a Psicologia Social, a abordagem dessas questoes fez-se nurna perspectiva que nao dissocia a investiga~ao e a interven~ao. Foi nessa perspectiva que trabalhararn investigadores como os que, a partir de 1944, se reunem a K. Lewin e fundam 0 Research Center for Group Dynamics, num programa de investiga~oes on de a preocupa~ao com a democracia era urn problema e urn pressuposto importante. Ou os investigadores que, a partir de 1945, trabalharam com Hovland sobre a influencia social e a comunica~ao persuasiva, animados pela preocupa~ao de esc\arecer os mecanismos que haviam alimentado a for~a da propaganda durante a

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Segunda Guerra Mundial. Ou ainda aqueles que, a partir de 1954, na esteira de Allport, estudaram a hipotese do contacto como meio de contribuir para a fundamentarrao das poifticas de dessegregarrao. Na Europa, nao e possfvel separar a teoria de Tajfel, sobre a categorizarrao e a identidade social, das preocuparroes com a xenofobia e os preconceitos contra grupos culturais minoritarios. Da mesma forma, a teoria de Moscovici sobre a influencia social dos grupos minoritarios e das minorias activas, iniciada no dealbar de Maio de 1968, esta fortemente ligada as preocuparroes com a eficacia dos novos movimentos sociais e com a mudanrra social. A relevancia social desta disciplina encontra-se inscrita na sua propria teoria, e os seus perfodos de desenvolvimento tern sido, simultaneamente, perfodos de aumento da sua relevancia social e, consequentemente, da sua maturarrao teorica. Importancia da investigarrao e relevancia social foram dois dos eixos que organizaram a programarrao deste manual. 0 terceiro foi a atenrrao a produrrao nacional. A Psicologia Social e uma disciplina com uma historia breve entre nos. Como as demais ciencias sociais, esteve congelada pelo regime ditatorial que, ate 1974, marcou a vida quotidiana, mas tambem a vida cientffica, do nosso pafs. Por via das suas implica~oes na gestao das organiza~oes, algumas das preocuparr6es da Psicologia Social puderam ser ensinadas no perlodo pre-25 de Abril de 1974, quando 0 regime de entao esbo~ou uma inten~ao de reforma administrativa e se verificaram ensaios de modernizarrao da gestao ao nlvel do sector privado. Mas essa vertente da Psicologia Social, que hoje, em larga medida, esta na base dos estudos sobre 0 comportamento organizacional, nao e toda a Psicologia Social. Para alem do mais, muita da utilizarrao dos conhecimentos da Psicologia Social a esse nlvel so podia ser feita numa perspectiva de reprodurrao, dado 0 ensino universitario desta disciplina se encontrar limitado e as condirroes para a investigarrao serem nulas. Com 0 advento da democracia, foi possivel aIterar este estado da disciplina - 0 seu ensino expandiu-se e dao-se os primeiros passos na investigarr ao . Uma parte importante dos trabalhos emplricos e da reflexao teorica realizados entre nos reflecte-se na programarrao enos conteudos deste manual. E evidente que nem essa produrrao e tanta que pudesse marcar de forma clara 0 manual, nem 0 seu caracter de introdurrao a uma disciplina 0 deveria perrnitir, caso tal fosse possfvel. Procurou-se, assim, urn equilibrio aceitavel entre as preocuparr oes pedagogicas, as necessidades de uma certa coerencia transversal e a atenrrao a produrrao nacional e as orientarroes de cada autor. Exa~inemos agora a estrutura do manual. Os tres primeiros capitulos sao dedicados a historia da Psicologia Social. As rafzes desta disciplina na filosofia social europeia e no movimento intelectual que, nos finais do seculo passado, permitiu a emergencia das diferentes ciencias sociais sao analisadas por Alvaro Miranda Santos. Se tivessemos que eleger uma questao-chave nesse debate, a oprr ao recairia na tensao entre 0 individual e 0 colectivo. Esta e, alias, uma das questoes retomadas por Orlindo Gouveia Pereira ao relatar os pontos de ancoragem da Psicologia Social nos Estados Unidos. E e ainda em torno da resposta a esta mesma questao que Jorge Correia Jesuino situa a distintividade da nova Psicologia Social europeia. Estes tres primeiros capitulos contam-nos, afinal, como se foi constituindo 0 objecto da Psicologia Social e quais as orientarroes basicas das respostas desta disciplina as perguntas que foi formulando. Como qualquer disciplina, a Psicologia Social caracteriza-se pela natureza dos problemas que aborda e nao pelos seus metodos. Mas a abordagem metodologica de urn problema e ela propria configuradora desse problema. Este livro nao poderia, por isso mesmo, deixar de conter urn capitulo dedicado aos metodos. Combinando questoes epistemologicas e tecnicas, Jorge da Gloria escolheu 0



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problema da medida como aquele a partir do qual reflecte sobre as orientarroes metodologicas em Psicologia Social. Apos estes capitulos introdutorios, dois capftulos abordam urn problema nuclear na pesquisa psicossociologica - a perceprrao do outro e as rela~oes interpessoais. No capItulo sobre a forrna~ao de impressoes esta em causa a compreensao dos mecanismos basicos que nos pelmitem construir urn retrato estavel e coerente acerca de outrem, nomeadamente quando a inforrnarrao de que se dispoe e escassa. Mas sera mesmo necessaria qualquer inforrna~ao para que seja posslvel formar uma impressao e predizer 0 comportamento futuro de uma outra pessoa? E este 0 tipo de questoes analisadas por Antonio Caetano no capitulo V. Valentim Alferes propoe-nos, no capitulo seguinte, uma analise dos factores que estao na base de modalidades especfficas de relarr6es interpessoais - as rela~oes de amizade e de amor e 0 seu contexto emocional. Avaliar e explicar sao duas actividades que povoam a nossa vida quotidiana. Avaliamos e explicamos fenomenos sociais, comportamentos de outros e os nossos proprios comportamentos. A Psicologia Social dedicou muita da sua investigarrao a analise destas actividades quotidianas, nao so porque elas se repercutem na programarrao dos comportamentos individuais e colectivos, mas tambem porque constituem urn lugar privilegiado de compreensao do funcionamento cognitivo. o conceito de atribuirrao, abordado por Elizabeth Sousa no capitulo VII, e aquele que tern apoiado a compreensao dos factores que regem as imputa~oes de causalidade. 0 conceito de atitude, por sua vez, e aquele que da conta da dimensao avaliativa presente na apreensao de qualquer objecto. As atitudes sao analisadas no capItulo VIII por Maria Luisa de Lima. Praticamente no centro deste manual, 0 leitor en contra urn capItulo sobre a influencia social, da autoria de Leonel Garcia-Marques. Trata-se de uma tematica tambem central na Psicologia Social. Em sentido lato, poder-se-ia ate definir esta disciplina como 0 estudo da influencia social e poder-se-ia dizer que este problema esta presente em todos os capltulos. Mas exactamente porque esta tematica e de tao grande importancia para este ramo de conhecimento, ela foi-se especificando e assumindo progressivamente uma autonomia propria. E na sua dimensao restrita, embora percorrendo varios paradigmas, que a influencia social e abordada no capItulo IX. Nos ultimos anos, 0 paradigma da cognirriio social tern sido dominante em Psicologia Social e orientou 0 interesse desta disciplina para duas tematicas presentes em capitulos ja apresentados- a formarrao de impressoes e a atribuirrao causal. Mas estes ultimos vinte anos de pesquisa ainda nao atingiram os niveis de divulga~ao e popularidade alcan~ados por temas como as atitudes e os processos grupais. Alias, para alguns teoricos da Psicologia Social, iremos entrar numa nova era no estudo das atitudes e no renascer do interesse pela analise da vida dos grupos. No capitulo X, Jorge Correia lesulno apresenta os aspectos mais centrais na pesquisa sobre 0 funcionamento dos grupos, tomando como problema a relarrao entre estruturas grupais, processos grupais e eficacia dos grupos. Na sua heterogeneidade, os quatro ultimos capltulos estao ligados por uma clara mudanrra de nlvel de analise relativamente aos precedentes. A interac~ao desloca-se dos niveis interpessoal e intragrupal para objectos de analise mais macrossociais. 0 manual termina, assim. com uma analise das pripcipais tematicas da Psicologia Social da vida social. o desenvolvimento das teorias das rela~6es entre grupos, 0 significado das rupturas teoricas que tern pautado 0 seu discurso e a analise crftica do seu alcance explicativo sao desenvolvidos no capf-



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tulo XI, apresentado por Ugia Amancio. Uma saliencia especial e ai dada ao modelo da identidade social e as suas extensoes contemporaneas . As areas mais especfficas do conflito e da cooperac;ao entre grupos sao 0 tema do capitulo XII, de Maria Benedicta Monteiro. A identiflcac;ao dos sucessivos niveis de analise que tern sido adoptados para explicar a genese dos conflitos entre grupos, bern como a forma de os reduzir, constitui, neste capitUlo, 0 flo de ligac;ao das diferentes hip6teses que se desenrolam ao longo de meio seculo de investigac;ao. Num campo tensional entre 0 macrossocial e 0 psicol6gico, a analise dos processos atraves dos quais as pessoas constroem teorias sobre os objectos sociais, configurando assim 0 seu pr6prio campo de signiflcados e de praticas, integra desde os anos 60 urn conceito e urn paradigm a da Psicologia Social que Jorge Vala apresenta no capitulo XIII - as representac;oes sociais. Nele se passa em revista a literatura mais consensual neste dominio, mas tambem a mais polemica, tentando traduzir a perspectiva de que estamos perante uma area de conhecimento em que se vivem as contradic;oes e a fragiJidade de urn saber em construc;ao. No quadro do debate epistemol6gico entre 0 positivismo e 0 construtivismo social, Luis Soczka apresenta, no capitulo XIV, uma perspectiva ecol6gica da Psicologia Social. Da densidade populacional a proxemica, percorre as tematicas classicas e contemporaneas que nos chegam dos estudos ambientais. E encaminha-nos dialecticamente, bern ao seu jeito, para uma nova discussao. Convidamos 0 lei tor a utilizar este manual como quem usa urn caleidosc6pio: 0 movimento de uma leitura atenta e critica produzira combinac;oes e articulac;oes de teorias e problemas que, esperamos, serao nao s6 agradaveis como tambem estimulantes da pesquisa. Jorge VaLa Maria Benedicta Monteiro Fevereiro de 1993

AUTORES • Alvaro Miranda Santos, professor jubilado da Faeuldade de Psieologia e de Ciencias da Edueafiio da Universidade de Coimbra.

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Antonio Caetano, professor auxiliar do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa, Lisboa. Elizabeth Sousa, professora associada do Instituto Superior de Psieologia Aplieada, Lisboa. Jorge Correia Jesuino, professor eatedrdtieo do Instituto Superior de Cieneias do Trabalho e da Empresa, Lisboa. Jorge da Gloria, professor da Universidade Lusafona. Jorge Vala, professor eatedrdtieo do Instituto de Ciencias Socia is da Universidade de Lisboa. Leonel Garcia-Marques, professor auxiliar de Psieologia e de Ciencias da Edueariio da Universidade de Lisboa . Ligia Amancio,professora associada do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa, Lisboa. Luis Soczka,professor associado do Instituto Superior de Psieologia Aplieada. Maria Benedicta Monteiro, professora eatedrdtiea do Instituto Superior de Ciencias do TraballlO e da Empresa . Maria Luisa Pedroso de Lima, professora al/xiliar do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa. Orlindo Gouveia Pereira, professor eatedrdtieo da Faeuldade de Eeonomia da Universidade Nova de Lisboa. Valentim Rodrigues Alferes, professor auxiliar da ' Faellldade de Psieologia e de Ciencias da Edueafiio da Uni versidade de Coimbra.

• Jose Marques, professor associado da Faeuldade de Psieologia e de Ciencias da Edueafiio da Universidade do Porto. • Dario Paez, professor eatedrdtieo da Faeuldade de Psieologia da Universidade de San Sebastian.

• CAPiTULO I

Os primordios de uma disciplina - curso e percurso Alvaro Miranda Santos

A psicologia social realizou varios percursos ao longo do seu caminhar em direc~ao asua defini~ao epistemol6gica. Quase se poderia falar de caminhos e descaminhos da psicologia social. Nao seria valido, no entanto. Com efeito, mesmo os descaminhos nao sao descaminhos. Se bern reflectidos, se convenientemente reelaborados, em convergencia, podem constituir etapas validas para a rigorosa afirma~ao da validade episte- . mol6gica da pratica te6rica e da pratica aplicada, da psicologia social em constante renova~ao perante novos dados, encontrados na observa~ao experimental. Em consequencia, na medida em que se nos deparam caminhos e descaminhos, 0 tecido desta breve apresenta~ao vai patentear malhas que se Jigam entre si, umas de forma mais rigorosa, outras de forma menos rigorosa, e algumas seguramente sem liga~ao aparentemente nenhuma, vistas duma forma isolada. Perspectivadas no seu conjunto ate podem apresentar urn tecido relativamente aceilavel ou, mesmo, com subido interesse por deixar uma ou outra malha capaz de provocar urn alargamento, uma diversifica~ao, urn aprofundamento. Situando-nos no seculo XIX, por razoes facilmente compreensfveis, poderfamos apontar urn primeiro percurso, que iria da «ffsica social» e

suas variantes (Comte,1828; Quetelet, I 869), ate a «psicoffsica social» (Lilienfeld, 1896; Braga, 1908). Urn outro percurso mais ou menos paralela e bastante significativo iria da «Iingufstica» (Lazarus,1882; Steinthal,1877; Waitz,1849) ate a «psicologia dos povos ou popular» (Wundt, 1960; Le Bon, 1894). Com McDougall (1908) e Ross (1908), enfim, «psicologia social» ou a «psicologia social» no fim? Seguramente duma certa imagem ou ideia dessa mesma psicologia social. Haveria, portanto, urn novo percurso, centrado em torno da convergencia polemic a entre as «representa~6es» (Durkheim, 1898)e a«interpsicologia» (Tarde, 1890). Urn ultimo ou urn primeiro percurso seria 0 duma psicologia social em moldes «cientfficos»: Lundberg (1936), Kantor (1922), Mead (1934), entre os mais significativos. Esta possfvel pre-hist6ria, talvez proto-hist6ria, da psicologia social quer evitar a todo 0 custo cair no ]ugar-comum de ir buscar 0 infcio da ciencia ou das ciencias aos Gregos. Em primeiro lugar, essa ida «sugere» uma confusao entre 0 objecto sensorial e 0 objecto experimental ou cieritffico. Para 0 caso presente, seria felcil remontar ate ao dito «pai da hist6ria», Her6doto, para encontrar alusOes, apenas alusOes, a tematica da psicologia social, ja nao falando de contempora-

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neos e posteriores, como Hesfodo, Demostenes, SMocies Eurfpides e principal mente Aristoteles. No mundo romano seria de real~ar Tito Llvio, CIcero, particularmente Plfnio. 0 MOfo. Mesmo nos medievais, Agostinho de Hipona. Ibn Sinna e Ibn Kaldum. Tomas de Aquino e Anselmo, e mesmo Herbert de Salisbury. Entre os modernos, os portugueses das cronicas e dos relatos de viagens e. entre os estrangeiros, tantas vezes apoiados nos relatos portugueses. como e 0 caso de Montaigne. mesmo de Rousseau, de Campanella ou Th. Morus. Vamos ten tar compreender a historia da psicologia social. desfiando os seus percursos. Por outras palavras: vamos procurar construir uma historia da psicologia social. inventariando algumas das suas diversas «imagens» ou «representac;6es».

1. A primeira possihilidadl' Em 1908. McDougall publica An Introduction to Social Psychology. A primeira secc;ao desta William McDougall 1871-1938

obra leva por titulo: «As caracterfsticas mentais do humano (sao) de primeira importancia para a sua vida na sociedade». E a segunda realc;a: «A incidencia das tendencias primarias do pensamento humano na vida das sociedades» . McDougall e dado como psicologo. Ross. apresentado como sociologo. publica no mesmo anD urn outro livro: Social P!.~vchology, an Outline and Source Book. Ao contrario da forma tradicional «simpatia, imitac;ao. sugestiio», Ross propoe como que unidade de prfncipio a «sugestao-imitac;ao», assim como McDougall propoe como unidade de princfpio o «instinto». E aqui se encontra a base para uma distanciac;ao com interesse. Por outras palavras, aqui se encontra 0 fim da ambiguidade em psicologia social. ambiguidade que durou demasiado tempo. No entanto, alternativas varias foram desabrochando ao longo dos anos, umas menos e outras mais dominadas pelo bissubstancialismo, na forma particular que Ihe imprimiu Comte (1828): 0 humano era perspectivado em divisao, entre 0 biologo - instintividade - e 0 sociologo institucionalidade. Colocando em nomes, seria de dizer entre McDougall e Ross. Em consequencia, esta primeira possibilidade tern uma caracteristica muito especial: higienica. Comporta c1aramente 0 seu papel especffico, embora reforc;ando ora urn biologismo estreito na sequencia da struggle for life, ora urn sociologismo sistematico de «as massas fabric am a historia». ora uma junc;ao curiosa das duas perspectivas num «darwinismo social» de largas aplica~oes e de considenivel divulgac;ao. Neste ponto, vamos ficar por esta primeira parte dos caminhos e descaminhos, lobrigando ao longe a possibilidade definitiva da psicologia social como ciencia e conteudo cientffico especfficos. 0 ponto seguinte ira demonstrar. adentro das perspectivas dos seus autores, como e que ela foi acontecendo. Aqui ficara como e que ela se foi mostrando. ao menos no que diz respeito a grandes linhas ou a gran des espac;os da sua tematica.

2. 0 indivfduo e a sociedade Ainda hoje se encontram estereotipias. mais ou menos avatares, da antinomia tradicionalista entre o indivfduo e a sociedade. Trata-se de antinomias variadas que Palante (1913) resume do seguinte modo: a antinomia psicologica, na vida intelectual, na vida afectiva e na actividade voluntaria; e as antinomias: estetica, religiosa, pedagogica, economica, poiftica, jurfdica, sociologica e moral. Tais antinomias encontram-se mais ou menos esquecidas ou, ao menos, postas de lado . Trata-se mesmo duma linguagem que, em algumas das suas modalidades, ja nem sequer se encontra empregue. A urn olhar mais atento para a actualidade, na sua manifestac;ao global, encontra-se c1aramente presente e, mais do que isso, c1aramente extensiva a dicotomia criada pela dialectica actual: a antinomia entre personalidade e cultura. Esta antinomia domina em muitas retlex6es acerca da presen~a e interac~ao de culturas diferentes, acerca da aprendizagem escolar e, insensivelmente, passou para 0 linguajar do dia-a-dia. E nao admira: facil se toma observar a tal respeito uma quase uniformidade de certos dizeres e de certas perspectivas em meios de comunicac;ao social, quer escrita, quer falada, quer televisiva. Toma-se, portanto, operacional situar a antinomia de fundo e como e que se pensa supera-Ia. E, em primeiro lugar, de que constara ela na sfntese praticada por Palante. As retlexoes de Palante sintetizam bern urn certo numero de ideias correntes nos fins de XIX e infcios de XX. Assim. para os conteudos do vocabulo indivfduo, con vern superar 0 que ainda hoje e vulgar, ou seja: nao se trata do indivfduo dito primitivo, da natureza, a Rousseau (<
vincado em contraste com 0 colectivismo de qualquer cor que seja. Ideia de individual que apresenta 0 indivfduo como c1aramente independente - certas ideias de liberdade - , como podendo viver isolado na sua «torre de marfim». fora de qualquer tipo de sociedade. Ora, como refere Palante, tal indivfduo nao se encontra em lado nenhum. E aquele autor conc1ui com esta retlexao: «Torna-se indispensavel reconhecer que a consciencia individual e sempre, numa parte razmlvel, 0 retlexo das opinioes e dos costumes do seu meio, mesmo que se encontre em reacc;ao contra essas opini6es e esses costumes» (Palante, 1913, n. 2). Por aqui se pode adivinhar quais vao ser os conteudos culturais presentes no vocabulo sociedade. Nao somente nem principalmente 0 Estado. mas 0 conjunto dos «cfrculos sociais» nos quais participa urn indivfduo e as consequentes relac;oes complexas, nas quais se encontra envolvido pelo facto mesmo da participac;ao. Em qualquer hipotese, convem procurar evitar os dois extremos principais: «divinizar e anatematizar» a soc iedade (Palante, 1913, n. I), pois pode-se verificar sempre urn sem-numero de intluencias, as quais ora se adicionam e se refonram, ora se op6em e ate se neutralizam. Estamos numa certa actualidade, razoavelmente ambfgua: «0 homem e produto e produtor da sociedade e/ou da cultura». Seria de perguntar, nesta sequencia: tudo se equivale? E a resposta surge: nao, propriamente. Com efeito, ha uma diferenc;a aprechivel entre as antinomias que se podem enumerar e 0 realc;ar mais forte mente das antinomias entre 0 indivfduo e a sociedade. A primeira a ser equacionada vai ser a antinomia psicologica, pois constitui «a antinomia fundamental». Compreensivelmente: todas as outras nada mais sao do que extensoes ou aplicac;6es dessa. E torna-se interessante, para a analise que aqui me proponho, perspectiva-Ias como algo na dependencia da antinomia psicologica: 0 sujeito e 0 ponto de partida dos factos, no que ao humano diz respeito. assim como



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das leituras de tudo 0 resto e dele proprio. Acontece ate uma leitura particularmente significativa e mesmo representativa a este respeito. As antinomias sao inevitaveis. Com efeito, quanto mais diversificada e a sociedade mais se torna complicado favorecer um mfnimo de «ordem», a partir da ac~ao rotineira, mais ou menos imposta, e da regulamenta~ao crescente com vista a uma certa conformidade, por maior ou menor premencia. A vontade do indivlduo aspira a diversidade e ao poder, 11 independencia a sociedade esfor~a-se por reprimir este trlplice esfor~o da vontade individual, ( ...) unicidade, incomunicabilidade, instantaneidade, insaciabidade humana evidentemente impropria para uma sociabilidade perfeita ou mesmo urn pouco aperfei,¥oada ...corrigir 0 mais posslvel a unidade pelo conformismo, a espontaneidade pela regra, a instantaneidade pelo seguidismo, a instabilidade do desejo pelo apelo a resigna~iio e pelas perspectivas dos paralsos humanitarios (Palante 1913. p. 80).

Igualmente no que diz respeito a afectividade. Duas perspectivas opostas e dois tipos de expressoes van aparecer com uma certa nitidez. Dum lado, vai surgir a perspectiva sociologista, segundo a qual 0 facto social e, tem de ser, preponderante no que toca a expressao dos sentimentos e em~Oes, tendo em vista a possibiJidade duma uniformiza~ao, por uma socializa~ao progressiva das «sensibilidades». Do outro lado, encontramos a perspectiva individualista, por vezes dita psicologista, em forma tradic:ional, evidentemenle, a qual afirma a sensibilidade de cada urn constituir urn fundo irredutfvel a qualquer influencia social Impossfvel se tom a , portanto, acabar com as diferen~as no que toca a expressao dos sentimentos e/ou das em~oes. 0 fundamento desta diferen~a encontra-se na sua base: 0 individualismo. Com efeito, os individualistas tentam apoiar-se nas reflexOes fisiologicas, segundo as quais se torna quase impossfvel a unifica~ao sentimental. Pelo contrano, os sociologistas apoiam-se nas afirma~Oes daqueles, poder-se-ia dizer intelectuaIistas, segundo as quais a sensibilidade individual

pode e deve dobrar-se perante 0 poder e/ou a clareza das ideias. Ate porque, segundo os mesmos, a sensibilidade e uma especie de forma inferior da «inteligencia», como que uma razao confusa e escondida. Com efeito, segundo vcirios autores, referidos por Palante (1913), encqntramos: «A razao nada mais e do que urn sistema de categorias impostas a priori ao indivfduo pela consciencia social» (n. 74). Por conseguinte, afirma 0 primado e a preponderancia do «espfrito social» sobre a «alma individual». Como se pode depreender a questao fundamental, em termos de antinomia, e para Palante a seguinte: «As rela~oes entre a vida espiritual e o estado da sociedade. A vida espiritual no seu trfplice aspecto, inteligencia, sentimento e vontade e redutfvel as influencias sociais? E favorecida ou contrariada por elas e em que medida?» (1913, pp 75-80). Torna-se compreensfvel, na ciencia psicologica actual, que na vontade, que e actividade-manifesta~ao de afectividade, assim como no sentimento e na em~ao, igualmente expressoes afectivas, se encontrem oposi~Oes, mais ou menos vincadas, entre 0 indivfduo e a sociedade. Mas torna-se fortemente problematica a compreensibilidade da oposi~ao ou conflito ou antinomia entre as duas realidades que sao a inteligencia e a sociedade. No entanto, para Palante, trata-se dum facto bern caracterizado. Com efeito, os partidarios do monismo sociologico - Durkheim e Daghicesco tentam reduzir tudo, fisiologia, hereditariedade e ra~a, ao determinismo social. Diferentemente, por seu lado, critic am directamente 0 epifenomenismo de Maudsley e Ribot (Palante, 1983, 8 e 9 g.), os quais fazem derivar as formas superiores da intelectualidade humana do viver em sociedade. A cerebralidade e um produto do meio social. Em boa tradi~ao lamarckiana, afirmam: o meio e a necessidade de se adaptar tansformam e como que criam 0 orgao. Nao e a sociabilidade que resulta da cerebralidade, e a cerebralidade que

res ulta da vida social. A consciencia sera urn epifenomeno, nao do organico mas do social. Afirwarn textual mente: «A condi~ao essencial que estabelece a diferen~a entre 0 homem e os animais deve-se ao facto de 0 homem se desenvolver em sociedades em crescimento, enormes, ao passo que o animal se encontra a maior parte do tempo isolado ou tambem pode viver em bandos, mas desde sempre estacionarios e restritos» (1913, p. 9). Por outro lado, 0 seu cepticismo em rela~ao a hereditariedade, a ra~a, em suma, relativamente aos elementos fisiologicos, corresponde a um acto de fe no factor unico que e a socialidade, atraves da actividade educativa. Daqui, para 0 condicionamento em yoga, a behaviourista ou a reflexiologista, e um passo de palavra. A base da explica~ao e 0 paralelismo, estabelecido entre a evolu~ao social, dum lado, e, do outro, 0 grau de aperfei~oamento e afina~ao das inteligencias. Apos uma longa analise e do debate sobre a realidade do social e a realidade do individual, Palante sintetiza: «As razOes que nos levaram a conceder ao indivfduo uma certa realidade fisiologica e psicologica, independente da sociedade, arrastam como con sequencia a possibilidade teorica duma antinomia entre 0 indivfduo e a sociedade» (1913, p. 27). Mas isto no que diz respeito a forma de manifesta~ao da inteligencia, 0 que a tom a menos compreensfvel hoje, a nao ser para aqueles que advogam a «dissonancia cognitiva» (Festinger, 1957). Mas, se focarmos 0 modo como essa inteligencia se exerce, encontramos um novo tipo de antinomia, a qual consistiria no conflito entre a intui~ao e a no~ao, sendo esta constitufda pelo sen so comum ou «0 espfrito social» e aquela pelo senso proprio ou «espfrito individual» (1913, p. 30). Resta 0 problema da verdade. Este problema reveste, por sua conta, duas facetas: a verdade em perspectiva racionalista ou intelectualista, 0 mesmo e dizer, de clareza e distin~ao entre as ideias, concordancia entre as ideias e as coisas e

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entre os jufzos acerca das coisas; a verdade em perspectiva pragmatista apareceria com as caracterfsticas de utilidade e de eficiencia. Em ambos os casos, porem, comporta sempre uma fun~ao social: unifica~ao das inteligencias, disciplina intelectual e, consequentemente, factor de coesao social. Basta lembrar ter sido sempre ela, a ideia de verdade, a cidadela dos dogmatismos, a pedra angular das ortodoxias ideologicas, desde a ciencia a moral, desde a filosofia a religiao. Dos racionalismos correntes, claramente dogmaticos, o mais forte hoje e 0 racionalismo «cientista», entendamos, experimentalista. E ele que hoje aspira a hegemonia social, quer sob a forma de exclusiva verdade, quer sob a forma de eficiencia ou «racionalismo tecnico» (Palante, 1913, p. 38). Finalmente, haveria a considerar 0 usa e os objectivos da inteligencia depois de a termos considerado na sua origem ou genese e no objecto. Aqui encontra-se a mesma antinomia entre socialidade e individualidade. Uma pergunta final: tratar-se-a mesmo de antinomias? A resposta e faci!, se tomarmos 0 vocabulo antinomia no seu sentido mais vivencial do que logico. Com efeito, em term os de pares de n~oes contraditorias, acontece uma exclusao recfproca. Em tal senti do nao e plausfvel tal antinomia, pois nao so nao ha sociedade sem indivfduo, nem acontece indivfduo humano algum a nao ser que seja em grupo humano mais ou menos extenso. Em perspectivas contraditorias, torna-se admissfvel a antinomia. Com efeito, a exclusao recfproca nao e total nem de totalidade 10gica nem de totalidade vivencial. Trata-se apenas duma totalidade didactica e/ou pedagogica, cujo objectivo consiste em real~ar os factos e as perspectivas ou em real~ar a afirma~ao pessoal, a proposito ou a pretexto do tema. Restaria uma ultima hipotese: a exclusao dos dois termos da antinomia. Aqui encontramo-nos perante certas tom ad as de posi~ao em que se procura proclamar 0 niilismo dos factos,

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ou das perspectivas, ou dos domfnios do saber. E aqui vern com particular prop6sito: seria a posiyao das antinomias em torno da psicologia para impor a ideia da impossibilidade da ciencia psicologica em moldes experimentais. Neste sentido: como e impossfvel objectivar 0 subjectivo, nao pode haver psicologia, diz-se (Santos, 1972). No que ao texto de Palante se refere, temos que a antinomia entre indivfduo e sociedade acontece em perspectiva mais predominantemente vivencial, de vivencia das pessoas, a partir da opyao efectuada concretamente por urn dos dados da antinomia. Por outras palavras, como 0 refere Palante: antinomia pode significar que duas coisas se encontram numa relayao tal que 0 desenvolvimento duma acontece a custa do da outra, uma tende a destruir, a diminuir ou a enfraquecer a outra (palante, 1913, p. 272).

3. Uma pergunta-chave Neste ponto ou momenta seria de perguntar singelamente: em qualquer hipotese e em termos epistemologicos, sera legftimo falar de anti nomia entre indivfduo e sociedade? Tal pergunta pode justificar-se se tivermos presente uma outra, subsequente e antecedente ao mesmo tempo. Por outras palavras, uma pergunta radical: se a antinomia nao se manifesta ou nao encontra apoio nas vivencias, a vivencia de cada personalidade ou indivfduo traduz 0 que? Comecemos pelo princfpio. Qual sera 0 fundamento que leva G. Gurvitch (1957) a apelidar simplesmente de «falso problema» aquilo que constitui 0 problema de fundo em Palante, como resumo de tantos manuais de sociologia e de antropologia, de psicologia e mesmo de psicossociologia? Gurvitch, por sua conta, e frontal no subtitulo que aduz: «0 pretenso conflito entre individuo e sociedade» (Gurvitch, 1957, n. 36). E em hip6tese de reflexao a este prop6sito, a sua alternativa tern

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interesse. No entanto, e desviada do nos so objectivo por ser desviante, na medida em que nega validade epistemologica a psicologia social, por a negar mesmo a propria psicologia. Convem notar que 0 pretenso conflito entre individuo e sociedade, muito antes do advento da sociologia, ja era urn dos temas preferidos dos mais variados exercicios de retorica. Por isso subsiste, ainda hoje, uma razao a mais para 0 denunciar no contexto desta reflexao sobre os caminhos da psicologia social . Gurvitch, no entanto, acrescenta algo de interessante: imlmeros tecnicos, pensadores, filosofos e cientistas «agarravam» essas realidades como se fossem entidades abstractas, perfeitas e irredutiveis, facilmente utilizadas em «teses» ora individualistas ora colectivistas, ora nominalistas ora realistas, ora contratualistas, ora institucionalistas. Num passado proximo, encontramos Comte, Spencer, Tonnies, Spann, etc., em perspectiva anti-individualista; Tarde, Mill, Ward, Giddings, etc., em perspectiva individualista. Intermediariamente, veem interdependencia Simmel, Van Wise, Weber, Park, Burgess, Mac Iver e muitos outros, ao pas so que Durkheim e tantos dos seus discfpulos, em Franya, Cooley e sua escola, nos EVA, se afmnam pela independencia do facto social, irredutivel aos indivfduos, exercendo uma coeryao, maior ou menor, sobre eles (Gurvitch, 1957, p. 36). Se antinomias existem, sao-no mais na perspectiva do que na vivencia. No entanto, poderiamos formular a pergunta: a vivencia e vivencia de que, manifesta, traduz 0 que? Sem a menor duvida que a vivencia traduz e manifesta uma «leitura». Se de «leitura» se trata, partindo da perspectiva de que a pr6pria realidade e a leitura que dela efectuamos, ha que a tomar como tal ate que consigamos transforrna-Ia duma forma capaz de corresponder a totalidade do real em observayao, na fundamentayao duma «leitura» diferente. Vai ser 0 caso do bin6mio individuo-sociedade e do outro, mais actual, 0 bin6rnio personalidade-

-cultura. Este ultimo a tocar-nos muito mais de perto e muito rapidamente. Vamos ver porque. Toda a hist6ria da ciencia, como, alias, a hist6ria em geral, encontra-se em maior ou menor proporyao circunscrita a urn grupo, a uma organizayao ou a urn Estado (Na~ao), com mais ou menos ramifica~oes. Toda a hist6ria da ciencia, muito particularmente, apresenta-se como uma hist6ria apologetica das «conquistas do espirito humano», isto e, das grandes descobertas cientificas. Claro e perfeitamente compreensivel. Como e igualmente claro e compreensivel que, pela novidade da sua apresentayao, pelo realce que recebeu em termos de divulga~ao, principal mente pelo brilho das suas aplicayOes tecnicas, cada descoberta ofusque com a sua fulgurancia outras verdades ou outras realidades, outras pesquisas ou outras possibilidades de ir mais longe, ou mais diversificada ou diferentemente, na capta~ao de qualquer outra realidade em qualquer outro campo ou ramo do saber. Quase seguro, encontra-se aqui em forya a lei dos «tres estados» (Comle) a <~ogar» no sentido dum progressivismo de perfeita rectilineidade, colocando como paradigma a realidade mais facilmente observavel, mais facilmente sujeita a aplicayOes tecnicas. Por consequencia, parece querer impor-se mesmo decididamente ao que e do foro humano, ou em modo exclusivo de analise experimental em tudo 0 que representa investig~ao sobre 0 humano. Apesar da divulga~ao de vocabulos como progresso e/ou evolu~ao, quase esvaziados do seu conteudo e grandemente devedores a uma esp&:ie de destino cego, hoje, pouco ou muito pouco sentido podem ler. Ainda que se encontrem a imperar em for~a dentro duma «mem6ria colectiva» bastante tipica. Evidentemente, insustentavel (Santos, 1991). A altemativa consiste numa es¢cie de hist6ria da ciencia em genese. Tal «hist6ria em genese» por observayao para descoberta do «real» vai constituir 0 fio de Ariane, a conduzir pelos mean-

dros dum labirinto embrenhado, em direc~ao a ciencia psicol6gica, capaz de abarcar 0 humano na sua especialidade e na sua globalidade. Neste contexto adquire particular relevo a psicologia social apesar da sua tao propalada «infancia» (Allport, 1954), declarada e mesmo reclamada por diversos autores com responsabilidades. Adquire ainda, e para 0 caso, particular relevo 0 seu caminhar, feito de caminhos e descarninhos, os quais, em sintese, poderao constituir fonte inesgotavel de problematicas diversas e permitir ampliar, aprofundar, diversificar e, principalmente, especificar cada vez mais 0 humano, como objecto cientffico.

4. Uma segunda possihilidade Por todo 0 seculo XIX, cresce em grande for~a o interesse votado a linguagem, factor de base da e para a comunicayao. Nessa medida ve-se crescer 0 interesse em torno da manifesta~ao psicossociol6gica, ou seja, da interac~ao. Sem 0 nome, apenas. Em realidade, claramente. 0 nome era, na designa~ao de Ribot (1876), psicoiogia etnogrdfica. E foi na AIemanha que aconteceu esse relevo especial dado ao tema. Waitz (1849, 1859) centrou a aten~ao sobre povos em «estado de natureza», quase por oposi~ao ao estado de cultura. Sem aquela ponta de nostalgia por esse «estado de graya» , chegando-se a acusar a «civiliza~ao» senao mesmo a «cultura» ou a «sociedade» de 0 destruir (Moscovici, 1972; Roszak; 1967; Steiner, 1971). Waitz e mesmo Bastian (1881) tentavam compreender os povos «avanyados», recorrendo aos «primitivos», quase como aconteceu com Mead (1970). Caracterizavam, no entanto, 0 humano do seguinte modo: domina a natureza pelo trabalho; serve-se da linguagem articulada (verbal); constr6i noyoes que sao a base das rela~oes pessoais e grupais; estrutura concepyOes religiosas e/ou miticas,

20 a sua outra forma de presenlYa no mundo ffsico e humano. Oeste modo a «psicologia etnica» procurava uma descrilYao do homem social, do humano e seus grupos, na sua faceta de interaclYao. Esta interaclYao encontrava-se igualmente presente nessa outra problematica, designada por Volksgeist, e aqui a Ifngua adquire mais importancia e mesmo especificidade como manifestalYao que e de grupo cultural. A Ifngua consiste, efectivamente, num conjunto de elementos a constituir 0 instrumento basico da comunicalYao adentro do grupo e, consequentemente, objecto de aprendizagem da parte dos membros. Por este lado, a psicologia etnica ganhou impacte a partir de 1859. Este foi o ana da fundalYao da Zeitschrift fuur Volkerpsychologie und Sprachenwissenschaft, por obra de Lazarus e Steinthal. Foi este que, a partir de estudos diferenciais em historia, em geologia, em antropologia, em etnologia e, principalmente, em lingufstica, estabeleceu as leis psicologicas da linguagem. A psicologia etnica-preparava a psicologia social atraves da interaclYao, cujo instrumento e a Ifngua. No entanto, alem ou aquem desse instrumento encontram-se as mais diversas formas vivenciais e vivenciadas para cada urn em si mesmo considerado, assim como em grupo ou grupos, dentro e fora das «organizaIYOes». E daqui podemos apontar para urn outro passo no caminho para a psicologia social: a psicologia dos povos. E 0 caminhar da psicologia da linguagem ou da psicolingufstica para a psicologia dos povos. Em 1876, Reich publicou Studien ueber der Volksseele (Alma Popular ou do Povo) , obra onde procura demonstrar que «assim como entendemos por alma 0 conjunto das manifestalYoes da vida intelectual e moral dum sujeito, do mesmo modo compreendemos sob a designalY ao de Volksseele 0 conjunto das manifestalYOes da vida intelectual e moral duma nalYao, duma casta ou duma classe de pOvO». Ha que situar estas

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diversas formas de expressao verbal na respectiva epoca. Particularmente as que se seguem: a Volksseele nao constitui, portanto, uma personal idade real, mas apenas uma palavra para exprimir urn conjunto de estados e fenomenos (Reich, 1876, pp. 25 e 41). Duma forma curiosa, 0 autor propoe uma sequencia de actividades e perspectivas para conseguir conhecer a alma do povo, da qual fa lou entre nos, mais recentemente, J. Cortesao (1914): «Para que todos os portugueses se possam inteirar da sua alma». Do mesmo modo, e numa vasta gama de informalYoes directas sobre 0 viver popular e sobre a bibliografia acerca da «alma popular» encontramos T. Braga (1885) com os seus dois volumes 0 Povo Portugues. Em qualquer destes casos sempre houve a preocupalY ao de descobrir, por urn lado, 0 estado dos indivfduos e, pelo outro, as manifestalYOes que resultam da sua aglomera~ao, as quais contribuem para a definilYao da Volksseele. A pergunta e simples: a aglomeralYao dos indivfduos incide na «alma do poVO», como? Ha que real~ar, entretanto, os elementos, constituintes possiveis, dessa «alma do poVO». Sao eles, entre outros: a ra~a e 0 seu caracter primordial, as influencias hereditarias sao tambem de considerar com rigor. Ainda a considerar seria essa variedade importante de modos de viver, particularmente, os ritos, rituais e habitos alimentares. E ainda os cuidados exteriores do corpo na cidade e no campo, habita~ao e sol e sombra, assim como os climas. Quanto mais se pormenoriza mais claro fica que os componentes exteriores recebem uma importancia consideravel na forma de analisar a Volksseele. Por outro lado, havera que lan~ar urn breve olhar para as manifesta~Oes do «animador» da «alma do poVO». Em primeiro lugar, observa-se 0 tipo de temperamento na medida em que ele tern influencia directa na historia desse povo. Em segundo lugar, ha que ter em conta 0 caracter, 0 qual se encontra directamente relacionado com 0 tipo de govemo e as actividades

colectivas. Haveria que considerar ainda as diveras actividades intelectuais, os trabalhos e as prosdUyoes que dal decorrem: «A I'mgua, as artes, a tecnica repercutem-se na "alma do povo" e ao mes mo tempo manifestam-na e desenvolvem-na». Interessa considerar ainda como importante a moral na sua faceta de manifesta~ao duma «vontade» , ja individual, ja colectiva, particularmente pela sua possibilidade de afrontamento ou choque com as paixOes. Com efeito, 0 estado moral dum povo varia com a organizayao ffsica, a ra~a, 0 modo de viver, 0 exemplo das classes dirigentes, a vida em famflia, as variadas form as de religiao. Finalmente, 0 estado social e polftico traduz e ao mesmo tempo inc ide sobre a Volksseele, as leis, os regulamentos, as normas, a seguranya e as possibilidades de exercer a Iiberdade individual. Torna-se vantajoso insistir noutras «representayOes» . Assim, acontece que urn pouco antes de Reich, aparecia um outro som, embora mais ou menos no mesmo sentido sob proposta de Bastian (1968) , revestindo-se de particular interesse para o presente propos ito: Beitrage zur vergleichenden Psychologie (Contributo para Uma Psicologie Comparada). Urn tal contributo em termos comparativos vai incidir sobre os dados da etnografia o subtftulo 0 confirma: «A Alma e Suas Manifesta~oes e Aspectos na Etnografia». A retlexao distribuiu-se por tres partes principais as quais permitem a Bastian demonstrar 0 caminho percorrido pela ideia de seele: 0 conceito dum elemento psfquico; os antepassados e os manes; a patologia dos obsessivos e os curandeiros. Nao e facil supor, a partir do que fica dito, qual o caminho seguido por Bastian. Com efeito, ha urn facto mais relevante a apontar segundo este autor. E0 seguinte: «Encontramo-nos rode ados de maravilhas varias, cujas explica~Oes nos escapam. Deste modo, ao longo dos seculos, na variedade dos espa~os, foram inventados, transmitidos e/ou transformados usos vanos, rituais diversos praticas curiosas e "narrativas" interessantes, tanto

mais quanta particularmente esteticas e duma faceta pedagogica» (Bastian, 1868, p. 45) De tudo isso sao prova ou demonstrayao os variados comportamentos humanos a permitirem uma psicologia comparada ou uma comparayao das expressoes pessoais, referenciadas a grupos diversos. Este estudo comparativo permite a qualquer investigador libertar-se proveitosamente de «esquemas» de observayao e de analise, tao «correctos» quaD parciais, permitindo-Ihe atingir 0 humano, tanto quanta possfvel na sua globalidade. Em Der Volkergedanke im Aujbau einer Wissenschaft vom Menschen (0 pensamento do povo na construlYao duma ciencia dos humanos), Bastian (1881) propoe que, muito para alem de museus etnologicos completos onde penduramos vestes, armas e utensflios variados nos «preocupemos com estudar as diferen~as inventariadas, em termos de Ifnguas, costumes, tradiyoes, instituiyOes, leis, religiOes» (Bastian, 1881, p. 28). Oeste modo nao corremos o risco de perder tudo 0 que duma forma ou doutra nos pode falar do humano, no passado e no presente. Esta sim, seria a psicologia dos povos, para melhor compreender a personalidade em grupo e assim chegar a psicologia, simplesmente, enquanto analise cientlfica do humano. Especificamente,ou seja, nao apenas a partir da vivencia do contacto com esses produtos em grupo. Por outras palavras, a psicologia pode ser, correctamente, uma ciencia experimental, a tirar proveito desta galaxia de informa~oes no sentido de ir construindo uma «ideia» mais adequada sobre 0 humano que somos: psicologia social. Neste sentido, 0 serviyo a prestar pela psicologia social ja se pode adivinhar. Desde ha bastante tempo, no entanto, A. Schaeffle (1881) sugeriu algo com bastante interesse . Num tftulo a deixar-nos indiferentes pela sua generosidade, Bau and Leben des socia/en Koerpers (Organizariio e Vida do Corpo Socia/), retlecte duma forma interessante. Apesar de tratar da «organ izayao da vida», curiosamente, do «corpo social»,



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22 mais contrastante ainda, apela em vanas passagens para a importancia da psicologia social. Para 0 autor, a sociedade compreende dois elementos - um passivo e outro activo, ou sejam, as coisas e as pessoas. Por outro lado, 0 humano nasce numa sociedade e para uma sociedade. Por isso, e sociavel, cria novas fonnas de sociedade para caracterizar novas formas de interac~ao. Schaeffle utiIiza mesmo uma compara~ao: os seres vivos compoem-se de moleculas materiais; no entanto, as moleculas enquanto tais nao sao vivas. Do mesmo modo, a sociedade e composta de indivfduos e de coisas. Nem uns nem outros sao sociedade, mas, ou por isso, intennediariamente, apareceu 0 grupo quer de referencia, quer de perten~a ou os dois . Consequentemente, e continuando a comparacao, assim como no corpo ha fibras e ganglios, etc., no grupo as fibras sao as fonnas e os meios de comunica~ao, os quais, em vez de movimentos nervosos, transmitem sfmbolos, vefculos das ideias, diversificadas quase ate ao infinito. Por isso e que os indivfduos e/ou os grupos podem trocar ideias. E assim se fonna a «vida psicologica da sociedade». Estamos em psicologia. Mais propriamente, em psicologia da vida social ou «na vida psicologica da sociedade». Por outras palavras: existe uma «consciencia social de que emanam, ao menos em parte, as consciencias individuais» (Schaeffie, 1881, p. 105). No entanto, estas nao sao monadas independentes. Desta fonna toma-se facil explicar certos fenomenos do genero «epidemias morais», a falsear ou perverter as vontades, a favorecer resolu~oes comuns. ajuizamentos partilhados sobre os outros, sobre as coisas ou sobre os acontecimentos, sobre os gostos publicos ou sobre os costumes (Schaeftle, 1881, p. 78). Encontra-se aqui uma perspectiva ainda hoje corrente, a do contagio social. No entanto, e born notar, as consciencias, por si mesmas, encontram-se abertas as ideias e, consequentemente, a

transfonna~ao.

Curiosa fonna de falar do que mais tarde foi, entre outras coisas, a «estrutura basica da personalidade» (A. Kardiner, 1939) e ainda a «sociogenese» (Santos, (987). Por este lado. poderia dar-se rea Ice a outro autor. Vierkandt ( 1896) incJina-se mais cJaramente para a psicologia social do que para a psicologia dos povos. Com efeito, nao Ihe interessam os «tra~os» comuns as «consciencias» individuais, duma na~ao, duma ra~a. 0 que pretende e dispor, regularmente, em tomo dum centro psicologico, a diversidade dos factos sociais. Urn tal centro e constitufdo por actividades, particularmente por estas duas: 0 instinto ou actividade irretlectida e a vontade ou actividade retlectida. A primeira seria ados selvagens e a segunda ados civilizados. Esta perspectiva constitui 0 fundo do Iivro Naturvoelker und Kulturvoelker (Povos Primitivos e Povos Civilizados). E em subtftulo: «Ein Betrag zur Socialpsychologie» (<
mostra uma ausencia notoria de born humor, de aleg ria de viver e de domfnio da inquieta~ao . As ideias sao coerentemente ligadas e os actos apontam para valores que dao a moral a fonna de algo a cumprir. Esta, por sua vez, vai incidir sobre a religiao. Toda a ordem parece divina quando e moral. Economia polltica previdente, arte criativa, ciencia explicativa, consciencia escJarecida pelo valor e uma religiao-moral constituem a predominancia da vontade sobre 0 instinto. Vierkandt nao pretende, esta bern de ver, que existam efectivamente estes dois grupos, nem apenas estes dois grupos . Trata-se mais propriamente de prototipos, a permitirem todos os matizes, quer neles mesmos quer entre os dois. Edeste modo que poderfamos analisar a grande variedade de manifesta~oes societais e culturais. A passagem entre estes dois extremos depende da dominancia do instinto ou da vontade. Dominando 0 instinto, factor de atrac~ao e de uniao entre os humanos, 0 sentimento social encontra-se no maximo. Dominando a vontade, factor de desuniao ou de separa~ao entre os humanos. a sociedade que se civiliza caminha para 0 suicfdio.

o homem e urn animal social nao e urn animal civilizado.

o instinto une. a vontade separa: onde domina 0

instinto , a sociedade e forte e temos a barbarie: onde a vontade domina, na civiliza"ao, a sociedade enfraquece-se. Eclara a antinomia entre a sociedade e a civiliza"ao e a harmonia entre a moral e a civiliza"ao . A civiliza"ao e uma nor rara e efemera, na Historia da humanidade. como a actividade voluntaria do indivfduo (Vierkandt. 1896. pp . 5, 24 e 26).

Algo con vern reter nesta caminhada: na diversidade das formas de interac~ao e dos conteudos interactivos em foco, 0 humano encontra-se todo, por inteiro, a justificar, pela sua criatividade, a diversidade das manifesta~oes. Apesar de toda esta retlexao, com urn certo interesse, enfermar de generalidade pronunciada, e born coloca-Ia em foco, pois encontra-se com certa frequencia, sem as pessoas dela se darem conta. E, neste contexto duma aproxi-

ma~ao

a psicologia social. encontramos algo de

mais expHcito e de mais significativo, ao menos historicamente. Antes de todos os autores, seria de focar com urn certo relevo Lilienfeld (1873): Gedanken Ulber die Social Wissenschqft del' Zukun!t (RejZexoes sobre a Ciencia Social do Futuro). Que 0 autor «olhe» a sociedade como urn organismo, aceita-se embora se discuta. Apesar disso, no segundo tomo da sua obra as Leis Sociais, ja aponta para urn sentido diferente do direito e da sua consagra~ao em tennos de preceitos. No terceiro torno, no entanto, a come~ar pelo tftulo ha algo de significativo: Psicoftsica Social. Desde 0 infcio, adentro das tentativas de atribuir a psicologia urn lugar no domfnio dos saberes experimentais, logo apareceu urn esb~o de perspectiva psicologica. Se Fechner (1860), qualquer que seja 0 significado da sua obra Elemente del' Psychophysic (Elementos de Psicoftsica), se propos realizar algo de diferente no domfnio da investiga~ao sobre 0 humano, em plena euforia da antropologia fisica, amplificada com a divulga~ao das perspectivas de Darwin e outros, do mesmo modo e logo no infcio alguem se propos perspectivar a psicossociologia, qualquer que seja o valor da sua obra. Importa, isso sim. real~ar que a perspectiva psicossociologica brota espontanea em momentos de observa~ao do humano. lndubitavelmente trata-se dum esbo~o, cJaramente real, do que pode vir a ser a psicologia social, quer quanto ao objecto de estudo, a interac~ao, quer quanto ao metodo rigorosamente cientffico, adentro dos quadros representacionais da epoca, facilmente identificados no sentido da sua propria supera~ao. Como sera praticado na sequencia. Ja antes de Lilienfeld (1873) e mesmo de Fechner (1860). algo de interessante, mesmo de curioso, ao menos para 0 nosso olhar de hoje, estava acontecendo. Ventilou-se, duma forma inedita ou significativa, no tftulo e no conteudo duma obra: 0 Humano e 0 Desenvolvimento das Suas Potencialidades (Quetelet 1835). A sua

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25 Wilhelm Wundt 1832-1920

proposta, expressa no subtftulo «Ensaio de Ffsica Social», consistia em aplicar a estatfstica aos fenomenos «morais», para implementar a teoria do «homem medio». Neste contexto e sem afinnar nem infinnar a validade - para aqui irrelevante - con vern praticar uma breve referencia a Wundt. 0 menos con hecido talvez mesmo simplesmente desconhecido pelas historias da psicologia, tendo presente a divulga~ao, atraves do paradigma ffsico-matematico e biofisiologico, da sua obra: Grundzuge der Psysiologischen Psychologie (Princfpios Oll Elementos na Psicologia Fisiol6gica) (Wundt, 1874). No entanto, basta e e fundamentallembrar a Voelkerpsychologie (Psicologia do Povo) (Wundt, 1900) para se nos deparar uma contrapartida notavel a essa divulga9ao maci~a por e para uma ideia inadequada da psicologia e, no caso, redutora dum pensamento e de perspectivas largas e diversificadas. 0 proprio Wundt 0 afinna mais ou menos por estas palavras: sao inumeras e ricas as fontes de infonna9ao objectiva que se oferecern a psicologia, a prometerem melhores

resultados do que a observa9iio interior, enganadora e, ainda, impraticavel. Mesmo limitando-nos ao simples domfnio dos factos, nada ha a temer. A sua vasta Volkerpsychologie encontra-se ao alcance de todos e apta a demonstrar que a vida, os costumes, as tradic;6es, as crencras, a propria linguagem dos «povos selvagens» oferecern uma materia demasiado vasta a investiga9ao cientffica. Wundt vai mais alem e quase preanuncia, insistindo que 0 estado psfquico destes povos e 0 resultado de circunstancias tao complexas que podem escapar - escapam e escaparam - a observac;ao desarmada. E acrescenta: e lamentavel que ate hoje nao se tenha arrancado a estes documentos urn unico facto em perspectiva psicologica. E, no entanto, encontram-se elementos dum elevado interesse psicologico nas «cosmogonias» tradicionais dos «selvagens», assim como nas «mitologias» dos povos civilizados. Em ambos os casos, quanta ha a esperar duma releitura desses dados arqueologicos vistos nao apenas como produtos mortos, mas como vivencias vivas de pessoas e de grupos. Tais dados foram desconsiderados, desprezados por vezes, mesmo destrufdos, ate material mente , sob pretexto de inutilidades supersticiosas, para uns e para outros, de cren~as obscurantistas. No entanto, a partir duma interpreta9ao lucida e aprofundada ou diversificada de todos esses velhos documentos Iiterarios - orais e/ou escritos - tao importantes se nao mais, tao ricos se nao mais do que os monumentos em materia dura, revelar-se-a algo bern desconhecido. Toda essa literatura, oral e/ou escrita, muito podera contribuir para mais adequada leitura-interpreta~ao, isto e, para mais especffica observac;ao cientffica, do humano e dos humanos, atrayes da analise da linguagem e dos seus conteudos mais do que das suas fonnas, adentro da comunidade humana e de cada comunidade humana. Ja antes, convem frisa-lo, se exprimia urn portugues lucido, em contacto com as populac;oes kiokas que 0 maravilhavam: «Tendo-nos como

rnodelo s ... as realidades que vemos, levamo-las a conta de selvajaria, para com desprezo lralannos o negro e chegarmos a triste e erronea conclusao que queremos fa~,a eco no mundo civilizado: de que os povos da Africa sao brutos e como tais so a tiro se podem submeter aos nossos usos e costumes; ou entao que deles nada se pode fazer por serem rebeldes ao ensino» (Carvalho, 1890, p. 45). Tinha afinnado paginas antes: «Se ha estudo que exija mais sossego de espfrito e maior imparcialidade de opiniao e, sem contestacrao alguma, 0 das tribos african as com que se logra estar em contacto; e, sem este estudo despreocupado, a etnografia nao pode progredir nem fixar-se em bases seguras» (Carvalho, 1890, p. 4). Propostas preciosas contra 0 etnocentrismo, seja de qual cor for ou mesmo de cor neutra, este a negar validade e valiosidade a ciencia e a pratica psicologicas, particularmente de psicologia social. Em Volkerpsychologie, Wundt real~a a grande vantagem que pode trazer para a compreen sao da personalidade a analise dos fenomenos que resultam da ac~ao psicologica recfproca. Consiste nisto 0 papel da «psicologia etnica»: «Observar cuidadosamente os fenomenos psicologicos que se encontram na base do desenvolvimento geral das sociedades humanas e do aparecimento dos produtos colectivos dum valor geral» (190 I) . A seguir avan~a mais esta ideia curiosa: a psicologia etnica diz respeito a alma e nao ao espfrito. A ideia de alma, com efeito, e de fenomenos psicologicos comporta sempre a relac;ao a urn corpo, os fenomenos psicologicos sao-nos dados, ligados a urn corpo. E a alma colectiva (Volksseele) e tao real como a alma individual. Observa~ao mais pertinente ainda e esta: os fenomenos sociais nao sao nada que possa acontecer fora das almas individuais '" e a alma colectiva e assim urn produto (nao urn somatorio) das almas individuais de que se compoe (nao e mistura); estas, por sua vez, sao igualmente produto das almas colectivas de

que fazem parte. Wundt atribui mesmo como objecto cientffico a psicologia etnica: a) os problemas do mito, a pensar nos comec;os das religioes; b) os problemas dos costumes a pensar na origem, fonna~iio e desenvolvimento da cultura; c) os problemas da Iinguagem, a pensar nos movimentos de expressao (criticando Darwin e Spencer para realc;ar as express6es de intensidade, de qualidade e de representac;ao das emoc;oes), a pensar na Iinguagem gestual, com particular realce para a faceta simbolica, pensar nos sons, na sua faceta natural e na sua transforma~ao cultural, e a pensar finalmente na palavra, particularmente na sua faceta especffica de linguagem, constitufda pela lingua (Wundt, 1880). Este realce dado a linguagem tem urn significado especial: a Iingufstica pode ajudar a psicologia a atingir urn ideal claro de objectividade, do qual beneficiaria, por sua vez, a propria lingufstica. Quem for capaz de analisar a historia duma palavra, ao longo de milhares de anos, con segue captar a historia duma ideia enquanto fenomeno cultural. Isto prende-se com a importancia atribufda por Wundt (1885) a representa~ao (Vorstellung). Esta constitui, com efeito, a faceta objectiva (curiosamente) em rela~ao ao sentimento, oposto, por sua vez, a sensac;ao (ou impress6es sensoriais directas), a constituir a faceta subjectiva. Ao contrario de Herbart (Ribot, 1876), 0 qual faz derivar 0 sentimento da representac;ao, Wundt ve nas duas express6es humanas fenomenos coordenados dum so e mesmo processo. A dificuldade subsiste em clarificar as diferen~as entre fuhlen (sentir), begehren (desejar) e wollen (querer) e, consequentemente, a rela~ao de cada uma dessas actividades com a representac;ao . Problema que se encontra em Novikov (1897) com a chamada «consciencia social» e, particularmente, a «vontade social». Social, como? Soma ou sfntese ou outra coisa? Assunto para outro espa~o (Santos, 1978).

a

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5. A terceira possibilidade ou poh~mica radical Encontramo-nos uma vez mais com 0 vocabulo representarao. A variedade dos seus conteudos pode receber alguma c1arifica~ao, se nos ativermos a sua primeira grande aplica~ao nestes domfnios, obra ou iniciativa de Durkheim (1898). Sugeriria que se trata duma reflexao fundamental para 0 nosso prop6sito. A psicologia social nao tern aqui nem caminho nem descaminho. Pelo contnirio, encontra aqui uma rampa de lan~a­ mento para muita da sua originalidade . E isto por varias razoes. A primeira, por exemplo, aqueJa que ressalta das posi~oes de Durkheim (1898), dizendo nao ao socioJogismo biol6gico, ao biologismo psicol6gico e ao psicologismo biossocio16gico (Durkheim, 1998, pp. 296-7 e 302). Mas ainda se encontra tanta gente a raciocionar dentro destes esquemas tradicionalistas! E tudo isto, porque? Por causa do abuso das analogias, por outras palavras, por virtude de converter a analogia em demonstra~ao. Claramente: A sem-razao dos sociologos biologistas nao consiste. portanto, em usarem da analogia, mas de a terem usado rna!. Quiseram, nao controlar as leis da sociologia pelas da biologia . mas induzir as primeiras das segundas . Tais inferencias nao possuem qualquer valor; com efeito , se as leis da vida se encontram na sociedade. e sob formas novas e com caracterlsticas especfficas que a analogia nao permite sequer conjecturar e que, por outro lado, so podem atingir por observar;ao directa (Durkheim , 1898, p. 273) .

Uma segunda reflexao coloca-nos no objectivo que directamente procuro atingir, apoiando-me em Durkheim:

e

Mas ainda muito mais natural procurar as analogias que podem existir entre as leis sociologicas e as leis psicologicas porque estes dois reinos encontram-se muito mais imediatamente vizinhos urn do outro. A vida colectiva. como a vida mental do indivfduo, consiste em representar;oes; consequentemente, e presumfvel que representar;oes individuais e representar;6es sociais sejam. ate certa medida. companiveis . Vamos, efectivamente. tentar mostrar que umas e outras comportam 0 mesmo tipo de relar;oes com 0 seu

~ ub~trato respectivo. No entanto. esta aproxima<;ao. longe de justiticar a concep<;ao que reduL a sociologia a ser apenas urn colonirio da psicologia individual, acentuarJ. pelo contnirio. o realce da independencia rclativa destes dois mundos e destas duas ciencias (Durkheim, ~898. pp. 273-4) .

Muito mais facil se toma, deste modo,libertos das estereotipias do passado, ainda cultivadas no presente, por anacronismo, evidenciar a especificidade da psicologia social, especificidade ja real e ainda a tomar muito mais real no futuro. Se tivermos presente que as representa~6es continuam a existir, ja porque se pode demonstrar essa persistencia, ja porque agem umas sobre as outras, autonomamente em rela~ao ao estado dos centros nervosos ... ou seja, a vida representativa, porque nao e inerente «8. natureza intrfnseca da materia nervosa», subsistindo por suas pr6prias for~as ou caracterfsticas, possui, consequentemente, modos de ser que Ihe sao pr6prios. Por outro lado, se os factos sociais sao, ate certa medida, independentes dos indivfduos e exteriores as «consciencias» individuais, .0 reino social estrutura-se por si pr6prio como 0 reino psfquico. A sociedade comporta como substrato o conjunto dos indivfduos associados , como 0 indivfduo 0 conjunto de celulas nervosas. Mas nem o indivfduo nem a sociedade sao constitufdos pelo simples somat6rio dos seus componentes (Durkheim, 1898, p. 294) . As representa~6es colectivas sao algo de diferente das representa~6es individuais . Cada uma delas e outra «coisa». Urn composto qufmico concentra, unifica elementos e, pelo facto mesmo, transforma-os. E sabido: as propriedades do composto nao sao as propriedades dos elementos e, muito menos pelo facto mesmo, 0 seu somat6rio. As representa~6es colectivas nao sao as individuais, nem 0 seu somat6rio. A sociologia nao e a biologia e vice-versa; nem a biologia a psicologia e vice-versa; nem a psicologia a sociologia e vice-versa. Do mesmo modo, a psicologia social nem e psicologia nem e sociologia (Durkheim, 1898, p. 302).

Em resumo, podfamos recorrer de novo a Durkheim e as suas preciosas Regles de la methode sociologique (1895-1968): Eis uma ordem de factos que apresentam caracterfsticas muito especiai<;; consistem em modos de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivfduo e que se encontram dotados dum (lOder de coerr;ao em virtude do qual se Ihe impoem; nao poderao ser confundidos , por conseguinte. com fenomenos organicos, pois consistem em representar;oes e acr;oes; nem com os fenomenos psfquicos, pois nao existem fora da consciencia individual e por meio dela . Esses factos constituem, portanto. uma nova especie e a eles apenas deve ser dada e reservada a qualificar;ao de sociais (1 968, p. 17, sub!. do autor).

Deste modo, e muito mais faci! e significativa a enfase dada por Durkheim aos fen6menos «sociopsfquicos». Em que sentido? Quanto as suas manifestar;6es particulares , participam de algo de social, pois reproduzem em parte urn modelo colecti vo; no entanto, cada uma delas depende tambem e numa larga medida da continua<;ao organo-psfquica do indivfduo, das circunstancias particulares em que se encontra colocado. Nao sao, portanto, fenomenos propriamente sociologicos. Dizem respeito. simultaneamente, aos dois reinos; poder-se-iam apelidarsociopsfquicos (Durkheim, 1968, pp. 1-17).

Embora numa linguagem da epoca, encontra-se aqui algo de muito mais adequado e, porque nao?, Weido se compararmos com 0 que ainda hoje por af circula. Num outro escrito, diz com uma certa ponta de humor: Nao vemos 0 mfnimo de inconveniente em que se diga da sociologia que e uma psicologia se se toma 0 cuidado de ajuntar que e psicologia social, com as suas leis pr6prias, muito diferentes da psicologia individual (Durkheim, 1897, p. 352).

Anteriormente ja tinha dito algo de semelhante e diferente: Quando dizemos simplesmente psicologia. entendemos psicologia individual e conviria, para a c1areza das discussoes, restringir deste modo 0 sentido do vocabulo. A psicologia colectiva e simplesmente a sociologia (Durkheim, 1898. p. 302) .

Relativamente aos conteudos da cieneia, enquanto objecto cientffico, apresenta-se clara a

posi~ao de Durkheim: «Sempre que urn fen6menD social e explicado por urn fen6meno psfquico, podemos estar certos de que a explica~ao e errada» (Durkheim, 1897, p. 128). E pratica-se tanto esta atitude como a inversa: urn fen6meno pessoal aparecer explicado por urn fen6meno sociol6gico,0 que, consequentemente, nao deixa de ser menos errada. E tao frequente! Ao passar a enumera~ao dos mesmos, Durkheim afirma: «Do mesmo modo que os povos antigos eram coagidos pela necessidade de fe comum para viver, n6s somo-Io pela necessidade de justi~a» (1897, p. 382). E assim se toca directamente num dos grupos de conteudos: as praticas, as realidades e os valores religiosos que Ihes dao consistencia, quer sejam organizados quer nao, quer se encontrem institueionalizados quer nao. Vejamos outros exemplos de factos sociais, alem dos religiosos: fala de templos e de monumentos, refere-se aos Iivros e aos c6digos, evidencia os mitos ao lado dos ritos, os formularios ao lado das institui~6es . E avan~a: assim como a psicologia contemporanea, alargando a no~ao tradicional de realidade psfquica, reconhece existencia positiva ao inconseiente, do mesmo modo a sociologia deve admitir urn modo de existencia pr6pria, ainda que num sentido inexpressavel, seja na linguagem do mecanismo biol6gico, seja na Iinguagem da conseiencia clara ou da reflexao, as representa~oes colectivas, as tendencias, as cren~as e as regras sociais . Resumindo: «0 mundo novo que assim se abre a eieneia ultrapassa todos os outros em . complexidade e nao e apenas uma forma ampliada dos reinos inferiores» (Durkheim, 1968, p. 302). Esta preocupa~ao de preservar a especificidade dos fen6menos sociais - 0 vocabulo encontra-se neste espa~o a qualificar a eiencia psicol6gica -, nao permitindo, sob nenhum pretexto, que sejam reduzidos a algo nao social, encontra-se refor~ada com outra ideia: a obrigatoriedade e pro va provada de haver factos, resultando de modos de pensar e agir, que nao sao apenas obra do sujeito



28 ou, por outro modo, tudo 0 que e obrigatorio tern a sua origem fora do indivfduo. A coerriio: eis 0 que se en contra total mente fora das perspectivas de Tarde (1890). Muito longe. o fenomeno social por excelencia, cujas leis permitem compreender a maior parte dos fenomenos colectivos, e a imitariio. As leis da psicologia individual bastam para dar conta da psicologia social, a qual constitui, no fundo, toda a sociologia: Existe urn feiti90, urn deus ex machina de que todos os novos sociologos usam como urn "Sesamo, abre-te", de cada vez que se encontram embara9ados. E tempo de denunciar este abuso que se torna real mente inquietante. Este talisma explicativo e 0 meio. Quando esta palavra e largada, tudo fica dito. 0 meio e a formula que serve para todos os fins e cuja ilusoria profundidade serve para encobrir 0 vazio da ideia (Tarde , 1898, p. 80) .

E exactamente 0

que afirma Durkheim, invertendo, no entanto, a ordem: «Sem duvida, todo 0 facto social e imitado, tern, como 0 acabamos de demonstrar, uma tendencia a generalizar-se, mas porque e social, isto e, obrigatorio. 0 poder de expansao de que se encontra dotado constitui nao a causa mas a consequencia da sua caracterfstica sociologica ( ...). Alem disso, podemos interrogar-nos se 0 vocabulo imita~ao e, ao certo, aquele que convem para designar uma propagacrao, devida a uma influencia coercitiva ( ...). Como estamos longe da definicrao que serve de base ao engenhoso sistema de Tarde» (1895, p. 12). E a polemica, para 0 presente proposito, sobe de tom: Tarde come~a pelo largo, com notoria aplicabilidade urn seculo depois. Des~amos, no entanto, urn pouco. Ao quase sensorial: Quando se considera uma destas grandes coisas sociais, uma gramatica, um codigo, uma leologia, 0 espfrito individual parece tao pouca coisa por compara9ao com estes grandes monumentos que a ideia de ver nele 0 unico pedreiro destas catedrais gigantescas parece ridiculo a certos sociologos ( .. .). Daf para diante e so um passo para pretender, como 0 meu eminente adversario, Durkheim, que, muito longe de se tratar duma fun9ao dum indivfduo, elas

constituem os seus propflOS factores. que elas existem independentemente das pessoas humanas, que elas governam despoticamente. projectando sobre as pessoas a sua sombra opressiva (Tarde, 1898. p . 142) .

Haveria, no entanto, uma reserva a realcrar adentro do pensamento de Tarde: para ele, nao comporta 0 minimo significado nem 0 sociobiologismo, ou biossociologismo, nem 0 sociopsicologismo ou 0 psicossociologismo. Apenas, que ha sempre manifestacroes em grupo e manifestacroes individuais para toda e qualquer personalidade: Como e que. repito. estas realidades sociais se auto-realizam? Vejo com facilidade que. uma ou outra vez, 0 foi por coer9lio, a maior parte das vezes por persua<;ao, por sugestlio, pclo prazer singular de que gostamos, desde 0 ber90. de nos impregnar dos exemplos dos nossos modelos circundantes, como a crian9a aspira ao leite da mlie. Vejo tudo isso claramente . Ma<; como e que estes monumentos prestigiosos de que falo foram construfdos e por quem. a nlio ser por homens e por esfor90s humanos? Quanto ao monumento cientffico. talvez 0 mais grandioso de todos os monumentos humanos, nlio pode haver Ii menor duvida (Tarde. \898. p. 143).

Tarde concluiu: Durkheim formula e sublinha a regra seguinte. que Ihe parece capital: deve-se procurar a causa determinante do facto social entre os factos sociais antecedentes e nlio entre os estados de consciencia individual. Vamos as aplica90es: a causa determinante da rede de caminhos - de ferro - deve ser procurada. nlio nos estados de consciencia de Papin, de Watt. de Stephenson e outros. nlio na serie logica das conceP90es e das descobertas que inspiram estes grandes espfritos. mas sim na rede das estradas enos caminhos de malaposta que existiam anteriormente (Tarde, 1898, p. 80).

Aqui nos encontramos num tema frontal acerca do qual as posicroes se extremizam com facilidade, tomam mesmo os antfpodas. Se a perspectiva de psicologia social, actualizada, estivesse presente, dificilmente aconteceriam estes extremismos. Com efeito, nem a personalidade e contra a cultura nem vice-versa, nem a personalidade e nada especificamente sem a cultura (grupo sociocultural), nem a cultura e nada sem a personalidade. Outra e a orienta~ao da reflexao de Tarde, em contraposicrao a de Durkheim. Se olharmos a

. de I'imitation, encontramos claramente: d 'd . d as semelhan~as sao eVl as a repetlcr oes » «Todas 1890 pIS). A repeticrao e a lei do mundo: (Tar e, "

US lOIS

emelhan9as que podemos observar no mundo Tod as as S " fisico, astronomico (atomos dum mesmo corpo. qUllI1lCO , mesmo raio luminoso, camad as concentncas - ' de oodas _dum ' f ) das quais cada globo celeste e 0 oco, etc. tern por atra, C9ao 11'cadio e causa possivel mOVlmentos . pen'00'lCOS e, \1nlca exp T , ' vibratonos (Tarde, 1904. p, \5), , 'aim pnnC1P ente ,

Qual sera 0 cientista q~imico ou . ~isico que odera aceitar esta reflexao, ou 0 blOlogo que ~odenl aceitar estoutra: Todas as semelhan9as no mundo vivo resultam da transmissao heredit:iria. da gera9uo quer intra, quer extra-organica. E atraves da parentidade das celulas e das especies que se explicam hoje as analogias ou as ~omologias de uaiquer tipo, inventariadas pela anatorrua comparada q , Iogla ' entre os eIementos corpoentre especies e pela hlStO rais (Tarde, \ 904. p, 15).

E os psicologistas, os educadores, os pedagogistas ainda hoje aceitam 0 vocabulo imita~ao, glosando-o em termos de identifica~ao, empregando-o como a explicacrao mais objectiva sob a forma de pedagogia ou de educacrao pelo exernplo. Ate na psicologia do desenvolvimento (Guillaume, 1968, p. 1926). Para Tarde, as caracteristicas da imita~ao sao as rnesrnas que se encontram no hipnotismo. Trata-se de algo automatico: «0 estado social como o estado hipnotico nao passam duma forma de sonho, urn sonho de ordem e urn sonho de accr ao » (Tarde, 1898). Socialmente, a imitacrao manifesta-se sob duas formas: atraves do tempo, duma geracrao para outra, irnperiosa e indiscutida, principio de irnobilidade e de conserva~ao. Toda-poderosa nas sociedades restritas e isoladas, e a tradicrao. Atraves do espacro, entre contempodineos, mais fugitiva e passageira, divers a e multipla, principio de rnudancra e muitas vezes de progresso, dOminante nas sociedades vastas e moveis, e a moda. E assim se explica tudo em termos de semelhancras, excepto aquelas que radicam directa-

29 mente no fisiologico. E levanta-se a pergunta: e a invencrao? A inven~ao, como manifesta~ao exclusiva do individuo, so se toma social na medida em que for imitada. E assim se compreende que estas duas manifestacroes humanas, antiteticas e essenciais, a invencrao e a imita~ao e, subsequentemente, as duas disciplinas, a psicologia e a sociologia, se misturam e se provocam reciprocamente (Tarde, 1895, pp. IX e 9, e 1998, p. 36). Daqui se pode avancrar: Tarde, com 0 seu magnifico artigo de 1904, lan~ou uma perspectiva mista mais adequada ao titulo de iniciador iniciante na psicologia social do que os dois homens, Ross e McDougall, comprometidos em atavismos culturais, negadores na especificidade desta perspectiva cientifica.

6. Abcrtura ao futuro E voltarnos a data celebrada por todos, 1908, e aconsideravel ambiguidade das perspectivas na clareza dos titulos: Social Psychology. Ao passo que McDougall se contenta com urn titulo prudente Introduction, Ross procura afirmar, An outline and SourceBook. Segundo Allport (1954, p.44), das duzias de textos public ados nos EUA, urn pouco mais de metade foi escrito por psicologos e urn pouco menos de metade por sociologos. Seria de perguntar: que psicologia, que sociologia? Ambas se apresentarn de grande pendor biofisiologico. McDougall, ao fazer depender 0 social da actividade instintiva, e Ross, ao interpretar os factores situacionais e sociais, pendem para uma leitura corrente, real~ando a base orgamca. Significativamente, ja antes, Galton tinha estabelecido uma distincrao clara entre Nature and Nurture (1874). E, em 1911, Baldwin volta a afirmar algo de interessante em termos ambiguos, para a nossa epoca - The Individual and Society. Sera 0 prenuncio claro de algo notorio e notavel com Kardiner: The Individual and His

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Society (1939), assim como The Psychological Frontiers of Society (1945). Seria de referenciar, porque significativa, a reflexao do pr6prio McDougall (1922). Uso e Abuso de Instinto em Psicologia Social, a preceder a pergunta, mais interessante ainda, Can Sociology and Social Psychology Dispense with Instinsts ? (McDougall, 1924). E a pergunta radical aconteceu urn pouco antes: How is a Science of Social Psychology Possible? (Kantor, 1922). E aqui encontra-se a observa~ao seguinte, em dupla vertente: primeira, «a base de todos estes preconceitos de inumeras ramifica~oes consiste na conce~ao fisiol6gica da psicologia»; segunda, «tal conce~ao, recordamo-Io, com~ou a ser desenvolvida e elaborada por meados do seculo passado» (Kantor, 1922, p. 62). E conclui: <<.4 fortiori, se as ciencias fisicas podem ser e sao, efectivamente, disciplinas que investigam e avaliam factos como ocorrem na natureza, sinto-me em confian~a para afirmar que a psicologia social pode tomar 0 seu lugar apropriado no dorninio das ciencias positivas» (Kantor, 1922, p. 78). E responde a pergunta titular do seguinte modo: «Para fazer da psicologia social uma ciencia ha que abjurar vigorosamente duas concep~oes: a) estamos a tratar com causas no sentido de que os fen6menos sociais dependem de condil(oes inevitaveis; b) estas causas residem nos constituintes estruturais e funcionais do individuo, a saber, todos os complexos fen6menos sociais sao, meramente, 0 desenvolvirnento e 0 cumprimento dos impulsos e necessidades inatas do humano». Toma-se indispensaveI uma boa purga, higienica, destes preconceitos. Pela positiva: todos os fen6menos, adentro da psicologia social, constituem expressOes comuns de sujeitos particulares, a partir da sua elaboral(ao pessoal das mensagens, em interacl(ao. Na linguagem do autor, ha estimulos institucionais - objectos, aCl(oes ou circunstancias - que chamam a resposta do sujeito enquanto membro dum grupo. Por exemplo: edificios,

aCI(Oes, musicas, gentes, jogos, deuses, etc. Algumas das instituil(oes sao coisas, outras sao aCI(Oes; algumas possuem uma base fisica ou estrutural e muitas outras sao exclusivamente culturais. Todas, no entanto, apelam a uma resposta individual em referencias grupais. Daf esta reflexao final: «To be a science social, psychology must become the study of responses to institutional stimuli, and the origin and development of such phenomena must be investigated as the operation of mutual interchanges in social responses of persons to specific stimuli» (Kantor, 1922, p. 77). Em suma: estes carninhos e descaminhos da psicologia social podem sintetizar-se em tres momentos: primeiro, uma certa sintese hist6rica; segundo, uma certa sintese epistemol6gica; terceiro, uma tentativa de constru~ao progressiva certa. Convem reall(ar, finalmente: ao insistir na atenl(ao aos conteudos vivenciais, propus-me sublinhar que todo 0 agente age a partir de conteudos vivenciais, manifestados atraves de formas de interacl(ao, criados pelo agente ou pelos interagentes. Desse modo, toma-se inevitavel insistir na atenl(ao ao humano como 0 unico capaz de agir. E nao por qualquer humanismo, ate porque se reveste de pouco interesse apelar para 0 humanismo. Tantos se julgam humanistas!... Mesmo aqueles que reduzem os humanos ao nao humano ou a parcel as do humano atraves de «leituras» mais ou menos metafisicizantes. Iosistir no humano, enquanto realidade especifica em manifestal(Oes especificas, procura dizer que a observal(ao praticada sobre ele nao pode esquecer nem as semelbanl(as nem as diferen~as. A observal(ao devera ter em conta a globalidade na sua complexidade, em perspectiva de observal(ao experimental. Futuro da psicologia social: prestar servil(o aos humanos em comunidade e contribuir, secundariamente, embora importante, para a especifical(ao da psicologia, pela especificidade da perspectiva sobre 0 humano, qual seja, a sociabilidade por intermedio da culturalidade.

CAPiTULO II

A emergencia do paradigma americano Orlindo Gouveia Pereira

Nos Estados Unidos da America, na primeira metade do seculo xx, a psicologia social tornou-se uma disciplina cientlfica aut6noma. Por isso mesmo, tern uma curta existencia e uma longa hist6ria I. OS problemas a que procura dar resposta sao interrogal(oes perenes da humanidade, surgem nos ditos da sabedoria oriental, sao precis ados nos prim6rdios da filosofia grega, ressoam na ret6rica romana, surgem nos escritos dos padres da Igreja, reformulam-se na Renascenl(a e, a partir dai, dividem-se e intersectam-se nos mais diversos ramos de conhecimento humano e social. o seculo XIX e 0 momento em que, como afmna Gordon Allport (1954, 1968, 1985) no texto chissico que tern sobrevivido a todas as reedil(oes do Handbook of Social Psychology, as «teorias simples e soberanas» competem para a1can~ar urn principio unitario de explica~ao comurn a psic6logos, soci6logos, antrop610gos, economistas, polit610gos e eticistas. Mas este e tambem 0 ponto em que os saberes de referencia se separam e os metodos de cada urn se especializarn, com claro pendor para privilegiar 0 canone da ciencia positiva.

A psicologia, com Galton (1869, 1875), no Reino Unido, e com Fechner (1860) e Helmholtz (1853, 1878), na Alernanha, toma-se urn campo de pesquisa em que os efeitos de aspectos da realidade, traduzidos pelos parametros fisicos (intensidade, frequencia, altura, etc.), sao procurados na inflexao que produzem em acontecimentos mentais (estar consciente de sentir ou nao sentir varial(oes, por exemplo). Este radical reducionismo do estimulo a sensal(ao e aos seus correlatos neurol6gicos, nao obstante 0 indiscutivel sucesso e consequente respeitabilidade, que se alicerl(ava tambem na capacidade de utilizar a estatistica e modelos matematicos, cedo foi denunciado como tal. Outras dimensoes, inclusive a social, pareciam indispensaveis a construl(ao de uma psicologia humana. Nos Estados Unidos da America, a psicologia adquiriu uma marc ada oriental(ao funcionalista (W. James, 1890) e pragmatista (Dewey, 1886, 1922) e cedo se envolveu, em grau muito mais marc ado que no Velho Continente, com a necessidade de a aplicar a dorninios como a educal(ao, a industria, a opiniao publica, a medicina, etc.

I Disse-o Ebbinghaus (1908) da psicologia. Aplicou-o. entre outros. R. Farr (1991) 11 psicologia social. desirnplicando os prec(mceitos positivistas latentes na afinna~ao.

• 32 Foram estes dois aspectos dominantes da psicologia transatlfultica - 0 funcionalismo e a aplica~ao - que melhor explicam que a America reunisse as melhores condi~oes para que, ai, a psicologia social se autonomizasse. Em boa verdade, as principais figuras que vieram a destacar-se no fundo americano e a fomecer os impulsos fundamentais para que tal se produzisse foram urn ingles, Bartlett (atraves de urn livro sempre republicado, desde 1932, Remembering), urn turco emigrado, Sherif, urn alemao fugido ao nazismo, Lewin, urn austriaco emigrado, Heider, e urn polaco, tambem emigrado, Asch. Todos eles contribuiram para que urn objecto especffico da psicologia social emergisse das hesita~oes entre, por urn lado, tentar explicar 0 dominio socioeconomico-cultural postulando mecanismos psicologicos e, por outro, ao inves, a fazer do psicologico uma mera decorrencia daquele dominio. Ao demonstrarem que a interdependencia do comportamento podia ser estudada e, mais do que isso, podia fomecer explica~oes praticas, novas e relevantes, aquelas figuras contribuiram para que urn objecto, singular e independente, se tomasse 0 foco da psicologia social. A quesmo do metoda levou muito mais tempo a estabilizar e resultou, por urn lado, do processo negativo de «nonnaliza~ao» da ciencia, operado pelos professores universitarios, candidatos a doutoramento e directores de revistas, fazendo exigencias fonnais cada vez mais estritas, e, por outro, do processo positivo de autonomiza~ao de psicologias sociais aplicadas a gesmo (comportamento organizacional), engenharia (factores humanos), saude (psicologia clinica) , politica (opiniao publica e interven~ao social), jurisprudencia (comportamento no processo judicial e desviacionismo), preserva~ao do ambiente (psicologia social ecological, economia (comportamento economico), educa~ao (psicopedagogia social), antropologia (etoopsicologia e cultural, etc. Exigindo novos desenvolvimentos teoricos e

refinamentos metodologicos, estas novas disciplinas sao hoje e mais do que ha quarenta anos 0 «motor» principal das investiga~oes psicossociologicas. Falta na lista acima a etica social. A. Comte (1830) e 0 positivismo contribuiram para que os psicologos sociais se sentissem, durante quase urn seculo, envergonhados por se debaterem por tais questOes, mas certos desenvolvimentos da propria disciplina (manipula~ao experimental de sujeitos), bern como mudan~as significativas das rela~Oes sociais e da propria cultura, questOes proprias da interven~ao sobre familias, grupos etnicos, minorias, etc., estao a pressionar a psicologia social para que volte a confrontar a interdependencia do comportamento moral.

1. Os Iivros e as correntes Como foi referido no capitulo precedente, em 1908, curiosa coincidencia ou, como diria Boring (1950), 0 historiador americana cia psicologia, emana~ao do Zeitgeist, urn psicologo de origem inglesa, W. McDougall, e urn sociologo, E. Ross, publicam livros intitulados Social Psychology. Nestes dois livros pioneiros, podemos ver 0 reflexo de duas orienta~Oes dominantes nos primeiros anos da psicologia social americana, centrada sobre a possoa e sobre a situa~ao social. Contudo, se repararmos que W. James e J. Dewey usaram como constructo explicativo da ac~ao social 0 habito e se atentarmos que por esta altura se iniciam os estudos sobre as atitudes, podemos verificar que todos os autores tendiam para utilizar o que Campbell (1963) vira a chamar disposifoes comportamentais adquiridas como fundamento teorico das explica~Oes funcionalistas. Compreende-se 0 peso das teorias simples soberanas de que G. Allport falava: 0 hedonismo (prazer e dor), a simpatia (rela~Oes de amor), 0 egoismo (poder), a imita~ao (empatia, condicionamento, estrutura~ao cognitiva, identifica~ao)

mo (fenomenos colectivos). Para alem e a sugeS lassicos, na linha que leva de W. James a ~sc I ., d MeOOUgall, encontramos 0 evo uClOrusmo• e . os estudos de Galton e dos naturallstas lD , oacW . ' .tanicos sobre 0 comportamento arumal e a PSIbn .a eomparahva. . E esta vIa . que rra "desemb0coIogI . , o comportamenhsmo, que se mantera hedocar . (tal como a pSlcanCl . ~I') . tan e associaciorusta lse . O1S . ' d ' 1 Mas 0 comportame~hsmo, ato~smo e estimu 0 e res posta, tinha sldo precedldo pelas demonstra~Oes da Escola de Wuertz~ur~ sobre 0 ~ensa­ mento sem imagens e a tendencla deterrrunante. Watt (1905) eAch (1905) demonstraram que toda a ac~ao finalizada e determinada por urn esquema dinfunico, Einstellung 2, que re1aciona, ordena e faz entrar em ac~ao os diversos comportamentos necessanos para que ela possa ser levada a cabo. Ora 0 instinto, 0 habito, a imita~ao, a atitude, sao, antes de mais, modelos de ac~ao, embora postulem processos fonnativos diversos. As atitudes iraQ aparecer como 0 constructo central da psicologia social nascente por congregarem num so 0 conceito, a percep~ao e a cren~a sobre uma realidade social (componente cognitivo), a sua atractividade ou repulsa (componente afectivo) e a propensao para agir sobre ela de uma maneira especffica e com certo empenho (componente volitivo). A constru~ao de metodos fiaveis para avaliar as atitudes permitara uma rapida aplica~ao ao diagn6stico e interven~ao sobre a realidade social. Esta tradi~ao culminara num livro decisivo que sintetiza os estudos de G. H. Allport e colaboradores, The Nature of Prejudice, publicado em 1954, e que alguem ja disse dever ser «leitura obrigatoria» para qualquer ser humano. Os preconceitos, como disposi~oes comportamentais adquiridas, que assentam em forte e repetidamente actualizado

33 consenso intragrupal, dirigem segmentos importantes e decisivos das rela~Oes intergrupais. Nao obstante 0 pioneirismo de McDougall e Ross, foi 0 livro de Baldwin, The Individual and Society, publicado em 1919, que deu foro a psicologia social no seio das ciencias sociais. (Alias, Baldwin parece ter sido 0 primeiro americana a usar a expressao «psicologia sociah>, numa conferencia em 1897.) Presente nos escritos dos tres primeiros autores espelha-se uma outra controversia, que parte de Galton, e que opOe explica~oes sociais em termos de factores biologicos (hereditariedade e instinto) ou em tennos de factores sociais (aprendizagem e desenvolvimento pessoal social e culturalmente condicionado), the nature versus nurture controversy. 0 exito do comportamentismo na America ira fazer pender a balan~a para o prato da aprendizagem social. Esta mesma postura ira influenciar a sociologia americana (teoria do papel social) e a antropologia cultural (influenciada pela psicanalise). Em sintese: - 0 papel social - modelo de desempenho ligado a uma posi~ao social - e igualmente uma disposi~ao comportamental adquirida. Na sua origem encontramos tres autores: G. H. Mead (1912), que, em conjunto com Dewey, foi 0 ultimo dos psic610gos-fil6sofos americanos, com Mind Self and Society, publicado em 1934; Merton, com Social Theory and Social Structure, publicado em 1957, e Goffman, com The Presentation of Self in Everyday Life, publicado em 1959. - A decada de 30 e dominada pelos antrop6logos. Em 1935, Ruth Benedict publica Patterns of Culture, de matriz estruturalista, e Margareth Mead, Sex and Temperament in three Primitive Cultures, muito mais funcionalista. A obra de G. Bateson (1971), que com ela foi casado, e se dedi-

2 Em ingles set. Em portugues mio ha vocabulo consagrado. «Tendencia detenninante» e outro modo de os autores referirem Einstellung. «Plano comportamental» enquadra-se na moda dos computadores, mas «atitude» tambem podera ser usado, pois eS'a e mais uma disposi~ao comportamental adquirida.

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PSICOLOGIA SOCIAL OSFACTOS 1759 - Adam Smith publica Teoria dos SeJ:!timentos Morais, em que discute 0 papel dos motivos humanos na estruIUra social. 1779 - Anton Mesmer, «magnetismo» e hipnotismo. 1789 - Jeremy Bentham publica lntrodufiio aos Prillcipios da Moral e da Lei, em que defende 0 hedonismo em bases ~ticas e sociais. 1793 - Philippe Pinel funda a psiquiatria modema. 1798 - Robert Malthus publica «Urn Ensaio sobre 0 Principio da Popula~lio» . 1809 - Karl F. Gauss descobre a curva nonnal dos erros. - Jean B. Lamark apresenta a teoria da hereditariedade das caracterfsticas adquiridas. 1813 - Robert Owen cunha os tennos «ambiencialismo» e «socialismo». 1838 - Isaac Ray publica Urn Tratado de JurisprudDnciaMedica sobre alnsa/lidade, urn dos primeiros sobre psicologia social. 1846 - Soeren Kierkgaard publica as bases do existencialismo. 1834-1850 - Weber, Fechner e Helmholtz lan~am as bases da psicologia experimental. 1852 - Herbert Spencer usa a palavra «evolu~iio». 1855 - D. Noble publica Elementos de Psicologia Medica. 1859 - Conceito de meio intemo de Claude Bernard. - Teoria da evolu~ao de Charles Darwin. - Teoria dos instintos sociais de John Stewart Mill. - Teoria da determina~o social de consciencia de Karl Marx. 1869 - Teoria da hereditariedade da inteligencia de Francis Galton. 1872 - Darwin publica Expresstio das EmOfoes nos Homens e /lOS Animais. 1876 - Galton introduz 0 dilema «natureza versus cria~iio» . 1877 - Galton utiliza a correla~iio estatfstica. - Alexander Bain lan~a as bases da psicologia da educa~iio. 1879 - Funda~iio do primeiro laborat6rio de psicologia experimental por Wilhelm Wundt. William James fundara urn laborat6rio de documenta~iio, em Harvard, em 1874. 1883 - Nosologia piquiatrica de F. Kraeplin. 1890 - James Frazer trata as culturas primitivas em termos de psicologia social; - Gabriel Tarde publica-As Leis da lmitartio. 1895 - Gustave Ie Bon publica A Muitidtio, teorizando sobre a sugestiio no grupo e a mente grupal. 1897 - Havelock Ellis publica Estudos sobre PSicologia Sexual. - Theodor Lipps introduz 0 tenno empatia. 1898 - E. L. Thomdicke estabelece as leis de efeito e do exercfcio, fundamentos do comportamentismo modemo. - Descoberta da droga psicoactiva, mescalina; - E. B. Titchener desenvolve a psicologia estrutural, em confronto com 0 funcionalismo (James, Dewey). 1900 - Publica~iio da PSicoiogia dos Povos (dez volumes) por Wundt. - Publica~iio, por Sigmund Freud, da lnterpretaftio dos Sonhos. - Publica~iio, por A. Binet, de Sugestionabilidade. 1901 - Defini~iio dos reflexos condicionais por Ivan P. Pavlov. 1904-1905 - Na Escola de ~uerzburg, Watt e~. Ach estabelecem a no~iio de Einstellung (tendencia deterrninante), que tera lugar dorrunante no estabeleclmento da no~iio de atitude em psicologia social. 1908 - William McDougal e Edward Ross publicam livros com 0 tftulo Psicoiogia Social. 1909 - Publica~iio de A VOlltade de Poder, de Friedrich Nietzche. - Maria Montessori desenvolve urn sistema de educa~iio. - Funda~iio da psicoJogia da configura~iio por Max Wertheimer. 1913 - S. Freud publica Totem e Tabu. - J . Watson publica 0 «manifesto» do comportamentismo. - Hugo Muensterberg aplica a psicologia Aindustria. 1916 - Primeiro professor de psicologia apJicada nos EUA, Walter D. Scott. 1919 - Primeira empresa americana de psicologia industrial.

Herry Head introduz a no~iio de «esquema». Teste de Rorschach e tipologia de Kretschmer. Testes alfa e beta do exercito americano. Detector de mentiras. L. Levy Bruhl cstuda a mentalidade primitiva. DisC£pulos de Pavlov definem a ncurose experimental. _ J. Piaget estuda a linguagem e 0 pensamento das crian~as . _ F. C. Bartlett defende que 0 estudo das culturas primitivas csclarece a psicologia social contemporiinea. 1924 - Floyd Allport publica Psicologia Social. 1925 - Komilov funda a psicologia materialista dialectica. _ Burt estuda as causas da criminalidade juvenil. 1926 - B. Malinowski estuda 0 sexo e repressilo nas sociedades primitivas. 1927 - BJuma Zeigarnick dcfende a tese sobre a mem6ria da~ tarefas incompletas, sob a orienta~iio de K. Lewin. _ Heidcgger publica 0 Ser e 0 Tempo. 1929 - Moreno desenvolve a tecnica psicodramatica. _ Szondi funda a amilisc do destino. - Fenomenologia de Husserl. - Lasker estuda as atitudes sociais nas crian~ . 1930 - Teoria da homeostasia de Cannon. 1932 - Zucherman estuda 0 comportamento social dos simios. - F. C. Bartlett estuda a mem6ria individual e social. 1933 - Desenvolvimento da escala de distancia social de Bogardus. - A Universidade de Yale funda 0 Instituto de Rela~oes Humanas. - C. G. Jung publica 0 Homem Modemo em Busea da Alma. 1934 - Desenvolvimento de diversas escalas de medida. 1935 - Suspcnsilo da publica~ao de revistas de psicologia social na URSS. - Desenvolvimento do thematic apperception test (TAT), por C. Morgan e H. Murray. - Kurt Lewin publica Uma Teoria Dim11nica da Personalidadee. no ano seguinte, Prilldpios de Psieoiogia TopolOgica. 1936 - Leucotomia de Egas Moniz. - Forma~iio da Sociedade para 0 Estudo Psicol6gico das QuestCies Sociais. 1938 - B. F. Skinner introduz 0 condicionamento operativo. - Desenvolvimento da cibemetica pOl' N. Wiener. 1940 - H. S. Sullivan propOe a teoria interpossoal da psiquiatria. 1941 - Visiio social da psicamilise de E. Fromm. 1942 - Desenvolvimento da psicoterapia centrad a sobre 0 cliente, de C. Rogers. 1943 - J. P. Sartre desenvolve a psicanalise existencial. - Desenvolvimento da terapia de grupo. 1945 - Harvard funda 0 Departamento de Rcla~oes Sociais, 0 Massachusetts Institute of Technology (Mm e 0 Centro de Investiga~iio de Dinllmica de Grupos, sob a direc~iio de K. Lewin. - M. Mer/eau-Ponti publica A Fellomen%gia da Pereep~iio. 1946 - V. Frankl introduz a logoterapia e a n~iio de inten~iio paradoxal. - Primeiros estudos sobre engenharia de factores humanos. 1947 - G. Allport publica os estudos sobre boatos realizados durante a guerra. - Publica~ao do Relatorio Kinsey sobre a sexualidade masculina nos Estados Unidos. - C. Shanson publica a Teoria Matel1u1tica da Comullicar;ao. desenvolvida durante a guerra. - Um psicologo e elevado a par do reino (F. C. Bartlett). 1950 - A teoria do stress. de H. Selye, expande-se no campo psicol6gico. 1951 - K Lewin publica A 7'eoria do Campo em Ciencias Sociais. 1952 - Descoberta da c1oropromazina, 0 primeiro neuroleptico. - Solomon Asch publica Psicologia Social, estudo do comportamento de grupo do ponto de vista da psicologia da configura~iio. 1953 - Desenvolvimento da psiquiatria social. - Primeiro c6digo deontol6gico dos psic6logos. 1954 - Desenvolvimento de teorias comportamentistas sociais. 1956 - Descnvolvimento das teorias do duplo la~o da esquizofrenia, por Gregory Bateson e colaboradores, em Palo Alto. 1960 - Expansiio dos estudos de engenharia de factores humanos e ergonomia. 1920 1921 1922 J923

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cou sucessivamente a biologia, antropologia, psiquiatria, teoria dos jogos e comunica~ao, procurando estabelecer uma interdisciplinaridade sistemica, so muito mais tarde se tomou influente. - Ern 1932, F. C. Bartlett pulica ern Inglaterra Remembering, livro de uma originalidade notoria e que, atraves de sucessivas reimpressOes, viria a influenciar tanto a psicologia cognitiva quanto a social, ern diversas gera~Oes de americanos. - Na dec ada de 40, a psicologia social deu os pass os decisivos para a sua independencia por for~a dos emigrados europeus, fundamentalmente Kurt Lewin, que, mais que uma escola ou uma ortodoxia, sempre procurou estimular os discfpulos a que explorassem vias proprias de investiga~ao. Por isso criou muitas amizades e muitos «seguidores independentes», tomando-se 0 homem mais influente neste campo. - 0 livro de S. Asch, Social Psychology, publicado em 1952, sera 0 ultimo dos grandes c1assicos influenciado por uma corrente, a psicologia da configura~ao (Gestalt). A sua erudi~ao e originalidade experimental assegurar-lhe-ao sucessivas reedi~oes. - Finalmente, com C. Murchisson (1935) e, a partir de 1954 e com novos editores, Lindzey e Aronson, ern 1968 e 1985, sera 0 Handbook of Social Psychology a referencia fundamental da area. Come~a a era dos livros especializados sobre assuntos especfficos. Os manuais de psicologia social pass am a ser, antes de mais, textos didactic os para uso universitcirio.

2. 0 fundo A psicologia social constituiu-se nos Estados Unidos, como se referiu, a partir de uma psicologia que era fundamentalmente funcionalista. William James, que nao era urn experimentalista, reconheceu a importancia da linha alema e descrevia-a corn muito porrnenor nas suas aulas

(colectadas ern 1890, nos Principles of Psychology), mas nao deixava de a criticar, opondo-se ao elementismo de Wundt. Por exemplo, quando exarnina a corrente do pensamento, James afuma que a consciencia e pessoal, isto e, cada pensamento e «perten~a de alguem». Alem disso, a consciencia esta sempre a mudar: «Nenhum estado de consciencia pode alguma vez recorrer e ser identico ao que foi antes». Mas a mudan~a opera-se na «continuidade» (mesmo depois de dorrnir, a possoa reconhece-se a si propria). Finalmente, e essencialmente, a consciencia e selectiva, isto e, «escolhe». Tal escolha nao tern como referente tanto a liberdade quanta a aten~ao. Esta e ditada pela «relevancia» dos estfmulos. Quem ler 0 original, mais que por este resumo, apreciara 0 cruzamento do pensamento antigo, pre-socratico, com as sugestoes de modemidade, que so muitos anos depois deram fruto. A teoria do proprium aparece aqui esbo~ada, bern como o conceito fundamental de psicologia cognitiva e, para alem dela, a implfcita resposta ao porque da escolha atentiva. John Dewey (1986), discfpulo e amigo de James, ira, em Chicago, aliar 0 funcionalismo ao pragmatismo e, por esta via, a psicologia americana, no dealbar do seculo, ira lidar com a mente em ac~ao e nao corn urn mero sujeito passivo que responde a estimulos. Por vezes, sao as figuras secundarias que melhor resumem as linhas de for~a de uma corrente. Assim, Angell (1904), discfpulo de James e Dewey, define os princfpios da psicologia funcionalista. Ela e «uma psicologia das opera~oes mentais em contraste corn a psicologia dos elementos mentais». 0 que ela visa sao «as utilidades fundamentais da consciencia, isto e, os actos psicologicos que sao acomodatorios» e «medeiam entre 0 ambiente e as necessidades do organismo. Pode mesmo dizer-se que se trata de uma psicofisica, por abranger a totalidade organic a mente-corpo».

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este fundo funcional-pragmatico constitui 0 Se 1. «caldo de cultur~» id~al p~a 0, ~esen~o. ~1~ento d ma psicologta SOCIal pSlcologlca-uhhtana, ele m, por representar ~m optimismo social, imdiu os psicologos amencanos de encararem cerpe aspectos estruturrus . e certas tensoes - e confl'ItOS tOS ' 1 ' di . erentes a vida SOCIa e a sua namtca. M esmo a l~icologia social sociologica-racionalista, por ter ~scolhidO a minima unidade possivel de anaJise _ 0 papel social-, acabou por estar demasiado ~n­ vol vida em si propria e sofreu da mesma ceguerra. Isto tomou-se particularmente evidente quando a psicologia social foi aplicada ao mundo do trabaIbo. Coube apsicologia social europeia corrigir de algum modo esta distor~ao, embora, por vezes, 0 tenha feito a custa de cedencias evidentes a ideologia (estas tomaram-se bern evidentes apos 1989, com a desideologiza~ao da psicologia sovietica).

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3. As figuras

3.1. 0 individual e 0 colectivo F. C. Bartlett No Reino Unido, F. C. Bartlett, ern 1932, no livro que mais 0 celebrizou, Remembering, critica a orienta~ao de McDougall, ingles de nascimento: «Nao obstante a sua notoria originalidade e valor, tern tido uma rna influencia, uma vez que toma a psicologia social urn exemplo de batalha entre psicologos instintivistas e todos os outros, impedindo deste modo a produ~ao de investiga~oes significativas». Bartlett (1932) considera a psicologia social como sendo «0 estudo si:;tematico das modifica~oes da experiencia e respostas individuais directarnente devidas a perten~a a urn grupo» e avan~a a ideia de que urn grupo, como tal, como «unidade organizada», deve ser considerado como a «verdadeira condi~ao da reac~ao humana».

Bartlett toma como exemplos de referencia as suas observa~oes ern Africa, sobre 0 povo Suazi, e procura estabelecer a continuidade necessaria entre a psicologia cognitiva, na qual 0 seu livro e ainda urn marco fundamental, e a psicologia social. Na sua optica, tres tipos de areas de estudo se abrem a esta disciplina: - Todos os os tipos de conduta indirectamente deterrninados por factores sociais, detectados no interior do grupo e nao fora dele e em que 0 grupo «implica definitivamente continuidade fisica». - Todos os tipos de conduta indirectarnente deterrninados pela sociedade, mas em rela~ao as quais a referencia ao grupo nada mais significa que «aces so directo» a cren~as, tradi~oes, sentimentos e institui~oes caracteristicas de uma organiza~ao social particular. - Situa~Oes em que dois grupos sociais diferentes entram ern contacto urn com 0 outro e nas quais os mlcleos de cren~as, tradi~oes, costumes e institui~Oes sofrem modifica~Oes. Mas Bartlett, ainda em Remembering, atraves dos metodos utilizados, faz propostas implicitas e explicitas, de largo alcance. Para estudar a recorda~ao, Bartlett apresentava a urn sujeito urn estimulo complexo (urn desenho, uma pequena historia, urn ensaio) e pedia-lhe que o reproduzisse de memoria. 0 resultado da reprodu~ao ia servir de estimulo ao sujeito seguinte e assim sucessivamente. Fica implicito que as transforrna~oes que 0 material original sofre, de sujeito para sujeito (reprodu~ao da cadeia social), e que sao condensa~ao, destacamento e racionaJ.iza~ao, sao homologas das que sofre na memoria individual. Urn so sujeito a recordar 0 mesmo material, em diversos momentos temporais, produz semelhantes transforrna~Oes. Por outro lado, cada grupo cultural (etnico, de classe, etc.) produz inflexoes proprias ao material. Entao, os schemata e as atitudes, atraves dos quais a memo-



38 ria elabora os estimulos, sao, simultanea e homologamente, sociais e individuais. Explicitamente, Bartlett, que come~ara os seus ensaios em 1914, assume uma atitude propria relativamente ao metoda experimental quando aplicado a pessoas (e nao a objectos ffsicos). o fundamental 15 que os sujeitos sejam todos examinados nas mesmas condi~6es psicologicas. Para se atingir esta finalidade, 0 que importa nao 15 garantir que os sujeitos sao colocados nas mesmas condi90es objectivas (como ainda hoje tao acerbamente se defende). Pelo contnmo, nao hesitou em variar a apresenta~ao do material «de pessoa para pessoa, de momenta para momento, e adaptar as condi~6es da sua apresenta~ao, se me parecesse que, fazendo assim, poderia obter melhores condi~6es comparaveis do ponto de vista subjectivo» (Bartlett, 1932, p. 30). Pela mesma ordem de ideias, Bartlett, tal como os psicologos da configura~ao, atribuia urn valor secundano ao uso da estatistica. 0 que importava era colher varia~6es suficientemente demonstrativas de que certo processo mental tinha actuado. Finalmente, anote-se a posi~ao de Bartlett relativamente ao valor da investiga~ao das culturas primitivas (que ele proprio realizou em Africa). Considerava-as mais propicias para 0 estudo das interac~6es sociais, uma vez que nestes contextos sao mais simples e mais evidentes.

M. Sherif Pouco depois da saida do livro de Bartlett, que continuou sempre a ser republicado e a ser lido pelas sucessivas gera~6es de estudantes britanicos e americanos, M. Sherif (1935, 1936, 1937), de origem turca, demonstrou que os quadros de referencia culturais eram determinantes fundamentais do modo como os indivfduos interpretavam os acontecimentos. Colocando sujeitos numa sala escura onde eram expostos a urn ponto de luz estacionano,

estes, ao fim de pouco tempo, viam a luz mover-se (efeito autocinetico), e desenvolviam sobre a situa~ao uma «norma» pessoal (pertinente a amplitude do movimento aparente). Quando expostos a juizos de grupo (por vezes, constitufdos por cumplices do experimentador), os sujeitos convergiam para uma «norma» de grupo. Sherif introduz assim uma tecnica de manipula~ao dos sujeitos de experimenta~ao e defende que «a base psicologica das normas sociais estabelecidas, tal como os estereotipos, as conven~Oes, os costumes e os valores, e a forma~ao de quadros de referencia comuns, sao produto de contactos entre indivfduos» (Sherif, 1936, p. 91). o lugar central que as rela90es entre indivfduos ocupam tanto na explica~ao da vivencia individual quanta dos fenomenos colectivos, e que Bartlett e Sherif tao energicamente defenderam, tal como depois deles Kurt Lewin e os seus discfpulos, nunca foi suficientemente apreciado pela psicologia social, influenciada pela sociologia e pela antropologia cultural de cariz psicanalitico.

David McClelland A psicanruise tomou, nos Estados Unidos, urn caminho algo inesperado. H. Murray (1938, 1948) foi 0 primeiro psicologo americana a adoptar Freud. Numa tentativa de sistematizar 0 rico manancial oferecido pelas multiplas implica~6es oferecidas pela clfnica, procura estabelecer urn quadro das necessidades humanas e construir urn instrumento para as avaliar, 0 thematic apperception test (TAT), urn teste projectivo que usa como estimulo figura~Oes ambiguas. o seu discfpulo McClelland (1961) apreciou plenamente 0 facto de esta tecnica fomecer urn novo metoda de avaliar a motiva9ao humana atraves da anruise de produ~6es fantasiosas de sujeitos (escritos, desenhos, etc.) ou dos povos (literatura popular). A motiva9ao avaliada atrayeS da fantasia sera impUcita, por contraste com

ue se obtem atraves de inqueritos (explfcita), ~. . &lorte e perdurave ' 1 aq tal tera,.IIIfl uenCla malS eCo rno bre 0 comportamento. SO McClelland interessou-se primeiro pelo motivo de exito (achievement) e depois pelos do poder e afiliayao, completando, finaimente, 0 quadro dos otivos sociais com 0 motivo de inibi~ao da ac~ao. rn 0 estudo do motivo do exito fomece uma linha de explica~6es que teria a ver com 0 espfrito ernpreendedor, a nivel individual, e com 0 deseDvolvimento economico, a Divel colectivo. Esta ultima inferencia foi documentada com estudos historicos dos seus discfpulos em que se correlacionaram dados relativos a grandes centros de desenvolvimento economico de diversos povos e a motiva~ao avaliada na literatura popular da gera~ao anterior (e. g., Pereira, 1981). Com a anruise do motivo do poder, os estudos corne~aram a conhecer uma inflexao clinica (por exemplo. 0 alcoolismo) e uma teoriza~ao mais directamente influenciada por Freud. Actualmente, 0 desenvolvimento das investiga~6es centra-se sobre doen~as psicossomaticas. o aspecto central a real~ar na contribui~ao de McClelland refere-se ao uso do mesmo corpo te6rico para explicar tanto 0 comportamento individual quanta 0 colectivo.

3.2. Da teoria it pratica e da pratica it teoria Kurt Lewin Kurt Lewin nasceu em Mogilno, na provincia prussiana de Posen, em 1890, e faleceu em Newton, Massachusetts, nos EUA, em 1947, naturalizado americano. Duutorou-se na Universidade de Berlim, 0 bastiao da Gestaltpsychologie, e foi a figura cimeira da sua segunda gera~ao. Os seus interesses primeiros dizem respeito amem6ria e a percep~ao (Lewin, 1926) e, por extensao, a psico-

39 Kurt Lewin

1890-1947

logia da crian~a. Contudo, iguaimente, desde 0 infcio da sua carreira, Lewin da particular relevo a psicologia aplicada, isto 15, a psicologia inserida na vida quotidiana, nos «verdadeiros» problemas humanos e na solu~ao das questOes sociais. Guerra, trabalho, minorias, grupos sao ja encarados na Alemanha, muito antes dos desenvolvimentos, mais conhecidos, que virao a ter na America. A experiencia como soldado na Grande Guerra leva-o a escrever «A paisagem da guerra» (1917, cit. in Marrow, 1969), no qual define as n~6es de barreira, espa~o vital e direc~ao de zona, que virao a integrar-se na sua teoria topolOgica. Em 1920, publica urn artigo sobre 0 taylorismo, no qual defende que as pessoas produzem para viver e nao vivem para produzir. Por is so mesmo, 0 bem-estar do trabalhador e a sua satisfa~ao nao resultam so de dirninui~ao das horas de trabalho e da organiza~ao da tarefa, mas, fundamentalmente, da sua postura psicologica, do aumento do «valor intrinseco» do proprio trabalho (Lewin, 1920). Por esta mesma altura, Lewin envolve-se com a filosofia da ciencia. Dois artigos assumem pontos de vista fortes e anunciam uma revolu~ao epis-



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tol6gica. Sao eles: «0 conceito de genese em fisica, biologia e hist6ria natural» (Lewin 1922) e «0 conflito entre as modalidades de pensamento aristotelico e galileico na psicologia contemporanea» (Lewin,1931). Para ele, as ciencias sociais e, particularmente, a psicologia devem abandonar a compara~ao entre «dicotornias absolutas e estaticas», tais como branco e preto, e adoptar «a mudan~a galileica», que pensa em termos de sequencias dinamicas. Consequentemente, branco e preto nao sao opostos, mas partes correspondentes do mesmo domfnio continuo. S6 assim se podem perceber varia~6es e estados de transi~ao. De Galileu, Lewin parece adoptar tambem, pelo menos, a no~ao de representa~ao matematica da realidade: «S6 atraves do todo concreto que compreende 0 objecto e a situa~ao se podem definir os sectores que determinam a dinamica do acontecimento» (Lewin, 1935, p. 30). Por influencia da postura gestaltica fundamental, vai pensar a psicologia em termos de fisica, adoptan do as no~oes de campo de for~as, de fontes de energia, de sistemas de tensao, etc. S6 atrayes da aprecia~ao do campo psicol6gico total (espa~o vital), num dado momento e num caso concreto, e possivel preyer 0 comportamento. Lewin (1935) intui que topologia e a disciplina matematica que mais con vern ao estudo do comportamento, mas, por falta de conhecimentos, nunca levara tal intui~ao para alem do uso de esquemas nas aulas. Igualmente, as metciforas fisicas sao mais expedientes para passar, com a facilidade que the era inerente, da teoria a pratica e da pratica a teoria. Uma anedota da sua biografia (Marrow, 1969), ilustra bern como procedia 0 homem que adoptou olema: «Nada e mais pratico que uma boa teoria»: Na Universidade de Berlim, Lewin, cujas aulas eram muito vivas e apreciadas, congregava a sua volta urn grupo distinto de discipulos, entre 3

os quais urn numero not6rio de mulheres, e tinha por habito reunir-se com eles num cafe onde discutiam muitas vezes problemas cientfficos. Neste como em qualquer outro cafe da epoca, as pessoas iam e vinham, sentavam-se e levantavam-se, pediam urn cafe, urn bolo, ou qualquer outra coisa. Urn discipulo comentou que era extraordinano como, ao fim de algumas horas, 0 criado ainda se lembrava de tudo 0 que todos tinham tornado e apresentava a conta sempre certa. Lewin, enta~, chamou 0 criado e, mais uma vez, a conta estava certa e ele pagou-a. Ao fim de uma hora, chamou de novo 0 criado e, com uma desculpa qualquer, pediu-lhe que especificasse a conta. 0 criado ficou indigado: «Eu ja nao sei 0 que eque os senhores tomaram. Os senhores ja pagaram a conta»! Em termos psicol6gicos, esta resposta demonstrava que 0 sistema de tenSQO que se tinha constituido e aumentado amedida que 0 criado ia recebendo ordens (para que pudesse vir a receber urn pagamento que nao 0 prejudicasse), ao ser descarregado, nao tinha deixado tra~os na mem6ria. Era isto mesmo que Bluma Zeigamik (1927), estudante russa, estava a investigar na tese de doutoramento, em que concluiu que as tarefas inacabadas (em que 0 sistema nao e descarregado) sao muito mais bern recordadas que as tarefas terrninadas. Uma serie de novas teses se seguiram, transitando-se pouco a pouco dos problemas relativos a perce~ao e mem6ria para 0 estudo das ac~oes e val ores de substitui~ao, em rela~ao com a questao das necessidades e com os efeitos da frustra~ao, isto e, demonstra~ao de que nao e possivel estudar a cogni~ao isoladamente da motiva~a03. Ao assistir aos primeiros sinais da expansao do nazismo na Alemanha, Kurt Lewin foi dos primeiros cientistas judeus a ernigrar para os EUA, onde, nao obstante a sua fama como psic610go da crian~a, encontrou certa dificuldade em ser contratado pela Universidade de Cornell. Apercebendo-

Vide lista completa das teses e resumos em Marrow (1969),

da maxima que regula a vida acadernica ame-se , a to publish or to perish. pubI'lcar ou perecer, [lean , , I' . , al d dicou-se a edl~ao do lvro, ongm mente em :emao , Uma Teoria Diniimica da Personalidade (Lewin, 1935) e a ~repara~a? ?e uns n~vos Prin, 'os de Psicologza Topologlca (Lewm, 1936),. Clpl No anO seguinte, teve de se rnudar para a UIllrsidade de Iowa, onde conseguiu alve , reagrupar , guns dos seus antigos alunos e atrarr mUltos outros. R. Lippitt e L. Festinger realizaram aqui os seus doutoramentos, em 1940 e 1942, respectivamente. Lewin come~ou por trabalhar na clinica psiquiatrica da universidade, em psicologia infantil, e no seu primeiro estudo comparou as personalidades em duas culturas, a alema e a americana. Seguidamente, Lippitt publica a tese «Urn estudo experimental das atrnosferas de grupo dernocratiea e autoritana». Em 1939, junta-se-lhes R. White, publicando os tres, «Padroes do comportamento agressivo em climas sociais experirnentalmente criados» (1939). Esta linha de pesquisa ira convergir no livro de Lippitt e White, de 1960, Autocracia e Democracia: Uma lnvestigafQO Experimental (precedida de: Lewin e Lippitt, 1938; Lewin, Lippitt e White, 1938). Estes estudos, em que come~aram por usar grupos de escuteiros como sujeitos e procuraram avaliar 0 papel da lideran~a e das atmosferas de grupo, marcaram a transi~ao de uma psicologia centrada no individuo para uma psicologia centrada no grupo: «Em vez de se observarem propriedades dos individuos, sao as propriedades dos grupos que sao observadas», uma vez que «realidade» para urn individuo e, em certo grau, detectada pelo que e socialmente aceite «como tal». «A realidade difere de acordo com 0 grupo a que 0 individuo pertence.» Einteressante notar que estas investiga~6es nao Partiram de urna hip6tese completa e que se foram desenvolvendo, ao longo do tempo, de acordo com as intui~oes de Lewin. De infcio apenas dois tipos de lideran~a foram considerados, democra-

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tico e autoritano (uma vez que subjacente ainvestiga~ao psicol6gica havia uma clara preocupa~ao de contrastar sistemas politicos, dernocraticos e totalitarios). S6 mais tarde se reconheceu a necessidade de avaliar 0 papel da lideran~a laissezjaire (laxista). Por outro lado, por influencia de Lewin, foram Lippitt e White que desempenharam, cada urn deles, os vanos papeis de lideran~a dos grupos de escuteiros. Lewin afastava-se aqui da postura classica do investigador de fisica, como observador independente dos fen6menos, come~ando a estruturar a sua ideia de observador participante e de investigafQO-aCfQo (Lewin, 1951). Nestes estudos os grupos de rapazes eram avaliados em termos de produtividade (executayam tarefas tipicas de escuteiros), de satisfa~ao e de comportamento emergente, tanto em cada uma das situa~oes como quando mudavam de umas para outras. Se a lideran~a democratic a e a que induz maior satisfa~ao e coopera~ao, nao e a que leva a maior produ~ao. Isto acontece na situa~ao autocratic a, mas com muito menor satisfa~ao. Ne1a os escuteiros perdem a iniciativa, tornam-se inquietos, desconfiados e agressivos e criam bodes-expiat6rios. A situa~ao laxista e a que produz piores resultados em ambas as avalia~oes. Quando os rapazes sao transferidos da situ a~ao laxista para a autoritana, ficam assustados e perturbados e distraem-se da finalidade do trabalho em grupo. Lewin escreveu que 0 que mais o impressionou nestes estudos foi ver a cara dos rapazes no primeiro dia dessa transi~ao. Verificou-se tambem que a mudan~a da situa~ao autocratica para a democratica, que e bem-vinda, demora mais tempo a estabilizar que a inversa. A este prop6sito, Lewin comenta que «a autocracia e imposta ao individuo, mas a democracia tern de ser por ele aprendida». Urn outro estudo em que a importancia da diniimica de grupo - termo cunhado por Lewin se manifestou teve a ver com a incumbencia do

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Govemo americano, a ele e outros cientistas, para que 0 ajudassem a modificar habitos alimen tares, sanitaria e economicamente nefastos, da populacrao americana na altura da guerra (relutancia em dar sumo de limao, laranja e oleo de fig ado de bacalhau aos bebes; nao consumir visceras de animais, como 0 figado, 0 rim, a dobrada e certas carnes, como a de coelho, etc.). Uma vez que os metodos tradicionais, como a propaganda patriotica, nada tinham conseguido e que a abordagem individual nao produzia resultados, Lewin comecrou a fazer experimentacroes com grupos, concluindo que nestes pode residir a forcra necessaria para modificar atitudes individuais, mesmo as mais arreigadas e tradicionais (Lewin, 1948). A partir desta base, os discfpulos de Lewin, Bavelas e French, comecraram a intervir com sucesso em organizacroes produtivas, relancrando em bases solidas a psicologia das organizar;oes. Em 1945, Lewin funda no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), 0 Centro de Investigacrao de Dinamica de Grupo, onde reune a nata dos psicologos americanos, e no ana da sua morte, 1947, publica «As fronteiras da dinamica de grupo», em que sintetiza a sua contribuicrao. Os seus discipulos Lippitt, Bradsorth e Bene tinham-se lancrado, entretanto, noutra direccrao, com implicacrao na area clinica e organizacional, os grupos de encontro ou grupos T. Mantendo-se fiel as suas preocupacroes epistemologicas, Lewin cria, tambem, 0 Grupo da Topologia, que reunia anualmente e no qual foram feitas importantes comunicacroes nao so na linha lewiniana mas, tambem, nos dominios psicanalitico, antropologico, fenomenologico e sociologico. Alias, ele proprio nunca pretendeu ter seguidores nem criar uma ortodoxia, insistindo que a sua preocupacrao era desenvolver linhas de accrao e instrumentos de investigacrao que pudessem ser comuns a divers as escolas e nunca competir com qualquer delas.

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mesmo principio dominou a intervencrao social. Por solicitacrao das autoridades ou de grupos de cidadaos, Lewin participou, na cidade de Nova Iorque, em estudos sobre 0 comportamento dos ianques, a integracrao dos caixeiros negros nas lojas, a lealdade de grupo, 0 problema da integracrao dos diversos grupos etnicos, judeus e negros, em novos bairros de caracter social e em procedimentos para uma comunidade se estudar a si propria. Neste ultimo aspecto, Lewin (1948) defendeu com fervor que 0 psicologo (bern como o cientista social) deve actuar, relativamente a comunidade, apenas como consultor. Para ele, nao e ao psicologo que compete estabelecer 0 diagnostico e prescrever a cura. Se 0 grupo de cidadaos interessados nao trabalhar empenhadamente para a descoberta das causas, das curas e dos remedios dos diversos problemas sociais, nunca 0 psicologo podera ter exito na sua missao. Nao obstante Lewin ter sido, como se tentou dar a entender, mais uma personalidade incentivadora de novos desenvolvimentos que urn teorico de referencia, a sua contribuicrao, mormente no que respeita a dinamica de grupo, pode ser resumida assim: - Sempre que urn homem se junta a urn grupo e, significativamente, mudado e induz mudancras nos outros membros. Quanto mais atractivo for urn grupo, mais pressao exerce sobre os seus membros; urn grupo fraco nao exerce este poder. - Para se conseguir uma mudancra num grupo e indispensavel alterar 0 seu equilibrio. Tentar isto apelando individualmente para cada urn dos seus membros e muito pouco eficiente. 0 comportamento de urn grupo como urn todo pode ser mais facilmente alterado que 0 dos seus membros isolados. - 0 desejo de se manterem juntos, ou coesiio de grupo (resultante das forcras de atraccrao e repulsao entre os membros), e a carac-

teristica essencial do grupo como tal. Sem ela, nao seria licito falar-se de grupo. _ UIll dos factores que mais contribuiram para a coesao e a verificacrao individual de que, no grupo, se tern mais probabilidades de atingir as proprias finalidades. Por isso, os grupos formam-se espontaneamente sempre que ha dificuldades em resolver tarefas colectivas e nao ha barreiras a sua formacrao. _ Com 0 tempo e com as interaccroes no grupo, desenvolvem-se finalidades e padrOes de accr ao comuns. Entao, os membros sao levados a reformular as suas proprias finalidades pessoais. A partir de enta~, pertencer a urn grupo significa aderir aos seus padroes, isto e, ao c6digo do grupo. Pela mesma razao urn grupo pode servir de referencia. _ Qualquer grupo de trabalho para a resolucrao de problemas oscila sempre entre duas modalidades de accrao, incompativeis no mesmo momenta: um grupo ou trabalha para a coesiio ou trabalha para a resolur;iio do problema. - Os grupos bern organizados e produtivos tern membros muito diversos. Nao e a similaridade entre pessoas que manrem urn grupo, mas sim a interdependencia. Em termos de grupo, 0 todo nao e apenas mais que a soma das partes, e qualitativamente diferente. Em resumo, a psicologia de grupo demonstra que uma psicologia que procure elucidar os problemas atraves do estudo da personalidade e incompleta, visto que e claro e facilmente demonstravel que 0 comportamento de grupo e tanto funcrao das pessoas individuais quanta da situacrao social. A partir desta base, Lewin definiu seis areas de estudo na psicologia de grupo, que acabaram por ser desenvolvidas pelos seus continuadores: - Produtividade de grupo (Lippitt, French e Festinger).

- Comunicar;iio e difusiio da influencia social (Festinger, Schachter e Deutsch). - Percepr;iio social. que levou aos estudos de atribuicrao causal (mais influenciados por F. Heider). - Relar;oes intergrupais. que acabaram por ser mais desenvolvidas na Europa (ver subcapitulo seguinte). - Participar;iio no grupo e ajustamento individual. que justificou a psicossociologia organizacional. - Treino de lfderes, que comecrou com os grupos T e se estendeu em diversas direccroes, mesmo fora da psicologia social, na situacrao clinica ou nas organizacroes.

3.3. A interdependencia do comportamento nas relafoes intergrupais F. Heider e S. Asch Fritz Heider, natur..al de Viena, nascido em 1896 e doutorado pela Universidade de Graz, apos ter estado com K. Lewin em Berlim, foi, em 1930, trabalhar com Koffka no Smith College, tendo passado, em 1947, para a Universidade de Kansas. Heider denvolveu uma teoria configuracional das relacroes interpessoais, que elabora em A Psicologia das Relar;oes lnterpessoais (1958). Para ele, uma relacrao entre duas pessoas e uma configuracrao (Gestalt), uma vez que qualquer pessoa «reage ao que ela pensa que a outra pessoa esta a perceber, sentir ou pensar, para alem do que ela esta a fazer» (Heider, 1958, p. 107). Por isso uma pessoa desenvolve «atitudes relativamente as outras pessoas» que sao reguladas por urn prindpio de equiltbrio (Heider, 1958, p. 167). Gostar ou nao gostar de uma pessoa (ou de urn objecto) constitui uma relar;iio unitdria de pertencra, uma configuracrao, que tern de se manter em equilibrio cognitivo, isto e, modificacroes na

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percept;ao induzem mudant;as em todo 0 sistema de pens amen to, sentimento e act;ao, de modo a que ele seja de novo equilibrado. «A ideia central e que algumas destas configurat;oes sao preferid as e que, permitindo-o as circunstancias, elas serao realizadas pel a pessoa quer em fantasia (wishful thinking) quer como mudant;as reais atraves da act;ao» (Heider, 1958). Esta psicologia social «cognitiva» veio a ser desenvolvida formalmente por Cartwright e Harary) (1956), na Universidade de Michigan, na teoria dos grafos. E, por esta via, por Abelson e M. Rosenberg (1958), na Universidade de Yale, na teoria do equilfurio da mudant;a de atitudes, e ainda por Newcomb (1961), na Universidade de Winsconsin, na teoria dos actos comunicativos. Heider influencia tambem a teoria da dissonancia cognitiva de Festinger (1957) e constitui a base das teorias da atribuit;ao causal (Heider, 1944). Para alem destas influencias, directas e indirectas, Heider, cuja simpatia, bonomia e espirito de finura ainda hoje sao lendarios na America, ajudou a descentrar 0 foco da psicologia social das pessoas para as relat;oes interpessoais. F. Helder

1896-1988

Uma das ultimas personalidades directamente influenciadas pela Gestalt psychologie foi Asch. Nascido em Varsovia, em 1907, doutorou-se na Universidade de Columbia, em 1932, e influenciou mais de uma gerat;ao com 0 livro Psicologia Social (1952), no qual evidencia, em paralelo, uma profunda cultura humanistica e 0 gosto pel a experimentat;ao. Os princfpios da Gestalt. fonnulados por Von Ehrenfels (1890) e M. Wertheimer (1912,1959), foram transpostos para 0 estudo experimental de pressiio em grupo. «Para percebennos uma pessoa devemos encara-Ia no contexto da sua situat;ao e do problema que defronta» e devemos exercer cautela no modo como observamos, uma vez que, «quando 0 fenomenD observado tern ordem e estrutura, e perigoso concentrarmo-nos nas pessoas e perdennos de vista as suas relat;oes» (Asch, 1952, p. 9). Asch levou estes princfpios, bern como a lei da praegnanz. Ii propria estruturat;ao das situat;oes experimentais sociais, como aconteceu nos estudos sobre 0 conjonnismo, constituindo urn paradigma que ainda hoje e utilizado e discutido. Nas experimentat;Oes originais, Asch (1951, 1956) convocava sujeitos para uma experimentat;ao sobre discrirninat;ao perceptiva. Sem que disso se apercebesse, cada sujeito experimental era sentado num lugar, previamente escolhido, no contexto de urn grupo constitufdo por confederados do experimentador. Depois, era pedido a cada urn dos sujeitos, por ordem do seu lugar na sala, que dissesse qual de duas rectas, muito proximas em comprimento, era maior. 0 experimentador, apos cada uma das respostas, dizia se estavam certas ou erradas. De infcio tudo corria nonnalmente, mas, a certa altura, os sujeitos, sentados antes do verdadeiro sujeito experimental, davam respostas erradas (que a recta menor era maior) e que 0 experimentador considerava como certas. Chegada a vez do sujeito cujo comportamento, nos momentos anteriores, demonstrava, mais ou

xuberantemente, a sua preocupat;ao, este menoS e . perante 0 dilema de dizer 0 que real mente v~$ . ' . u dizer 0 que os outros tmham dlto e 0 expeVIa, 0 . entado r havia confirmado. nmUrn extenso grupo de expenmentat;oes, ' com . 'rneros sujeitos e incontaveis variat;oes, deInu monstroU que, globalmente, 67 por cento das essoas optam pela solut;ao conformista de nePar a propria evidencia sensorial e de dizer 0 que g outrOS d'Isseram.I os

4. 0 tempo e os modos Nas decadas que mediaram desde os acontecimentos assinalados ate ao presente, a psicologia social manteve-se, nos Estados Unidos, fundamentalmente como uma subdisciplina da psicologia. A influencia inicial da sociologia, da antropologia e da psicologia cllnica, que constituiram os outros tres pilares do programa da Universidade de Harvard, ao criar 0 Departamento de Relat;Oes Sociais, em 1946, foi diminuindo ao longo do tempo. Os proprios considerandos epistemologicos que apontaram para uma disciplina autonoma centrada nas relat;Oes interpessoais tambem nao conseguiram desviar a corrente dominante. 0 exito dos sucessivos desenvolvimentos de aplicat;ao a campos cada vez mais alargados (problemas sociais,organizat;Oes complexas, saude e medicina, direito, etc.) mais acentuaram aquela tendencia. o estreitamento do campo originado pela especializat;ao clama sempre por urn alargamento das referencias de base. Uma vez que os paradigmas emergentes na psicologia social se caracterizaram quase sempre por urn alcance limitado, so a psicologia geral foi capaz de oferecer arquitecturas de fundo suficientemente estruturadas, como a psicanalise, 0 condutismo ou 0 cognitivismo. Se lhes acrescentarmos 0 adjectivo social, encontraremos as designat;oes das linhas mestras dos corpos teoricos da psi-

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cologia social. Entre todas domina, sem margem de duvida, 0 cognitivismo social. Cuidado, contudo! A adit;ao do social e muito mais que adjectiva9ao. As proprias correntes de base sao alteradas nos fundamentos. Esta psicanalise nao e a de Freud, pois, agora, 0 homem ja nao e produto da natureza mas da sociedade (e daf a abertura Ii antropologia cultural) e esta nao e ja necessariamente repressiva (daf 0 deslize para os freudo-marxismos). Por seu lado, 0 comportamento social tern de se haver com «disposi90es comportamentais adquiridas», em cuja constitui9ao como conceito entram pressupostos cognilivos. Mesmo 0 sociocognitivismo nao e uma psicologia em que os estfmulos sao sociais; e, antes, urn mentalismo social que defende que e 0 que se sabe da sociedade que guia a nos sa actua9ao nela! Pelas mesmas razoes apontadas - necessidade de uma referencia de base - as ciencias sociais contribufram para 0 desenvolvimento de duas outras correntes em psicologia social, 0 interaccionismo simbolico e a teoria do papel social. Em ambas se parte da premissa de que a estrutura social e imprescindfvel ao desenvolvimento da pessoa social e Ii manifesta9ao do comportamento social. As bases desta ultima premissa podemos ir busca-Ias Ii emergencia da sociologia, em Fran9a, com A. Comte e Durkheim (<<0 facto social e extemo e coactivo»), ou, contemporaneamente, nos Estados Unidos, a Cooley e, depois, a Mead. Contudo, mesmo considerando os desenvolvimentos actuais, ambos os casos continuam a ser mais metaforas teatrais que teorias formais, 0 que as toma pouco atractivas para a «ciencia normal» americana. Pode encarar-se, altemativamente, 0 desenvolvimento da psicologia social americana como a aplica9ao de urn metoda com fraca referencia a teoria. Tal metodo tern sido, predominantemente, quantificante e tern beneficiado dos progressos da estatfstica multivariada.

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De urn lado, ha que ser capaz de operacionalizar tudo 0 que, genericamente, se refere por «estfmulos sociais». Do outro. buscam-se procedimentos para dar conta das «respostas sociais». Contudo, 0 estado da arte nunca pareceu Hio simples como aqui se esquematizou. Os psicologos sociais estiveram desde sempre interessados

em algo mais complexo que 0 comportamento observavel, isto e, sempre visaram mais disposi«s:6es comportamentais persistentes (atitudes , cren«s:as, motivos, valores, etc.) que aquilo que simplesmente os sujeitos fazem e dizem. Por outro lado, e tam bern desde sempre, os estfmulos sociais virtuais, antecipados, imaginados ou

SUMARIO DO «MANUAL DE PSICOLOGIA SOCIAL», DE ROGER BROWN, NAS EDIC;OES DE 1965 E DE 1985 (Roger Brown. 1965) - Uma base de compara~ilo o componamento social dos animais DimensOes blisicas das rel~Oes interpessoais Estratifica~o

- Personalidade e sociedade o motivo do exito A personalidade autoritliria e a organiza~ao das atitudes

Papeis e estere6tipos - A socializa~o da crian~a o desenvolvimento da inteligencia Linguagem: 0 sistema de aquisi~ilo: I - Fonologia e gramatica II - Linguagem. pensamento e sociedade Aquisi~ao da moralidade.

- Processos psicol6gicos sociais o principio da consistencia na mudan~a de atitudes ImpressOes da personalidade. inclusive da propria dinAmica de gropo Comportamento colectivo e a psicologia da multidiio Roger Brown, 1985

- Fo~as sociais na obediencia e rebeliao - Trocas, equidade e altruismo Trocas e equidade Altrufsmo e areeto - Teoria da atribui~lio o leigo como cientista ingenuo Vies sistematicos na atribui~lio - Algumas questOes psicol6gicas Identific~iio por testemunha Numero de pessoas no jUri e a regrd de decisiio

* Quest15es com alguma continuidade.

- Algumas quest15es da Iiberta~iio sexual A personalidade andrigina Fontes de orienta~iio er6tica ImpressOes da personalidade * - Linguagem e comunica~iio * As origens da Iinguagem Linguagem e pensamento * Comunica~iio nilo verbal e registos de discursos - Conflito etnico Etnocentrismo e hostilidade Estere6tipos '" Resolu~1io do conflito Saude e comportamento social.

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tados foram parte integrante da sua busca. .' . apacidade mvenllva, a come«s:ar em Lewm ACm Festinger, permltma . . . esta bl ' dos e ecer meta e e ecfficos e e 0 seu exito na situa«s:ao de labo' d0 esp, ' 0 que ainda hOJe . exp I'Ica a d ommanCIa raton . gnitivismo socIal. CO pode, ainda, encarar-se 0 desenvolvimento da psicolog ia social americana como uma resposta s ecffica e articulada para resolver problemas esociais p . Esta vertente, mals . I'Igad' a a re Ievancla da disciplina que a sua generalidade, e mais ligada ao metodo que a teoria, foi acentuada por sucessivas crises, por diversos movimentos sociais, entre os quais 0 feminista e 0 estudantil no final dos an os 60, pela necessidade de captar fundos para a investiga«s:ao e ainda pela preocupa«s:ao crescente com questoes eticas. (Os procedimentos manipulatorios dos sujeitos praticados pelos m~n

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pioneiros foram fortemente contestados.) 0 papel de Lewin neste domfnio foi tambem, como se viu, decisivo. Quem comparar as duas edi«s:oes do livro de Roger Brown (1965 e 1985), separadas por vinte anos, nao tera dificuldade em se aperceber desta vertente (caixa 2). 0 mesmo se diga das edi«s:oes do Handbook of Social Psychology. Na passagem dos cinco volumes anteriores aos dois da presente edi~ao (Lindzey e Aronson, 1985), 0 primeiro retem as teorias e os metodos e os dezassete capftulos do segundo tratam dos campos especfficos e aplica~oes. Para on de vai a psicologia social americana? Nada faz preyer, nos proximos anos, uma inflexao estrategica. Contudo, assinale-se a progressiva comunica~ao com a psicologia social europeia, da qual se trata no capftulo seguinte.



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CAPiTULO III

A psicologia social europeia Jorge Correia Jesuino

Os capftulos precedentes permitem ilustrar a muito citada observa~ao de Ebbinghaus (1908) sobre a psicologia e que, por mais forte razao, se poderia aplicar a psicologia social: urn longo passado e uma breve hist6ria. Neste capftulo centramo-nos nos desenvolvimentos mais recentes da psicologia social, procurando situar af a corrente da psicologia social europeia, que constitui 0 quadro de referencia basico, embora nao exdusivo, das contribui~Oes para este manual.

1. Uma psicologia social europeia?

o

conceito de psicologia social europeia (PSE) e, de certo modo, controverso e houve mesmo alguma hesita~ao em adopta-lo. Faz, com efeito, pouco sentido admitir que uma disciplina cientffica possa estar submetida a criterios de geografia. Mas se isso e valido para as ciencias forte mente paradigmaticas, como a ffsica, sensu lato, 0 mesmo nao acontece no dO~fnio das ciencias sociais, on de as questOes e~lstemol6gicas estao mais sujeitas as influenClas culturais e sociais. No caso que aqui nos ocupa, e sem entrar em complexas questoes epistemol6gicas, pode-

mos aduzir vanas razoes para manter a desigflade PSE. Em primeiro lugar, ela e corrente na literatura da especialidade, sobretudo europeia. Nao se trata duma categoria inventada por n6s, mas a expressao duma pratica que a tradi~ao ja consagrou. Em seguida, aPSE corresponde a urn movimento que se institucionalizou, ou seja, se preferirmos a terminologia de Moscovici, e uma representa~iio social ja objectivada. Essa objectiva~ao teve lugar atraves da cria~ao duma associa~ao - a Associa~ao Europeia de Psicologia Social Experimental. A Associa~ao edita uma revista, 0 European Journal of Social PsychoLogy (EJSP), promove a publica~ao duma serie de monografias, organiza reunioes peri6dicas frequentes - reunioes plenanas, reuniOes Leste-Oeste, seminanos especializados e ainda cursos de Verao, dirigidos a estudantes que preparam teses de doutoramento. Esta actividade institucional tern contribufdo de forma significativa para a forma~ao dum espfrito de grupo e para a defini~ao duma identidade social. Tambem aqui se aplicam conceitos desenvolvidos no ambito da PSE, designadamente por Tajfel e associados. De acordo com esta perspectiva, os grupos nao estao isolados, ~ao



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nao existem no vacuo, pelo que a sua identidade e, em grande parte, formada mediante mecanismos de diferencia~ao relativamente a outros grupos. No caso vertente, os psicologos europeus teriam adquirido a sua identidade reivindicando uma especialidade que os diferencia da psicologia social praticada pelos seus colegas norte-americanos. APSE fornece urn quadro de referencia teorico que permite explicar e legitimar 0 seu proprio movimento enquanto tal. E essa e tam bern outra razao, porventura a mais forte, para utilizar 0 conceito da PSE. Uma confirma~ao indirecta da identidade social da PSE e dada pelo facto de serem sobretudo os psicologos europeus a recorrerem ao conceito. Nos textos norte-americanos, a expressao nao aparece por via de regra, nem tao-pouco se reconhece na pnitica dos psicologos europeus qualquer semelhan~a de estilo ou de preferencia tematica . A psicologia social americana (PSA), enquanto grupo dominante e homogeneo, tende a classificar, a ancorar como diria Moscovici, Henry Tajfe/

1920-1982

as praticas dos seus colegas europeus na representa~ao restritiva , mas com valor universal, do que de va entender-se por psicologia social .

2.

Oricnta~oes

da psicologia social na Europa c nos EVA

Scherer (1990), numa comunica~ao recente, apresentada numa conferencia sobre 0 tema «As Ciencias Sociais na Europa Ocidental», que se realizou em Berlim, em Abril de 1990, reporta que enviou urn questiomirio a cerca de oitenta psicologos dos Estados Unidos e da Europa, seleccionados a partir das listas de endere~os da Society for Experimental Social Psychology (SESP) e da European Association of Experimental Social Psychology (EAESP) e onde lhes pedia que identificassem os desenvolvimentos mais importantes bern como algumas das principais insuficiencias identificaveis na psicologia social nos ultimos vinte anos, ou seja, a partir da decada de 70. 0 questionario inclufa igualmente uma questao sobre as diferen~as entre a PSA e a PSE, em que medida reconheciam os inquiridos urn papel especial para a PSE, tanto no passado como no presente e no futuro. As respostas obtidas por Scherer sao elucidativas: cerca de metade dos respondentes norte-americanos nao reconheciam a existencia ou a necessidade dum papel especial para aPSE, enquanto praticamente todos os representantes europeus concordavam fortemente tanto com a sua existencia como pela sua necessidade. Quanto a natureza das pniticas, verificou-se acordo em que aPSE adoptava uma orienta~ao menos individualista, mais filosofica e mais consciente da historia, e que se revelava particularmente forte no domfnio das relacoes intergrupo . Na melhor das hipoteses, 0 seu papel limitar-se-ia a dar diversidade cultural e lingufstica e a moderar alguns dos excessos da PSA. As diferen~as apuradas por Scherer sugerem de forma muito clara que a maioria dos psico-

Centro de Recursol PrlorVelho -1-

logoS norte-americanos adopta a perspectiva de que a ciencia e universal e nao ideologica, pelo que nao teria _sentido recorrer a crite~ios regionais em questoes de natureza substantlva. Ern contrapartida, os seus colegas europeus revel arn -se mais sensfveis a influencia do factor ideologico, determinando os temas, as teorias e OS rnetodos adoptados na investiga~ao em ciencias sociais. E aquilo que aos olhos dos psicologos americanos parece constituir ciencia universal revela-se, como procuram mostrar os seus colegas europeus, tributario de pressupostos irnplfcitos decorrentes do sistema de valores e representa~oes que determinam as suas pniticas disciplinares. De acordo com esta perspectiva, aPSE nao se limita assim a urn papel de diversifica~ao ou de especializa~ao subdisciplinar. Ela vai mais longe, ja que, dessa forma, reivindica urn maior alcance e urn maior rigor epistemo16gico para o produto que oferece. Sob esse aspecto, aPSE e nao apenas uma psicologia diferente mas tambern uma psicologia social alternativa. Com vista a especificar urn pouco mais este aspecto vamos analisar quais os temas predominantes na PSA e PSE nos ultimos vinte anos. Recorremos para 0 efeito a compara~ao estatfstica feita por Jaspars (1986) com base na analise de duas publica~oes - 0 European JournaL of SociaLPsychoLogy (EJSP) e 0 JournaL of ExperimentaL SociaL PsychoLogy (JESP). escolhidos por virtude das suas semelhan~as no que se refere a ritmo de publica~ao e enfase no metoda experimental. Jaspars agrupou os temas que apareciam, com uma frequencia dupla ou superior, n~ma e outra publica~ao e aqueles com frequenCl~ sensivelmente identica em ambas. 0 quadro I da os resultados obtidos (Jaspars, 1986, p. II). Esta compara~ao, nao obstante as limita~oes de POSslvel falta de representatividade, fornece algumas oportunidades de comentario. Os topi~os fortes da PSE sao a influencia social, asso-

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QUADRO

I

Popularidade dos temas no JESP e EJSP entre 1970 e 1980 (Jaspars, ) 986) JESP> 2 EJSP

Teoria da atribui~o Ajuda (helping) Atrac~o interpessoal Teoria da cquidade Auloconsci8ncia

JESP = EJSP

JESP > 2 EJSP

Desvio para 0 risco

Influ8ncia social Processos intergrupo

(risky-shift) Agressao Mudan~ de atitude

(Self awareness) de teorias Correla~o atilude-comportamenlo Compara~o

ciada ao nome de Moscovici, e os processos intergrupo, associados ao nome de Tajfel. Sao, alias, os dois polos da PSE. No que se refere a influencia social, ha que observar que se trata dum tema que fora anteriormente desenvolvido no ambito da PSA por psicologos de origem e forma~ao europeia. E tradicional incluir nos process os de influencia social 0 fenomeno da conformidade, estudado por Asch, e 0 fenomeno da convergencia, estudado por Sherif. Moscovici veio enriquecer este domfnio introduzindo urn terceiro processo - 0 processo de inova~ao. o que hl1 de revolucionario na perspectiva de Moscovici foi ter relativizado os conceitos de maioria e de minoria em fun~ao do contexto social em que se inserem. Sendo assim, as experiencias conduzidas por Asch prestavam-se a uma reinterpreta~ao: 0 jufzo do sujeito ingenuo isolado, enquanto representante do senso comum, e 0 jufzo da maioria, enquanto 0 jufzo do grupo de comparsas, que emite urn parecer obviamente discordante de senso comum, passa a constituir, por isso mesmo, 0 jufzo da minoria. E esta contextua1iza~ao do laboratorio que permite uma reinterpreta~ao do fenomeno da conformidade e, ao mesmo tempo, uma reorienta~ao dos estudos

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53 Serge Moscovlci

Foto: LUIs CarvalholExpresso

de influencia social centrados. a partir de entao. nos processos de mudan~a veiculados pelas minorias activas. Ha todavia que notar que esta contribui~ao de Moscovici viria a ser amplamente reconhecida pela PSA. Ela inscreve-se no paradigma da ciencia normal sobretudo pela metodologia experimental sofisticada que adoptou. A unica voz europeia na terceira edi~ao do consagrado Handbook of Social Psychology. editado por Lindzey e Aronson (1985). e justamente a de Moscovici e precisamente no capftulo sobre «Influencia social e conformidade». Quanto aos processos intergrupo. tema desenvolvido sobretudo a partir dos trabalhos de Tajfel. tambem os podemos inserir numa Iinha de investiga~ao inicialmente centrada nos processos interindividuais - 0 chamado movimento do New Look. protagonizado por Bruner. e que progressivamente se desloca para nfveis de analise mais societais. A teoria da identidade social. a que ja fizemos referencia anteriormente. e uma teoria centrada nos processos intergrupais. designadamente nos conflitos intergrupos. Mas, da mesma forma. 0 re-

curso ao metoda experimental funcionou aqui como processo de legitima~ao. permitindo a assimila~ao das contribui~Oes de Tajfel e seus associados pela psicologia social da corrente dominante. Note-se que a PSE tern uma hist6ria ainda mais curta que a PSA. muito embora se invoque por vezes que esta beneficiou da contribui~ao dos psic610gos europeus que emigraram para os EUA na altura da Segunda Guerra Mundial. enquanto aPSE. precisamente por isso. se interrompia. s6 voltando a readquirir expressao a partir dos anos 6O.ou seja. na altura em que come~am a ganhar forma os mecanismos de institucionaliza~ao que referimos atras. Curiosamente. deve-se sobretudo ainiciativa de psic610gos sociais americanos, e designadamente de John Lanzetta. a constitui~ao da Associa~ao Europeia (Tajfel. 1972; Jaspars. 1980; Doise, 1982; Nuttin, 1990). pelo que por vezes se observa. ironicamente. que tambem aqui 0 cao veio a morder a mao do dono. Esta emergencia tardia da PSE ajuda. por outro lado. a expJicar que. nao obstante as zonas de distintividade relativa. haja iguaJmente uma serie de temas que mobilizam aten~ao identica aos psic610gos sociais de ambos os lados do AtHintico. E mesmo quanta aos temas predominantemente desenvolvidos sobretudo no ambito da PSA. como designadamente a teoria da atribui~ao. a atrac~ao interpessoaJ e outros. tambem na PSE se encontram numerosos estudos utilizando paradigmas e metodos identicos aos dos seus colegas norte-americanos. Urn tra~o que todavia marca toda ou pelo menos grande parte da PSE. mesmo quando aborda temas como a atribui~ao causal. e a preocupa~ao em inserir a explica~ao num contexto social mais alargado. centrada nos grupos e na sociedade (Doise. 1982). Numa palavra. uma psic%gia social mais social (Tajfel. 1984). o quadro comparativo de Jaspars foi recentemente actualizado por Scherer (1990) por forma a cobrir 0 perfodo de 1981 a 1989. Os resultados constam do quadro II.

para~ao

QUADRO

II

Popularidade dos temas no JESP e EJSP entre 1981 e 1989 (Scherer, 1990)

-

JESP> 2 EJSP

Mudanc;a de atitude

AtraC~O interpessoal

AutoConsciencia Correla!jao atitude_comportamento

JESP

=EJSP

JESP >2 EJSP Processos intergrupo

Cogni!jiio social Teoria da atribui!jilo Influencia social Percep~o de grupo

EmO!jio e motiva~o

Comunjca~o

Agressao

I

Yarios aspectos poderao ser aqui salientados. Em primeiro lugar 0 abandono de temas como o risky-shift, a equidade e 0 comportamento de ajuda. iIustrando 0 fen6meno da moda. sempre muito referido como urn dos ca1canhares de AquiIes da psicologia social. Nao e de excluir que os temas da comunica~ao e agressao. predominantes neste perfodo na PSE. reflictam igualmente tendencias apenas conjunturais. Em seguida. e talvez seja este 0 aspecto mais relevante. os dados parecem sugerir uma certa aproxima~ao, se nao mesmo convergencia. entre a PSA e aPSE. Muito embora os processos intergrupo continuem a construir urn tema forte na PSE. tal como a atrac~ao interpessoal e a autoconsciencia parecem interessar sobretudo os psic61ogos americanos. 0 que entretanto se veri fica e uma area alargada de convergencia e sobretudo uma aten~ao igualmente partilhada para com os processos cognitivos. evidenciando a aceita~ao generalizada da revolu~ao cognitiva (Markus e Zajonc. 1985). Identica convergencia se verifica no tema da influencia social. af porventura com a contribui~ao dos psic610gos europeus. mas. insistimos. sem que tal signifique mudan~a de paradigma. Esta convergencia entre psic610gos sociais pode, todavia. , . explicar-se pelo facto de a com-

ser estabelecida em term os de psicologia social experimental. Jaspars (1986). no depoimento pessoal que nos deixou sobre este tema. tambem acabara por concluir que as duas psicologias sociais sao mais interdependentes do que antag6nicas. Iimitando-se 0 papel social da PSE a contribuir para criar uma maior diversidade tematica e analftica. Tais conclusoes poem novamente em causa a inova~ao duma PSE enquanto orienta~ao epistemol6gica especffica e concorrente com a psicologia social normal. praticada nao apenas pelos psic610gos sociais americanos mas por todos aqueles que adoptam exclusiva ou predominantemente 0 metodo experimental. Esta dificuldade tern as suas rafzes numa ambiguidade que percorre aPSE desde 0 seu infcio e que consiste justamente na tendencia de conciliar 0 metoda experimental com uma psicologia social mais social. Tal concilia~ao. a avaliar pela evolu~ao que se verifica em psicologia social. parece todavia cada vez mais problematica. Note-se. com efeito. que a pr6pria Associa~ao Europeia adoptou 0 qualificativo de experimental. a exemplo do que se veri fica com a sua congenere norte-americana. 0 mesmo nao se verifica na publica~ao European Journa,l of Social Psychology, mas e bern conhecido que a poHtica editorial privilegia 0 metoda experimental. E tentador fazer aqui urn processo de inten~ao: os psic610gos sociais europeus pretenderiam. por urn lado. beneficiar das vantagens que 0 metoda experimental oferece. e desde logo. duma maior aceita~ao pela comunidade cientffica. mas procurariam evitar, por outro lado. os inconvenientes duma inevitavel perda em termos de pertinencia e relevancia do seu objecto de estudo. A chamada crise da psicologia social. que periodicamente atormenta os psic610gos sociais dos dois lados do Atlantico. deriva. em grande parte. das duvidas que se



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colocam quanta a adequa~ao do metodo experimental as exigencias do objecto, demasiado complexo, da disciplina.

3. Os pontos de dehate Recentemente, 0 EJSP editou urn mlmero especial dedicado ao problema da crise e que constitui urn documento importante para uma melhor c1arifica~ao da situa~ao da PSE face a PSA (EJSP, 1989, 19,5).0 debate foi organizado por Rijsman e Stroebe, e nele intervem, segundo a ordem dos artigos, Zajonc, Nuttin, Doise, Moscovici, Harre e Gergen, e inclui igualmente comentarios de Lemaine, Crano, Semin, Gergen, Gardner, e Stroebe e Kruglanski. Num comentario de sfntese da autoria dos organizadores, concluiu-se que 0 panorama actual da disciplina se caracteriza por dois paradigmas antagonicos: 0 velho paradigma, exemplificado por investigadores como Nuttin e Zajonc, baseado na perspectiva da psicologia social como ciencia natural. De central neste paradigma a orienta~ao hipotetico-dedutiva e a cren~a nos mecanismos causais internos que podem ser detectados atrayes duma investiga~ao empfrica rigorosa. No outro extremo, os representantes do novo paradigma, como Harre e Gergen que, embora diferentes sob muitos aspectos, concordam em rejeitar 0 modelo hipotetico-dedutivo, a cren~a nos mecanismos causais internos e a ideia de que as leis da psicologia social ten ham de ser descobertas atraves duma investiga~ao empfrica rigorosa (p. 341). Quanto as posi~oes de Moscovici e de Doise, a conclusao global que se extrai, e tam bern aqui salvaguardadas as diferen~as, e a de uma tentativa de compromisso, uma posi~ao a meia distancia entre os dois paradigmas extremos. Tfpico de ambos e a sua adesao a experimentar;ao e a investigar;ao de campo. Ao seu construtivismo teo rico nao corresponde uma metodologia para-

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lela (p. 342). Moscovici e Doise sao dois nomes mais do que consagrados e, juntamente com 0 falecido Tajfel, constituem os pais fundadores da PSE. A posi~ao por eles sustentada neste recente debate sobre a crise da psicologia social vern c1aramente ilustrar e confirmar a ideia duma tentativa de supera~ao de posi~oes antagonicas atraves duma sfntese conciliando as vantagens epistemologicas de ambas as orientar;oes. Nao e, todavia, claro que tais posi~oes estejam isentas de ambiguidades. Urn exame, necessariamente muito breve, dos projectos desenvolvidos no ambito da PSE, e designadamente por estes dois autores e seus associados, mostra, com efeito, que 0 compromisso epistemologico e precario e instavel, se nao mesmo insustentavel. Por outras palavras, entre objecto e metoda existiria uma solidariedade e uma determina~ao recfprocas, diffceis de contornar. Vejamos em primeiro lugar 0 caso de Moscovici. Em termos da sua contribuir;ao, imensa, para a psicologia social, poderemos indicar em primeiro lugar os estudos que levou a efeito sobre 0 fenomeno do risky-shift, que revolucionou, ao mostrar que este era apenas urn caso particular dos grupos para adoptarem posi~oes mais extremas do que a media das posir;oes individuais (Moscovici e Zavalloni, 1969). Em seguida, os estudos sobre as minorias activas e a influencia social que elas podem exercer sobre as maiorias. Deve-se a estes estudos a abertura duma linha de investigar;ao extremamente importante sobre os processos de inova~ao e mudanr;a social (Moscovici, 1976), que culminaram na formular;ao da teoria da conversao (Moscovici, 1980). Nestes dois grandes domfnios de investigar;ao - e limitamo-nos aos mais salientes - Moscovici adoptou 0 metoda experimental. No que se refere designadamente aos estudos sobre as minorias activas, sao de relevar a notavel engenhosidade dos protocol os utilizados, constituindo urn exemplo tfpico da

eriencia inteligente. Estes trabalhos de . Mosco vici foram aceltes et urb'I et orb'I e, para psicologo social americano, seria bizarro con~idera-los como exemplo da psicologia social uropeia. Podera argumentar-se que, em ambos e s casos, 0 tra~o distintivo residiria numa maior oreocupa~ao em situar 0 fenomeno a nfveis mais ~ociais, mas nem sequer e 0 caso. De acordo com Doise, «a explicar;ao da influencia minoritana dada por Moscovici envolve os dois primeiros nfveis de analise. Mais precisamente, a influencia minoritaria teria a sua origem na consistencia diacronica ou intra-individual (repeti\(ao no tempo da mesma res posta ou do mesmo sistema de respostas) e na consistencia sincronica ou inter-individual (consenso dos membros da minoria)>> (Doise, 1982, p. 99). E, todavia, de referir que a linha desenvolvida posteriormente por Mugny e associados (Mugny, 198 1, e Mugny et al., 1984) procura ir urn pouco mais longe na explicar;ao da influencia minoritaria ao articular processos interindividuais com representa~oes ideologicas. Independentemente do nfvel do fenomeno, bern como dos processos psicologicos envolvidos, 0 que po de todavia salientar-se aqui e 0 partido que Moscovici vai tirar das experiencias que realizou neste domfnio, extrapolando para fenomenos sociais complexos, como sejam a introdu~ao de novas teorias cientfficas ou de novas form as sociais e poifticas. No artigo que redigiu para 0 mlmero especial do EJSP, afirma, a dado passo, que considera a psicologia social como uma «antropologia da cultura moderna», e a este respeito acrescenta: «Dir-nos-ao que os nossos metodos sao inadequados e que as nossas hipoteses foram exclusivamente verificadas a escala do laboratorio. E que seria, pois, nao cientffico extrapola-los para uma maior escala. Mas sera concebfvel 0 progresso sem tais saltos? Nao e isso o que se faz constantemente na ciencia, seja na cosmologia, na economia ou na biologia? eXP

Para nao falar da propria psicologia, cujas principais teorias foram proclamadas com base num numero limitado de protocolos ou de observar;oes de pacientes hipnotizados. A extrapolar;ao e justificada desde que se mantenham trocas com outras disciplinas que levantem as mesmas questoes, forner;am urn conjunto de dados e deem algumas orienta~oes teoricas» (Moscovici, 1989, p. 411). A obra que Moscovici escreveu sobre as minorias activas (Moscovici,1976) documenta de forma eloquente esta coragem em extrapolar a partir da reduzida evidencia empfrica colhida no laboratorio. Na edi~ao em frances inclui inclusivamente urn apendice com 0 tftulo «A dissidencia dum so», onde aplica a sua teoria a figura de Soljenitsyne. Os psicologos sociais de servir;o dirao, certamente cheios da razao que lhes assiste, que ja nao estamos no domfnio da psicologia social, mas possivelmente 0 proprio Moscovici tera consciencia disso, sendo 0 seu objectivo ir alem dos limites estritos que a disciplina impoe. Tal como a passagem acima transcrita sugere, 0 que importa e estabelecer pontos com outras disciplinas que sobre 0 mesmo fenomenD possam fornecer interpreta~oes convergentes ou alternativas. Mas, por muita simpatia que este ponto de vista nos inspire, continua a nao ser muito clara a necessidade do proprio recurso ao laboratorio. o que e que 0 laboratorio acrescenta, em rigor, a uma teoria cujos contornos ultrapassam largamente os resultados experimentais? Este problema vai colocar-se com maior acuidade ainda ao passarmos a terceira linha de investiga~ao lanr;ada por Moscovici relativa as representar;oes sociais (RS). Cronologicamente corresponde, alias, ao seu primeiro trabalho de fundo - La Psychanalyse, son Image et son Public (1961), reeditado em 1976. Desta obra, nao obstante a sua reconhecida importancia, nao existe ainda versao em ingles, enquanto 0 livro

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sobre as minorias activas foi primeiro editado em ingles e so cinco anos depois vertido para frances . Isto constitui urn sintoma de audiencia e penetrarrao nao s6 das teorias mas dos objectos e metodos que Ihes esHio associados. A teoria das RS tern tido uma difusao ate agora Iimitada aos investigadores com acesso e familiaridade com a Ifngua francesa - para uma bibliografia actualizada veja-se Jodelet (1989) - e urn acolhimen to tfmido, e nem sempre favonivel, dos investigadores britanicos (Potter e Wetherell, 1987; Jahoda, 1988). Se compararmos dois manuais europeus de psicologia social, urn editado por Moscovici (1984) e outro por urn conjunto de dois autores britanicos, urn autor alemao e urn autor frances (Hewstone, Stroebe, Codol e Stephenson, 1988), podemos verificar que neste ultimo a referencia as RS ocupa apenas duas paginas. Curiosamente, e ainda neste ultimo manual, 0 unico capftulo a cargo de autores de Ifngua frances a e 0 que respeita a cognirrao social (Leyens e Codol, 1989). Em contrapartida, 0 manual de Moscovici dedica uma das quatro partes em que esta organizado ao tema do «Pensamento e vida social» e nele se incluem varios capftulos sobre RS, entre eles urn redigido por Jaspars e Hewstone sobre a teoria da atribuirrao. A cognirrao social surge, assim, nesta perspectiva, subordinada as RS. A edirrao recente do volume Social Representations, por Farr e Moscovici (1984), na serie dos «Estudos Europeus em Psicologia Social», correspondente a urn col6quio sobre este tema realizado em Paris, podera, todavia, contribuir para sensibilizar urn publico mais alargado e eventual mente despertar 0 interesse dos cfrculos norte-americanos. Mais do que uma teoria entre outras, as RS constituem urn programa de investigarrao e urn quadro de referencia te6rico. Levado as suas extremas consequencias , 0 conceito de RS propoe-se como uma psicologia social alternativa,

entendida esta como uma soci%gia do conhecimento prdtico (Munne, 1989, p. 250). Reticente quanto a sua definirrao, con forme explica na sua replica a Jahoda (Moscovici, 1988, p. 239), Moscovici aceita todavia as definirroes propostas por outros autores, e designadamente a proposta por Doise: «As representarroes sociais sao princfpios geradores de tomadas de posirrao ligadas a posirroes especfficas no conjunto de relarroes sociais e organizam os processos simbolicos que intervem nessas relarroes» (1986, p. 85) . A definirrao de Doise estabelece convergencias e complementaridades entre RS e as norroes de disposiroes e hdbitos propostas por Bourdieu (1972), acentuando, porem, Doise que os soci6logos nao se preocupam, por via de regra, com a descrirrao dos processos psicologicos subjacentes e necessarios para que urn indivfduo possa participar na vida social e que, por seu turno, «os psicologos tern todavia tendencia para descrever esses processos duma forma quase autonoma, abstraindo da sua insen;ao num contexto social concreto» (Doise, 1986, p. 91). Com a teoria das RS a psicologia social aproxima-se mais da sociologia e , nessa medida, esta mais perto da sua vocarrao inicial interdisciplinar, evitando tornar-se mera subdisciplina da psicologia. E esta subalternidade da psicologia social que Moscovici se recusa a aceitar. Tal como escreve, «na medida em que a psicologia social tende, cada vez mais, a tornar-se urn ramo subsidiario da psicologia, ve-se forrrada a ter cada vez mais em conta os factos biologicos e a afastar-se dos fenomenos sociais. Em vez de criar uma continuidade da origem a uma descontinuidade, cortando, por assim dizer, 0 ramo em que estava sentada» (Moscovici, 1989, p. 409). A esta tendencia negativa, Moscovici contrapoe urn lugar central e inclusivamente uma funrrao unificadora para a psicologia social, «destinada a estudar a ligarrao entre a cultura e a natureza , bern como entre os fen6menos sociais

e psfquicos». E os fen6men~s._que tern em mente, acrescenta, sao: «A rehg~ao, 0 poder, a coleccO rnunicarr ao de massas, os movlmentos _ . . tivos, a linguagem e as representarroes socIals» (Moscovici, 1989, p. 410). Urna outra ligarrao disciplinar que pode estabelecer-se, admitida pelo proprio Moscovici (1989, p. 409), e a que se refere ao interaccionismo simbOlico, desenvolvida no ambito da microssociologia americana (Mead, 1934; Blumer, 1969; striker e Statham, 1985). Tal como observa Farr, «tanto 0 behaviourismo social de Mead como o interaccionismo simb6lico de Blumer sao consonantes com a versao forte da investigarrao francesa contemporanea sobre representarroes sociais» (Farr, 1984, p . 147). Por versao forte entende-se aqui a representarrao social na sua aceP9ao durkheimiana. Para alem disso, e nao obstante os paralelismos e convergencias que possam estabelecer-se entre RS e interacrroes simbolicas, os cientistas sociais que trabalham nestes domfnios parecem preferir trilhar vias paralelas, por vezes com programas conceptualmente identicos e apenas separados por diferenrras meramente terminologicas. No caso vertente, a incorporarrao dos processos de sociaIiza9ao, tao caros ao interaccionismo simb6lico, poderiam contribuir para enriquecer o quadro de referencia, porventura demasiado lewiniano, que caracteriza a teoria das RS. Para completar 0 exame, falta, porem, considerar urn aspecto basico - 0 da metodologia. E sobretudo aqui que vaG colocar-se as maiores ambiguidades. Na sua formularrao actual, a teoria das RS nao impoe quaisquer restrirroes e considera que todos os metodos de investigarrao, incluindo 0 laboratorio experimental, sao nao apenas compatfveis mas todos eles importantes para a obtenrrao de resultados e de hipoteses. E certo que Moscovici parece privilegiar a orientarrao observacional a orientarrao experimental. Na replica a Jahoda, observa, com efeito,

que «a observarrao desempenha urn papel proeminente no estudo das representarroes sociais. Liberta-nos duma quantificarrao e experimentarrao prematuras, as quais fragmentam os factos em perras minusculas e levam a resultados sem significado. Por vezes, podera ser uma especie de observar;ao-do-voo-das-aves, sem duvida, mas pode dar lugar a progressos importantes ... Esta orientarrao pode ocupar urn lugar na psicologia social (Von Cranach, 1980) comparavel a posirrao ocupada pela orientarrao etol6gica em biologia, e exactamente pelas mesmas razoes» (1988, p. 241). Mas, por outro lado, acrescenta, nada impede o recurso a metodos quantitativos, tais como 0 uso de escalas e questionanos, bern como 0 recurso a tecnicas estatfsticas como a analise factorial ou 0 MDS (multidimensional scaling), como, alias, muitas das investigarroes levadas a efeito claramente ilustram (Mugny e Carrugati, 1985; Di Giacomo, 1980; Soczka, 1985; Vala, 1981). Identicamente, «nao ha qualquer dificuldape em usar 0 metodo experimental e, de facto, foram conduzidas numerosas experiencias, sempre que surgiu uma hipotese que a elas se prestassem» (Moscovici, 1988, p. 240). Exemplos tfpicos de tais experiencias acham-se inelufdos no volume editado por Farr e Moscovici, tais como as de Abric (1984) , Codol (1984) e Flament ( 1984). Mas e justamente esta abertura a todos os azimutes que levanta problemas. No que concerne aos metodos de inquerito, e por sofisticada que seja a estatfstica utilizada, e dificil captar os processos que definem 0 nueleo da representarrao social. Claro que e sempre possfvel extrapolar e, sob esse aspecto, 0 ceu e 0 limite, mas nao faltarao obviamente guardioes do templo para denunciar as arbitrariedades interpretativas. Para evitar tais arbitrariedades, so resta a verificar;ao experimental. Mas quando se envereda por esta via de procurar detectar os mecanismos causais explicati-

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vos, recorrendo ao metodo experimental, cai-se no terreno armadilhado da cogni«;ao social. Por outras palavras, a analise desce para os nfveis individuais e interindividuais e a psicologia social regressa ao seu estado de subdisciplina da psicologia ou, se se preferir, das cit~ncias cognitivas. Moscovici parece aperceber-se disso ao citar, a proposito, 0 ponto de vista de Neisser: «0 desenvolvimento da psicologia cognitiva nos liltimos anos tem-se revelado desapontadoramente estreito, voltando-se para dentro da amilise de situa«;oes experimentais especfficas em vez de se voItar para fora, para 0 mundo alem do laboratorio» (Neisser, 1976, p. XII, citado por Moscovici, 1988, p. 240). Moscovici rejeita, alias, com veemencia, a recomenda~ao de lahoda segundo a qual «seria mais realista Iigar (as RS) ao corpo crescente do trabalho em cogni«;ao social do que reclamar a existencia nao verificada de domfnios especiais» (Jahoda, 1988, p. 207). Para Moscovici, a «cogni«;ao social» constitui 0 tipo de psicologia social que ele nao se cansa de denunciar e que, a seu ver, conduz inexoravelmente a subalterniza«;ao da psicologia social. Em estreita coerencia, haveria que ir mais longe, renunciando ao laboratorio como meio de investiga«;ao das RS. E 0 que sugere , alias, Farr ao recordar toda uma linha que remonta a Wundt e a Durkheim. e segundo a qual a experiencia adequada aos processos individuais nao seria, porem, ao nfvel colectivo. «0 laboratorio», observa Farr, «e um dispositivo para isolar os fenomenos dos contextos sociais em que eles naturalmente ocorrem, 0 «mundo real», la fora. Os acontecimentos historicos que ocorrem entre tie t 2 no decurso da experiencia amea«;am a sua "validade interna" e, se nao forem controlados, podem ser confundidos com os efeitos da variavel independente. Um bom controlo experimental e, pois, virtualmente sinonimo do isolamento dos aconteci-

mentos estudados da sua localiza«;ao no espa«;ol Itempo no interior duma cultura particular» (Farr, 1984, p. 141). A isto gostarfamos de acrescentar que as exigencias de rigor levam for«;osamente a delimitar segmentos cada vez mais moleculares dos processos psicologicos, mudando sucessivamente de escala numa progressao que, no limite, torna problematica a fronteira entre processos psicologicos e processos biologicos. Nestas condi«;oes, parece-nos de facto diffcil sustentar a possibilidade duma psicologia social que consiga estabelecer uma sfntese entre paradigmas opostos. As grandes ambiguidades da teoria das RS, como, alias, de toda aPSE enquanto projecto autonomo, deriyam desse dilema. Nao nos parece, porem, e af estamos novamente de acordo com Farr, que «os psicologos sociais franceses contemporaneos tenham descoberto 0 segredo, que confundiu Wundt, de serem capazes de facilmente se movimentarem entre 0 laboratorio e 0 terreno, mantendo-se fieis a natureza do seu objecto de estudo» (1984, p. 145). No interior da PSE a teoria RS representa sem dlivida a tentativa mais radicalizada de rompimento com a psicologia social normal e a constitui«;ao duma disciplina altemativa, estabelecendo a Iiga«;ao entre a psicologia e a sociologia, entre 0 indivfduo e a sociedade. As posi«;oes defendidas por outros autores, como e 0 caso de Doise, que igualmente contribui para 0 debate organizado por Rijsman e Stroebe (1989), apenas refor«;am a conclusao que tiramos. Doise, ou, antes, como prefere Munne (1989), a escola de Genebra, que reline uma serie de investigadores de prestfgio agrupados em torno de Doise, tern procurado desenvolver e compatibilizar varias linhas de investiga«;ao, sendo de sa lien tar as rela«;oes intergrupo. iniciada em Bristol por Tajfel, as minorias activas e 0 efeito de inova9ao, na linha de Moscovici, as representa«;oes sociais e ainda - e esta e a sua contribui9ao mais

. 'nal - 0 construtivismo genetico, que con.. b ongl d . a e prolonga os estu os ptagetlanos so 0 .. Neste u'1 tlmo . doml' dunu senYOlvimento cogmtlvo.

~ e de salientar a investiga«;ao reunida sob nl O, . , tftulo de marcafiio soctal e que se refere as oorrespondencias que poderao existir entre, por ern lado, as rela«;oes sociais que presidem a ~nterac~ao de pessoas, real ou simbolicamente presentes numa dada situa«;ao e, por outro, as rela~oes cognitivas derivadas de certas propriedades dos objectos atraves dos quais essas rela~oes sociais se materializam» (Doise, 1989, p. 395). Numerosas experiencias tern sido conduzidas neste domfnio, confirmando 0 papel dum metassistema de regula«;oes sociais controlando as opera~oes cognitivas (De Paolis, Doise e Mugny, 1987). Esta hipotese de metassistemas reguladores fora ja formulada por Moscovici na sua teoria das RS (1976, p. 254). Tais liga«;6es deixam entrever possfveis desenvolvimentos, articulando o construtivismo genetico com as representa~oes sociais. Mas convem acentuar que, do ponto de vista metodologico, a orienta~ao de Genebra e inequivocamente experimentalista. Se e certo que Doise sempre procurou estabelecer articula~6es interdisciplinares, sobretudo com a sociologia francesa, de que e lei tor atento e conhecedor (Doise,1985; Doise e Cioldi,1989), tambem, por outro lado, as suas reservas quanta as orienta~oes mais recentes da psicologia social, e designadamente a revolufiio cognitivista. sao mais mitigadas do que as de Moscovici. Enquanto este, nas suas interven~oes mais recentes, vai ao ponto de por em causa que uma ciencia hlbrida. como e 0 caso da psicologia social, possa ser explicativa (1989, p. 428), Doise, nesse mesmo debate, defende sem ambiguidade 0 recurso ao metodo experimental, admitindo todavia - e essa e uma ressalva .importante - uma maior flexibilidade do jogo entre variaveis independentes, ou seja, uma causalidade circular: «Num tal quadro de

referencia, a causalidade devera ser considerada como bidireccional, e tambem os efeitos das consequencias antecipadas devem ser tidos em considera~ao» (1989, p. 397). Esta analise, muito breve, das actuais orienta~oes e tensoes na psicologia social leva-nos assim a concluir por uma versiio fraca da PSE e a diagnosticar uma progressiva polariza~ao dos paradigmas. 0 exame a que procedemos sugere, com efeito, que 0 espa~o interdisciplinar articulando a psicologia e a sociologia comporta problemas epistemologicos cuja solu~ao nao parece, de forma alguma, evidente. A PSE, alias, como vimos, muito dividida no seu interior, e, como foi sugerido por laspars (1986), menos uma aIternativa do que urn estilo traduzido em preferencias tematicas e formas de verifica«;ao empfrica. Qualquer leitor medianamente experimentado e capaz de reconhecer que urn artigo que tenha entre maos foi produzido par urn autor norte-americano, britanico ou frances. Dum modo geral, os psicologos sociais europeus, em contraste com os seus colegas norte-americanos, e possivelmente isso tam bern se verifica noutras disciplinas sociais, manifestam uma maior preocupar;ao com os problemas do conflito e do papel que ele podera desempenhar na mudan~a social. Esta tonica esta presente na escola de Bristol, com a Iinha que desenvolveu sobre as rela90es intergrupo, esta igualmente presente no construtivismo genetico da escola de Genebra, atraves do lugar central atribufdo ao conflito sociocognitivo como motor do desenvolvimento, e esta ainda presente, e af duma forma insistente, em todas as linhas de investiga~ao desenvolvidas por Moscovici. Recorde-se que Moscovici nao se cansa de definir a psicologia social e em varios momentos da sua vasta produ~ao, como 0 conflito entre o indivfduo e a sociedade. Por outro lado, na replica a lahoda pode ler-se: «Quem tenha tido a paciencia suficiente para seguir os meus escri-

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tos notan! que 0 seu fio condutor e 0 enigma da mudan~a e da criatividade» (Moscovici, 1988, p.223). E possivel especular que esta preocupa~ao com 0 conflito e a mudan~a na psicologia social, se nao mesmo nas ciencias sociais europeias, comporta a sua pr6pria psicologia social ou, se preferirmos, corresponde a uma representa~ao social condicionando a orienta~ao tematica dos cientistas sociais europeus. Tambem num dominio muito pr6ximo da psicologia social, e para alguns uma sua aplica~ao possivel - 0 das organiza~oes, mas onde nao existe qualquer reivindica~ao de especificidade epistemol6gica regional -, e todavia detectavel uma maior sensibilidade dos investigadores europeus, em contraste com os seus colegas norte-americanos, para o papel desempenhado pelo conflito na mudan~a tanto intema como extema as organiza~oes. Mas a psicologia social de tais especificidades culturais remeter-nos-ia para outras altemativas que nos projectariam para alem do quadro da PSE, com a sua adesao, na melhor das hip6teses hesitante, ao experimentalismo. Tal como adverte judiciosamente Munne, «0 sociocognitivismo europeu, quando poe em causa 0 monop6lio norte-americano, tende de facto a mono-

polizar por seu tumo a psicologia social na Europa, erigindo-se, como traduz a linguagem das suas institui~oes e de muitos dos seus autores, em representantes da psicologia social, quando na realidade e apenas uma psicologia social» (Munne, 1989, p. 244). E, todavia, urn facto que entre varias psicologias sociais identificadas por este autor, tais como a psicanalise social, 0 behaviourismo social, 0 interaccionismo simb6lico e tendencias afins, nas quais poderiamos incluir as representa~oes sociais na sua versao forte e a psicologia social marxista, e, sem duvida, 0 sociocognitivismo que mais mobiliza hoje em dia a aten~ao dos investigadores e e tam bern neste dominio que se veri fica uma produ~ao significativa e consistente. E nesta tradi~ao que 0 presente manual igualmente se inscreve. Poderao, sem duvida, identificar-se metassistemas de regula~ao que detemminam que esta seja de facto a ciencia normal praticada pela grande maioria dos psic610gos sociais. E possivel que minorias activas venham urn dia a revolucionar este estado de coisas e a impor urn paradigma altemativo. Mas nem sempre, nao obstante 0 optimismo de Moscovici, as minorias tern uma vida facil.

CAPiTULO IV

Orienta90es metodologicas na psicologia social Jorge da GI6ria

1. Metodo e teoria Tal como outros dominios da psicologia, a psicologia social caracteriza-se pela natureza dos temas que aborda e nao pelo uso de metodos especfficos. 0 recurso a algumas tecnicas pr6prias para alem das utilizadas em psicologia geral, por exemplo, sociogramas (Moreno, 1949) ou protocolos de observa~ao de interac~6es sociais (Bales, 1950), situa-se no enquadramento metate6rico e epistemol6gico do metodo das ciencias naturais. Se bern que 0 dominio da psicologia social esteja balizado por uma vasta literatura metodol6gica aparentemente aut6noma, esta impressao de autonomia deve-se essencialmente a circunstancias hist6ricas da forma~ao da disciplina e nao deve, de modo algum, conduzir a conclusao da existencia de urn terreno metodol6gico independente, por urn lado, das elabora~oes te6ricas concretas e, por outro, do metodo das ciencias naturais. Apesar de 0 aspecto mais saliente do metodo das ciencias naturais residir na realiza~ao de experiencias em laborat6rio, na psicologia como nestas, simples observa~oes passivas e experiencias fora do laborat6rio constituem instrumentos de conhecimento validos e produtivos. Assim, nao sera tanto a realiza~ao de experiencias em laborat6rio, ou simplesmente a realiza~ao de estu-

dos experimentais, que caracteriza a psicologia enquanto projecto de conhecimento cientffico, mas sim a elabora~ao de urn discurso relativo a determinados aspectos do real, seleccionados de tal forma que fique assegurada a correspondencia entre as observa~oes destes e os termos e proposi~oes do discurso te6rico. E nesta concep~ao que se fundamenta a constru~ao de urn padraq de validade unico do discurso cientffico, aplicavel tanto as observa~oes experimentais como aos dados da observa~ao passiva. Segundo esta posi~ao, a articula~ao essencial entre 0 real e 0 discurso te6rico, a qual constitui a pedra-de-toque do metoda cientffico, e a no~ao de medida, quer esta seja entendida num sentido primitivo ao qual a linguagem corrente nao atribui sequer a acep~ao de medida, pois consiste na mera iden-' tifica~ao de aspectos discriminaveis do real, permitindo efectuar contagens, quer num sentido derivado, consistindo na avalia~ao de grandezas s6 indirectamente acessiveis a observa~ao. Dois aspectos do projecto de conhecimento da psicologia social tomam a medida uma tarefa particularmente ardua neste campo: por urn lado, o psic610go social interessa-se, em geral, por fen6menos complexos, tais como os comportamentos dos agentes sociais, cuja unidade e linhas de clivagem naturais assentam sobre uma determinada

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cultura, ela propria resultante de uma evolw;ao historica; por outro lado, os comportamentos sociais traduzem significa~oes para os agentes sociais, as quais nao se identificam necessariamente com os factores explicativos desses comportamentos, factores cuja identifica~ao constitui justamente 0 objectivo do psicologo. Estas dificuldades tern sido objecto de uma acesa polemic a e levaram mesmo, por vezes, a por em duvida a possibilidade do conhecimento dos fenomenos sociais por meio de aplica~ao do metodo das ciencias naturais. Alguns anos atnis, esteve na moda a discussao daquilo que enta~ se chamou a «crise da psicologia social». Criticava-se entao a psicologia social, e sobretudo a psicologia social experimental, por esta abordar fenomenos de natureza cultural e historica formulando-os num quadro conceptual que, ao ignorar a significa~ao e a historicidade (Gergen, ]973), conduziria a urn formalismo artificial, desinserido do mundo pnitico. Dados os limites do metoda experimental, esses problemas deveriam ser estudados por metodos de investiga~ao de caracter historico e sociologico. Ao serem aplicadas a fenomenos sociais, essencialmente historicos, as exigencias do metodo experimental levari am a simplifica~oes abusivas, dando origem a redu~6es arbitranas de variaveis culturais e historicas a «miniaturas», as quais, em virtude desta redu~ao de escala, perderiam a sua natureza propria. Segundo os crfticos da psicologia social, este seria 0 pre~o a pagar pela possibilidade da abordagem experimental dos problemas postos pelos experimentadores.Conclufam entao os crfticos, a psicologia social experimental nao pode constituir nem urn modo de conhecimento de utiliza~ao pratica, nem uma constru~ao cientificamente valida, pois, por urn lado, os seus objectos de estudo sao factfcios e, por outro, a constru~ao desses objectos assenta em distor~6es ideologicas do real, traduzindo nao as propriedades deste, mas idiossincrasias dos investigadores. Como outros temas, a crftica da psicologia social tomou-se urn domfnio de especialistas, pas-

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sando de moda na pnitica cientffica geral sem afectar esta de modo nota vel. Nao sera talvez este o lugar proprio para uma avalia~ao crftica da discussao sobre a validade da psicologia social experimental, mas convem, no entanto, extrair duas conclusoes desta discussao: em primeiro lugar, uma parte importante das crfticas dirigidas a psicologia social experimental pelos partidarios da perspectiva historica e sociologica dizem respeito a rela~ao entre os fenomenos sociais naturais e as representa~oes teoricas e empfricas destes na pratica cientffica, pondo em causa praticas de inferencia que, do ponto de vista do metoda cientffico, constituem, muitas vezes, se nao erros pelo menos procedimentos discutfveis; em segundo lugar, esta discussao deu azo a uma reflexao sobre as fronteiras da psicologia social, a partir da distin~ao entre factos culturais enquanto produtos de uma evolu~ao historica e enquanto resultados do processo de socializa~ao, cujas implica~6es estiio, por hora, longe de terem produzido os seus frutos.

1.1. 0 problema da redufiio da escala Em muitos dos casos citados nas discussoes relativas a validade das pesquisas de psicologia social, por exemplo na polemica sobre 0 conflito e a sua representa~ao nos chamados jogos experimentais, a redu~ao de escala dos fenomenos naturais estudados experimental mente nao parece assentar de facto sobre uma teoria coerente explfcita das rela~oes entre fenomenos de escalas diferentes, mas antes reflectir predilec~6es e suposi~oes dos investigadores. No entanto, uma tal teoria constitui urn pas so indispensavel para uma utiliza~ao criteriosa do metoda experimental; com efeito, uma redw;ao de escala so pode ser justificada quando e possfvel demonstrar que os mecanismos implicados por urn fenomeno natural mente situado numa determinada escala sao identicos aos implicados pelo fenomeno estudado experimentalmente situado

numa escala eventualmente diferente. Duas das dimensoes ao longo das quais se opera com mais frequencia a redu~ao de escala - a dimensa.o temporal e a dimensao valorativa dos objectivos propostaS aos sujeitos experimentais - geram dificuldades que constituem ilustra~oes claras do tipo de mal-entendido reinante neste domfnio. Dada a natureza diferente dos processos mnemonicos que intervem a curto, medio e longo prazo, a generalizayao frequente de conclusoes tiradas de observayoes fazendo intervir a memoria a curto prazo a fenomenos que natural mente implicam a memoria a longo prazo constituem abusos de interpreta~ao que nada justifica. Paralelamente, sao conhecidas as modifica~oes introduzidas na percep~ao e na avaliayao intrfnseca das tarefas, em funyao do valor das recompensas extrfnsecas propostas aos sujeitos para a execu~ao destas. Em ambos os casos, se 0 que interessa ao experimentador e urn fen6menD natural a longo termo ou implicando recompensas extrfnsecas elevadas, a unica experimentayao que pode permitir a extrac~ao de conclusoes aplicaveis e a que implica recompensas elevadas e se situa numa escala temporal implicando a intervenyao dos mesmos mecanismos de memoria que os implicados no fenomeno natural visado. Em muitos casos, uma tal experimentayao pode ser praticamente irrealizavel. Resta entao ao psic6logo renunciar a abordagem experimental do problema, ou, se os conhecimentos dispanfveis 0 permitem, reformular aquele em termos tais que a memoria a longo prazo ou as varia~oes do valor intrfnseca das tarefas propostas aos sujeitos cessem de ter incidencias sabre as explicayoes propostas. Os estudos sobre os comportamentas agressi~os realizados no quadro da psicolagia social expen.mental constituem uma excelente i1ustra~ao das dlficuldades com as quais e confrontado 0 psic6logo social ao tentar traduzir as representa~6es naturais em na~oes cientfficas. Os estudos sabre este tema, nUmerosos ao ponto de constituir durante alguns anos a principal conteudo de alguns perio-

dicos especializados, foram alvo de crfticas tanto de pesquisadores afectos a uma orienta~ao historica e sociologica (Gergen, 1984; Lubek, 1979) como de pesquisadores Iigados a uma orienta~ao cognitivista (Tedeschi, Smith e Brown, 1974) ou neobehaviourista (Da Gloria e Duda, 1979). Apesar desta variedade de orienta~oes teoricas, todos estes autores estao de acordo quanta ao facto de que 0 ponto de partida da no~ao cientffica de agressao nao e mais de que uma palavra da linguagem corrente exprimindo urn julgamento relativo a uma conduta. Este termo teria sido abusivamente transformado numa no~ao descritiva de urn compartamento observavel, por via de uma defini~ao arbitrana privilegiando injustificadamente uma das dimens6es do comportamento que intervem no processo natural de julgamento. Estes consideram ainda que, nao tendo esta n~ao cientffica urn referente ex acto nos comportamentos observados nos estudos experimentais em que hipoteses relativas as suas determina~oes sao postas a prova, sao, portanto, infundadas as generaliza~oes dos resultados daqueles aos fenomenos usual mente chamados agressoes. A partir deste ponto, as posi~oes destes autores divergem, mas este acordo inicial significa que uma noyao teorica nao pode ser constitufda por uma simples explicitayao dos referentes na Iinguagem convencional de urn termo supostamente denotativo, desembocando 0 seu estudo sobre uma reprodu~ao controlada de alguns aspectos desses referentes. Urn autor classico, que em seu tempo se apercebeu desta dificuldade (Brunswik, 1956), propos uma solu~ao consistindo numa amostragem aleatoria dos referentes implicados pela no~ao teorica, solu~ao infelizmente irrealista dada a indefini~ao das fronteiras da noyao teorica, quando construfda por esta via. Este genero de dificuldade comporta, contudo, outra solu~ao: quando uma n~ao teorica pro vern do agrupamento de observa~6es empfricas manifestando a ac~ao de determina~6es homogeneas, ainda que deste modo esta no~ao perca eventual mente 0

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seu referente natural imediato, cessa, no entanto, de reflectir os processos ideologicos presentes na linguagem natural, e as realiza~6es empfricas dessa n~lio estlio garantidas contra a facticidade que amea~a as miniaturiza~6es dos fenomenos naturais.

1.2. Problemas e leoria

o genero de dificuldade que acabamos de evocar e porventura mais sensfvel no caso da psicologia social que noutros domfnios da psicologia. Com efeito, 0 psicologo social dispOe frequentemente de uma menor margem de liberdade na fixa~lio da natureza das suas observa~6es que 0 psicologo do desenvolvimento ou 0 psicologo das fun~6es. Isto deve-se, por urn lado, ao facto de que, frequentemente, a actividade do psicologo social intervem em resposta a problemas de ordem pratica postos por agentes sociais exteriores ao mundo cientffico: administra~6es, empresas, etc., os quais definem implicitamente 0 nfvel de abordagem da questlio; por outro lado, os fenomenos que interessam ao psicologo social, quando a iniciativa da definiylio do objecto da pesquisa pertence a este, dizem respeito a comportamentos ou a factores do comportamento que, pela sua natureza social, comportam uma definiylio implfcita de origem cultural. Se, no primeiro caso, 0 estabelecimento dos objectivos do estudo pode e deve passar por uma negociaylio em que compete ao psicologo uma fun~lio de diagnostico em rela~lio aos objectivos praticos dos agentes sociais, os quais nem sempre slio melhor servidos por uma conceptualizaylio do problema situado ao nfvel que estes entendem ser o mais apropriado, no caso em que 0 psicologo tern uma total liberdade de definiyao da sua problematica con vern que este nlio perca de vista 0 facto de que 0 estudo dos sistemas sociais concretos, incluindo os mecanismos de determinaylio dos comportamentos que Ihes slio proprios; constituem 0 objecto da sociologia e nao sao, as mais das vezes, susceptfveis de observayao experimental.

As fronteiras entre a psicologia, a psicologia social e a sociologia sao. em geral, pouco marcadas, e nem sempre e facil determinar se urn determinado modo de abordar urn problema. ou urn determinado problema, constitui ou nlio urn procedimento proprio da psicologia social. Em princfpio, a distinylio e facil de levar a cabo: enquanto a psicologia tern por objecto a identificaylio e a descri~lio dos mecanismos que intervem no comportamento dos indivfduos, qualquer que seja 0 contexto social em que estes sao produzidos. a psicologia social visa 0 comportamento dos indivfduos enquanto determinado pelo contexto social proximo. independentemente da especificidade historica e cultural do grupo social em que esse contexto estci presente. Quanto a sociologia. 0 seu domfnio proprio seria justamente 0 das determina~Oes exercidas pelos factores que constituem a especificidade historica e cultural das sociedades. As dificuldades de aplica~ao desta reparti~lio de competencias. traduzidas na indecislio dos modelos teoricos da psicologia social. traem 0 caracter meramente convencional da distinylio entre os niveis individual. interindividual e social. Na medida em que os dados empfricos ilustrando cada urn destes niveis nlio slio realmente distintos, e raramente 0 slio, a multiplicidade dos modelos teoricos aplicaveis, e portanto dos nfveis de explica~ao e dos domfnios de generaliza~ao com os quais se defronta 0 investigador, obrigam-no a uma decislio cujo fundamento nlio pode ser senlio arbitrcirio. Se, em geral, nlio compete ao psicologo social experimental estudar 0 conteudo dos sistemas culturais, mas sim as caracterfsticas operacionais dos individuos, as quais slio parcial mente determinadas por elementos culturais, a aCyao destes ultimos e dificH de separar das condi~6es da sua aquisi~lio. ela propria control ada por parametros culturais . Os problemas do mundo social natural, dos quais o psicologo social parte na maior parte dos casos, supoem uma abordagem multidisciplinar, preservando a particularidade dos metodos proprios de

da disciplina. sem que 0 psicologo se improvise ea socio1ogo • antropo'1 ogo ou h"lstonad or.

2 , '"rhh eis dcpcndcnte!o.

. c indepcndcntcs. hipMc~es

Quer a questlio a qual 0 psicologo social pretende responder por meio de uma pesquisa se situe na pnitica social. quer ela provenha de exigencias intemas ao processo de constru~lio do saber, OS eriterios de validade em relaylio aos quais essa resposta sera avaliada sao identicos. No entanto, a abordagem de questOes tendo por origem a pratiea social pode levar a definir estrategias de pesquisa que comportam objectivos intermedicirios especfficos, implicando opyoes metodologicas diferentes das que e levado a fazer 0 pesquisador confrontado com urn problema proveniente de exigencias intemas da constru~lio do saber. Para que estas o~6es possam ser tomadas com conhecimento de causa, a primeira tarefa do pesquisador face a urn problema oriundo da pratica social consiste em elaborar urn modelo teorico deste. A partir do enunciado do problema deve 0 pesquisador escolher 0 comportamento ou comportamentos sobre os quais deve incidir 0 estudo. Em certos casos, deve ainda decidir quais os aspectos das situayoes nas quais esses comportamentos sao observados que deverno ser encarados enquanto factores deterrninando varia~Oes quantitativas desse ou desses comportamentos. 0 comportamento ou comportamentos sobre os quais incide 0 estudo constituem as varidveis dependenles, e os factores que determinam as variayoes desses comportamentos constituem as varidveis indepelldentes do modelo elaborado pelo experimentador. Em geral, as pesquisas que tern por objectivo responder a questoes levantadas pelo proprio processo de constru~lio do saber encontram-se em terre no ja parcial mente balizado. variaveis dependentes e independentes estlio ja parcialmente identificadas. e as suas rela~oes slio conhecidas em

parte. As Iiga~6es entre variaveis independentes e dependentes. cuja existencia ou forma nlio slio conhecidas mas parecem plausiveis ao pesquisador, constituirlio 0 objecto das hipoteses que este pora posteriormente a prova das observayOes. A distinylio entre variaveis dependentes e independentes refere-se a posi~lio das variaveis na economia da explica~lio de urn determinado fenomenD proposta pelo pesquisador. Qualquer variavel pode desempenhar urn papel explicativo num deterrninado modelo, e ser ela propria 0 objecto que outro modelo se prop6e explicar, desempenhando nesse caso 0 papel de uma variavel dependente. Certas caracterfsticas sociologicas, como a idade ou 0 sexo dos individuos, as quais. por nlio serem susceptiveis de manipulaylio experimental por parte do investigador serno mais propriamente designadas Jactores de classifica~ao, parecem, a primeira vista possuir uma vocaylio exdusiva para o papel de variaveis independentes: as respostas a urn questioncirio ou a frequencia de determinado tipo de comportamento podem ser explicaveis. em certos casos. pela idade ou pelo sexo dos indivfduos interrogados ou observados. enquanto estas caracterfsticas nlio parecem ser explicaveis por qualquer tipo de observa~lio adisposi~lio do investigador, Contudo. em estudos tendo por objectivo avaliar, por exemplo, diferentes modos de constituiylio de grupos sociais. a idade ou 0 sexo dos indivfduos que constituem cada grupo podem ser compreendidos em fun~ao dos diferentes modos de constituiylio desses grupos, desempenhando neste caso 0 papel de variaveis dependentes.

2.1. Conslrufao das variaveis independentes Sendo as variaveis independentes a instancia explicativa posta a prova pelo pesquisador, a rela~ao entre estas e a noyao teorica a qual a explicaylio proposta se refere condiciona a validade do modelo proposto. Em primeiro lugar. a variavel ou

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66 variaveis independentes devem constituir uma revalida do conceito teorico ao qual 0 investigador se refere. Nalguns casos, esta exigencia nao levanta problemas de maior na medida em que a varia vel independente manipulada ou observada e 0 proprio fenomeno no qual 0 experimentador esta interessado. lncluem-se neste caso os factores de c1assifica~ao, tais como 0 sexo, a idade, ou a especie taxonomica, quando estas caracteristicas nao sao consideradas indicadores de outras variaveis. Do mesmo modo, as caracterfsticas dos individuos que correspondem a medidas ditas de potencia: nivel de inteligencia, acuidade visual ou auditiva, etc., sao validas por si proprias, independentemente do facto de 0 instrumento gra~as ao qual estas sao aferidas ser mais ou menos valido. Noutros casos, 0 conceito teorico ao qual 0 experimentador se refere designa uma no~ao abstracta, comportando diferentes modalidades de realiza~ao concreta: agressao, grau de credibilidade de uma detenninada Fonte de infonna~ao, pressao social, etc. A validade de n~6es teoricas deste tipo pressup6e a homogeneidade das determina~6es dos factos concretos aos quais estas no~6es se referem. Uma situa~ao aparentada com esta encontra-se cada vez que a variavel teorica visada pelo investigador nao pocle ser directamente observada ou experimental mente manipulada, 0 que acontece quando esta e, por exemplo, urn estado intemo dos indivfduos, como a culpabilidade, a colera ou a insatisfa~ao profissional. Neste caso, 0 investigador selecciona uma detenninada situa~ao observavel ou experimental mente realizavel e infere 0 estado intemo dos indivfduos colocados nesta situa~ao. o investigador pode assim seleccionar urn grupo de indivfduos aos quais foi recusada uma prom~ao pro fissional , urn grupo de indivfduos insultados por urn comparsa do experimentador, etc., e considerar que 0 estado intemo correspondente a situa~ao em questao esta presente nos indivfduos observados. No subcapftulo anterior, a proposito das dificuldades de interpreta~ao de dados relativos a conceipresenta~ao

tos abstractos criados a priori. discutimos alguns dos problemas levantados por este tipo de procedimento. Como se tomou claro no decorrer dessa discussao, a variavel independente teorica e aqui, de facto, uma variavel dependente, comportando como tal varia~6es aleatorias que uma variavel independente nao comporta geralmente, e 0 estudo deste tipo de observa~6es exige 0 recurso a modelos estatfsticos que levem em conta este facto. Toda a observa~ao empfrica, experimental ou nao, tendendo a por a prova rela~6es entre urn conceito abstracto ou latente, representado por urn determinado acontecimento observavel, pOe a prova simultaneamente a rela~ao que interessa ao experimentador e 0 criterio de selec~ao do acontecimento estudado. Na medida em que este criterio for problematico, a conclusao do investigador estara sujeita a crftica. Verifica-se em muitos trabalhos publicados que as duas Fontes de incerteza quanta a validade das variaveis independentes estao simultaneamente presentes no mesmo estudo: a varia vel independente teorica e, ao mesmo tempo, uma categoria abstracta e urn estado nao observavel. A abundancia de situa~6es de inferencia comportando urn tal nfvel de risco de erro sera porventura uma das explica~6es do caracter fracamente cumulativo do saber, num dominio caracterizado simultaneamente por uma reprodutibilidade aceitavel das obseva~6es. o problema consiste em demonstrar que 0 estado nao observavel dos indivfduos, 0 qual constitui de facto a variavel independente teoricamente definida, e de facto aquele que 0 investigador sup6e. No caso de estudos observacionais, urn mfnimo de certeza requer a observa~ao de vcirios indicadores da variavel nao observavel, paralelamente ao comportamento que constitui a variavel dependente observada pelo investigador. A logica global da prova, aplicavel tanto no caso de estudos experimentais como no de estudos observacionais, consiste em demonstrar que a varia~ao registada pelo investigador e observada em mais de uma situa~ao capaz de gerar 0 estado nao observavel

oslO pelo investigador, e que diferentes situad" ~ s deste tipo afectam a manelra prevista outros ~oe indicadores desse estado. sup

2.2. Construfiio das varitiveis dependentes Dada a natureza relativa da distin~ao entre variaveis independentes e dependentes, muitas das considera~6es relativas as primeiras aplicam-se igualmente as segundas. A selec~ao do ou dos comportamentos a observar deve respeitar simultaneamente exigencias de ordem teorica e metodologica. Em numerosos casos, urn conceito fundamental unico, por exemplo, conduta altrufsta, comporta manifesta~6es comportamentais concretas extremamente diferentes em fun~ao das numerosas circunstancias nas quais e observado. A par dessas diferen~as, todas as manifesta~6es concretas desse comportamento tern em conjunto a propriedade que leva a considera-Ias manifesta~6es de urn mesmo comportarnento. Se, em alguns casos, as caracterfsticas comuns as diferentes manifesta~6es de urn mesmo comportarnento consistem em meras semelhan~as, noutros casos essas caracterfsticas correspondem a existencia de urn mecanismo unico de produ~ao e de controlo das diferentes manifesta~6es do comportarnento. A utilidade de urn conceito fundamental baseado sobre meras semelhan~as, sem correspondencia ao nfvel dos mecanismos de detennina~ao do comportamento, e limitada. Nem semelhan~as dos comportamentos, nem a existencia de categorias naturais englobando diferentes comportarnentos concretos constituem garantias suficientes da homogeneidacte das detennina~6es desses comportamentos. Com efeito, quando 0 comportamen to estudado num certo numero de situa~6es pode provir da ac~ao de diferentes mecanismos, as varia~6es do comportamento registadas entre as diferentes situa~6es nao podem ser atribufdas com seguran~a as diferen~as entre as situa~6es,

67 podendo resultar do efeito de urn detenninado factor numa dada situa~ao e do efeito de urn outro factor numa outra situa~ao. Por esta razao, ao contrmo do que e frequente, a constru~ao de urn conceito fundamental deve partir indutivamente da certeza da homogeneidade das detennina~6es de urn dado numero de comportamentos concretos para chegar a constru~ao de urn conceito global abrangendo esses comportamentos.

2.3. Comportamentos e condutas Na grande variedade das observa~6es que e possfvel realizar a partir do comportamento dos indivfduos e dos grupos, convem distinguir dois nfveis de observa~ao: comportamentos e condutas. Urn comportarnento e uma modifica~ao do estado de urn organismo, considerada do ponto de vista de uma rela~ao parametrica com urn estfmulo aplicado a este. Uma conduta consiste em sequencias finalizadas de comportarnentos. Entre estas, e usual distinguir as que sao encaradas pelo investigador enquanto condutas efectoras e as que sao encaradas enquanto comunica~6es ou condutas simb6licas. Observa~6es relativas a condutas constituem tradicionalmente a materia de base da psicologia social. Na grande maioria dos casos essas observa~6es sao de car:kter simbolico: 0 inquirido ou o suje!to experimental diz ou escreve uma mensagem, aceita ou recusa deterrninada escolha proposta pelo experimentador. Noutros casos sao observadas ac~6es; 0 sujeito experimental envia a urn outro urn choque electrico ou uma determinada recompensa. Estas ac~6es sao consideradas COl!lo condutas, na medida em que constituem manifesta~6es observaveis de uma decisao tomada pelo sujeito quanto aos resultados da sua ac~ao. Para alem da frequencia, outros aspectos das condutas sao, muitas vezes, avaliados no decorrer de uma experiencia ou de uma observa~ao: intensidade ou amplitude, dura~ao, etc. A escolha do aspecto a registar devera ser, em geral, ditada por

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COMPORTAMENTOS E CONDUTAS

o estudo do comportamento motor tem uma vasta hist6ria que, em larga medida, se confunde com a da psicologia ellperimental: 0 estudo dos tempos de reac~ao. ou investiga~ao cronometrica dos comportamentos. recebeu urn fundamento te6rico nos trabalhos de Donders (1868) e constitui desde essa data urn dos principais meios de investigayao no domfnio da percepyiio e do tratamento da informa~iio. No estudo cronometrico do comportamento. o tempo de reac~iio e considerado como resultado da soma das durayOes de diferentes processos de aquisi~iio e tratamento da informa~ao. Estes processos podem desenrolar-se em serie , em paralelo, ou segundo diferentes configura~Oes cronol6gicas de tratamentos em serie e em paralelo. 0 estudo dos tempos de reac~i!o a determinados estlmulos em condiyoes especial mente concebidas pelo ellperimentador para alongar ou reduzir certos processos permite por a prova hip6teses relativas a organiza~ao das diferentes etapas do tratamento dos estfmulos . Podem deste modo ser ellperimentados modelos de tratamento da informayiio em que 0 resultado de uma dada opera~iio constitui 0 ponto de partida da opera~ao seguinte, e modelos em que as duas operayOes se desenrolam paralelamente. As intervenyoes ellperimentais nestes processos revestem a forma de tarefas a realizar pelos sujeitos durante 0 tratamento dos estfmulos, sendo essas tarefas escolhidas de modo tal que a sua ellecuyao contraria determinada operayao de tratamento dos estfmulos, ou. pelo contnirio, a facilita . 0 estudo cronometrico pode incidir tanto sobre 0 tempo decorrido entre a apresenta~iio ao sujeito de um estfmulo e 0 infcio da sua resposta. tempo de reac~iio, como sobre parametros temporais caracterizando a ellecuyao dcsta: velocidade do movimento; por ellemplo . o estudo do comportamento motor nao se Iimita a perspectiva cronometrica. Variliveis de caracter qualitativo podem tambem ser observadas. como acontece com a observayao de posturas corporais ou ellpressoes faeiais, cujo estudo constitui urn aspecto importante da pesquisa sobre 0 comportamento social. 0 estatuto destas observa~Oes e, no entanto, distinto do das respostas recolhidas na perspectiva cronometrica: enquanto nestas a forma especffica da resposta e independente da fun~iio efectora desta. as posturas e ellpressoes faeiais nao siio independentes das suas fun~oes efectoras. Na perspectiva cronometrica. 0 ellperimentador escolhe arbitrariamente lima reacyiio a ser produzida pelo sujeito em resposta ao estfmulo: carregar num botiio ou levantar uma chave telegrMica . No estudo das posturas corporais e das ellpressoes faeiais, estas sao escolhidas pelo sujeito no conjunto de outras que poderiam ser produzidas em resposta a detelminadas condi~oes de estimula\;iio. Assim. por ellemplo. a emissiio do sorriso particular designado por sorriso de Duchenne (Ekman. Davidson e Friesen, 1990) em resposta a apari\;ao de determinada pessoa, sera conceptualizada em rela~ao aemissao de outros tipos de sorriso ou a apresentayao de outros estfmulos. Deste ponto de vista. estas observar,:oes nao constituem comportamentos mas sim condutas . na medida em que a forma que revestem e detenn inada pela sua funr,:iio efectora ou pelo papel que desempenham na comunicayiio simbOlica. considera<;oes de ordem te6rica. Uma tradi<;ao que vern dos tempos do domfnio absoluto das teorias da aprendizagem leva a interpretar muitos destes aspectos enquanto indicadores diferentes da tendencia dos indivfduos a executar urn determinado acto. Assim, em experiencias cujo objectivo consiste em avaliar as condutas agressivas de urn indivfduo que cre administrar choques electricos a urn outro sao por vezes registados simultaneamente a dura<;ao, 0 numero e a intensidade dos choques escolhidos, sendo todas estas grandezas cons ideradas como manifesta<;6es concretas de uma variavel unica, «instiga<;ao para a agressao». Trata-se de uma suposi<;ao sem fundamento te6rico, que tra-

balhos empfricos demonstram ser falsa: a frequencia e a dura<;ao dos choques emitidos por urn sujeito sao determinados por mecanismos distintos , identificados por certos autores (Donnerstein e Donnerstein, 1973) como constituindo formas respectivamente directas e indirectas de agressao, e por outros autores (Baron e Bell, 1974; Berkowitz, 1974) como sendo formas respectivamente premeditadas e impulsivas de agressao. A multiplicidade de interpreta<;6es denota, ao mesmo tempo, a insuficiencia do quadro te6rico sobre 0 qual assenta a escolha das observa<;6es e anecessidade de examinar a estrutura das inter-rela<;6es entre os diferentes parametros caracterizando os comportamentos.

2 4 A descrifiio das condutas: . . escalas e medidas Tern sido proposto urn grande numero de metados cujo objectivo e fomecer urn fundamento te6rico e urn procedimento pratico para este exame. Alguns desses metodos sao especial mente concebidos para uso com material simb61ico, outros podern ser utiIizados tanto com material simb61ico como com ac<;oes. 0 princfpio de todos estes rnetodos e que a variavel ou variaveis te6ricas correspondem a uma ou varias grandezas latentes ou genotfpicas, as quais determinam a probabilidade da ocorrencia de uma determinada resposta que constitui a observa<;ao manifesta ou fenotfpica. Alguns metodos preconizam formatos de recolha das observa<;6es que imp6em a estas uma relativa unidimensionaJidade, esc alas de Thurstone (Thurstone, 1931), e Likert (Likert,1932), outros constituem algoritmos destinados a recuperar essa unidimensionalidade latente a partir de respostas e comportamentos manifestos eventual mente heterogeneos: escalas de Guttman (Guttman, 1950), analise de estrutura latente (Lazarsfeld, 1950), escalonamento multidimensional (Shepard, Romney e Nerlove, 1972). Enquanto os metodos de constru<;ao de escalas estao essencialmente vocacionados para a recolha de material simb6lico, os metodos de analise tanto podem ser aplicados a comportamentos como a respostas simb6licas. Na pratica, sobretudo em trabalhos experimenlais, os pesquisadores contentam-se com uma un idimensionalidade aparente, obtida atraves de respostas a perguntas muito simples escolhidas de tal modo que a sua interpreta<;ao pelos sujeitos seja 0 menD,> variavel possfvel. Esta formula<;ao eobtida, em geral, por ensaios repetidos de diferentes formula'r6es junto de amostras da mesma popula<;ao, da qual sera extrafda a popula<;ao experimental. Quando e usado este tipo de medida, chamado escala de cota<;ao, 0 pesquisador contenta-se frequentemente com 0 facto de atribuir aos sujeitos

uma nota obtida a partir da soma das cota<;oes atribufdas as diferentes respostas. Outras vezes, estas sao tratadas pela tecnica estatfstica chamada andlise factorial, a qual constitui urn meio de representa<;ao das cota<;6es atribufdas a urn grande numero de respostas num numero reduzido de coordenadas.

2.5. Validade e fidelidade das medidas Os procedimentos gra<;as aos quais 0 pesquisador ultrapassa as dificuldades de tradu<;ao da sua variavel te6rica em observa<;6es constituem medidas. Este passo da pesquisa constitui a pedra angular de todo 0 trabalho explicativo, pois ele 0 elo de Iiga<;ao entre 0 modelo te6rico, do qual constitui porventura 0 aspecto mais importante, e as propriedades do real que esse modelo se prop6e representar. Medir consiste em estabelecer uma correspondencia entre urn conjunto de sfmbolos e urn conjunto de acontecimentos discriminaveis traduzindo propriedades do real, de tal modo que as opera<;6es realizadas sobre os sfmbolos correspondam a opera<;oes sobre essas propriedades. Os conjuntos de sfmbolos podem ser simples nomes correspondentes a classes de equivalencia, como sucede quando as respostas dadas por urn determinado grupo de indivfduos a uma pergunta formulada pelo experimentador sao contabiIizadas segundo 0 numero de respostas de cada tipo, «nunca», «raras vezes», «frequentemente»,ou podem ser ainda conjuntos de numeros dotados de determinadas propriedades, inteiros, reais positivos, etc., como os obtidos quando 0 experimentador mede, por exemplo, o tempo de reac<;ao a urn estfmulo ou a amplitude de urn movimento efectuado pelo sujeito. Concretamente. efectuar uma medi<;ao consiste em realizar urn certo numero de opera<;oes ffsicas ou simb61icas no decurso das quais uma certa margem de variabilidade vern juntar-se grandeza efectivamente medida. Assim, a execu<;ao repetida de opera<;oes de medida de uma mesma grandeza da origem a uma distribui<;ao de val ores

e

a

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dessa grandeza oscilando a volta de urn determinado valor. chamado por vezes 0 valor verdadeiro . Uma medida sera considerada superior a uma outra. dizendo-se entao mais fiel ou de fidelidade superior, quando se aproxima de mais perto do valor verdadeiro. Urn segundo aspecto importante para a avaliacrao da qualidade das medidas e 0 da validade destas. Esta nocrao refere-se genericamente ao facto de urn conjunto de operac;oes de medida de uma determinada grandeza avaliar efectivamente essa grandeza. Para alem da mera validade aparente, consistindo em que uma determinada medicrao parece reflectir razoavelmente as propriedades de real as quais ela supostamente se refere, e usual distinguir a validade extema, preditiva ou con corrente, da validade intema ou heurfstica. Os dois tipos de validade extema referem-se ao facto de que uma determinada medida permite efectivamente preyer 0 efeito dos diferentes valores por ela tornados sobre outras variaveis medidas concorrentemente ou futuramente . A nocrao de validade intema refere-se ao facto de as variac;oes de determinados factores, que, em certas condicr6es. de vern afectar 0 valor da grandeza medida, se traduzirem real mente por variacr6es dessa grandeza. Con vern notar que fidelidade e validade correspondem a noc;oes muito proximas, cuja independencia so se manifesta em certos tipos de estrategia de conhecimento: uma medida fiel e uma medida do conceito global representando 0 comportamento ou os comportamentos que a compoem. quer este corresponda ou nao a n09ao que 0 investigador tern desse conceito global, quer aquele possua ou nao urn valor heurfstico ultrapassando 0 ambito das observac;oes que parecem ilustni-Io. Mais ainda. urn conceito global so pode ser valido. isto e, so pode revelar correlacroes estaveis com medidas de outros conceitos, na medida em que·for fielmente medido. Os processos c1assicos de avaliacrao da fidelidade consistem em estudar 0 grau de correlacrao entre medidas efectuadas: a) com instrumentos e

protocolos de medida diferentes, mas que se sup6e que avaliam uma mesma grandeza; b) com urn mesmo protocolo e 0 mesmo instrumento de medida repetidas vezes; c) entre medidas aleatoriamente escolhidas num conjunto de medidas de uma mesma grandeza, efectuadas com urn mesmo protocolo e 0 mesmo instrumento. Estas tres opcroes correspondem a concepcroes ligeiramente diferentes da n09ao de fidelidade. Para a n09ao de fideIidade que considera que a homogeneidade funcional das observac;6es constitui, ao mesmo tempo, uma condicrao de validade e de fidelidade, a terce ira destas oPC;6es constitui a pedra-de-toque da fidel idade. Na realidade, se urn conjunto de medidas representa 0 efeito de urn dnico factor ou conjunto de factores, sendo 0 erro de medida independente das grandezas medidas, a correlac;ao observada entre duas amostras aleatorias da populacrao de medidas so difere da correlacrao perfeita por uma quantidade correspondente ao erro de medida. Das diferentes tecnicas de avaliacrao da fidelidade que tern sido propostas con vern mencionar a analise de variancia, pela sua importancia pratica no caso da utilizacrao de jufzes aos quais sao pedidos julgamentos de v3.rios objectos ou pessoas e pelo papel que este modelo desempenha nas teorias modemas da medida psicoffsica. 0 processo de avaliac;ao da fidelidade das medidas baseado nos modelos de analise da variancia autoriza uma avaliac;ao comparativa das diferentes fontes de erro de uma medida e permite uma investigacrao da natureza destas. Em numerosos casos, sobretudo quando se trata de trabalhos experimentais. 0 investigador considera que as observac;6es de urn determinado comportamento sao validas porque 0 comportamento em questao Ihe parece intuitivamente ilustrar 0 conceito teorico que a ele interessa. Por exemplo, o facto de' dar. esmolas podera parecer em muitos casos urn cornportarnento apropriado para rnedir a conduta altrufsta. A validacrao da suposicrao feita pelo investigador, a qual diz respeito a conduta

sera obtida quando uma nova experiencia mostrar que urn outro cornportarnento, que vemce tambem " 1I ustrar a conduta aI trulS, 'ta por paremplO , ajudar urn indivfduo na execuc;ao de urna e"e rminada tare f a, e" Id ' ~& d0 peIos entIcamente (1Jecta dete ' d~ . s factores postos em eVI encla no caso em rnes mo a conduta estudada consiste em dar esrnolas. que d' Este tipo de validacrao foi sistematizado no proce Into de validacrao cruzada proposto por Campbell m;iske (1959), e recorre a uma logica anaJoga a e recedentemente exposta a propOsito da medida ~os estados nao observaveis. Urn conceito teorico evalido se diferentes comportamentos reflectindo esse conceito teorico, avaliados gracras a protocolos e instrUmentos distintos, manifestam entre si uma dependencia mais forte que a observada entre esses comportamentos e as variaveis extemas consideradas pelo experimentador como factores afectando o comportamento visado pelo conceito teorico. , ta

a1trU IS ,

3. \ 'alida~ao dos modelos: ob~erva-;ao e experimenta-;ao Uma vez formulada a questao a qual se pretende responder, identificadas as variaveis pertinentes e elaborado urn modelo das relacroes entre est as , encontra-se 0 pesquisador perante a necessidade de recolher informacroes que Ihe permitam avaliar a verosimilhanc;a desse modelo. Em geral, uma pesquisa tern por objectivo validar urn modelo causal de urn determinado fen6meno. ou descrever caracterfsticas tanto operatorias como estruturais de certos objectos: indivfduos, grupos ou instituicr6es. Em funcrao do objectivo que se prop6e atingir, 0 pesquisador concebe uma estrategia de pesquisa, combinando eventualmente diferentes procedimentos e tecnicas de investigacrao. Dois tipos de procedimento podem ser utilizados para a colheita de dados: no caso da observafaa, 0 pesquisador limita-se a manter urn registo dos acontecimentos ou dos aspectos pertinentes destes que ocorrem numa determinada situac;ao;

no caso da experimentarQo, 0 pesquisador aplica urn determinado tratamento experimental, consistindo numa accrao ffsica ou simbolica sobre certos aspectos da situac;ao, registando em seguida os efeitos resultantes desta accrao. Em ambos os casos, 0 objectivo do investigador consiste em pOr em evidencia determinadas relacroes entre as observac;oes, as quais deverao manifestar-se caso o modelo proposto para 0 fenomeno seja valido. Observacr6es e dados experimentais tern em comum muito mais do que 0 que se poderia pensar a luz da acalorada discussao a que tern dado azo a escolha entre estes dois tipos de procedimento. A interpretacrao causal dos dados da observacrao exige que sejam aceites certos postulados porventura de mais diffcil aceitac;ao que os exigidos no caso de dados experimentais, mas tambem estes dltimos nao sao interpretaveis, enquanto validacrao de modelos causais, na ausencia de suposiC;6es empiricamente inverificaveis. Mau grado a argumentacr ao apresentada por opositores e defensores da abordagem experimental na psicologia social, observacrao e experimentacrao constituem instrumentos de conhecimento vaJidos e produtivos, quando devidamente empregues, no respeito das condicroes de validade proprias a cada procedimento. No entanto, cada urn destes metodos corresponde a condicr6es distintas de elaboracrao do saber. A escolha entre eles deve, pois, resultar de uma analise dessas condicr6es e nao de posicrOes filosoficas que pouco tern a ver com a actividade real do pesquisador. A primeira vista podeni parecer que experimentacrao e observacrao estao cada uma calibradas para a validacrao de modelos teoricos distintos: enquanto a experimentacrao constituiria 0 metodo apropriado de por a prova relac;oes de caracter causal entre as variaveis tomadas em consideracrao pelo investigador, a observacrao seria particularmente indicada quando este deseja obter uma descricrao estrutural ou funcional dos objectos que se propoe investigar. No entanto, nao so modelos causais de fenomenos que por diferentes razoes



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escapam a uma abordagem experimental sao por vezes validados por meio de estudos observacionais, como tambem modelos que pouco tern de causal, como os da psicoffsica, exigem a interven9ao de tratamentos experimentais para que sejam reveladas as caracterfsticas funcionais do processo sobre 0 qual incide a investiga9ao. Com bastante frequencia, 0 modelo causal constitui a meta final do pesquisador, sendo a descri9ao apenas urn primeiro passo. Assim, a fase inicial do estudo de urn terreno inexplorado pode visar uma descri9ao de urn comportamento ou dos comportamentos que se registam numa ou varias situa90es recorrentes. Esta fase constitui ja 0 primeiro pas so de uma pesquisa que posteriormente teni como objectivo a identifica9ao dos factores e dos mecanismos que intervem na Produ9ao do ou dos comportamentos observados. As varia90es de comportamentos registadas entre as diferentes situa90es em que estes sao observados a partida constituem frequentemente uma fonte de informa9ao capaz de conduzir 0 pesquisador a formula9ao de hipoteses respeitantes a interven9ao de determinados factores na produ9ao do ou dos comportamentos a estudar. Por seu turno, estas hipoteses levarao a realiza9ao de estudos experimentais tendo por objectivo, numa primeira fase, confirmar 0 papel desempenhado pelos factores considerados e, numa fase posterior, medir os efeitos destes a fim de chegar a urn modelo preciso das determina90es do comportamento originariamente considerado.

3.1 . Estudos observacionais Con vern desde ja excluir a ideia segundo a qual a observa9ao constituiria uma forma menos rigorosa da experimenta9ao. Observar nao consiste em registar sem hipoteses e sem regras aquilo que se passa numa determinada situa9ao. A constru9ao das variaveis dependentes obedece aos mesmos princfpios e deve satisfazer as mesmas exi-

gencias, quer se trate de pesquisas observacionais quer de pesquisas experimentais. Duas caracterfsticas dos estudos experimentais diferenciam estes dos estudos observacionais: por urn lado, a interven9ao efectiva do experimentador por via da aplica9ao do tratamento experimental, por outro, a independencia entre os valores da variavel independente e os objectos sobre os quais aqueles sao realizados. Do ponto de vista da economia da expIica9ao, a primeira destas caracterfsticas tern por consequencia garantir a precedencia temporal da causa em rela9ao ao efeito, enquanto a segunda assegura ao experimentador que as varia90es da variavel dependente registadas sao devidas aos val ores tornados pela variavel independente e nao a caracterfsticas dos objectos sobre os quais sao registadas essas varia90es. Do ponto de vista do modelo estatfstico, a independencia dos tratamentos e dos objectos aos quais estes sao administrados assegura que a experiencia efectivamente realizada pade ser considerada como uma amostra de uma popula9ao de experiencias, 0 que constitui uma condi~ao indispensavel para urn caJculo adequado do erro afectando 0 conjunto das observa90eS. Ora, gra9as a urn planeamento apropriado da colheita dos dados, nao so e posslvel, em muitos casos, medir num estudo observacional as variaveis independentes de tal modo que a precedencia temporal dos valores destas em rela9ao aos da variavel dependente seja assegurada, 0 que acontece quando se efectuam observa90es diacronicas , como tambem e possfvel organizar a recolha destas de tal maneira que 0 erro que as afecta possa ser estimado sobre a base dos mesmos modelos estatfsticos que os apIicaveis a observa90es experimentais nao independentes. Eprecisamente a aplica9ao da teoria dos pIanos experimentais a situa90es de recolha de dados observacionais que, submetendo os dois procedimentos a exigencias de validade amilogas, permite a elabora9ao de pIanos de colheita de dados observacionais autorizando uma interpreta9ao causal,

como OS impropriamente chamados pIanos quase experimentais propostos por Campbell e Stanley (1966). A logica global dos pIanos propostos por estes autores consiste em obter series temporais de observa90es dos mesmos indivfduos ou grupos antes e depois da interven9ao do acontecimento que realiza a variavel independente. As series assim obtidas sao comparadas as conseguidas com outros grupos seleccionados de modo a excluir interpreta~Oes altemativas das varia90es observadas da varlavel dependente.

3.2. Experimentafiio: nOfoes gerais Aleatoriza~ao

e erro experimental

Na sua forma mais elementar, uma experiencia consiste na apIica9ao de urn tratamento experimental a uma de duas unidades experimentais, as quais sao em seguida comparadas, a fim de avaliar a diferen~a introduzida entre elas pela aplica9ao desse tratamento. A essa diferen9a chama-se 0 efeito do tratamento. Urn tratamento experimental consiste numa aC9ao ou urn conjunto de aC90es deliberadamente exercidas pelo experimentador sobre as unidades experimentais ou sobre as condi90es da experiencia. Por razoes que mais adiante serno expostas, nem diferen9as entre as unidades experimentais que nao resultam da interven9ao do experimentador, como 0 sexo ou a idade dos indivfduos, nem as que resultam de aC90es involuntariamente exercidas por este, constituem tratamentos experimentais, mesmo quando essas diferen9as sao explicitamente consideradas pelo experimentador enquanto factores susceptfveis de afectar 0 resultado de uma experiencia. A apJica9ao de urn tratamento experimental a uma unidade constitui urn ensaio e a realiza9ao de urn ensaio da totalidade dos tratamentos estudados numa experiencia constitui uma replica desta. A experiencia elementar acima descrita implica uma decisao da parte do experimentador quanto a escolha da unidade experimental a qual

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sera aplicado 0 tratamento, decisao essa que determinara a interpreta~ao feita por aquele dos resultados da experiencia. Com efeito, se, apos a aplica9ao do tratamento experimental, 0 experimentador regista uma diferen9a entre as duas unidades que constituem a experiencia, antes de poder concluir que essa diferen9a provem real mente do tratamento aplicado a uma delas, deve assegurar-se de que essa diferen9a nao existia ja antes da aplica9ao do tratamento. A solU9ao desta dificuldade encontra-se na aplica9ao da tecnica de aleatorizapio, a qual constitui o aspecto mais saliente da concep9ao con temporanea da experimenta9ao. Se 0 tratamento tiver sido atribufdo aleatoriamente as duas unidades experimentais, isto e, se cada unidade experimental tiver igual probabilidade de receber 0 outro tratamento, supondo que, a partida, 0 experimentador nao dispOe de qualquer informa9ao a respeito das caracterfsticas de cada unidade experimental, a probabilidade de este atribuir erroneamente ao tratamento experimental diferen9as existentes entre estas antes da aplica9ao do tratamento sera tao pequena quanta passfve\. E claro que esta garantia relativa e insuficiente para servir de base a conclusoes por parte do experimentador. A este interessa, antes de mais, avaliar 0 grau de certeza das suas conclusOes. A atribui9ao aleatoria das unidades experimentais aos diferentes tratamentos cria justamente as condi90es necessarias para que nao so 0 grau de certeza das conclusoes extrafdas pelo experimentador seja 0 mais elevado possfvel, como tambem toma viavel avaliar esse grau de certeza. Gra9as a aleatoriza9ao, as observa90es efectuadas estarao protegidas contra djstor~oes sistematicas ligadas as caracterfsticas intrfnsecas das unidades experimentais, e poderao constituir a base para inferencias estatfsticas tendo por objectivo medir 0 grau de confian9a que merecern as conclusoes extrafdas dessas observa90es. Se na experiencia anteriormente considerada tfnhamos uma probabilidade de 0,50 para que a

..

74 unidade experimental favorecendo eventualmente o efeito da aplica~ao de urn dado tratamento fosse efectivamente atribufda a esse tratamento, se realizannos uma replica da experiencia com novas unidades experimentais a probabilidade para que esse facto se produza nas duas replicas baixa para 0,25, e, se realizannos cinco replicas, ela e apenas de 0,03. Por isso, quando as unidades experimentais sao atribufdas aleatoriamente aos tratamentos, urn dos meios de aumentannos a certeza das nossas conc1usoes relativas ao resultado de uma experiencia consiste na realiza~ao de numero crescente de replicas. A medida que formos realizando novas replicas, a diferen~a observada entre as unidades experimentais que recebem 0 tratamento e as outras vai tender para urn dado valor, em torno do qual se distribuem os valores observados. A varia~ao das observa~6es em torno desse valor constitui o erro experimental. o objecto dos metodos de inferencia estatfstica consiste precisamente em obter estimativas do valor do erro experimental e, dada essa estimativa, determinar a probabilidade de ocorrencia de uma diferen~a entre unidades experimentais tao grande como a que foi observada quando 0 tratamento aplicado nao exerce qualquer efeito. A importiincia crucial da aleatoriza~ao e frequentemente subestimada pelos autores de textos de metodologia destinados aos psicologos e ignorada por estes no seu trabalho. Convem sublinhar que os modelos de inferencia estatfstica utilizados na amilise dos dados experimentais exigem estritamente urn tal procedimento enquanto condi~ao de validade das conc1usoes tiradas. Com efeito, e a aleatoriza~ao que pode garantir nao so a independencia das observa~6es como tam bern a homogeneidade do erro experimental, isto e, a comparabilidade das diferentes condi~6es experimentais. Do ponto de vista pnitico, a atribui~ao aleatoria das unidades experimentais devera ser feita por meio de tabelas de numeros ou de permuta~6es aleatorias, e, em caso algum, por meio de decis6es aparentemente

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casuais, como a ordem de chegada dos sujeitos ao laboratorio ou a posi~ao destes numa lista cuja ordem nao foi aleatorizada previamente. Uma tiragem aleatoria implica a realiza~ao de uma opera~ao ffsica garantindo uma igual probabilidade de ocorrencia dos acontecimentos possfveis, procedimento diffcil de por em pratica excepto nos casos mais simples, e cujos resultados estao justamente registados nas tabelas. Muitos pIanos experimentais complexos requerem a realiza~ao de mais de uma tiragem, de acordo com determinadas regras precisas. Antes de utilizar este tipo de plano, deve o experimentador estudar cuidadosamente estas regras, que podera encontrar, por exemplo, no c1assica Experimental Designs (Cochran e Cox, 1952).

Tecnicas de redu~ao do erro experimental A unica fonte de erro experimental que encaramos ate aqui reside na heterogeneidade das unidades experimentais. Oeste modo, 0 unico metoda de redu~ao do erro experimental que fomos levados a mencionar consiste na realiza~ao de urn maior numero de replicas. Se as unidades experimentais sao fortemente heterogeneas, como e geralmente 0 caso na psicologia, 0 ganho de precisao obtido pela multiplica~ao das replicas tende a ser pequeno, e urn grau de precisao suficiente para fornecer uma garantia suficiente a conclusoes por parte do experimentador pode exigir a realiza~ao de urn numero proibitivo destas. Urn outro meio para melhorar a precisao da experiencia torna-se neste caso necessano. Esse meio consiste na explora~ao de conhecimentos do experimentador relativos as unidades experimentais obtidos antes da aplica~ao dos tratamentos. Este princfpio constitui 0 fundamento de duas tecnicas cujo objectivo consiste em aumentar a precisao de uma experiencia sem multiplicar 0 numero de replicas. Uma dessas tecnicas, a analise de co-variancia, utiliza urn processo de ajustamento dos efeitos dos tratamentos experimentais por meio de coeficientes que traduzem a rela~ao entre certas caracterfsticas das unidades experimentais medidas

s da aplica~ao dos tratamentos e 0 erro experi,.. . ntal; a outra tecOica conslste em agrupar as UOlme experimentals . antes da ap I'lca~ao - dos tratadades ntoS em blocos de unidades semelhantes, de tal me do que cada replica seja efectuada sobre un ida:~ experimentais menos heterogeneas, limitando des te modo a contribui~ao das diferen~as entre as nidades experimentais para 0 erro experimental. u 0 agrupamento das unidades experimentais em blocos relativamente homogeneos constitui uma solu~ao utiIizavel em todos os casos em que diferen~as importantes entre as unidades experimentais ou entre as condi~6es de administra~ao dos tratamentos, cujo efeito e pertinente para os objectivos da experiencia, podem ser determinadas. Assim, por exemplo, urn dado metoda de ensino deve ser comparado com urn outro, utilizando para isso efectivos escolares disponfveis em estabelecimentos diferentes. 0 agrupamento em blocos dos alunos provenientes de urn mesmo estabelecimento eliminara do erro experimental os efeitos de diferen~as de nfvel escolar, motiva~ao, ou habitos de aprendizagem entre os alunos dos diferentes estabelecimentos. 0 agrupamento e particularmente util num caso que se apresenta com frequencia na pratica em experiencias nas quais urn comportamento elaborado do comparsa constitui 0 tratamento experimental. Neste tipo de experiencia, dados os efeitos de pratica que se exercem sobre 0 comparsa, uma diferen~a entre as primeiras unidades tratadas e as tratadas posteriormente torna-se muito provavel. Para alem de uma escrupulosa normaliza~ao da tecnica de administra~ao dos tratamentos experimentais, 0 experimentador pode obter ganhos de precisao substanciais por meio do agrupamento das replicas em fun~ao da ordem de administra~ao. Oeste modo as diferen~as entre as replicas realizadas em perfodos diferentes serao adicionadas as diferen~as entre os blocos em que foram agrupadas as replicas, em vez de contribufrem para aumentar 0 erro experimental, 0 qual condiciona a precisao da experiencia.

ante

Em numerosas situa~oes praticas, a dura~ao da aplica~ao dos tratamentos experimentais ou 0 grande numero destes torna impossfvel a realiza~ao de uma replica completa da experiencia num perfodo de tempo suficientemente curto para que seja mantida uma normaliza~ao suficiente das condi~6es de aplica~ao dos tratamentos. A solu~ao desta dificuldade reside na constitui~ao de blocos compostos por uma parte do numero total de tratamentos, escolhidos de tal modo que as diferen~as entre os tratamentos que constituem 0 centro de interesses da experiencia sejam calculadas no interior dos blocos, e as diferen~as menos importantes sejam confundidas com as diferen~as entre os blocos. Esta tecnica, chamada confusdo (confusao de efeitos experimentais e de diferen~as entre blocos de un idades experimentais), e relativamente pouco usada na experimenta~ao em psicologia social, apesar das suas vantagens evidentes num terreno caracterizado pela complexidade dos tratamentos experimentais e pela heterogeneidade das unidades experimentais (indivfduos ou grupos de indivfduos) estudadas. o agrupamento das unidades experimentais em blocos homogeneos quanta a uma caracteristica destas constitui uma tecnica que pode ser generalizada a duas ou mais caracterfsticas. Assim, os indivfduos chamados a participar numa experiencia podem ser caracterizados simultaneamente pela sua ordem de nascimento na fratria e pela sua idade. Se a experiencia comporta, por exemplo, tres tratamentos experimentais, podemos estratificar os indivfduos segundo a sua ordem de nascimento: primeiro, segundo, terceiro e posterior ao terceiro nascimento, e, de novo, estratificar cada urn destes tres grupos segundo a idade dos indivfduos, por exemplo, menos de trinta anos, mais de trinta e menos de sessenta anos, mais de sessenta anos. Os tratamentos serao aplicados aos nove grupos assim constitufdos, de tal modo que cada tratamento seja aplicado uma so vez a cada grupo de indivfduos caracterizados por uma dada ordem de nascimento e uma dada idade.



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Este tipo de agrupamento e chamado urn quadrado latino, e a sua generaliza~ao a urn agrupamento segundo tres caracterfsticas das unidades experimentais constitui urn quadro greco-Iatino. Estes tipos de agrupamento sao, por vezes, utilizados na experimenta~ao em psicologia, a fim de eliminar distor~6es sistematicas Iigadas a ordem de aplica~ao dos tratamentos experimentais em experiencias nas quais mais de urn tratamento experimental e aplicado a cada unidade experimental. Paralelamente a heterogeneidade das unidades experimentais, duas outras Fontes contribuem significativamente para a grandeza do erro experimental: 0 erro de medida presente nas observa~6es efectuadas e as varia~6es involuntariamente introduzidas pelo experimentador na aplica~ao dos tratamentos. Como ja tivemos ocasiao de ver anteriormente, o processo de medi~ao contribui com uma certa dose de variabilidade na avalia~ao das grandezas, a qual e tanto menor quanta a medida utilizada possuir urn grau de fidelidade mais elevado. Assim, urn dos modos de aumentar a precisao de uma experiencia consiste em aperfei~oar as opera~6es de medi~ao, de maneira a melhorar a fidelidade das medidas estudadas. Por maior que seja 0 cuidado com que 0 experimentador procede a realiza~ao dos ensaios, diferen~as na aplica~ao dos tratamentos de uma replica para outra tendem a produzir-se. No caso da experimenta~ao em psicologia social, em que urn grande numero de unidades experimentais sao tratadas sucessivamente por urn mesmo experimentador e nas quais comparsas deste tern papeis predeterminados a desempenhar no contexto experimental, e necessario urn cuidado extremo na normaliza~ao das condi~6es de aplica~ao dos tratamentos. Estes cuidados devem incidir nao so s6bre os factores objectivos de heterogeneidade - instru~6es, material, interven~6es dos comparsas - mas tam bern sobre os factores subjectivos, como 0 c1ima social da aplica~ao dos tratamentos

ou a compreensao dos objectivos do experimentador pelos sujeitos. Por vezes, a normaliza~ao das condi~6es objectivas pode opor-se a normaliza~ao das condi~6es subjectivas: instru~6es identicas para todos os sujeitos, fomecidas, por exemplo, por meio de grava~6es, nao garantem, e podem por vezes impedir, uma identica compreensao dessas instru~6es por parte de cada urn destes. Neste caso, convem, em geral, tentar a normaliza~ao das condi~6es subjectivas, tendo, no entanto, presente que, quando isto e feito, 0 plano experimental deve comportar meios que permitam avaliar 0 grau de validade da manipula~ao experimental dos factores subjectivos. De urn modo geral, esta o~ao implica a realiza~ao de tratamentos experimentais especificamente concebidos para este fim. 0 simples questionano pOs-experimental, muitas vezes usado para avaliar do grau de sucesso deste tipo de interven~ao, esrn sujeito a distor~6es importantes ligadas a necessidade de coerencia da parte dos sujeitos, os quais tendem a dar ao questionano respostas inspiradas da sua representa~ao normativa da experiencia e do papel que julgam desempenhar nesta.

Tratamentos e facto res experimentais No caso mais elementar, a teoria posta a prova pelo experimentador Iimita-se a postular que urn determinado tratamento experimental exerce urn efeito. Nestas condi~6es, 0 experimentador lim itar-se-a a aplicar 0 tratamento em questao a urn grupo de sujeitos, abstendo-se de 0 aplicar a urn outro grupo. Este ultimo grupo, chamado por vezes grupo controlo, servira de termo de compara~ao destinado a por em evidencia a diferen~a introduzida pelo tratamento experimental. No entanto, no caso mais comum, os tratamentos experimentais cujo efeito se pretende avaliar numa dada pesquisa tern entre si uma rela~ao logica mais ou menos explfcita, a qual deriva do facto de que cada tratamento experimental realiza concretamente uma das condi~6es que, segundo a teoria posta a prova pelo

experimentador, deve afectar a manifesta~ao de urn deterrninado fenomeno. Quando a teoria a qual 0 experimentador se refere constitui uma descri~ao do real em termos quantitativos, os diferentes tratamentoS experimentais podem corresponder, por exemplo, a doses variaveis de urn determinado ingrediente administrado as unidades experime~~is, ou, mais frequentemente, a aspectos das condl~oes da experiencia que variam quantitativamente nas diferentes situa~6es experimentais, como 0 grau de intensidade com que urn determinado estfmulo e apresentado aos sujeitos, ou 0 nfvel de complexidade de uma mensagem que lhes e dirigida. Noutros casos, a teoria refere-se a aspectos qualitativos do real, e cada situa~ao experimental realiza uma determinada modalidade de uma no~ao teorica que comporta aspectos qualitativamente diferenciados. Assim, uma mensagem pode ser proposta a urn grupo de sujeitos como reflectindo a posi~ao de urn grupo maioritirio em rela~ao a determinada questao e ser proposta a urn outro grupo de indivfduos como reflectindo uma posi~ao minoritana. o conjunto dos tratamentos experimentais que, de acordo com a hipotese formulada pelo experimentador, exercem efeitos discriminavelmente diferentes sobre as unidades experimentais atraves de urn mecanismo unico, quantitativamente ou qualitativamente caracterizado, e chamado urn factor e os diferentes tratamentos experirnentais que 0 constituem sao chamados os niveis desse factor, quer eles sejarn quantitativa ou qualitativamente distintos. 0 efeito de umfactor corresponde, pois, as diferen~as criadas entre as unidades experimentais as quais foram aplicados os tratarnentos que constituem os diferentes nfveis desse factor.

Experiencias multifactoriais: efeitos aditivos e interac~oes Na experiencia elementar que consideramos a~e este ponto, 0 objectivo do experimentador conSlste em avaliar 0 efeito de urn dado factor.

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Num grande numero de casos, porem, ele esta interessado em avaliar os efeitos de mais de urn factor. Nesse caso, 0 experimentador pode escoIher entre a realiza~ao de experiencias diferentes para avaliar 0 efeito de cada factor, ou encarar a possibilidade de aplicar a cada unidade experimental rnais de urn tratamento, reunindo nurna so experiencia os diferentes factores experirnentais cujos efeitos Ihe parecem dever ser elucidados. As experiencias nas quais rnais de que urn tratamento experimental e aplicado a cada unidade sao chamadas multifactoriais. Este tipo de experiencia permite avaliar, paralelamente aos efeitos de cada factor, os que resultam da cornbina~ao de dois ou rnais factores. 0 efeito especffico da combina~ao de rnais de urn factor experimental e chamado efeito de interacriio, enquanto 0 efeito diferencial da aplica~ao dos diferentes nfveis de urn factor, quaisquer que sejam os de outros factores presentes na experiencia, e chamado efeito principal desse factor. Urn efeito de interac~ao de dois factores e registado cada vez que 0 efeito de urn determinado factor nao eidentico em cada nfvel de urn outro factor aplicado em combina~ao com aquele. Se, por exernplo, nurna determinada experiencia, diferentes recornpensas forem oferecidas pelo experimentador quando os sujeitos executam urna dada resposta, e essas recornpensas oferecerem valores diferentes para os sujeitos de sexo masculino e feminino, a probabilidade de execu~ao dessa respasta dependera nao so das recornpensas oferecidas, e eventualrnente do sexo dos sujeitos, mas tambern da combina~ao de urna determinada recornpensa e do sexo dos sujeitos aos quais esta e oferecida. Assirn, quando 0 experirnentador detecta urn efeito de interac~ao de dois ou rnais factores, e levado a conduir que a ac~ao exercida par cada urn deles nao e independente da exercida pelos outros, nao podendo 0 efeito total dos diferentes factores ser obtido pela simples adi~ao dos efeitos de cada urn deles. Interessa neste caso considerar 0 efeito exercido por urn determinado factor a cada urn dos nfveis

to

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dos outros factores presentes na experiencia. A este efeito e dado 0 nome de efeito simples do factor. E possfvel, em geral, calcular os efeitos simples. tanto principais como de interac~ao, chamados respectivamente efeitos simples principais e efeitos simples de intera~iio. Quando urn factor estudado numa experiencia exerce 0 seu efeito independentemente dos valores tornados pelos restantes factores, a soma dos efeitos simples desse factor. calculados no interior de cada nfvel dos outros factores. e igual ao efeito principal desse factor. Nao sendo esse 0 caso, aos efeitos simples principais de urn dado factor sera necessano juntar todos os efeitos simples de interac~ao associados a esse factor para obter 0 seu efeito principal. As considera~6es precedentes permitem indicar quais as condi~6es mais apropriadas para urn recurso aos pianos multifactoriais: as fases iniciais da elabora~ao de uma quesmo. no decurso das quais numerosas variaveis dependentes e independentes de contomos indecisos sao encaradas enquanto altemativas de formula~ao, constituem 0 domfnio privilegiado da utiliza~ao deste procedimento. Ao contrano do que e frequentemente praticado. as experiencias multifactoriais devem comportar numerosos factores, eventualmente relacionados por interac~6es de primeiro ou segundo grau. cujos efeitos sobre urn numero limitado de replicas sao, deste modo, submetidos a urn primeiro exame. Numa fase posterior, os mesmos factores. suficientemente isolados por meio de uma selec~ao das unidades experimentais. ou reformulados de modo a nao implicarem rela~6es nao aditivas, serao submetidos a urn exame mais detalhado tendo em vista uma elucida~ao mais completa das rela~6es entre a variavel ou variaveis dependentes e os factores hipoteticamente implicados na determina~ao destas. Interpreta~ao

dos efeitos de

interac~ao

Apesar da existencia de uma literatura estatfstica vastfssima consagrada aos procedimentos a empregar no caso em que 0 experimentador esta

interessado no estudo simultaneo de dois ou mais factores. tecnicas de analise de dados discutiveis e interpreta~6es erroneas de resultados experimentais sao extremamente frequentes em trabalhos publicados. A fim de evitar estas dificuldades e indispensavel uma boa compreensao do significado dos diferentes valores que caracterizam os resultados obtidos quando da aplica~ao de pianos multi factoriais. 0 procedimento frequentemente observado em artigos publicados. consistindo em efectuar compara~oes de medias de tratamentos quando uma interac~ao e detectada a fim de identificar as «fontes de interac~ao», denota uma interpreta~ao inexacta da n~ao estatfstica de interac~ao e conduz frequentemente a inferencias infundadas. Urn efeito de interac~ao e medido por parametros que provem nao de diferen~as entre tratamentos mas de diferen~as entre diferen~as entre tratamentos , caracterizando assim rela~6es entre factores e nao rela~6es entre tratamentos. podendo perfeitamente existir sem que para isso seja necessano que existam diferen~as entre tratamentos. Os efeitos de interac~ao, juntamente com os outros. especificam urn determinado modelo da reparti~ao da variancia dos valores observados numa experiencia, e e esse modelo. 0 qual inclui os postulados necessanos para que 0 calculo dos estimadores dos diferentes parametros possa ser realizado. que e posto it prova. Se 0 efeito de interac~ao observado numa experiencia nao satisfaz as exigencias do modelo teorico ao qual 0 experimentador se refere. compete a este transformar os seus dados a fim de neutralizar o. efeito de interac~ao e. correlativamente. modificar 0 seu modelo teorico para nele acomodar a transforma~ao efectuada. Nao sendo isso possfve\, convira abandonar o modelo estatfstico comportando 0 efeito de interac~ao e analisar os dados a partir de urn modelo estatfstico apropriado ao modelo teorico que se deseja par it prova. Em muitos casos, este novo modelo conduz a hipoteses relativas a diferen~as entre tratamentos considerados dois a dois. ou a

diferen~as entre g~pos de tratamentos que_Ievam

definir compara~oes ou contrastes que nao cora spondem a efeitos de interac~ao tal como estes r:o habitualmente definidos. As compara~6es a sa . as. que correspondem a efecW ar sao eVldentemente . _ diferen~as teoncamente pertmentes e nao as que dizem respeito a urn modelo estatfstico escolhido sobre a base de urn procedimento rotineiro. a s problemas de interpreta~ao dos efeitos de interac~ao sao particularmente complexos em razao da variedade das situa~6es nas quais estes se manifestam e das causas que Ihes dao origem. Uma interac~ao tanto pode provir das caracterfsticas metricas da variavel observada como da nao Iinearidade da rela~ao entre essa variavel e a variavel independente. Certos efeitos de interac~ao implicam apenas dois factores nao comportando mais que dois nfveis cada urn, outras implicam urn maior numero de factores comportando, por vezes, factores com mais de dois nfveis. Em certos casos, os nfveis de urn ou mais factores tern entre si rela~6es c1aras, constituindo, por exemplo, uma c1assifica~ao ordinal, noutros casos as rela~6es entre os nfveis sao insuficientemente explfcitas para autorizarem urn raciocfnio em termos de factores. como e tipicamente 0 caso de factores cujos nfveis sao c1assifica~6es naturais, como a idade ou o sexo dos indivfduos. Algumas vezes 0 comportamento observado pelo experimentador e directamente aquele a cuja teoria se refere, noutros casos, porventura os mais frequentes, 0 comportamento observado e urn mero indicador da variavel teorica visada pelo experimentador e pode ou nao estar Iinearmente relacionado com esta. A enorme variedade de casos concretamente encontrados impede de fomecer mais que indica~6es gerais aplicaveis em muitos desses casos. Interac~oes verificadas entre factores quantitativos devem levar 0 experimentador a encarar a possibilidade de rela~6es nao lineares entre as variaveis teoricas ou entre estas e as observa~6es delas efectuadas. 0 recurso a contrastes de interac-

~ao

com coeficientes polinominais ortogonais e dependente de transforma~6es matematicas constitui, em geral, urn auxilio interpretativo precioso. As transforma~6es da escala de medida das observa~6es tern sido largamente aplicadas na solu~ao deste tipo de problema no quadro dos trabalhos sobre a percep~ao. Convenciona-se, neste terreno, que, se urn efeito de interac~ao persiste para alem da aplica~ao it variavel dependente de transforma~6es monotonas, este reflecte uma nao Iinearidade da rela~ao entre variaveis dependentes e independentes nao imputavel it escolha da medida da variavel dependente. Se urn dos factores implicados num efeito de interac~ao e quantitativo e 0 outro e qualitativo, 0 exame do perfil dos resultados do factor quantitativo a cada urn dos nfveis do factor ou dos factores qualitativos por meio de contrastes polinominais ortogonais facilita em geral a compreensao do fenomeno estudado, sendo, no entanto, utilizadas, por vezes, tecnicas de ajustamento mais rigorosas. M. G. Cox ( 1952) indica sumariamente solu~6es aplicaveis a este genero de problema. Interac~oes entre factores qualitativos com mais de dois nfveis podem sempre ser reduzidas a urn conjunto de compara~6es ortogonais de diferen~as entre tratamentos, procedimento particularmente util no caso de interac~oes desordenadas entre factores comportando numerosos nfveis. Este tipo de procedimento deve ser utilizado com 0 maior cuidado no que respeita it inferencia estatfstica, na medida em que, sendo particularmente vulneravel it heterogeneidade do erro experimental, supoe urn controlo rigoroso de todos os factores susceptfveis de afectar este em determinados tratamentos experimentais. aplica~ao it variavel

Medi~oes

repetidas das mesmas unidades ex peri menta is

Do ponto de vista do plano experimental, experiencias em que cada unidade experimental e observada mais que uma vez, contrariando 0 prin-

.. 81

80

PLANOS MULTIFACTORIAIS A introdu~ao dos pianos multifactoriais no arsenal metodol6gico posto a disposi~ao dos psic61ogos foi saudada em seu tempo como um progresso capital. Com efeito, 0 usa de pianos multifactoriais leva nao 56 a uma economia consideravel de material experimental - um mesmo numero de unidades experimentais permitindo por a prova varias hip6teses em vez de uma 56 - mas tambem amplifica consideravelmente 0 valor heurfstico da experimenta~ao. Com efeito, quando os factores experimentais pelos quais 0 experimentador se interessa nao tem efeitos aditivos, experiencias distintas, estudando cada uma um s6 factor, forneceriam informa~oes aparentemente contradit6rias, a partir das quais seria impossfvel, ou, em todo 0 caso extremamente diffcil , deduzir a nalUrezCJ, da rela~ao entre os factores estudados. A realiza~ao de experiencias estudando simultaneamente varios factores facilita a identifica~iio dos mecanismos impJicados na intcrdependencia entre os factores estudados, autorizando a reformula~ao da teoria original em termos tais que os factores cuja nlio dependencia foi experimental mente posta em evidencia venham a ser representados por novas varitiveis, conduzindo a considera~ao de factores independentes . o paradoxo implicado por esta afirma~iio, segundo a qual convem identificar as interac~oes entre factores para melhor se desembara~ar destas, e apenas aparente. Com efeito, quando isso e possfvel, uma formula~ao te6rica nao comportando efeitos de interac~ao e de longe preferfvel a uma formula~iio que admite numerosas excep~Oes ou casos particu Iares , correspondentes a combina~oes especfficas de factores . A existencia de rela~oes aditivas entre as variaveis primitivas de uma teoria e uma condi~ao importante para que os elementos de conhecimento fornecidos por cada experiencia se adicionem, permitindo deste modo obter 0 resultado esperado da aplica~ao do metodo cientffico - 0 saber cumulativo. De um modo geral, uma teoria comportando rela~oes nao aditivas entre as variaveis que a constituem pode ser transformada numa teoria expressa por relac;:oes aditivas , ou por meio de transforma~oes da escala de medida das variaveis, ou gra~as a uma conceptualiza~ao apropriada da variavel ou variaveis implicadas .

cfpio da independencia das observa~6es, nao diferem das experiencias em que cada unidade contribui para 0 resultado com uma so observa~ao: os pIanos de recolha das observa~6es sao identicos em ambos os casos. No entanto, do ponto de vista da analise dos resultados, as experiencias em que cada unidade e observada mais do que uma vez obrigam a ajustamentos, a fim de eliminar 0 efeito da nao independencia das observa~6es por meio da co-varicincia, a qual constitui uma medida da liga~ao entre as diferentes series de observa~6es feitas sobre as mesmas unidades. Como todos os metodos que implicam ajustamentos das observa~6es, a analise de dados experimentais nao independentes baseia-se sobre postulados restritivos quanto a natureza do erro experimental e a forma da liga~ao entre as series de observa~6es . Mau grado a existencia de modelos de analise implicando postulados menos diffceis de satisfazer que os utilizados num passado recente, este tipo de procedimento nao deve ser utilizado sem que para isso existam boas raz6es. Uma boa razao para realizar

mais de uma medi~ao de cada unidade experimental existe indiscutivelmente quando 0 mecanismo que interessa ao experimentador so pode ser estudado atraves deste tipo de observa~6es. Urn outra boa razao para efectuar mais de uma observa~ao sobre cada unidade experimental pode por vezes ser a necessidade de abordar processos em que a variabilidade interindividual dos resultados em rela~ao a grandeza dos efeitos experimentais que e posslvel obter nas melhores condi~6es realizaveis e tao importante que esta op~ao se toma inevitavel. No entanto, a razao porventura mais frequente para recorrer a observa~6es repetidas das mesmas unidades - diminuir 0 numero de unidades experimentais necessario para por a prova as hipoteses que interessam ao experimentador - nao e, na maior parte dos casos, uma boa razao. 0 uso repetido de unidades experimentais dotadas de memoria, fazendo com que 0 resultado de urn determinado tratamento experimental depend a do ou dos tratamentos anteriormente aplicados a essa me sma unidade, obriga a medidas especificamente conce-

'das para evitar distor~6es sistematicas provocabl par este tipo de dependencia. Estas medidas d~uzern-se, em geral, pela necessidade de inc1uir tra plano experimental factores tecnicos supleno .. - de rnentareS , tais como a ordem de ad mmlstra~ao d terrninado tratamento, anulando deste modo a earente vantagem do uso repetido das mesmas ap ., nidades expenmentals. u Con vem distinguir dois tipos de experiencia ue daD origem a medi~6es repetidas das mesmas q . , unidades expenmentals: em certos casos, urn mesmo tratamento e aplicado repetidamente ou perrnanentemente durante urn certo perlodo de tempo as mesmas unidades experimentais, sendo o seu efeito repetidamente avaliado; noutros casos, diferentes tratamentos experimentais sao sucessivamente aplicados a uma mesma unidade. o primeiro caso encontra-se, em geral, quando 0 experimentador p6e a pro va hip6teses relativas a di stribui~ao de urn dado fenomeno no tempo, 0 segundo caso quando a razao principal do recurso a medi~6es repetidas das mesmas unidades reside no desejo do experimentador de reduzir 0 erro experimental, eliminando deste as eventuais diferen~as entre unidades experimentais. No primeiro caso, 0 experimentador esta em geral interessado em fenomenos de pratica, fadiga, aprendizagem ou extin~ao de urn determinado comportamento, e a dependencia estocastica das medi~6es sucessivas constitui justamente 0 objecto que ele se prop6e elucidar. Tecnicas de analise analogas as apropriadas ao estudo de factores experimentais quantitativos serao neste caso empregues para descrever e medir essa dependencia. No segundo caso, a dependencia estocastica das diferentes series de observa~6es constitui urn obstaculo ao desejo do experimentador de avaliar os efeitos dos diferentes tratamentos, e toma-se necessario urn planeamento adequado da experiencia, tendo em vista 0 controlo experimental dos efeitos da aplica9ao de urn determinado tratamento sobre os tratamentos posteriormente aplicados.

Controlo experimental no caso de medi~oes repetidas das mesmas unidades experimentais

o meio mais simples, e, por vezes, 0 unico aplicave I, consiste em aleatorizar, independentemente para cada unidade experimental, a ordem de aplica~ao dos diferentes tratamentos aos quais esta e submetida. Urn exemplo deste procedimento, o qual deveria constituir pratica constante, reside na aleatoriza~ao independente para cada inquirido da ordem das perguntas que comporta urn questionano. Nestas condi~6es, os efeitos eventuais da ordem em que cada pergunta e colocada aos inquiridos sao adicionados ao erro experimental. Na eventualidade mais desfavoravel, 0 aumento do erro experimental pode anular os ganhos em precisao ligados a utiliza~ao repetida das mesmas unidades experimentais. Urn segundo meio, utilizavel quando 0 numero de tratamentos e reduzido, consiste em construir todas as sequencias possfveis da ordem de aplica~ao dos tratamentos ou uma amostra representativa destas, e aleatorizar a atribui~ao das unidades experimentais as diferentes ordens de administra~ao dos tratamentos. Neste caso, os efeitos ligados as diferentes ordens de aplica~ao nao vern adicionar-se ao erro experimental. A ordem de aplica~ao constituira urn factor suplementar, 0 qual tera tantos nfveis quantas as ordens em que sao aplicados os tratamentos, sendo os efeitos deste factor avaliados separadamente. A cria~ao deste novo factor podera ter, no entanto, consequencias adversas no que respeita a precisao da estimativa do erro experimental, a qual pode eventual mente perder em precisao o que foi ganho pela inc1usao na experiencia do tratamento suplementar. Assim, se 0 efeito da ordem de aplica~ao dos tratamentos for importante, esta solu~ao sera preferfvel a aleatoriza~ao; se, pelo contrario, este for pouco importante, esta tecnica podera constituir uma solu~ao menos vantajosa que a aleatoriza~ao. Convem, neste

82 ponto, estabelecer uma distin-rao entre dois tipos de dependencia entre as series de medi-roes efectuadas sucessivamente: na maior parte das experiencias deste tipo encontra-se presente urn efeito da ordem de apJica-rao dos tratamentos: primeiro, segundo, terceiro, etc., e, simultaneamente, em efeito de sequencia destes, urn detenninado tratamento pode ser precedido por uma detenninada sequencia de outros tratamentos; enquanto a aleatoriza-rao adiciona ao erro experimental estas duas Fontes de varia~ao dos resultados, a tecnica de constitui-rao do conjunto das ordens de administra-rao possfveis pennite avaliar separadamente os efeitos de ordem e os efeitos Jigados a sequencia. Na maior parte das situa-r6es pniticas, 0 mlmero de tratamentos torna impossfvel a administra-rao destes em todas as sequencias possfveis. Tres tratamentos podem ser aplicados em seis ordens diferentes, quatro tratamentos em vinte e quatro ordens e cinco em cento e vinte ordens. Assim, 0 experimentador e obrigado, na pnitica, a utilizar uma amostra do conjunto das sequencias possfveis. Se bern que esta amostra possa ser constitufda por meio de tiragem aleat6ria, 0 metodo geralmente utilizado consiste em escolher propositadamente as sequencias que tern como propriedade 0 facto de, no conjunto das replicas efectuadas, urn detenninado tratamento ser aplicado em cada ordem urn mesmo numero de vezes e ser precedido por cada urn dos oUlros tratamentos urn mesmo numero de vezes. Este tipo de procedimento, chamado quadrado latino, pennite avaliar, paralelamente aos efeitos dos tratamentos, 0 efeito da sua ordem de aplica-rao e as diferen-ras entre as sequencias em que estes foram aplicados. Se estes dois efeitos sao importantes relativamente adiminui-rao de precisao da estimativa do erro experimental que a introdur;ao do quadrado latina acarreta, este procedimento pennite a realiza-rao de uma experiencia mais eficaz do que a que seria obtida pela simples aleatorizar;ao da ordem de aplica-rao dos tratamento.

83 Dada a sua frequente utiliza-rao na experimen_ ao ta-r no terreno da psicologia, con vern mencionar urn procedimento que tern por con sequencia trans_ fonnar uma experiencia comportando medi-r6es repetidas de uma mesma unidade experimental numa outra produzindo observa-roes independen_ tes. Sendo urn mesmo tratamento repetidamente aplicado as unidades experimentais e 0 resultado medido ap6s cada aplica-rao, 0 experimentador calcula a frequencia com a qual detenninado comportamento foi observado, ou 0 valor medio de determinada grandeza medida ap6s cada aplica-rao do tratamento, submetendo, em seguida, a analise estatfstica os valores assim obtidos. Em geral, este procedimento tern por objectivo aumentar a fidelidade das observa-r6es, partindo do princfpio de que perturba-r6es fortuitas que afectam a medida efectuada em detenninados ensaios sao anuladas por outras perturba-r6es fortuitas de sinal oposto afectando outros ensaios. Na medida em que este postulado e satisfeito pelas condi-roes experimentais, sera de facto este 0 resultado obtido. Assim, antes de tomar a decisao de tratar este tipo de dados em vez das observa-r6es originais, toma-se necessario examinar estas ultimas a tim de detenninar se estao ou nao livres de varia-roes sistematicas no tempo, denotando uma heterogeneidade dos mecanismos que intervem na produ-rao do comportamento observado. Os procedimentos aplicaveis a este tipo de exame sao amilogos aos indicados para por a prova a existencia de varia<;6es sistematicas associadas aos nfveis de factores quantitativos.

4. Prohlt·llla ... t''''pt'dfico ... cia t'"pt'rimt' nta~'ao t'1ll ... t'rt· ... hl1ll1ano~ Nao sera, sem duvida, este 0 quadro mais apropriado para uma discussao aprofundada dos meritos e dos resultados da psicologia social experimental. Convem, no entanto, pelo menos, esb~ar as grandes linhas de uma problematica que abarca,

argumenta-rao por vezes pouco clara, problenumade ordem epistemo . I"oglca e de ordem etlca. ' . mastaremOS assim c1arificar as rela-r6es entre estes Thnis domfnios de JU . Igamento e es~ar hn~ uma prosdo tiva das d'Irec-roes - da evo Iu-rao - em cad a urn r~tes campos. Com efeito, nao s6 as crfticas diri~das apsicologia social tocam muitas vezes aquef's pontos que constituem as dificuldades mais .e portantes com as quais se defrontam as op-r6es 1metodol6gicas, mas tamb'em as d ' - tomadas eClsoes m 10 investigador no que respeita a metodologia ~nstituem uma escolha implfcita entre orienta-r6es epistemol6gicas globais. Ao longo deste capftulo esfor<;
parte urn dia do corpo dos conhecimentos cientfficos - , mas urn modo especffico de elabora-rao do saber. Os inqueritos de opiniao, mesmo sendo afectados pelas Fontes de erro que se Ihes conhecern, sao preferfveis, do ponto de vista cientffico, aos relatorios de polfcia, por vezes mais verfdicos, porque os primeiros autorizam compara-r6es de dados normalizados em lugares e epocas distintas, que os segundos nao pennitem.

4.1 . Banalidade e facticidade As objec<;oes mais frequentemente dirigidas contra a psicologia social dizem respeito ao caracter banal das hipoteses elaboradas neste campo e a facticidade das observa<;6es que sao efectuadas com 0 fim de as validar. Certos crfticos, porventura mais acertadamente, notam que 0 processo de elabora<;ao do conhecimento e, neste campo, particularmente pouco cumulativo, parecendo a evolu-rao da tematica vogar mais ao sabor de mod as que navegar com urn rumo c1aramente tra-rado. Note-se, em primeiro lugar, que hip6teses banais e conhecimento nao cumulativo sao duas faces de uma mesma medalha. Sendo 0 saber pratico pouco cumulativo e de diffcil generaliza<;ao, a par deste desenvolve-se uma indagar;ao norteada por princfpios diferentes daqueles em que ele se fundamenta. Esta indaga<;ao leva a conhecimentos que, permitindo uma descri-rao cada vez mais fina e mais parcimoniosa do real, conduzem, por seu turno, a urn afastamento progressivo das concep-r6es naturais relativas a este e levam, portanto, a formular hipoteses cada vez menos banais. Que, na psicologia social, tal nao suceda com a frequencia desejavel, significa, portanto, que devemos interrogar-nos quanta as raz6es que tomam diffcil a acumula-rao de conhecimentos nesta area. Contrariamente a uma opiniao por vezes expressa, a explica-rao do camcter fracamente cumulativo do conhecimento psicossocial nao reside na dificuldade em reproduzir resultados anteriormente obtidos.

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84

Replicas exactas de expenencias sao relativamente raras, mas, quando efectuadas, sao geralmente coroadas de sucesso. 0 mesmo nao pode dizer-se das chamadas replicas conceptuais, nas quais realiza~Oes concretas diferentes dos mesmos conceitos teoricos sao experimental mente postas a prova. Neste caso, nao so as tentativas se tomam mais frequentes como, por vezes, nao reproduzem os resultados originalmente observados. A razao pela qual as replicas conceptuais sao, no entanto, relativamente raras e a mesma que as condena, por vezes, ao fracasso. As realiza~Oes concretas das variaveis dependentes e independentes estudadas numa determinada experiencia encontram-se embebidas num contexto global, 0 qual condiciona a representa~ao da situa~ao experimental que 0 sujeito e levado a elaborar a partir das informa~oes e indfcios fomecidos pelo experimentador. Outras realiza~oes concretas dos conceitos teoricos que a este interessam exigem uma mudan~a completa da situa~ao experimental global, a qual vern alterar os processos de representa~ao da situarrao utilizados pelos sujeitos . Assim, na replica conceptual, sao ao mesmo tempo manipuladas as realiza~oes concretas das variaveis que interessam ao experimentador e a interpreta~ao destas pelos sujeitos. Oeste modo, as diferentes realiza~oes concretas das variaveis independentes nao podem constituir varia~Oes experimentais facilmente individualizaveis. As discrepancias eventualmente observadas entre os resultados da experiencia original e os das suas replicas nao podem, portanto, ser atribufdas com certeza a uma variarrao teoricamente interpretavel entre as experiencias, podendo resultar de qualquer difcren~a entre os guioes experimentais. Dado 0 caracter global da diferenrra entre as situa~oes experimentais, observa~oes discrepantes tendem a surgir frequentemente, constituindo entao obstaculos intransponfveis a uma integra~ao teorica das duas series de observa~oes, tomando impossfvel a inferencia teorica que permitiria apro-

xima~oes

entre modelos correspondentes a fenomenos diferentes. Esta dificuldade, por vezes reconhecida na Iiteratura (Carl smith , Ellsworth e Aronson, 1976), ilustra 0 paradoxo do pensamento cientffico, debatendo-se com problemas analogos aos que confrontam 0 pensamento natural, e revela 0 caracter intuitivo da reflexao teorica dominante na psicologia social. Ultrapassar este nfvel de reflexao obriga a distinguir as variaveis dependentes e independentes susceptfveis de serem estudadas fora de urn contexto global das que exigem a considera~ao deste, e obriga tambem a reconhecer que 0 contexto global, geralmente normativo, faz parte da defini~ao das variaveis, devendo ser como estas . objecto da reflexao teorica e dj;! varia~Oes experimentais ou de observa~Oes diferenciais. N~Oes como conduta agressiva ou altrufsta sao inseparaveis de urn contexto que constitui determinados actos de determinados agentes enquanto realiza~Oes concretas destas n~Oes. Pelo menos tao importante como 0 estudo dos factores que controlam estes actos no interior de determinado contexto e a delimita~ao da extensao do contexto que constitui 0 domfnio de aplica~ao do modelo posto a prova. Urn passo tao importante como identificar os factores que fazem com que, num determinado contexto global, a recep~ao de estimula~ao aversiva de ou nao lugar a uma resposta agressiva por parte da vftima sera identificar os contextos globais que afectam a produ~ao desta resposta. A compara~ao das reac~Oes da vftima de uma rasteira num jogo de raguebi, num jogo de futebol, ou na entrada do metropolitano, explica sem duvida uma parte mais importante das varia~oes destas do que as limitadas manipula~Oes de variaveis intra-situacionais realizaveis no estudo das condutas agressivas . Nao pretende est a argumenta~ao negar que 0 estudo dos factores e dos mecanismos implicados por urn determinado comportamento num determinado contexto constitui urn objecto de conhecimento valido. Antes pelo contrario, a cria~ao de

.

_ s experimentais basicas para 0 estudo de sltU:~:omeno. constituindo por assim dizer «precad _ s» tendo por objecto a sua produ~ao em . . Parar;oe . QeS normalizadas. parece constttUtr uma d con Ir; , t..-" d' . ~ cia inevitavel. No entanto, e tamut;m m ISeXlgen . . I' pensavel reconhecer que os mecantsmos Imp Icar um determinado comportamento devem ~s~ . . d conceptualizados no mtenor esse contexto e ser I' - d·1.' . licam nfveis de exp Ica~ao herentes dos I.'10rImp . I . t' d necidos pelas mantpu a~oes expenmen al.s 0 c~nto em que sao observados. As mantpula~oes tex rimentais levadas a cabo num determma ' d0 pe ex . I" d contexto sao necessanamente Imlta as em extensao e em interpretabilidade. Com efeito, por urn lado. sao limitadas em muitos casos por exigencias praticas ou por razoes de etica. por outro lado, a sua interpretabilidade e comprometida pela ambiguidade que afecta a interpreta~ao de urn dado comportamento enquanto resultado de obriga~Oes normativas para 0 sujeito. fmplicita ou explicitamente contidas na situa~ao experimental ou enquanto produto de urn mecanismo psicologico constitutivo do sujeito. Ora, estes dois nfveis de explicaqao nao devem ser confundidos: enquanto a explicaqao da ocorrencia de urn dado comportamento por uma norma presente no guiao experimental significa simplesmente que 0 sujeito adquiriu. no decorrer da sua socializa~ao. os mecanismos de resposta correspondentes a essa norma. a sua explica~ao psicologica leva-nos a interrogarmo-nos sobre os mecanismos de tratamento da informaqao e de controlo da actividade impJicados pelas variaqOes da conduta do indivfduo num contexto normativo constante. A concep~ao intuitiva dos determinismos psicossociais. ignorando a distin~ao entre os dois nfveis de explica~ao esbo~ados. da origem a algumas das dificuldades metodologicas com que se debate 0 psicologo social: facticidade, indu~ao de respostas. desconfian~a dos sujeitos. Por sua vez. algumas das soluqOes correntemente utilizadas para ultrapassar estas dificuldades. baseadas em

geral sobre dissimula~oes ou enganos. constituem o fundamento da maior parte das objec~Oes de caracter etico a psicologia social. A objec~ao de facticidade comporta sentidos multiplos e tanto pode visar os estudos experimentais como os observacionais, se bern que essa objecqao tenha sido sobretudo avan~ada em rela~ao a investiga~oes experimentais. Num primeiro sentido. esta em causa a possibilidade de observar, experimental mente ou nao. seres humanos sem que os seus comportamentos que constituem 0 objecto da observa~ao sejam afectados pelo facto de estes se saberem objectos de observa~ao. Esta preocupa~ao incide sobre varios aspectos, que vao desde a possibilidade de urn efeito global da situa~ao de observa~ao - 0 comportamento do sujeito observado seria especffico de qualquer situa~ao de observa~ao e nao generalizavel a situa~oes nas quais 0 sujeito nao se sente observado - a possibilidade de efeitos de suposi~Oes especfficas do sujeito quanto aos factores pelos quais 0 investigador se interessa. Num segundo sentido. esta em causa a possibilidade de produzir no quadro experimental condi~oes capazes de determinar varia~oes de natureza identica as observadas naturalmente. Este ultimo ponto foi ja examinado em pormenor nas paginas anteriores. tendo sido esbo~ados os contomos do espa~o teorico capaz de expressao experimental valida. 0 primeiro ponto exige urn exame mais aprofundado.

4.2. A influencia do quadro experimental

o efeito global do processo de observa~ao tanto pode afectar os sujeitos experimentais como indivfduos observados sem interven~ao do investigador, desde que estes saibam que estao a ser objecto de observa~ao. Na situa~ao experimental, como na de observa~ao, 0 indivfduo assume urn papel global. 0 qual define as condutas apropriadas a execu~ao de uma determinada estrategia



86

comportamental que parece ao indivfduo adaptada as circunstancias. Esse papel nao so con tern implicitamente prescri~oes e proscri~6es como tambem confere significa~ao as condutas proprias e dos outros agentes e aos diferentes aspectos da situa~ao. Do mesmo modo que a pessoa que responde a urn questiomirio pode modular a resposta a cada nova pergunta em fun~ao de uma concep~ao global do objecto visado pelo investigador construfda passo a pas so a partir das perguntas ja conhecidas, 0 sujeito experimental controla 0 seu comportamento de modo a fomecer uma imagem coerente de si proprio, apropriada a representa~ao da situa~ao experimental elaborada a partir dos indfcios e informa~oes fomecidas por esta e pelo investigador. Este tipo de distor~ao e tanto mais de recear quanto, contrariamente a distor~6es provenientes de outras fontes, 0 seu efeito e de aumentar a fidelidade das observa~6es e nao de a diminuir, podendo assim nao ser detectada pelos metodos usuais de avalia~ao da fidelidade das medidas. Ede notar que 0 problema da facticidade se pOe de modo por assim dizer exclusivo no estudo de respostas implicando uma escolha baseada em criterios subjectivos. Medidas de potencia, como os testes de inteligencia ou de motricidade, nao sao em geral criticaveis por factfcias. Medidas que, se bern que nao constituam testes das aptid6es dos sujeitos, sao interpretadas enquanto medidas de potencia, caso dos tempos de reac~ao numa perspectiva de abordagem cronometrica dos processos mentais, estao igualmente isentas da acusa~ao de facticidade. Do mesmo modo, medidas de processos escapando ao controlo dos sujeitos normais, como os diferentes indicadores fisiologicos de actividade neurovegetativa, tambem nao sao suspeitas de facticidade. Parece, pois, que as acusa~6es de facticidade incidem sobre medidas que se baseiam na significa~ao diferencial para os sujeitos das op~6es possiveis de uma tomada de decisao. Ora este tipo de medida e particularmente

frequente quando a concep~ao teorica leva a cons_ truir uma situa~ao experimental como uma minia_ tura de uma situa~ao natural. Na maior parte das situa~oes naturais 0 comportamento do sujeito consiste, do ponto de vista dos agentes, em toma_ das de decis6es e, dentro da perspectiva miniatu_ rista da experimenta~ao, e natural que 0 interesse do investigador incida sobre os aspectos da tomada de decisao, os quais constituem as suas dimensoes subjectivamente salientes na situa~ao natural. Se a facticidade escapa as provas de validade interna da medida, 0 processo de valida~ao extema mencionado nurn subcapftulo precedente acabani por detectar, ao pre~o de numerosos ensaios e erros, essa fraqueza de uma medida. A fim de evitar este processo oneroso de valida~ao, convem, pois, a partida, assentar a constru~ao teorica sobre alicerces solidos. A discussao precedente mostra que para isso e necessario ultrapassar a concep~ao intuitiva dos modelos teoricos e a perspectiva da experimenta~ao enquanto miniatura do mundo social natural. Uma das solu~oes, de limitada aplicabilidade, consiste na escolha de variaveis dependentes fisiologicas ou comportamentais escapando ao controlo dos sujeitos. A outra, mais geraimente aplicavel, consiste em formular os problemas teoricos sobre uma base nao intuitiva, eliminando ou reduzindo assim 0 recurso a medidas de criterios subjectivos de decisao a favor de medidas de potencia. Pode parecer, a primeira vista, que a margem de liberdade deixada ao investigador na elabora~ao dos seus modelos teoricos sera deste modo severamente reduzida. Nao e, no entanto, esse 0 caso e, ainda que assim fosse, 0 pre~o a pagar naol seria tao elevado como 0 que e correntemenle pago pela cria~ao de urn corpo de conhecimentos desconexos e de validade duvidosa. Para escolher urn exemplo num terre no dos mais propicios a colheita de dados factfcios, a representa~ao propria dos indivfduos - Markus (1977) - ilustra a elabora~ao de urn modele teorico que, apoiando-se sobre modelos de tratamento da informa~ao e1a-

dos no quadro da psicologia sensorial, transbOra a um terre no caracterizado por medidas de fO~ha num terre no balizado por investiga~6es co eS ' metricas ou me d·d I as de processos d e memocrono . . - d ~ .. . muito menos sUJeltas a acusa~oes e lactlclrIa, .. _, . . dade. A doutnna aqUl prop~st.a, nao so constltUl a protec~ao contra a factlcldade das observau~ s como tambem reduz algumas das fontes de ~oe d' ·1· distor~ao frequentemente aponta as a PSICO ogla ocial. Do mesmo modo, 0 recurso a algumas tec~icas experimentais de estatuto etico discutlvel, tornado necessario pela natureza do processo de medida, perde a sua razao de ser, tornando-se superfl uo . Das duas fontes de distor~ao habitual mente consideradas na experimenta~ao psicossocial, influencia involuntaria do experimentador (Rosenthal, 1966, 1969) e condi~6es indutoras de respostas (Orne, 1962, 1969), a doutrina pro posta tende a reduzir a prime ira e a facilitar 0 emprego dos controlos experimentais destinados a eliminar a segunda. Toda a experiencia com seres humanos comporta possibilidades de influencias involuntanas por parte do experimentador, capazes de afectar as observa~6es a realizar. Este tipo de influencia e tanto mais provavel quanto 0 contacto pessoal do experimentador com os sujeitos e mais extenso. Nas experiencias de psicologia social, a complexidade do guiao, fazendo muitas vezes intervir, a par do experimentador, comparsas deste, e implicando interac~6es sociais complexas com ambos, cria condi~6es em que este tipo de distor~ao e particularmente de recear. Uma experiencia bern conduzida devera, portanto, comportar procedimentos apropriados para evitar as influencias involuntarias do experimentador ou dos comparsas deste, susceptfveis de afectar os resultados. Duas tecnicas permitem em geral obter este resultado: minimizar a interac~ao social nao normalizada entre 0 sujeito e 0 experimentador ou entre 0 sujeito e os colaboradores daquele, e aplicar os

87 tratamentos experimentais de tal modo que, durante os perfodos de interac~ao social nao normalizada, 0 experimentador ignora a que condi~ao experimental pertence 0 sujeito. Praticamente, a primeira tecnica consiste em comunicar ao sujeito as instru~6es por meio de documentos escritos ou nao, limitando 0 contacto do sujeito com 0 experimentador a recep~ao e instala~ao daquele. A segunda tecnica implica que a determina~ao do tratamento experimental a apJicar ao sujeito seja feita depois da recep~ao e instala~ao deste. Em certos casos, 0 experimentador intervem na aplica~ao dos tratamentos e nao pode, portanto, ignorar que tratamento sera aplicado a estes . Quando esta situa~ao, potencialmente geradora de distor~6es, nao pode ser evitada, torna-se indispensavel recorrer a procedimentos rigorosamente normalizados na interac~ao com os sujeitos, utilizando, na medida do posslvel, experimentadores que desconhecem as hipoteses em estudo e que, sendo mantidos na ignorancia dos restantes tratamentos aplicados na experiencia, dificilmente podem inferir estas. Em alguns casos, este procedimento podera exigir mais de que urn experimentador.

4.3. lndufiio de respostas A indu~ao de respostas resulta essencialmente da elabora~ao pelo sujeito de uma estrategia de comportamento tendo por objecto controlar por via do seu comportamento na situa~ao experimental a interac~ao social com 0 experimentador. Essa estrategia pode ter por objectiv~ satisfazer ou contrariar hipoteses que 0 sujeito cre serem as formuladas pelo experimentador, ou comunicar a este uma impressao favoravel de si mesmo. Diferentes medidas sao em geral tomadas pelo experimentador para neutralizar estas estrategias dos sujeitos. Estas incluem a dissimula~ao da situa~ao experimental como tal, a da hipotese visada pelo investigador ou a da medida da variavel dependente. Em alguns casos, 0 experimentador

88 vai ate a cria~ao deliberada de representa~oes falsas da situa~ao ou das hip6teses por parte dos sujeitos. A introdu~ao no guiao experimental de procedimentos tendo por objectivo enganar os sujeitos, alem de aspectos eticamente discutfveis, pode ter consequencias negativas no que respeita a qualidade das observa~oes, suscitando uma atitude de suspeita generalizada ou especffica por parte dos sujeitos, a qual introduz, por seu tumo, distor~oes identicas as que 0 experimentador procurava evitar. As soIU~6es geralmente preconizadas para esta dificuldade consistem em revelar ao sujeito que a experiencia comporta enganos, indicando, por exemplo, que urn falso sujeito, comparsa do experimentador, intervem na experiencia, e que sera esse 0 papel do sujeito, quando, na verdade, 0 verdadeiro comparsa do experimentador e urn outro indivfduo que 0 sujeito e levado a tomar por urn verdadeiro sujeito nao informado. Se este procedimento indica uma engenhosidade nota vel por parte dos investigadores, mais nao faz que elevar ao quadrado os inconvenientes eticos e cientfficos dos guioes experimentais, comportan do largas doses de enganos e dissimula~ao.

4.4. Aspectos eticos No plano etico, a observa~ao de seres humanos, durante longos anos praticada em psicologia geral experimental sem levantar objec~oes de maior, tomou-se em tempos mais recentes urn motivo de crfticas do domfnio da psicologia social, antes mesmo da revisao geral de criterios

de avalia~ao aplicaveis a experimenta~ao sobre o homem actualmente em curso. Estas crfticas incidem com especial acuidade sobre experien_ cias que comportam enganos ou dissimula~oes. Se e certo que, por vezes, parece diffcil Con_ ceber experiencias sobre 0 comportamento social escapando total mente a necessidade de dissimu_ la~ao e de engano, no entanto, esta op~ao naa deve ser tomada sem uma avalia~ao cuidados a das suas vantagens e dos seus inconvenientes tanto eticos como cientfficos. Por urn lado, 0 Usa de enganos e de dissimula~ao pode ser contrario a prescri~oes legais relativas a experimenta~ao existentes em certos pafses (em muitos casos, estas exigem a obten~ao por parte do experimentador de consentimento inform ado escrito dos indivfduos participantes em experiencias, 0 qual deve ser precedido de informa~ao completa por parte do experimentador quanta as modalidades da experiencia). Por outro lado, a necessidade de recorrer a simula~ao e a dissimula~iio mais niio faz, em numerosos casos, que traduzir uma teoriza~ao superficial, conduzindo a uma experimenta~ao cuja validade puramente local condena a partida toda a possibilidade de desenvolvimento posterior. Quer isto dizer que 0 criterio de avalia~ao principal do procedimento experimental comportando enganos e dissimula~ao deve ser nao 0 interesse que 0 investigador ou os seus comanditarios possam ter em verificar uma dada hip6tese, mas a contribui~ao para 0 processo de acumula~iio do saber que a verifica~iio dessa hip6tese constitui.

CAPITULO V

Formo<;oo de impress6es Antonio Caetano

1. Introdut;ao Para cn'armos uma impressiio acerca de outra . essoa, nao necessitamos, em geral, de mUIta fnforma~ao. A informa~ao pode obter-se de forma directa, atraves da interac~ao, observando 000 mp ortamento verbal e nao verbal, e de forma . indirecta, como, por exemplo, atraves do «OUVlr di zer». Contudo, frequentemente, basta-nos percepcionar pequenos indfcios do seu .comportamento para rapidamente nos sentlrmos em condi~oes de podermos fazer jufzos acerca de uma serie de atributos que, supostamente, caracterizam essa pessoa. 0 facto de nao termos observado real mente qualquer desses atributos em nada abala a nossa convic~iio. E, apesar de uma pessoa poder revelar caracterfsticas diferentes,?u mesmo contradit6rias, nao hesitamos em cnar del a uma impressiio unificada (Asch, 1946).

Formar uma impressiio significa organizar a informariio disponfvel acerca de uma pessoa de modo a podermos integrd-Ia numa categoria significativa para nos.

Quando se trata de primeiras impressoe~, uma componente fundamental dessa orgamza~iio I e a categoria avaliativa. Embora a av~­ lia~ao possa ser de tipo afectivo (gostar / nao gostar), moral (born / mau) e inst~umental (competente / incompetente), a generahdade da pesquisa sobre forma~ao de impr~sso~s tern incidido essencialmente sobre 0 pnmelro e 0 segundo tipo. No entanto, a pri~eir~ impress~o e mais vasta do que essa pnmelra reac~ao avaliativa. Efectivamente, a partir do momenta em que fica estabelecida a avalia~iio po~itiva ou negativa, e sem mais informa~ao, sentimo-I) os capazes de fazer inferencias «6bvias» ~c:rca da inteligencia, da integridade, da ambl~ao, do sucesso profissional, etc., da pessoa em causa. A facilidade com que se tende a ir alem da informa~ao especffica de que se dispoe revela que esta niio e processada no vacuo e q~~ as pessoas utilizam as suas estruturas cogmtlvas, ou esquemas, para a completarem e tomarem coerente (Hamilton et al .. 1980). De facto, 0 percepcionador social apenas consegue decifrar e

. d f urn rocesso de organiza~ao da informa~ao, sendo mais I Cognitivamente, a «forma~1io de impressoes» e, e acto, p..... 0 art'lgo pl'oneiro de Asch (1946), intitu. - de Impressoes». . .No entanto • por re.erencla a . adequada a expressao «orgamza~ao ._ lado «Forming impressions of personality», a Iiteratura consagrou aquela deslgna~ao.



90 interpretar os estfmulos verbais e nao verbais relativos it outra pessoa, e ao contexto em que se encontram, com base nas estruturas de conhecimento que ja possui e que incluem representa~oes de tra~os, de comportamentos, de estereotipos e de situa~oes sociais assim como das suas inter-rela~oes. As primeiras impressoes tornam-se importantes porque constituem como que uma grelha que permite ao percepcionador filtrar a variabilidade imensa do comportamento da outra pessoa e fixar determinados tra~os assumidos como estaveis. Esta estabilidade atribufda permite, por sua vez, percepcionar a coerencia e a continuidade da pessoa, assim como predizer inclusivamente 0 seu comportamento futuro (e . g., Schneider et al. , 1979). Do ponto de vista teorico, 0 processo de forma~ao de impressoes tern sido analisado essencialmente a partir de duas perspectivas distintas relativas ao processamento humano da informa~ao: uma construtivista ou de «processamen to conceptual mente guiado» e outra associacionista ou de «processamento guiado pelos dados» 2. Do ponto de vista construtivista, supoe-se que a forma~ao de impressoes e basicamente determinada pelas estruturas e pelos processos cognitivos e afectivos do percepcionador. Eesta a orienta~ao predominante nas primeiras experiencias sobre forma~ao de impressoes realizadas por Solomon Asch (1946). Segundo a perspectiva do processamento guiado pelos dados, sao fundamental mente as caracterfsticas ffsicas e comportamentais da pessoa-alvo que determinam a produ~ao de uma impressao especffica. No estudo da forma~ao de impressoes , esta abordagem, designada por «linear» ou integra~ao da informa~ao, foi sobretudo desenvolvida por N. H. Anderson (e. g ., 1965, 1974) . As abordagens

mais recentes adoptam, na sua maioria, uma perspectiva mista, assumindo que 0 processamento pode realizar-se dos dois modos (e . g., Brewer, 1988; Fiske e Neuberg , 1989; Hastie et al., 1980; Zebrowitz, 1990). Do ponto de vista historico , podem identificar-se tres grandes perfodos na pesquisa sobre a informa~ao de impressoes: urn primeiro perfodo entre 1946 e fins dos anos 50, inteiramente dominado pela abordagem «gestalica» ou configuracional de Asch; urn segundo perfodo entre 0 princfpio dos an os 60 e meados dos anos 70, basicamente influenciado pela abordagem «linear» ou de integra~ao da informa~ao desenvolvida por Anderson; e, desde os fins dos an os 70, entrou-se num novo perfodo em que grande parte das pesquisas se insere no quadro da abordagem da memoria de pessoas ou cogni~ ao social (e. g., Hastie et al., 1980). A abordagem «gestalica» supoe que, na forma~ao de impressoes, as pessoas integram os varios elementos informacionais, reinterpretando-os, se necessario, de modo a constitufrem urn todo coerente. 0 significado de cada elemento e construfdo em fun~ao das suas rela~oes contextuais com os restantes. A abordagem da integra~ao da informa~ao sustenta que cada elemento de informa~ao tern urn valor proprio, contribuindo independentemente, it medida que e conhecido, para a impressao geraJ. A impressao sera 0 resultado da combina~ao dos valores de cada item, sem subordina~ao ao contexto. A abordagem baseada na memoria de pessoas procura analisar os processos relativos it aqui si~ao , armazenamento e recupera~ao da informa~ao. Formar uma impressao aparece, assim . como urn actividade estreitamente dependente destes processos de memoria.

~ Na literatura angl6fona. estas pcrspectiva~ sao geralmente designadas. respectivamente. como theory -driven . ou TOp-down, e data-driven. ou bottom-lip.

Abordagen~

da forma-;ao 2. de impresso es 2.1. Abordagem configuracional com base em alguns princfpi~s da psico. da Gestalt, Asch (1946) logla _ . conslderou _ .que 0 rocesso de forma~ao de Impressoes tena urn p !icter holfstico, ou seja, os tra~os que carac., d d0 car'zam uma pessoa orgamzar-se-Iam etaImo ten d . I que 0 todo seria diferente a simp es soma das partes . Dado que a simples observa~ao empfrica Sugere que nem todas as caracte~sticas conhecidas sobre uma pessoa contnbuem com 0 mesmo peso para a forma~ao de impressoes, Asch (1 946) colocou a hipotese de que algumas caracterfsticas serao mais centrais enquanto outras serao secundarias. Para testar essa hipotese, realizou urn conjunto de experiencias com estudantes universitarios. Antes de estudarmos algumas dessas experiencias, vejamos qual a metodologia geral utilizada por Asch (1946) no estudo da forma~ao de impressoes. Depois de apresentar aos sujeitos urn conjunto de atributos que supostamente caracterizariam uma determinada pessoa, Asch (1946) utilizou tres metodos distintos para estudar 0 processo de forma~ao de impressoes. Urn desses metodos consistia em pedir aos sujeitos que escrevessem algumas aprecia~oes aeerea da pessoa descrita. A analise do conteudo desses comentarios permitia extrair temas especfficos , que depois eram comparados com a lista-estfmulo inicial. Urn outro metodo, identieo a este, consistia em solicitar aos sujeitos que fi zessem uma Iista de palavras que Ihes oeorressem a partir dos atributos inicialmente analisados , com 0 objectivo de se encontrarem temas consistentes con forme 0 grupo dos sujeitos. Urn terceiro metodo consistia em apresenlar aos sujeitos uma lista com urn conjunto

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de pares de adjectivos opostos e pedir-lhes que, a partir da descri~ao inicial, assinalassem nessa Iista os adjectivos que, em cada par, melhor caracterizariam, em seu entender, a pessoa descrita. Assim, numa primeira experiencia, dois grupos de sujeitos (A e B) ouviram uma !ista de caracterfsticas, constitufda por sete tra~os, que supostamente descrevia uma pessoa particular. A tarefa dos sujeitos consistia em procurar formar uma impressao da pessoa descrita depois de ouvirem a !ista, a qual era igual para os dois grupos, excepto num tra~o, que foi objecto de manipulayao experimental. Lista A: inteligente - habil - industrioso - caloroso - determinado - pratico - cauteloso; Usta B: inteligente - habil - industrioso - frio - determinado - pratico - cauteloso. Como se ve, a diferen~a esta apenas no facto de ao grupo A se descrever 0 indivfduo como «caloroso» e, ao grupo B, como «frio». Depois de ouvir a !ista respectiva, cada sujeito realizava duas tarefas: a) escrevia um breve comentario sobre a pessoa descrita e b) seleccionava, numa lista constitufda por dezoito pares de trayos, na maioria opostos, 0 adjectivo que em eada par mais se ajustava it dimensao que tinha formado. Os resultados foram muito claros. As impressoes provocadas pela lista A foram, em geral, muito mais positivas do que as impressoes face it lista B, ou seja, «a caracterfstica caloroso-frio produziu diferenyas de impressao notaveis e consistentes» (Asch, 1946, 262). Vejamos, a tftulo de exemplo, duas descri~oes representativas de cada grupo. Descriyao feita por urn sujeito que ouviu a !ista A (<
E uma pessoa que acredita que certas coisas estlio bem, quer que os outros vejam como ele pensa, e sincero na argumenta'rlio e gosta de ver as suas ideias vencerem (p. 263).

92

93

Descri~ao feita por urn sujeito que ouviu a lista B (<
E urna pessoa com talenlO e rnuito arnbiciosa que nao adrnite que ninguern se atravesse no seu carninho para atingir 0 objectiv~ que pretende. Quer as coisas ii sua rnaneira. esta deterrninada a nao ceder, aconter;a 0 que acontecer (idem). As respostas a lista de tra~os revelaram igualmente muitas diferen~as entre os grupos A e B (ver Quadro I). Para alguns tra~os, as diferen~as entre 0 grupo A e 0 grupo B sao extremas. Por exemplo, na condi~ao «caloroso», 91 por cento dos sujeitos escolheram «g~neroso» e apenas nove por cento escolheram «nao generoso», enquanto na condi~ao «frio» apenas oito por cento escolheram «generoso» e 92 por cento escolheram o oposto. Diferen~as identicas, e no mesmo sentido, verificaram-se tambem com os tra~os «ponderado, feliz, afavel, bem-humorado, sociavel, popular, humano, altrufsta e imaginativo». Contudo, relativamente a outros tra~os nao houve diferen~as entre os dois grupos. Estao neste caso os tra~os «de confian~a, importante, atraente, persistente, serio, calado, forte e honesto». Assim, Asch (1946) descobriu que, por urn lado , «ha caracterfsticas predominantemente atribufdas a pessoa «calorosa», enquanto os seus opostos sao atribufdos a pessoa «fria» e, por outro lado, ha urn conjunto de qualidades que nao e a'fectado pel a transi~ao de «caloroso» para «frio», ou apenas 0 e «muito ligeiramente» . Confrontando estes resultados com as hipoteses inicialmente enunciadas, verifica-se que a mudan~a de urn tra~o provocou uma transforma~ao das outras caracterfsticas, alterando assim a impressa,o global. Segundo Asch (1946), isto sugere que as «caracterlsticas dadas nao tern todas 0 mesmo peso para 0 sujeito» (p . 264), sendo necessario considerar a existencia de qualidades centrais e de qual idades perifiricas.

QUADRO

I

Caracteristicas inferidas (percentagens) (Adaptado de Asch, 1946) Experiencia 1

Experiencia 3

Caloroso

Frio

Polido

Rude

N=90

N=76

N=20

N=26

Generoso

91

8

56

58

Ponderado

65

25

30

50

Feliz

90

34

75

65

Sociavel

91

38

83

68

Popular

84

28

94

56

Importante

88

99

94

96

Serio

100

99

100

100

Forte

98

95

100

100

Honesto

98

94

87

100

Numa outra experiencia, concebida com 0 objectivo de anaIisar a influencia de caracterfsticas secundarias ou perifericas na forma~ao de impressoes, Asch (1946) substituiu na !ista a ser ouvida os termos «caloroso» e «frio» por «polido» e «rude». Os dois grupos deram respostas muito semelhantes. Perante estes resultados, Asch (1946) conc\uiu que a «mudan~a de urn tra~o periferico produz urn efeito mais fraco na impressao total do que a mudan~a de urn trat;o central» (p. 266) . Na opiniao de Asch, estas experiencia provam que ha qualidades que sao tomadas como centrais e outras como perifericas. Coloca-se entao a questao de saber se urn tra~o e central (ou periferico) por si proprio ou se a sua centralidade depende das suas rela~oes contextuais com os outros tra~os.

Asch (1946) realizou uma outra experiencia, m 0 mesmo padrao, mas, desta vez, a palavra CO aIoroso» aparecia integrada numa sequencia «C . d . d quaIidades dlferentes as antenores. e A lista A era constitufda pelos termos «obediente - fraco - superficial - caloroso - nao ambicioso - frfvolo». A lista B era constitufda por «frfvolo - astuto _ sem escrupulos - caloroso - superficial- invejoso». a s resultados mostram que, tanto na situat;ao A como, sobretudo, na situa~ao B, «caloroso» foi dassificado como uma qualidade completamente secundana (ou periferica), subordinando-se totalmente ao conteudo de outras qualidades consideradas como mais centrais. Deste modo, pode conc\uir-se que «uma qualidade, quando central, tern urn conteudo e um peso diferente do que quando e subsidiana» (p. 268) e determina 0 conteudo e 0 valor funcional dos trayos perifericos na impressao total. Asch sublinha que nao se trata de uma influencia meramente quantitativa, mas, sobretudo, de urn processo qualitativo de mutua influencia dos vanos tra~os (Asch, 1946). Isto quer dizer que urn tra~o nao tern sempre urn sentido fixo que entra na forma~ao da impressao. Pelo contrano, 0 seu conteudo pode ser central numa impressao e tomar-se periferico noutra (Asch, 1946). as trat;os nao teriam, pois, urn valor independente do contexte onde se inserem, estando, portanto, segundo Asch, sujeitos a uma mudanfa de significado. A partir das vanas experiencias realizadas, Asch (1 946) tirou as seguintes conclusoes: I. Ha urn processo de discriminar;ao entre trar;os centrais e perifericos. Nem todos os trar;os ocupam 0 mesmo valor na impressao final. A mudanr;a de urn trar;o central pode alterar completamente a impressao, enquanto a rnudanr;a de urn trar;o periferico tern urn efeito mais fraco;

2. Tanto 0 contelido cognitivo de urn trar;o como 0 seu valor funcional sao determinados pela relar;1io com o seu contexto; 3. Alguns trar;os determinam 0 conte lido e a funr;1io de outros trar;os. Aos prirneiros cham amos centrais e aos segundos perifericos (p. 270).

As experiencias realizadas por Asch influenciaram de tal modo 0 primeiro perfodo da pesquisa sobre a forma~ao de impress6es que, ate finais dos anos 50, os estudos efectuados por outros autores (e. g., Kelley, 1950; Luchins, 1957) se caracterizam por serem fundamentalmente replicas ou extensoes de algumas dessas experiencias. Kelley (1950), por exemplo, adaptou uma das experiencias de Asch (1946), na qual, em vez de utilizar como esnmulo uma pessoa fictfcia, apresentou aos sujeitos uma pessoa real. Kelley informou os alunos que, em virtude de 0 seu professor estar ausente, a aula seria orientada por urn outro professor convidado para 0 efeito. Antes de este entrar na sala, foi fomecida aos estudantes uma curta nota biografica acerca do professor. Entre outros aspectos, a nota biografica referia 0 seguinte: «Tern 26 anos, e veterano e casado. As pessoas que 0 conhecem consideram-no urn indivfduo frio, industrioso, crftico e determinado» (p. 43). A manipula~ao experimental consistia exactamente nessa nota biografica. Sem os sujeitos 0 saberem, foram distribuidas nao uma, mas duas notas biograficas em tudo iguais excepto na palavra «frio», que numa delas fora substituida por «caloroso». Depois da leitura desta informa~ao previa, a pessoa-estimulo entrou na sala e conduziu urn debate com os alunos durante vinte minutos, apos 0 que saiu. Pediu-se entao aos estudantes que exprimissem a sua impressao fazendo uma descriyao livre do «professor» e classificando-o numa lista com quinze escalas. Os resultados foram identicos aos obtidos por Asch (1946), sendo as descriyoes muito dife-

94 rentes consoante os sujeitos tivessem recebido a «frio» ou «caloroso». A pessoa foi descrita de uma maneira mais favonivel na condi~ao «caloroso» do que na condi~ao «frio». Mas, mais curioso e importante ainda, e 0 facto de 0 pr6prio comportamento dos sujeitos durante 0 debate ter sido bastante diferente, pois 56 por cento dos sujeitos da situa~ao «caloroso» participaram na discussao com 0 «professor», enquanto apenas 32 por cento daqueles que tinham recebido a informa~ao «frio» 0 fizeram. Segundo Kelley (1950), estes resultados sugerem que a mudan~a de «caloroso» para «frio» nao provoca apenas mudan~as ao nivel perceptivo, mas tambem ao nivel comportamental. Na realidade, tanto ao nivel perceptivo como comportamental, os sujeitos foram consistentes com as expectativas criadas a partir da nota biognifica que teni induzido uma primeira impressao acerca do professor. Para alem desta experiencia, a hip6tese da mudan~a de significado atnis referida recebeu apoio experimental de vanos autores (Asch e Zuckier, 1984; Hamilton e Zanna, 1974; Zanna e Hamilton, 1977; Wyer, 1974). No entanto, foi igualmente contestada por outros investigadores (Anderson, 1974, 1981), que sustentam que ha uma constancia de significado, como veremos ao analisar os modelos lineares. Pesquisas posteriores (e. g., Rosenberg et ai., 1968; Semin, 1989; Wishner, 1960) vieram precisar a concep~ao da centralidade dos tra~os. informa~ao

Centralidade dos tra~os e teorias impIicitas da personalidade Na base dos estudos realizados por Asch (1946) esta urn outro problema fundamental que s6 depois veio a ser explicitamente conceptualizado: como e que os sujeitos das suas experiencias, conhecendo apenas alguns tra~os respeitantes a uma pessoa, por exemplo «calo-

95

rosa» e «inteligente», eram capazes de COn_ c1uir que ' essa pessoa possuia tam bern uma serie de outras caractensticas como, por exem_ plo, «generosa», «sociavel», etc.? Ou seja, como e que os sujeitos estavam em condi~6es de realizar tais inferencias a partir de informacrao tao limitada? Segundo Asch, is so era possivel porque, como vimos, com base nos tra~os-estimulo iniciais, os sujeitos criavam uma impressao geral da peSSoa e era a partir dessa impressao geral que, posteriormente, efectuavam inferencias particulares para cada urn dos outros tra~os. No entanto, esta perspectiva sugere que os sujeitos tomariam contacto com os tra~os-estimulo num vacuo, como se nao tivessem quaisquer pre-concep~6es acerca desses tra~os-estimulo nem do modo como estes se relacionam com muitos outros tra~os. Bruner e Tagiuri (1954) propuseram uma concep~ao diferente. Segundo estes autores, as pessoas estao em condi~6es de efectuar inferencias como aquelas que aparecem nas experiencias de Asch porque possuem «teorias implfcitas da personalidade». Este conceito foi introduzido na psicologia social por aqueles autores quer para referir «as categorias usadas pelas pessoas comuns na vida quotidiana para descreverem outras pessoas», em termos das suas capacidades, atitudes e caractensticas, quer para referir as «cren~as sobre as rela~6es entre atributos de personalidade» (pag. 649). Sao consideradas «teorias» porque consistem num conjunto estruturado de categorias e de cren~as sobre as suas inter-rela~6es, e sao «implfcitas» ou «ingenuas» porque as pessoas nao as apresentam formal mente nem forne~ cern criterios objectivos da sua validade. As «teorias implfcitas da personalidade» desempenham urn papel importante na vida quotidiana porque permitem aos individuos nao s6 seleccionar e codificar a informa~ao relativa as outras pessoas, mas, tambem, a partir de poucos elementos informativos, realizar inferencias

. as a domfnios que estao fora do seu elatlV . r 0 perceptivo no momento. Asslm, as «teoc.acoPiCOplfcitas da personalidade» constituem !'las que urn mapa cognitivo interno que, de cocoo . . t o coodo, onenta a mterac~ao en re as pessoas cert ida quoudlana. .. Al em ' d'ISSO, ao es t ru t urarem na vonjunto de re 1a~oes - posslvels , . de uns t ra~os o c outros as «teorias implfcitas da personali-

COCO

'

dade» revelam tambem urn caracter normativo (Paicheler, 1984), pois, uma vez estabelecida a liga~ao de que, por exemplo, «quem e inteligente» e «honesto», fica delimitado 0 dominio dessa regra, ou seja, e assim que «deve sen>, mesmo, ou principalmente, quando nao se tern outros dados informativos especfficos sobre a pessoa.

ASCH REVISITADO A generalidade das experiencias sobre a fonnayao de impressoes, realizadas por Asch e por outros autores, utilizam, quer como variaveis independentes quer como variaveis dependentes, adjectiv~s ou trayos que tern uma ferencia abstracta a pessoas completamente descontextuaIizadas. Assim, alguns autores (e. g., Semin, 1989) colo:am a questao de saber ate que ponto as inferencias que os sujeitos efectuam das listas-estrmulo para as listas de resposta serao resultado de processos efectivamente psicol6gicos ou simplesmente de convenyoes lingufsticas, dado que as palavras que se utilizam para descrever os atributos tern relayoes ~bstractas, 16gicas e sem~ti~as e.ntre si. Estas relayoes sao expressoes de convenyoes socioculturais e estao fonnallZadas, por exemplo, nos diclOnanos. Ou seja, 0 trayo «sociaveh>, nurn dicionano escolar, por exemplo, remete para «civilizado», «urbano» e «delicado», independentemente de se referir a quem quer que seja. E usual distinguir-se entre 0 significado pragmatico de urn tenno, dependente do contexto em que e utilizado, e 0 seu significado semantico, independente do contexto. Naturalmente, e para este que os dicionanos remetem, indicando relayoes possfveis de uma determinada palavra. Ora, 0 paradigma metodol6gico acima referido utiliza os trayos descontextualizadamente, 0 que pode implicar que os sujeitos das experiencias tenham de se socorrer do significado semantico dos adjectiv~s que Ihes sao apresentados, significado esse culturaImente partilhado por eles. Se for esse 0 caso, entao, as meras convenyoes lingufsticas, que sociocultural mente estabelecem associayoes entre os tennos dos trayos, podem, eventualmente, contribuir para a explicayao da varifulcia das inferencias efectuadas pelos sujeitos. Nesse sentido, S6min (1989), replicando duas experiencias de Asch, realizou urn estudo em que procurou testar a hip6tese de que «as respostas em tarefas de inf~ rencia de atributos, como as que se encontram nas tarefas experimentais tipo Asch, sao mediatizadas por referencias intensionais (i. e, sobreposiyao de significado), abstrafdas entre os estfmulos e cada item na lista da varilivel dependente, por outras palavras [sao mediatizadas] por urn valor de associayao de dicionano geral entre 0 significado do estimulo e cada medida dependente» (p. 89). S6min (1989), por urn lado, reproduziu as experiencias 1 e 3 de Asch e, por outro, recorreu a uma nova metodologia, criando urn fndice de associayao de trayos a partir de sin6nimos, an8.logos, contrarios e ant6nimos dos trayos tal como surgem no dicionano. Por exemplo, para 0 trayo «honesto» tenamos, entre outros, 0 sin6nimo «justo», 0 an8.logo «franco», 0 contr8.rlo «mentiroso» e 0 ant6nimo «desonesto». Relativamente It reproduyao das experiencias 1 e 3, os resultados foram muito identicos aos obtidos por Asch quarenta anos antes, verificando-se correlayoes entre os dois estudos de 0,90 e 0,93 para «caloroso» e «frio», respectivamente, e de 0,68 quer para «rude» quer para «polido». Contudo, ao analisar a relayao entre as respostas dos sujeitos, tanto do seu estudo como do de Asch, e 0 fndice lingufstico que construfra, S6min detectou que. 0 «fndice da associayao entre tennos-trayos derivados de urn dicionano explica uma proporyao substancial da variancia que esta envolvida nos processos de mediayao responsliveis pelas inferencias» (p. 94), concretamente a variancia explicada para cada uma das quatro listas das experiencias I e 3 vai de 79 por cento a 92 por cento. Estes resultados sugerem, pois, que na an8.lise da fonnayao de impressOes e da cogniyao social se toma necessano dar tambem atenyao aos factores lingufsticos, de modo a poder destrinyar-se a contribuiyao dos processos psicol6gicos da contribuiyao das convenyoes lingufsticas.



97

96 As teorias implicitas da personalidade desenvolvem-se no quadro da socializa~ao geral dos individuos, com destaque para as dimensoes semantic as e simbolicas dessa socializa~ao, que se traduz na consistencia interindividual de muitas cren~as, mas constroem-se tam bern a partir da experiencia pessoal de cada urn que se exprime em diferen~as individuais relevantes e mesmo em teorias implicitas de urn dado individuo (e.g., Kim e Rosenberg, 1980; Leyens, 1997; Paicheler, 1984). No quadro desta abordagem, procurou-se averiguar 0 modo como se organiza nas teorias implicitas a imensidao de tra~os que esrn linguisticamente disponivel para descrever as pessoas. Wishner (1960) realizou urn estudo em que mostrou que a centralidade de qualquer tra~o dependia, por urn lado, da restante informa~ao acerca da pessoa que era apresentada aos sujeitos e, por outro lado, do tipo de julgamento que lhes era pedido. Assim, por exemplo, verificou que os tra~os «caloroso/frio» estao fortemente correlacionados com tra~os que dizem respeito a dimensao «sociabilidade», mas, se se questionarem os sujeitos acerca da «honestidade» da pessoa, aqueles tra~os nao sao relevantes, isto e, centrais, enquanto «polido/rude» apresentam forte correla~ao com aquela categoria. Por sua vez, Rosenberg e colaboradores (1968) realizaram urn estudo com urn conjunto de tra~os que, entre outros, integrava a maioria dos tra~os utilizados por Asch. Utilizando uma tecnica de analise multidimensional, aqueles autores estudaram as rela~oes entre tra~os em termos de distancias procurando identificar as dimensOes em que os tra~os se posicionavam. Os resultados revelaram duas dimensoes basicas ao longo das quais se distribuiam os tra~os: uma de desejabilidade social e outra de desejabilidade intelectual (ver Figura 1). Analisando 0 posicionamento dos tra~os utilizados por Asch na experiencia I, verifica-se que

os seis atributos comuns as listas A e B Se situam todos em tomo do polo positivo da dimensao de desejabilidade intelectual, enquanto os tra~os «caloroso/frio» se situam perto do ponto neutro nesta dimensao. Tambem os tra~os da lista de res posta que nao foram afectados pela mudan~a de «caloroso» para «frio» se situam mais ou menos no lado positivo desta dimensao. Por sua vez, relativamente a dimensao de des ejabilidade social, os tra~os «caloroso» e «frio» situam-se nos seus pol os opostos, verificando-se ainda que, na lista de respostas, os antonimos socialmente desejaveis se agrupam em tomo de «caloroso», enquanto os social mente indesejaveis estao mais proximos de «frio». Naturalmente, fica evidente que foram os tra~os localizados nesta dimensao de desejabilidade social os mais afectados, nas listas-estimulo, pel a mudan~a de «caloroso» para «frio». Estes resultados permitem, pois, ir alem da analise intuitiva de Asch: «Urn tra~o e central na medida em que ele tenha urn valor extremo numa dimensao. Assim, «caloroso» e «frio» sao tra~os sociais centrais, tal como feliz, popular, sociavel, etc.» (Rosenberg et al., 1968, p. 293). A literatura sobre as teorias implicitas da personalidade procurou, pois, identificar as dimensoes que as pessoas utilizam ao percepcionarem os outros, assumindo que, com poucas dimensoes, e possivel dar conta de urn numero elevadissimo de tra~os-estfmulo. Embora a pesquisa sobre as teorias implfcitas se tenha baseado fundamentalmente em tra~os de personalidade, alguns autores (e.g., Schneider, 1973) chamaram a aten~ao para a necessidade de se considerarem tambem outros estfmulos, como 0 vestucirio, a aparencia ffsica e o comportamento nao verbal da pessoa alvo, uma vez que, frequentemente, na vida quotidiana, e a partir deste tipo de estfmulos que se inferem outras caracteristicas e se emitem julgamentos sociais.

FIGURA

I

. 'onamento nas dimensoes de «deseiabilidade social» e «desejabilidade intelectual» poslel " de alguns tra~os, incluindo «caloroso / frio». (Adaptado de Rosenberg et al. 1968 Intelectual bom

intcligentc serio importantc frio insociavel Social mau

impopular -

irritAvcl

~UID:;el~iz~--------

____

-:;;~~~::::~

____

~~~

_______

nesto

Social bom

irrcsponsavel

feliz popular sociAvel caloroso

Intelectual mau

Estimulos naO verbais na forma~ao de impressoes A aparencia fisica e outros sinais comportamentais tern sido longamente investigados na area da interac~ao social, nomeadamente enquanto factores decisivos para a eficacia da comunica~ao interpessoal. Ao nivel da forma9iio de impressoes, os estfmulos nao verbais ocupam tambem urn papel importante, na medida em que, frequentemente, a mera percep~ao da

aparencia ffsica de uma pessoa nos leva a inferir urn conjunto de tra~os e de atitudes atribuidos a essa pessoa. De entre os elementos nao verbais que influenciam a forma~ao de impressoes, salientam-se a cor da pele, a atractividade do rosto e do corpo, a expressao facial, 0 contacto atraves do olhar, 0 modo de andar, a postura corporal, a ocupa~ao do territorio, 0 tom de voz, 0 odor corporal e 0 contacto tactil 3. Por exemplo, enquanto a «cor da pele» leva, geralmente, a activa~ao de

3 Para uma analise mais detalhada consultar, por exemplo, Bull e Rumsey (1988), Eakman e Friesen (1975), Knapp (1980), Mehrabian (1972), Zebrowitz (1990).

.. 99

98

estereotipos SOCIalS, atribuindo a pessoa uma serie de caracteristicas relativas ao grupo em que e categorizada, ja a «atractividade fi'sica» desencadeia, habitual mente, uma impressao positiva acerca da pessoa. A influencia dessa atractividade parece atravessar todas as idades. De facto, urn estudo efectuado por Stephan e Langlois (1984) revelou que os bebes mais atraentes sao percepcionados como mais simpaticos e mais faceis de tratar do que os menos atraentes. Num outro estudo, sobre pessoas com idades compreendidas entre 60 e 95 anos, Johnson e Pittenger (1984) detectaram que os mais atraentes eram percepcionados como sendo mais simpaticos do que os seus pares menos atractivos. Num estudo realizado por Reece e Whitman (1962) sobre uma rela~ao «calorosa» e uma rela~ao «fria» verificaram que a mudan~a de postura face a outra pessoa, 0 sorriso, e 0 contacto visual directo eram considerados comportamentos nao verbais «calorosos», enquanto que olhar para urn e outro lado da sal a, tamborilar com os dedos e nao sorrir eram vistos como expressao de comportamentos «frios». Naturalmente, os elementos nao verbais do comportamento de uma pessoa, so por si, nao nos fornecem quaisquer informa~oes acerca das caracterfsticas dessa pessoa nem indicam 0 sentido da impressao que vamos formar. E a partir do contexto em que esUio inseridos, e da eventual saliencia que af tern, que, se 0 percepcionador estiver motivado para os interpretar, esses elementos vao ser descodificados com a ajuda das teorias implfcitas de personalidade, tal como acontece quando nos sao fornecidos apenas tra~os de personalidade.

2.2. Abordagem da illtegrafiio da illformafiio Os modelos da

integra~ao

da informac;:ao,

ou lineares, foram desenvolvidos como alternativa a perspectiva holfstica, e baseiam-se no pressuposto associacionista de que cada item de informa~ao da uma contribui~ao propria para a formac;:ao da impressao. Cada item, com 0 seu valor independente, combina-se com os outros itens segundo regras aditivas, multiplicativas ou de media. No domfnio da forma~ao de impress6es, tem-se procurado analisar a combina~ao dos itens essencialmente atraves da regra da media e da regra aditiva. Os modelos lineares diferenciam-se do mode10 de Asch nao apenas ao nivel dos pressupostos mas tambem na metodologia utiIizada. Assim, 0 metoda mais frequentemente utilizado nas pesquisas que seguem os modelos Iineares (Anderson, 1965, 1974, 1981) consiste em apresentar aos sujeitos uma lista de adjectivos que supostamente caracterizam urn determinado individuo (tal como no metodo de Asch) e pedir-lhes que assinalem numa escala qual a sua impressao geral sobre esse indivfduo. A escala utilizada e geralmente bipolar, com sete ou mais intervalos, tendo num dos extremos a expressao «muito favoravel» ou «gosto muito» e no outro «muito desfavoravel» ou «nao gosto nada». Como material de estfmulo utilizam-se frequentemente atributos extrafdos duma lista de 555 tra~os elaborada e testada por Anderson (1968 a). Esta !ista (ver Quadro II) apresenta 555 tra~os decrescentemente ordenados em rela~ao a sua «favorabi!idade» gera!. Anderson (1968 a) diferenciou quatro grandes grupos de 32 adjectivos cada urn, de acordo com a respecti va pontua~ao: alto (A), medio + (M +), medio (M-) e baixo (8). E assim possivel construir listas-estfmulo, com as mais variadas combina~oes e sequencias, de adjectivos positivos e negativos, e analisar as regras que orientam a forma~ao de impressoes.

QUADRO

II

Exemplo de palavras utilizadas por Anderson para descrever tra~os de personalidade e respectivas cota~oes de favorabilidade (Extrafdas da lista de 555 palavras de Anderson, 1968a)

Ordem

palavra

cotafi:ilo (escala de o a6)

sincero honesto compreensivo leal de confianfi:a

5,73 5,55 5,49 5,47 5,45

o

impopular

2,54 2,49 2,46 2,23 2,22

abusivo desrespeitoso egoista vulgar insolente

1,0 0,83 0,82 0,79 0,78

dependente indeciso ansioso

297 300 303 326 328

passiv~

Baixo (B)

Medio+ (M+) 205 206 207 208 235

cotafi:ilo (escala de a6)

Medio-(M-)

Alto (A) 1 2 3 4 5

palavm

Ordem

persuasivo obediente rapido sofisticado delibemdo

3,74 3,73 3,73 3,72 3,45

510 530 532 534 536

Para se compreender a aplica~ao destas regras, imagine-se abaixo.

0

«cenario» descrito na caixa

CENARIO loaD acaba de chegar a uma empresa cliente onde vai ter uma reuniao com alguns tecnicos para analisar em pormenor as questoes surgidas relativamente a lima proposta de fornecimento de material que a sua empresa fizera. Joao vai a esta reuniiio em sllbstitui~ao do director comercial, que se encontra ausente no estrangeiro. Ao chegar, e-Ihe apresentado 0 Sr. Ramalho, que vai conduzir a reuniao. Enquanto os outros participantes nao chegam, Joao con versa informalmente com 0 Sr. Ramalho e apercebe-se de que se trata de urn indivfduo inibido, inteligente. educado. respollsavei e ego{sta. Joao vai criar uma impressao do Sr. Ramalho em fun~ao do sentido que estas caracterfsticas tem para si. Suponhamos que, ao analisar essas caracterfsticas, utiliza uma esc ala que vai de -5 (muito negativo) a +5 (muito positivo). Assim, Joao considera que ser-se «relativamente inibido» e algo de negativo, por exemplo (-2), mas «inteligente» e muito positivo, e «educado» e positivo (+3); por sua vez, «responsavel» e bastante positiv~ (+4), enquanto «ego{sta» e fortemente negativo (-5). Com vista a definir uma estrategia de actua~ao na reuniao, Joao vai rapidamente combinar estas aprecia~oes formando uma impressao gera\ do Sr. Ramalho. Que impressao ~a loaD construir?



101

100

Modelo da media simples e ponderada Segundo 0 modelo da media simples (Anderson, 1965), formar uma impressao consiste em somar as pontua~oes e dividir 0 total pelo mimero de caracteristicas consideradas. Deste modo, no quadro do cemmo descrito, loaD fara uma avalia~ao (ver Quadro III-A) ligeiramente positi va (+ 1) do Sr. Ramalho. Efecti vamente, conhecendo a valora~ao (pontuar;ao na escala utilizada) que urn indivfduo atribui a determinadas caracterfsticas, este modelo permite predizer a impressao que ele vai criar acerca de outra pessoa (Anderson, 1974). No entanto, 0 modelo da media simples supoe que as varias caracterfsticas tern a mesma importancia para 0 sujeito. Ora, na realidade, acontece frequentemente que uns atributos sao mais importantes do que outros. Isto significa que, para se compreender 0 processo de formar;ao de impressoes, e preciso ter em cons iderar;ao nao urn mas sim dois parametros: 0 valor (positivo/negativo) que os sujeitos atribuem numa determinada esc ala as caracteristicas em causa, e 0 peso ou importancia que cada uma dessas caracteristicas tern para 0 indivfduo que forma a impressao. Segundo Anderson (1974), «0 conceito de peso torna-se tao importante como 0 conceito de valor da escala» (p. II). Neste sentido, a impressao final sera uma media ponderada: 0 valor atribufdo a urn trar;o especffico sera combinado com 0 peso que esse mesmo trarro tern para a forma~ao da impressao. Para se obter a ponderarrao, 0 modelo exige que os pesos dos adjectivos sejam calculados de modo a que a sua soma seja igual a urn (Anderson, 1981), consistindo esse calculo em dividir 0 peso de cada atributo pelo somat6rio dos pesos de todos os atributos considerados. Imaginemos, por exemplo, que, no cenario descrito, para Joao 0 atributo «inteligente» e

mais importante do que «inibido»; neste caso ele atribuira urn peso maior aquele trar;o (pO; exemplo, 0,5), urn peso menor a este (por exelU_ plo, 0,1) e pesos intermedios as outras carac_ teristicas, como se mostra no quadro III-B. Deste modo, 0 valor positivo ou negativo de cada caracteristica sera multiplicado pelo peso que essa caracteristica tern para lOaD e a impressao geral sera 0 resultado da media assilU ponderada e nao apenas da media simples. No caso hipotetico que estamos a analisar (ver Quadro III-B), a impressao geral acerca do Sr. Ramalho seria bastante positiva (+2,8).

QUADROID

Forma-;ao de impressoes segundo os modelos lineares (Dados ficticios elaborados a partir de Anderson, 1968 a)

Valor atribuido

Tra<.;os

1964; Triandis e Fishbein, 1963) supoe que, na formar;ao de impressoes, os sujeitos vao adicionando os valores de cada caracteristica. Assim, no caso do cenano descrito, a impressao global seria de +5 num continuum que teoricamente iria de -25 a +25 (ver Quadro III-C). Segundo este modelo, a impressao acerca do Sr. Ramalho seria ligeiramente positiva e, aparentemente, nao haveria diferenr;as com 0 modelo da media. No entanto, estas aparecem imediatamente se considerarmos situar;oes em que as varias caracteristicas sao valorizadas todas do lado positivo ou do lado negativo, assim como casos em que umas sao mais extremas do que outras. Suponhamos, por exemplo, que lOaD via outro participante da reuniao, 0 Sr. Fragoso, como simpatico (+5) e met6dico (+1). Segundo o modelo aditivo, a impressao global seria bastante positiva (+6), enquanto, pelo modelo da media, seria urn pouco menos positiva (6/2 = 3), pois +3 e inferior relativamente a pontuar;ao atribuida a «simpatico» (+5). 0 modelo aditivo prediz, assim, que uma impressao vai sendo cada vez mais favoravel ou mais desfavoravel con forme se vao acrescentando respectivamente

Centro de Recunol Prior Velho

-1-

-

+

-2

Inibido Inteligente Educado Organizado Egoista

+5 +3 +4

-5 12 + (-7)=515 = 1

Modelo aditivo

o modelo aditivo (Fishbein e Hunter,

Modelo da media simples

A.

Impressiio geral

= +1 Modelo cia media ponderada

B.

Tra!;Os

-

+

x x x

-2

Inibido Inteligente Educado Organizado Egoista

Valor ponderado

Peso

Valor atribuido

+5 +3

x x

+4

-5

0,1 0,5 0,2 0,1 0,1

= = = = =

-0,2 +2,5 +0,6

+0,4 -0,5 +2,8

Imprcssio geral

= +2,8 c.

Modelo aditivo

Valor atribuido

Tra<;os

+

-

-2

Inibido Inteligente Educado Organizado Egoista

+5 +3 +4 ·5 12+(-7)=5

Impressio geral

= +5

• 102

caracteristicas positivas ou negativas a uma impressao ja positiva ou negativa. Uma questao, directamente relacionada com esta, que tern animado a controversia entre 0 modele aditivo e 0 modele da media, diz respeito ao chamado «efeito da quantidade de tra~os». Este efeito implica que, quando vaG na mesma direc~ao (positiva ou negativa), 0 aumento do numero de adjectiv~s provocara uma resposta mais extrema por parte dos sujeitos (Anderson, 1974, 1981). Fishbein e Hunter (1984) realizaram uma experiencia em que utilizaram conjuntos de urn, dois, quatro e oito adjectivos positivos mas com uma polarizayao diferente. A media da avaliatrao que os sujeitos fizeram diminufa a medida que a quantidade de trayos aumentava. Por sua vez, outros autores (Anderson, 1968 b; Brewer, 1968) descobriram que, com adjectivos de valor igual, 0 aumento da quantidade de trayos resultava, efectivamente, em jufzos mais extremos, confirmando assim 0 efeito referido. Contudo, Anderson (1968 b) comparou tambern a impressao formada a partir de urn conjunto de tres adjectivos altamente positivos (AAA) com a criada a partir de urn conjunto constitufdo por tres adjectiv~s muito positivos e por tres adjectiv~s moderadamente positivos (AAAM+M+M+). Concretizando, considere hipoteticamente que 0 primeiro conjunto descrevia 0 indivfduo atraves dos adjectivos «sincero, feliz e leal», e que 0 segundo 0 descrevia como «sincero. feliz, leal, rapido, persistente e meticuloso». Pelo facto de se acrescentar informayao positiva aos tres adjectiv~s ja fortemente positivos, 0 modele aditivo preve que a impressao no segundo caso sera mais favoravel. A pesquisa de Anderson (1968 a) revelou, contudo, que a impressao criada no segundo caso era significativamente menos favoravel do que a formada a partir dos tres adjectiv~s fortemente positivos. Este resultado e, por sua vez, «consis-

tente com 0 modelo da media» (Anderson, 1968 a, p. 359). Para explicar estes resultados, Anderson (1968 b, 1974) propos uma modificayao do modele da media, sugerindo que os primeiros adjectiv~s criam urn factor, a que chamou «impres sao inicial», que vai fazer media com a infor_ mayao seguinte. Desse modo, a polaridade da resposta sera negativamente acelerada em funyao da quantidade de trayos. Sao inumeras as experiencias que, no contexto dos modelos lineares, tern side realizadas com 0 objectivo de testar a validade quer do modele aditivo quer do modele da media simples e ponderada. Apesar de os resultados nem sempre terem side conclusivos (Brewer, 1968; Rosnow e Arms, 1968), aceita-se geralmente que a capacidade preditiva do modelo aditivo e menor do que a do modelo da media, havendo situa~oes em que 0 resultado final e mesmo contrario a preditrao.

2.3. Abordagem da memoria de pessoas Para formarmos uma impressao acerca de outra pessoa, mesmo que seja a primeira vez que com ela contactamos, temos de nos socorrer de conhecimentos e informa~oes anteriores. Toda a nova informayao que recebemos s6 pode ser interpretada em termos daquilo que ja conhecemos. Alem dis so, a matriz e a dinihnica das nossas relatroes sociais requerem que se retenha informatrao acerca das outras pessoas de modo a facilitar a interac~ao com elas quando sao (re)encontradas. Isto significa que os processos de mem6ria desempenham urn papel fundamental na forma~ao de impress6es. Estes processos foram essencialmente estudados no quadro da psicologia cognitiva (e. g., J. R. Anderson, 1976, 1983; Anderson e Bower,

3' Neiss er, 1976). A psicologia social, aMm

191 ,r construido varios modelos sobre os de tessos sociocognitivos (cf. Markus e Zajonc,

proce 84' Marques, 1986; Yzerbyt, 1990), tern 19 ~rado adaptar e aplicar a percep~ao de pesproc . dl .. alguns dos conceltos e mo e os cogmtIvos a5 sOb e a memoria (e. g., Brewer, 1988; Fiske e SO r . Neuberg, 1989; Hastie ef al., 1980; Ostrom, 984; Scull e Wyer, 1989; Wyer e Srull, 1986), ~ ortando da psicologia cognitiva, entre ouunp os conceltos . ' difilcm;ao, - armare latIvos a, co tr°, _ .I _ S nomenta e recuperafaa da mforma~ao. ze Resurnidamente, a «codificayao» diz respeito ao S processos atraves dos quais a informa~ao einterpretada e organizada, 0 «armazenamento» refere-s e aos processos de retenyao da informacr ao ja codificada, e a «recuperayao» diz respeito aos processos que permitem a u~ sujeito encontrar a informa~ao que urn dla armazenou. A abordagem da memoria de pessoas utiliza uma metodologia substancialmente diferente daquela em que se baseavam as abordagens anteriormente referidas. Assim, 0 metodo geral utilizado consiste em apresentar aos sujeitos uma serie de comportamentos realizados por uma determinada pessoa, os quais sao habitualmente apresentados sob a forma escrita ou filmada (e. g., Hastie et al., 1980), sendo-Ihes pedido que formem uma impressao da pes so a em causa. Dado que esta abordagem procura explicitar as fases que ocorrem no processo de formayao de impressoes, e tambem frequentemente pedido que realizem outros julgamentos nao relacionados com as impressoes e que recordem a informayao apresentada, ou seja, por vezes, os julgamentos baseiam-se na memoria de informayao previamente adquirida acerca da pessoa-alvo. Em alguns desenhos experimentais, a tarefa «recorda~ao» e anterior a tarefa «forma~ao de impressao», isto e, pede-se aos sujeitos que

103

recordem os comportamentos que lhes foram apresentados e s6 depois se lhes da a tarefa de formarem uma impressao. Noutras pesquisas criam-se condiyoes para que os sujeitos formem uma impressao previa a apresenta~ao dos comportamentos, informando-os de que a pessoa-alvo possui determinados trayos. Nestes desenhos, os epis6dios comportamentais podem ter uma rela~ao congruente, incongruente ou neutra com os trayos atribuidos a pessoa. Conforme os objectiv~s especificos da pesquisa, 0 mlmero de tra~os e/ou de comportamentos pode ser variado. No quadro geral da cogni~ao social, tern sido propostos varios modelos explicativos da forma~ao de impressoes, como, por exemplo, os sugeridos por Brewer (1988), Fiske e Neuberg (1989), Hastie (1980), Kunda e Thagard (1996), Srull e Wyer (1989), Wyer e Carlston (1979), Wyer e Scull (1986). A maioria desses modelos tern procurado integrar e explicar os resultados de imlmeras pesquisas parcelares e dispersas que incidem sobre a memoria de pessoas e a forma~ao de impressoes. Embora se inscrevam no quadro de uma abordagem global identica, os modelos apresentam certas divergencias entre si, quer ao nivel de alguns pressupostos teoricos, quer ao nivel da interpreta~ao e integrayao de alguns dados experimentais, quer ainda no grau de alcance explicativo dos processos de formayao de impressoes. Dada a sua relevancia na literatura mais recente, analisaremos sumariamente os model os propostos por Scull e Wyer (1989), por Brewer (1988), por Fiske e colaboradores (e. g., Fiske e Neuberg, 1989) e, mais recentemente, por Kunda e Thagard (1996). Scull e Wyer (1989) propuserarn urn modelo relativamente complexo, que pretende integrar a maioria das pesquisas efectuadas nesta area da cogniyao social. 0 modelo, constituido por



105

104

quinze postulados, procura dar conta das vanas fases do processo de forma~ao de impressoes, tendo como pressuposto basico a concep~ao metaf6rica da mem6ria como rede associativa (1. R. Anderson, 1983)4. Assume que «as caracteristicas» duma pessoa sao representadas por nodulos na mem6ria e que as rela~oes entre elas sao representadas por liga~oes associativas (Srull e Wyer, 1989, p. 59), as quais sao designadas por caminhos. Mais concretamente, assume-se que os comportamentos duma pessoa sao espontaneamente interpretados pelo sujeito em termos de conceitos-tra~os que esHio armazenados na memoria. Por exemplo, como se mostra na Figura 2, 0 comportamento (u) «fala expansivamente» pode ser codificado como «extrovertido». Naturalmente, muitos comportamentos podem ser codificados em mais do que urn tra~o, dependendo esta liga~ao tra~o-comportamento de uma serie de factores contextuais. Desta forma, 0 comportamento que referimos poderia, por exemplo, ser codificado como «agitado». Urn dos factores que tern maior influencia nessa codifica~ao e a acessibilidade dos tra~os na memoria. 0 modelo prediz que «quando mais do que urn conceito e aplicavel para interpretar urn comportamento, os sujeitos irao usar 0 primeiro conceito que lhes vern ao espirito» (Srull e Wyer, 1989, p. 66). Alguns estudos (Bargh, 1984; Higgins eKing, 1981) tern revelado que urn conceito se toma mais acessivel imediatamente depois de ter sido utilizado, podendo esta acessibilidade ser ainda influenciada por factores de ordem motivacional (Wyer e Srull, 1986). Por outro lado, 0 mesmo tra~o pode ser usado para codificar vanos comportamentos. Neste

caso, haveni uma liga~ao entre cada comporta~ mento e 0 tra~o em questao (ver Figura 2-a). Por exemplo, 0 comportamento (e 2) «fala facilmente em publico» poderia ser igualmente codificado com 0 tra~o «extrovertido». Alem disso, se a mesma pessoa manifestar comportamentos muito diversos, estes podem ser codificados em tennos de tra~os diferentes, isto e, constituir-se-ao vanos agrupamentos comportamento-tra~o. Imaginemos que a pessoa ficticia de quem temos estado a falar revela tambem 0 comportamento (Ll) «resolve rapidamente urn puzzle». Este comportamento pode ser codificado em termos do tra~o «inteligente», 0 qual pode ser igualmente utilizado para codificar os comportamentos (i 2) «argumenta com rigor» e (i]) «faz anaIises objectivas». Deste modo, 0 comportamento de uma pessoa pode ficar descritivamente representado num espa~o da memoria a longo prazo, integrado num ou em vanos agrupamentos tra~o­ -comportamento (ver Figura 2-a), os quais seriam armazenados na memoria independentemente uns dos outros. Alem dis so, quando os sujeitos tern como objectivo formar uma impressao acerca de outra pessoa, os comportamentos desta serao tambem interpretados em termos avaliativos. Isto e, conforme os comportamentos que descrevem uma pessoa estejam associ ados a caracteristicas (tra~os) favoraveis ou desfavoniveis, assim se ira construir urn conceito geral positivo ou negativo dessa pessoa. Retomando os exemplos comportamentais que acabamos de referir, e as respectivas codifica~oes em termos de tra~os, poderemos conceber que 0 conceito geral da pessoa em causa seria de caracter positivo - supondo que os atributos «extrovertido» e «inteligente» receberiam uma avalia~ao positiva (ver Figura 2-b).

4 Embora 0 seu modelo anterior de mem6ria (Anderson e Bower. 1973) estivesse pr6ximo de uma perspectiva as sociacionista. Anderson (1983) pas sou a assumir uma posi~ao de maior convergencia entre associacionismo e construtivismo. considerando que, para explicar a mem6ria humana, sao necessarios os dois process os (cf. Landman e Manis. 1983).

FIGURA

II

Codifica~ao e organiza~ao da informa~ao a)

b)

Agrupamentos comportamento-tracso FormaCSao do conceito avaliativo (adaptado de Srull e Wyer, 1989)

a)

Comportamento i 1 (<
Comportamento e 1 (<
Extrovertido

Comportamento i 2 ( «argumenta com rigOT») Comportamento i 3 ( «faz analises objectivas»)

Comportamento e 2 (<
el----P+ ----i3

e2

o conceito avaliativo geral, uma vez formado, fica por sua vez localizado na memoria a longo praza num «espa~o proprio» respeitante a pessoa a quem se refere e vai determinar a interpreta~ao de quaisquer comportamentos dessa pessoa. Esses comportamentos podem revelar-se consistentes, neutros ou inconsistentes com 0 conceito avaliativo. No caso de se mostrarem consistentes sao «facilmente codificados em termos das suas caracteristicas e tornam-se mais fortemente associados com 0 conceito do que os outros» (Srull e Wyer, 1989, p. 69) .

i1

i2

Este modelo supoe, por conseguinte, que, relativamente ao comportamento duma pessoa, ba duas representa~Oes distintas armazenadas na memoria a longo prazo: uma representa~iio descritiva e uma representa~iio avaliativa. Se, depois de terem construido e armazenado estas representa~oes, se pedir aos sujeitos que realizem processos de inferencia, como, por exemplo, fazerem juizos sobre a «honestidade» da pessoa ou tomarem uma decisao sobre se aceitariam essa pessoa na sua equipa de trabalho, estes irao desencadear urn processo de recupera~ao da informa~ao 5. Para conseguirem recupe-

~ Relativamente a recupera~1io da informa~ao, foram propostos dois modelos gerais altemativ~s . Urn dos. modelos assume que ha uma busca sequencial, isto e, ap6s a activa~ao de urn n6dulo progride-se .para ~utro n~dul~, e aSSlm sucessivamente (d. Hastie, 1980).0 outro modelo assume que h8 uma busca paralela, ou ~eJa, apos a actl:acsao de urn n6dulo desencadeia-se uma busca simultanea atraves de todos os caminhos que a ele estao hgados (cf. Collins e Loftus, 1975). Srull e Wyer (1989) seguem aqui

0

modelo sequencia!.



106

rar a informa~ao, os sUJeltos vao procurar urn

trar;o geral ou urn conceito avaliativo respeitante

a pessoa que seja adequado it questao concreta que Ihes e colocada (jufzo, decisao, etc.). No caso de encontrarem urn conceito relevante para, por exemplo, ernitirem um jufzo sobre a pessoa, utiIizarao as implica~oes desse conceito «sem reverern os comportamentos nos quais se baseia» (Srull e Wyer, 1989, p. 59), ou seja, nao terao necessidade de recordar os cornportamentos concretos da pessoa que um dia foram codificados. Tanto na fase de codifica~ao como na fase de recupera~ao, podern surgir situa~oes especfficas mais complexas do que aquelas que acabam de ser referidas, como e 0 caso, muito frequente, em que os cornportamentos e os tra~os das pessoas revelam algum tipo de inconsistencia descritiva ou avaliativa. 0 modelo procura dar conta dessas situa~oes, predizendo os processos cognitivos especificos que entao serao desencadeados. o modelo preve ainda os processos envolvidos na recupera~ao da informa~ao armazenada, sendo esses processos distintos conforme se trate de recordar representac;oes ou de fazer inferencias. Em sfntese, 0 modelo proposto por Srull e Wyer (1989) baseia-se na concepc;ao da memoria enquanto rede associativa na qual ficam representadas as caracterfsticas das pessoas. o modelo procura explicar os process os cognitivos que se desenvolvem nas fases de codificac;ao, armazenamento e recuperac;ao da informac;ao social. Relativamente ao comportamento de uma pessoa-alvo, 0 modelo supoe que ficam armazenadas na memoria a longo prazo duas representac;oes distintas: uma de cankter descritivo e outra de cankter avaliativo. Brewer (1988) propos urn modelo dual de forma~ao de impress6es de acordo com 0 qual a impressao sera resultado de urn processamento da informac;ao baseado quer em categorias (top-down ou theory-driven) quer em representac;oes de pessoas (bottom-up ou data-driven). 0 modelo

pressupoe que 0 processo se pode desenrolar ern quatro etapas: identificac;ao inicial, categoriza~a . 'fi 0 / tiPl lca~ao, personaliza~ao e individualiza~ao As etapas realizam-se sequencialmente e ne~ sempre tern de ocorrer todas, ou seja, 0 processo termina quando, em qualquer das etapas, a impressao ficou criada. Segundo Brewer (1988), «0 modelo assume que a mera apresentac;ao de uma pessoa-estfmulo activa certos processos de cIassifica~ao que ocorrem automaticamente e sem inten~ao consciente» (p. 5). Nesta etapa de identificar;iio produz-se uma prime ira categoriza_ c;ao em fun~ao de dimens6es bern estabelecidas nas estruturas cognitivas dos percepciona_ dores, como, por exemplo, sexo, idade, ra~a, etc., ficando a pessoa-estfmulo cIassificada em tais categorias. 0 processo pode terminar aqui, criando-se uma impressao com base nessas categorias estereotipicas, ou, em determinadas condic;oes, 0 sujeito pode ser levado a efectuar um tratamento mais controlado, isto e, menos automatico, da informa~ao. Neste caso, 0 sujeito tern de fazer uma escolha crftica entre dois modos de processamento altemativos: passa ao modo categorial ou ao modo pessoal. 0 criterio que orienta essa escolha e de ordem motivacional: se a pessoa-alvo nao for muito relevante para 0 percepcionador, a informac;ao sera processada atrayes da categoriza~'iio ou tipificar;iio. que consiste em procurar deliberadamente uma categoria apropriada para a pessoa-estfmulo. Mas, no caso de a adequac;ao da categoria apessoa-estfmulo ser insuficiente, passa-se it etapa de individualizar;iio. que consiste numa diferenciac;ao intracategorial, criando-se sUbtipos ou subcategorias que se mostrem apropriadas ao estfmulo. Contudo, logo a seguir a primeira etapa, se 0 sujeito se «sentir muito relacionado ou interdependente, isto e, auto-envolvido, com a pessoa-estfmulo» (Brewer, 1988, p. 9), 0 processamento sera baseado na pessoa, efectuando-se enta~ a partir dos dados (bottom-up) a etapa de personalizar;iio.

m sintes e , 0 modelo. de. Brewer (1988) E a l'ntervenc;ao de dots tIpos de processaume aSs da informa~ao social: processamento .... ento . ." .(t·co nao consclente, na etapa d'd e 1 entI'fi\tom" \ , aU. e processamento mais controlado nas cavao't s etapas. 0 seu aspecto dual reside no res tan e de assumir urn processamento baseado nas facto , d erfsticas do estImulo, na etapa e perso. carac t · ~ao e urn processamento categonal, nas T aI ' n ]za • d '1' tes 0 modelo pressup6e am a que a uti \. res tan . ·0 de urn ou outro destes tlpos de processag~ d . menta esta basicamente depe~dente as motIoes e objectivos do percepclOnador. va~iske e colaboradores (e. g., Fiske e Neuberg, 1989; Fiske e Pave1chak, 1986) tern vindo a propor urn modelo de forma~ao. de impr~ssoes, ligeiramente diferente do antenor, que mtegra nao so as perspectivas holfsticas e as Iineares, mas tambem as teorias sobre esquemas desenvolvidas no contexto da cogni~ao social. Este modelo supoe urn processo continuo que vai da cria~ao de impressoes a partir de teorias e conceitos preexistentes (theory-driven), a processos de combinac;ao linear, pe~a a pec;a, dos atributos da pessoa-alvo (data-driven). A passagem do extremo holfstico ao extrema elementar, no processamento da informac;ao, realiza-se de urn modo continuo tanto em fun~ao das caracterfsticas do estfmulo como das condi~6es motivacionais do percepcionador (cf. Figura 3). o modelo sup6e a existencia de cinco etapas entre os dois extremos. Em face da pessoa-estfmulo, verifica-se uma categorizar;iio inicial. que ocorre automaticamente. Esta categorizac;ao inicial baseia-se em indfcios ffsicos e caracterfsticos obvios, ou em qualquer outra informac;ao imediatamente disponfvel que permita activar quaisquer estere6tipos ou preconceitos. Se a pessoa-estfmulo nao tiver urn interesse minima ou for irrelevante para 0 percepcionador, a forma~ao da impressao pode terminar aqui, sem necessidade de processar mais informa~ao.

107

Contudo, se a pessoa-alvo for real mente interessante ou relevante, passa-se a dar atenr;iio a informa~ao disponfvel sobre os seus atributos, de modo a confirmar a categorizar;iio inicial. A confirmac;ao verificar-se-a no caso de essa informa~ao se revelar consistente com a categoria inicial, ou nao tiver caracter diagnosticante. Se isso nao acontecer, passa-se, enta~, a quarta etapa do contfnuo, de modo a efectuar uma recategorizarriio. Esta etapa ocorre quando a pessoa-alvo e categorizavel, mas nao em termos da categoria inicial que foi automaticamente utilizada. Toma-se enta~ necessario aceder a urna subcategoria, ou a urn exemplar, ou a uma nova categoria que se mostre mais adequada as caracterfsticas da pessoa-estfmulo. Os autores (e. g., Fiske e Neuberg, 1989) fazem notar que 0 processo de recategorizac;ao nao se baseia excIusivamente no processamento categorial, nem esta totalmente dependente da categoria inicial: a nova categoria e, em larga medida, determinada pelos atributos particulares da pessoa-alvo. Se estas etapas nao tiverem sido bern sucedidas, no sentido de permitirem categorizar adequadamente a pessoa-alvo, e se «0 percepcionador tiver tempo suficiente, recursos e motivac;ao para compreender aquela pessoa particular, entao ele deve integrar a informa~ao disponfvel segundo urn modo pec;a a pec;a, atributo por atributo» (Fiske e Neuberg, 1989, p. 8). Ou seja, a quinta etapa, a integrar;iio perra a perra, exprime 0 extremo elementar do contfnuo, no qual 0 percepcionador teni de integrar a informa~ao de acordo com alguma das regras discutidas nos modelos lineares atras apresentados. Em sfntese, este modelo assume que as pessoas utilizam varias estrategias cognitivas para formarem impressoes, sendo possivel localiza-las num continuo de processamento «categorial/pe~a a pe~a». A ocorrencia das vcirias etapas nesse continuo esta essencialmente dependente da adequac;ao entre as categorias utilizadas pelo

108 109

FiGURA

ill

. _ Modelo continuo de forma~ao de impressoes (simpIificado): da unpressao baseada em categorias (etapa I) it impressao baseada em atributos (etapa II) (Adapta~ao de Riley e Fiske, 1991)

Encontro da pessoa-alvo

-

, Etapa I - Categoriza~ao inicial

,

Etapa II - Alcn~ao

,

...

Sim

Etapa III - Catcgoriza~ao confirmatoria

,

--

Nao

Sim

Etapa IV - Rccatcgorizac;ao

,

Nao

Etapa V - Intcgrac;ao pe~a a pc~a

, Impressiio bascada

Impressiio baseada

em catcgorias

em atributos

A pessoa tern urn interesse minimo ou c rclcvante

~I

\

I

cionador e as caracteristicas do estimulo, percep .. oti va\=ao do sUJelto para processar a ~a~ ;::'a\=iio, dos seus recursos cognitivos e da tOlO . d . d interdependenclU 0 percepcl~na or com a oa-alvo. 0 modelo assume amda que 0 propess d . . . cessamento basea 0 em ca~egonas tern pnor~d de sobre 0 baseado em atnbutos, sendo 0 mals fa quentemente utilizado. reComo ja se referiu acima, nas abordagens da ogni\=ao social tern sido discutidos dois mode~os gerais altemativos (sequencial ou paralelo), nomeadamente no que se refere ao processo de recupera\=ao da infonna\=ao na mem6ria. No que diz respeito a fonnac;ao de impressoes, a maioria dos modelos propostos, como acontece com os que acabamos de apresentar, assumem explicitamente que se efectua urn processamento sequencial da infonnac;ao. Contudo, mais recentemente, Kunda e Thagard (1996) propuseram urn modelo que pressupoe 0 processamento paralelo e simuWineo da informac;ao quando se percepciona uma pessoa . Este modelo nao s6 parte de pressupostos diferentes para explicar a formaqao de impress6es, como procura dar conta dos fen6menos descritos pelos modelos sequenciais. Antes de se descrever brevemente 0 modelo, vejamos os seus principais pressupostos relativos ao processamento paralelo da informaqao. o modelo assume que os estere6tipos, os tra~os e os comportamentos podem ser representados como n6dulos interconectados numa rede de activaqao geral e que a extensao da activac;ao entre n6dulos e constrangida por associac;oes quer positivas quer negativas. Utilizando a exemplificaqao dos pr6prios autores, a Figura 4 apresenta a il ustrac;ao de urn posslvel segmento da rede de conhecimento que se activa quando se observa uma pessoa de raqa negra ou branca a elllpurrar alguem. Nessa figura, os rectangulos exprimem os n6dulos que «representam 0 comPOrtamento (empurrar alguem) , algumas da suas

posslvels interpretaqoes (empurriio violento e roque jovial), e as categorias estereotlpicas (Negro e Branco)>> (p. 286). Por sua vez. ao nlvel das inter-relac;oes, as linhas mais grossas traduzem conexi5es excitatorias, no sentido em que uma categoria levara a outra, enquanto as linhas a tracejado indicam conexi5es inibitorias, isto e, se se escolhe uma interpretac;ao, por exemplo, toque jovial, exclui-se outra interpretaqao, por exemplo, agressivo. Os sinais «mais» e «menos» indicam a forqa da conexao. Assim, de acordo com os autores, naquele exemplo, «agressivo tern uma Iiga\=ao excitat6ria positiva com empurriio violenro e uma conexao negativa, inibit6ria, com toque jovial. Por conseguinte, quando agressivo e activado, ira activar empurriio violento e desactivar toque jovial. Toque jovial ira ainda ser desactivado porque tern uma ligaqao negativa com empurriio violento, de tal modo que quanto mais se activar empurriio violento, mais se desactivani toque jovial» (idem). Continuando a recorrer a Figura 4, note-se que 0 modelo assume que a infonnaqao directamente observada se distingue do conhecimento inferido e condiciona a impressao que se fonna acerca da pessoa. Assim, naquele exemplo, ha dois elementos infonnativos directamente observados: urn relativo ao comportamento (empurrar alguem) e 0 outro relativo a cor da pele, categorizado num estere6tipo (Negro ou Branco). Os restantes elementos da figura, assim como outras posslveis interpretaqoes daqueles elementos, nao sao directamente observados mas sim inferidos de acordo com as associaqoes definidas na estrutura cognitiva preexistente (teorias implfcitas, estere6tipos, prot6tipos) do percepcionador. Resumindo, este modelo «assume que a formaqao da impressao ocorre holisticamente atraves da satisfac;ao de constrangimentos paralelos realizada por uma activaqao geral. Por outras palavras, as associaqoes da infonnaqao



110

III

FIGURA

IV

Exemplifica~ao de processamento paraIelo da inf'orma~ao

na

forma~ao

de impressoes

(Adaptado de Kunda e Thagard, 1996)

(comportamento)

observada siio activadas e desactivadas simultaneamente e condicionam conjuntamente a impressiio que se cria da pessoa alvo» (Kunda e Thagard, 1996. p. 2R6). Por conseguinte, este modelo niio considera percursos sequenciais no tratamento da informa<;iio. De acordo com este modelo, 0 significado dos constructos sociais nao esta definido na rede de conhecimento mas emerge con forme a sua locali7a~iio nessa rede . Assim , elllpurrar a/guelll niio tem um significado preciso em si proprio. Esse significado re~ultara do subconjunto das suas associac;oe~ que for activado num determinado momento . Em ultima analise, «todos os nodulos na rede estao con ectad os com todos os outros, eo significado total de um dado constructo apenas poden! obter-se atraves do conhecimento total de toda a rcde. a qual, contudo. nunca e toda activada» (idem). Em cada momento apenas se activa um pequeno subconjunto das associa<;oes po~sfveis de um constructo e a natureza des se subconjunto depende

(aparancia fisica lester.otipo)

factores situacionais e contextuais , 0 que implica que 0 significado de qualquer informa<;iio observada varian! em fun<;ao daqueles faetore s. De facto, a literatura sobre a percep<;iio de pessoas tem ilustrado um eonjunto de faetores conlextuais que influenciam a interpreta<;iio que os sujeitos fazem dos mesmos comportamentos ou tra<;os. Por exemplo , a interpreta<;ao dos tra<;os podia variar em fun<;ao de outras caracterfslicas da pessoa, como liC viu na'\ experiencias de Asch ( 1946), a interpreta~ao da expres~ao facial pode variar con forme a situarrao (Trope. 19R6) e a intcrprcta~iio dos estcre6tipo~ aplicados a uma pcssoa pode variar em fun<;iio dos seu~ tra<;os pessoais. assim como em fun<;5,o de outra~ categorias u que simultaneamente a pessoa pertence (e.g. Deaux c Lewi!l. 19R4; Kunda ef a/ .. 199O) Assim, contrariamente ao que vimos n o~ modelos sequenciai!l. ljue pressupoem 0 predomfnio dos e s tcre6tipo~, neste modelo nao ~e atribui nenhum papcl especial aos estereotipos na forma<;iio de impressoes, sendo considcrados

o nlvel dos tra<;os e dos comportamenmes m De acordo com Kunda e Thagard (1986) «a lOS . ~ cia dos estereotipos sobre a forma<;ao de illf1 uen -es tal como a de mUltas .outras .In f'01'. presSO , . 1m _ s depende dos seus padroes de assocI amayoe , _ m outras caracterfsticas» (p. 286). r.ao co . ,. ~lendo em conta os pressupostos do funclOna. ment0 cognitivo acima resumidos, veJamos - 0 modo como este modelo descreve a forell iao maya-0 de impressoes . . De acordo com aqueles press upo stos ' consldera-se que «para cada . caracterlstica observa~a numa pessoa, se cna rna Iiga yao entre a u/lldade que representa essa u acterfstica e uma unidade especial «observacar . " da» que esta sempre activa. Deste modo , a InlOradio observada distingue-se do conhecimento J1l ,. . inferido e fica garantido que recebe uma actJvalfao forte » (idem, p. 287) . Dado este estatuto especial da informa<;ao observada, considera-se que a rede cogniti va funciona atraves de varios ciclos repetidos de ajustamento da activa<;ao, e que em cada cicio «a activa<;ao de todas as un idades se ajusta em paralelo. sendo a activayao de cada unidade actualizada na base da activa<;ao das unidades com as quais esta coneetada. atraves de liga<;oes excitatorias e inibit6ria~. A actualiza<;ao repete-se ate que todas as unidades tenham atingido nfve is de activa<;ao estavel», quer dizer, ate que as mudan<;as dos seus nfveis de activa<;ao entre um e outro cicIo sejam mfnimas. Assim, «a impressao geral formada acerea da pessoa consiste na combina~ao do conjunto de caracterfsticas que se cre que caracterizam a pessoa» (ibidem ). De acordo com Kunda e Thagard (1996, p. 287). 0 processo de forma<;ao de impressoes realizar-se-a . entao, do seguinte modo: I. A informa<;ao observada e activada. Natural mente , nem toda a informa<;iio disponfvel sobre a pessoa-alvo e observada e activada. Assume-se , a exemplo dos modelos sequenciai s , que ha varios factores, aO

2.

3.

4.

5.

descritos na literatura empfrica (e.g., Fiske e Neuberg, 1990), que influenciam quais os elementos infonnativos que sao activados, como a saliencia contextual do estereotipo , a activa<;iio previa de constructos e os objectivos do percepcionador. A activa<;ao expande-se das observa<;oes activadas para urn numero fixo das suas associa<;oes imediatas, sendo que as liga<;oes excitat6rias ou inibit6rias, e a respectiva intensidade, provem da base de conhecimento preexistente. Assim, assume-se que nem 0 estere6tipo nem a inforrna<;ao individualizante. uma vez aetivados, tern urn estatuto especial, pois sera 0 conhecimento previo que determinara a for<;a e a direc<;ao das conexoes, embora os autores eonsiderem que os eomportamentos estao muitas vezes mais fortemente associados com os tra~os do que 0 estao os estere6tipos. A informa<;ao e integrada atraves da actualiza<;ao repetida de todos os nodulos ate que a rede estabilize . Inferencias adicionais poderao ser feitas, se for nece sario. Uma vez que 0 processo descrito traduz somente a procura relativamente automatica do significado da informa<;ao observada, e posslveJ que, em certas condi<;oes, 0 percepcionador efectue processos inferenciais mais controlados como, por exemplo, quando nao con segue chegar a uma impressao coerente, quando a informa<;ao e muito surpreendente. ou quando esta motivado para analisar mais detalhadamente a pessoa-alvo. Tambem aqui 0 processamento da informa<;ao seni realizado em paralelo. Os resultados dessas inferencias sao integrados no conhecimento previamente activado, tambem atraves do processamento em paralelo, para chegar a uma impressao final da pessoa. Segundo os autores, 0



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grau em que nessa impressao se assume que a pessoa possui cada caracterlstica depende do nivel de activa~iio ultimo de cada caracteristica. Como decorre da descri~ao anterior, este modelo focaliza-se, principalmente, nos chamados processos automaticos de tratamento da informa~ao. isto e, processos que se realizam sem interven~ao consciente ou intencional, requerendo. por isso. pouco esfor~o cognitivo ao percepcionador (ver os capitulos de Sousa e de Marques e Paez). Contudo, os autores consideram tambem a possibilidade de realiza~ao de processos controlados. isto e, que requerem esfor~o especifico e interven~ao consciente e intencional do percepcionador, em fun~ao de determinadas condi~oes, como sejam a natureza do julgamento a realizar, a natureza da informa~ao a lratar e a motiva~ao do percepcionador. Assim, quando 0 julgamento a realizar requer explicitamenle que se fa~am certas inferencias. como. por exemplo. determinar a culpa ou inocencia de urn arguido. ou quando a informa~ao recebida e muito surpreendente, ou contraria as expectativas. como. por exemplo. uma pessoa ter urn comportamento oposto ao do estereotipo de urn dos seus grupos de perten\a, os processos automaticos serao complementados por processos mais controlados. 0 mesmo sucedera quando 0 percepcionador estiver motivado para analisar e interpretar mais detalhadamente 0 comportamento de uma pessoa.

Processamento de informalt30 sequencial versus processamento paralelo Embora os modelos que acabamos de resumir sejam relativamente diferentes. apresentam

como principal caracterfstica comum que Os identifica como modelos produzidos no Con_ texto da cogni\ao social 0 facto de todos eles serem modelos dinamicos que procuram expli_ car mais 0 processo de forma~ao de impressoes do que descrever os resultados das impressoes como acontecia com os modelos c1assicos' Qualquer dos modelos assume que, geralmente' a forma\ao de impressoes se desencadei~ atraves de processamento automatico da infor_ ma~ao e postula a interven\ao de processamento controlado em certas condi~oes. Todos eles consideram que 0 processamento da informa~ao sera influenciado por factores contextuais como a motiva~ao e objectivos do percepcionador, a natureza da informalj:ao sobre a pessoa-alvo e a natureza do julgamento a efectuar. Contudo. existem diferen\as entre os modelos base ados no processamento de informa~ao sequencial e paralelo. Assim, os modelos baseados no processamento sequencial (e.g., Brewer, 1988; e Fiske e Neuberg, 1990) pressupoem a existencia de fases ou etapas multiplas. embora nao coincidentes. Alem disso, estes modelos supoem que a formalj:ao de impressoes se inicia com urn processamento de informa~ao categorial (theory-dril'en) , geralmente a partir da activa\ao de urn estereotipo social, fazendo-se posteriormente, noutra fase, a integra\ao da informa\ao individualizante, como, por exemplo. 0 comportamento especffico da pessoa-alvo. Por sua vez, 0 modelo base ado no processamenlo paralelo nao considera a existencia de fases discretas nem atribui qualquer estatuto especial a informa~ao estereotfpica, considerando os estereotipos 6. os tra\os e os comportamentos ao mesmo nivel, no sentido em que.

(, A literatura sobre afn/"llwrc/o cle illlprc.\·s(ie.\· constitui apenas um t6pico da tematica mais ahrangente da percep~ao dep~ssoas e grupo~. na qual ocupam um papel relevante as pesquisas sohre cSlerecilipos que aqui sao apenas brevemente refendas. Para uma revisiio global da Iiteratura sobre csterc6tipos veja-se. nestc volume, 0 capitulo de Marques e Paez.

ndo observados ao mesmo tempo. serao actiquados paralelamente tam b'em ao mesmo tempo. va do maior influencia 0 tipo de informa~ao que, ten . . . _ a situa~ao concreta, actlvar mms assocla~oes no ~ecorrer de urn ou mais cic10s inferenciais.

2.4. Confrontando as abordagens Apes ar de 0 modelo configuracional e 0 mo delo da integralj:ao da informa~ao serem geralm ente considerados como antagonicos, interess a precisar. por urn lado, em que medida slio divergentes e. por outro. ate que ponto sao conciJiciveis. Como se referiu na introdu~ao. uma divergencia de base manifesta-se logo ao nfvel dos pressupostos relativos aos processos cognitivos: 0 primeiro considera que 0 processamento de informa~ao e guiado conceptual mente , enquanto 0 modelo da integra~ao da informa~ao assume que esse processamento e guiado pelos dados. Esta divergencia levou a que os dois modelos fossem vistos como aiternativos, em bora nenhum tenha sido capaz de confirmar a sua superioridade relativamente ao outro. dado que os fenomenos produzidos pelo modelo configuracional sao explicaveis a partir do modelo linear e vice-versa. Relativamente a este aspecto, a divergencia nao parece hoje inconciliavel. Efectivamente. tern sido realizados imensos trabalhos experimentais que evidenciam a existencia dos dois modos de processamento de informa~ao . sendo a predominancia de urn ou de outro resultado de varios factores. entre os quais se salienta a maior ou menor estrutura~ao do proprio objecto estfmulo (e. g., Lindsay e Norman. 1977). E. pois. possivel conciliar os dois modelos como. alias, propoem as abordagens da me moria de pessoas. Segundo estas, as impressoes sao com mais frequencia guiadas conceptualmente, verifi-

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cando-se a combina<;ao linear sobretudo quando a pessoa-alvo e interessante ou pessoalmente relevante para 0 percepcionador e este nao consegue integrar os seus atributos numa categoriza~ao inicial. Os model os construfdos no contexto das abordagens da memoria de pessoas supoem uma conceplj:ao mista, embora ainda se discuta se existe urn predominio e uma antecedencia do processamento de informa~ao guiado conceptualmente (e.g., Fiske e Neuberg, 1990) ou se este se realiza em paralelo com 0 processamento guiado pelos dados (Kunda e Thagard, 1996). fazendo-se simultaneamente a integra~ao dos dois e obtendo-se 0 seu ajustamento atraves de urn ou mais ciclos paralelos de processamento. Outro aspecto impOltante a considerar diz respeito as proprias preocupa~oes e objectivos subjacentes aos varios modelos. Asch (1946), ao realizar as suas experiencias, estava fundamental mente interessado em compreender e analisar os processos cognitivos que se verificavam quando os sujeitos formavam uma impressao global e coerente da outra pessoa, procurando captar 0 desenvolvimento da impressao. os malizes a que estava sujeita em fun~ao da interac~ao dos estfmulos. A metodologia que utilizou. dada a sua simplicidade, nao Ihe permitiu. contudo, superar as analises intuitivas nem captar cabal mente a complex idade daqueles processos. Anderson (e. g .. 1974) tern como objectivo principal desenvolver modelos algebricos de integralj:ao da informa\ao relativos a variados dominios, surgindo 0 problema da forma~ao de impressoes apenas como mais urn campo de aplica~ao das regras algebricas. Dai que na maioria das experiencias se proponha analisar nao a natureza das impressoes, no sentido de uma concep~ao global da outra pessoa como 0 entendia Asch. mas apenas 0 aspecto avaliatil'o. numa unica escala, como se referiu aquando da

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metodologia utilizada. Estes dois modelos cI,bsicos tinham, assim, urn cankter essencialmente descritivo dos resultados da forma<;:ao de impressoes. Por sua vez, na abordagem da memoria de pessoas, a generalidade dos modelos esta fundamentalmente preocupada em explicar a dinamica da forma<;:ao de impressoes, procurando analisar os processos cognitivos que conduzem a uma concep<;:ao global da outra pessoa (Hamilton et al .. 1980). Libertos de algumas limita<;:oes da psicologia da Gestalt e fortemente apoiados na psicologia cognitiva, estes modelos estao hoje mais proximos de uma analise rigorosa da complexidade daqueles processos, revelando, ao mesmo tempo, capacidade para integrar alguns contributos dos modelos cJassicos. A ideia de processamento aUfonuitico e de processamento comrolado ocupa hoje urn lugar privilegiado na explica<;:ao dos processos de forma<;:ao de impressoes. Tambem a influencia do contexto e das condi<;:oes motivacionais do percepcionador sobre esses processos tern vindo a assumir urn papel importante na analise da forma<;:ao de impressoes.

3. Moti\"CI\'ao t' t''\actidao na forl1la~a() dt' imprt'~~ol'~ Como resulta das abordagens antcriormente apresentadas, formar impressoes requer uma actividade cognitiva intensa, que, por urn lado, esta natural mente sujeita aos condicionantes de toda a percep<;:ao social e, por outro, e influenciada por factores especfficos. Embora a sua amilise nao caiba no ambito deste capftulo , e importante recordar que, de urn modo geral, enquanto percep<;:ao social, a forma<;:ao de impressoes e genericamente influenciada por factores de ordem cognitiva , como, por exemplo, as teorias implfcitas, os estereoti-

pos , os constructos pessoais , os esquemas de s' proprio, as expectativas, as heurfsticas e o~ enviesamentos que Ihes estiio associados, fae_ tores de ordem afectiva, e factores demogra_ ficos, como a idade e os papeis sociais . Recorde-se, no entanto, que formar uma illlpressiio consiste em , a partir de pouca informa_ <;:ao, criar em direcfO (on-line) uma representa~ao cognitiva coerellfe de uma pessoa. Para se conseguir essa coerencia, e natural que 0 processamento de informa<;:ao esteja sujeito quer aos objectivos concretos do percepcionador, quer a alguns factores especfficos, classicamente estudados na forma<;:ao de impressoes, como e 0 caso dos efeitos de ordem, do efeito de halo e das distor<;:oes de positividade e de negatividade .

3.J . Estrategias na formafiio de impressoes Na vida social, e, natural mente, muito maior a quantidade de e~tfmulos que nao chega a ser processada por nos do que aquela com que nos ocupamos. E mesmo os estfmulos sociais que process amos nao atingem todos a mesma profundidade ou durabilidade, nao so devido as possfveis limita<;:oe~ dos nossos recursos cognitivos, mas tambem devido a no~ s a motiva<;:ao para 0 fazer. Ao nfvel da forma~ao de impressoes , a Iiteratura tern identificado dois grandes factores motivacionais para 0 processamcnto da informa<;:ao relacionados com os objectivos com que se forma a impressao . A~s im, enquanto Snyder (1992) diferencia «motiva<;:oes de conhecimento e de entendimento», Kunda (1990) fala em «motiva<;:ao ou nao para chegar a concJusoes desejaveis», Hilton e Darley (1991) distinguem «situa<;:oes de avaliw;iio e de ac<;:ao» e Kruglanski (1989) diferencia a «necessidade elevada ou baixa de conclusao». Diluindo as

lIS

com maior exactidao do que a outra: uma s terminologicas , permanecem duas estrategia de sujiciencia e outra de IIecessidade. I ias gerais que Leyens e Fiske (1997) or Em geral, utilizar-se-ia a estrategia suficiente, categ lam em objectivos de exactidiio e objecque privilegia a informa~ao conjirmatoria, no refo rmu . . direccio/1Qls. sentido de perscrutar os indfcios que reforcem a avos objectivos d ' d ao - serao - 'lmport an t es. e exactt primeira impressao. Por sua vez, a estrategia de as do em situa<;:oes - de d'lugnostlco " fi pro ISsobre tu . necessidade daria maior importancia a infor. 1 como e 0 caso em entrevlstas de selec~ao . . slon a , ma<;:ao injirmatoria, no sentido de se perscrutar oal em que mteressa urn Julgamento 0 depe ss " . indfcios que rejeitem a primeira impressao. Esta . preciso posslvel sobre 0 entrevlstado, na mals estrategia seria activada em situa~oes de perigo dida em que a impressao que se forma pode me 'd d ,. como, por exemplo, quando 0 erro na impressao ter efeitoS relevantes na VI a 0 propno perc~pformada tivesse consequencias gravosas para 0 ionador (0 entrevistador). Por sua vez, os obJecpercepcionador. c. s direccionais implicam que a impressao que n~ • . ldealmente, a pessoa poderia estar motivada o ercepcionador tern de formar estara subordlpara utilizar as duas estrategias em todas as n~a a outros objectivos mais importantes, situa<;:oes. Contudo, na vida social quotidiana, 0 como, por exemplo, evitar conflitos, dominar recurso as duas estrategias alem de ser muitas uma negocia<;:ao, dar urn impressao especffica vezes imltil teria urn custo muito elevado. Pragde si proprio, etc. Neste caso, mais do que a maticamente, a maioria das vezes, as pessoas hipotetica precisao epistemica da impressao, optam por uma dessas estrategias. com as suas isto e, a sua adequa<;:ao a pessoa-alvo, aquilo que vantagens e desvantagens, em fun~ao dos coninteressa e uma impressao pragmaticamente textos em que se encontram. ajustada aos objectivos principais do percepcionador na i nterac~ao social em que esta envolvido. Os dois tipos de fins podem ser con3.2. Problemas de exactidiio na forvergentes ou divergentes e, nessa medida, mafiio de impressoes orientarem as estrategias dos sujeitos na forma<;:ao de impressoes, nomeadamente, no que se Seja qual for a estrategia que se adopte, a forrefere a fazerem maior ou menor esfor~o para ma~ao de impressoes est a sujeita, como referiprocessar informa~ao individualizante ou para mos, a urn conjunto de factores dos quais destarealizar inferencias adicionais. camos os efeitos de ordem, 0 efeito de halo e 0 Frequentemente, os objectivos de exactidao efeito de positividade e negatividade. desencadeiam urn julgamento que corresponde mais adequadamente a pessoa-alvo, mas nem Efeitos de ordem sempre assim acontece, podendo os objectivos direccionais levar a julgamentos mais precisos Considerando que a impressao final sera (Snyder, 1992). Assim, 0 facto de se ter objecresultante da conjuga~ao dos varios atributos tivos de exactidao nao implica que a impressao apresentados, coloca-se imediatamente a quescriada seja mais valida do que no caso de se ter tao de saber em que medida a contribui<;:ao de objectivos direccionais. Neste sentido, Leyens e urn determinado atributo para essa impressao e Fiske (1997), baseando-se em Lewicka (1988), ou nao afectada pela ordem em que este e apresugerem que, em vez daquelas motiva~6es, se sentado. Ou seja, sera que a mesma informa~ao, considerem duas estrategias diferentes, nenhuma d'feren~a



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isto e. 0 mesmo conjunto de caracterfsticas. apresentada segundo ordens diferentes. pode produzir respostas diferentes? Urn dos resultados mais interessantes das experiencias de Asch (1946) diz exactamente respeito a intluencia que os primeiros adjectivos da lista tern na forma~ao da impressao global. Numa das suas experiencias. Asch (1946) utilizou duas listas (A e B) constitufdas pelos mesmos adjectivos. mas com a ordem por que apareciam invertida: Lista A: inteligente - industrioso - impulsivo - crftico - teimoso - invejoso; Lista B: invejoso - teimoso - crftico - impulsivo - industrioso - inteligente. A inversao da sequencia de qualidades dava origem a que na lista A se progredisse de caracterfsticas muito positivas para outras negativas. enquanto na lista B se come~ava por caracterfsticas negativas e se terminava com positivas. Se se assumir que as impressoes resultam da soma dos efeitos de caracterfsticas separadas. a impressao provocada por cada uma das listas nao deve mudar (Asch. 1946). Ora. contrariamente a esta hip6tese. os resultados revelaram uma grande diferen~a nas impressoes formadas a partir da lista A e da lista B. De facto. a lista A produziu uma impressao mais positiva da pessoa descrita do que a lista B e isso verificou-se tanto nas descri~oes livres feitas pelos sujeitos como nas inferencias realizadas na lista de pares opostos. Segundo Asch (1946). estes resultados «sugerem que os primeiros term os criam na maioria dos sujeitos uma direc~ao que vai exercer urn efeito continuo nos ultimos termos. Quando 0 sujeito ouve 0 primeiro termo. surge uma impressao global. nao cristalizada, mas dirigida» (pp. 271-272). As caracterfsticas seguintes. ao surgirem, relacionam-se com a

direclfao ja estabelecida e tendem a adaptar-se_ -Ihe: eo efeito de precedencia. De acordo com Asch (1946). este factor de precedencia nao se refere tanto a «posi~ao temporal do item mas sim a relalfao funcional do seu conteudo com 0 conteudo dos itens seguintes (p.272). Desde Asch. 0 efeito de precedencia tern sido obtido em inumeras experiencias. Num estudo cl
da~

aulas. Jim saiu sozinho da escola. Ao sair seu longo caminho para casa . A rua brilhava ao sol. Jim desceu a rua pelo lado da sombra. Viu descer a rua. na sua direc~ao. uma bonita mo~a que conhecera na noite anterior. Jim atravessou a rua e entrou numa pastelaria. Esta estava eheia de estudantes. e viu alguns seus conhecidos. Esperou silenciosamente que 0 empregado 0 atendesse fazendo entao 0 seu pedido. Sentou-se numa mesa lateral para beber um refresco. Depois foi para casa . come~ou 0

Descrierao E: Jim saiu de casa para comprar uns papeis . Foi pela rua ensolarada com dois amigos. aquecendo-se ao sol enquanto caminhava. Entrou na papelaria. que estava cheia de gente . Conversou com urn conhecido. enquanto esperava que 0 empregado 0 atendesse. Ao sair. parou para falar com um amigo da escola que acabava de chegar a loja. Ao deixar esta. dirigiu-se para a escola e encontrou a mo~a a quem fora apresentado na noite anterior. Conversaram urn pouco c. dcpois. Jim foi para a escola.

Constitufram-se quatro grupos de sUJeltos: urn grupo (E) recebia apenas a descri~ao de Jim como «extrovertido». outro grupo (I) recebia a descrierao «introvertido»; os outros dois grupos recebiam as duas descrieroes. mas num deles

Jim era primeiro apresentado como extro. . 'd vert ido e depOiS co~o mtrov.ertl 0 e. ~o outro m prirneiro como mtrovertldo e depOis como (I tr~vertidO. Os sujeitos deviam redigir num eX rag . b J' f d rafo a sua Impressao so re 1m. azen 0 parnbem algumas predi~oes sobre 0 comportata ento deste em vanas , .. 0 s resu Itad os sltuaeroes. :rnprovaram que 0 primeiro conjunto de infor~aerao teve mais intluencia do que 0 segundo na forrna~ao da impressao. Assim, por exemplo, 0 Jim era urn indivfduo grupo EI considerou .que , sociavei, expanslvo e amlstoso, enquanto 0 grupO IE 0 considerou solitario, tfmido e nada arnistos o . A explicaerao do efeito de precedencia tern sido alvo de controversia. Basicamente, a discussiio tem-se centrado em torno de tres hip6teses explicativas (Anderson, 1974): a mudanra de significado. a desvalorizariio da inconsistencia e a diminlliriio da atenriio. A hip6tese da l1ludanra de significado. como referimos atras, foi proposta por Asch (1946) e supoe que os adjectivos mudam de sentido conforme 0 contexto em que estao integrados. o efeito de precedencia resultaria do facto de os primeiros termos criarem uma «impressao dirigida», que iria intluenciar a conotarrao atribufda aDs adjectivos seguintes. de modo a constituir-se uma impressao unificada. Esta hip6tese apresenta-se. pois. como uma explica~ao interactiva. baseando-se na suposi~iio de que as relaeroes entre os traeros estabelecern configuraeroes que determinam as respectivas conotaeroes. Cada adjectivo tern urn leque de significados e, conforme a interaclfiio com os outros adjectivos. havera uma mudan~a de urn par<\ outro dos seus posslveis significados. assim como no valor que se Ihe atribui. Esta explicaerao tern recebido confirmaerao experimental em varias pesquisas (Hamilton e Zanna. 1974; Wyer. 1974; Zanna e Hamilton. 1977). Por exemplo. numa experiencia condu(6])

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zida por Zanna e Hamilton (1977) 0 tra~o «ousado» era associado a «corajoso» OU a «imprudente» consoante tivesse aparecido integrado numa descrierao que inclufa outros traeros avaliados como fortemente positivos ou como fortemente negativos. 19ualmente interactiva e a explicalfao do efeito de precedencia atraves da hip6tese da desvalori:ariio da inconsistencia. Esta explicaerao sup6e que os ultimos adjectivos da lista sofrem uma mudanera nao no seu significado nem no seu valor, mas no padimetro peso. por se revelarem inconsistentes com os primeiros (Anderson. 1981). A importancia ou peso dos ultimos adjectivos diminuiria porque. ao serem percepcionados como inconsistentes, seriam integrados na impressao ja criada pelos primeiros. Por exemplo. na sequencia «honesto, simpatico. educado. intolerante. egofsta. vulgan) , 0 adjectivo «intolerante». inconsistente com os anteriores. seria integrado numa impressao resultante da agregaerao dos tres primeiros adjectivos. acontecendo 0 mesmo com os seguintes. Em alternativa as explicaeroes interactivas. alguns autores (Anderson. 1965, 1981: Anderson e Barrios. 1961) tern argumentado que 0 efeito de precedencia resulta sobretudo da diminui~ao do peso dos ultimos adjectivos. Esta diminui~ao nao seria provocada pela inconsistencia nem por quaisquer outras relaeroes entre os traeros: resultaria duma progressiva diminuiriio da atellfiio (Anderson, 1981). A partir dos resultados de varias experiencias, Anderson (1968. 1974) sustenta que a «diminui~ao da aten~ao dada aos ultimos adjectivos faz com que estes tenham pesos mais baixos na sequencia, e isso produz urn efeito de precedencia» (1974, p. 71). Os adjectivos conservariam os seus significados pr6prios, simplesmente nao Ihes seria dada importancia e, por conseguinte. 0 efeito de precedencia apareceria



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em qualquer tipo de sequencia independentemente da maior ou menor inconsistencia entre os adjectivos. Nesta hipotese, ficam, por sua vez, por esclarecer as razoes da diminuicrao da atencrao. Anderson (1974, 1981) sugere que isso pode dever-se ao facto de a impressao se cristalizar logo com os primeiros adjectivos, levando assim a que a informacrao seguinte seja negligenciada (Anderson, 1974). Esta explicacrao e, por sua vez, consistente com a hipotese dos dois sistemas de memoria sugerida por Anderson e Hubert (1963): um para a propria impressao e outro para as palavras. Assim, a medida que os tracros sao conhecidos, 0 seu conteudo e integrado na impressao, que fica memorizada, e as palavras sao armazenadas noutro local da memoria. Esta explicacrao esta muito proxima do modelo propos to por Srull e Wyer (1989), como vimos acima. A pesquisa experimental tem revelado a existencia geral de um efeito de precedencia. Contudo, este efeito nem sempre se veritica, dando lugar, em certas condicroes, a um efeito de recencia. Algumas dessas condicroes tem sido estudadas experimental mente. Por exemplo, se os primeiros comportamentos de que 0 sujeito tem conhecimento forem avaliativamente neutros, ou se tiverem implieacroes ambfguas, nao terao influencia decisiva na formacrao do conceito avaliativo. Alem disso, se no momenta em que conhecem a informacrao os sujeitos nao tiverem como objectivo formar uma impressao, e esta Ihes for pedida a seguir, a avalia~ao pode, em certos casos, basear-se nos ultimos comportamentos, verificando-se assim um efeito de recencia. Por exemplo, numa experiencia realizada por Lichtenstein e Srull (1987), procurou-se estudar em que medida diferentes objectivos de processamento de informacrao influenciam a recordacrao e a formacrao de impressOes. Utilizaram como estfmulo trinta e seis descricroes comportamen-

tais de um hipotetico indivfduo e dividiram Os sujeitos em tres grupos com tarefas distintas: a) formar uma impressao; b) memorizar a infor_ macrao; e c) compreender a informacrao,julgando as descricroes do ponto de vista gramatical. Nurna condicrao, a lista de descricroes foi construfda de modo a que as primeiras fossem agradaveis e as ultimas desagradaveis, invertendo-se a ordern noutra condicrao. Entre outras tarefas, pediu-se aos sujeitos que fizessem um julgamento avaliativo - gostar/nao gostar - acerca do indivfduo descrito. Os resultados revelaram um efeito de precede,lcia nos julgamentos efectuados quer pelos sujeitos cujo objectivo era formar urna impressao quer pelos que tinham como objectivo a memorizacrao, e um efeito de rece,lcia quando 0 objectivo era a compreensao. A abordagem da memoria de pessoas vem assim demonstrar que, para se conseguir explicar 0 problema da precedencia/recencia, nao basta analisar apenas as relacroes dos estfmulos entre si. Como referem Devine e Ostrom (1988), para se compreender a maior influencia de alguns itens numa determinada impressao e preciso ter tambem em consideracrao a maneira como esses estfmulos estao representados na memoria dos sujeitos e, por conseguinte, e preciso atender as relacroes dinamicas entre os processos de codificacrao, de armazenamento e de recuperacrao da informacrao.

Efeito de halo Consoante se crie uma primeira impressao imediatamente positiva ou negativa da outra pessoa, ha tendencia a percepcionar nela caracterfsticas que sejam consistentes com a impressao formada. Esta tendencia foi, c1assicamente, rotulada de efeito de halo. Oeste modo, se, ao conhecermos alguem, 0 considerarmos simpatico, nao teremos dificuldades em «ver

·arn ente » que e um indivfduo honesto, ob VI , .(Ote II·gente e afavel... . . o efeito de halo pode venficar-se a partIr da cepriio de comportamentos verbais, mas tamper '3' • d . d' bern, e frequentemente, a partir e meros m I. S nao verbais. Uma pesquisa efectuada por ~~on, Berscheid e Walster (1972), alem de ostrar 0 funcionamento de estereotipos cultum·s ral , 1·lustra igualmente a facilidade com que este feno rneno se veritica. Nessa pesquisa, mostrararn- se aos sujeitos fotografias de homens e de mulheres previamente avaliados segundo a atraecr ao ffsica. As fotografias correspondiam a treS tipos de pessoas: muito atraentes, nada atraentes e de atraccrao media. A tarefa dos sujeitos eonsistia em c1assificarem cada uma das pessoas relativamente a sete caraeterfsticas que nao tinham nada aver, directamente, com a atraccrao ffsiea, como, por exernplo, a desejabilidade social da personalidade da pessoa-estfmulo, o seu status profissional e a sua felicidade social e profissional. Os resultados revelaram que as pessoas mais atraentes foram cIassificadas num nfvel eonsideravelmente mais alto em seis das sete earacterfsticas. Pelo facto de percepcionarem urn tracro - beleza Hsiea - como positivo ou negativo, os sujeitos faziam inferencias acerca de outras qualidades supostamente possufdas pelas pessoas-estfmulo. Na opiniao dos sujeitos , as pessoas atraentes teriam empregos mais importantes do que as nao atraentes, e seriam mais felizes a nfvel social e a nfvel profissional. Alem disso, teriam caracterfsticas de personalidade mais desejaveis do ponto de vista social como, por exemplo, ser altrufsta, interessante, estavel, auto-afirmativo, etc. Distor~oes de positividade

e de negatividade Varios estudos tern revelado que as pessoas estao mais predispostas para fazerem avaliacroes

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posltlvas do que negativas relativamente aos outros (e. g., Matlin e Stang, 1978; Sears, 1983). Numa pesquisa realizada em meio universitario, Sears (1983) procurava saber em que medida os estudantes faziam uma avaliacrao positiva ou negativa dos seus professores. Os resultados revelaram que 97 por eento dos professores eram vistos positivarnente. Sears (1983) sugere que os indivfduos sentem que as outras pessoas sao semelhantes a eles, levando essa similaridade percebida a que se seja relativamente generoso na formacrao de impressoes. Esta tendencia para formar irnpressoes positivas das outras pessoas tern sido rotulada de «efeito de brandura» (Bruner e Tagiuri, 1954), de «distorcrao de positividade» (Sears, 1983) e de «efeito de Pollyanna» (Boucher e Osgood, 1969) por referencia a herofna da literatura infantil que tinha uma visao cor-de-rosa do rnundo. A tendencia para percepcionar 0 mundo como moderadamente positivo teria assim urn caracter normativo, constituindo uma «ancora pereeptiva» a partir da qual se fariarn jufzos relativamente as outras pessoas. Contudo, essa tendencia pode ceder facilmente quando, no processo de formacrao de impressoes, se tern conhecimento de earacterfsticas negativas e positivas da outra pessoa, nomeadamente, se se trata de fazer avaliacroes afectivas ou morais. Nesses casos, a informacrao negativa toma-se, geralmente, mais importante do que a positiva, verifieando-se frequentemente uma «distorcrao de negatividade»: 0 sujeito nao vai gostar da pessoa-estfmulo, ou seja, a informacrao negativa vai determinar uma primeira impressao desfavoravel (Anderson, 1965; Hamilton e Zanna, 1972). De urn ponto de vista cognitivo, dado que habitualmente percepcionamos sobretudo caracterfsticas positivas nos outros, um tracro negativo, ao ser detectado, toma-se mais saliente, por contraste ou por novidade, e adquire um maior

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valor informacional (e. g., Fiske, 1980) . Nesse sentido, as pessoas nao s6 atribuem mais peso it informa~ao negativa como, habitualmente, confiam mais nesta do que na informa~ao positiva (Hamilton e Zanna, 1972), tomando-se, assim, mais diffcil mudar uma primeira impressao desfavonivel do que uma primeira impressao favonivel. Contudo. alguns estudos tern revelado que a predominiincia da informa~ao negativa sobre a positiva nem sempre se verifica. nomeadamente quando se trata de fazer avalia~oes instrumentais, como, por exemplo. emitir jufzos sobre a competencia da pessoa-alvo (e. g ., Skowronski e Carlston, 1987). De urn ponto de vista sociocognitivo, as distor~oes de positividade e de negatividade podem tambem estar dependentes da normatividade social que rege os contextos relacionais em que se desenvolve a interac~ao. De facto. verificou-se experimental mente (Drodza-Senkowska e Personnaz, 1988) que 0 efeito de positividade e significativamente menor quando os sujeitos preveem ter uma rela~ao de competi~ao do que quando esperam ter uma rela~ao de coopera~ao. Culturalmente. embora as normas e os valores sociais nos apontem a positividade nos contextos cooperativos, ja nao fazem 0 mesmo quando se trata de contextos. por exemplo, competitivos. Alem disso. as estrategias de interac~ao dos sujeitos podem igualmente influenciar a sua percep~ao no sentido da positividade ou da negatividade . Alguns autores (e. g., Kanouse, 1972) sugerem que. ao detectar tra~os negativos no outro indivfduo, 0 sujeito ficaria alertado para possfveis dificuldades na rela~ao com ele e. ao formar uma impressao negativa, estaria ja a evitar deixar-se surpreender. Se voce come~ar por saber que alguem e «vigarista», vai dar. naturalmente. muita importancia a essa «qualidade» ao formar a sua impressao acerca dessa pessoa, e. em princfpio. tomara as suas precau~oes ...

3.3. Julgabilidade social Como acabamos de ver.o problema da exac_ tidao, quer dizer. da validade epistemica dos JUI_ gamentos, tern ocupado urn lugar privilegiado nos estudos empfricos enos modelos sobre a forma~ao de impressoes. Subjacente a estas perspectivas esta, em grande parte, a ideia de que formar uma impressao consistiria basica_ mente em resolver urn problema cognitivo Contudo, como decorre das considera~oes sobre as estrategias na forma~ao de impressoes (vide supra), na vida quotidiana, nem sempre 0 percepcionador esta preocupado com a exactidao dos seus julgamentos sobre as outras pessoas. Alias, relativamente a percep~ao de pessoas nao existe uma verdade unica que possa impor-se aos diversos percepcionadores. Qualquer criterio para distinguir 0 certo do errado, no que diz respeito a percep~ao de pessoas, teni ele pr6prio de ser considerado adequado, isto e, tera de resultar de consensos mais ou menos partilhados no quadro do contexto social em que os julgamentos sobre pessoas sao emitidos. Este aspecto do processo da forma~ao de impressoe~ tern side analisado pela abordagem da ju/gabilidade social a qual desloca a anal ise dos jufzos sociais da questao da articu la~ao entre os dados e as teorias, e do seu valor epistemico. para 0 terreno do contexto social e da funcionalidade e validade social desses mesmos jufzos . Segundo esta abordagem, urn problema importante a considerar na analise da emissao de julgamentos sobre pessoas diz respeito a sua validade subjectiva . A emissao de julgamentos sociais nao resultara apenas de urn processo de integra~ao da informa~ao individualizante e categorial sobre a pessoa a julgar. Atendendo a que os jufzos sociais nao s6 dizem respeito a alvos sociais, como sao emitidos em contextos socialmente definidos e obedecem a normas

.' (Leyens et al., 1992). qualquer jufzo SO(i~a:s ara alem de ter de atender a real idade soola ; fca a que se refere. devera tambem ser ontOlog . I' , . do em fun~ao do seu va Ior socm , IStO e. ecla . fl uenCla, apr f n~ao da sua III A'd'Irecta ou III . d'Irec ta. ern u rocessOs de comunica~ao e de interacnos P _ social em que 0 seu autor esta, envo I VI'd o. ~ao do se trata de emitir jufzos sobre pessoas. Quan . d rimeiro problema que 0 percepclOna or urn P . b ' de resolver conslste em sa er se a pessoatern e efectivamente jU . Igave, ' I 'IstO e. , se, d0 -aIv0 o de vista pragmatico, tendo em conta 0 pon t 'd ontexto de interac~ao em que esta envolvl 0, ~Ie sente legitimidade social para julgar esse al vo . Um pressuposto basico desta abordagem consiste exactamente em considerar que as pessoas s6 emitem ju.lg_amentos .quando sente.m que estao numa posl~ao para julgar, ~u s.eja, quando sentem esses julgamentos sUbjectlvamente validos. A abordagem dajulgabilidade social focaliza, pois, a aten~ao nao no problema da exactidao dos jufzos, nem nas estrategias de procura e de processamento de informa~ao, mas sim na relariio entre os ju(:es e os seus julgamentos. o modele propoe-se analisar os processos que intervem nessa rela~ao, os quais permitem a urn indivfduo determinar a validade subjectiva dos seus julgamentos (Schadron, 1991). A analise desses processos pretende explicitar os factores que condicionam a emissao de julgamentos sabre pessoas e os factores que levam os jufzes a au men tar 0 sentimento da julgabilidade de uma determinada pessoa-alvo (Yzerbyt, 1990). De acordo com esta abordagem, 0 percepcionador apenas se sente em condi~oes de emitir urn julgamento valido quando dispoe de informa~ao individual sobre a pessoa-alvo. Quando 0 percepcionador tern consciencia de que apenas dispoe de informa~ao categorial ou estereotipada sobre 0 alvo, a julgabilidade deste

121

ficani reduzida. na medida em que a normatividade social considera que aquela informa~ao. por si s6, nao e adequada para julgar indivfduos especfficos (Yzerbyt et al., 1994). Contudo. verificam-se situa~oes em que as pessoas transooridem esta norma social, embora suponham que estao a cumpri-Ia. De acordo com os resultados experimentais obtidos por Yzerbyt et al. ( 1994), quando alguem supoe que possui informacr ao individualizante sobre outra pessoa. ainda que real mente nao tenha acedido a essa informacrao, considera que pode validamente emitir julgamentos acerca dela, mostrando-se mais confiante e assumindo que detem informa~ao especffica. Estes estudos experimentais real~am, pois, que a posse, real ou fictfcia, de informacrao individualizante sobre a pessoa-alvo permite aumentar a julgabilidade desta (e.g., Leyens et al., 1992). Tambem a posi~ao social ocupada pelos percepcionadores influencia a validade social dos seus julgamentos acerca de outra pessoa. Num estudo experimental (Caetano, 1996), verificou-se que os sujeitos que tin ham urn status mais alto, na rela~ao interpessoal, se sentiam em melhores condi~oes do que os outros para julgar a pessoa-estfmulo. Isto e, os sujeitos com status mais alto sentiam-se de posse da informa~ao necessaria para julgarem, mostrando-se, por isso. mais confiantes na emissao dos seus julzos. Resumindo, de acordo com esta abordagem, a racionalidade dos jufzos sociais nao pode ser apreciada apenas por confronto com criterios estritamente 16gicos, probabilfsticos ou epistemicos. De facto, na produ~ao de julgamentos sociais. a racionalidade ou irracionalidade resultante do processo de integra~ao da informa~ao sobre a pessoa a julgar sera mediatizada pela normatividade social em que 0 percepcionador esta enredado. a qual determina a maior ou menor julgabilidade da pessoa-alvo.



122

4. Principios da forma<;3o de impressocs Apesar da multiplicidadc de abordagens e de modelos que tem vindo a ser propostos. ainda nao se dispoe hoje de uma teoria suficientemente articulada e consensual acerca dos processos envolvidos na forma9ao de impressoes. Contudo, e possfvel come9ar a sistematizar alguns princfpios gerais com base nos resultados das inumeras pesquisas empfricas que tem sido conduzidas tanto no quadro das abordagens classicas como no da cogni9ao social. Numa revisao recente, Hamilton e Sherman (1996) identificaram quatro princfpios gerais que decorrem de um postulado basico que tem sido assumido na generalidade da literatura sobre este problema. o postulado basico enuncia os pressupostos do percepcionador acerca das pessoas: «0 percepcionador assume unidade nas personalidades dos outros. e as pessoas sao vistas como entidades coerentes; por conseguinte. a impressao de uma pessoa acerca de outra deve retlectir essa unidade e coerencia» (p. 337). Assim. qualquer percepcionador tem a expectativa de que a outra pessoa e uma entidade organizada que se mantem estavel ao longo do tempo. Ao formar uma impressao. 0 percepcionador procura, pois, descobrir as caracterfsticas principais da essencia ou da natureza da outra pessoa. Com base neste postulado. Hamilton e Sherman (1996) enunciam quatro princfpios que orientam as pessoas na forma9ao de impressoes. Princfpio I: «0 percepcionador procura fazer inferencias acerca das propriedades disposicionais que constituem 0 nueleo da personal idade da outra pessoa» (p. 337). Como muita da informa9ao que 0 percepcionador obtem acerca da outra pesSO(l e vista como sendo superficial, ele assume implicitamente que 0 comportamento desta retlecte as suas caracterfsticas sub-

jacentes e fundamentais, pelo que procura fazer infert?llcias correspelldentes de tra90s e julga_ mentos avaliativos acerca do nueleo central da sua personalidade. Estas inferencias sao geral_ mente feitas espontaneamente e em directo (on-line) a medida que 0 percepcionador observa 0 comportamento da outra pessoa ou recebe infor_ ma90es sobre ela. De acordo com Hamilton e Sherman (1996), 0 facto de estas inferencias serem feitas em directo implica que, mesmo quando 0 julgamento e feito mais tarde no tempo, nao e necessario recuperar a informa9ao factual especffica observada, bastando ao percepcionador recuperar as inferencias e os julgamentos feitos aquando da observa9ao (vide modelo de Srull e Wyer supra). Alem disso, e igualmente esse processamento em directo que produz 0 efeito de precedencia descrito mais a frente. Princfpio 2: «0 percepcionador espera consistencia nos tra90s e comportamentos da pessoa-alvo» (p. 338). Como decorre, desde logo, das experiencias iniciais de Asch, depois de conhecer um tra90 da pessoa-alvo, 0 percepcionador espera que esta revele outros tra90s consistentes com aquele. Do mesmo modo, quando se tenha observado um comportamento, espera-se que a pessoa manifeste outros comportamento~ consistentes com aquele. Assim, ao observar os comportamentos presentes nu ma dada situa9
,

no facto de as pessoas percepcionarem, be~lt11ente. maior consistencia e prcvisibilidade ge t11portamento dos outros do que nos seus no CO • • , rios comportamentos. roP . d P Princfpio 3: «0 percepclOna or procura volver uma impressao organizada da pesdes en soa-al vo » (Hamilton c Sherman, 1996, p. 338). Como resulta do .modelo de As~h e das suas eriencias antenormente descntas, 0 percepeXp . d' cionado r procura mtegrar os 1versos tra90s um todo coerente e dinamico, de tal modo que :s proprios tra90s ganham si~nificados especf~­ cos em fun9ao do todo orgalllzado que se supoe ser a personal idade da pessoa-alvo. princfpio 4: «0 perccpcionador procura resolver inconsistencias na informa9ao adquirida acerca da pessoa-alvo» (idem). A cren9a na unidade e na coerencia da personalidade e de tal modo forte, que, quando detecta discrepancias nas caracterfsticas ou no comportamento da pessoa-alvo,o perccpcionador procura activamente interpreta-Ias de modo a formar uma impressao unitaria. Neste sentido, a pesquisa empfrica no quadro da cogni9ao social (e.g., Srull e Wyer, 1989; Stangor e McMillan, 1992) tem ilustrado profusamente que os sujeitos consomem mais tempo a processar informa9ao inconsistente com as expectativas ou com uma primeira i mpres~ao geral da pessoa-alvo do que a processar informa<;ao consistente. De facto, perante informa<;ao incon sistente, 0 percepcionador pode envolver-sc, inclusivamente, em processos mais ou menos elaborados de atribui9ao causal, no sentido de se descobrir a razao da incongruencia. Este trabalho cognitivo mais intenso podeni ser um dos factores que justificam 0 facto de os sujeitos, geralmente, recordarem mai~ facilmen te a informa9ao incongruente. Como se viu pela descri9ao dos diversos modelos de forma9ao de impressoes, estes princfpios , embora bastante vinculados a abordagem de Asch, facilmente poderao ser assu-

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midos , dado 0 seu nlvel de generaliza9ao, por qualquer daqueles modelos. Ja no que diz rcspeito as motiva90es do percepcionador e as caracterfsticas da informa9ao sobre a pessoa-alvo, nomeadamente do que se refere ao papel dos estereotipos e da informa9ao individualizante, assim como aos processos de integ ra 9ao desta, para a cria9ao da impressao unitaria, 0 debate teorico e a pesquisa empfrica sao menos consenSUals.

RcsmllO Para se formar uma impressao, geralmente nao e necessaria muita informa9ao: a partir de pequenos indfcios comportamentais, verbais ou nao verbais, cria-se facilmente uma ideia global e coerente acerca das outras pessoas. As primeiras impressoes organizam-se fundamentalmente em fun9ao duma categoria avaliativa, afectiva ou moral, mas a impressao geral e mais vasta do que essa avalia9ao, permitindo fazer inferencias para outras dimensoes ou categorias. o estudo experimental das primeiras impressoes tem sido realizado no contexto de tres grandes abordagens: «gestaltica» ou configuracional, integra9ao da informa9ao e memoria de pessoas. Estas abordagens diferenciam-se essencialmente ao nfvel dos pressupostos teoricos relativos aos processos cognitivos que orientam a forma9ao de impressoes, ao nfvel da metodologia utilizada e ao nfvel dos problemas basicos que procuram resolver. Para alem de a forma9ao de impressoes estar sujeita aos princfpios gerais que regem a percep9ao social, a literatura tem identificado e anaIisado alguns factores que afectam a motiva9ao do percepcionador e a exactidao das suas impressoes, salientando-se, neste caso, os efeitos de precedencia e de recencia, 0 efeito de halo e as distor90es de positividade e de negatividade.

124

Apesar dos progressos efectuados desde que Asch publicou os seus trabalhos. a pesquisa sobre a forma<;ao de impressoes revela ainda algumas Iimita<;oes, em grande parte decorrentes dos pressupostos paradigmaticos que a tern orientado. Do ponto de vista teorico, a generalidade da pesquisa tern incidido fundamental mente sobre problemas de cankter estritamente cognitivo, niio integrando nem os aspectos emocionais que intervem no processo de forma<;iio de impressoes. nem, 0 que nos parece mais surpreendente. os aspectos socionormativos que atravessam todos os contextos de interac<;iio social nos quais as impressoes siio formadas. De facto, a percep<;ii.o de pessoas realiza-se, geralmente, em contextos nos quais varios indivfduos manifestam varios comportamentos identicos. diferentes, contraditorios ou complementares, sendo a «unidade perceptiva» nao a «pessoa» mas a «pessoa-em-situa<;iio», interagindo com os outros, e estando envolvida num processo de comunica<;ao extremamente complexo. Ora. como vimos, a maioria dos pIanos experimentais apresenta como estfmulo urn conjunto de informa<;oes

respeitantes a uma determinada pessoa a partir d qual os sujeitos devem formar uma impressa a privilegiando. assim, nao so a forma indirecta dO' obter informa<;iio. como a descontextualizal'~ e . . I ... ao PSlcossocla quer do alvo quer do actor. Na int rac<;iio social. os comportamentos dos indivfdu e~ sao apenas urn dos elementos informativos qUe podem entrar no processo de forma<;ao de illl_ pressoes em conjuga<;iio ou em confronto Co " d e outros elementos de inforrnal'i\III uma sene Igualmente processaveis, que dizem respeito . d' a In Icadores grupais. ideologicos e estrategico ' . s dos vanos actores, tomando-se necessario desen_ volver uma abordagem mais psicossocial e COntextual da forma<;ii.o de impressoes. Apesar das limita<;oes referidas, e, hoje, posslvel identificar alguns princfpios gerais que procuram explicar a cren<;a largamente partilhada pelos indivfduos de que as pessoas tern uma personalidade coerente e estavel, devendo a impressiio que formam exprimir essa pressuposta coerencia e unidade. Tambern a valida<;iio social dos julgamentos constitui urn factor importante no processo de forma<;ii.o de impressoes.

.

CAPITULO VI

Atracc;ao interpessoaL sexua/idade e re/ac;6es intimas

.. °

Valentim Rodrigues Alferes

A elucida<;iio dos modos de influencia e de interdependencia social passa pe\a investiga<;iio de urn tipo particular de re\a<;oes interpessoais dotadas de significa<;iio especial e valor diferencial no contexte global das interac<;oes humanas. Tais rela<;oes, que podemos definir generieamente como relaroes de amizade e de amor, fundam-se na capacidade de discriminar e avaJiar, positiva ou negativamente, as situa<;oes de interac<;iio e traduzem 0 caracter selectivo dos eomportamentos sociais. E, precisamente, esta dimensiio avaliativa que especifica 0 dominio da atrac<;iio no contexte mais geral do estudo das rela<;oes interpessoais: os fenomenos de atracrao dizem respeito aos componentes afectivos das relaroes socia is, em particular as atitudes. emoroes e sentimentos positivos que experimentamos na relarao com os outros. a estudo da atrac<;iio interpessoal, iniciado no final dos anos 50, constitui urn dominic classico da psicologia social. Contudo, desde a dec ada de 70, assistimos a algumas mudan<;as paradigmatieas que se traduziram: a) na maior importancia atribufda ao estudo das interac<;oes no quadro de reiaroes continuadas; b) na necessidade de distinguir as diversasformas de atracrao, especificando as respectivas condiroes antecedentes e

evidenciando a diversidade dos processos psicologicos envolvidos; c) no deslocamento da investiga<;iio dos factores de atrac<;iio, tornados isoladamente, para as estrategias de auto-apresentarao (valoriza<;ao do papel do indivfduo como actor social) e para a natureza das situaroes geradoras de atracrao (valoriza<;ii.o do papel dos contextos interpessoais e das normas sociais que estruturam as interac<;oes humanas). o primeiro objectivo do presente capitulo consiste, precisamente, em apresentar a literatura relevante, pondo em evidencia as mudan<;as paradigmaticas acima referidas. Assim, na Sec<;ao I, depois de uma analise dos problemas conceptuais e dos modelos teoricos, debru<;ar-nos-emos sabre os factores pessoais e relacionais que estiio na base da atrac<;iio interpessoal e na genese das rela<;oes de amizade e de amor. Urn tipo particular de atrac<;ao - 0 amor passional - sera objecto de discussao pormenorizada (ponto 1.3), dado que a especificidade das respectivas condi<;oes antecedentes se reveste de importancia primordial para 0 estudo das dimensoes emocionais das interac<;oes humanas. Os aspectos estruturais e dinamicos das relaroes intimas, bern como os diferentes modelos de amor/amizade, que constituem a

t

126

sequencia logica da atrac~ao nos estados iniciais das rela~oes interpessoais, serao analisados na sec~ao 3. o segundo objectivo deste capftulo consiste na articula~ao do estudo da atrac~ao interpessoal com 0 estudo psicossocial da sexualidade. Na Sec~ao 2, insistiremos, de modo especial, nos processos de construriio social da sexualidade Ilumana. sublinhando 0 papel desempenhado pelos scripts culturais, interpessoais e intrapsfquicos na organiza~ao dos comportamentos sexuais. A sexualidade e perspectivada, simultaneamente, como uma das principais situa~oes motivantes das interac~oes humanas e como urn dos principais vectores na estrutura~ao das rela~oes fntimas.

1. AtraCf.;3o interpessoal Imagine que numa das primeiras aulas de psicologia social 0 seu professor Ihe solicita que responda as seguintes questoes: quem escolheria, entre os seus colegas, para trabalhar consigo num pequeno projecto de investiga~ao? Com quem nao gostaria de realizar esse trabalho? Quem pensa que 0 escolheria para organizarem conjuntamente uma viagem de fim de curso? Quem pensa que nao desejaria viver consigo no mesmo apartamento de uma residencia universitaria? Com eventuais altera~oes de ordem formal, e desde que fossem especificados determinados criterios para a obten~ao das suas respostas (v.g., determina~ao do numero de escolhas e rejei~oes a efectuar, privacidade das respostas, etc .). as questoes enuneiadas constituem 0 nucleo da sociometria - tecnica de avalia~ao das escolhas e percep~oes sociais - introduzida por Moreno (1934) numa obra que marcou 0 infcio do estudo sistematico da atrac~ao interpessoal. Moreno tinha como objectivo principal recons-

127

truir os aspectos estruturais e dinamicos das afectivas no seio de urn grupo. A intluencia da sociometria no estudo da atrac~ao interpessoal conjugou-se com a dag teorias da consistencia cogllitiva emergentes nos an os 50. Em 1961, Newcomb publica urn estudo de campo sobre a intluencia da semelhan~a de atitudes no desenvolvimento das amizades ern grupos de estudantes universitarios que paniIharam a mesma residencia durante dois anos. As preocupa~oes teoricas subjacentes a investi_ ga~ao de Newcomb ligavam-se directamente valida~ao do modelo heideriano do equillbrio (cf. ponto 1.1). Embora os trabalhos pioneiros de Moreno e Newcomb se situem no domfnio dos processos grupais, 0 estudo da atrac~ao interpessoal, a avaliar pela maior parte das investiga~oes que Ihe dao corpo, centra-se, sobretudo, nas reiaroes duais (Berscheid, 1985; Berscheid e Reis, 1998; Huston, 1974). Mais especificamente, a problematica da atrac~ao interpessoal identifica-se com a elucida~ao da genese, desenvolvimento e ruptura das rela~oes preferenciais que estabelecemos no interior da(s) rede(s) sociais em que nos movemos. rela~oes

a

1.1. Dos problemas conceptuais aos modelos te6ricos Conceptualiza~oes

da atrac~ao interpessoal

Quem atrai ou se sente atrafdo por quem? Fazendo, parecendo ou dizendo 0 que? Em que circunstancias nasee 0 amor? E a amizade? Em que e que se distinguem? Como evoluem? A resposta a estas e a outras questoes nao interessa exclusivamente a p icologia social ou as ciencias sociais em gera\. Da literatura a religiao, da filosofia as ideologias prdticas da vida quotidiana, e po sfvel recensear uma multiplicidade de resposta , mais ou menos originais, mais ou

os elaboradas. mais ou menos contra-

rJlen

dit6ri as . . o que distingue as respostas da psicologla 'al e fundamental mente, a metodologia utiSOCI ' · ada para as obter (cf. Capftulo IV). Contudo, IIZ d' . esar do relativo consenso no que IZ respelto apOS aspectos metadl" , 0 OglCOS, as respostas a aues tao do porque da existencia de rela~oes ;ociais preferenciais nem sempre coincidem. para all!m das divergencias de base. situadas ao nlvel dos grandes sistemas explicativos do comportarnento, 0 proprio estatuto teorico do conceito de atrac~ao permanece uma questao em aberto. Comecemos pela analise das seguintes afi rma~oes: • . - a atracriio do indivfduo A pelo indivfduo B uma disposiriio relativamente estdvel de A para responder e avaliar positivamente B; - a atracriio de A pOl' B consiste no COIljunto de emoriJes e sentimentos positivos que A experimenta na interacriio com B; - a atracriio de A pOl' B traduz-se nas acroes de A que objectivamellte 0 aproximam de e/ou favorecem B. Na primeira afirma~ao, a atrac~ao e conceptualizada como uma atitude. Na segunda, como urn estado emocional ou afectivo. Na ultima, como urn comportamento directamente observavel. Na sua aparente simplicidade, a terceira afirma~ao levanta mais problemas do que resolve. Com efeito, avaliar a atrac~ao exclusivamente pelas suas manifesta~oes comportamentais e claramente insuficiente. Em primeiro lugar, tais manifesta~oes dependem das normas sociais que definem 0 tipo de rela~ao entre A e B e especificam as form as social mente apropriadas e 0 nfvel de intensidade que pode revestir a expressao dos afectos (Huston. 1974). Em segu ndo lugar, para alem de determinadas variaveis de personalidade susceptfveis de suprimir (v.g. , baixa auto-estima) ou amplificar (v.g., ele-

e

vado grau de automonitoriza~ao) as manifescomportamentais de atrac~ao, ha que ter em considera~ao que a probabilidade de ocorrencia de urn dado comportamento e fun~ao do proprio contexto social: por muito atraente que A possa ser, nao farei nada para me aproximar dele se os indices situacionais de que disponho me levam a concluir que serei rejeitado; inversamente, apesar de B nao ser particularmente interessante. aproximar-me-ei dele, pois nao disponho, de momento, de outras alternativas. Em contraste com a conceptualiza~ao estritamente comportamental, a generalidade dos investigadores optou por assimilar 0 conceito de atrac~ao ao de atitude. Para alem das razoes de natureza hist6rica (0 estudo das atitudes dominou a psicologia social ate aos finais da decada de 50 - Moscovici, 1982), 0 conceito de atitude, que basicamente implica a localiza~ao de urn «objecto do pensamento» numa «dimensao avaIiativa» (McGuire, 1985), constituia urn molde ideal para a conceptualiza~ao da atrac~ao interpessoal. Bastava especificar que 0 «objecto do pensamento» era urn outro indivfduo. E assim que a atrac~ao interpessoal e definida como uma «orienta~ao avaliativa» de A relativamente a B (Newcomb, 1961). Os tres componentes (cognitivo, afectivo e comportamental), tradicionalmente inclufdos sob a no~ao de atitude (cf. Capitulo VIII), passaram a constituir as tres dimensoes da atrac~ao. De acordo com Berscheid (1985), as vantagens desta assimila~ao (nomeadamente a possibilidade de «capitalizar» os resultados das investiga~oes sobre as atitudes que utilizaram a atrac~ao interpessoal como variavel dependente) tiveram como contrapartida a transferencia das dificuldades teoricas e metodologicas inerentes ao estudo das atitudes para 0 domfnio da atrac~ao. Assim, a correspondencia entre os componentes cognitivo (crenras sobre 0 objecto de atrac~ao), avaliativo (sentimentos e emo~oes ta~oes

, 129 128

positivas por ele provocados) e comportamental (an,'oes de aproximar;ao) foi mais postulada que dCnlol1strada, A medir;ao da atracr;ao limitou-se ~IS tecnicas habitual mente utilizadas no domfnio d;.ls atitudes. descurando a possfvel heterogeneidade de sentimentos que parece caracterizar alguns fenomenos tfpicos de atracr;ao (v. g., L1l1/or passional). Por ultimo, e ainda segundo Ber~cheid (1985), a importancia atribufda ao componente Hvaliativo das atitudes, contrariamente ao que seria de esperar, nao levou a investigar clirectamente a dinamica emocional da atracr;ao interpessoal. Com efeito. foi necessario esperar pela revaloriza~iio dos estudos sobre as emor;oes, nos anos 60 (nomeadamente os trabalhos de Schachter, 11)64). para que a dimensao especificamente afectiva/emocional da atracr;ao interpessoal fosse tomada em devida considerar;ao. A conceptualizar;ao da atracr;ao como emor;ao e sentimento, para alem de constituir uma via de e,tudo complementar, permitiu uma diferencia~ao mais adequada das diversas form as de atracr;-iio e contribuiu para deslocar a investig.wvo <.los fenomenos de atracr;ao do domfnio das re/nUJes elltre desconhecidos nwn contexto /Ilhonlforia/ para 0 domfnio das re/afy'<Jes contilll/adas (cf. Secr;ao 3). Ainda que nao exista uma correspondencia tcrmo a termo entre as conceptualizar;oes da atracr;-a(l c as principais teorias explicativas, poclemos afinnar que estas se podem c\assiticar em fU[l(;,ao dos componentes atitudinais que rrivilcgiam e da maior ou menor importancia que atrihuem aos aspectos afectivos. Assim, podcmos considerar que existem duas grandes categorias ou grupos de teorias da atracr;ao il1tPrpessoal. 0 primeiro grupo e 0 das teorias

da organiza[iio cogllitiva. A tonica e colocada nas relar;oes entre cognir;oes e sentimentos e a atracr;ao e explicada pela necessidade de consis_ tencia interna entre estes elementos. 0 segundo e 0 das teorias da troca social e do rejorfo. A tonica e colocada na relar;ao entre os compo_ nentes avaliativo e comportamental e a atracr;ao e explicada pela inevitavel interdependencia comportamental e afectiva que caracteriza as relar;oes interpessoais.

As teorias da

organiza~ao

cognitiva

I

A teoria do equiUbrio de Heider (1958) constitui 0 paradigma das explica90es cognitivas da atrac9ao interpessoal. A constru9ao e manutenr;ao de um sistema coerente de representar;oes do mundo e das relar;oes sociais constitui 0 principal motivo do comportamento humano. A dinamica da atrac9ao interpessoal e fun9ao das necessidades de organiza9ao cognitiva. De acordo com Heider, urn sistema de cogni90es comporta tres elementos principais: as cogni90es relativas ao proprio sujeito (P), as relativas a urn outro indivfduo (0), que entre em interac9ao com 0 sujeito, e as que se referem a qualquer objecto, acolltecimento ou indivfduo exterior (X). Dentro deste sistema distinguem-se dois tipos de relar;oes: as re/(l(;:oes de unidade (cognir;oes respeitantes ao facto de dois elementos serem percepcionados como fazendo ou nao parte da mesma unidade funcional: Pesta casado com 0) e as reiaroes de sentimento (cognir;oes relativas a dimensao avaliativa ou emocional duma relar;iio, expressas em termos de gostar/nao gostar, agradavelldesagradavel: P ama 0). Considerando apenas a liga9ao entre dois elementos do sistema, diz-se que este esta num

I I) kilnr dever
do de equilibrio sempre que as rela~oes de . es ta'd de e de sentlmento I' tem 0 mesmo sma, o~ a . ontnirio (v.g .• se P estlver casado com 0 e, caso C . oltaneamente, 0 detestar) estamos perante SI(1l rel a9ao desequl'l'b ' I ra d a. S e 'mtrod UZlrmos 0 o(1la . ceiro termo (i.e., no caso em que eXlstem tertaroeS de unidade entre P, 0 e X) ,lz-se d' que 0 re T d. tema P-O-X esta equilibra 0 sempre que nao SIS . 'b'l'd d t se verifique qualquer mcompatl 1 1 a e en re as tres relar;oes de sentimento (v.g., P gosta de 0 e ambos sao militantes do partido X, ou ambos detestam ir ao cafe do bairro). Em termos for(1lais, as incompatibilidades que especificam os estados de desequilfbrio resultam da coexistencia de duas rela~oes de sentimento positivas com uma negativa (v.g., P ama 0 e e correspondido; contudo, 0 gosta de X, que e, por sua vez, detestado por P) ou de tres negativas (P, 0 e X detestam-se reciprocamente) 2. Heider afirma que os estados de desequilfbrio sao psicologicamente desagradaveis e que existe uma tendencia generalizada para 0 restabelecimento do equilibrio. As implica~oes para a compreensao da atrac9ao interpessoal sao evidentes: a) a simples existencia de uma rela9 ao de unidade implica uma rela9ao de sentimento positiva; b) inversamente, a existencia de uma relar;ao de sentimento negativa podera conduzir aruptura da rela9ao de unidade; c) de um modo mai geral, a dinamica da atrac9ao consiste nas modific a 90es correlativas dos componentes cognitivo (rela~oes de unidade) e emocional (rela90es de sentimento) das atitudes do sujeito em rela9ao aos outros elementos do sistema triangular. A teoria de Heider pode, por exemplo, preyer que a semelhan~a de atitudes (relativas a urn objecto X) contribui para a atrac~ao reciproca entre P e 0 (cf. ponto 1.2), ou que a simA



pies antecipar;ao de uma rela9ao de compdior.''l.\) pode induzir sentimentos hostis, em contrastc com a antecipa9ao de uma relar;ao de coopera9ao , que geraria sentimentos de atracrrlio ( Klein e Kunda, 1993; Lerner. Dillehay e Sherer. 1967). A semelhan9a de Heider, tambem Newcomb (1961, 1968) e Festinger (1957) desenvolveram teorias da consistencia cognitiva com implica90es directas no estudo da atracr;ao interpessoal. No caso de Newcomb. trata-Se dum prolongamento da teoria de Heider que perrnite integrar os processos de equilibra[clo an nfvel dos proprios grupos. Alem disso, Newcomb procedeu a uma diferencia9ao entre os estados ditos de desequilfbrio, atribuindo um valor diferencial a rela9ao de unidade entre P e 0: so se veri fica uma tendencia para 0 equiUbrio nos casos em que a rela9ao de sentimento COiTespondente positiva. Nos casos em que nao gosto do outro e-me indiferente a concordancia dos nossos sentimentos relativamente a um terceiro objecto ou pessoa. As implicar;oes para 0 estudo da atrac<;ao decorrentes da teoria da dissonancia cogllitil'£l de Festinger (1957) sao, em termos genericos, identicas as do modelo do equilibrio. Contudo, a sua teoria da compara[iio social (Festinger, 1954) reveste-se de particular importancia. nomeadamente quando se trata de responder propria questao da existencia da atrac<;ao. De acordo com a referida teoria, todos os seres humanos tern uma necessidade basica de autoconhecimento e auto-avalia~ao das suas aptidoes, opinioes e atitudes. Na ausencia de um termo de compara~ao objectivo, a unica soluc;ao e a compara9ao com outros indivfduos. E, de entre os possfveis termos de comparac;ao social, sao aqueJes indivfduos que na dimensao consi-

e

a

2 Uma regra simples para a determina~iio do estado de urn sistema cognitivo consiste em mul.tiplic~r u~ uh ~illai.~ das rela9 0es de sentimento. Se 0 produto for positivo. 0 sistema diz-se em equilibrio; se for negatlvo. dIZ-S\! d<'·~L'(I",h brado (cf. Caixa Bases da Teoria do EqlliUbrio. Capitulo VIII).

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derada se encontram mais pr6ximos do sujeito que possibiJitam uma avalia~ao mais valida. No caso concreto das atitudes, a unica estrategia possivel e a valida~iio consensual (Sedikides, 1993). Nao e, pois, de estranhar que procuremos aqueles cujas atitudes e opinioes sao semelhantes as nossas e que na pr6pria interac~ao se gerem as condi~oes conducentes a atrac~ao (cf. ponto 1.2). Ainda que claramente cognitivista, a teoria da compara~ao social estabelece a liga~ao com 0

outro grande grupo de teorias explicativas da atrac~ao interpessoal: as teorias da troea social e do reforfo. Com efeito, a ideia central destas teorias reside na interdependencia comportamental e afectiva. Festinger, por sua vez, acentuou a importiincia da interdependencia cognitiva na genese dos fen6menos de atrac~ao. As teorias do reforc;o e da troca social Para este segundo grupo de teorias, 0 primado da (inter)dependencia tern como corolario a regra da reciprocidade: «gosto de quem gosta de mim». A explica~iio paradigmatica da atrac~ao no contexto das teorias comportamentalistas e exemplificada pelos modelos de LOll e LOll (1968,1974) e Byrne (1971,1992; Clore e Byrne, 1974). Lou e Loll generalizam os princfpios hullianos ao dominio das atitudes e concebem a atrac~ao como uma resposta anteeipatoria do objeetivo (ou meta) adquirida pelo mecanismo do refor~o secundario: qualquer pessoa associada com uma situa~ao refor~ante torna-se alvo de atrac~ao, independentemente de ter ou nao contribuido directamente para a produ~ao da situa~ao em causa. Nao e, pois, necessario que urn individuo gratifique directa (v.g., elogiando) ou indirectamente (v.g., sendo instrumental na obten~ao do refor~o) 0 outro. Basta-Ihe a simples presen~a para que possa vir a funcionar como urn refof(;o secundario ao qual passam a

estar associ ados as atitudes e os sentimentos positivos (atrac~ao) desencadeados pela satis. fa~ao da necessidade primaria que especifica a

situa~ao refor~ante.

o modelo de Byrne (1971, 1992; Clore e Byrne, 1974) e basicamente identico, ainda qUe recorra ao mecanismo do condicionamento clas. sico. A atrac~ao e definida como uma respOsta afeeliva implfeila a urn est{mulo, inicialmente neutro, progressivamente associ ado a urn estf. mulo incondicional positivo. A resposta afec. tiva mediatiza a avalia9ao positiva do outro, enquanto manifesta~ao comportamental da atrac_ ~ao. Contudo, urn dado individuo pode ver-Se associado com diversas situa~oes positivas e negativas. Neste caso, Byrne e Nelson (1965) defendem que a resposta afectiva implicita (atrac~ao) de X relativamente a Y sera 0 resultado ponderado do numero e magnitude de refor90s positivos e p uni 90es experimentados por X nas situa~oes a que Yesta associado. Esta «lei da atrac~ao» foi questionada por uma celebre investiga~ao de Aronson e Linder (1965). Contrariamente as previsoes decorrentes dos modelos comportamentalistas, nao e 0 numero absoluto de refor~os e puni~Oes que deterrnina a atrac~ao, mas as «flutua~oes» ou 0 padrao especffico de aprecia~oes positivas e negativas de que urn individuo e alvo (cf. Caixa). o modelo dos ganizos e perdas (Mettee e Aronson, 1974) constitui, na expressao dos seus pr6prios autores, uma «miniteoria» que acentua a importancia dos processos perceptivos e cognitivos na avalia~ao das situa90es refor~antes. A cOnjuga9ao da «16gica» eomportamellfa/ista, nomeadamente a importancia atribu{da as eOllfingbzcias de resposta (a execu9ao de urn comportamento e fun~ao do respectivo resultado), com 0 recurso a metMoras de natureza econ6mica constitui 0 ponto de partida das teorias da troea social (Blau, 1964; Homans, 1961; Thibaut e Kelley, 1959). 0 seu pressuposto fu n-

!- princfpio da maximizafiio/minimiza_ damentafirma que, no ambito das . mterac~oes em ~o - a I ~a e se en volvem, todos os indivfduos tern . . como . qU . maximizar os «ganhos» e mmlmlzar biecUVO ,- . I o ~ erdas». Aplicado a atrac9ao mterpessoa , as te«P 'nelpio traduz-se na proposi~ao segundo a esua!pn OS individuos se sentem atrafdos pelas q !a~oes ~ em que os «beneffcios» ultrapassam os _ re e tendem a afastar-se das re!a90es em «custos» , . o «sa!do» e negatlvo. queCon tudo , nao seriam os va!ores individuais . . dos «ganh os» e das «perdas» que determmanam A

directamente a atrac9ao. De acordo com 0 princfpio da justifa distributiva (Homans, 1961) ou da equidade (Adams, 1965; Walster, Walster e Berscheid, (978), apenas as rela90es em que existe proporcionalidade entre «investimentos» (que podem ser conceptualizados como 0 somat6rio das «puni90es» e das recompensas desperdi9adas) e «Iucros» (recompensas o~tidas mais puni90es evitadas) para cada urn dos mtervenientes seriam geradoras de atrac9ao. Note-se, ainda, que a pr6pria natureza das rela90e.s tern incidencia no modo como os intervementes

ATRAC<;AO INTERPESSOAL E HETERO-AVALIA<;OES I as «flutua OeS» ou modificatyoes dos padroes de refoft;o tern ~" Arons on e Linder (1965) criaram uma situatyao Para testarem a hip6tese segundo a qua . _ . ~ 1'0 e a pumtyao slstematlcoS, mais impacte na atractyao do que 0 re or" . . nv'ldado a conversar com urn comparsa do . I na qual cada sUjetto era co experimental relatJvamente comp e~a, I " Estas breves interactyOes repetiam-se durante experimentador sobre diversos t6PICOS, durante a guns mmutos. sete sessoes experimentais. . t dor as impressoes que 0 sujeito Ihe causou. No final de cada sessao, 0 comparsa r~latava ao. expen men ~ 't s que se encontravam na sal a adjacente. . I podia ser ouvldo pe los sUjel 0 , . fi d Este dialogo, supostamente con I enCla, . d oe-s de avalial'ao previamente defimdos. . . ntador obedeclam a quatro pa r " As impressoes comumcadas ao expenme . _ xpressas pelo comparsa eram negativas durante . .. ( d' -0 ganho») as Impressoes e Na condityao lIegatlVa-pOSlflva con Itya«. . d' 'duos vuloares nlio muito inteligentes, etc.). A par. - ( " t eram descntos como In IVI <>, as tres primelras sessoes os sUjel os . dar de opinilio acabando por apresentar uma mel'ava progresslvamente, a mu , . ,. tir da quarta sessao, 0 comparsa co decorrer " ' da u'I tlma . •• C -
Descri90es do comparsa

Atrac9iio (medias)

Positiva-negativa Negativa-negativa Positiva-positiva Negativa-positiva

0,87 2,52 6,42 7,67

. eJo com arsa e major na condityao «ganho» do que na condityao Como se pode venficar, a atractyao p p . h tTdade do que a condityiio «punityao «refortyo sistematico»; de igual modo, a condityao «perda» desperta mals os I I sistematica». . quotJ'd'lana s a-o eloquentes' . para alem das amizades e inimizades . . . - d t resultados para a Vida Assao Imphcatyoes es esperados, . . das, que mms . 'Influenciam a atractyiio que sentlestaveis, os elogios es menos ou as crfticas nao anteclpa mos pelos outros.



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reagem a iniquidade: nas rela~oes em que ex.iste uma «orienta~ao comunal>~ (Fiske, 1992), as reac~Oes afectivas negativas aos ganhos diferenciais sao menos intensas do que nas rela~oes mais orientadas para os «valores do mere ado» (Buunk, Doosje, laos e Hopstaken, 1993). Por sua vez, a teo ria da illterdependencia social de Thibaut e Kelley (1959; Kelley e Thibaut, 1978) afirma que a determina~ao das «perdas» e dos «ganhos» e, consequentemente, o grau de atrac~ao de uma rela~ao depende dos pr6prios padroes de avalia~ao utilizados pelos individuos. Mais exactamente, urn individuo avalia os resultados de uma rela~ao comparando-os com aquilo que pensa serem os «ganhos» e «perdas» que, em media, caracterizam uma rela~ao semelhante (n{vel de comparapio). Apenas nas situa~oes em que a percep~ao dos resultados se situa acima do nivel de compara~ao, a rela~ao em causa e considerada como satisfat6ria. Contudo, a manuten~ao de uma rela~ao menos atraente depende, igualmente, do numero de altemativas disponiveis num dado momento. E preciso que 0 n(vel de comparariio para as altemativas (definido como 0 nivel mais baixo de «satisfa~oes» que urn individuo esta disposto a aceitar em compara~ao com as «satisfa~oes» que julga possivel obter numa rela~ao altemativa) seja atingido para que 0 indivfduo ponha termo a rela~ao. A principal dificuldade das teorias do refor~o e da troca social reside na especifica~ao da natureza dos refor~os sociais. 0 que e que e refor~ante para urn dado indivfduo, numa dada situa~ao? Sem respondermos a esta questao corremos 0 risco de cair em explica~oes circulares: define-se a atraccrao de A por B em funcrao dos reforcros/gratificacroes proporcionados por B e, reciprocamente, a atraccrao de A e 0 criterio para afirmar 0 caracter reforcrante do comportamento de B. Vma das possfveis solu~oes consiste em postular urn motivolnecessidade de aprovariio

OU cOllsiderariio social em funcrao do qual s e especificaria a natureza dos reforcros (Jo nes 1974). Outra solu~ao consistiria em identific~ as possiveis classes de recursos susceptfveis de serem transaccionados nas rela~oes sociais (Foa e Foa, 1980). Tal como noutros domini os da psicologia, a oposi~ao entre os dois grandes grupos de teorias tende, cada vez mais, a atenuar-se. Como nota Berscheid (1985), na sequencia de Newcoomb (1968), a consistencia cognitiva pode ser concep_ tualizada como uma classe particular de situa~Oes refor~antes. Em contrapartida, os mecanismos subjacentes ao funcionamento do refor~o e ao estabelecimento de interdependencias compOrtamentais dependem, inevitavelmente, do processamento cognitivo da informacrao social.

1.2. A diniimica da atracfiio: determinantes da atracfiio e genese das reiafoes interpessoais A atrac~ao entre duas pessoas depende, antes de mais, da respectiva proximidade fisica e dos mecanismos mais gerais que tal proximidade pOe em jogo, a come~ar pela simples familiaridade. Desde 0 trabalho pioneiro de Zajonc (1968) que tern vindo a demonstrar-se os efeitos da mera exposiriio na atrac~ao interpessoal, sendo que tais efeitos se verificam mesmo quando os individuos nao tern plena «consciencia» dos estimulos geradores de atrac~ao (Bornestein, Leone e Gallet, 1987). De igual modo, entre as condi~oes conducentes a atrac~ao, ha que considerar 0 motivo de ajiliar;iio, concebido como a necessidade de estarmos pr6ximo dos outros e de obtermos satisfa~ao e suporte emocional (Murray, 1938; Schachter, 1959; Winter, 1996). Na revisao que fazem da literatura sobre a atrac~ao interpessoal, Marlowe e Gergen (1969)

ausencia de distin~oes precisas entre . 'ca(ll a coli 05 tipos de atrac~ao. Com efeito, tanto divers oS ndi~oes antecedentes como pelas carace1as CO . I"OglCOS P . as estruturais e processos PSICO terlstllC'dOs nao e legitimo tratar indiferenciadaVOVI ' en rela roes tao dispares como aquelas que se mente T • tabel ecem entre palS e filhos, entre amantes es. XO nados ou entre simples colegas de trabaapaI . Contudo, e possfvel identificar urn determl~~ . o numero de factores que, em malOr ou nad " £" au sao responsavels peIas «prelerenme no r gr ' . . . relacionais» que especlficam a generahdade Clas fen6menos de atraccrao. Entre esses factores, doS . de afil' ara alem da familiaridade e do moUvo I laP-o contam-se a beLeza fisica, as semeLhanr;as ~a , /. _ ( . _ ) interpessoais e as ava wfoes apreczaroes A

positivas.

A beleza t'isica

A beleza fisica constitui urn dos factores ou atributos pessoais cuja influencia na genese das rela~6es interpessoais tern sido sistematicamente investigada durante as duas ultimas decadas. De acordo com a generalidade dos estudos (Berscheid, 1985, 1986; Berscheid e Reis, 1998; Berscheid e Walster, 1974a), os efeitos positivos da beleza ffsica sobre a atrac~ao revelam-se consistentes atraves das idades, dos sexos e das categorias socioecon6micas. E 6bvio que os padroes de beleza apresentam uma variabilidade historica (Silverstein, Perdue, Peterson e Kelly, 1986) e uma relatividade cultural bastante acentuadas. Contudo, dentro duma mesma cultura e numa mesma epoca, existe uma convergencia notavel, expressa nas elevadas correla~oes «interjulzes» obtidas nas investiga~oes centradas na avalia~ao das dimensoes morfo16gicas do rosto (Berscheid e Walster, 1974a; Cunningham, Roberts, Barbee, Omen e Wu, 1995) e ilustrada pelas caracteristicas mais ou menos invariantes dos «model os» que nos sao propos-

tos atraves da publici dade e dos meios de comunica~ao social. Apesar da convergencia referida, con vern notar que a avalia'rao da beleza ffsica nao depende exclusivamente dos atributos objectivos, sendo, igualmente, influenciada por factores de natureza situacional (v.g., efeitos de contraste: em geral os individuos subavaliam a beleza de uma fotografia depois de terem observado uma serie de fotografias de individuos mais atraentes - Kenrick, Gutierres e Goldberg, 1989; Wedell, Parducci e Geiselman, 1987) e mediatizada por estados emocionais e/ou motivacionais (v.g., a activa~ao fisiol6gica conduz a sobreavalia~ao da beleza - White, Fishbein e Rutstein, 1981). Quais sao os processos explicativos dos efeitos da beleza na atrac~ao interpessoal? Para alem da evidencia dos efeitos directos, a resposta a esta questao passa pel a verificacrao da existencia generalizada de estereotipos socia is associados a variaveis morfol6gicas. Mais exactamente, os individuos tendem a associar a beleza a tracros de personalidade positivos. 0 estere6tipo segundo 0 qual «0 belo e born» foi real~ado por urn conjunto impressionante de estudos empfricos (Eagly, Ashmore, Makhijani e Longo, 1991; Jackson, Hunter e Hodge, 1995). Sao as educadoras de infancia, e os professores em geral, que tendem a valorizar e a tratar diferencialmente os alunos (Dion, 1972); as pr6prias maes das crian~as atraentes a dispensarem-lhes mais afecto e aten~ao (Langlois, Ritter, Casey e Sawin, 1995); os jufzes que tendem a ser mais indulgentes para com os reus mais atraentes (Efran, 1974), salvo se as suas caracterfsticas fisicas foram directamente instrumentais na prossecu~ao do crime (Sigall e Ostrove, 1975); sao, enfim, e entre outros exemplos posslveis, os entrevistadores que fazem da aparencia fisica urn criterio de selec~iio profissional (Cash, Gillen e Bums, 1977).

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Cabe perguntarmo-nos qual e a verdadeira natureza e 0 modo de funcionamento destes estereotipos. Em rigor, nao existe nenhuma razao plausfvel para que os mais «priviJegiados» fisicamente sejam, tambem, os mais dotados ao nivel de competencias cognitivas e sociais. Contudo, existe uma parte substancial de verdade nos estereotipos em causa. Assim, e possivel que, durante 0 processo de socializa~ao, 0 tratamento diferencial de que sao alvo os individuos mais atraentes possa contribuir para aumentar a auto-estima e, simultaneamente, condicionar 0 desenvolvimento efectivo de competencias e caracteristicas de personalidade socialmente valorizadas. Trata-se do processo mais generico da auto-realiza~iio das expectativas, descrito inicialmente por Merton (1948) e demonstrado nas mais diversas esferas da interac~ao humana (Darley e Fazio, 1980; Snyder e Swann, 1978). Contrariamente a outros estereotipos (v.g., os ligados aos papeis sociossexuais), os estereotipos Iigados a beleza fisica desenvolvem-se e funcionam em contextos bastante informais, tornando-se mais di ffci I delimitar-Ihes a influencia ou atenuar-Ihes as consequencias negativas (Dion, 1986). A importancia da beleza fisica em fun~ao do sexo foi igualmente objecto de investiga~ao. Ainda que diversos estudos (Walster, Aronson, Abrahams e Rottman, 1966; Berscheid, Dion, Walster e Walster, 1971; Feingold, 1991; Sprecher, Sullivan e Hatfield, 1994) indiquem que os homens, comparativamente as mulheres, dao maior importancia aos atributos ffsicos do sexo oposto, tais diferen~as podem vir a atenuar-se a medida que se assiste ao decIfnio do duplo padrao sexual. Duas questoes finais sobre as rela~6es beleza/ latrac~ao merecer-nos-ao uma nota especial, dada a sua pertinencia em fun~ao da investiga~ao actual. Em primeiro lugar, 0 estudo das consequencias da beleza para 0 proprio indivfduo tern

sido relati vamente descurado, se comparado com 0 estudo dos seus efeitos no outro. Se eVer. dade que existem numerosas investiga~oes qUe poem em evidencia processos de empare. Ihamento heterossexual (v.g., os individuos tendem a estabelecer rela~oes amorosas ou a casar com aqueles cujo grau de beleza fisica e relativamente proximo do seu - Murstein, 1972· Feingold, 1988) ou mecanismos compensa~ torios (v.g., as assimetrias na beleza sao Com. pensadas por assimetrias de sinal contrario ao nivel do estatuto socioeconomico ou das pr6prias caracteristicas da personalidade - Bers. cheid e Walster, 1974a), tambem nao e menos verdade que 0 problema das estrategias de «ren. dibiliza~ao» dos atributos ffsicos no ambito das interac~oes humanas tern sido insuficientemente estudado (Alferes, 1997). A segunda questao refere-se a maior ou menor importancia que a beleza ffsica pode assumir em fun~ao do tipo de rela~ao e dos objectivosl Inecessidades dos individuos nela envolvidos. o problema do peso relativo dos varios atributos (v.g., inteligencia, sociabilidade) que concorrem com a beleza para determinar 0 grau de atrac~ao social so pode ser resolvido se se especificar a natureza da rela~ao em causa (v.g., amizade versus amor) e os objectivos subjacentes as estrategias individuais de aproxima~ao/sedu~ao (v.g., procura de uma «aventura ocasional» versus projecto de uma rela~ao continuada).

As semelhan~as interpessoais Paralelamente a beleza fisica, a inteligencia ou a outros atributos pessoais, e possivel identificar urn segundo tipo de condi~6es antecedentes da atrac~ao interpessoal, que nao se situa no plano individual, mas no da propria rela~ao (cf. ponto 3.1). Estas condi~oes relacionais da atrac~ao dizem respeito, prioritariamente, as semelhan~as interindividuais ao nivel das atitudes, das opi-

._ s dos interesses, dos tra\os de personalidade, oe Ill c~mpetencias cognitivas e socioemocionais das de qualquer outra dimensao das actividades ou an as (Cann. Calhoun eBanks, 1995; Hogg, hum oper-Shaw e Holzworth, 1993). CoEntre os dlVersos . d " OmInlOS estudd a os, a . 'de~ncia da semelhan~a de atitudes na atractO el . _ e aquel e que se encontra mms amplamente o ya documentado (Cappella e Palmer, 1990). Com [! ito, desde os anos 60 que Byrne (1971) tern ee . ,. d . do a desenvolver urn programa sistematico_ e, vJJ1 . vestiga~6es que mostra que 0 grau de atrac\ao e JJ1 . d' I funya o directa do grau de semelhan~a atltu Ina. o paradigma experiment~ (dit~ do [also de~co­ nhecido) utilizado nestas mvestlga~oes conslste, fundamental mente, em solicitar a cada individuo que avalie urn outro indivfduo em duas escalas de sete pontos (indicando em que grau gosta dele e em que medida gostaria de trabalhar com ele) depois de ter tido acesso a urn questionario de atitudes pretensamente preenchido pelo segundo. Na realidade, e 0 proprio experimentador que preenche 0 questionario fazendo variar, de modo sistematico, a propor~ao de atitudes semelhantes entre os dois sujeitos, com base nas respostas dadas pelo primeiro individuo a urn questionario identico previamente preenchido. Byrne (1971; Clore e Byrne, 1974) interpreta a rela\ao funcional entre semelhan~a de atitudes e atracr;ao interpessoal integrando a no~ao de validariio consensual, derivada da teoria da compara~ao social de Festinger (1954), com 0 conceito cIassico de refor~o. Mais exactamente, a verifica~ao da convergencia atitudinal e uma situar;ao intrinsecamente refor~ante, na medida em que a valida~ao consensual satisfaz a necessidade de organiza~ao logica do mundo social. A posi~ao de Byrne contrasta com a assumida pelos defensores da teoria da complementaridade (Winch, 1958), segundo a qual sao as assimetrias em diferentes atributos que geram

atrac~ao.

Apesar de a maioria das investiga~6es empfricas favorecer a tese da semelhan~a, convern acentuar, como 0 fazem Gergen e Gergen ( 1981), que a op~ao entre semelhan\a e complementaridade implica a considera\ao de diversos factores, nomeadamente 0 tipo da dimensao em estudo, as significa~oes sociais que Ihe estao associadas e os motivos subjacentes aos comportamentos individuais no quadro da rela\ao. Num artigo recente, Rosenbaum (1986a) contesta a importancia atribuida a semelhan\a, procurando uma explica\ao alternativa para os resultados de Byrne. Segundo 0 autor, nao e a semelhan\a de atitudes em si mesma que gera atrac\ao, mas a dissemelhan~a que leva ao afastamento/repulsao. Em termos concretos, numa primeira fase da rela~ao, a dissemelhan~a de atitudes geraria desconforto, levando os individuos a diminuir os contactos. A semelhan~a seria, apenas. uma situa~ao neutra ou, na melhor das hipoteses, facilitadora das interac~6es comportamentais. As verdadeiras razoes da atrac~ao relacionar-se-iam com os diversos acontecimentos ocorridos na interac~ao para alem da convergencia de atitudes. A potemica permanece em aberto (Byrne, Clore e Smeaton, 1986; Rosenbaum, 1986b; Smeaton, Byrne e Murnen, 1989) e a sua com pi eta elucida~ao exigi ria uma referencia extensa a pormenores metodologicos incompativel com a natureza do presente capitulo. Por isso, remetemos 0 lei tor interessado para a bibliografia citada neste paragrafo. Hetero-avalia~oes,

auto-estima

e «estrategias de sedu~ao»

o corolario das teorias do refor~o e da troca social, «gosto de quem gosta de mim», traduz a importiincia de uma terceira categoria de condi~oes antecedentes da atrac~ao interpessoal: as ap,.ecia~oes positivas dos outros. Apesar de amplamente documentado (Blau, 1964; Byrne,

136

137

1971 ; Homans, 1961), 0 fen6meno da reciprocidade da atrac~ao coloca alguns problemas ao nfvel da interpreta~ao. Obviamente que a necessidade de considera~ao positiva (Rogers, 1959) constitui urn dos motivos basicos do comportamento humano, pelo que nao e de estranhar que os elogios ou comentarios positivos do outro relativamente ao meu comportamento me levem a gostar dele: «As amizades sao sociedades de admira~ao mutua». Contudo, mesmo que se considere, na sequencia de Homans (1961), que a aprova~ao social constitui urn refor~o general izado (transituacional), ha que reconhecer que a sua eficacia depende da especificidade das situa~oes e/ou da presen~a de variaveis moderadoras associadas a tra~os de personalidade. Entre estas variaveis, cabe referir 0 papel central da auto-estima. Num estudo de Jones, Knurek e Regan (1973 , cit. in Jones, 1974), indi-

vfduos cujo grau de auto-estima era previamente conhecido foram distribufdos por duas condi. ~oes experimentais: aprovariio e desaprovariio No final de uma discussao com urn grupo d~ estudantes era-Ihes comunicado que os outros aprovaram (condif;ao I) ou nao (condirao 2) as suas posi~oes (claro que 0 sentido das comuni. ca~oes era «manipulado» pelo experimentador). Em seguida, tinham oportunidade de indicar 0 grau de atrac~ao que sentiram pelo «avaliador» Os resultados sao os que se apresentam na Figura I. Como se pode verificar, a atracc;ao e mais elevada na condirao aprovarao. Contudo, os indivfduos com alta auto-estima sao menos afectados pelas aprecia~oes em qualquer das duas condic;oes (i.e., manifestam menor atracc;ao na condirao aprovarao e maior na condiriio desaprovarao). Esta interacc;ao entre auto-estima e aprova~ao revela que a «reciprocidade

FIGURA

1

A atrac-;ao interpessoal como fun-;ao da auto-estima e da aprova-;ao dos outros (Dados originais: Jones, 1974. p. 145)

7 Auto-estima • Baixa • Alta

6 0

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do gostar» e, pelo menos em parte, moderada el a auto-estima do sujeito que e avaliado. p UI11 outro conjunto de circunstancias susceptiV el de relativizar a importancia da reciprocidade liga-se directamente a eventual contradi~ao entre as auto e hetero-avalia~oes. Se nao ha consonancia entre os elogios que me fazem e aquilo que efectivamente pen so de mim, sou levado a duvidar do meu interlocutor, ou porque passo a julga-Io como menos «lucido», ou, mais importante, porque sou levado a pensar nos verdadeiros motivos subjacentes ao seu comportamento. Esta ultima circunstancia poe em evidencia a contradic;ao entre duas grandes estrUturas motivacionais: a considerarao social e a consistencia cognitiva. Simultaneamente, levanta 0 problema da manipula~ao nas rela~oes interpessoais. Mais exactamente, numa situac;ao em que somos alvo de aprecia~oes positivas, procuramos fndices que nos permitam decidir sobre a «sinceridade» dos elogios. Trata-se, no fundo, de urn processo de atribui~ao, no qual as «estrategias» utilizadas pelo «avaliador» seriam escrupulosamente analisadas para alem do seu valor facial. Se e indiscutfvel que a necessidade de considerac;ao social coloca qualquer indivfduo numa posic;ao vulnenlvel perante aprecia~oes positivas, e, igualmente, verdade que as «estrategias de seduc;ao» nem sempre atingem os objectivos que se propoem. Jones e Pittman (1982; Jones e Wortman, 1973) designam por estratigias de auto-apresentariio os comportamentos motivados pelo desejo de manter ou aumentar 0 poder sobre 0 outro atraves da indufiio de atribuiroes sobre caracteristicas disposicionais do actor. Estes autores distinguem cinco estrategias principais: aliciamento/seduc;ao (ingratiation), intimidac;ao, autopromo~ao, exemplaridade e suplica. A primeira das estrategias - aliciamento reveste-se de particular importancia no contexto da atracc;ao interpessoal, na medida em que a

atribui~ao que 0 actor procura induzir no interlocutor e precisamente a de que «ele (actor) e uma pessoa de quem se gosta». Mas, ao procurar cair nas «boas gra~as» do outro (autodescrevendo-me de modo positivo, manifestando opinioes semelhantes, elogiando-o ou fazendo-lhe «favores»), corro 0 risco de ser visto como impostor, conformista ou subserviente e, em vez de despertar afei~ao, induzir desprezo ou desconsidera~ao. E nisto que consiste 0 dilema do sedutor: quanta mais intensos sao os motivos que me levam a aliciar 0 outro, maior e a probabilidade de que ele se questione sobre as verdadeiras razoes do meu comportamento. Em termos formais, Jones e Pittman (1982) afirmam que os comportamentos de seduc;ao sao determinados por tres factores principais: a) valor incentivo ou importancia atribufda ao facto de 0 outro vir a gostar de mim; b) probabilidade subjectiva de que as minhas acc;oes sejam bern sucedidas na indu~ao das atribui~oes esperadas; e c) legitimidade percebida ou apreciac;ao individual de que tais acc;oes sao compatlveis com os padroes morais do actor. A contradi~ao reside no facto de que, por exemplo, a dependencia face a outro aumenta 0 valor incentivo, mas, simultaneamente, a probabilidade subjectiva de o influenciarmos, atraves do elogio, ve-se drasticamente reduzida na medida em que tal indivfduo tern «motivos» mais que suficientes para procurar certificar-se da veracidade das nossas ac~oes .

1.3. Um caso especial de atracfiio interpessoal: 0 amOT passional A paixao, tema recorrente de poetas e romancistas, constitui urn caso especial entre os diversos tipos de atrac~ao interpessoal. Com efeito, a intensidade do amor passional distingue-o facilmente da amizade e de outras for-

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mas intermedias de atrac~ao. 0 seu care/eter efemero e vulnenlvel contrasta com a estabilidade e durabilidade das experiencias de vincula~ao infantil ou com a aparente continuidade do amor conjugal. A idealizarao do ser amado. ou mais exactamente a antecipa~ao fantasiada de gratifica~oes ilimitadas na rela~ao com 0 outro, parece excluf-Io do campo do deve e haver das trocas sociais e afectivas. Por ultimo, a genese da paixao, associ ada a presen~a de urn conjunto heteroclito de emoroes positivas e negativas. opoe-a as forrnas de atrac~ao em que as condi~oes antecedentes desempenham, quase exclusivamente, urn papel refor~ante. Seguindo urn percurso diferente das abordagens de inspira~ao clinica (Fromm, 1956; Maslow, 1954), Rubin (1970, 1974) procurou distinguir 0 amor do simples gostar de com base em duas escalas psicometricas (love scale e liking scale). A analise das respostas aos diferentes itens permitiu ao autor identificar as principais dimensoes subjacentes a cada uma das escalas. Assim, a vineularao. a preoeuparao com 0 outro e a intimidade caracterizariam 0 a1ll01; ao passo que 0 simples gostar de remeteria fundamentalmente para 0 respeito e a afeirao. Outros estudos (Steck, Levitan, McLane e Kelley, 1982; Swensen, 1972), com Iigeiras divergencias, apontam no mesmo sentido. Contudo, a primeira analise sistematica do am or passional deve-se a Walster e Berscheid (1971; Berscheid e Walster, I 974b). Hatfield e Walster, privilegiando a dimensao especificamente emocional da paixao, definem 0 amor passional como «urn estado de desejo intenso de uniao com 0 outro. 0 amor retribufdo (uniao com 0 outro) esta associado a satisfa~ao e extase. o amor nao retribufdo (separa~ao) a sensac;ao de vazio, ansiedade ou desespero. Urn estado de profunda activa~ao fisiologica» (1978, p. 9). Neste contexto, 0 estudo das condi~oes antecedentes da paixao merece especial relevo, na

medida em que parece questionar 0 mOdel dominante das teorias do refor~o. Com efeitoo enquanto a simples atracc;ao esta associ ada co~ refor~os positivos, existem diversas situa~oes aparentemente aversivas, que facilitam a erner~ gencia do amor passional. Como paradig ma destas situa~oes podemos referir, entre outras, a experiencia de Dutton e Aron (1974). Os autores procuraram testar a hipotese segundo a qual a ansiedade (medo) gera atrac~ao. Para isso urna entrevistadora atraente (comparsa dos experi_ mentadores) abordou sujeitos do sexo rnasculino em duas situa~oes geradoras de nfveis diferenciados de activa~ao fisiologica. Na primeira situa~ao (condirao activarao) era-lhes solicitado que preenchessem urn questionario apos atravessarem uma ponte estreita e oscilante suspensa sobre urn desfiladeiro a cerca de setenta metros de altura; na segunda (eondirao niio-activarao), 0 cemirio da entrevista consistia na travessia de uma outra ponte baixa e s6lida. Apos 0 preenchimento do questionario, a entrevistadora fomecia aos sujeitos 0 seu mimero de telefone e convidava-os a ligarem, na eventualidade de estarem interessados em obter informa~oes adicionais sobre a investiga~ao em causa. A analise dos resultados indicou que a percentagem dos sujeitos que contactaram a entrevistadora foi significativamente superior na condirao aetivarao. Alem disso, as respostas aos questionarios dos sujeitos nesta condi~ao apresentavam, com maior frequencia, conteudos de natureza sexual. Berscheid e Walster (1974b; Hatfield e Rapson, 1987), com base nos resultados desta e de outras investiga~oes, procuraram interpretar a genese da paixao no quadro da teoria bifactorial das emo~oes de Schachter (1964). A semelhan~a doutros estados emocionais, a experiencia da paixao pressuporia duas condi~oes: primeira, aetivarao fisiol6gica intensa, mas relativamente indiferenciada; segunda, roW-

~ cogllitiva do est ado de activa~ao com base

lafa~ dices situacionais disponfveis, no campo

oo~ 1~6gico do sujeito. Assim, na investiga~ao pSICOutton e Aron (1974), na ausencia de outros de ~ S os sujeitos na cOlldirao experimental, IodIce, ·b . . I do activados pelo medo, atn umam ta ao qU . nao a sltua~ao . - 0 b·· , ~ectlva, mas a presen~a . efel to ars do expenmentador. A expI'Ica~ao da CO rnp a arnor passional dentro do modelo da falsa do . ' . ibuiriio encontra apOlo nas mvestlga~oes afr 's recentes de WhoHe, F'IS hb em . e Rutstem . mm . d (1981). as autores reglstaram 0 grau e atrac~ao or uma comparsa (observada em registo vfdeo) p qu e, em metade das situa~oes, se apresentava de modo atraente e, na outra metade, de modo menos atraente. Na condirao forte QctiVQrao. os sujeitos faziam a sua avalia~ao apos terem corrido durante 120 segundos; na eondirao fraca acfivar ao corriam apenas durante 15 segundos.

Os resultados obtidos indicam-se na Figura 2. Como pode verificar-se, as avalia~oes dos indivfduos na condirao forte aetivarao sao mais extremadas: sobreavaliam 0 «modelo» atraente e subavaliam 0 «modelo» menos atraente. Contudo, Kendrick e Cialdini (1977) colocam algumas reservas a explica~ao pela falsa atribui~ao. Para estes autores, os erros de atribui~ao so sao susceptfveis de ocorrer quando a fonte de activa~ao, ainda que presente, nao se revista de particular saliencia. Ora, nao e este 0 caso da experiencia de Dutton e Aron (1974), em que as condi~oes ffsicas seriam suficientemente salientes para que os sujeitos as identificassem como fonte de activa~ao. Nesta perspectiva, existiria uma atribui~ao correcta da activa~ao e a atrac~ao pel a comparsa seria explicada pelo modelo do reforro negativo. Mais exactamente, a presenc;a da comparsa reduzia a ansiedade e

FIGURA 2

Grau de atrac~io em fun~io da activa~io fIsiol6gica e da beleza flsica (Fonte: White, Fishbein e Rutstein, 1981, p. 59)

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Beleza frsica

. / III Mcdelo aireente

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ActivayAo

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seria este facto que a tomaria mais atraente para os sujeitos na condiriio forte activariio. Esta controversia entre as explica~oes pela falsa atribui~ao e pelo refor~o negativo foi recentemente retomada por Allen. Kenrick, Linder e McCall (1989). Os autores continuam a defender a interpretayao pelo refor~o da experiencia de Dutton e Aron. Contudo, reconhecem que tal modelo nao funciona no caso das investigayoes de White et al. (1981; White e Kight, 1984), na medida em que 0 decrescimo de atrac~ao pel a comparsa menos atraente, ap6s activa~ao gerada por uma fonte neutra, e imprevisfvel a partir da teoria do refor~o negativo: «E contrano ao modelo preyer que uma pessoa possa simultanearnente actuar como reforyo negativo e tomar-se menos atraente» (Allen et al. 1989, p. 262). Os autores acabam por propor urn terceiro modelo, estruturalmente identico ao da facilitariio social de Zajonc (1968), que designam porfacilitariio de resposta. Tal modelo afirma que a activa~ao, independentemente da saliencia e do canicter positivo, negativo ou neutro da fonte que a gerou. funciona como factor motivacional indiferenciado (semelhante ao impulso hulliano) em presenya do qual 0 indivfduo executa a resposta dominante na situayao actual. Exemplificando: em estado de activa~ao e perante uma mulher atraente, a resposta dominante e a atrac~ao, verificando-se 0 contnirio na situa~ao inversa. Na sua aparente simplicidade, 0 modelo da facilita~ao de resposta nao implicaria a fraca saliencia da fonte de activa~ao, pressuposta pela teoria da falsa atribui~ao, nem teria dificuldades a Iidar com as situa~oes neutras, em que 0 «objecto» de atrac~ao se ve impossibilitado de funcionar como refon;:o negativo. Entre as condi~6es antecedentes da paixao contam-se, tam bern, acontecimentos emocionalmente positivos: excita~ao e gratifica~ao sexual ou satisfa~ao de necessidades em geral (Berscheid e Walster, 1974b; Hatfield e Rapson, 1987).

Duas questoes fundamentais parecem eSlar ausentes da reflexao que temos vindo a faZe sobre 0 amor passional. Em primeiro lugar, a~ semelhanya do que se passa com 0 estudo das condi~oes antecedentes de outras form as de atrac~ao. as investiga~oes tem-se centrado Prj. mordialmente em atributos pessoais, descurando o papel do sujeito na constru~ao das proPrias situa~oes de interac~ao. Em segundo lugar, ha que reconhecer que a compreensao do amor Passional nos remete inevitavelmente para as nOrmas culturais e para os scripts sociais. Aborda_ remos sucessivamente estes dois aspectos. No que diz respeito ao primeiro, cabe referir a Iinha de investiga~ao de Snyder (1987) sobre o papel dos sujeitos na constru~ao de cemirios romanticos na escolha dos potenciais parceiros. Por exemplo, Snyder, Berscheid e Glick (1985) mostrararn que os indivfduos com elevado grau de automonitorizariio (capacidade de controlar o comportamento expressivo) sao mais susceptfveis de iniciar uma rela~ao romantic a com base na aparencia exterior do potencial parceiro, ao passo que os indivfduos com baixa automonitoriza~ao dao maior importancia aos atributos «internos». A automonitorizayao esta igualmente relacionada com a escolha das situayOes apropriadas para iniciar uma relayao amorosa. De acordo com urn estudo de Glick (1985), os sujeitos com elevada automonitoriza~ao, quando confrontados com a possibilidade de optar entre urn ambiente romantico (v.g., jantar num restaurante agradavel) e outro menos rom anti co (v.g .• lanchar no bar da universidade), escolhiam 0 primeiro com maior frequencia do que os sujeitos com baixa automonitofiza~ao. Quanto ao segundo aspecto acima referido - 0 papel dos factores sociocuIturais na genese da paixao -, e importante acentuar a existencia (pelo menos no que se refere as sociedades ocidentais contemporaneas) de normas e expectativas culturais de acordo com as quais todos os

. 'duos se devem apaixonar (Jankowiak e . dl VI I~ hef, 1992). 0 amor passional aparece cada fiSC ais como uma condi~ao previa para 0 veZ J1lenta (Campbell e Berscheid. 1976; SimcasaJ1lCaJ1lpbell e Berscheid. 1986). Pson, 'ferminaremos est~ sec~ao com uma br~ve -0 aD caracter efemero do arnor romantIco. alus a aco rdo com Blood (1967), os «casarnentos de De r» e OS «casamentos de convemenCla» apreaJ1l0taJ1l padroes dherenCla .&. d os no que d'IZ respel't0 sen . as «J1lanifestayoes amorosas» entre os parcelros. EstaS declinariam mais rapidamente (sobretudo partir do segundo ano) nos «casamentos de ~onveniencia». Contudo, ao fim de dez anos nao existiriam diferenyas significativas. A evolu~ao do arnor passional e a sua relayao com outros tipos de amor sera objecto da Sec~ao 3. A

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2. A construc;ao social da sexualidade Aceita-se, sem grande dificuldade, que 0 desejo sexual constitui urn dos componentes principais das relayoes passionais (Berscheid, 1988). Contudo, a sexualidade nao se circunscreve as situayoes romanticas ou amorosas. A conjuga~ao amorlsexo nao e uma necessidade biol6gica. nem urn imperativo social, mas, apenas, uma das possfveis soluyoes hist6rico-culturais para 0 problema da articula~ao entre reprodu~ ao biologica e vinculayao social. Apesar de a generalidade dos investigadores afinnarem explicitamente 0 caracter psicossociai da sexualidade, esta so muito recentemente se veio a constituir como probiematica especffica em psicologia social (Byrne, 1977; Hatfield e Rapson, 1987). Para alem das habituais razoes de ordem moral ou de prestfgio cientffico, a princi-

pal causa desta situa~ao reside, fundamentalmente, na aceita~ao generalizada da dicotomia instinto/norma (Alferes. 1987a). Por urn lado, os comportamentos sexuais sao analisados numa perspectiva psicobiologica. prisioneira da sexualidade natural e dos mecanismos filogeneticos que the dao forma; por outro. as perspectivas estritamente antropol6gicas e/ou sociol6gicas. ao insistirem excessivamente nos relativismos culturais ou nas regularidades normativas, ignorarn o papel do sujeito na gestao que faz das suas experiencias e do seu corpo e na significayao que atribui aos seus comportamentos. Na perspectiva da psicologia social. a sexual idade constitui um caso particular das interacyoes humanas, pelo que a sua compreensao nos remete directamente para os mecanismos gerais que regulam tais interacyoes. Alem disso. 0 estudo dos padroes de comportamento sexual e indissocilivel das representa~oes sociais da sexualidade que orientarn e dao significado a acyao.

2.1. Encenafoes culturais, interpessoais e intrapsiquicas Nesta perspectiva, os comportamentos sexuais. a semelhanya de quaisquer outros, sao conceptualizados como resultando de urn processo de construriio social e nao como a manifestayao de uma motivayao ou instinto especial interiores ao organismo. Gagnon e Simon (1973; Simon e Gagnon, 1986. 1987) introduziram 0 conceito de script sexual para dar conta do caracter construfdo da sexualidade. Os scripts sexuais, que constituem um caso particular dos scripts sociais. podem ser definidos como esquemas (socialmente construfdos) de atribuiyao de significayao e de orienta~ao (direc~ao) da ac~a03.

3 Script significa literalmente «manuscrito de uma pe~a de teatro ou de urn filme, ou do papel de urn actor» (The Lnicon Webster Dictionary) e poderia ser traduzido pelo portugues guiiio. Optamos. contudo, pel a manuten~iio do original, tendo em considera~iio 0 seu uso generalizado para alem das fronteiras da literatura psicol6gica anglOfona.

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Para os autores. 0 conceito de script «e essencialmente uma metafora para conceptualizar a produ'rao de comportamentos no interior da vida social~> (1986. p. 98). Pelas suas fun~oes. 0 concelto de script aproxima-se do conceito de representaplo social (Moscovici, 1976; cf. Capitulo XIV). Com efeito, a semelhan~a das representa~oes sociais, os scripts referem-se a modalidades de conhecimento pratico. socialm.ente elaboradas e partilhadas. constituindo, slmultaneamente, sistemas de interpretariio e de categorizariio do real e modelos ou guias de acriio. De modo mais especffico, os scripts sao estrutu.ras cognitivas (cf. CapItulo XI) que «orgamzam a compreensao das situa'roes baseadas em acontecimentos», incluindo expectativas sobre a respectiva ordem de ocorrencia (Abelson. 1981, p. 717). No. interior. de uma dada cultura. os scripts sexuals especlficam: a) quem sao os possiveis parceiros sexuais; b) em que circunstancias - onde e quando - e apropriado comportarmo-nos sexualmente e que tipo de actividades _ o q~e e como - nos e «permitido»; c) quais os motlvos ou razoes - porque - que nos levam a comportar de modo sexual (Gagnon, 1977). Por outras palavras, enquanto significa~oes partiIhada~ pelos actores sociais, os scripts sexuais o~gamzam os comportamentos sexuais, defim~do as situ~~oe~ de interac~ao, gerando expect~tIvas relaclOnaIs e sinalizando as respostas «mcongruentes». A importancia dos scripts na regula~ao dos comportamentos sexuais pode ser perspectivada a tres niveis distintos. Num primeiro nivel 4

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- encenaroes culturais 4 - encontramo . . s «Os gums gerais» da ac~ao tal como se expr " ' essa no plano das slgmfica~oes e normas colect' III N ass, L"Ibby e FIsher (1981) consideram 1Vas . . . .... Cinco tlpOS pnnclpals de SCripts: 0 «script reli . t d" I gloso ra IClona », 0 «script romantico», 0 «script d . b re Ia~oes sexuals aseadas na amizade» as «script da infidelidade ocasional» e 0 « '. 0 '1' , . SCrtPt UtI Jtano/predador». DeLamater (1987) fal . _ '. a de onenta~oes ou Ideologlas sexuais (v.. g ., aSCe_ . tIsmo, sexo reprodutivo, relacional, hldico terapeutico) Jigadas. directa ou indirectamen~U a quatro grandes institui~oes sociais (religi- e, ~ fl " ao, ,amI la, economla e medicina). Num segundo nlvel - scripts interpessoais _ a sexualidade e perspectivada em fun~ao das respostas• concretas dos actores sociais itS ). expectahvas normativas decorrentes das encena~~es culturais. Mais exactamente, no quadro das. Interac~oes sociais, os indivfduos procuram, recJProca~ente, articular os seus desejos e planAos .sexuals. Esta tarefa e facilitada pela existe?c~a de scripts interpessoais que organizam tals I~terac~oes, fomecendo aos sujeitos pistas ~ara mterpretarem e coordenarem os respectIvos comportamentos, reduzindo, deste modo a ambiguidade das situa~oes. Para os actore~ em presen'ra, os scripts interpessoais constituem a interpreta~ao comum e contextualiz~da das encena'roes culturais pertinentes. Slf~on e Gagnon definem os scripts interpessoals como «as representa~oes do eu e das "imagens implicitas" does) outro(s) que facilitam a ocorrencia de trocas sexuais» (1987, p.365).

o ongmal cultural scenarios. 0 termo scenario e virtu I " . . . a ,mente smommo de scrzpt e refere-se ao: «I, Esbo~o do enredo de urn trabalho dramatico em que s d~ e ao pormenores vanados d . manuscrito de urn filme em que e dada a s ' . d _' . e cenas. personagens e sltua~6es; 2, Esborro ou equencla a ac~ao a descnrrao das ) C • I .. cenas e personagens e 0 material escrito a aparecer no ecra» (The Lexicon Webster DI'Ct' IOI/arv. omo ta dlstlOgue se d ' ) " tugues «cenario»). que se aplica com prop ' d d . • .0 109 es scenary (correspondente ao por• ne a e. aos aspectos decoratlvos d i N . tradu<;ao mais apropriada para scenario e «encena~ao». 0 pa co. este contexto. Julgamos que a

comunica~ao representa urn dos aspectos A .' . , ais nos SCripts InterpessoaIs, uma vez que e tr cel1 yeS dela que «urn encontro sexual potencla . I atratransforma numa troea sexual explicita» s~. on e Gagnon, 1987, p. 366). Em contextos ( laJ1rn dardizados, 0 problema da comunica~ao e est . lativamente menor e os SCripts transformamre em simples rotinas de interac~ao (Goffman. -se 1967). Contudo, em situa~oes menos convenionai s, a propria «entrada num script sexual» e ~bjecto de negocia~ao ao nivel da atribui~ao de significa~oes e .da confirma.~ao das identidades sociais e sexualS. McCormIck e Jesser (1983), ao analisarem as situa~oes de enamoramento, concluem que, apesar do relativo declinio do duplo padrao sexual, os rapazes. mais do que as raparigas, continuam a utilizar estrategias activas de sedu~ao. Shotland e Craig (1988) rnostraram experimentalmente que tanto os homens como as mulheres sao capazes de diferenciar entre «inten~oes amigaveis» e «inten~oes sexuais», ainda que os primeiros manifestem limiares mais baixos para atribui~ao de significar;oes sexuais. Muehlenhard e Hollabaugh (1988) assinalam que 39.3% das mulheres ja reeusaram, pelo menos uma vez, ter rela~oes sexuais, ainda que 0 desejassem. A prevalencia deste script ehlssieo (Women sometimes say no when they mean yes) esta associada a adesao a estere6tipos tradicionais dos papeis sexuais e a dimensoes atitudinais como a erotofobia-erorofilia. Note-se que esta investiga~ao incidiu sobre estrategias de recusa concomitantes com 0 desejo de se envolver numa rela~ao sexual e nao em situar;oes ditas de «assedio sexual». Entre as razoes invocadas para a incongruencia entre comportamentos e desejos contam-se, para alem das de ordem pratica, as relacionadas com factores de inibi~ao e com a utiliza~ao de estrategias de manipula~ao. A maior «disponibilidade» dos homens para entrarem num script sexual, independentemente

do conhecimento previo do parceiro, e exemplarmente ilustrada por uma investiga~ao experimental em «meio natural» realizada por Clark e Hatfield (1981. cit. in Hatfield. 1982). Os autores pediram a comparsas dos dois sexos que contactassem informalmente. em diferentes locais do campus universitario, colegas deseonhecidos do sexo oposto. Oepois de uma breve frase em que manifestavam que ja ha algum tempo vinham a reparar neies, os comparsas convidavam os sujeitos para: a) urn encontro futuro; b) visitarem o seu apartamento e c) irem para a cama. Sintomaticamente, 75% dos homens aceitaram ir para a cama, 69% dispuseram-se a visitar 0 apartamento da comparsa e 50% encararam a possibilidade de urn futuro encontro; no caso das mulheres, nenhuma quis ir para a cama com 0 comparsa desconhecido, 6% prestaram-se a visitar 0 respectivo apartamento e, finalmente, 56% aceitaram marcar urn encontro. E ao nivel dos scripts interpessoais que se desenvolvem as estrategias de sedu~ao e que os atributos, ou factores pessoais de atrac~ao. sao susceptiveis de utiliza~ao estrategica. Por exemplo. Snyder. Simpson e Gangestad (1986) mostraram que urn elevado grau de automonitoriZQ~iio esta associ ado a urn maior numero de experiencias sexuais e a atitudes mais permissivas relativamente a sexualidade. Outras variaveis de natureza disposicional. como 0 «humor de momento» (Forgas, Bower e Krantz. 1984) ou 0 «estilo competitivo» (Laner, 1989), podem influenciar a «entrada nos scripts sexuais». Forgas e Dobosz (1980) analisaram as representa~oes de vinte e cinco epis6dios interpessoais heterossexuais (v.g., umflirt sem consequencias durante uma festa de amigos, uma situa~ao de infidelidade, urn casamento de trinta anos, etc.) e chegaram a conclusao de que os sujeitos classificam os scripts interpessoais em fun~ao de tres dimensoes: sexualidade (sexo ffsico versus mero envolvimento afectivo), valorizariio e

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equilfbrio das relaroes (rela~oes frustrantes versus satisfat6rias; relalfoes simetricas versus desiguais) e amor e compromisso (relalfoes efemeras versus rela~oes duradoiras). Por ultimo, ha que considerar 0 nlvel intrapSlquico dos scripts. Ainda de acordo com Simon e Gagnon, enquanto os scripts interpessoais facilitam a ocorrencia de comportamentos sexuais, os scripts intrapsiquicos constituem uma encenap'io privada do desejo e referem-se a «sequencia de significa~oes (Jigadas a actos, posturas, objectos, gestos) que induz e mantem a activa~ao sexual, conduzindo eventual mente ao orgasmo» (1987, p. 366). Os scripts intrapsfquicos dizem, pois, respeito a liga~ao entre fantasias e actividades sexuais, a articu)a~ao entre imaginano e comportamento (cf. ponto 2.2), podendo ser conceptualizados como mapas amorosos individualizados (Money, 1988). Num inquerito recente sobre valores, atitudes e comportamentos sexuais (Alferes, 1997), procuramos definir os contomos e evidenciar as figuras centrais da sexualidade, a partir das respostas de 587 estudantes universitarios. Os resultados obtidos indicam que. tanto no domfnio comportamental como nos domfnios atitudinal e normativo. os dois sexos estao de acordo no que diz respeito a sexualidade pre-matrimonial orientada para 0 prazer e vivida no quadro de uma rela~ao emocional duradoira. o script do «sexo com afecto» e, pois, urn script maioritariamente partilhado. Em contrapartida, a adesao ao «sexo pelo sexo» continua a ser quase exclusivamente masculina. Por outras palavras, as respostas dos inquiridos permitem-nos concIuir pela existencia de urn duplo padriio sexual cOlldicional (Reis, 1967; Sprecher, McKinney e Orbush, 1987), por oposi~ao ao duplo padrao chissico, no qual. independentemente da tonalidade afectiva da rela~ao, a sexualidade pre-matrimonial estaria exclusivamente reservada aos homens.

Assim, na gam a de idades estudada, a taxa de virgindade masculina e sempre menos ele. vada do que a feminina. Enquanto esta desce abaixo dos 50% (48.1%) na classe 20-21 anos a taxa masculina e, nesta mesma cIasse etaria' de 16.7%, verificando-se, igualmente, que ao~ 18-19 anos apenas urn ter~o dos rapazes Contra aproximadamente tres quartos das raparigas sao virgens. Em media, a primeira relalfao sexual dos homens precede de cerca de urn ano a das mulheres (17.7 versus 18.8 anos). Os homens tiveram mais parceiros sexuais, quer no ultimo ano, quer durante todo 0 ciclo de vida; de igual modo, tiveram mais «aventuras de uma s6 noite», mais parceiros concomitantes com 0 actual parceiro (cf. Figura 3A), desejando relacionar-se sexualmente com urn maior numero de parceiros e esperando vir a faze-Io no futuro. Pensam mais sobre sexo, masturbam-se mais e tern maior experiencia do orgasmo (cf. Figura 3C). Do ponto de vista atitudinal, revelam-se mais permissivos, admitindo mais facilmente 0 sexo ocasional, 0 sexo sem compromissos e 0 sexo impessoal (cf. Figura 3F). Por sua vez, as mulheres mostram urn maior conhecimento da eficacia dos metodos contraceptivos e, ao nfvel das atitudes, manifestam-se mais sensibilizadas para a educa~ao sexual e planeamento familiar (factor responsabilidade na Figura 3F). No que respeita a primeira rela~ao sexual, os homens declaram-se menos apaixonados pelo parceiro do que as mulheres, ainda que em ambos os casos as percentagens ultrapassem os 50% (62.7% para os homens e 88.5% para as mulheres). Nas situa~oes em que existe paixao, a idade do primeiro parceiro e, igualmente, conforme aos padroes c1assicos: 0 homem mais velho do que a mulher (cf. Figura 3B). Note-se, contudo, que os homens e as mulheres aplicam uma «norma igualitana» a idade considerada apropriada para a primeira rela~ao sexual, se

FIGURA

3

Sexualidade e duplo padrao em estudantes universitarios portugueses (Oados origillais: Alferes, 1997)

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concomltantes

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5

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\.-iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii------o

-

Pslx~o pelo

10 20 30 40 50 60 70

eo

90 100

B _Idade e clrcunsUincias da primelra relacAo sexual (percentagens)

Qutros metodos • pnula . . . . . . . . . . . .•

Colto

preservativo • • • • • • • • •· -

Automasturba~o 1iII••iil.•••••-

Coito interrompldo ~ Metodos naturais -

orgasmo ~• • • • • •iiiiii.~. o

20

40

60

80

Nanhum metodo . . . . . ..

o

100

10

C _Achvldades e experil!ncias sexuals realizadas. pelo menos uma vez. durante 0 ultimo mas (percentagens)

I"""" FuncionaHdade

Conservadorismo Olnculdades relamonsls Motivos poslIIVOS

j'i'TTTTT'I'i""'i'jt ••• ,;, "

"~" ~Ulheres

Responsabllldade ~iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii_;r:::.===:J III

• Homens

F=-

40

30

dez relacaes sexuals (percentagens)

o Mulheres

Motivas negslivos

20

o _Metodos contraceptivos utllizados nas ultimas



Homans

Sexo Impessoal ~iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii---.

Medo

Prazer fislco

Reprodu~o

~iiiiiii__iiiiiiiiiiiiiiiijjjil

Comunhao ~iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii-"

Palxao Nonnatividade Hedonismo

permiSSiVIdade[: .. "

Interdependencia relsciona I

1

2

3

4

5

E - Motivos para nao ter (motivos negativos) e para ter (motlvos positiv~s) relacoes sexuais (pontuacoes numa escala de 1 a 5)

-0.6

-0.4

...... I .... , ... " .............

-0.2

0.0

0.2

d ........

0.4

.! 0.6

F _ Atitudes sexuais (pontu8caes factorlais na adaptacA o da Escala de Hendrick & Hendrick. 1987)



147

146

bern que·os primeiros a antecipem de cerca de urn ano para os dois sexos. A convergencia e, ainda, manifesta em rela~ao as atitudes face a comunhao e ao prazer ffsico (cf. Figura 3F) e ao principal motivo para ter rela~6es sexuais: a paixao (cf. Figura 3E). Contudo, as probabilidades de «entrada num script sexual concreto», a avaliar pela magnitude dos motivos, sao superiores para 0 sexo masculino. De urn modo geral, quando se trata de inventariar razoes para ter rela~oes sexuais, os homens ultrapassam as mulheres; ao inves, quando se trata de encontrar razoes para evitar ter rela~oes sexuais, as mulheres mostram-se mais «produtivas» (cf. Figura 3E). Por ultimo, registe-se que, no plano das pnlticas contraceptivas e de preven~ao da SIDA, os dados recolhidos sao algo preocupantes: 0 uso do preservativo 'corresponde aproximadamente a urn ter~o das rela~6es sexuais relatadas, cabendo outro ter~o a pflula e 0 restante a ausencia de contracep~ao ou a metodos ineficazes (cf. Figura 3D). Uma crftica frequente as teorias construtivistas da sexualidade (entre as quais se inclui ados scripts sexuais) diz respeito a nega~ao do componente biologico da sexualidade. Contudo, 0 que esta em jogo na analise psicossocial da sexualidade nao sao as potencialidades reprodulivas ou as capacidades eroticas, que assentam inevitavelmente num corpo biologico filogeneticamente condicionado, mas a gestao desse corpo no quadro das trocas sexuais. E sobre esta questao que incidira 0 ponto seguinte.

2.2. As experiencias sexuais Quais sao as sequencias de actos, posturas, objectos e gestos atraves das quais os corpos/

/sujeitos se envoi vern em trocas sexuais Cui. turalmente esperadas, reladonalmente possfveis e individualmente significativas? Basicamente tais sequencias podem ser descritas como reac~ ~oes fisiologicas e comportamentos manifestos regulados pelos respectivos resultados, mediati~ zados por processos internos, que sustentam e modulam a activa~ao sexual, e, tendencial_ mente, desencadeados por condi~oes extemas de estimula~ao (Byrne, 1977, 1986; Przybyla e Byrne, 1981).0 esquema da sequencia do eoOlportamento sexual, proposto por Byrne (1986) e reproduzido na Figura 4, servir-nos-a de fio condutor para uma breve analise dos «aeontecimentos» que caracterizam as actividades e/ou trocas sexuais. Em rigor, 0 esquema apresentado refere-se a uma sequencia comportamental individual, aplicando-se, como tal, a actividades auto-eroticas. 0 estudo das rela~oes sexuais entre dois indivfduos exige, obviamente, a articula~ao de duas sequencias comportamentais. Uma sequencia de comportamento sexual implica modificaroes jisiol6gicas eventualmente conducentes ao orgasmo. Desde 0 trabaIho pioneiro de Master e 10nhson (1966) que conh~cemos com algum pormenor a fisiologi a da res posta sexual humana e as modifica~oes corporais correlativas 5. Do ponto de vista da psicologia social, e importante sublinhar, para alem da media~ao eognitiva da estimula~ao sexual, 0 papel dos scripts e d~s representa~oes sociais da sexuaIidade enquanto sistemas de referencia em fun~ao dos quais os indivfduos avaliam os resultados da sua propria aetividade sexual. Como nota Fisher (1986), urn simples orgasmo durante 0 coito pode ser sentido como uma experiencia transcendente, para aqueles cujas expectativas e fantasias sao relativamente

~ Para uma discussao da fisiologia da resposta sexual humana. podem consultar-se. para alem da obra de Master e

10nhson (1966). os seguintes trabalhos: Zuckerman (1971). Heiman (1977). Rosen e Beck (1986) e Bancroft (1989).

odes tas , ou como urn acontecimento decepcio(11 te para os que se erigem outros padroes de (lall l'Ollarnento sexual. De igual modo, os actos fu lle . . . tramentals conducentes ao orgasmo mscre",5 . , rn- se , contranamente ao que e comum pensar'Ie em scripts sexuais cuja significa~ao e esta-S~~cida por aprendizagem directa ou vicariante. be . . d o corpo e os mOVlmentos expresslvos 0 outrO constituem, obviamente. 0 principal estf-

mulo sexual externo. Em particular, determinadas «regioes» possuem valor erotico diferencial (v.g., as zonas ditas erogenas ou certas partes do rosto como os labios) 6. Contudo, a propria percep~ao do corpo como «excitante» e influenciada pelos scripts sexuais. Numa investiga~ao de Byrne e DeNinno (1973, cit. in Baron, Byrne e Griffitt, 1974) era pedido a indivfduos de ambos os sexos que indicassem 0

FIGURA

4

A sequencia do comportamento sexual (Fonte: Byrne, 1986, p. 8)

COMPORTAMENTOS'ABERTOS'

PROCESSOSINTERNOS

ESTiMULOS EXTERNOS

Processos Estimulos:

com

Processos 1 t - - - - - - - t I alectivos

propriedades er6ticas RaO baseadas na aprendizagem

I Processos It----¥-----II inlormativos

I



r----o

Actos Respostas instrumentaisl-----II 'meta'

Estimulos:

com ertiticas baseadasna aprendizagem

Processos

imaginais (Iantasias)

Resultados

6 Os et610gos falam de estimulos desellcadeadores e de exibiroes sexuais para se referirem ao papel que as caraeterfsticas morfol6gicas ou movimentos instintivos ritualizados desempenham na indu~ao de comportamentos sexuais (cf. Wickler. 1967).

t

148

149

nlvel de activa~ao sexual apos observarem dois tipos de filmes eroticos (urn casal integralmente nu mantendo rela~6es sexuais inciuindo sexo oral-genital - condirao coito - versus urn casal parcial mente vestido praticando cancias multiplas - condirao carfcias). Em termos globais, os sujeitos indicaram maior activa~ao na condi~ao coito. Mas, mais interessante, os autores manipularam, igualmente, as cren~as dos sujeitos: na condirao re/arao amorosa era-Ihes dito que as imagens se referiam a indivlduos apaixonados recentemente casados; na condirao relar ao ltidica. as mesmas imagens eram apresentadas como relativas a individuos que acabavam de se conhecer e tinham como unico motivo 0 prazer sexual. Os resultados (cf. Figura 5) indicam que, tanto para os homens como para as mulheres, quer se tratasse de coito ou de cancias, 0 script relarao ltidica produzia maior activa~ao. Urn outro resultado interessante diz respeito a

interac~ao entre sexo do respondente e tipo d

actividade sexual: ignorando 0 tipo de rela~aoe nas. situa~.6es ~e carfcias os homens manifesta~ malOr actlva~ao do que as mulheres, verifiean_ do-se 0 inverso nas situa~6es de coito. Note-se que, no contexto da activa~ao sexual o corpo nao e so urn objecto de perce~ao. Entr~ os principais estfmulos sexuais conta-se, obvia_ mente, a hetero ou auto-estimula~ao tactiI das zonas erogenas. Cabe aqui sublinhar, a seme_ Ihan~a das tecnicas corporais (Mauss, 1936_ -1978) identificadas noutros domlnios da interae_ ~ao humana, a existencia de «tecnicas de gestao erotica do corpo» socialmente aprendidas e mais ou menos generalizaveis em fun~ao dos grupos e das situa~6es sociais (Alferes, 1987b). A «encena~ao do desejo» depende, iguaJmente, de componentes internos de natureza afectiva e atitudinal. Mais especificamente, a probabilidade de ocorrencia de respostas sexuais

FIGURA

5

Activa~ao sexual em fun~ao do sexo e do tipo de conteudos de filmes er6ticos (Dados originais: Baron, Byrne e Griffitt, 1974, p. 479)

30

r-----------------------------______~ Filma • Ludico/coito • Amor/coito a Ludico/caricias o Amor/caricias

25 i'ii ;:) )( Q) I/)

0 oro 20 0ro

~ «

15

10

~-----------L

__________~~__________~

Homens

Mulheres

. f1 enciada pelas respostas emocionais posi-

eIn

. de, cu Ipa b'l' I 1u negativas (v.g., ansleda s tiva 0 . h B WhO d ) associadas ao sexo. FIs er, yrne e Ite da ~3) afirmam que, do ponto de vista biolo(~ 9 0 sexo estaria inicialmente associ ado a gICO, -es positivas. Contudo, as expenenclas erno~o " d d' uais e as normas SOCialS po em con UZlr ao sel( envolvimento d e sIstemas . , ·F.'b·ICOS ou erotlco-JO des ... dd' erotico-fflicos que constltulflam ver a elros dores emocionais dos comportamentos ~p la . . uais. Para alem das respostas emOClOnalS em sel( I' . . tido estrito, as orienta~oes ava Jatlvas ou atlsen . . . des relativas a sexualidade (v.g., permlSSlVl:ade) condicionam, igualmente, a probabilidade de ocorrencia dos comportamentos sexuais. As informaroes. «objectivas» ou «distorcidas», que os individuos tern sobre a sexualidade sao susceptfveis de moldar os seus comportamentos, gerando expectativas positivas ou negativas relativamente as eventuais consequencias das suas ac~6es . Entre essas informa~oes, contam-se as que se referem ao usa de contraceptivos, as relativas ao proprio desenrolar dos actos sexuais e aos «riscos» que comportam. A generalidade dos terapeutas sexuais (v.g., Kaplan, 1979; Masters e Johnson, 1970) insiste, de modo particular, na modifica~ao das cren~as dos respectivos clientes. A poHtica de preven~ao da SIOA, que tern vindo a ser desenvolvida desde 0 inicio da decada de 80, tern como urn dos principais componentes 0 fornecimento de informa~6es destinadas a permitir 0 chamado «sexo sem risco». Na sua defini~ao c1assica de psicologia social, Allport (1968) sublinhava que, nas interac~oes humanas, 0 «outro» pode ser real, implfcito ou imaginano. Os processos imaginais e as fantasias sexuais contam-se, efectivamente, entre os principais componentes da sexualidade humana. Ao contrario do que Freud (1908/1962) afirmaya, as fantasias nao sao necessariamente urn sUbstituto das actividades sexuais. De acordo U

'A



com diversas investiga~6es (Giambra e Martin, 1977; Wilson, 1978), existe uma correla~ao positiva entre 0 numero e a diversidade de fantasias e a frequencia de actividades sexuais. Alem disso, as fantasias sexuais nao estao associadas a dificuldades no funcionamento sexual, nem a perturba~6es de personalidade (Hariton e Singer, 1974). Pelo contrario, parece existir uma rela~ao positiva entre a quantidade de fantasias e certos tra~os de personalidade, como a criatividade (Hariton e Singer, 1974) e a independencia (Brown e Hart, 1977). Para alem da diversidade de conteudos e de eventuais diferen~as Ii gad as ao sexo (Arndt, Foehl e Good, 1985; Wilson, 1978), as fantasias funcionam como estimulos (internos) desencadeadores das actividades sexuais, desernpenhando, igualmente, urn papel preponderante na manuten~ao da excita~ao no decurso dessas mesmas actividades (Sue, 1979). E ao nivel dos processos irnaginais e das fantasias, i.e., do modo como 0 sexo e organizado pelos scripts intrapsiquicos, que podemos dar conta do caracter inovador das praticas individuais. A inova~ao depende, obviamente, da margem de liberdade que e dada aos sujeitos pelas codifica~oes culturais e interpessoais da sexualidade. Esta margem tende a alargar-se a medida que diminui a eficacia dos processos simbolicos e se dilui 0 caracter imperativo das normas societais. Se os processos imaginais e as fantasias podem estar na origem de varia~oes e inova~6es ao nivel das «tecnicas er6ticas» e dos «cenanos» que envoi vern as interac~6es sexuais, eles nao esgotam, contudo, 0 papel dos sujeitos na encena9ao do sexo. A distancia em rela~ao as encena~6es culturais traduz-se, igualmente, na possibilidade de utilizar 0 sexo com finalidades distintas das prescritas pelas grandes orienta~oes normativas. Eprecisamente aqui, ao nivel da «ret6rica dos motivos» sexuais, que se situam as fic~6es pessoais da sexualidade que podem



151

150

transformar as interaClj:oes rotineiras em novos scripts sexuais. Este processo e descrito por Simon e Gagnon (1987) como a passagem do registo simb6lieo (a sexualidade culturalmente codificada) ao registo meta/6rieo (a sexualidade como expressao de motiva~oes e significados pessoalmente construfdos).

3. Estruturas rclacionai~ da sexualidadc c modclus de amor as fenomenos de atrac~ao estudados na Sec~ao 1 sao susceptiveis de gerar rela~oes interpessoais prolongadas e (relativamente) estaveis. As trocas sexuais, codificadas pelos diversos scripts referidos na Sec~ao 2, ocorrem geralmente, ainda que nao de modo necessario, no quadro de relat;oes duradoiras. a sexo constitui urn dos principais reeursos ou fonte de gratificat;ao/frustrat;ao das rela~oes humanas. Nesta sec~ao, debru~ar-nos-emos precisamente sobre as rela~oes interpessoais intimas, de molde a evidenciarmos a dinamica evolutiva da atrac~ao e a identificarmos as estruturas relacionais da sexualidade.

3.1. Relafoes intimas: aspectos estruturais e dinamicos Durante as decadas de 70 e 80, os psicologos e outros cientistas sociais comec;aram a estudar, de modo sistematico, urn tipo particular de relat;oes interpessoais: as rela(:oes intimas. Se bern que a capacidade de construir e manter relat;oes interpessoais intimas constitua urn dos principais criterios de «saude mental» e de satisfa~ao interpessoal, nao e facil definir 0 conceito de intimidade. Levinger e Snoek (1972) afirmam que todas as relat;oes humanas se podem caracterizar pelo respectivo grau de intimidade, desde a ausencia de qualquer contacto ate a mais pro-

funda reciprocidade, passando por estadios inter_ medios de conhecimento. De acordo com uill estudo de Rands e Levinger (1979), a probabili_ dade de ocorrencia de diversos comportamentos (actividades sociais, contacto fisico, auto-reve_ la~ao, elogios, criticas, etc.) e directamente condicionada pelo tipo de rela~ao (conhecimento ocasional, relat;ao de amizade, casamento, etc.). A intimidade pode, pois, ser perspectivada como urn padrao especffico de interact;oes que caracteriza determinadas relat;oes. Mas Como definir tais rela~6es, ou, mais exactamente, como distingui-Ias das reIat;oes humanas tomadas na acept;ao mais ampla? Hinde define as rela~oes pessoais como «uma serie de interact;oes entre dois indivfduos conhecidos urn do outro ( ... ) em que a interac~ao e afectada pelas interact;oes passadas ou e susceptivel de influenciar as futuras» (1979, p. 2). Por outras palavras, tais rela~oes pressupoem uma historia e implicam expectativas relacionais mais ou menos generalizaveis. Numa tentativa de sistematiza~ao do campo das relac;oes pessoais, Kelley et al. (1983) propoem que se distingam dois pianos de analise: 0 plano deseritivo (identifica~ao dos padroes especfficos de interact;ao) e 0 plano explieativo (explicita~ao dos mecanismos de interdependencia). Mais exactamente (cf. Figura 6), os autores come~am por definir a interac~ao como urn padrao de acontecimentos interpessoais. Por aeontecimento designam qualquer modificac;ao que ocorre a nfvel individual, no plano cognitivo (pensamentos, crent;as), emocional ou da propria act;ao. Para que possamos falar de interact;ao e necessario que as modificat;oes ocorridas em P estejam directamente relacionadas com as ocorridas em 0, i.e., para alem das liga~oes internas, as duas cadeias de acontecimentos devem estar interconectadas. as autores utilizam a expressao eonexoes causais para definir as ligat;oes entre acontecimentos

Centro de Recurao. Prior v .. l1,~

, deias de P e O. A estrutura destas ligat;oes . dlls ea s propriedades da .mterac~ao (v.g., mtena fine . . de d frequencia dlversldade das conexoes ·da e, ' 'fi d 51 .) Por sua vez os padroes especl ICOS e au salS . ' .) e -0 sao condicionados (La(:os eausalS . teract; a III f tores mais ou menos estaveis de natureza of ac .) I ~iSposicionaL (v.g., atributos pessoaIs, re a-

cional (v.g., atitudes semelhantes), socia.' (v.g., normas societais) ou ambiencial (v.g., clrcun~­ tancias ffsicas e espacio-temporais). A determlnat;ao da infiuencia destes factores (des~gnados genericamente por condi.(:o~~ caU~aIS! nos padroes de interac~ao constltU1~la 0 ?~Jec~vo da analise causal, situando-se a Identlflcac;ao das

FIGURA

6

o contexto causal das interac~oes diadica~. Astsetas(ogmve~~~:s~:::::~: ::::;!~:ntOS)

tam liga~oes entre acontecunen os c ~, ~ . , s re resentam as conexOes entre as respectivas set:~ ~b!I:::sais ~e natureza ambiental sao indicadas pelas cadeias de aconteclmentos. s con I~oe . _. raficas) siglas As (condi~oes sociais) e Afis. (condi~oes ilSlCas e geog • -

iDterac~ao, represen que ocorrem em P .ou em O·AAS oc.

(Fonte: Kelley et al., 1983, p. 57)

Condl¢escausais

~---------------~ pOP x0 Asoc.4- Ails.

'---"

Intera~o

1

p-a

.. ~

1----1

----..... 1

----

1

1

1--~"J,



152

153

p~opriedades no plano descritivo propriamente dtto.

Neste contexto, as relaroes interpessoais {ntim.as define~-se como aquelas em que as conexoes causQ/s entre P e 0 sao simuItaneamente intel1sa~ (i.e., P tern capacidade de afectar os fi aconteclmentos de 0 e vice - versa) ,requentes, . . dlversificadas (i.e., na~ se limitam a acontecimentos especfficos) e duradoiras (Kelley et al., 1983). Esta defini\=ao esta na base de uma escala ~e avalia\=ao do grau de intimidade das rela~oes mterpessoais recentemente desenvolvida por Berscheid, Snyder e Omoto (1989). Subjacente a este modelo ou grelha de analise das :e~a~oes interpessoais, de inegavel valor heun~tlco, encontramos a teo ria da interdepe~dencia de Thibaut e Kelley (1959; Kelley e Thlbaut, 1978). De acordo com estes autores todas as rela~oes interpessoais se caracteriza~ peJa capacidade recfproca de controlar os recursos materiais e simboIicos do outro atraves de comp?rtamentos especfficos e/ou pela expressao de atltud,es ou outros atributos disposicionais. Nos paragrafos que se seguem, abordaremos algu~s principais processos de interdependencla c?g.nitiva, emocional e comportamental caractenstlcos das rela~oes de intimidade.

?OS

Comunica-;ao e auto-revela-;ao Numa reJa~ao intima, independentemente da sua na~ureza institucional e dos recursos nela ~nvoJvldos, .a comunica~ao entre os parceiros e, ante~ d: als , uma condi\=ao indispensavel para ~ eXlste~cJa da propria rela~ao (Brehm, J984). E atraves da paJavra 7 que partilhamos os

n:

«acontecimentos privados» ou as sign'fi . . , I ICa ' do mundo «obJectlvo e social». E aind ~oes d I a atrav' e a que control amos avaliativamente es o Co portamento do outro, que gerimos os conf/.Illou construimos, em boa parte, a imagem Itos damos de nos mesmos. qUe Entre as diversas func;:oes 8 da cornu . , nlca~' verbal, ha uma que merece especial reJ ao ~on d qua ro das rela~oes intimas. Trata-se dafun ,0 auto-referencial: «troca de informaroes fao ~ ' . T qUe Se re erem ao eu, mclumdo estados pess . d' '. oals ISposlc;:oes, acontecimentos do passado pJ ' anos ' para 0 f uturo» (Derlega e Grzelak, 197 p. 152). Os psicologos sociais, na sequencia d 9, trabaJhos pioneiros de Jourard (1964) d Os . e a teo_ na da penetrariio social de Altman e 1; I (1973), designam este tipo de comunicac;:a;y Or auto-;evela~.:iio. Os conteudos assim partiJha~~; contnbuem para intensificar 0 grau de I'nt' . d d . Imla e cnando estruturas cognitivo-mnesicas comuns (Wegner, Giuliano e Hertel, 1985). De acordo, com diversas investigac;:oes (cf. Derlega, 1984), 0 primeiro aspecto relevante nos ~om~orta~entos de auto-revelac;:ao diz respeito a ~eclprocldade: se A informa B sobre os conteudos do seu mundo privado, B geralmente resp~nde fazendo revela~oes identicas (Collins e MIlle~, 1994). Contudo, este efeito parece caractenzar principal mente os estad os mlClalS .... . . . de .I~tlmldade; em fases mais avanc;:adas a retrib~I~~o das auto-revelac;:oes e frequentemente dlfenda (Miller e Berg, 1984). As vantagens dos comportamentos de auto-~evela~ao, nomeadamente 0 aumento do con heclm~nt~ recfpr.oco e a consequente redu~ao da amblguldade (mcerteza) inerente a rela~ao, en-

'.. ' _ , os a nos sa exposl~ao a aspectos especfticos da co ' _ , na~ verbals da comunica~iio no quadro das reI' _ . ' ' mumca~ao verbal. 0 lellor intere~sado nas dimensoes " a~oes intimas poder'· · 'I ' ., d e DePaulo e Friedman (1998), '. a consu tar. entre outra~. as ~fnteses de Argyle (1983) e _

7 Limitam'

R Para alem das fun~oes referenciais. emotivas etc' ,_, , , ' " '. a~lII~ao jarlca caractenza um tipo particular de comunicarao intima: as declara~oes reiteradas de amor e t n re apalxonados vlsam slmplesmente 'b T . manter a erto 0 callal de COl1lllllicar{io,

.'

contrapartida na possibiJidade de 0 contra;i1izar as informa~oes para adquirir conou tro oder no seio dessa rela~ao (Derlega, 010 e P . d . tr Refira-s e . am a, que tals comportamen1984)'dern ser utilizados de modo estrategico lOS pO objectivo de validar 0 conceito-de-si. corn 0 . questao . co IocamRelativarnente a esta u'I tlma Iguns problemas de natureza conceptual. -se a articular, e dificil discriminar entre autoErn P riio e estrateglas " de auto-apresenta~ao, • _reve laT , • • . objectivo ultImo conslste no aumento e/ou cUJo d d . fl ' eserva\=ao do po er e In uenclar os outros e prontrol 0 amblente . socia ' I (J ones e P'Ittman, ar ~ 982). Fisher (1984), numa tentativa de sistematizac;:ao conceptual, propoe que se defina a auto-reve!a\=ao em fun\=ao dos seguintes atribulOS: veracidade das informa~oes, sinceridade relativa aos motivos subjacentes a comunica\=ao, intencionalidade, novidade e caracter privado dos conteMos comunicados. A Quto-revelarao distinguir-se-ia, pois, de outros comportamentos de auto-referencia. Pela sinceridade relativa aos motivos contrastaria com a auto-apresentarao; a privacidade dos conteudos sepani-Ia-ia da simples autodescrirao e a intencionalidade dos lapsos. Finalmente, pela novidade das informa\=oes, distinguir-se-ia da mera repetiriio e, pel a veracidade, da mentira. Processos emocionais Por razoes de natureza teorica e metodologica (cf. ponto 1./), 0 estudo empirico dos processos emocionais nas rela~oes interpessoais tern sido relegado para segundo plano. Uma das tentativas mais recentes - pelo menos em termos de defini<;ao de uma grelha conceptual suficientemente abrangente - para colmatar esta lacuna deve-se a Berscheid (1983). Procurando articular os aspectos consensuais de diversas teorias das emo~oes (v.g., Mandler, 1975; Schachter, 1964), nomeadamente 0 relevo concedido a acti-

va<;ao fisiologica e aos sistemas cognitivos de interpreta\=ao das situa~oes, e recorrendo ao conceito de sequencias de comportamentos supra-organizados (Mandler, 1975), Berscheid propoe que se estudem os processos emocionais no quadro da grelha de Kelley et al. (1983) acima descrita: «Os fenomenos afectivos que ocorrem numa rela\=ao sao uma fun\=ao directa, e por vezes previsivel, das varias propriedades de interdependencia que caracterizam a rela<;ao» (Berscheid, 1983, p. 118). Mais especificamente, Berscheid afirma que, para que P possa despertar/induzir emo\=oes em 0, e necessario que as respectivas cadeias de acontecimentos intrapessoais estejam interconectadas. Caso se verifique esta situa9ao, qualquer acontecimento na cadeia de P. que interfiralinterrompa a sequencia organizada dos acontecimentos/comportamentos na cadeia de 0, e susceptivel de gerar emo~oes em O. 0 sinaI positivo ou negativo das emo~oes geradas depende do tipo de interrup\=ao (desencadeador de activa~ao fisiologica, que, por sua vez, constitui urn sinal para que 0 sistema cognitivo-interpretativo entre em ac~ao). Em rigor, nao e 0 valor aversivo ou gratificante da interrup~ao em si mesma, mas a expectativa de que ela facilite ou iniba a sequencia organizada de aC9ao, que determina 0 caracter positivo ou negativo da emo9ao. o modelo proposto perrnite definir 0 investimento ernocional numa rela~ao como a extensao em que cada urn dos actores tern 0 poder de interromper as sequencias de acriio do outro ou, inversamente, 0 grau em que cada urn deles e vulneravel as interrup~oes do outro. Esta interpreta~ao liga 0 investimento emocional a dependencia relacional: quanto maior e 0 prirneiro, maior a segunda. Shaver e Hazan (1985), ao avaliaram a teoria de Mandler-Berscheid, consideram que, apesar de correcta, eIa con tern algumas fraquezas, principalmente porque negligencia 0 papel dos fac-

e



154

tores de natureza motivacional (motivos, necessidades, desejos) na emergencia das emo~oes. Apoiando-se na teo ria da gerar;iio das emor;oes de Roseman (1984), os autores defendem que todos os estados emocionais podem ser conceptualizados pel a convergencia ou nao entre resultados esperados (desejos) e resultados obtidos. No Quadro I, exemplificam-se estas eventualidades.

Poder e conflito Do que ficou dito anteriormente, po de facilmente depreender-se que a capacidade de gerar emo~oes positivas no outro constitui uma das diversas condiroes causais relevantes para a analise do poder no interior de uma rela~ao. Para alem da dependencia emocional, a dependencia informativa e a dependencia comportamental (em sentido estrito) expressam as duas outras grandes categorias de condi~oes causais das rela~oes de poder. Huston (1983), com base na grelha de Kelley et al. (1983), propoe-se analisar 0 poder nas

rela~oes intimas partindo da distin~ao entre tres

termos correlacionados: influencia (niveis 0 U mstanclas de mterconexao entre os aconteci_ mentos nas cadeias de P eO); domilliincia (a influencia de P sobre 0 e assimetrica relativa_ mente a de 0 sobre P em diversas areas de fun_ cionamento) e poder (conceito explicativo rela_ tivo a urn tipo particular de influencia exercida por P de modo control ado e com vista obten~ao de determinados objectiv~s ou benefi_ cios no quadro da rela~ao). Em rigor, 0 conceito de poder nao se refere a urn atributo pessoal (Foucault, 1976), nao e uma caracteristica do actor, mas uma rela~ao instrumental, nao transitiva e desequilibrada (Crozier, 1977). Seguindo a conceptualiza~ao de Huston (1983), e admitindo a natureza relacional do poder, os principais parametros a considerar na sua analise referem-se: a) aos contelldos ou natureza das actividades que mediatizam 0 exercicio do poder; b) as inten~'oes do actor (a intencionalidade pressupoe que P antecipe as consequencias dos seus comportamentos na rela~ao com 0); c) ao modo de influencia ou tipo de •

A

'



a

QUADRO

I

Conjuga~oes entre resultados desejados e resultados efectivamente obtidos na determina~ao dos estados emocionais, segundo a teoria das emo~oes de Roseman (Adaptado de Shaver e Hazan, 1985, p. 169)

Resultados

Desejos Resultados desejados Resultados niio desejados

Obtidos

Nao obtidos

Alegria Prazer

Tristeza Pena

Angustia Ansiedade Desconforto

Alfvio

tegias utilizadas pelo actor; d) a magnitude 'd UZI'd os no .md"IVI d uo-a Ivo; rnodifica~'oes m da~ consequblcias (sucesso ou fracasso) para 0 e) as actor. Se os conteudos dependem da rela~ao e a , te ncionalidade constitui urn criterio fundam ental para caracterizar uma rela~ao de poder, ~ as estrategias podem ser classificadas em J rrnos de grandes categorias de ac~ao. Como ~:emplo, refira-se a tipologia das estrategias de auto-apresenta~ao (Jones e Pittman 1982), anteriorrn ente mencionada, ou a classifica~ao das mensagens verbais de influencia (amea~as, promessas, prev,isoes de b?as. consequencias e previsoes de mas conse.quenclas) proposta por Tedeschi, Schlenker e Lmdskold (1972). No caso especifico das relac;oes intimas heterossexuais, Falbo e Peplau (1980) solicitaram a duzentos adolescentes de ambos os sexos que descrevessem 0 modo como obtinham do parceiro 0 que desejavam nas mais diversas situaC;6es. Os autores identificaram treze estrategias de influencia que classificaram de acordo com dois parametros: directas (v.g., pedir, conversar) versus indirectas (v.g., sugerir) e interactivas (v.g., negociar, persuadir) versus solitcirias (v.g., afastamento), Falbo e Peplau verificaram que os homens utilizam preferencialmente estrategias directas e interactivas, ao passo que as mulheres privilegiam as indirectas e solitarias. Urn outro aspecto relevante para a compreensao das estrategias diz respeito ao tipo de recursos (condi~oes causais) que elas mobilizam. A teoria de French e Raven (1959) sobre as bases do poder social (cf. Capitulo X), ao permitir distinguir entre seis tipos de relac;oes de poder (Iegitimo, de recompensa, coercivo, de referencia, de especialista e informativo), pode funcionar como dispositivo heuristico para a analise do poder nas rela~oes intimas. Como nota Huston (1983), esta tipologia permite-nos distinguir, por exemplo, entre 0 modele normativo eS

tra

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das rela~6es conjugais (baseado no poder legitimo) e 0 modelo que designaremos como interactivo (que se apoia na utilizac;ao diferencial dos restantes recursos). A gestao dos recursos e as estrategias de exercicio do poder no ambito das relac;6es interpessoais intimas dao geralmente lugar a contlitos, circunstanciais ou estruturais, caso as condic;6es causais que estiveram na sua origem nao sejam removidas ou modificadas (Peterson, 1983). Remetendo 0 leitor para 0 Capitulo XIII, em que os conflitos sociais sao abordados de modo sistematico, centrar-nos-emos, aqui, num tipo particular de conflitos, cujas condi~oes antecedentes se relacionam directamente com a experiencia do citime. Revestindo ou nao caracter patol6gico, justificado ou nao pelos comportamentos objectiv~s do parceiro, 0 ciume constitui uma das principais causas de disrupc;ao das rela~oes intimas estruturadas em tome da sexualidade e reguladas normativamente pelos padroes de conjugalidade heterossexual. Buunk e Bringle definem 0 ciume como «uma reac~ao emocional aversiva despertada por uma relac;ao envolvendo 0 nosso actual ou anterior parceiro com uma terceira pessoa. Tal relac;ao pode ser real, imaginada ou esperada, ou po de ter ocorrido no passado» (1987, p. 124). Conceptualizado como uma amea~a contra uma rela~ao existente, 0 ciume pressupoe a existencia de uma situa~ao triangular (A mantem uma rela~ao com B e qualquer tentativa para que se estabele~a uma rela~ao entre B e C gera ciumes em A) e distingue-se das no~oes correlativas de inveja (C po de invejar a rela~ao entre A e B) ou rivalidade (A e C lutam para estabelecer uma rela~ao com B) (Bryson, 1977, cit. in Brehm, 1984, 1985). Brehm (1984, 1985), ao rever a Iiteratura sobre 0 ciume, sublinha os seus determinantes culturais (importfincia das normas sociais que prescrevem a exclusividade das relac;6es, em



156

157

particular das rela~oes sexuais) e interroga-se sobre 0 papel da auto-estima na sua genese. Mais exactamente, «0 que esta em causa no ciume e menos 0 am or do que 0 amor-proprio» (La Rochefoucauld, cit. in Brehm, 1984). Contudo, tanto no que diz respeito as reac~oes afectivas como as estrategias de Iidar com 0 ciume, parecern existir, pelo men os na nossa cultura, diferen~as associadas ao sexo. De acordo com White ( 1981), as reac~oes emocionais, subordinadas a dependencia da propria relar;iio, seriam predominantes nas mulheres, enquanto a dependencia auto-avaliativa (relacionada com a diminui<;ao da auto-estima) assumiria maior relevancia nos homens. Esta dicotomia encontraria paralelo na categoriza~ao das estrategias de esconjura<;ao do ciume sugerida por Bryson (1977): tentativas de preservar e/ou aperfei<;oar a rela~ao versus tentativas de salvaguardar 0 amor-proprio. Remetendo 0 leitor para os trabalhos referidos, terminaremos esta sec<;ao transcrevendo 0 «conselho» final de Brehm: em todas as rela<;oes intimas deveria poder lerose 0 seguinte aviso: «E perigoso para a sua saude e para a do seu parceiro nao saber - seguramente, claramente e para alem de quaisquer duvidas - que voce e urn ser humano digno e com valor com ou sem 0 amor do seu parceiro» (1985, p. 276).

3.2. Modelos de amor

o estudo das rela~oes

Intimas, de que temos vindo a referir alguns dos principais aspectos estruturais e dinamicos, prolonga a analise dos fenomenos de atrac<;iio interpessoal com que iniciamos 0 presente capitulo. Em rigor, a atrac<;iio nao constitui mais do que uma das varias condi
tipos de atrac<;ao com as caracteristicas estrUtu. rais das rela<;oes a que eventual mente dao 0ri. gem? Qual e 0 lugar e/ou importancia da sexua. lidade (e da paixao) no seio de tais rela<;oes'> A resposta a estas questoes passa pela identifi~ ca<;ao de modelos globais das rela~oes interpes. soais intimas. De acordo com Kelley (1983), tais modelos - designados por mode/os de al1lor _ consistem num conjunto articulado de no<;oes a respeito das condi<;oes causais e da evolu9iio temporal do amor, do modo como tais condi<;oes afectam e sao afectadas pela propria interac<;iio elou pelos acontecimentos exteriores. Como Kelley (1983) sublinha, entre as Con_ di<;oes causais do amor devem ser referidas as proprias concep~oes (representa~oes/cren~as) que os individuos tern a esse respeito. Tais concep<;oes teriam como causas distais os modelos e normas culturais, social mente construfdos e historicamente dataveis (v.g., amor cortes, romantismo, etc.). Kelley propoe que se distingam tres grandes model os: 0 amor passional, o amor pragmalico e 0 amor altruista. Com base nas suas proprias investiga<;oes sobre os componentes do amor e do goslar nas escalas de Rubin, Kelley (J 983; Steck et al. 1982) afirma que a necessidade do outro constitui 0 nucleo do primeiro modeJo; a conjianr;a e a tolerancia seriam os componentes centrais do amor pragmatico; por ultimo, a preocupar;iio/cuidado com o outro especificariam 0 amor altruista. A analise sistematica das diferentes teoriasl /taxonomias do amor e incompatfvel com as dimensoes desejaveis deste capitulo. Remetendo o leitor para a excelente sintese de Sternberg (1987), limitar-nos-emos, aqui, a apresentar, de modo esquematico, a teO/'ia triangular do amor que 0 mesmo autor tern vindo a desenvolver desde 0 infcio dos anos 80. Basicamente, Sternberg (1986, 1987; Sternberg e Grajek, 1984) defende que os fenomenos englobados sob 0 rotulo de amor podem ser

gorizados em fun9ao de tres componentes, elite &onnariam os vertIces ,. de urn tn' ang ulo'. qUe l' . 'd d _ a intimidade: sentimentos de proxmu a ~, vincula
principal limita
A

A tematica abordada no presente capitUlo pode sintetizar-se em sete pontos: .. 1. 0 estudo da atrac~iio interpessoal cOlOcl~e com a problematica da genese,. ~esenvolvl­ mento e ruptura das rel(l~oes SOClGlS .pre/erenciais, em particular das rela90es de amlzade e de amor. , . 2. A atrac9ao interpessoal, enquant~ dOmI~o classico de investiga9ao em psicoiogla SO~Ial, tern sido objecto de diferentes conceptualIza
QUADROn

..;; segund 0 a presen~ Classifica~o dos tipos de amor/atrac\,cao r- (+) on ° ausencia (-) . o timi°dade, DAivAO e decisio/comprolDlSSo dos componentes m y-(Adaptado de Sternberg, 1986, p. 119) Componente Tipo de amor/atract;iio

"lnexistencia de amor" (nonlove) "Amizade" (liking)

Intimidade

+ +

"Amor conjugal" (companioTUlte love)

+ +

"Amor consumado" (consumate love)

+

"A~or irreflectido" (fatuous love)

Decisiio/eompromisso

+

"Amor a primeira vista" (infatuated love) "Amor vazio" (empty love) "Amor romandeo" (romantic love)

Paixiio

+ + +

+ + +

t

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mentar-se. 0 avan~o recente da investiga~ao sobre as emo~oes constitui uma alternativa credive) para as abordagens cl
domfnio privilegiado para 0 confronto entre Os diversos modelos explicativos da atrac~ao inter_ pessoal. 6. A sexualidade constitui um componente central de diversos tipos de atrac~ao e funciona como um dos principais recursos no interior de urn numero considenlvel de rela~oes intimas Do ponto de vista da psico)ogia social, os com~ portamentos sexuais podem ser perspectivados como situa~oes de interac~ao estruturadas POr scripts culturais, interpessoais e intrapsfquicos. Os processos cognitvos, emocionais e fisiologi_ cos envolvidos numa sequencia de comporta_ mentos sexuais tem como matriz os scripts acima referidos. A sexualidade humana - para alem, ou apesar, da realidade biologica - e socialmente construfda. 7. Os fenomenos de atrac~ao dao lugar a rela~oes duradoiras, cujas propriedades estruturais as distinguem das rela~oes interpessoais em gera!. Tais rela~oes organizam-se em tomo da intimidade e caracterizam-se por modos especfficos de comunicaf,;'iio e de Juncionamento emocional A interdependencia cognitiva, afectiva e comportamental traduz-se em formas diferenciadas de exercfcio do poder e de resolu~ao dos conj1itos interpessoais. Este conjunto de propriedades estruturais e de processos psicossociais permite-nos caracterizar as re!ar;6es fntimas pe)os modelos de amor que the estao subjacentes.

CAPiTULO VII

Atribuic;oo causal.' da inferencia 6 estrategia de comportamento Elizabeth Sousa

Vivemos num mundo em que aquilo que fazemos e objecto de avalia~ao por n6s pr6prios e pelos outros. Os desempenhos e actos numa sal a de aula, num processo judicial, numa audiencia de tribunal, numa empresa, num centro de saude, no seio de um grupo de amigos sao nao raras vezes objecto de reflexao e/ou de discussao. Frequentemente, os comentarios traduzem-se num questionamento das razoes que levaram a tal desempenho/acto, e, numa avalia~ao das possibilidades ffsicas, capacidades intelectuais, afectivas ou artistic as dos diferentes intervenientes, dos constrangimentos associados asua realiza~ao. Apesar de alguns de nos estarem eventualmente mais orientados para uma procura de verdade do que outros, todos sofremos das limita~oes pr6prias ao ser humano, e dificilmente somos impermeaveis a desvios a racionalidade prescrita por alguns teoricos. Facto importante e 0 de que estas aprecia~oes/ linterpreta~oes de desempenhos/actos tem consequencias ao nivel dos comportamentos e das interac~oes sociais dos diferentes intervenientes. Este capitulo aborda os processos subjacentes ao raciocfnio causal do homem no dia-a-dia.

1. Explica~oes causais e percep~ao Os psic610gos sociais desde ha muito se interes sam pela tematica da percep~ao das rela~oes interpessoais e da percep~ao de pessoas (person

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perception), nomeadamente pela forma como as pessoas explicam 0 seu comportamento e 0 dos outros (cf., por exemplo, Bruner e Tagiuri, 1954; Heider, 1944, 1958a, 1958b; Ichheiser, 1949). A este campo da psicologia social dirigido para os processos de imputa~ao de causalidade convencionou chamar-se de atribuifiio causal. A sua emergencia como dominio de investiga~ao, os seus desenvolvimentos nos anos 70 e as suas recentes extensoes para 0 campo da cogni~ao social influenciaram muitos outros dominios de investiga~ao aplicada, como sejam a psicologia clinica, atraves de trabalhos como os de Abramson (1983) e Fosterling (1988); a psicologia do desenvolvimento (cf. os trabalhos de Fincham e Jaspars, 1979; Frieze, 1981; Miller, 1989, por exemplo); a psicologia educacional (nomeadamente com os trabalhos de Weiner, 1986), a psicologia e lei (Lloyd-Bostock, 1979, 1990, Sousa, 1992, 1997; Sousa, Martins e Fonseca, 1993), a psicologia organizacional (Dobbins, 1985). Para alem do factor puramente quantitativo no que respeita ao mlmero de trabalhos publicados, que assume dimensOes monumentais (Hewstone, 1989; Pleban e Richardson, 1979; Sousa, 1988), o dominio da atribui~ao causal e tambem urn marco historico porque corresponde a uma das primeiras tentativas de abordagem dos processos mentais subjacentes ao comportamento do individuo no ambito da psicologia social. Por exemplo, as teorias da atribui~iio vieram mostrar que a adequa~ao do individuo ao meio ambiente passa pela simplifica~ao da informa~ao e que, frequentemente, isso e possivel atraves da catcgoriza~iio dos comportamentos em tra~os de personalidade (Marques, 1986). A atribui~ao de causas para 0 comportamento foi fonte de inspira~ao da abordagem da cogni~ao social (ainda que esta ultima se tenha autonornizado com a forte influencia dos paradigmas da psicologia cognitiva experimental).

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2. Heider e a psicologia ingenua

s a concordarem com ele C...), 0 cidadao DutrOurn tern urn conheClmento . pro f und0 de Sl. corn . .mter, rio e dos outros ( ... ), 0 que lhe permlte pr~P corn os outros de uma forma adaptativa» a~ider, 1958a, p. 2). 0 processo de atribuiyao e ~ encadeado pel a necessidade Ode avaIia~ao. ;~der sustenta que muitos dos principios sub. centes a percepyao dos objectos sociais (enten:a-se rela~oes interpessoais e nao so pessoas) ern paralelo na percep~ao de objectos nao t ociais. 0 percipiente procura regularidades subs'acentes aos fenomenos , '1os por tiorma a torna~revisiveis e con~?laveis, ainda qu~, ~o domi~io dos objectos SOCialS, 0 resultado seJa Imperfelto. A percep~iio de urn objecto social implica a atenyao do percipiente, e, a semelhan~a do que ocorre na percep~ao de outros objectos, a pessoa com todos os seus processos psicologicos, as suas emoyoes, maneira de ser, constitui a realidade exterior, com propriedades perceptiveis por todos. Este estimulo - distal - nao afecta directamente 0 percipiente. 0 contacto com a realidade externa e feito atraves do estimulo (padrao auditivo, visual ou outro) fisicamente proximo. E com base nele que 0 percipiente atribui urn significado ao estimulo distal. Os aspectos principais da configura~ao de estimulayao sao representados cognitivamente e sujeitos a uma interpreta~ao (ver tambem os capitulos de Alferes, de Pereira e de Vala, neste volume). Esta tern por base uma preferencia por estados de equilibrio ou harmonia. Se a pessoa A tiver tido urn comportamento de car,kter positivo e 0 percipiente gostar de A, interpreta 0 seu comportamento em consonancia com a imagem positiva. Se, pelo contrano, A tiver tido urn comportamento de caracter negativo e 0 percipiente nao gostar de B, a sua aprecia~ao sera negativa. Ambas as situayoes se caracterizam pel a semelhanya de valencia das cogni~oes. 0 conflito surge se A teve urn comportamento negativo e 0 percipiente gosta dele ou se A teve urn compor0

Fritz Heider foi 0 fundador de urn dos tres maiores campos de investiga~ao na pSicologia social. Foi 0 primeiro a sublinhar a importancia do prindpio da consistencia cognitiva, do equi. IIbrio cognitivv, e a de que este depende eltl grande parte de processos intelectuais (Heider 1944), inscrevendo-se assim na corrente cogniti~ vista da psicologia social (cf. a teoria do equi_ librio de Heider, 1946). A sua obra, PSicologia das Relafoes lnterpessoais, de 1958, vocacio. nada para a explica~iio de alguns dos principios implicitos a actividade do senso comum, real~a o processo de atribuifiio. Por oposi~ao a uma visao mecanicista popular na epoca, Heider centra a sua ancilise em dois aspectos: a) a forma como os individuos ajustam intemamente as suas cogni~Oes por forma a estar em equilibrio consigo proprios, e, b), os ajustamentos que fazem ao meio social em que se inserem. Nas suas palavras, «0 homem (... ) sabe evitar deterrninados pedidos e levar os

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tamento positivo e 0 percipiente nao gosta dele. Nestes casos pode-se dar uma reavaIia~ao de toda a configura~ao de estimula~ao por forma a torna-Ia sem~lhante as outras cogniyoes. Nalgumas situa~6es, 0 resultado da apreensao do outro esta proximo do padrao de estimula~ao. Noutras, porem, 0 trabalho inferencial do percipiente gera realidades longinquas deste. Heider (1944) distingue tres aspectos na apreensao da realidade: (a) 0 sujeito-actor, Cb) 0 Outro, e (c) 0 destino, posteriormente designado de sorte CHeider, 1958b). A aprecia~ao e feita com base numa ancilise factorial implicita, que conjuga aspectos do actor, do contexto e do imprevisto associado a ac~ao. Esta classifica~ao esta no ceme da distin~iio causas internas/estciveis e externaslcircunstanciais. 0 percipiente, utilizando urn procedimento do tipo 'experimental', procura as raz6es que motivaram 0 comportamento ou urn deterrninado efeito social, questionando-se sobre as capacidades pessoais e inten~oes do actor, 0 contexto especifico em que a ac~ao se desenrolou, a desejabilidade social e os desejos pessoais do actor. Este raciocinio permite distinguir situa~oes em que as modifica~oes comportamentais sao percebidas como espontaneas Cimputciveis ao actor da situa~ao) e situa~6es em que os constrangimentos situacionais deterrninam os efeitos observados. Curiosamente, no texto de 1944, Heider assinala a existencia de uma tendencia para exagerar a influencia dos factores pessoais e subestimar a influencia dos outros factores nos efeitos observados no processo de atribui~iio de causas. 0 autor sugere ainda que, de entre os factores pessoais, 0 esfor~o, a motiva<;ao e a capacidade sao os mais importantes. No que respeita aos constrangimentos ligados a propria situa~ao, 0 percipiente raciocina em termos do grau de dificuldade da tarefa e de circunstancias momentaneas. Por outras palavras, Heider distingue condi~oes estaveis e instaveis para a ocorrencia de urn efeito.

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Este autor postula ainda a existencia de uma rela~ao entre a capacidade e esfor~o (posteriormente confirmada de modo empfrico). Se urn destes elementos for nulo, a for~a dos factores pessoais por si nao explica 0 efeito. Neste caso, ele e explicado em termos dos factores situacionais. Assume-se tambem uma rela~ao directa entre dificuldade da tarefa e esfor~o, na medida em que urn elevado grau de dificuldade da tarefa teni de ser acompanhado de elevado esfor~o para que 0 resultado seja obtido. 0 esfor~o aparece como uma fun~ao da vontade de, ou moti va~ao para. Urn exemplo podeni ilustrar as ideias expostas. Se eu tiver a capacidade de ligar 0 aparelho de televisao mas nao estiver motivado(a) para 0 fazer, nao verei televisao, excepto se alguem 0 fizer por mim. Por outro lado, eu posso ter vontade para ver televisao, mas se nao tiver as capacidades ou perfcias necessanas nao verei televisao, a menos que alguem 0 fa~a por mim. Nestes casos, 0 peso do factor situacional e maior que 0 pessoal. Por outro lado, a capacidade e esfor~o nao esgotam os factores pessoais. Potencialidades indi viduais como 0 dinheiro que se possui, a perten~a a urn grupo social, permitem e restringem 0 leque de ac~oes do individuo sendo sentidas como uma caracterfstica pessoal (Heider, 1946, 1958a, 1958b; Ischeiser, 1949, 1970). Agindo sem a priori. centrado na procura de invariancias no meio ambiente, 0 leigo comporta-se como urn profissional da ciencia. Heider nao ignora, no entanto, que alguns factores restringem 0 leque de situa~oes de precisao do julgamento. As expectativas, desejos, afectos e emo~oes do percipiente determinam nao raras vezes a sua reac~ao it configura~ao de estimula~ao, podendo mesmo 0 resultado pautar-se por ausencia de correla~ao entre os dados da situa~ao e 0 objecto projectado. 0 efeito de halo, a tendencia para associar a valencia dos compor-

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tamentos it simpatia/antipatia do actor, 0 iIll_ pacte das primeiras impressoes negativas nas interac~oes subsequentes, a ilusao de invarHin_ cia da personalidade ou das motiva~oes de outrem que persiste por detras da variabilidade comportamental, a tendencia para negligenciar 0 peso dos factores situacionais e para integrar Os dados comportamentais em falsas cren~as, permitem ao percipiente perpetuar a cren~a de Con_ trolo e adequa~ao ao meio arnbiente. No texto de 1944, Heider considera 0 percipiente iludido com 0 que pensa ter aprendido sobre a pessoa_ -alvo da sua aprecia~ao a partir de uma focaliza~ao momentanea nesta, eventualmente conducente a uma leitura distorcida. Contudo, a coordena~ao de perspectivas com outros perrnite-Ihe uma constru~ao da realidade que se ajusta it sua necessidade de equilibrio (Sousa, 1988). Muitas das ideias em materia de atribui~iio sistematizadas por Heider foram posteriormente desenvolvidas. Perdeu-se, no entanto, a articula~ao com 0 principio da consistencia cognitiva, que teve desenvolvimentos posteriores independentes (para uma excep~ao, ver os trabalhos de Inglehart, 1991). No ambito de uma teoria geral do processo de atribui~ao de causas para 0 comportamento, Jones e Davis (1967) e Kelley (1967, 1972, 1973) foram sem duvida os investigadores que mais marcaram este campo da psicologia social.

3. Jones e Davis: processamcnto de informac,;ao c inferencias correspondentes Jones e Davis (1965) procuraram compreender como se desencadeia 0 processo de atribui~ao, propondo urn modelo centrado nos ganho S informacionais do percipiente. Em boa verdade, ao centrar-se na percep~ao de pessoas (person perception), este modelo marca uma inflexao aO

esfor~o

de Heider, mais abrangente. Estes investigadores procurararn saber como e que 0 percipiente passa do nivel superficial do comportamento observado ao seu nivel mais profundo sugerindo que 0 comportamento e informativo sobre 0 actor na medida em que 0 percipiente possa estabelecer uma correspondencia entre os dois nfveis do comportamento. A correspondblcia diz respeito ao grau de semelhan~a com que 0 comportamento e a caracteristica disposicional subjacente sao descritos pela inferencia, ao seu extremismo quando comparado com 0 posicionarnento medio de outras pessoas no atributo disposicional inferido, e a varia~Oes no grau de informatividade do comportamento. A ideia e que 0 percipiente tern de discemir uma inten~ao e atraves del a uma predisposi~iio para 0 comportarnento por parte do actor. Se tal for possivel, 0 percipiente produz uma atribui~iio com elevado grau de confian~a, derivando expectativas sobre comportarnentos futufOS do actor. Nos casos em que tal nao e possivel, o percipiente precisa de recolher informa~ao adicionaI sobre a situa~iio, ou, se pressionado a explicar 0 comportarnento, produz julgarnentos funcionais sem, no entanto, ter a certeza quanto as verdadeiras causas que the subjazem. Imaginemo-nos observadores da interac~ao seguinte: A critica B, nao the dando sequer a Oportunidade de responder e deixando-o abatido.

Poderemos inferlr que A nao gosta de B, eagressivo e que teve inten~ao de 0 ofender. Poderemos ainda inferir que A e uma pessoa intratavel, centrada em si mesmo. E igualmente possivel assumir que nao houve inten~ao: apesar do seu comportamento, A e urn grande amigo de B, nao havendo hostilidade entre estas pessoas. Como decidir entao entre estes raciocinios altemativos? De acordo com a teoria das inferencias correspondentes, a desejabilidade social e 0 numero de efeitos nao comuns it escolha comportamental sao os criterios basicos de uma escolha.

3.1. A desejabilidade social Segundo Jones e Davis, 0 percipiente possui urn esquema de procedimento para interpretar 0 real e uma base de dados sobre a probabilidade de urn acontecimento ter sido causado pela situa~ao ou pelas caracterfsticas do actor. Esta base de dados e composta pelas expectativas do percipiente relativamente ao comportamento. Quanto menor a desejabilidade social e mais inesperado 0 comportamento for, mais informativo sera sobre 0 actor e maior a probabilidade de que sejam privilegiados os factores pessoais. Se, no nosso exemplo, A tiver criticado B em frente de colegas e amigos deste ultimo, poderemos inferlr com alguma confian~a sobre faccLas

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negativas da personalidade do primeiro, 0 mesmo nao acontecendo se a ocorrencia tiver acontecido no escritorio em privado. Urn exemplo chlssico do papel das expectativas sociais nas atribui~Oes do percipiente e-nos fornecido por Jones, Davis e Gergen (1961). Estes investigadores mostraram aos sujeitos entrevistas de selec~ao gravadas. 0 entrevistado candidatava-se a urn lugar de astronauta ou de tripulante de submarino. Os requisitos desejaveis para 0 posto de trabalho eram descritos em detalhe na primeira parte da entrevista: 0 tripulante de urn submarino deveria gostar de conviver com pessoas, enquanto 0 astronauta deveria ser independente. 0 entrevistado (urn comparsa dos investigadores) comportava-se de forma consistente ou inconsistente com 0 perfil psicologico requerido para a fun~ao. Era enta~ pedido aos sujeitos do estudo que estimassem em que medida 0 comportamento do candidato era determinado por factores pessoais ou situacionais. A analise dos resultados veio mostrar que os sujei-tos esperaram mais respostas consistentes com 0 perfil do que respostas inconsistentes. o candidato a astronauta deveria definir-se como bastando-se a si mesmo, por exemplo, se queria 0 lugar. Deste modo, as respostas que se desviaram do valor esperado indiciaram factores pessoais, caracterlsticas distintivas do candidato. Por oposi~ao, as respostas consistentes com as expectativas deram origem a atribui~Oes mais ambiguas, conjugando factores pessoais e situacionais. As respostas inconsistentes com as expectativas (com 0 perfil psicologico da fun~ao neste caso) emergem assim como mais informativas sobre 0 actor do que as respostas consistentes.

3.2. Os efeitos niio comuns A identifica~ao e a analise das op~oes comportamentais do actor complementam a infor-

165 ma~ao com base na desejabilidade do compOr_ tamento. Que op~oes comportamentais tern 0 actor num determinado momento? Quais Os efeitos comuns a diferentes escolhas? No nosso exemplo, a escolha da crltica ou do conselho podem ter como efeito comum a preocupa~ao para com 0 outro, sendo este dado pouco informativo. Analisemos entao os efeitos nao comuns. Quanto menor 0 numero de efeitos nao comuns associ ados a urn acto, maior a probabilidade de 0 percipiente efectuar urna inferencia correspondente com confian~a (Newtsen, 1974). Quanto maior (' numero de efeitos nao comuns, maior a dihculdade em inferir algo sobre 0 actor e menor a confian~a no julgamento (Ajzen e Holmes, I 976. Por outro lado, quanta maior a semelhan~a entre as escolhas comportamentais, maior a dificuldade em estabelccer uma inferencia correspondente. A escolha de atribuir factores pessoais pode, no entanto, ser afectada por factores de caracter motivacional. Jones e Davis (1965) retem dois: a relevancia hedonic a e 0 personalismo.

3.3. Relevancia hedonica, personalismo e inferencias correspondentes Urn determinado efeito pode beneficiar ou prejudicar 0 percipiente, assumindo relevancia hedonica. Por outro lado, 0 efeito pode ser pcrcebido como intencional ou nao. Se 0 percipiente inferir que 0 comportamento do actor lhe foi dirigido, seja para 0 prejudicar seja para 0 favorecer (personalismo), nao esta motivado para uma analise precisa da situa~ao porque 0 self esta em jogo. A correspondencia percebida entre comportamento e inten~ao aumenta com a relevtmcia hedonica e/ou 0 personalismo do comportamento.

4 3..

A teoria revista

Na versao de 1965, a teoria nao permite a ridio do processo de inferencia de caracdes CT ... ,. 'd , tl'cas disposlclonals estavelS a partir a tenS . bserva~ao de actos, sendo malS correcto afiro ar que descreve 0 processo de inferencia de ~ten~oes. Uma predisposi~ao para algo enmlye a repeti~ao da ocorrencia da inten~ao em vo . de diferentes contextos. D' al a lmportancla alargar 0 ambito da teoria por form~ a incluir condi~oes de ocorrencias multiplas. E de sublinhar, pois, duas fases no processo de atribui<;ao. Em primeiro lugar, 0 percipiente tern de inferir que houve inten<;ao no acto. A inferencia de inten
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efeito cujos pontos extremos seriam + 1, extremamente desejavel, e -I, extremamente indesejavel. Se a valencia for -1, a probabilidade de que as pessoas em geral (e 0 individuo em particular) queiram evitar 0 efeito e maxima. Se a valencia for positiva (de +"1), a probabilidade de que todos queiram obter 0 efeito (incluindo 0 actor) e maxima. Os ganhos informacionais sobre 0 actor sao minimos em ambos os casos. No que respeita as expectativas baseadas no actor, Jones e McGillis sugerem que os ganhos informacionais sao maximos quando 0 conhecimento que detemos do actor nos levaria a esperar determinado efeito e 0 seu comportamento e inesperado. No entanto, valores extremos na discrepancia entre expectativa e efeito torn am 0 percipiente mais ceptico relativamente ao valor do conhecimento adquirido. E de notar que a teoria das inferencias correspondentes esta vocacionada para explicar 0 raciocinio do percipiente leigo em situa~oes em que 0 actor tern: a) liberdade de escolha; b) capacidades necessarias para produzir 0 efeito; e c) as pressoes extern as nao justificam 0 efeito. Ficam ainda em aberto situa~oes de auto-atribui<;ao. Em suma, 0 modelo de Jones e Davis concebe o atribuidor causal como urn utilizador de cren~as sociais sobre a probabilidade de emergencia de comportamentos observados, racional nas suas op~oes excepto quando 0 comportamento observado interfere com as suas necessidades epistemicas. No entanto, ao hipostasiar que a inten~ao e necessaria para a inferencia de atributos de personalidade, negligencia atributos que se caracterizam precisamente pela ausencia de inten<;ao (Eiser, 1983). Para alem disso, ao centrar-se nos ganhos informacionais, esta teoria assume 0 primado do puro processamento de informa~ao, relegando para segundo plano a determina<;ao afectiva dos comportamentos, que aparece mais como fonte de distor~ao. A este



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nivel, a teoria representa tambem uma viragem no modelo de investiga~ao relativamente a Heider.

4. Kelley: processamento de informat;ao {' eo-\"ariat;ao

o contributo de Kelley para 0 campo da atribui~ao e 0 corohirio logico duma abordagem racionalizante das condutas humanas. 0 modelo centra-se no processo atribucional global, aplicando-se quer a actores quer a observadores de urn determinado efeito social. Curiosamente, trata-se de uma teoriza~ao com caracter prescritivo, sendo a que mais sublinha 0 facto de as pessoas serem racionais nas suas escolhas, logicas e reflectidas (cf. Kelly, 1955). Em Kelley os conceitos de base para a conceptualiza~ao do processo de atribui~ao sao: as pessoas, 0 cenano e a situa~ao (Kelley, 1991). o procedimento do percipiente baseia-se no principio da co-varia~ao entre causas possiveis e efeitos. 0 efeito e atribuido ao(s) factor(es) causal(is) com que co-varia I. 0 seu raciocinio conjuga tres tipos de informa~ao: a consistencia, a distintividade ou clareza e 0 consenso. A consistencia refere-se ao conhecimento que 0 percipiente tern da historia do comportamento do actor. A distintividade ou cIareza refere a forma como 0 actor se relaciona com outras entidades. Por fim, 0 consenso diz respeito forma como outros actores reagem a entidade em questao. Suponhamos que Albano, urn desportista, tern urn resultado X numa determinada prova A. Para que nos, percipientes, possamos interpretar correctamente este desempenho e necessario

a

I

Tradur;:ao do metodo das diferenr;:as, de 1. Stuart Mill.

saber como e que ele se tern comportado nesta prova ao longo dos tempos (consistencia), como ele se comporta noutras provas (distintividade) . e como outros desportlstas se comportam nesta prova A (consenso). Assim, este modelo - tambem designado por cuba ANOYA - pressupoe uma estru_ tura sequencial temporal nas rela~oes interpes_ soais. modelo de Kelley tern sido empiricamente testado desde os anos 70 e os resultados foram muitas vezes interpretados como consistentes com as predi~oes. McArthur (1972) e uma das autoras que fomeceram suporte empirico para a teoriza~ao de Kelley. Ela pediu a sujeitos para analisarem questionanos supostamente preenchidos por determinadas pessoas que referiam emo~oes, opinioes, ac~oes e resolu~oes tomadas no ambito das suas vidas. A informa~ao fomecida por estes questionanos variava de acordo com 0 grau de consenso, distintividade e con-

o

~ ·a Foi pedido aos inquiridos para faze·stenel . 51 tribui~oes sobre 0 estimulo, as circunstanr~rn a(ternpo e modalidade), as caracteristicas elas etor e as com b·ma~oes d estes f·actores. do ~edidas permitiam assim investigadora As .fiear os efeitos principais e as interac~oes vert OS factores. A · bUl~oes · - em termos d e s atn entre . . f ~ lOres pessoa1s ocorreram com malS requenfae . nas situa~oes d e f raco consenso, f raca d·· lstlnCia . ~ . I d A ·b·.vidade e conslstencla e eva a. s atrl Ul~oes ~tuacionais foram mais frequentes na situa~ao 51 . I de fraca consistencla do comportamento e a ta distintividade. Por fim, os efeitos relativos do cons enso e da distintividade diminuiram quando associados a fraca consistencia do comportamenlO. No que conceme aos efeitos principais, a fral,a eonsistencia do comportamento conduziu a urn maior numero de atribui~oes situacionais contemporizando 0 tempo e 0 espa~o. Por outro lado, valores elevados de consenso, distintividade e consistencia traduzem-se em atribui~oes ao estimulo por oposi~ao aos valores baixos destes tres criterios que induzem atribui~oes em termos pessoais (cf. tam bern Hansen e Lowe,

a

1976). A questao, no entanto, coloca-se. Ate que ponto funcionam as pessoas no seu dia-a-dia nestes termos, que sem duvida requer esfor~o, informa~ao disponivel e tempo? Assumindo que eu estou interessado(a) em tentar discemir as causas do comportamento do meu colega de trabalho, do meu(minha) companheiro(a), como proceder se 0 conhecer ha pouco tempo? Como preencher os val ores ausentes na minha mente, que implicam saber como outros se comportam na situa~ao como ele se tern comportado neste e noutro tipo de situa~oes, se eu tiver de me centrar no trabalho que estou a desenvolver? Mesmo que me encontre na posse desta informa~ao estarei disposto(a) a· analisa-Ia em toda a sua extensao so porque disponho de mais uma observa~ao ?

4.1. Configurafiio, esquemas causais, principios do desconto e do aumento Reconhecendo as Iimita~oes do modelo de coKelley (1972) propoe, posteriormente, urn mecanismo orientado para a estrutura do raciocfnio causal por configura~ao - 0 esque11Ul causal. Entende-se por esquema causal uma estrutura cognitiva representando rela~5es de causa-efeito previamente armazenadas em memoria, ou, de forma mais simples, cren~as causais. Estes esquemas seriam activados quando 0 percipiente dispoe apenas de informa~ao sobre urn efeito e uma ou van as causas. Note-se, no entanto, que a no~ao de esquema nao elimina nem os pressupostos sobre 0 processo de atribui~ao de causas nem as limita~oes do modelo inicial. 0 esquema causal tern por base processamentos do tipo Anova, cujos resultados 0 indivfduo foi armazenando ao longo da sua existencia. A no~ao de esquema causal permitiu a Kelley definir dois mecanismos com fortes implica~oes para a atribui~ao causal: desconto e aumento. o primeiro afirma que: na existencia de multiplas causas suficientes para a produ~ao de urn efeito, a presen~a de uma dessas causas toma ambfguo 0 papel de qualquer outra que esteja igualmente presente no contexto em que 0 efeito tenha ocorrido. 0 grau de confian~a com que a inferencia e feita diminui se outras causas plausiveis para 0 efeito puderem ser consideradas. 0 principio do aumento refere situa~oes de julgamento em que existem multiplas causas provaveis e em que uma facilita a emergencia do efeito enquanto outra 0 inibe. Nestes casos, a causa facilitativa do efeito tern mais peso do que teria se nao existisse a causa inibitoria do efeito. Ou seja, na perspectiva do percipiente, se 0 efeito ocorreu apesar da for~a em sentido contrano entao e porque a potencial for~a propulsora do efeito e de considenivel peso. -varia~ao,



168

4.2. Taxonomia de esquemas causais Heider (1958) havia sugerido que a explica~ao do comportamento pode conduzir a identifica~ao de uma ou mais causas, podendo estas ter peso diferencial. Neste ambito, Kelley (1972) sugere a existencia de esquemas de causas necessanas (MNC) e suficientes (MSC). Quando 0 percipiente acredita que 0 comportamento observado e a con sequencia de uma detenrunada configura~ao de factores necessanos para que 0 efeito ocorra, ele esta a basear-se num esquema de causalidade multipla e necessaria. Por outro lado, quando 0 percipiente raciocina em termos de que cada uma das diferentes causas envolvidas e suficiente para desencadear 0 comportamento (apesar de outras causas estarem associadas) ele esta a utilizar urn esquema de causalidade multiplo mas suficiente. Por fim, quando 0 raciocfnio e 0 de que a situa~ao envolve 0 efeito aditivo de urn conjunto de causas res pons ave I pel a for~a com que ele se manifesta, 0 percipiente esta a basear-se num esquema de causas compensatorias. Ilustremos os raciocfnios alternativos tomando como ponto de partida a situa~ao de agressao de urn individuo X a urn individuo Y e tres causas plausiveis: X nao gosta de pessoas como Y, estava em grupo quando se deu a agressao, todos beberam de mais. Se 0 percipiente considerar que foi a configura~ao de causas que esteve na base do efeito e que a presen~a de todas foi necessaria, entao ele estara a funcionar na base de urn esquema multiplo necessario. Este tipo de raciocfnio e frequente em situa~oes em que 0 efeito observado ultrapassa as expectativas do percipiente, seja porque 0 efeito e percebido como extremo ou como pouco frequente. o percipiente pode, no en tanto, raciocinar que todas estas causas sao importantes para a emergencia do efeito, mas que cada uma delas e suficiente para 0 desencadear. Neste caso, 0 per-

cipiente raciocinou a luz de urn esquema de causalidade multiplo e suficiente. Este tipo de situa~ao envolve efeitos que se registam cOlll alguma frequencia. Mas 0 raciocfnio pode ser ainda outro. 0 percipiente pode considerar que 0 comportamento de agressao resultou do facto de que X nao gosta de pessoas como Y, do facto de ele estar com urn grupo de amigos e de todos terem bebido de mais. 0 percipiente pode acreditar ainda que a agressao se efectuaria, mas que, nao fora 0 efeito extremo do alcool ou do facto de X estar em grupo, 0 efeito nao assumiria as propor~oes observadas. Neste caso, 0 percipiente raciocina em termos de urn esquema de causalidade Compensat6rio. A extensao te6rica acima descrita, ja presente no trabalho de Heider (1958), sugere de novo a pertinencia da questao: «Utilizam as pessoas procedimentos do tipo Anova?». A introdu~ao da ideia de esquema causal sugere que 0 percipiente se pode basear em cren~as e expectativas previas sobre co-varia~ao de causas e efeitos. o verdadeiro problema e, assim, apenas iludido e a sua discussao adiada, na medida em que as pessoas nao necessitam de informa~ao sobre co-variantes por forma a desenvolver inferencias causais. A capacidade de detec~ao de co-varia~ao e limitada no ser humano (Nisbett e Ross, 1980). Para alem dis so, as matrizes sociais fomecem elas pr6prias aos seus membros urn conjunto de cren~as sobre 0 funcionamento em sociedade e rela~oes causais nele existentes. Urn aspecto extremamente interessante, nao obstante as critic as formuladas, e 0 de que com o postulado de esquema causal 0 percipiente e de novo visto como detendo urn modelo de processamento de informa~ao causal. Este modelo implfcito pressupoe que: a) a codifica~ao, recupera~ao de informa~ao e atribui~ao saO fases do processamento cuja ordem e inaltefl1vel; b) a recupera~ao da informa~ao que precede

efacil e exaustiva, 0 que eextremacontroverso (cf., por ex., G.-Marques,

'bui~ao

l! a~..

men...,.

198K8).lley sustenta que as pnmerras "'b . atn Ul~oes

~s sao detenninantes na estrutura~ao do caUs .. nhecUnento do perclplente na medid a em que CD dicionam decis6es posteriores (cf. a este con 6sito Kelley, 1991; Thibaut e Kelley, 1959). ~O~ntanto, dado 0 caracter racional destas, que o ai aferindo nas diferentes situa~Oes e cenase. v 0 risco de distor~ao . ~ minim A . c o. s apreclanOS, . . ~ S causais serao tanto mills preclsas quanto P de ' - e os cent1UOS ~ maior 0 numero sltua~oes conbecidos. Isto e, a atribui~ao realizada num determinado momenta podera ser armazenada em mem6ria mas nao se substitui a uma nova busca em mem6ria. Na realidade, 0 trabalho de Kelley no ambito da atribui~ao visa 0 raciocinio reflectido, 16gico, do percipiente, sendo limitativo no que respeita a articula~ao entre em~Oes, factores motivacionais e processos 16gico-racionais de imputa~ao de causalidade. Convem, no entanto, notar que historicamente 0 seu contributo para uma teoria geral dos processos atribucionais deve ser enquadrado no seu trabalho sobre fen6menos de interdepen~ncia. Destes ressalta nomeaOamente a ideia de que 0 efeito que os outros tem num indivfduo depende da forma como ele interpreta as 8ituaq6es em que se encontra envolvido, das suas pr6prias escolhas e das escolhas destes. Comparativamente a Jones e Davis, poderdizer que, em Kelley, a base de dados do percipiente e fun~ao da experiencia previa, podendo ocorrer distor~Oes devidas a inter{erencia das are~ do percipiente (Kelley e Michela, 1980). Mas Dio selia estas cren~as que guiam a nos sa actividade inferencial numa grande parte das silual;5es? A margem da abordagem do cientista ingenuo, desenvolveu-se uma outra perspectiva com fortes imp1ica~Oes para 0 dominio da atribui~ao

-se-'

169 (cf. Marques e Sousa, 1982). A ideia de base e a de que 0 percipiente procura resolver problemas existenciais e esta preocupado em compreender os seus comportamentos em resposta ao meio.

5. A teoria da

autopercep~ao

Nao e raro darmos connosco pr6prios a questionar porque tivemos tal comportamento, atitude ou em~ao, concluindo por vezes que, quer queiramos ou nao, deve haver qualquer coisa em n6s que justifica 0 efeito. Este e 0 ponto de partida de Bem (1967, 1972). Ele nao fomece postulados no que concerne aos processos cognitivos envolvidos na atribui~ao causal. 0 ponto central da sua contribui~ao e 0 de que 0 indiv(duo capaz de gerar signijicafoes quando activado por est(mulos extemos que lhe suscitam reflexOes aprofundadas sobre si proprio e 0 seu meio ambiente. Em ilustra~ao do seu ponto de vista, Bem (1965) pediu a um grupo de sujeitos para que avaliasse as atitudes de um certo nllmero de actores relativamente a uma tarefa e comparou estes julgamentos com os fomecidos pelos pr6prios actores, verificando que actores e observadores convergiram na forma como interpretaram a situa~ao. Esta semelhanfa de perspectivas parece, no entanto, ser tfpica de situ~Oes em que os constranginlentos situacionais sao susceptiveis de inibir a capacidade de escolha dQs sujeitos. Neste caso, 0 comportamento e exp1icado em termos situacionais. Quando na situa~iio e percebida a possibilidade de escolha do comportamento, actores e observadores divetgem. Os actores tern tendencia a ve-lo como adequado Ii situa~ao, enquanto os observadores tendem a perceb8-10 como indicador de caracterfsticas do actor. Estas diferen~as parecem resultar do facto de que 0 actor tern urn conhecimento cronol6gico sobre a sua hist6t;i.a compoFtamental, informa~ao que os observadores nao possuem.

e

170

171

Saliente-se, no entanto, que, para Bern, esta era uma situa<;ao de excep<;ao. o espectro de aplica<;ao da teoria da autopercep<;ao encontra-se reduzido a situa<;oes em que os indfcios intemos sobre 0 comportamento ou outros estados sao fracos ou ambfguos, quando nao existem feedbacks extemas, ou quando 0 comportamento e percebido como pertinente para a atitude ou caracterfstica subjacente, quando o actor tern comportamentos nao planeados e, devido a determinadas circunstancias, tern de os justificar. Ainda que nao fosse 0 seu objectivo, Bern sugere, assim, a existencia de dois tipos de processamento cognitivo: urn, reflectido, implicando esfor<;o de articula<;ao dos vanos aspectos da situa<;ao, con sequencia de urn pedido do meio ambiente, control ado, e, urn outro de caracter mais automatico, com pouco esfor<;o cognitivo. Esta ideia vern posterionnente a ser desenvolvida pelos psicologos sociocognitivistas Winter et aI., 1985.

6. Jones e Nisbett: diferem;a de perspectivas e familiaridade com 0 objecto Jones e Nisbett (1972) centraram a sua aten<;ao nas razoes para a divergencia de perspectivas entre actor e observador. Estes autores sugeriram que os actores tendem a perceber 0 seu comportamento como uma resposta adaptativa as for<;as situacionais, enquanto os observadores tendem a inferir as causas do comportamento do actor a partir das suas caracterfsticas pessoais.

6.1. 0 processamento de informafiio

como causa da divergencia Jones e Nisbett consideraram tres razoes para a discrepancia entre as atribui<;oes dos actores e

dos observadores: infonnar;iio historica, info". mar;iio sobre os efeitos e informar;iio sob"e as causas. A infonna<;ao historica diz respeito ao conhe. cimento que os actores tern acerca das sUas respostas no tempo e ao longo das situa<;oes infonna<;ao que os observadores raramente pos~ suem. Neste senti do, a perspectiva e semelhante ao modelo Anova: os actores usam informa~ao idiossincratica relativa a distintividade e consis_ tencia do comportamento enquanto os obser_ vadores se baseiam no consenso. A infonna<;ao sobre os efeitos refere 0 cOnhe. cimento sobre as consequencias de uma deter. minada ac<;ao. Ainda que actores e observadores possam ter acesso a este tipo de infonna<;ao, os actores valorizam-na mais que os observadores. Nao e, no entanto, claro se 0 «valor» diz respeito as consequencias afectivas da realiza<;ao do objectivo ou aos efeitos cognitivos do terceiro tipo de divergencia de infonna<;ao entre actores e observadores. A infonna<;ao sobre as causas salienta 0 foco de aten<;ao de actores e obser· vadores. Os primeiros centram a sua aten<;ao nos constrangimentos situacionais potencialmente indutores das respostas, enquanto os segundos estao centrados no actor. Isto conduz a que 0 observador atribua maior peso as caracterfsticas pessoais do actor do que a propria situa<;ao. Este fenomeno presume-se que e devido a saliencia diferencial dos indfcios do estfmulo no campo perceptivo, verbal e semantico. Jones e Nisbett sugeriram igualmente a possibilidade de as divergencias actores-observadores serem mais acentuadas em situa<;oes em que exista interferencia de factores motivacionais. Por exemplo, quando tanto 0 actor como o observador tentam aumentar a sua auto-estima, e possfvel que 0 primeiro polarize os seus julgamentos atribucionais em termos de factores situacionais, enquanto 0 segundo ponha ainda maior enfase nos factores pessoais.

Uma outra distin<;ao importante introduzi~a Cunningham, Kanouse e Starr (1979) dlz por eito aD papel activo ou passivo do obserred'o.r Ten!. urn _observador directamente impliva . _ do na sltua~ao a mesma posl~ao que urn c~ ervador nao implicado - urn observador paso. s ? A investiga~ao empfrica parece indicar SIVO. que na-o. Os observadores activos tendem a ter rspectivas convergentes com as do actor em permos do peso dos factores pessoais e diver~ . entes dos observadores passlvos. Isto sugere 0 gapel moderador d0 envoIvlmento . 'na sltua<;ao. p Lembremos, no entanto, que a perspectlva . de Jones e Nisbett e basicamente a de que, se os indivfduos tiverem acesso aos mesmos dados, nao deverao apresentar diferen<;as ao nfvel atribuicional. Se aceitarmos que ao nfvel perceptivo a situa<;ao nao e identica para actores e observadores, bastaria inverter as perspectivas de ambos para mudar as suas perspectivas. Seguindo este raciocinio, Storms (1973) apresentou a sujeitos que tinham anteriormente sido actores num determinado contexto urn filme sobre 0 seu proprio comportamento tal como este seria visto por urn observador. Em paralelo, mostrou a sujeitos que tinham anteriormente observado a situa<;ao urn filme de como esta teria sido vista pelo actor dessa situa<;ao. Em seguida pediu a todos os sujeitos que explicassem 0 comportamento do actor. Consistente com a perspectiva defendida por Jones e Nisbett, os primeiros utilizaram a perspectiva do observador, enquanto os segundos responderam como o fari a 0 actor da situa<;ao. Poder-se-a assim dizer que a divergencia entre actores e observadores de uma situa<;ao corresponde a urn tipo de situa<;ao bern especifico: os intervenientes da situa<;ao nao detem a Olesma quantidade de informa<;ao. Este parece ser frequentemente 0 caso, e as consequencias Para a comunica<;ao entre as pessoas sao consideraveis.

McArthur (1970) pediu a urn grupo de sujeitos que participasse numa discussao sobre determinada materia e, a outro grupo, que lesse urn texto descrevendo essa discussao. Em seguida, a investigadora pediu aos actores da situa<;ao e aos observadores que explicassem 0 comportamento dos participantes na discussao. Curiosamente, os participantes na discussao (actores) atribufram a sua participa<;ao ao facto de ser pertinente a participa<;ao neste estudo, enquanto os observadores a atribufram a tendencia destes sujeitos em participar neste tipo de discussao. E obvio que actores e observadores nao tiveram acesso ao mesmo tipo de informa<;ao. No entanto, outros trabalhos posteriores vieram mostrar que mesmo possuindo informa<;ao identic a os observadores preveem que 0 actor tenha 0 mesmo tipo de comportamento noutras situa<;oes (causas pessoais), enquanto os actores preveem ter 0 mesmo tipo de comportamento se 0 pedido lhes voltar a ser feito (causa situacional). Estes estudos parecem indicar que na base das divergencias estao factores perceptivos e tambem factores cognitivos. Tal facto levou Ross (1977) a propor a designa<;ao de erro fun damental da atribui<;ao.

7. 0 erro fundamental da

atribui~ao

A enfase dada pelo percipiente aos factores pessoais e ja abordada nos anos 40 por Heider (1944; 1958a), sendo considerada uma distor<;ao perceptiva. Ichheiser (1949, 1970), posteriormente, interpreta-a como sendo propria de uma matriz de pensamento liberal (Vala, neste vol.). Contudo, so nos anos 70 esta distor<;ao tom a a designa<;ao de erro fundamental. Segundo Ross (1977), 0 erro fundamental corresponde a tendencia para sobrestimar 0 papel dos factores pessoais disposicionais e a subestimar 0 impacte dos factores da situa<;ao na determina<;ao do



172

comportamento do sujeito por parte do percipiente 2. Urn estudo de Jones e Harris (1967) ilustra magistralmente esta distor~ao. Neste estudo, inquiridos com atitudes anti Fidel Castro leem urn texto a favor ou contra Fidel Castro. Metade dos inquiridos e levado a acreditar que 0 autor do texto tinha liberdade de escolha ao redigi-Io, enquanto a outra metade dos inquiridos e dito que 0 autor do texto 0 escreveu sob pressao. Na realidade, os textos haviam sido escritos pelos investigadores. Poder-se-ia esperar que os inquiridos fossem sensfveis a situa~ao em que 0 texto havia sido redigido, e que, portanto, nao pudessem inferir nada sobre 0 seu autor a partir de urn texto escrito sob pressao. Neste caso, os factores situacionais seriam suficientes para explicar 0 comportamento do autor do texto. Nao foi isso, no entanto, que aconteceu. Os inquiridos recorreram a inferencias disposicionais para aMm do que seria esperavel e 16gico. lnicialmente, 0 erro fundamental foi entendido a luz duma concep~ao heideriana: 0 comportamento domina 0 campo perceptivo, reduzindo as condi~oes necessanas para 0 evento a uma s6: a pessoa com inten~ao que, apesar dos constrangimentos situacionais, tern 0 controlo sobre uma multiplicidade de for~as requeridas para a cria~ao do evento. Subjacente a esta explica~ao esta a tese da incompetencia em materia cognitiva por parte do percipiente. Nao e, no entanto, claro se 0 erro fundamental da atribui~ao e apenas fun~ao de factores perceptivo-cognitivos. Alguns investigadores defendem a determinayao de factores motivacionais, enquanto outros sublinham 0 seu caracter cultural (cf., por exemplo, Beauvois e Dubois, 1988; Howard, 1989). Os estudos transculturais sao elucidativos a este prop6sito. Com

efeito, em sociedades como a chinesa e a indian nao tern sido observada a preponderancia de f II ac tores pessoais na explica~ao dos comport;! .... e ' . -"1 n, tos, contranamente ao que acontece em soc'ie, dades ocidentais como a nossa (cf., por exempl Miller, 1984). Jellison e Green (1981), POr s;' lado, sublinham 0 valor social de uma norma dU internalidade (cf. tambem Beauvois e DUboi: 1988). ' Ainda que 0 erro fundamental seja caracte, nstico dos observadores, ele pode igualmente operar nos actores, como 0 ilustra urn estudo de Ross, Amabile e Steinmetz (1977). Estes inves_ tigadores constitufram dois grupos de sujeitos com 0 hipotetico objectivo de participar nurn estudo sobre conhecimento geral. A um dos grupos foi dada a tarefa de entrevistar 0 outro grupo de sujeitos, sendo-Ihe fornecido um conjunto de questoes sobre cultura geral e corn graus de dificuldade variados. Destes, os entrevistadores escolheriam questoes diffceis e questionariam os entrevistados, que responderiam em voz alta. A cada resposta do entrevistado, 0 entrevistador fornecia a res posta correcta. Em seguida, foi pedido aos entrevistadores e aos entrevistados uma estimativa do grau de cultura geral dos ultimos. Os resultados mostraram que . os entrevistados atribufram a sua falta de cultura geral a factores pessoais, enquanto os entrevistadores levaram em considera~ao 0 facto de que a falta de cultura geral dos entrevistados era devida ao leque de questoes dificeis que Ihes tinha sido colocado. Por fim, os investigadores pediram a urn terceiro grupo de sujeitos que observasse a interac~ao entre entrevistadores e entrevistados e estimasse as razoes do comportamento (fracasso) dos entrevistados. A analise dos dados revelou uma posi~ao convergente com ados entrevistados. Neste caso, enquan to

ctores (os entrevistados) e observauns a IIlg s incorreram no erro fundamental ao do re razoes pessoais para 0 comportamento '~p~~ . b" trevistados, outros actores (os entrevIstados e~ nao cometeram esse erro, considerando es dor sua superioridade era situacional e artique a _I

tidal.

8.

A atribui«;ao em contextos de realiza~ao

o quadro tradicional da atribuiyao considerou s factores motivacionais como interferencias o m efeitos imprevisfveis. 0 trabalho de Weiner CO . sobre a relayao entre motivayao para a reahza~iio e a atribuiyao causal e uma excep~ao. Seguindo de perto a proposta te6rica de Heider, Weiner reafirma a pertinencia das produ~oes discursivas em termos de capacidade, esforyo, dificuldade da tarefa e sorte nos contextos de realiza~ao, e explicita, num primeiro momento, uma taxonomia atribuicional segundo dois factores: locus de causalidade (interno versus externo) e estabilidade (estavel versus instavel). Segundo Weiner, a tarefa do percipiente e determinar em qual dos quadrantes se enquadra a situa~ao observada. Posteriormente, Weiner (1979) incorpora urn terceiro factor na taxonomia - a controlabilidade -, que diz I

FIGURA

Este vies atribuicional e i1ustrado pelo vies da correspondencia ou pelo efeito da sobre atribui~ao.

1 Eslabilidade

Locus de caUSalidade

Inlerna EXlcrna

2

173

Instavel

Eslavel

Esfor~o

Capacidade

Azar/sorle Dificul.larefa

respeito a influencia volitiva do actor sobre a causa (esforyo, por exemplo). Weiner centra fundamentalmente a sua aten~ao nas consequencias afectivas das atribuiyoes para 0 sucesso e fracasso, e, destas, para 0 comportamento subsequente. No entanto, van as cnticas tern sido apontadas. A prime ira diz respeito aforma como 0 processo de atribui~ao se desencadeia. 0 autor defende que ele se inicia com 0 caracter inesperado ou negativo de urn evento (Weiner, 1985). Em boa verdade, nao fornece nenhum indicador dos processos subjacentes que possa explicar as razoes para a existencia de emo~oes especificas quando determinadas atribui~oes sao feitas. Para alem disso, 0 caracter abrangente da teoria que defende e de dificil transposiyao para outros contextos que nao 0 de realiza~ao.

9.

Atribui~oes para 0 sucesso e fracasso: cognitivas ou motivacionais'!

Urn dado extremamente importante dos trabalhos de Weiner e a assimetria nas atribui~oes para o sucesso e fracasso. Assim, em contextos tao variados como 0 da educa~ao, mais concretamente 0 sucesso e insucesso escolar, e 0 da interacyao clinico-cliente, os individuos parecem privilegiar factores situacionais em situa~6es de fracasso e factores pessoais no caso dos sucessos. V anas explica~oes tern sido fornecidas para este padrao de comportamento. Uns consideram que ele decorre dos padroes de refor~o a que 0 individuo e exposto ao longo da sua vida e que cognitivamente elaborado se transforma neste tipo de cren~a, enquanto outros se inclinam mais para uma explica~ao em termos de conformismo a uma norma social que define 0 caracter indesejavel do fracasso e 0 caracter desejavel do sucesso na sociedade.



174

10. 0 cerne do debate Inicialmente, os vieses auto-atribuicionais foram imputados a preocupa~oes dos percipientes com a sua auto-estima. Ao procurar negar a culpa pelos resultados indesejaveis, e ao dar credito ao proprio merito, estariam a proteger e simultaneamente a exibir a sua auto-estima. Esta perspectiva nao foi, no entanto, partiIhada pelos investigadores cognitivistas, defensores da racionalidade humana. A perspectiva cognitivista sustenta que: a) Os individuos esperam geralmente

0

sucesso (nao 0 fracasso) e parecem mais predispostos a imputar factores pessoais em caso de sucesso do que em caso de fracasso, considerado como 0 resultado de factores instaveis ou extemos; b) Os indivfduos percebem uma maior co-varia~ao entre comportamento e resultado obtido no caso de sucessos consecutivos que no caso de fracassos repetidos em que as altera~oes do comportamento nao sao associadas a altera~Oes nos resultados; c) Os individuos tendem a ter uma concep~ao erronea de contingencia entre respostas e consequencias, 0 que os leva a associar 0 controlo com a ocorrencia de urn resultado desejado (0 sucesso). No entanto, as explica~oes puramente cognitivistas nao sao consistentes com alguns dados observados, nomeadamente nos casos em que 0 desempenho acarreta consequencias negativas para 0 indivfduo. Por exemplo, Berglas e Jones (1978), sob pretexto de urn teste de capacidade de resolu~ao de problemas, confrontaram os sujeitos com problemas solucionaveis ou sem solu~ao, sob a hipotese de que estes escolheriam a estrategia que Ihes permitisse justificar 0 seu desempenho.

Em seguida, foi dada a possibilidade aos SUje' tos de escolherem entre dois medicament~' supostamente facilitadores ou inibidores d S . . as capacidades. E, por fim, os sUJeltos voltavam responder ao teste. Em suporte da hipotese 0 a individuos que tinham sido confrontados ~O~ anagramas sem solu~ao escolheram 0 medica, mento que ficticiamente Ihes inibia a capacidade de resolu~ao, permitindo-Ihes assim eliminar causas pessoais para 0 fracasso, enquanto Os outros individuos (confrontados com problemas sohlveis) escolheram a «droga» que suposta, mente lhes facilitaria 0 seu sucesso na tarefa. Ainda urn outro exemplo ilustrativo do nosso ponto de vista e fomecido por Stevens e Jones (1976). Estes investigadores pediram aos sujeitos que participassem numa serie de tarefas de discrimina~ao sensorial das quais iriam recebendo retroac~ao (na realidade uma falsa retroac~ao) nao so sobre 0 seu desempenho mas tambem sobre 0 dos outros. Com esta instru~lio pretendiam os investigadores testar 0 modelo Anova (manipulando para este efeito 0 grau de consenso, distintividade e consistencia). Quais seriam as predi~oes do modelo Anova (expoente maximo da perspectiva cognitivista)? Em primeiro lugar, nao prediriam diferen~as em fun~ao do resultado do desempenho. Em segundo lugar, este seria atribufdo a capacidade na condi~ao de distintividade elevada e baixo consenso; 0 esfor~o e a sorte seriam as explica~oes privilegiadas na condi~ao de fraca distintividade, fraca consistencia e fraco consenso; e a dificuldade da tarefa seria 0 factor causal mais saliente na situa~ao de consenso e consistencia elevados. Quais foram os resultados obtidos por Stevens e Jones? Diferentes das predi~6es derivadas do modelo Anova. Os sujeitos que receberam inforrna~ao inconsistente ao longo das tarefas atribufram-no a varia~oes na dificuldade da tarefa mesmo quando os nfveis de distintividade eram semelhantes. Niveis elevados de dis-

. 'dade no fracas so foram mais frequenteun irnputados a falta de sorte, enquanto a ..,ente _ ,•.. t'vI'dade elevada nos sucessos nao afectou d's un I I 'bui yao a capacidade. 0 consenso gerou ~ ::rnente padr6es de atribui~ao diversos em Ig ~o do resultado do desempenho - sucesso funya .. fracasso. Os sUJeltos que fracassaram nas \IersuS . efas e foram mformados do fracasso dos tar es atribufram 0 desempenho a dificuldade da par fa as sujeitos que tiveram sucesso na taredi~ao . ' de consenso e Ievad0 atn'b utram-no con T . , s: 'l'd lllais a factores pessoals que a laCl 1 ade da tarefa. Na realidade, 0 resultado do desempenho revelo u-se como 0 grande factor de varia~ao de respostas. Consistente com a perspectiva de Weiner, 0 sucesso foi atribufdo a capacidade, enquanto 0 fracasso se deveu a falta de sorte. A dificuldade da tarefa nao se revelou, no entanto, pertinente para discriminar sucessos e fracassos. Facto curiosa e 0 de que os resultados slio igualmente inconsistentes com 0 modelo de Jones e Davis (1965) ja anteriormente referido. Este modelo prediria que resultados partilhados por outros sujeitos fossem imputados a factores extemos, contrariamente ao que aconteceu na situayao de consenso elevado. Em suma, os resultados obtidos nao sustentam 0 quadro teorico tradicional da atribui~ao. A capacidade aparece como uma fun~ao da consistencia (0 que e corente com 0 modelo ANOVA) mas nao como uma fun~ao do consenso e da distintividade. 0 esfor~o nao e fun~ao das variaveis do modelo Anova. A dificuldade da tare fa e uma fun~lio da consistencia mas nao na direc~ao prevista pelo modelo. A rela~ao entre sorte/azar e distintividade prevista no modelo tambem nlio se observa. As limita~6es ao funcionamento cognitivo em termos da teoria da atribui~ao sao . UVI

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por demais evidentes quando os resultados dos desempenhos tern consequencias para 0 proprio sujeito. Para aMm disso, se e verdade que a controversia motivacional versus cognitivo continua por resolver, 0 facto e que no ambito da atribui~ao os investigadores come~aram a questionar a etiqueta de cientista ingenuo.

10.1. Limitafoes das perspectivas tradicionais De entre as varias facetas dos modelos aqui apresentados importa distinguir dois paradigmas no estudo da atribui~ao: urn racionalista e urn hedonista. 0 primeiro, dominante na literatura, encara 0 esfor~o do percipiente como a de procura rigorosa das causas reais do proprio comportamento e dos outros. 0 segundo, mais controverso, menos estudado, centra-se na necessidade hedonic a de 0 percipiente por em evidencia 0 seu valor e 0 de alguns outros. Enquadrando-se no paradigma racionalista, 0 trabalho desenvolvido por Jones e Davis (1965), Kelley (1967,1972), Bern (1967,1972), Jones e Nisbett (1972), e em menor grau Weiner (1974), possibilitou novas forrnas de conceptualizar 0 processo de atribuis:ao de causas. I . 0 que desencadeia 0 processo atribuicional? A necessidade de avalia~ao, afirrna Heider. Jones e Davis bern como Kelley nao especificam as condi~oes da sua emergencia. Weiner, nos anos 80 defende que e 0 caracter inesperado do evento/ocorrencia e a nao obten~ao de urn objectivo, os factores que estao na base do processo atribuicional. 3 A assun~ao de base

3 Schachter (1964), no ambito de uma teoria das emor;:oes, sustenta que e activar;:ao; no entanto, 0 autor nao e abordado neste capitulo, dado 0 fraco peso que teve no desenvolvimento do quadro tradicional da atribuir;:ao de causas para 0 comportamento,

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de Heider foi assim negligenciada pelos seus sucessores. Jones e Davis, centrados na percepyao pessoal, propuseram que 0 percipiente tenta inferir uma contingencia entre aCyoes e caracteristicas estaveis no actor tendo em atenyao os objectivos prosseguidos com os comportamentos possiveis numa determinada situayao, as expectativas do percipiente, bern como da desejabilidade social dos resultados. No entanto, ao considerarem a intenyao urn mediador necessario a imputayao de uma causalidade disposicional, restringem 0 ambito da teoria, nao fornecendo prediyoes para a inferencia de disposicionalidade que nao envolva comportamento intencional (exemplo: «x e urn esquecido») (Kruglanski, 1975). Por outro lado, ao postularem que 0 percipiente centra a atenyao nas alternativas comportamentais nao escolhidas, negligenciam 0 facto de que frequentemente 0 percipiente nao tern tempo nem interesse num esforyo epistemico de precisao no raciocfnio (cf., por exemplo, a este prop6sito, Leyens, 1983; Higgins e Bargh, 1987). Para alem disso, ao colocar a enfase no valor informativo do comportamento inesperado, ') modelo nao permite explicar como e que 0 percipiente infere atributos de personalidade no actor com quem interage no dia-a-dia. Por fim, 0 suporte emplrico para a teoria baseia-se, na maior parte dos casos, em estudos que nao ineluem atribuiyoes causais mas sim atributos de personalidade. Neste ambito, alguns trabalhos de investigayao vieram mostrar que a atribuiyao de trayos de personalidade e a atribuiyao causal implicam processamentos distintos (este ultimo mais lento - cf., por exemplo, Smith e Miller, 1983). 2. Afastando-se dos modelos humanos e de investigayao de Heider (centrados no principio da consistencia cognitiva), a ideia de cientista ingenuo, enunciada por Jones e Davis, e brilhantemente desenvolvida por Kelley. 0 perci-

piente leigo toma decisoes em materia de imputayao de causalidade com base nUlll co-variayao de causas e efeitos. Os criterio: informacionais a que recorre sao a distintivi_ dade, 0 consenso e a consistencia do compona_ mento. Jones e Nisbett nao se afastam desta linha de pensamento ao considerarem a infor_ mayao sobre os efeitos, a informayao sobre as causas e a informayao hist6rica. Os postulados genericos sao os de que, ao terem de produzir uma apreciayao, os observadores se basei~ mais no consenso, enquanto os actores estao mais sensibilizados para a distintividade e Consistencia do comportamento devido ao facto de possuirem mais informayao sobre 0 seu compor_ tamento. Alguns investigadores tern, no entanto, vindo a criticar este modelo indutivo. Hilton (1988), por exemplo, sugere que 0 raciocfnio causal se baseia em estruturas de conhecimento previas. Por outro lado, alguns estudos apontam para 0 facto de que 0 consenso nao e tao relevante aos olhos do percipiente como 0 modelo de Kelley deixa supor (cf., por exemplo, Major, 1980). Ilustrativo das limitayoes do modelo Anova e urn estudo realizado por n6s pr6prios (Sousa, 1990). A pretexto de urn estudo sobre decisao em selecyao de pessoal, analisou-se 0 peso dos tres criterios informacionais de Kelley e a articulayao destes com variaveis de canlcter social. Os resultados vieram mostrar que os inquiridos relegaram para segundo plano o criterio informacional consenso do cubo ANOVA, decidindo na base da distintividade do comportamento do candidato e na base de variaveis de caracter social, como seja a congruencia de pertenya de candidato e seleccionador a urn mesmo grupo universitmo. Na realidade, Kassin (1979) sugere a necessidade de distinguir dois tipos de consenso: aquilo que oS outros fariam se estivessem na situayao (impUcito), e 0 comportamento de uma dada amostr8

Hcito no sentido de Kelley) (cf., a este (e"P proposito , Hewstone e Jaspars, 1988). 3. A explicayao cognitivista fornecida para 0 fundamental, criticada por varios investiertO . I. & dores, teve Imp Icayoes para a lorma de ~;nceptualizar a atribuiyao. Jones (1979), inauurando uma nova forma de conceptualizar 0 g oces So de atribuiyao, vern sublinhar a imP~rtancia da saliencia nao do comportamento p - comportamento-actor. mas do elo de I·Igayao Minai de contas, nao ha aCyao sem actor. E"plicar a aCyao pela situayao e demasiado abstracto pelas implicayoes que 0 percipiente da! retira. Assim, num primeiro momento, para fundamentar a sua apreciayao da situayao ele e levado a considerar 0 comportamento como reflexo de uma predisposiyao subjacente. Num segundo momento, corrige a sua apreciayao levando em considerayao os factores situ acionais. Mas, como 0 sublinham Tversky e Kahneman (1974), esta segunda etapa e realizada de modo pouco cuidado, prevalece 0 peso da fundamentayao (anchor). Seguindo urn raciocinio diferente, Quattrone (1982) sustenta que 0 processo de atribuiyao se traduz na sobrevalorizayao dos factores pessoais em detrimento dos situacionais devido a situayao experimental criada pelo investigador. As instruyoes fornecidas aos sujeitos conduzem-no a perceber uma unidade predisposi~ao-comportamento e a por em jogo as suas cren~as, de forma faseada. Num primeiro momento, 0 individuo fundamenta 0 seu racioc!nio na base da direcyao e da intensidade do comportamento. Em seguida, avalia em que ~edida e que 0 comportamento e diagnosticavel e ajusta a sua apreciayao sobre a atitude SUbjacente a ac~ao. No entanto, a correcyao ~rova ser incompleta, conduzindo-o a uma I~ferencia disposicional. Devine (1989) vai aInda . mals longe ao afirmar que os estudos elas-

e

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sicos negligenciam a mediyao da confianya na inferencia disposicional, sendo a explica~ao fornecida mera especulayao. 4. A abordagem de Weiner (1974) aparece mais como urn quadro de referencia para a analise de situayoes de realizayao do que uma teoria da atribuiyao. S6 em 1985, Weiner desenvol vera uma teoria, efectuando a analise mais aprofundada das dimensoes atribucionais que hoje conhecemos. Na versao de 1974, que ficou celebre, as principais prediyoes adequam-se facilmente ao senso comum. Por outro lado, pelo modelo de investigayao utilizado, extremamente ape lativo, muitos investigadores e praticos terao eventualmente produzido dados que esquecem o caracter criativo das construyoes mentais do ser humano. Por exemplo, numa serie de estudos sobre a percepyao das causas do insucesso escolar em diferentes escolas do pais, junto de alunos com ou sem experiencia de fracasso escolar, verificou-se que as causas tradicionalmente consideradas - capacidade, esforyo, dificuldade da tarefa e sorte - sao demasiado genericas, nao esgotando sequer as razoes fornecidas pel os inquiridos quando Ihes e dada a possibilidade de raciocinar espontaneamente sobre o assunto (Sousa, 1992). Por exemplo, 0 insucesso e atribuido pel a generalidade dos alunos dos primeiros anos do secundario it incompreensao dos textos dos livros em determinadas materias e a forma como os professores expoem essa materia: «Nao percebo 0 que e1es dizem.» Estes dados sao consistentes com uma investigayao levada a cabo por Leyens e por mim pr6pria (Sousa e Leyens, 1987) que visava a comparayao de metodologias no ambito dos estudos da atribuiyao. Foi pedido a individuos do sexo masculino e feminino que explicassem livremente 0 desempenho bern ou mal sucedido de urn individuo do sexo masculino ou feminino



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em dois contextos culturais diferentes. As respostas foram analisadas de duas formas: tal como tinham sido dadas e, apos codifica~ao, em tennos do seu canicter interno / externo e estavel / instavel. Os resultados puseram em evidencia 0 facto de a taxonomia tradicional nao ser sensfvel a dimensao social dos julgamentos, nem a fonna como eles sao verbalizados, podendo obscurecer facetas interessantes dos dados obtidos e dar lugar as proprias teorias dos investigadores na materia. Igualmente consistente com este raciocfnio e urn estudo de Val a, Leyens e Monteiro (1989). Estes investigadores compararam as respostas dos sujeitos a dois tipos de instrumento de medida das atribui~oes causais, tendo chegado a conclusao de que as dimensoes causais espontaneas nao correspondem as dimensoes teoricas tradicionalmente consideradas no ambito da atribui~ao,

10.2. 0 cientista ingenuo? Procura epistemica racional «versus» hedonismo num vacuo social Daquilo que vimos ate aqui ressalta que os modelos classicos da atribui~ao causal nao permitem uma compreensao clara das componentes do pensamento do sen so comum nem dos processos subjacentes as atribui~oes causais, Por outro lado, estes modelos sao claramente insatisfatorios quando se procura compreender a rela~ao entre estes processos e as estruturas mentais que, em principio, deveriam estar na sua base. Com efeito, e salvo raras excep~Oes, 0 processo de atribui~ao causal foi abordado em tennos individuais, como se ele ocorresse num vacuo. Num vacuo teorico, porquanto os investigadores descreveram apenas urn leque reduzido de mecanismos sem estabelecer uma rela~ao entre 0 conhecimento que os individuos detem e as capacidades de proces-

samento de infonna~ao, Os estudos no amb' ', Ito d as estruturas cogmtlvas e processos mostrara ha muito que 0 estabelecimento de uma relaC'~ I: ' " , l'aO causa-elelto na me mona e apenas uma Parte d 0 processamento de informa~ao, que impli c principios muito claros de organiza~ao dos Co a teudos em memoria. A teoria da atribUi~~ causal nao propos a integra~ao do processo d atribui~ao num conjunto mais vasto de process~ e estruturas, ou fe-Io em apenas alguns casos Poder-se-ia mesmo dizer que a falta de um ll1o~ delo descritivo e a maior fraqueza do quadro tradicional da atribui~ao, Actualmente, existem ja propostas teoricas neste sentido (cf., POr exemplo, Abelson e Lalljee, 1988; Smith e Miller, 1979; Trope, 1986). Por outro lado, 0 facto de as pessoas se comportarem, em determinadas situa~oes, de forma consistente, com as predi~oes do paradigma do cientista ingenuo nao quer dizer que elas sejam cientistas ingenuos. Seguindo uma abordagem alternativa, na senda de Heider e Lewin, defendemos a tese de urn indivfduo, sobrecarregado de estimula~ao pelo meio ambiente, que, de fonna consciente ou nao, selecciona a informa~ao do meio ambiente e the atribui peso diferencial. Este indivfduo procura reconhecer configura~oes de estimula~ao em fun~ao do conhecimento ja annazenado em mem6ria mais do que induzir as verdadeiras causas dos eventos observados. Esta perspectiva e consistente com os resultados das investiga~oes nas areas cia percep~ao de pessoas e da mem6ria para pessoas, Os estudos realizados sob esta egide mostram que os indivfduos podem produzir julgamentos sobre outros ou sobre si proprios na base de indu~oes previas, como resultado de processos de codifica~ao «inconsciente» da infonna~ao que tern muito pouco a ver corn inferencias complexas (cf., por exemplo, Gilbert et ai., 1988; Higgins e Bargh, 1987; Quattrone, 1982; Trope, 1986).

No ambito da at~bui~ao, em trabalh~s, mais tes, a dicotomla entre fases automatlcas e recenoladas constitui urn eixo organizador dos con~menos de percep~ao social (com paralelo no fe estudos sobre fonna~ao de impressoes). nos e (1986), por exemplo, propoe urn modelo Trop ," I em duas etapas: uma joferencia dlSposlclona de ele designa de I'dentl'fiIca~ao - (automatlca ") e qU~a designada de inferencia (controlada). ~ sume-se que 0 percipiente identifica 0 comSrtamento e a situa~ao, 0 comportamento e ~:entificadO em tennos de categorias comportaI lentais (por exemplo, manifesta~ao de c6lera) e r d e categonas ' , OS estfmulos em tennos sltuacionais (por exemplo, urn caso de provoca~ao). Cada aspecto serve de contexto para a interpreta~iio do outro. Esta e uma etapa relativamente automatica em tennos do reduzido esfor~o cognitivo implicado, tendo as cren~as do percipiente um papel importante. Numa segunda fase _ de inferencia - a disposi~ao identificada no primeiro momenta e de novo examinada e eventualrnente corrigida quando a analise em tennos automaticos se revelar injustificada. Esta fase implica urn maior esfor~o cognitivo, Na maior parte dos casos, no entanto, 0 percipiente e levado a privilegiar as respostas de caracter automatico e a basear-se nas suas cren~as. A analise minuciosa da infonna~ao, que requer esfor~o significativo, tempo e disponibilidade de recursos cognitivos, e levada a cabo em situa~6es em que a infonna~ao e surpreendente, incongruente com as expectativas, ou quando a situa~ao exige uma analise ponnenorizada e precisa, Vma das facetas interessantes deste modelo e mostrar que uma mesma infonna~ao pede ter efeitos diversos nas diferentes etapas do prOCesso de atribui~ao. ~m outro aspecto que emerge da teoria da atribui~3.o e a sua evolu9aO num vacuo social, a ~ua incapacidade de articular 0 processo de Imputa93.0 de causalidade com 0 contexto e os

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constrangimentos situacionais e SOCialS (Deschamps, 1977; Hewstone, 1983; Marques e Sousa, 1982; Sousa, 1987).

10.3. A dimensiio estrategica das atribuiroes Como referimos anterionnente, a aten9aO do percipiente centra-se no actor por fonna a compreender a situa~ao, mas frequentemente acaba por incorrer em julgamentos distorcidos. As interpreta90es abordadas ate aqui tern por base a ideia de que as coisas sao 0 que parecem. No entanto, muitas vezes os indfcios comportamentais podem ser intencionalmente produzidos. A aprendizagem no seio de uma sociedade inclui 0 treino da «fonna». Quantos de n6s nao agradeceram ja, com urn sorriso nos labios, presentes de que nao gostam? Quantos nao observaram ja interac90es extremamente agradaveis entre pessoas que se detestam? 0 individuo tern de levar em considera9aO a imagem que pretende dar aos outros presentes, ffsica ou simbolicamente, e a fonna como os outros 0 percepcionam (cf. Shlenker, 1980; Weary-Bradley, 1978). Wapner e Alper, nos anos 50, sugeriam: «An audience may serve to threaten self-status (need to be thought well of by others). The audience, after all, is a potencial interpreter of the choices made by the individual» (1952, p. 227). Vma audienci" pode servir para amea9ar 0 estatuto do self (necessidade de que os outros pensem bern de si). Em suma, a audiencia e urn interprete potencial das escolhas feitas pelo proprio individuo. Ao comportamento motivado pel a necessidade de comunicar algo sobre 0 self ou sobre uma irnagem desse self a outrem se convencionou chamar de auto-apresenta9ao (Baumeister, 1982; Schlenker, 1980). Toda uma linha de investiga9ao (que nao iremos aprofundar por



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ultrapassar os limites do capitulo) se tern sobre este fenomeno. Dessa linha de investiga~ao iremos reter alguns aspectos. Em primeiro lugar, se 0 actor estiver sozinho, fixar-se-ao objectivos mais modestos, como 0 demonstra a evidencia empirica. Ilustrativo deste ponto de vista e urn estudo levado a cabo por House (1981). Os individuos tern tendencia para atribuir 0 fracasso numa tarefa a falta de esfor~o quando acreditam que as respostas serao divulgadas a uma audiencia, mas nao quando sao informados de que as suas respostas sao confidenciais. Urn outro exemplo e dado pelos individuos que tern urn born desempenho numa modalidade, mas que nao the associam capacidade. Estes individuos tern tendencia para escolher posteriormente situa~oes que comprometam 0 real teste das suas capacidades. Esta estrategia tern como con sequencia 0 facto de ao individuo se impor a necessidade de projectar a existencia de factores constrangedores dos seus desempenhos, dispersando a aten~ao e justificando desempenhos de qualidade inferior (Arkin e Baumgardner, 1985). No entanto, nesta como noutras materias, varhiveis pessoais moderam as auto-apresenta~oes. Alguns investigadores tern sugerido que na base destas estrategias atribuicionais estao diferen~as nos niveis de auto-estima (cf., por exemplo, Brockner, 1983). No entanto, nao e menos verdade que as diferen~as observadas desaparecern quando as respostas sao dadas em privado (Baumeister, Tice e Hutton, 1989), 0 que vern refonrar a ideia de que as atribuir;oes causais tern uma funr;ao pragmatica. Que pensaria uma audiencia de urn actor se este, apos urn born desempenho, enveredasse por urn discurso que salientasse 0 seu merito como factor exc1usivo ou que, apos urn mau desempenho, negasse 0 seu papel na situar;ao? Nao chega ao indivfduo acreditar no seu valor, e preciso que os outros lho reconher;am. Se 0 debru~ado

actor conseguir convencer os observadores d seu sentido de responsabilidades e modest' 0 , la provavelmente 0 seu sucesso sera total, social ' intelectualmente. Nao se trata, no entanto de baixar a s~a auto-~stima mas sim de uma a~to~ apresenta~ao conslstente com as expectativas d audiencia (cf. tambem Babkok, 1989), mOde~ rada por val ores culturais. Se ele fracas sa nesta tarefa, 0 seu desempenho e «infeliz», dado qUe nao consegue levar os outros a coordenar pers_ pectivas consigo no senti do do seu valor ell! dimensoes socialmente valorizadas. Isto nao quer dizer, no entanto, que 0 percipiente funcione sempre de forma descentrada. Como 0 sublinham Ross, Green e House (1977), «0 individuo tern tendencia para acreditar que as suas posir;oes em determinada materia sao partilhadas pelos outros, independentemente dos dados da situa~ao, que com frequencia se revelam inconsistentes. A este vies se convencionou chamar efeito do falso consenso». Urn estudo realizado em contexto escolar e igualmente ilustrativo da funr;ao de negociar;ao de imagens das atribuir;oes. Nesta investigarr ao (Sousa, 1993) pedimos a professores do ensino secundano do quadro e provisorios que avaliassem e explicassem 0 comportamento de repreensao de urn professor do quadro a urn professor provisorio que havia deixado sair alunos antes do fim da aula por ocasiao de urn teste. A urn ter~o dos inquiridos foi dito que 0 comportamento de repreensao havia ocorrido em privado, a urn outro ter~o que tinha ocorrido em reuniao de grupo e ao resto dos inquiridos que este acto fora levado a cabo em frente dos alunos. Os resultados vieram mostrar que, se os professores efectivos consideravam importante repreender 0 provisorio em presen~a de outreOl, por forma a corrigir urn elemento desviante, os provisorios consideravam que este tipo de situar;oes devia ser resolvido em privado e que a resolur;ao da questao em publico tinha objec-

ecisos - 0 de afirmar;ao do estatuto de pr 'oridade por parte do outro grupo. SU~~e estudo convida-nos igualmente a quess 0 caracter social das respostas atribuiciotio~~actor negligenciado nas abordagens ate aqui lIal S, d . & • • 'deradas centra as nos aspectos lnlerenClaJS. nst co ' 'VOS

tI

10.4. A dimensiio social

das atribuifoes Heider sugeria ja nos anos 50 que os termos traves dos quais se compreende 0 mundo sao atoduto de trocas entre pessoas situadas histo~camente em funr;ao de pertenr;as e possessoes ~ssoais. Urn acto negativo e facilmente companvel com urn pers?nagem antip.atico,.sentindo o percipiente necessldade de se dlstanclar deste. por outro lado, 0 mesmo acto desempenhado por individuos com caracteristicas diferentes (tais como 0 estatuto social) tern interpretar;oes diferentes. Thibaut e Riecken (1955) ganhararn 0 merito de ter ilustrado de forma con vincente a influencia de variaveis sociais na imputa~ao de uma causalidade. Neste estudo, cada sujeito era informado de que iria realizar uma tarefa de construrrao de palavras cruzadas com outros dois individuos (na realidade comparsas dos investigadores). Num dos indivfduos foi salientado 0 estatuto social elevado numa serie de dimensoes, enquanto no outro se sublinhou 0 seu baixo estatuto social. A triade assim constituida devia trabalhar separadamente e partilhar a informa~ao existente - dois dicionanos que ficavam na posse dos comparsas. Pouco depois do inicio da experiencia, os comparsas recusavam passar 0 seu dicionano ao sujeito e, em paralelo, 0 experimentador enviava ao sujeito uma mensagem escrita que requeria a utiliza~ao de dicionano. Bsta mensagem podia ser enviada aos comparsas qUe, ao fim de algum tempo, the devolveram os

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dois dicionanos. Nesse momenta 0 sujeito era entao questionado sobre as razoes que teriam levado os outros dois a devolver os dicionanos, possibilitando-Ihe assim levar a cabo a sua tarefa. Curiosamente, as explica~oes mudaram em fun~ao do estatuto do comparsa: 0 comportamento do com pars a de alto estatuto social foi explicado em term os de factores pessoais (<
FIGURA

2

Positivo Exogrupo Endogrupo

Fact. situa~iiol

Icaso excepcionaI Fact. pessoais

Negativo Fact. pessoais Fact.

situa~iio



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javel do endogrupo ou desejavel do exogrupo e perspectivado em termos de factores situacionais. A primeira investigatrao empiric a no ambito das atribuitroes intergrupais e atribuida a Taylor e Jaggi (1974). Estes investigadores pediram a urn grupo de sujeitos hindus habitando a india (pais com uma longa historia de conflitos religiosos) que descrevesse os hindus e os mutrulmanos numa serie de atributos e explicasse uma situatr ao hipotetica envolvendo-os a si proprios e a urn outro individuo do seu grupo religioso ou do outro grupo. A metade dos sujeitos foi solicitado que imaginassem uma situatrao de interactrao positiva entre si proprios e urn outro membro do seu grupo ou do outro grupo. Aoutra metade dos sujeitos com as mesmas caracteristicas foi pedido que imaginassem uma situatrao de caracter negativo envolvendo urn outro personagem hindu ou mutrulmano. Em seguida, foi-Ihes solicitado que explicassem essas situatroes. Os resultados vieram revelar que os inquiridos eram sensiveis a pertentra social do hipotetico interveniente. 0 comportamento frustrante de urn membro do proprio grupo foi explicado em termos situacionais, enquanto 0 mesmo comportamento levado a cabo por urn membro do outro grupo 0 foi em termos de urn conjunto de caracteristicas pessoais, vindo assim fomecer suporte empirico para a tese de Pettigrew (1979). Apesar do interesse do estudo de Taylor e Jaggi (op. cit.), poder-se-a argumentar que 0 contexto da resposta induziu competitrao entre os grupos (avaliados previamente numa serie de atributos). Por outro lado, os investigadores nao consideraram sujeitos hindus e mutrulmanos, nao sendo assim possivel destrintrar limitatr0es ao erro irrevogavel. Numa replicatrao conceptual deste estudo, Hewstone e Ward (1985) demonstram diferentras nos padroes atribuicionais dos inquiridos em funtrao da positrao que ocupam na matriz social. Os individuos de estatuto social elevado tern urn comportamento etnocentrico,

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enquanto os de estatuto social baixo favorecelll outro grupo em detrimento do seu. 0 Algumas consequencias dramaticas deste ti O de distortrao ressaltam de urn estudo de Dun/ (1976). Este investigador pediu a urn grupo sujeitos brancos que visionasse uma discuss~ e . .md'IVI'd uos, urn negro e outro branco ao entre d O1S De acordo com as conditroes experimentais . . . , Os sUJeItos observaram uma agressao ligeira POr parte do actor branco ao actor negro ou vice_ -versa. Contrariamente a preditrao do erro fundamental - maior peso dos factores pessoais _ o comportamento agressivo do actor branco fot explicado em termos situacionais, enquanto a agressao do actor negro ao actor branco foi imputada a, factores pessoais, isto e, a predispositr ao do actor negro para este tipo de comportamento. Resultados semelhantes foram obtidos por Greenberg e Rosenfield (1979): inquiridos etnocentricos de ratra branca atribuem o born desempenho de urn actor negro a factores circunstanciais e urn mau desempenho deste it falta de competencia (cf. tambem Hewstone e Jaspars, 1982). Neste ambito Vala, Monteiro e Leyens (1988) colocaram a hipotese de que a imputatrao de causalidade varia em funtrao da ideologia do percipiente e da pertentra categorial do actor. Estes investigadores pediram a sujeitos conservadores e radicais que explicassem uma agressao personalizada por policias (actores institucionais) ou delinquentes (actores anomicos). Os resultados vieram mostrar 0 efeito destas variaveis nos padroes atribuicionais dos inquiridos. Os individuos ideologicamente conservadores explicaram 0 comportamento de agressao de fortras policiais em termos de factores extemos. Os inquiridos ideologicamente radicais privilegiaram uma causalidade intema. 0 padrao foi 0 inverso quando os actores foram apresentados como delinquentes. A imputatrao de uma causalidade depende, portanto, dos fenomenos de categorizatrao social,

i

incidencia entre categoria de pertentra do dll CO e do percipiente, ou nao, e do estatuto IIct~alr Esta perspectiva e inaugurada por DesoCI • s ps (1977) na Europa. Deschamps mostra, cbllfllxemplo, que a saliencia da categorizatrao por eda em estatutos d'l' ' llerentes determma urn badrse~o de atribuitroes que exprime a assimetria pll a . d relayao mtergrupal. II Os estudos sobre as diferentras de genero ual nas atribuitroes causais em situatrao de seXmpeti , - 'I'd yao mtergrupos sao I ustratIvos este ;onomeno (Deaux, 1985; Deaux e Major, 1987; ;eschamps, 1977; ver tam bern Amancio e Monteiro neste volume). Homens e mulheres convergem no que respeita as explicatroes fomecidas para 0 desempenho duma tarefa: urn bom desempenho masculino e imputado a factores pessoais, enquanto 0 seu mau desempenho e percepcionado como resultado de factores situacionais; urn born desempenho feminino e atribuido a factores situacionais e 0 mau a factores pessoais. Que significatrao dar ao padrao atribuicional de desvalorizatrao do proprio grupo? Identidade negativa? Auto-apresentatrao? Leyens e eu propria (op. cit.) procuramos mostrar que os estudos c1assicos no dominio da atribuitrao nao permitem destrintrar a necessidade de suporte social dos intervenientes (bern conhecida na psicologia social, mas negligenciada no ambito da atribuitrao). Para tal, comparamos as respostas dos sujeitos de ambos os sexos em termos das quatro categorias tradicionalmente utilizadas de esforyo, capacidade, dificuldade da tarefa e sorte (apos codificatrao do lexico) com as suas respostas livres. A utilizatrao das categorias veio revelar 0 padrao de resultados tipico na literatura. Por opositrao, a analise das atribuitroes espontaneas dos sujeitos veio revelar algo de diferente. Homens e mulheres partilham 0 rnesmo ponto de vista excepto quando se trata de avaliar 0 desempenho bern sucedido do actor

do sexo masculino. Este e avaliado de forma mais positiva pelos homens do que pel as mulheres. Em termos intergrupais, poderemos dizer que se os homens tentam discriminar 0 seu grupo do outro grupo, as mulheres tentam assimila-Ios (cf. Deschamps, 1977; Skevington, 1981). Em ambos os casos os sujeitos tentam avaliar as mulheres enquanto sujeitos minoritarios e os homens enquanto sujeitos maioritarios na matriz social. Em resumo, 0 homem tern tendencia a discriminar-se positivamente da mulher, enquanta esta procura reduzir a distancia entre os grupos e avalia os desempenhos em termos do seu merito (cf. tambem Amancio, 1989 a; Deschamps, 1977; Skevington, 1981). A questao mantem-se, no entanto, porquanto em determinadas situatroes os grupos podem assumir a sua inferioridade. Nesse caso, onde esta 0 esfortro de positividade dos individuos, linha de fortra do nosso raciocinio? Sera que os individuos se servem apenas de uma dimensao avaliativa na sua busca de positividade? Vma estrategia altemativa para os sujeitos consiste em derivar a sua positividade de diferentes dimensoes social mente valorizadas. Tal fenomeno, ja posto em evidencia por diferentes autores (e.g., Lemaine e Kasterzstein, 1972; Mummendey e Schreiber, 1984), tern sido negligenciado, no entanto, nomeadamente no ambito da investigatrao sobre 0 genero sexual. Amancio (1989 a) vern sugerir a necessidade de uma redefinitrao de si proprio e do comportamento desejavel em funtrao do contexto nos grupos dominados. Numa exemplificatrao do raciocinio que vimos a desenvolver, pedi a sujeitos de ambos os sexos que explicassem 0 «desemprego» masculino e feminino. Todos os sujeitos conheciam alguem nessa situatrao e esperavam encontrar trabalho a medio prazo (eram estudantes do ensino superior nos dois primeiros anos). Os resultados mostraram homogeneidade de perspectivas no que conceme ao desemprego

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masculino, mas divergencia de posi~oes relativamente ao desemprego feminino. As mulheres fazem apelo a uma outra dimensao - a esfera familiar - para restabelecer a sua positivi dade. o self aparece assim submetido a uma serie de constrangimentos, que levam a que urn indivfduo procure a sua positividade ao longo de diferentes dimensoes. Importa ainda analisar as identifica~oes sociais, postuladas no ambito da atribui~ao intergrupos. Sera que os indivfduos se identificam com urn grupo de fonna «automatica», especialmente se ele nao contribui para 0 seu sentimento de positividade (postulado da teoria da identidade social - cf., a tal respeito, 0 capftulo sobre rela~oes intergrupos)? A este prop6sito e ilustrativa uma serie de estudos sobre 0 papel da identifica~ao ao grupo nos julgamentos atribuicionais. Num dos estudos (Sousa, 1993, 1996), os sujeitos tinham de avaliar a importancia de uma serie de razoes para 0 fen6meno «crise», expressar os seus pontos de vista sobre Portugal e os seus sentimentos relativamente a perten~a a este grupo. Curiosamente, observou-se uma correla~ao entre a valencia dos atributos espontaneamente verbalizados e 0 tipo de identifica~ao ao grupo (em tennos das suas dimensoes afectiva e cognitiva). Por outro lado, e mais relevante para 0 nosso raciocfnio, os indivfduos cognitiva mas nao afectivamente identificados ao grupo imputaram a crise mais a factores intemos do que os indivfduos cognitiva e afectivamente ligados ao grupo. Estes produziram atribui~oes depreciativas desse grupo. Poder-se-ia argumentar que os resultados deriyam da categoria social considerada; no entanto, estudos junto de outros grupos sociais ilustram 0 mesmo fen6meno. o self aparece, assim, submetido a toda uma serie de constrangimentos situacionais e sociais. Frequentemente, necessidades ligadas a manuten~ao de auto-estima ou de rigor nos julgamen-

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tos podem ser prejudiciais ao indivfduo, Co vimos acima. E necessano accionar uma estra~() gia que leve os outros indivfduos a coorde . nar perspectivas com 0 actor, mas, contrariament . . dores, a I·dela . que defendernea outros 10vestIga aqui e a de que 0 indivfduo sofre constran ~s mentos ligados a sua inser~ao social, pelo qU~­ escolha adequada varia em fun~ao da configu~ ra~ao de perten~as sociais. Por outro lado posi~ao estrutural das categorias sociais condi~ ciona as op~oes comportamentais. Por firn, e nao menos importante, a op~ao de fundo e ~ grande desafio para 0 futuro (porque insuficien_ temente trabalhado) e a articula~ao atribui~ao_ -procura de consistencia cognitiva, tal Como Heider assumia.

Resumo Em consequencia dos considerandos expostos, nao nos parece correcto falar de ul1I processo de atribui~ao, ainda que os modelos apresentem este unico processo sob r6tul oS diferentes ou sob perspectivas diferentes. Corno o sugerem Kruglanski e colaboradores (1978 ,

7) as atribui~oes podem ser mediadas por 1~8 e~tes preocupa~oes epistemicas: uma que difer a a procura de validade no conhecimento, acenWutra que inclui a procura de conclusOes urnaecffi 0 . cas , e uma tercerra envolvendo a necese~: de de manter a estrutura do conhecimento Sl a xistente. A necessidade de validade corres. d0 10 ·di'd . Preede a tendencla VI uo para construrr _. ' l b PoD representa~ao 0 mats exacta posslve so re urn~adeias de causalidade existentes no mundo aSa! as modelos classicos da atribui~ao poem re . evidencia este tipo de processo, pressupondo ern d f . .. que 0 indivf uo unClOna como urn empmsta sernpre pronto a por em questao as suas cren~as. Toda uma via de investiga~ao se tern centrado nesta necessidade epistemica, nomeadamente COlD 0 estudo dos processos heurfsticos de julgaIDento (cf. Kahneman e Tversky, 1973; Nisbett e Ross, 1980). Os resultados apontam, no entanto, para a tendencia dos indivfduos para confinnarem as suas expectativas e para manterem a estrutura das suas cren~as. Os resultados IDostram que 0 vector orientador das respostas dos indivfduos e a perten~a do alvo a categorias sociais e nao factores cognitivos como a complexidade representacional. Oeste modo, 0 comportamento atribuicional pode resultar de: a) urn processo envolvendo esfor~o dirigido para uma aprecia~ao precisa da realidade; b) urn processo do mesmo tipo, mas com urn objectivo diferente: aprecia~ao desejavel dessa mesma realidade; e c) urn processo que envolva urn esfor~o cognitivo reduzido com o objectivo de fomecer uma opiniao em deterrninada materia, sem ter de por em questiio as pr6prias teorias do percipiente em causa (cf. a este Prop6sito, por exemplo, Trope, 1986). Talvez por se preocuparem tao directamente :m ~ s~n~o comum, as primeiras abordagens atribuI~ao causal mantiveram-se muito ligar~gras do pensamento fonnal na concepza~ao da fonna como as pessoas inferem as A

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causas dos acontecimentos. 0 paradigma racionalista comum aos modelos tradicionais da atribui~ao da-nos a imagem de urn indivfduo isolado dos outros e do seu meio ambiente. o paradigma hedonista deixa-nos a imagem de urn indivfduo limitado, para quem os outros sao fonte de refor~o e cujas fun~oes cognitivas sao as de reinterpretar os seus desempenhos de fonna a que elas confrrmem 0 seu sentimento de positividade. Por outro lado, a inser~ao da necessidade de valida~ao social no estudo da atribui~ao aponta para urn terceiro paradigma no estudo desta. Ele considera a atribui~ao enquanto estrategia de comportamento socialmente determinada sem, no entanto, negar os aspectos inferenciais que estao na base das preocupa~oes do quadro tradicional da atribui~ao. Na base deste quadro de analise estao, por urn lado, os trabalhos no ambito da epistemologia ingenua, nomeadamente de Kruglanski e colaboradores (1978, 1987), por outro, a investiga~ao sobre os comportamentos intra e intergrupais (cf. Sousa, 1988). Nesta 6ptica, a negocia~ao de imagens esta dependente da posi~ao do indivfduo na matriz social, da sua perten~a a grupos sociais e do seu estatuto no interior dos grupos, para alem de ser influenciada, pelo contexto em que ocorre, por factores situacionais. Neste ambito, a desvaloriza~ao do grupo nao aparece como reflexo de uma identidade negativa mas como uma estrategia de positividade atraves de uma desidentifica~ao afectiva com 0 grupo e/ou do recurso a outras dimensoes valorizadas socialmente (Sousa, 1996). Isto e, nao basta ao indivfduo seleccionar/distorcer a infonna~ao com vista a preservar ou aumentar a sua auto-estima, e necessano que ele obtenha suporte social para a posi~ao que se confere na matriz social (Heider, 1958; Thibaut e Kelley, 1959). Neste contexto, a atribui~ao causal tern urn papel fundamental, independentemente das considera~oes que se possam tecer em materia de frequencia de

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ocorrencia destas cogni~oes. Como dissemos anterionnente, continua por explorar a sua articula~ao com 0 principio da consistencia cognitiva, que the subjaz. A influencia dos afectos volta a agenda 50 anos depois. 0 seu efeito de colora~ao nas cogni~oes e pouco contestado, mas ele emerge fora do campo da atribui~ao, no contexto da cogni~ao social que nos anos 90 revela 0 caracter complexo e construtivo das aprecia~oes sobre os outros (cf., por ex., Forgas, 1994). Uma nota final. Alguns dos estudos descritos neste capitulo, ilustrativos da importancia dos constrangimentos proprios a inser~ao

CAPiTULO VIII

grupal dos individuos, tern sido realizados s '·de de atn·bU1~ao . - SOCia . I (c. f H eWsto ob a egl e 1983). No entanto, esta designa~ao parece_: , carenciada de fundamento, pois que a dete~~ na~ao social dos julgamentos sempre estev presente no espirito dos diferentes autore e desde Heider a Kelley, passando por Jones s, Davis. Nao houve, e certo, uma abordagem sis~ tematica do fenomeno da atribui~ao aos nivei gru~al e cultural e a designa~ao de atribUi~a~ socIal corresponde a uma mudan~a de nivel de analise como 0 reconhecia recentemente 0 proprio Hewstone (1989), no seu livro CaUsal Attribution.

Atitudes: Estrutura e mudanc;a Luisa Pedroso de Lima

Introdm;ao Quando abrimos as paginas de urn jornal encontramos sempre declara~oes que nos remetem para posi~oes diferentes face a diversos assuntos: sao pessoas que estao a favor ou contra a despenaliza~ao do aborto, pessoas que estao a favor ou contra a constru~ao de determinado empreendimento, a favor ou contra 0 pagamento de propinas nas universidades publicas, 0 agravamento das penas por crimes sexuais, 0 realojamento for~ado de uma comunidade de ciganos, etc. Tambem quando falamos com os nossos amigos, confrontamos posi~oes relativamente a outras pessoas, ao seu comportamento ou a detenninados acontecimentos sociais. Qualquer destas divergencias de opiniao se refere a situa~oes face as quais e impossivel determinar qual e a posi~ao «correcta» ou «verdadeira». No entanto, cada posi~ao e sustentada com base em valores, sentimentos, cren~as e expe·A . . nenClas dlferentes, e muitas vezes tradu:m-se tambem em comportamentos diferenciaos. Para alem disto, assistimos frequentemente a e~for~os no sentido de difundir determinada POsI~iio ou de mudar as opinioes das pessoas qUer is .. . _. .' so seJa felto em dlscussoes mfonnrus

entre arnigos, quer seja feito em campanhas publicas. Neste capitulo vamos abordar a fonna como a Psicologia Social encara estas divergencias, isto e, vamos falar de atitudes.

Perspectivas sobre 0 conceito de atitude

o conceito de atitude e urn dos mais antigos e mais estudados em Psicologia Social. Primeiro, 0 conceito de atitude (fazendo a ponte entre disposi~oes individuais e ideias socialmente partilbadas), e, depois, as suas fonnas de avalia~ao (as escalas de atitudes) serviram para dar identidade a Psicologia Social. Desde 0 principio do seculo ate agora, este conceito foi sobrevivendo aos diferentes paradigmas e niveis de explica~ao dorninantes na Psicologia Social, embora, como acontece em qualquer processo de desenvolvimento, tenha tido as suas fases de apogeu e as suas crises. A consequencia da historia rica deste conceito foi a dificuldade de encontrar uma defini~ao consensual para ele. A Caixa da p. seguinte apresenta defini~oes que apareceram na literatura, e que

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DEFINI~()ES CLAsSICAS DE ATITUDE Por atitudes entendemos urn processo de consciencia individual que determina actividades reais ou poss[veis do individuo no mundo social. - Thomas e Znaniecki, 1915, p. 22. Atitude e urn estado de preparar;ao mental ou neural, organizado atraves da experiencia, e exercendo uma influencia dinfunica sobre as respostas individuais a todos os objectos ou situar;Oes com que se relaciona. - G. W. Allport, 1935. Atitude face a urn objecto consiste no conjunto de scripts relativos a esse objecto. Esta perspectiva combi. nada com uma teoria abrangente acerca da formar;ao e da selecr;ao dos scripts daria 0 significado funcional ao con. ceito de atitude que outras definir;oes nao possuem. - Abelson, 1976, p. 41.

essoa que requisita sistematicamente no ulfl a P video filmes de artes marciais (comde cl ube ento) podemos inferir que essa pessoa aiT1 r1llrt . . ( . d) rde artes marCiaiS atltu e . gO~:gIY e Chaiken (199~) ~xpli~ita~ ~inda que 'tudes sao uma tendenclG pSlcologlca, 0 que as aU emite dlstmgUlr . . . as atltu . des de outros consnospe ,. N toS hipotetlcos . 0 exempI0 que demos C • ~ • d trU. a podiamos mlenr b 0 comportamento 0 seraCllll . d ( d .. do nao uma atltu e gosta e artes marClals) vaas urn trarrO de personalidade (e uma pessoa IfI ess iva , violenta), que tambem e urn constructo agr hipoteticO. Por .tend encla PSICO I"oglc~ ~nten d e-se IfI estado intenor, com alguma establhdade temuoral (e dai a sua diferen~a relativamente aos ~90S de personalidade que seriam mais estaveis e aos estados emocionais que seriam mais passageiros ). A grande maioria dos autores considera as atitudes como aprendidas e portanto alteraveis. As atitudes expressam-se sempre atraves de um julgamento avaliativo. A importancia da dimensao avaliativa foi, alias, urn dos poucos pontos consensuais ao longo das divers as defini90es que este conceito ja teve. Por exemplo, podemos abordar a despenalizarrao do consumo de drogas sem manifestar atitudes se, eventualmente, quisermos saber se existem ou nao efeitos do con sumo de drogas leves para a sande. Mas as atitudes acerca deste tema expressam-se logo, porque e muito dificil manter uma posirriio neutra relativamente a urn tema tao debatido socialmente. Logo, nas fontes que escolhennos para obter essa informa~ao podemos estar a expressar as nossas atitudes (como sabe~os, 0 consumo de drogas leves foi despenahzado na Holanda ha anos' assim se formos pedir informarrao a Embaix'ada H~landesa em POnugal, estamos a enviesar a informa~ao que obtemos ' provaveImente devldo . a uma atltude . favoravel ' d ' . a espenallza~ao); ou podemos estar ~~a a expressar as nossas atitudes atraves da JUshficarrao - que damos para procurar informa~ao A

Atitudes sao predisposir;oes para responder a determinada cIasse de estimulos com determinada c1asse de respostas. - Rosenberg e Hovland, 1960, p. 3. A varia vel dependente nos estudos de dissonfmcia cognitiva e, com muito poucas excepr;Oes, a afirmar;ao de autodescrir;ao de atitudes ou crenr;as. Mas como e que se adquirem estes comportamentos autodescritivos? A aflf· mar;iio de determinada atitude pode ser vista como uma inferencia a partir da observar;ao do seu pr6prio compocta· mento e das variaveis situacionais em que ocorre. Desta forma, as afirmar;oes de urn individuo sao funcionalmente equivalentes as que qualquer observador exterior poderia fazer sobre ele. Quando a resposta a pergunta «Gosta de plio de milho?» e «Acho que sim, visto que estou sempre a come-Io, parece desnecessano invocar uma fonte de conhecimento pessoal privilegiada para dar conta da resposta». - Bern, 1967, pp. 75-78. As atitudes sao vistas geralmente como predisposir;Oes comportamentais adquiridas, introduzidas na analise do comportamento social para dar conta das variar;oes de comportamento em sitllar;oes aparentemente iguais. Como estados de preparar;iio latente para agir de determinada forma, representam os residuos da experiencia passada que orientam, enviesam ou de qualquer outro modo influenciam 0 comportamento. Por definir;iio, as atitudes nao podem ser medidas directamente, mas tern de ser inferidas do comportamento. - Jos Jaspars, 1986, p. 22. Atitude

e uma predisposir;iio para responder de forma favoravel ou desfavoravel a urn objecto, pessoa, insti-

tuir;ao ou acontecimento. - 1. Ajzen, 1988, p. 4.

ligam as atitudes a diferentes perspectivas teoricas. Em 1993, Eagly e Chaiken apresentam no livro The Psychology of Attitudes urn trabalho impressionante de analise e sistematiza~ao da vasta literatura das atitudes, e procuram encontrar uma defini~ao que se ajustasse as divers as perspectivas existentes sobre este tema. Desde entao, a literatura consagrou esta defini~ao, a qual vamos tambem utilizar neste capitulo. De acordo com Eagly e Chaiken (1993),atitude e urn constructo hipotetico referente a «tendencia psicologica que se expressa numa avaliarr ao favoravel ou desfavoravel de uma entidade

especifica» (p. 1). Analisemos enta~ em pormenor os diferentes elementos desta defini9 ao: A defini~ao atitudes como urn constructo hipotetico indica que as atitudes nao sao directamente observaveis, isto e, sao uma variavel latente explicativa da relarrao entre a situa9 ao em que as pessoas se encontram e 0 seu co~­ portamento. Trata-se, assim, de uma inferencla sobre os processos psicologicos intemos de ulll individuo, feita a partir da observarrao dos seUS comportamentos (verbais ou outros). Este pr,: c1a cesso e semelhante ao processo de inferen que fazemos na nossa vida quotidiana: se virrnos

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(por exemplo, «quero estudar melhor isso , porque a despenaliza~ao das drogas e uma coisa que me assusta imenso»). Assim, a atitude expressou-se no primeiro exemplo por meio de urn comportamento e no segundo exemplo por intermedio de uma emorrao. No primeiro caso, 0 comportamento indicava uma atitude favoravel e no segundo uma atitude desfavoravel. Esta diferenrra refere-se a uma das tres caracterfsticas deste julgamento avaliativo: a sua direc~ao (favoravel vs. desfavoravel). Outra caracteristica e a sua intensidade e opoe posirroes extremadas a posirroes fracas. Assim, e possivel conceber duas pessoas com posirroes favoraveis relativamente a despenalizarrao do consumo de drogas (isto e, que tenham atitudes com a mesma direc~ao), mas em que urna defenda posi~oes mais radicais do que a outra (isto e, tenham intensidades diferentes de atitude): uma pessoa que defenda a despenalizarrao do consumo de qualquer droga, enquanto a outra defende apenas a das drogas ligeiras. A ultima caracteristica das atitudes e a sua acessibilidade, isto e, a probabilidade de ser activada automaticamente da memoria quando 0 sujeito se encontra com 0 objecto de atitude (Fazio, 1986, 1989, 1995). Esta dimensao das atitudes esta associada a sua for~a, a forma como foi aprendida e a frequencia com que e utilizada pelo sujeito. Assim, podemos ter uma atitude muito favoravel em relarrao a produrrao de milho geneticamente manipulado, que formamos com base num artigo que lemos num jomal. No entanto, como e urna atitude que usamos raramente, 0 tempo de acesso ao nos so proprio posicionamento atitudinal e mais lento do que 0 de uma outra atitude com a qual ja nos tivemos de confrontar mais vezes ou que adquirimos por experiencia directa (por exemplo, a atitude face ao pagamento de propinas nas universidades publicas). Vimos que a atitude se expressa sempre por respostas avaliativas, e vimos tambem que estas



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respostas avaliativas podem ser de varios tipos. E habitual encontrar a separa~ao de tres modalidades de respostas avaliativas. que correspondem a outras tantas formas de expressao das atitudes: cognitivas. afectivas e comportamentais. No primeiro caso. referimo-nos a pensamentos. ideias. opinioes. cren~as que Iigam 0 objecto de atitude aos seus atributos ou consequencias e que exprimem uma avalia~ao mais ou menos favoravel (por exemplo. a manipula~ao genetica dos cereais permite resolver a fome no mundo) . As respostas avaliativas afectivas referem-se as emo~oes e sentimentos provocados pelo objecto de atitude (por exemplo. s6 de pensar na manipula~ao genetica de cereais fico assustado). As respostas avaliativas comportamentais reportam-se aos comportamentos ou as inten~oes comportamentais em que as atitudes se podem manifestar (por exemplo. se houver urn abaixo-assinado contra a manipula~ao genetic a de cereais nao tenciono assinar) . Por fim. a defini~ao que apresentamos explicita que as atitudes se referem sempre a objectos especificos. que estao presentes ou que sao lembrados atraves de urn indfcio do objecto. Assim. quando encontro uma fotografia ou uma carta de urn amigo que ja nao vejo ha muito tempo, e activada a minha atitude face a essa pessoa, tal como quando a encontro pessoalmente. Quase tudo pode ser objecto de atitudes . Temos atitudes face a entidades abstractas (a democracia) ou concretas (testes de escolha multipla), temos atitudes face a entidades especfficas (0 cao da vizinha) ou gerais (os caes) , temos atitudes face a comportamentos (praticar muscula~ao) ou a classes de comportamentos (praticar desporto) . E costume designar por atitudes sociais e politicas as

atitudes que se referem a objectos que tem illl . I' . ( . d f . Ph. ca~oes po lt1cas as atltu es ace aos ImpOsto policia, a democracia) ou se referem a gru &, a sociais especfficos (atitudes face aos cigano& Pos I D . . d ,aos negros) . eSlgnam-se por atltu es organi cionais as que se referem a objectos de fnd~~' organizacional (satisfa~iio com a empresa, Sal' e . IS· fa~ao com a chefia, etc.). As atltudes relativ mente a pessoas especfficas sao nOm\alrnen~ enquadradas dentro do campo de estudos que Se designa atraq:iio interpessoal (e, assim, 0 arnor seria urn caso extremo de atitude positiva face a urn indivfduo). Por fim, as atitudes face ao pro.. prio costumam designar-se por auto-estima.

1\'l edi~ao

das atitudes

A longa hist6ria das atitudes na P1>icologia Social permite que se tenham desenvolvido for. mas estruturadas de as avaliar atraves de diversos tipos de respostas observaveis relativamente a esse constructo inferido. Iremos neste capftulo dividir as tecnicas de medi~ao das atitudes em tres grupos, correspondentes a formas de expressao cognitiva, afectiva e comportamental das atitudes .

Medit;ao das atitudes atraves de respostas cognitivas A forma mais comum de medir atitudes e atraves do que se designou escalas de atitudes. Esta tecnica parte do princfpio que podemos medir as atitudes atraves das cren~as , opinioes e avalia~oes dos sujeitos acerca de urn determi-

I De acordo com esta perspectiva, os tres tipos de expressao das at itudes face a urn grupo social corresponde~am aos estereotipos (expressao cognitiva, rclativa lis crcnt;:as acerca dos atributos do grupo) , preconceitos (expres~ao afecU va) - posslvels , . entre a I't . das I'Igat;:oes e discriminat;:ao (expressao comportamental) . Estao no entanto por f azer mUltas I eratura dns relat;:oes intergrupais e a das atitudes, que tern vindo a desenvolver-se como areas separadas de conhecimento .

'ecto , e que a forma mais directa de aceo 0 b~ d '. , da d Oil a estes conteu' os cogmtIvos e, atraves os derJTl criyao do posicionamento individual. Ilut~·de:e desenvolveram na Psicologia Social MSI.m s de papel e lapis que, ancoradas em tecnlcla s de medi~ao diferentes, se cristalizaram .... 0 ,..odedor de quatro proced'Imentos de constru~ao ern ~:calas que iremos referir de seguida. As de alas intervalares de Thurstone foram proeSC par este autor em 1928, e consistiam pastas tecnica que Jaspars (l 978) deSlgna ' por num a , I ., . , trada 00 estlmu 0», IStO e, caractenza a atI«ceO 'd" do sujeito atraves 0 seu poslclOnamento tU de . ~ e a estimulos prevlamente cotados. 0 modelo lac , b ' d I de medi~ao que the esta na ase e 0 mo e 0 sicoffsico, em que se procura encontrar uma ~Ia~iio entre os atributos do mundo ffsico e as

191 sensa~oes

psicol6gicas que ele produz (tal como por exemplo no caso da audi~ao, os atributos fisicos das ondas sonoras se relacionam com a forma como sao percepcionados auditivamente). Toda a tecnica (ver Caixa nesta pagina para uma descri~ao sumaria) se centra na procura de objectividade na selec~ao das frases (os estimulos) face as quais os sujeitos apenas tern de assinalar aquelas com que concordam. Com esta tecnica, pretende-se garantir a constru~ao de uma escala intervalar e que os estimulos escolhidos correspondam a diversidade possivel das posi~oes, 0 que e feito atraves do trabalho de cota~ao das frases por urn grupo de juizes. No entanto, este tipo de escala (ver a Caixa da pagina seguinte para urn exemplo), revolucionana na altura da sua descoberta, tern sido

PASSOS NA CONSTRU<;AO DE UMA ESC ALA DE THURSTONE 1. Obter (atraves dos meios de comunicat;:ao social, da Iiteratura, etc.) urn conjunto de cerca de 100 frases que manifestem opinioes acerca do objecto de atitude, e que tenham as seguintes caracterfsticas: sejam curtas e c1aras, e que no seu conjunto manifestem todos os posicionamentos posslveis face ao objecto de atitude, desde 0 muito favoravel ate ao muito desfavoravel. 2. Proceder avaliat;:ao de cada uma destas frases por urn conjunto de sujeitos (100 ou uma amostra representativa da populat;:ao qual vai ser aplicada a escala), numa escala de II pontos. Os sujeitos, design ados por jufzes , deverao esquecer a sua posit;:ao pessoal e indicar, para cada frase, se ela representa uma atitude favon1vel ou desfavonivel face ao objecto de atitude, lembrando-se sempre que a distancia entre cada ponto da escala e igual (I=posi~ao completamente desfavoravel; II=posit;:ao completamente favoravel) . 3. Calcular 0 valor de escala de cada item atraves do caIculo de uma medida de tendencia central (media ou mediana) a partir das pontuat;:5es dadas pelos jufzes. 4. Seleccionar as frases que constituirao a futura escala de atitudes (normalmente entre 20 e 30 frases) de acordo com os seguintes criterios: • criterio de ambiguidade: devem ser exclufdos os itens com maior variancia, isto e, aqueles em que ha menor consenso entre os juizes quanta asua classificat;:ao; • criterio de irrelevancia: devem ser exclufdos os itens que nao apresentem variat;:ao entre sujeitos com atitudes diferenciadas, 0 que querera dizer que nao e urn item opinativo ou que e urn item irrelevante para 0 objecto de atitude que estamos a medir; • criterio de sensibilidade: os itens finais da escala deveriio situar-se entre 0 leo II, cobrindo igualmente toda a gama de atitudes possfveis face ao objecto. 5. Apresentar aos sujeitos as frases constantes da versao final da escala, pedindo que assina:lem aquelas com que estao completamente de acordo. 6. Calcular 0 valor individual da atitude atraves da media dos valores de escala dos itens assinalados pelo sujeito.

a

a

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193

veZ menos utilizada por motivos de ordem

ESCALA DE THURSTONE PARA MEDIR ATITUDES FACE (THURSTONE E CHAVE, 1929)

c8d~ a metodologica e de ordem cientffica.

A IGREJA

~~,

Este estudo pretende analisar as atitudes face a igreja. Ira encontrar 24 frases que expressam atitudes dift _ rentes face a igreja. Fa~a urn visto (v) se concordar com a frase. Fa~a uma cruz (x) se discordar da frase. Se nao ; conseguir decidir pode marcar a frase com urn ponto de interroga~ao (1). Isto nao e urn exame. Nesta questao as pes~ soas tern posi~Oes diferentes acerca do que esta certo ou errado. Por favor. indique a sua atitude fazendo urn vistQ quando concordar e uma cruz quando discordar.

-

Valor da Escala* 3.3 5.1

a a

8.8 6.1 8.3

a a a

11.0 6.7 3.1

a a

9.6

a

9.2 4.0

0.8 5.6 7.5

a

a

a a a

a

10.7 2.2

a a

1.2 7.2 4.5 0.2 4.7

a a a a

10.4 1.7 2.6

a a a

a

Item Gosto da minha igreja porque ha hi urn espfrito de amizade. Gosto das cerim6nias que se realizam na minha igreja. mas nlio sinto a falta delas quando estou fora. Respeito as cren~as dos membros de qualquer igreja. mas acho que e tudo «treta». Sinto necessidade da religilio. mas nlio encontro 0 que quero em nenhuma igreja. Acho que os ensinamentos da igreja slio demasiado superficiais para terem algum significado social. Acho que a igreja e urn parasita da sociedade. Acredito na sinceridade e na bondade sem nenhumas cerim6nias religiosas. Nlio compreendo os dogmas ou credos da igreja, mas acho que a igreja me ajuda a ser mais honesto e respeitavel. Acho que a igreja e urn obstaculo it reJigilio. porque ainda depende da magia. da supersti~lio e de mitos. Acho que a igreja tenta impor uma serie de dogmas ultrapassados e de supersti~Oes medievais. Quando yOU it igreja gosto de assistir a uma bela cerim6nia ritual acompanhada de boa musica. Acho que a igreja perpetua os valores que sao mais importantes para a sua filosofia de vida. As vezes acho que a igreja e a religilio sao necessarias. mas outras vezes duvido disso. Acho que se gasta demasiado dinheiro com a igreja. em compara~lio com os beneffcios que dar derivam. Acho que a igreja organizada e urn inimigo da verdade e da ciencia. Gosto de ir a igreja, porque fico com ideias importantes para reflectir e cheio de bons pensamentos. Acho que a igreja e urn importante agente de prom~iio tanto da rectidiio individual como social. Acho que as igrejas estlio demasiadamente divididas em fac~Oes para serem uma for~a de rectidiio. Acredito no que a igreja diz. mas com reservas mentais. Acho que a igreja e a maior institui~iio da America actual. Eu tenho descuidado as minhas re1a~oes com a religilio e a igreja. mas nlio gostava que a minha posi~lio fosse gera\. A igreja representa superficialidade, hipocrisia e preconceito. As cerim6nias religiosas inspiram-me e ajudam-me a dar 0 meu me1hor durante 0 resto da semana. A igreja faz com que os negocios e a polftica tenham uma posi~lio importante, que de outra fonna nlio teriam.

* 0 valor da escala encontra-se aqui com fins meramente i1ustrativos. Na v.erslio a apresentar aos respondente5 estes valores nlio estlio impressos.

.

p riJ11eiros prendem-se com a morosldade do as p sso de constru~ao da escala e com a necesP~;e de estar permanentemente a reaferir os sl~a reS de escala dos diferentes itens, uma vez 'lOse pressupoe que as mudan~as sociais afecque a avalia~ao das opinioes (por exemplo, os ~aITls de uma_ escala. de atitudes face ao comuIten . rno nao sao avahados da mesma forma antes nlsdepois do fim da U'. ,. ) 0 s segunmao SOVletlca. edos prendem-se com a contesta~ao - d as capacl-. dades dos juizes para situarem as frases numa scala de intervalos iguais, considerando as :valia~oes apenas como uma medida ordinal, e, nesse sentido, seria escusado urn processo tao moros O de constru~ao, podendo-se optar imediatarnente por escalas sem pretensoes intervalares (e.g., esealas de Likert). Por fim, os motivos de ordem cientffiea para 0 afastamento dos investigadores da utiliza~ao deste tipo de escala prendem-se eom a demonstra~ao empfrica da impossibilidade de os sujeitos se abstrafrem da sua pr6pria posi~ao na avalia~ao dos itens. Assim como as atitudes dos sujeitos, atraves do processo de categoriza~ao, influenciam a pereep~ao de estfmulos ffsicos, eomo foi demonstrado pela perspeetiva do New Look (Bruner e Goodman, 1947) e depois reanalisado por Tajfel e eolaboradores, tambem na avalia~ao de estfmulos sociais este fenomeno se verifiea. Assim, logo em 1952 Sherif e Hovland mostram que jUlzes negros e jUlzes brancos com atitudes pro-negros classifieavam a maioria dos itens de uma escala referente a atitudes raciais na categoria «extremamente desfavonivel», enquanto que os jUlzes braneos antinegros os classificavam predominantemente na categoria «extremamente favoravel». Este efeito explicado por estes' autores co~o. uma «ancoragem» na posi~ao individual d~ JUIZ (modelo da assimila~ao-contraste) tern Sido POster'lormente 0 b'~ecto d . e 'mvestlga~ao.

A perspectiva que parece mais heurfstica neste momenta e a que e sustentada pela equipa de Eiser, em tomo da teoria da acentua~ao, que preve que se de a polariza~ao das avalia~6es apenas quando a dimensao em que esta a ser feita a avalia~ao (dimensao focal) co-varie com outra dimensao com valor para 0 juiz (peri ferica). (Para uma discussao da explica~ao deste efeito, ver Eiser, 1986; para uma explica~ao mais pormenorizada da teoria da acentua~ao, ver Eiser eVan der Pligt, 1984). Uma outra tecnica de constru~ao de escalas de atitudes foi proposta mais ou menos na mesma epoca por Likert (1932), permitindo aos investigadores prescindir da tarefa de avalia~ao dos jUlzes, e centrando 0 processo nos sujeitos respondentes. Neste caso, 0 modelo de medi~ao deixava os pressupostos psicofisicos, para se basear no modelo claramente psicometrico: e a propria resposta do indivfduo que a localiza directamente em termos de atitude, e nao existe nenhum escalonamento a priori dos estfmulos. A principal diferen~a da tecnica de constru~ao das escalas de Likert (que explicamos em detalhe na Caixa da pagina seguinte) esta no facto de a selec~ao das frases que compoem a escala ser feita pelo investigador procurando frases que manifestem claramente apenas dois tipos de atitude: uma atitude claramente favoravel e uma atitude claramente desfavoravel em rela~ao a urn mesmo objecto, eliminando assim todas as posi~oes neutras ou intermedias. A medi~ao da atitude do sujeito e dada pelo seu posicionamento face ao conjunto destas frases radicais. Podemos ver na Caixa da p. 195 urn exemplo de escala de atitudes acerca do ambiente (Soczka, 1983). Sendo muito mais economica de construir e mais rapida de aplicar (uma vez que necessita de menos itens), este tipo de escala tomou-se muito mais popular na avalia~ao das atitudes. apesar de nao garantir a partida a medi~ao numa escala intervalar.



194

EXEMPLO DE ESCALA DE LIKERT: ESCALA DE ATITUDES FACE AO AMBIENTE (SOCZKA, 1983)

PASSOS NA CONSTRU';AO DE UMA ESCALA DE LIKERT I . Obler (atraves dos meios de eomuniea~iio social, da Iileratura, etc.) urn eonjunto de eerca que manifest opinioes acerca do objeeto de atitude, e seleccionar aquelas que manifestem claramente uma posi~iio f~voraern ou desfavonivel face ao objecto de atitude. vel 2. Pedir a uma amostra representativa da popula~iio a qual vai ser aplicada a esc ala para se posicionar face a Cad uma das frases escolhidas, numa escala com cinco posi~oes: a «Concordo em absoluto» «Concordo parcialmente» «Niio concordo nem discordo» «Diseordo em parte» «Discordo em absoluto». 3. Eliminar as frases sem varia~iio, ou em que 0 posicionamcnto da amoslra nao se assemelhe a uma distribui~iIo normal. 4. Cotar as respostas as frases favor9.veis atribuindo 0 valor 5 a resposta «Concordo em absoluto» e 0 valor I a resposta «Discordo em absoluto». Cotar as frases desfavoniveis relativamente ao objecto de atitude da forma invertida: atribuir 0 valor I a res posta «Concordo em absoluto» e 0 valor 5 a resposta «Discordo em absoluto» A cota~iio final e encontrada atraves da soma dos va!ores atribufdos As respostas a todas as frases seleccionadas: 5. Proceder a uma amilise de consistencia interna da escala, atraves da correla~lio entre cada item e a pontua~lio final. Eliminar os itens que apresentem fracas correla~Oes, uma vez que mediriam aspectos marginais da atitude que procuramos avaliar. Sujeitar a versilo final da escala a urn teste de fiabilidade psicometrico. 0 mais comum e0 coeficiente Alfa de Cronbach (Nunnally, 1978) que, variando entre 0 e + I , procura avaliar a correla~iio entre a presente escala e uma escala hipotetica com 0 mesmo mimero de ilens: kr

=----

6. Calcular 0

I+(k-I)r em que k e 0 mimero de itens da escala, rea correla\=ilo media entre os itens. valor individual da atitude atraves da soma dos valores dos itens que a constituem.

As escalas de atitudes conhecidas como diferenciadores semanticos nasceram nos fins dos anos 50 dos estudos dos psicologos da Universidade de Illinois que, no quadro das teorias da aprendizagem, tentavam c1arificar 0 processo de linguagem, e, especificamente, 0 processo de atribui~ao de significados, etapa essencial no processo de codifica~ao e descodifica~ao dos sinais lexicais. Partindo do pressuposto de que 0 significado de cada palavra e urn ponto num espa~o semantico (a n dimensoes num espa~o euc1idiano) definido por dimensoes bipolares (adjectivos antagonicos), Osgood, Tannenbaum e colaboradores (1957) pretendiam encontrar os

grandes eixos que caracterizam 0 significado dos conceitos que utilizamos. Para tal, estes autores procuraram obter uma amostra diversificada de 50 dimensoes (encontradas atraves da associa~ao livre de palavras), que foram transformadas em escalas bipolares de 7 pontos (variando entre -3 e +3) de modo a poderem definir 0 espa~o semantico de urn conjunto heterogeneo de palavras (Caixa na p. 196). As analises efectuadas das respostas dos sujeitos a estas escalas bipolares permitiram detectar intercorrela~oes importantes e sistematicas entre determinados pares de adjectivos, e as anal ises factoriais efectuadas sobre estas matrizes de

195

Em seguida encontra algumas frases relativas a questoes ambientais. Para cada uma delas indique, por favor, de concordancia, utilizando a seguinte escala: o seU t: Concordo totalmente ......................... 5 Concordo. .......................................... 4 Nem concordo nem discordo ............ 3 Discordo ........................................... 2 Discordo totalmente .. .......... .......... .... 1 araU

1 Grande parte do que se diz aeerca da crise ecol6gica que 0 mundo atravessa e exagerado e alarmista. 2 Os males provocados pela eonstru\=ilo de uma central nuclear no nosso paIs nlio eompensam os seus eventuais beneffcios. 3 A com ida que se consome nos pafses industrializados ja nlio oferece seguran~a para a satide por estar contaminada por pesticidas e doen~as. 4 0 mundo acaban'i no prazo de algumas decadas se nlio se travar imediatamente o crescimento industrial e tecnol6gico de todos os parses industrializados. 5 Todas as modemas sociedades urbanas e industriais slio antinaturais: s6 pelo regresso A terra e a natureza e que a humanidade podera sobreviver e evitar 0 caos eeol6gico. 6 As pessoas que protestarn contra 0 crescimento econ6mico e industrial em nome da ecologia slio idealistas que nlio sabem 0 que dizem e nlio tern 0 sentido das realidades.

o o

o o o o

Nota: A cota~lio da escala e dada pela media das respostas dadas, invertendo os itens 1 e 6. Valores elevados (maiores que 4) indicam atitudes muito ambientalistas e valores baixos (inferiores a 2) indicam atitudes pouco ambielltalistas .

correla~oes mostram que 0 significado se organiza sistematicamente em torno de tres grandes dimensoes: uma dimensao avaliativa, a que aparece como explicando a maioria da variancia das respostas e que junta adjectivos como bom-mau, agradavel-desagradavel; uma dimensao de potencia, composta por pares de adjectivos como grande-pequeno, forte-fraco; e uma terceira dimensao de actividade, composta por pares como activo-passivo e rapido-Iento. Considerando as atitudes como varlaveis intermedias de caracter avaliativo, estes autores consideraram a sua tecnica de diferenciador ~mantico, e especificamente os pares de adjec1VOS que se englobam na dimensao avaliativa

(Factor 1 na Caixa da pag. seguinte e 0 exemplo na Caixa da p. 197), como fonnas privilegiadas de medir as atitudes. A vantagem principal da tecnica do diferenciador semantico e 0 facto de o mesmo conjunto de adjectivos servir para avaliar qualquer objecto de atitude. Mas, por outro lado, ao centrar-se unicamente na dimensao avaliativa, torna-se urn exercfcio abstracto e descontextualizado, por exemplo, das cren~as que sustentam a atitude. Qualquer deste tipo de escalas pressupoe, explfcita ou implicitamente, que as atitudes sao unidimensionais, isto e, que a posi~ao do sujeito se pode situar num continuum. Guttman (1944) desenvolveu urn modelo matematico que per-



197

196

Estrutura factorial do significado de vinte palavras estimulo, encontrada por Osgood, Suci e Tannenbaum (1957) Factor I Factor 2 Factor 3

0 .88 0 .87 0 .86 0.85 0.84 0 .83 0 .83 0.82 0.82 0.82 0.81 -0.80 0.77 0.76

0 .05 -0 .08 0 .09 0.07 -0 .04 0.08 -0 .14 -0 .05 -0.10 -0.05 0.02 0.11 0.05 -0.11

0 .09 0 .19 0.01 -0.02 -0.11 -0.07 -0.09 0.28 -0.18 0.03 -0.10 0.20 -0.11 0.00

large-small strong-weak heavy-light thick-thin

0.06 0.19 -0.36 -0.06

0.62 0.62 0.62 0.44

0.34 0.20 -0.1 I -0.06

fast-slow active-passive sharp-dull hot-cold angular-rounded

0.01 0.14 0.23 -0.04 -0.17

0.00 0.04 0.07 -0.06 0.08

0.70 0.59 0.52 0.46 0.43

good-bad nice-awful beautiful-ugly honest -dishonest fragrant-foul fair-unfair sweet-sour pleasant-unpleasant kind-crucl clean-dirty sacred-profane bitter-sweet tasty-distasteful happy-sad

Nota 1: Os valores referem-se aos pesos factoriais dos adjectivos ap6s uma rota~iio ortogonal. Apresentamos aqui apenas 23 dos 50 pares de adjectivos utiIizados pelos autores, aqueles que apresentam satura~oes apenas num dos 3 factores. Niio efectmimos tradu~oes dos adjectivos de modo a mantennos os significados originais dos eixos. Nota 2: Os estfmulos que produziram as respostas aqui analisadas foram os seguintes: Senhora, Pedra, Pecado. Pai. Lago. Sinfonia, Russo. Pena. Eu, Fogo, Bebe. Fraude. Deus, Patriota. Tornado. Espada. Miie. Esultua. Pollcia. America.

mite testar este pressuposto (a analise de eScal gramas). e passaram-se a designar por Escal~: de Guttman ou Escalas Cumulativas as escal . , . , as de atitudes em que este pnnclplO e aplicad Apesar de a tecnica de analise das respOstas d o. - d Os sujeitos que sustenta a construcr ao este tipo de escalas ser complexa. os pressupostos em que Se baseia sao faceis de compreender. Guttman prop5e que os itens de uma escala de atitudes sejam construfdos tal como as bonecas russas de modo que, ao aceitar urn item da escala, s~ aceita tambem todos os seus nfveis inferiores, Isto implica que. na construcrao dos itens, Se procure tematicas extremamente restritas e 0 seu conteudo acabe por ser muito repetitivo. de forma a garantir a unidimensionalidade da escala, Urn exemplo bern connecido de escala cumulativa, apesar de ter sido construfda antes do aparecimento da tecnica de Guttman, e a escala de distancia social de Bogardus (1925, 1933; ver Caixa na p, 198), Uma outra forma de medir as atitudes. muito utilizada em estudos de opiniao. mas tambem em areas aplicadas da psicologia, utiliza nao escalas, mas apenas uma pergunta, em que a posicr ao do sujeito e avaliada directamente, Por exemplo, Lima, Vala e Monteiro (1989), ao avaliarem a atitude geral dos quadros de uma empresa face ao seu trabalho, utilizaram 0 seguinte item: «Tudo somado, e considerando todos os aspectos do seu trabalho e da sua vida na empresa, diria que esta ...» (I = extre~a­ mente insatisfeito a 7 = extremamente sat~s­ feito) 2, Trata-se de uma metodologia mUlto . mats . rnaleave ' 1 a estratemenos fiavel e mUlto ca1 gias de auto-apresentacrao do que as es : de atitude, mas que permite obter resultados uma forma rapida, scala

. 0 . I ' m tambem ums e No trabalho referido, 0 indicador citado era apenas uma medlda resumo. s autores JOC ula . colegSS, onde eram avaliadas as diversas dimensoes da satisfa~iio organizacional (satisfa~ao com 0 trabalho em 51, com os 2

com

0

salario. etc.) .

EXEMPLO DE ESCALA TIPO DIFERENCIADOR SEMANTICO: ESC ALA DE ATITUDES FACE APOLicIA pretendemos saber a sua opiniiio sobre a polfcia , Encontra a seguir uma serie de adjectivos opostos, e pedis-Ihe para assinalar a sua pos i~iio nos espa~os que estiio entre os dois. Use a casa do meio quando achar que JT\Ohum dos adjectivos se aplica. ou se a sua posi~lio for media: nen POLICIA · . .' - .' - .' - .' Boa Ma ''· . . . . . Simpatica Antipatica - ·'- .'- .'- .'- .'- .'Honesta Desonesta - ·'- .'- .'- .'- .'- .'Justa Injusta - '- '- '- '- '- '· . . . . . Agradavel Desagradavel - ·'- '.'- ''-. -'.'-- .'-' - .'-' Prestavel Cruel '+3 : +2 : + I: 0 :- 1 : -2 : -3 Nota: A cota~iio da escala e pela soma das respostas dadas. de acordo com a pontua~iio indicada na Iinha de baixo. Valores positivos indicam atitudes favoraveis face a policia. enquanto que valores negativos indica~ 0 contmrio.

Todas estas tecnicas de papel e lapis, apesar de serem as mais usuais na avaliacrao das atitu, apresentam alguns problemas que nenhum tipos de construcrao de escalas que referimos resolver, Trata-se em primeiro lugar de se a resposta do sujeito corresponde a sua real au se ele tentou, atraves das resposdar uma boa imagem de si, agradar ao inves,E assim que se explica, por exemplo, 0 de os trabalhadores menos qualificados empresas apresentarem sistematicamente de satisfacrao mais elevados do que os tecnicos. Urn autro problema prende-se a relevancia da atitude para 0 sujeito: a corresponde a uma posicrao bern por parte do sujeito, ou foi urn tema que se viu confrontado apenas naquele IIKlT1npn',,,, isto e, qual 0 grau de centralidade atitude para 0 sujeito? Como iremos ver mais , esta variavel e relevante na resposta comunicacrao persuasiva, Uma outra quesHia de resolver envolve a propria linguagem que e formulada a questao, a escala de (se deve ou nao ter ponto medio, por

exemplo) e todos OS efeitos de contexto (a ordem de apresenta~ao das questoes, por exemplo) nas respostas a questionarios (Bradburn, 1983; Schuman e Kaiton, 1985), A pesquisa neste domfnio tern evolufdo muito nos ultimos anos, ligada a psicologia cognitiva (Tourangeau e Rasinski, 1988; lobe e Mingay, 1991). Sao estas algumas das razoes que lev am a que alguns autores optem por medidas mais indirectas das atitudes, que tambem se podem situar a nfvel cognitivo. Por exemplo, ha indicadores cognitivos de atitudes que utilizam os enviesamentos da percePcrao derivados de atitudes diferentes para aceder a elas. Assim, em perguntas que a partida nao sao opinativas, mas de resposta certa ou errada, podemos inferir a atitude dos sujeitos. Por exemplo, se utilizarmos a seguinte pergunta: «Qual foi a media no liceu do Prof. Cavaco Silva?», com duas possibilidade de resposta: 12 e 16. Se a media real deste politico tiver sido de 14, ambas as alternativas estao igualmente erradas. No entanto, ao escolher a primeira urn indivfduo indiciaria uma atitude desfavoravel em relacrao a este politico, enquanto que ao



198

'onais extremos. A sociopsicofisiologia

EXEMPLO DE ESCALA TIPO GUTTMAN: ESCALA DE DISTANCIA SOCIAL DE BOGARDUS (1933) Pedimos-Ihe que se de a maior Iiberdade posslveJ. De facto, quanto mais Iiberdade tiver, melhores serllo Os resultados. Responda apenas com cruzes . Sao dados 7 tipos de contactos sociais. Responda com as suas primeiras reac90es e rapidamente. Quanto mais «parar para penslID>, menos validos serITo os resultados. Escreva as suas reac90es para cada uma das ra9as, ocupa90es ou religioes que Ihe apresentar. mos . ( ...) Niio pense no melhor nem no melhor membro do grupo, mas no grupo como urn todo. Para cada grupo indicado, ponha tantas cruzes nas colunas quantas as que as suas reac90es imediatas the ditarem . Casaria com urn membro deste grupo Aceitaria como amigo Intimo ~-.n.ceitaria como vizinho do lado Aceitaria como colega de escrit6rio ceitaria como conhecido ~APenas como turista no paIs • ,Exc!ur-Ios-ia do paIs

Franceses Indianos Judeus Chineses Ingleses Negros

r-n

1

2

34567

o o o

1:1 0 0 0 0 0

o o

1:1

o o

0

DOD

0 0 0 0 00000

o o o

0 1:1 1:1

DOD DOD DOD

Nota: Os grupos eram apresentados por ordem alfabetica, e inclulam, alem dos que acima indicamos: Armenios, Finlandeses, Alemiies, Gregos, Holandeses, indios, Americanos, Irlandeses, Italianos, Japoneses, Japoneses-Americanos, Canadianos, Coreanos, Mexicanos, Mexicanos-Americanos, Filipinos, Noruegueses, Polacos, Russos, Escoceses, Espanh6is, Suecos, Turcos. A cota9iio de urn sujeito em rela9iio a urn determinado grupo e 0 nlvel mais baixo da escala que tiver assinalado (0 nlvel de maior intimidade que aceitasse) .

escolher a segunda indiciaria uma atitude favonivel. Urn outro indicador cognitivo das atitudes permite-nos conhecer a sua acessibilidade. As tecnicas de avalia9ao da acessibilidade recorrem sistematicamente aos tempos de latencia da resposta, quer sejam em perguntas feitas pelo telefone (Bassili, 1996; Bassili e Fletcher, 1991) ou em escalas de atitudes informatizadas (Fazio, 1990; Fabrigar et al., 1998).

Medi~ao

das atitudes atraves de respostas afectivas Embora possamos expressar aquilo que sentimos atraves de palavras, 0 nos so corpo e, muitaS vezes, urn relator mais verdadeiro dos nossos sentimentos. 0 corar, 0 suor nas maos, 0 cora~ao a bater mais depressa sao respostas involuntari as oS e espontaneas que bern conhecemos a estad

. d e tecmcas ,. de avaI'IaeJflOClvo lveu quatro t1pos de_sendas atitu des atraves ' de smalS " . corporrus: ~ao ostas naturais manifestas e escondidas, res-

resp condicionadas e as falsas respostas psipOstas ,. ofisiologlC~S. . . C Na primelra categona, as respostas naturalS manifestas, encontramos os estudos que sao noralmente referidos como do comportamento ~o verbal, isto e, aqueles em que as atitudes sao ~aferidas atraves dos sinais posturais ou das 10 ress6es faCIals • • dos mter . 1ocutores . Por exemexP d ' . . 10 os estudos os smalS posturals que mos~,para 0 caso das atitudes interpessoais, que existe uma correla~ao negativa entre a distancia a que se situam dois interlocutores e a atitude positiva que manifestam (Mehrabian, 1968), ou uma correla~ao positiva entre a frequencia do contacto visual e 0 grau de atrac~ao que duas pessoas sentem uma pela outra (Argyle e Dean, 1965). Outro tipo de estudos ligados a persuasao mostra que os movimentos espontaneos de cabe~a (verticais e horizontais) constituem urn bom indicador do grau de concordancia da assistencia em rela9ao a comunica~ao . No entanto, aquelas que seriam as respostas naturais manifestas mais obvias sao tam bern as mais dificeis de av ali ar: as express6es faciais. 0 problema com este tipo de respostas e 0 facto de as pessoas, se souberem que estao a ser observadas, as poderem falsear, tal como acontece com as respostas verbais , uma vez que se encontram sob 0 seu controlo voluntario . o estudo das respostas naturais escondidas refere-se a altera~6es corporais de nivel fisio16gico que sao dificilmente observaveis a olho nu e que nao estao ao alcance do controlo volunrano do sujeito. A medida mais frequente utilizada e a que se refere a resposta galvanica da ~~ (~GP), isto e, a mudan~a na condutibilidade das triea da pele devida a actividade diferencial glandulas soporfferas, controladas pelo sis-

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tema nervoso simpatico. A RGP e medida pela aplica~ao de uma corrente electrica muito fraca entre dois electrodos ligados a palma da mao. Este indicador psicofisiologico do afecto e utilizado desde os primordios da Psicologia Social. Syz, no princfpio do seculo, mostrou a modifica~ao da RGP em sujeitos confrontados com estfmulos verbais com carga emocional (por ex., «prostituta») . Outros tipos de estudo que apresentam aos sujeitos frases retiradas de escalas de atitudes mostram sistematicamente que existe maior RGP quando os sujeitos sao confrontados com itens contrarios a sua propria posi~ao atitudinal. Noutras investiga~oes em que se procura avaliar a reac~ao dos sujeitos a membros de grupos raciais diferentes do seu, verificou-se que os sujeitos brancos com atitudes radicais antinegros tinham maior RGP ao serem assistidos por urn experimentador negro do que sujeitos menos preconceituosos (Rankin e Campbell, 1955). Apesar do caracter sistematico destes resultados, o problema com a utilizacrao da RGP e que pode nao ser urn indicador de atitude, mas apenas de uma reaccrao mais gerai de orienta9ao face a urn estfmulo novo, inesperado ou que requer atencrao. De facto, alguns autores consideram a RGP como urn dos componentes do reflexo geral de orientacrao e, segundo esta perspectiva, as respostas da pele que citamos acima podem ser explicadas como uma reaccrao de estranheza, surpresa ou chamada de aten~ao pelo facto de ouvir palavras tabu na situa~ao controlada de laboratorio, de ouvir frases radicais da boca de experimentadores tao atinados ou de se ver confrontado com urn membro de urn grupo minoritario numa posi9ao de estatuto elevado. Uma outra resposta fisiologica associ ada as atitudes e a resposta pupilar, isto e, 0 aumento ou diminui~ao do tamanho da pupila. Esta resposta ocorre automaticamente com as varia~6es de luz mas, uma vez que a dilata~ao e coman dada pelo sistema nervoso simpatico e a

• 200

201

contraclYao pelo sistema nervoso parassimpatico, permite tambem obter uma resposta atitudinal fisiologica bidireccional. A tecnica de medilYao da resposta pupilar e mais complexa do que a da RGP, porque implica fotografar as pupiIas com pelfcula infravermelha, projectar a imagem num ecra e medir 0 seu tamanho. A dificuldade, para alem da questao tecnica de manter constante a distancia entre a objectiva e a pupila, esta na necessidade de esperar que, apos a apresentalYao de urn estfmulo, a pupila volte ao seu estado normal antes da apresentalYao do estfmulo seguinte. A experiencia pioneira neste campo foi efectuada por Hess e Polt (1960) que mostraram que os sujeitos masculinos apresentavam uma maior dilatalYao ao serem confrontados com imagens de mulheres nuas, ao passo que com sujeitos femininos a mesma res posta era contingente a figuras de homens nus e de maes com bebes. Mais tarde, alguns investigadores conseguiram mostrar a relalYao da aversao a contraclYao pupilar: Barlow (1969) mediu a resposta pupilar de sujeitos conservadores e liberais apos a apresentalYao de slides de tres Ifderes polfticos : Lyndon Johnson, George Wallace e Martin Luther King. Os resultados mostram que os sujeitos Iiberais apresentaram diIatalYao da pupiia as imagens de Luther King e Johnson e contraclYao face a de Wallace, enquanto que os conservadores manifestaram urn padrao de resposta inverso . No entanto, estes resultados nao sao replicados em todos os estudos, e, tal como acontecia com a RGP, a resposta pupilar tern sido associada a outros tipos de situalYoes: fadiga, stress, excitalYao sexual, esforlYo mental e ainda ao mesmo reflexo geral de orientacrao a que pertence a RGP. Urn terceiro indicador fisiologico das atitudes pode ser a actividade electromiognifica facial, isto e, a contraccrao das fibras musculares avaliada atraves da mudanlYa de potencial electrico que a acompanha. A medilYao e feita pela colo-

calYao de dois electrodos na superffcie da sobre urn determinado grupo de muscUloPele regista-se a soma da actividade electrica do s', e culo num perfodo determinado de tempoIl1Us.. , Ios re Ievantes para ava I'IalYao - das atitud . Os muscu seriam os que determinam as expressoes fac ' ~s de acordo com a hipotese de retroaclYao fal~ls . Claj (Tomkms, 1984): corrugator (move as sObran lhas para cima e para baixo), zigotico (moveCeo . b . Os cantos da boca para clma e para alxo) e depfe . sor (queixo, abre a concavidade da boca~. Schwartz e colaboradores (1976) mostraram qu quando se pedia as pessoas para pensarem e e • dO< . III aconteclmentos agra
Centro de Recureo. Prior Velho

ta~ao de frases com as quais concordava sen ,pee no s face as frases de que discordava JTle e a 1953). Em estudos mais recentes, 0 O ., d0 mals . utI'1 Iza ' d ' h (\"olle " ,'Incondlclona 0 e 0 c 0tl'JTlU I0 es elect rico , e a resposta condicionada a RGP, 0 que como "imos, levanta alguns problemas de ~ue, reta~ao dos resultados (ver Tursky e .nteTP 1982 para uma revisao da investigar;ao Jarnner, a"aliar;ao de atitudes atraves de respostas sobre a .. . 16g icas condlclonadas). o . fisl , . d por fim, refenr-nos-emos. ~ uma tecmc~ .e rarao das atitudes que utlhza urn falso mdl. , 'd d ava. T dor fisiologico para garantlr a autentlcl a e ca . . • respostas dos sUJeltos as respostas a uma das ' cal a de atitudes: as falsas respostas pSI.co f 1:~oI6gicas. Este procedimento. fOi. iniciado por Jones e Sigall (1971) que 0 JustJficam da seguinte forma.: «0 para~igma experi.men~al baseia-se na sImples premlssa de que nmguem quer ser desmentido por uma maquina. Se conseguirmos convencer uma pessoa de que temos uma maquina que me de com precisao a intensie a direcr;ao das suas atitudes, assumimos ela esta motivada para predizer aquilo que a maquina vai dizer acerca dela» (p. 349). Assim, os estudos que utilizam este procedimento costumam fazer os sujeitos entrar para laborat6rios sofisticados, Jiga-Ios a electrodos e coloca-Ios face a urn mostrador que varia entre, por exemplo, -3 e +3. Os sujeitos sao informade que a maquina a que estao Jigados conpreyer as suas respostas atraves de indipsicofisiologicos, e podem verificar que assim se passa durante alguns ensaios com a maquina (durante os quais sao utilizadas as respostas dadas pelos sujeitos a urn questionario Interior). Uma vez convencidos de que nao POdem enganar a maquina, os experimentadores apresentam en tao aos sujeitos os estfmulos face quais Ihes interessa saber a opiniao dos Bujeitos A . . - . s respostas produzldas nestas condl~oes - d' sao Iferentes das respostas a ques-

tionarios de atitudes. Por exemplo, no estudo de Jones e Sigall. os sujeitos apresentam atitudes mais racistas face aos negros na situar;ao de respostas psicofisiol6gicas do que na condilYao controlo. Este resultado pode ser interpretado como uma inibir;ao da desejabilidade social da resposta produzida pelo aparato experimental, mas e sempre imposslvel decidir quais as respostas que sao mais verdadeiras . Para alem deste inconveniente, a respostas psicofisiol6gicas apresenta-se como uma tecnica pouco econ6mica de recolher os dados e, para continuar a ser eficiente, necessita que os sujeitos continuem ingenuos face a manipulacrao, isto e, que nao sejam informados da falsidade do feedback da maquina (0 que vai contra os princfpios deontol6gicos da experimentar;ao em Psico\ogia Social). Deste modo , parece que as medidas corporais das atitudes, embora sejam urn campo fascinante de investiga~ao, nao tern produzido tecnicas e resultados tao importantes como de infcio se supunha. Este facto deve-se a dificuldade de interpretar univocamente as respostas psicofisio16gicas dos sujeitos e as dificuldades praticas de aceder a este tipo de material para 0 registo das respostas . As respostas afectivas podem ainda ser abordadas atraves de tecnicas de papel e lapis , em que os indivfduos descrevem as suas emolYoes relativamente a urn determinado objecto. Este tipo de tecnica assemelha-se em muito ao que dissemos acima para as escalas de atitude .

Medi~ao das atitudes atraves de respostas comportamentais Urn outro tipo de medida das atitudes refere-se a avaliacrao dos comportamentos. Este tipo de indicadores possibilita, por urn lado, superar a falta de sinceridade que e possfvel nas medidas de autodescri~ao. e por outro produzir observar;oes em meio natural, imposslvel atraves das medidas corporais . Deste modo, as tecnicas com-



202

portamentais mais importantes neste domfnio referem-se a observa~oes de comportamentos reveladores de atitudes, mas observa~oes que passam completamente despercebidas aos sujeitos. Estas medidas, tambem conhecidas por medidas nao obstrutivas, foram utilizadas muitas vezes nas investiga~oes dos anos 60 em Psicologia Social. Por exemplo, Campbell, Kruskal e Wallace (1966) e Macrae, Milne e Bodenhausen (1994) avaliaram as atitudes raciais de estudantes brancos atraves da distancia a que se sentavam de indivfduos de ra~a negra. Milgram, Mann e Hartner (1965), num outro estudo celebre, avaIiaram as atitudes polfticas de cidadaos de diferentes partes de uma cidade americana deixando no chao, como perdidas, cartas seladas dirigidas a diferentes agrupamentos polfticos. Atraves do numero de cartas dirigidas a cada entidade recebido num apartado alugado pelos investigadores para 0 efeito, foi possfvel desenhar urn mapa das atitudes polfticas dos residentes dessa cidade. Esta «tecnica da carta perdida» continua a ser utiIizada como uma metodologia privilegiada na avalia~ao de atitudes sobre objectos polemicos. Assim, Kuntz e Fernquist (1989) utilizaram uma varia~ao desta tecnica, deixando em locais publicos bilhetes-postais dirigidos a organiza~oes a favor ou contra 0 aborto (dependendo das condi~oes experimentais), em que se anunciava a decisao de contribuir para a causa. Estas formas de medir as atitudes sao normal mente defendidas por serem mais «puras», mais proximas da realidade. No entanto, nao devemos esquecer que esta avalia~ao das atitudes nao esta isenta de influencias, mas apenas que apresenta enviesamentos diferentes das tecnicas de autodescri~ao. Em primeiro lugar, a Psi cologia Social tern mostrado muitas vezes a influencia das condi~oes situacionais na determina~ao do comportamento social. Depois, a rela~ao entre 0 comportamento do sujeito e a inferencia da sua atitude e deixada completa-

mente nas maos do experimentador. E, par fi como veremos mais adiante, nao e linear n Ill, elll simples que 0 comportamento das pesso . de. as correspon da a' sua atltu

A estrutllra das atitudes Nas duas primeiras partes deste capftulo iIudi_ mos alguns dos grandes debates no domfnio das atitudes, como forma de simpli,ficar a introdu~ao ao tema. Vamos agora aborda-Ios brevemente o primeiro grande debate prende-se com ~ dimensionalidade das atitudes, isto e, com a forma como os diferentes teoricos das atitudes respondem a seguinte questao: a representa~ao mental da atitude reproduz 0 continuum de favorabilidade/desfavorabilidade por que ela se expressa? 0 apoio empfrico para as visoes dimensionais das atitudes vern do facto de 0 tempo de processamento de afirma~oes radicais ser inferior ao tempo de processamento de afirma~oes mais neutras (Judd e Kullik, 1980) e dos estudos que sustentam a teoria da avali a~ao social proposta pelo casal Sherif e colaboradores (1965). Esta ultima perspectiva pressupoe mesmo a existencia de uma escala de referencia interna, que cada pessoa divide em tres zonas consoante a sua propria posi~ao: zona de aceita~ao, que incIui as cren~as que 0 indivfduo considera aceitaveis; zona de rejei~ao, que incIui as que sao inaceitaveis; e zona de nao comprometimento onde se encontram as crenQas que nao sao consideradas nem aceitaveis nem inaceitaveis. As visoes nao dimensionais das atitudes nao assumem esta representa~ao intema das atitudes, mas consideram que as expressOes das atitudes num continuum sao ou 0 resultado da recupera~ao em memoria das associaQO:s relativas aos objectos de atitudes - sendo entaD a atitude 0 resultado das associa~oes entre 0 objecto de atitude e avalia~oes ou proposiQOeS

as como propoe Fazio (1986, 1989) com ' concep~ao -retlcu ' Iar d a memOrIa ' . -, diversnum a base sultado da soma das expectativas associaare OU aO objecto de atitude pesadas pelos seus daS eS _ como propoem os diversos modelos de valor tativa-valor d ' no d " d as atl. ommlo os quaIs, C 0 mais conhecido e 0 de Fishbein (1967). IU es~ de muito diferentes noutros aspectos, AP~S uer destas duas visoes nao dimensionais qua q d atitudes concor a que as representa~oes das ' . . mas nao podem ser resuml'd as a uma umca (Ote I' , . I' ala interior. A tas, mUttos autores sa lentam 0 eSC d . d"d f ,. facto de as cren~as. os 10 IVI. uos ~voravels a m determinado obJecto de atttude nao serem 0 ~nverso das dos indivfduos com atitudes con~as (e.g., van der Pligt e Eiser, 1984). Por exemplo, num estudo sobre as atitudes face a constrUQao de uma incineradora, Lima (1997) mos trou que os indivfduos que eram favoraveis ao empreendimento consideravam como mais provllveis e mais importantes consequencias o aumento do emprego na zona ou a melhoria dos acessos rodoviarios ao local, enquanto que os que estavam contra valorizavam 0 aumento da poluiQao e a di minui~ao da qualidade de vida dos residentes. A segunda grande questao no domfnio das atitudes prende-se com a consistencia entre a atitude e as suas tres form as de expressao, isto e, ate que ponto ha uma correspondencia entre a atitude do indivfduo e as suas diversas formas de expressao (afectiva, cognitiva e comportamental). Muita da pesquisa neste domfnio tern analisado a conSistencia entre a atitude e as cren~as, verificando:e ~ormalmente uma boa consistencia entre elas, Ulto bern documentada nos trabalhos baseados modelos de expectativa-valor que referimos Ima. No entanto, os trabalhos de Kaplan (1972) sabre as indoIVI'd uos cUJa .. atltu de se centra no POnto medl'o d I d . des vleram . . . . a esc a a e atltu mlclar ~~a linha nova de pesquisa. De facto, h:i indivfOs que tem uma posi~ao pouco extremada ou

e"t

:.s

203

mesmo neutra, nao porque nao fa~am avaliaQoes sobre 0 objecto (os indiferentes), mas porque as crenQas que suportam a sua atitude sao mistas (os ambivalentes). A pesquisa mais recente tern permitido encontrar form as de avaliar esta ambivalencia (Thompson, Zana e Griffin, 1995), que, no entanto, e mais a excep~ao do que a regra no padrao de consistencia entre cren~as e atitudes. As rela~oes entre as outras expressoes emocional e comportamental das atitudes e a avalia~ao que esta na base deste conceito tern tido uma investiga~ao muito mais reduzida, mas ela parece existir, embora de forma men os acentuada.

As

flln~oes

das atitudc40i

Sendo urn produto cognitivo tao comum, podemos perguntar-nos, de urn ponto de vista pragmatico, para que servem as atitudes. A resposta para esta pergunta tern sido encontrada por quatro vias: as teorias que salientam as fun~oes motivacionais das atitudes, as teorias que salientam as fun~oes cognitivas das atitudes, as teorias que salientam 0 papel de orienta~ao para a ac~ao e as teorias que salientam as fun~oes sociais das atitudes.

Fum;oes motivacionais das atitudes: Atitudes e necessidades

o

primeiro tipo de abordagens teve origem em autores de forma~ao psicanalftica como Katz (1960), e foi depois continuado por outros autores (e.g., McGuire, 1969) que salientaram a importancia de estudarmos as atitudes no contexto das fun~oes que tern para 0 indivfduo. Nas palavras de Katz (1960), a sua perspectiva, que designa como funcionalista, «representa a tentativa de compreender as razoes que levam as pessoas a manter as suas atitudes. As razoes, no entanto, estao ao nfvel das motiva~oes psicolo-



204

gicas e nao ao nfvel do acaso de acontecimentos e circunstancias exteriores. A menos que conhec;amos as necessidades psicologicas que sustentam uma atitude, estamos em rna posic;ao para predizer 0 quando e como da sua medic;ao» (p. 170). Katz e outros autores definiram urn grande numero de func;oes especfficas que as atitudes podem cumprir, que outros investigadores mais recentes (Herek, 1986) sistematizaram em duas grandes categorias: func;oes instrumentais ou avaliativas e funr;oes simbolicas ou expressivas. As primeiras prendem-se com uma avaliac;ao de custos e beneffcios da atitude, optando 0 indivfduo pela atitude que Ihe permita obter 0 melhor ajustamento social, maximizando as recompensas sociais e minimizando as punic;oes. Por exemplo, podemos manifestar atitudes ambientalistas face a uma pessoa que queremos impressionar favoravelmente, e que sabemos fazer parte da Liga de Protecc;ao da Natureza. As func;oes expressivas tern que ver com a utilizac;ao das atitudes enquanto forma de transmitir os valores ou a identidade do sujeito, permitindo-Ihe proteger-se contra conflitos internos ou externos, e preservar a sua imagem. Assim, uma atitude moral muito conservadora podera cumprir a func;ao de disfarc;ar a dificuldade de relacionamento social, mantendo alta a auto-estima. Esta perspectiva nao se tern manifestado muito heurfstica, porque funciona apenas como descritora de resultados individuais, mas nao permite a predic;ao de respostas a urn nlvel mais geral, em bora Herek prometa desenvolver tecnicas para medir as funyoes das atitudes. Fun~oes

cognitivas das atitudes: atitudes e processamento da informa~ao Autores mais recentes tern vindo a salientar as func;oes cognitivas das atitudes, ligadas a forma como elas influenciam 0 modo como e processada a informac;ao. Estas perspectivas

actuais enrafzam-se nos estudos dos aut .. . d os anos 50 , que, partin . d 0 de pOre~ cogmtlVlstas res. . . . supostos motlvaclOnms, procuraram mostrar importancia de determinados princfpios ger .a " " _ als na lorma como se orgamza a cogmyao hurna nomeadamente as atitudes. Referir-nos_e~a. aqui a dois desses princfpios, que provem ~s e duas das mais importantes teorias em PSicOlogi Social: a princfpio do equilibria e a principio da reduc;ao da dissonancia. a o principio do equilihrio foi formulado par Heider (1958-1970) para definir a principia organizador do «ambiente subjectivo» do indi. vfduo , isto e, a forma como ele percepciona a meio em que vive. Podemos hoje considerar qUe a teoria do equillbrio se refere a forma como as indivfduos articulam diferentes atitudes. A teo. ria pressupoe que este ambiente subjectivo pode ser representado graficamente sob a forma de trfades (ver Caixa na p. 19). No entanto, nem todas as trfades tern 0 mesmo valor para 0 indi. vfduo. Na Iinha de cima da figura desta Caixa podemos ver situayoes que Heider considera equilibradas, isto e, em que a indivfduo percebe concordancia de posiyao em relac;ao a alguem de quem gosta, au discordancia em relac;ao a alguem de quem nao gosta (por exemplo: «A Maria gosta de ouvir a sua amiga tocar piano» e uma ilustrac;ao do caso 1. Na linha de baixo, as situac;oes sao designadas desequilibradas, e representam casos em que a indivfduo percebe discordancia em relayao a pessoas de quem gosta au concordancia em relayao a pessoas de quem nao gosta (urn exemplo produzido pelo proprio Heider que ilustra a situar;ao: «0 Carlos acha que 0 loao e muito estupido e urn chato de primeira classe. Urn dia a Carlos Ie uma poesia de que gosta e procura saber quem e a seu autor, para 0 felicitar. Verifica que foi 0 loao quem escreveu os poemas»). Heider (195 8-1 970) define estado equilibrado como urn «eslado harmonioso em que as entidades que estao na situa-

205

que salientam a importancia das atitudes como sinalizadores da realidade: conhecendo duas relayoes entre as entidades que constituem uma trfade, tendemos a completar a situac;ao de forma equilibrada; as situayoes organizadas de uma forma equilibrada seriam mais estaveis e mais resistentes a mudanr;a, man tendo uma tendencia a constancia das posir;oes cognitivamente mais simples .

s seus sentimentos se ajustam sem ten~~ (p. 205) . Assim, postula, em termos de sa~)) fpio organizador da construyao do amp~II1Ce subjectivo, que as situar;oes equilibradas b~el11 referidas a situar;oes desequilibradas, par sao p forrnas perceptivas e por evitarem a tense•refllA aplicar;ao - deste pnnclplO " ' 1evou dd es e saO. ao aparecimento de consequencias praticas IOgOtermOs de processamento de informayao, '0

eo

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BASES DA TEORIA DO EQUILIBRIO (HEIDER, 1958) Na descri~iio do arnbiente subjectiv~ dos sujeitos, Heider utiliza tres conceitos basicos: • 0 de indivfduo que percepciona, aquele que constr6i 0 arnbiente subjectiv~ e que activamente procura dar sentido ao que 0 rodeia - este indivfduo e depois representado nas representa~oes graficas como p. • 0 de entidade, isto e, a pessoa ou 0 objecto ffsico ou social existente no rneio que envolve 0 sujeito _ representado graficamente como 0 (se for urna pessoa) ou x (se for urn objecto). • 0 de rela~lio, isto e, a atitude positiva ou negativa que une duas pessoas ou urna pessoa e urn objecto _ representada graficamente por urn sinal + ou por urna Iinha contInua no caso de ser urn sentirnento positivo (gosta de; concord a com; possui) ou por urn sinal - ou urna Iinha tracejada no caso de urn sentirnento negativo (nao gosta de; discorda de; nao possui). Esta rela~ao pode assurnir a forma de urna atitude favoravel ou desfavoravel de p face a x.

o ambiente subjectiv~ do sujeito e descrito por esta teoria como urn conjunto de entidades e das suas rela~Oes, tal como sao percepcionadas por urn indivfduo. Cada situa~ao pode entao ser descrita graficarnente em terrnos de trfades, situando as rela~Oes percebidas pelo indivfduo entre si pr6prio e duas entidades, 0 que, em teoria, permite a defini~iio das seguintes 8 situa~oes que se representarn em seguida. Na Iinha de cirna encontrarn-se as u'fades equiIibradas e na Iinha de baixo as trfades desequilibradas. o

o

o

o +

p ~_ _ _ _-> X P

L -_ _ _ _-----"

X

P L -_ _ _ _-----" X P L -_ _ _ _- - " X

+

+ caso 1

caso 2

caso 3

caso 4

o

o

o

o

+ p - _ ____-"'

caso 5

X

P L - _._ _ __ + caso 6

x P

_ _ _-----" X

P "--___ .___-' X

+ caso 7

caso 8



206

o principio da redu~ao da dissonancia cognitiva foi definido por Festinger (1957) para explicar a necessidade que existe em todos os indivfduos de encontrarem consonancia entre as diversas cogni~oes que tern a respeito de urn mesmo objecto. Ao contnirio da perspectiva de Heider, a quesHio de Festinger nao se prende tanto com a questao da rela~ao entre diferentes atitudes, mas com a consistencia intema de uma mesma atitude . A dissonancia cognitiva refere-se assim a rela~ao entre duas cogni~oes incompatfveis da mesma pessoa face ao mesmo objecto: «Eu pago propinas elevadas nesta Universidade» e «Esta Universidade e pouco prestigiada». 0 princfpio basico da teoria (ver Caixa na pag. 207) tern, como a perspectiva de Heider, bases motivacionais e postula que urn estado de dissonancia cognitiva e psicologicamente desagradavel, constituindo uma motiva~ao, uma activa~ao do organismo no sentido da redu~ao ou da elimina~ao da dissonancia (ver Fazio e Cooper, 1982, para uma analise da evidencia empfrica da activa~ao psicofisiologica da dissonancia cognitiva) . Esta activa~ao e tanto maior quanta maior for a dissonancia cognitiva, e a dissonancia e vista como fun~ao de: Imponancia x Ntlmero de Cognir;6es Dissonanles

Dissonancia

=- - - - - -

Importiincia x Ntlmcro de Cognir;oes Consonantes

Oeste modo podemos perceber que nem todas as cogni~oes incompatfveis nos produzem dissonancia. Para tal e preciso que as cogni~oes sejam percebidas como importantes (a nossa saude, a auto-imagem, 0 nosso futuro, por exemplo) e e preciso que nos vejamos como responsaveis pelas situa~oes que nos causam dissonancia (isto e, percebendo liberdade na escolha do comportamento dissonante). Para sair de urn estado desagradavel de dissonancia, Festinger propoe, dentro do mesmo modelo, duas estrategias: aumento do numero ou da

207

importancia das cogni~oes consonantes e/o

diminui~ao do numero ou da importancia U na cogni~oes dissonantes. Oeste modo, 0 procedas

de redu~ao da dissonancia apresenta-se cOlllo sso exemplo da forma como as atitudes influen/Ill (alll . l' o processamen t 0 da mlorma~ao, especifj mente, atraves da procura activa de informa c~_ relevante acerca do objecto de atitude. ~ao As consequencias das atitudes para 0 proc s samento da informa~ao tern sido c1arifi c ada: testadas empiricamente nos ultimos anos "'" e , "'as traduzem-se todas num enviesamento selectivo congruente com a atitude, que se faz sentir tant ao nfvel da exposi~ao a informa~ao, como d~ percep~ao e da memoria. A exposi~ao selectiva refere-se ao facto de indivfduos com uma atitude definida relativa_ mente a determinado objecto procurarem expor_ -se a informa~ao que confirme a sua atitude inicial, evitando a informa~ao contraria. Assim urn apoiante de urn partido poiftico procura mai~ assiduamente seguir a campanha eleitoral desse partido do que a dos que nao apoia. Este fenomeno foi explicado pel a teoria da dissonancia cognitiva, como uma busca de cogni~6es congruentes, e, embora possa haver factores situacionais que limitam a exposi~ao a informa\=iio contraria a atitude (Freedman e Sears, 1965), a exposi~ao selectiva teve urn grande apoio empfrico com a pesquisa desenvolvida por Frey (1981, 1986) que mostrou que ela esta particularmente presente em situa~oes em que a dissonancia cognitiva e maior, ou em que as fontes de informa\=ao sao credfveis. A percep~ao selectiva refere-se a uma fase posterior do processamento de informa\=iio, caracterizado por uma distor~ao da percep\=iio. de modo a avaliar de forma mais positiva a informa~ao congruente com a atitude e a des valorizar a informa~ao incongruente. Por exemplo. Fazio e Williams (1986) mostraram que naS elei~6es presidenciais american as de 1984 as

CONCEITOS FUNDAMENTAlS NA TEORIA DA DISSONANCIA COGNITIVA. dois conceitos fundamentais nesta teoria: cogni~ao e dissonfincia. por cogni~iio, Festinger entende tanto os pensamentos, atitudes e cren~a~ dos indivlduos, como os seus ortamentos, desde que sejam conscientes, isto e, que tenham uma representa~lio cognitiva. Sao exemplos de coJTIPi iio as segumtes . f rases:« Sou uma pessoa atenclosa»,« . Ac h0 que as esco Ias sao - 'mstltut~oes . . - represslvas», . cogn :eci-me dos anos da minha mulher», ou «Sei que fumar provoca 0 cancro nos pulmoes» . _ESQ por dissonfulcia entre as cogni~Oes, Festinger entende a exist!ncia simuldlnea de cogni~Oes que nao se ajusentre si, isto e, em que a existencia de uma cogni~iio implica a presen~a do contnirio da segunda cogniyao. Por tlunJTIplo, se urn homem se considerar uma pessoa atenciosa e verificar que se esqueceu dos anos da sua mulher, e ex ntra se numa situaylio de dissonfincia cognitiva. Se uma pessoa sabe que vive numa zona sfsmica e nao tomou en~~quer- aCyao preventiva, encontra-se numa situayao de dissonancia cognitiva. Ou, pard citar 0 mais chissico dos queJTIplos da teoria da dissonfincia cognitiva, se eu acreditar que fumar provoca 0 cancro dos pulmoes e se fumar tres ex os de cigarros por dia, estou numa situa~iio de dissonancia cognitiva (desde que nao esteja a tentar cometer suicf;:~ claro) . Nu ma perspectiva pragmatica, Brown (1965) indica que algumas utiliza~oes das conjunyOes adversativ~'(mas, pocem, todavia, contudo) slio indicadoras da existencia de dissonancia cognitiva, alertando 0 receptor da mensagem de que 0 que se segue vai contra 0 que seria de esperar a partir da primeira parte da frase: «Lisboa e uma zona sIsmica, mas 0 bairro em que eu vivo nunc a sofreu nada com os tremores de terra». A redu~iio da dissonfulcia pode assumir as seguintes forrna~: }-Is

1. Diminuir 0 mlmero ou a importancia dos argumentos dissonantes. Se 0 marido se esqueceu do aniversario da mulher, pode reduzir a sua dissonancia convencendo-se de que nao tern sentido a celebrayiio dos anos, ou de que a sua mulher ate tera ficado agradecida por nao Ihe lembrarem que ela esta mais velha. Se uma pessoa vive numa zona sfsmica, poder reduzir a sua percep~ao de risco se acreditar que os fen6menos SISmicos sao regulares. previslveis pelo homem ou controlaveis por Deus. Urn fumador evita cuidadosamente a sua exposiyao a inforrnayao sobre os maleffcios do tabaco, e quando nao a pode evitar (por exemplo, ao ler 0 aviso existente em todos os mayos de cigarros nacionais) contesta a relevancia da fonte, ou salienta 0 caraeter hipotetico da rela~lio entre 0 tabaco e 0 prejulzo da saude. 2. Aumentar 0 numero ou a importancia dos argumentos consonantes. Se 0 marido esquecido pretende manter a sua imagem de pessoa atenciosa, vai aumentar 0 numero de vezes que convida a sua mulher para sair, que Ihe traz prendas, ou que Ihe leva 0 pequeno-almo~o a cama. 0 Iisboeta que pretende continuar a viver na sua terra apesar de ser uma zona sIsmica, aumenta a sua perce~ao das vantagens de viver num grande centro urbano. Urn fumador conhece sempre imensos casos de medicos e de centagemirios que fumam muito mais cigarros do que ele.

atitudes anteriores dos sUJeltos face aos candidatos se correlacionavam significativamente com a percep\=ao acerca do seu desempenho nos debates na televisao. No entanto, este efeito e tanto mais nftido quanta mais acessfvel (~OUston e Fazio, 1989) e mais elaborada for a atttude (Cacioppo, Petty e Sidera, 1982). A memoria selectiva refere-se tambem a maior facilidade de memoriza~ao da informa~ao con' Ststente com a atitude. No entanto, este

efeito, que parecia claro ate aos anos 50, tern mostrado, nos estudos empfricos mais recentes, resultados contraditorios, embora as pesquisas sejam diffceis de comparar porque utilizam diferentes tarefas para 0 teste da memoria, e tam bern porque a importancia da atitude para os sujeitos e muito diversa. Zan a e Olson (1982) utilizaram urn procedimento experimental em que os sujeitos nao eram levados a preyer a necessidade de qualquer tipo de memoriza~ao



208 do material apresentado, e escolheram sujeitos com urn elevado grau de envolvimento em rela~ao a atitude estudada (apenas sujeitos com atitudes fortes pro ou contra 0 aborto). Oeste modo, confirmaram a existencia de uma rela~ao entre atitude e memoria, mas apenas para os sujeitos com determinadas caracterfsticas de personalidade. Assim, os indivfduos com maior auto-estima e os indi vfduos com urn locus de controlo interno sao aqueles que manifestam mais facilidade na memoriza~ao de frases correspondentes a sua atitude. Este resultado parece apontar para a importancia das varhlveis de personalidade na verifica~ao da hipotese da memoria selectiva.

Fun~oes de orientaf.;30 para a atitudes e comportamento

aC~30:

Impacto das atitudes no comportamento No infcio do estudo das atitudes, estava implfcita na perspectiva dos seus autores a coerencia entre atitudes e comportamentos, e daf a grande enfase dada pelos psicologos sociais a constru~ao de escalas de atitudes. A questao do poder preditivo das atitudes avaliadas por questiomirios foi claramente colocada por LaPiere (1934), num estudo cllissico nesta area. Nos anos 30, em que havia urn forte preconceito contra os Chineses nos EVA (havia lojas com uma placa a porta com a seguinte inscri~ao: «E proibida a entrada a chineses e a caes» ), LaPiere, urn psicologo social de ra~a branca, viajou pelos Estados Vnidos acompanhado por urn casal de chineses, anotando as reac~oes dos funcionarios dos diversos estabelecimentos hoteleiros que utilizaram. Nesta viagem foram atendidos em 66 hoteis e em 184 restaurantes e cafes, tendo apenas sofrido uma recusa num hotel. Algum tempo

depois foi enviada uma carta a cada um d . eSte estabeleclmentos, perguntando se aceita ' S chineses como clientes. Dos 81 restaurantes r1alll hoteis que responderam, 92 por cento disse~a4? que nao, tendo os restantes afirmado que de III · d ' E stes resu Itad os mOSt Pen. d la as clrcunstancIas. ram que e possfvel haver uma manifestarrao ra. to Ierancla ao mve I comportament aIe ' slmuItan de mente uma expressao de intolerancia ao nrea. . d'ma,I pe I0 que l"loram mterpretados COil! vel atltu reflectindo uma inconsistencia entre atitudes 0 comportamentos. Esta discrepancia entre ati~ tudes e comportamentos esta bern ilustrada em. piricamente, quer por replicas do estudo de LaPiere (Kutner, Wilkins e Yarrow (1952) com negros, por exemplo), quer por estudos de orienta~ao psicometrica, relativos a validade preditiva de escalas de atitudes (por exemplo. relacionar os resultados de uma escaia de atitudes religiosa com a frequencia a igreja). Face a isto, a posi~ao de alguns autores e a de salientar a inutilidade pratica do estudo das atitudes como previsores do comportamento humano. interessando-se apenas pelo seu papel na justifica~ao posterior do comportamento (na linha da teoria da dissonancia cognitiva). Nas palavras de Abelson (1972), «estamos muito bern treinados e somos realmente muito bons a encontrar razoes para aquilo que fazemos, mas nao somos grande coisa a fazer aquilo para que temos boas razoes» (p. 25). No entanto, a psicoiogia social de orienta~iio cognitivista nao podia aceitar esta perspectiva de corte radical entre pensamento e ac~iio, e desenvolveu esfor~os no sentido de explicar a discrepancia entre atitudes e comportamentoS, procurando daf colher ensinamentos que pennitissem aumentar a correla~ao entre estas duas variaveis. E assim que se salienta 0 diferente grau de . a generalidade com que, nos estudos que aCilTl. citamos, se avalia 0 comportamento e as aUA'

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,

209

As fras es que constituem as escalas de aties ILld . esentam 0 objecto de atitude a urn nfvel ILldes ap~eTlte geral (urn born exemplo pode ser erna eJ{tr caixa da pagina 198, com as instru90es 'stO na I osta na escala de Bogardus) e quando refede res~ ar6es elas sao descritas de uma forma rn Situ l' ' re . plificada que nao tem nada de concreto. ·0 Slrn la emplo, no estudo de LaPiere, perguntava-se poreJ{ . arta se aceitanam c h'meses como c I'lentes, 0 na c orn a sua formula9ao geral, envia os resque,dentes c ,. de ch'mes e, a I'em d0 para 0 estereotIpo po~ podia ser utilizada pelos respondentes de roalS, . ., I d b a a dar uma Imagem respeltave 0 esta eform . irnento, de acordo com as normas vlgentes. Iec I" , A situa~iio observada, pe 0 contrano, e extremamente especffica: os chineses encontravam-se acompanhados por urn branco, provavelmente aparentavam urn born estatuto socioeconomico, e tinham aspecto de saber comportar-se correctamente, e encontravam-se de passagem. Isto e, nao tinham nada a ver com 0 chines que os fundo restaurante visualizaram quando responderam a escala de atitudes. A generalidade do indicador das atitudes e a especificidade da I, SltilaCliO observada parece mesmo, neste estudo, funcionar de modo a maxi mizar a discrepancia atitude e comportamento. A tentativa de compatibilizar 0 grau de especificidade do comportamento e das atitudes foi conseguida por duas vias diferentes. Assim, do ponto de vista psicometrico, parece incorrecto procurar-se a rela~iio entre atitudes gerais normalmente medidas por escalas de atitudes com multiplos itens e comportamentos especfficos, medidos apenas com urn unico indicador. Oeste modo, alguns autores procuraram compatibilizar tambem 0 nfvel de generalidade do comportamento, estendendo as observa~oes a diversos comportamentos associados a atitude. Por exemplo W· .' legel e Newman (1976) mostram que as attt~des ambientais se correlacionam de forma maJs ' . . slgOificatlva com urn fndice de comportaA

mentos pro-ambientais do que com 0 de comportamentos especfficos (reciclagem, assinar uma peti~ao a favor de causas ambientais). Estes estudos vern mostrar que niio siio apenas as atitudes especfficas face a comportamentos que permitem a previsao das aC90es, mas que as atitudes gerais face a objectos se relacionam sistematicamente com os fndices comportamentais. Vma outra via de resposta as diferen9as entre o nfvel de especificidade entre atitudes e comportamentos tern sido procurada noutras perspectivas. Fishbein e Ajzen (1975) afirmam que as atitudes sao importantes factores na previsiio do comportamento humano, mas distinguem entre as atitudes gerais face a urn objecto (atitudes em rela~ao aos chineses, atitude religiosa) e as atitudes especfficas face a urn comportamento relacionado com 0 objecto de atitude (atitude em rela~ao a servir urn casal de chineses de classe media num restaurante acompanhados por urn branco; atitude em rela~ao a ir a missa no proximo domingo): enquanto estas ultimas seriam uteis na previsao de urn comportamento especffico, as primeiras so 0 influenciariam de uma forma indirecta, como uma tendencia para a ac~ao tal como e expresso na defini~ao de Eagly e Chaiken (1993). Na teoria da ac~iio reflectida, Fishbein e Ajzen (1975) consideram que todo 0 comportamento e uma escolha, uma op~ao ponderada entre varias alternativas, pelo que 0 melhor preditor do comportamento sera a inten~ao comportamental, sendo a atitude especffica apenas urn dos dois factores importantes na decisao (ver Figura 1). Esta atitude face ao comportamento e vista neste modelo, de acordo com as perspectivas de expectativa-valor que referimos atras, ou seja, como 0 resultado do somatorio das cren~as acerca das consequencias do comportamento (expectativa) pesadas pela avalia~iio dessas consequencias (valor). o outro factor importante na defini~ao da inten~ao comportamental tenta integrar as

211

210

pressoes sociais e refere-se a norma subjectiva face ao comportamento, isto e, as pressoes de outros significantes que afectam a realiza'rao do comportamento. Tambem esta norma subjectiva e vista como 0 resultado do somat6rio das cren'ras normativas (expectativas acerca do comportamento que os outros significantes pretendem que 0 indivfduo adopte), pesado tambem pelo valor destas cren'ras (a motiva'rao para seguir cada urn dos referentes). Os trabalhos que operacionalizaram este modelo (ver Eagly e Chaiken, 1993 para uma revisao), encontram correla'roes bastante elevadas entre a inten'rao e o comportamento (entre .75 e .96), variando, no entanto, com a proximidade temporal do comportamento, da especificidade da situa'rao apresentada, e da experiencia anterior do sujeito na situa'rao . As atitudes gerais do sujeito, tal como outras varhiveis de nfvel mais global, como 0 seu estatuto socioecon6mico , por exemplo, aparecern no modelo como fracos preditores do comportamento especffico, relativamente a norma subjectiva e a atitude especffica. Oeste modo, a

teoria da aC'rao reflectida ve a atitude esPec' como urn dos preditores do compona 'fic~ podendo, em certos tipos de componame mento nt08 em certas popula'roes, a norma subjecti °u mais peso na determina'rao da inten'rao CoVa tet tamental (por exemplo, Kashima et aL mPot. ., 1993 mostram que 0 melhor preditor da inte _. de utilizar 0 preservativo nao e a atitude n~ao ·, fi mas a norma su b~ectJVa re erente ao parceiro se Por isto, 0 modelo da aC'rao reflectida ~uaJl. . d a uma vanave . , I mterme ' 'd'la, referente aoInclul am relativo das atitudes e das norm as na defi ~e~ . ,_ nl~ao da mten'rao comportamental. Esta var"laVe) remete para os estudos empfricos a defini~ao d importancia relativa destes dois componentea no caso especffico de cada situa'rao e de cadS a popula'rao a analisar. Por exemplo, Manstead Proffitt e Smart (1983) mostram que a inten~a~ de am amen tar 0 be be e principalmente deter. minado pela norma subjectiva nas maes primi. paras, mas que e a atitude face a amamenta~ao que tern urn papel decisivo na inten~ao com. portamental das maes do segundo filho .

FIGURA

Modelo da

ac~lio

1

refletida (Fishbein e Ajzen, 1975)

Cren~

de que 0 oomportamento provoca delennIn.dos resultados

\.

Atitude face 80 comportamcuto

/'~

\

dos resultados esperad05 1...-_ _ _- - . : _ _ _

Cren~

de que iodlvCd.ao au lIJUPOI'

cspcclficos pensam que. pessaa dcve ou nio dcvc concretizar 0 comportameDto ~

Motiv8!fiO para ..guiJ a que os glUp05 au Indivlduas especf1!cos peasam sobre 0 camportamenla

Importilncia relativ8

IlnteOl'liO

dos beta... atiludioais c normativo! no comportamento

\.r--No-m-8-~-~-.~-u-.v-a~~ relativa .0 camportamcnto

....

1-.1

Comportameoto

I

odel o da aC'rao reflectida teve urn enorme .0 : rTIPiriCo, tendo sido aplicado com sucesso e~I(O uito S domfnios, desde a psicologia da e~d:(COnner e Norman, 1995) ate a psicologia all, . a No entanto, muitos estudos posteriores PohtlCrn .rTIostrar a .Importancla de l'lactores extev.i;;:s ao modelo da predi'rao dos comportart (OS. Bentler e Speckart (1979), testando 0 JII~elo da act;ao reflectida atraves da analise de JII ad;es estruturais, mostram que a previsiio de eqU T d d d ,. . portamentos e consumo e rogas e slgnt::ivamente melhorada com a introdu'riio de a variavel extema ao modelo: 0 compor~:ento anterior do sujeito. Tambem Eiser e colaboradores (1989), num estudo acerca do consumo de tabaco na popula'rao adolescente, RlOstram que 0 comportamento anterior (0 facto de fumar ou de nao fumar) e 0 melhor preditor da intent;ao comportamental (tencionar fumar no futuro). Face a estas crfticas, os autores cosWRlam salientar que a teoria se aplica a situade tomada de decisao (daf 0 seu nome de reflectido) e nao a comportaRlentos habituais, onde a componente de decisao muito menor. Numa tentativa de alargar a Ieoria a comportamentos que estavam fora do c:ontrolo volitivo dos sujeitos, Ajzen (1988) reformula 0 modelo. Mantendo a sua estrutura basica, acrescentou como determinante da IDten~ao comportamental uma nova variavel - 0 c:ontrolo percebido sobre 0 comportamento (Figura 2) . Esta variavel, que corresponde adificuldade percebida na realizat;ao do comportamento, corresponde em grande parte ao conceito d~ a~to-eficacia (Bandura, 1977, 1982), e per~Ite tncluir, indirectamente, a experiencia antenor com 0 comportamento. Assim, cOl7lporta~entos habituais sao percebidos como faceis d~ par em pratica e portanto com elevados nfveis de COntrolo percebido. Esta percept;ao de conc!rolo sobre 0 comportaf2ento parece, e ltao, ter onsequeAncl'a mottvaclonals . . . ao ntve , I d a mten. A'

t;ao, mas tambem de uma forma menos ponderada, directamente sobre 0 comportamento. Esta extensao da teoria inicial tern permitido aumentar significativamente a capacidade preditiva do modelo em muitas situa'roes (por exemplo, veja-se na Caixa da p. 213 0 trabalho de Vinagre, 1995), mas parece ainda insuficiente a alguns autores. Terry e Hogg (1996), por exemplo, criticam a forma Iimitada como a norma subjectiva e conceptualizada. A partir da teoria da autocategoriza'rao, mostram que a norma subjectiva nao deve ser concebida apenas em termos interpessoais, mas que a sua reconceptualiza'rao em termos grupais e de influencia social permite uma melhor compreensao do comportamento. Por outro lado, Manstead (1996) salienta que a introdu'rao de variaveis emocionais na predi'rao da inten'rao comportamental (nomeadamente a experiencias emocionais esperadas) aumenta 0 poder preditivo do modelo. Mas todos os modelos que referimos acima pressupoem algum grau de controlo do pensamento atitudinal. No entanto, desde os anos oitenta que os trabalhos de Fazio tern vindo a mostrar que as atitudes muito acessfveis orientam 0 comportamento atraves da activa'rao de processos automaticos. Os seus trabalhos come'raram por mostrar a importancia da forma como a atitude tinha sido formada na predi~ao do comportamento. Por exemplo, Fazio e Zana (1981), num estudo realizado com estudantes universitarios sobre as condi~oes ' de instala'rao nos dormit6rios, mostraram que as atitudes que se formam com base na experiencia directa (ter dormido em dormit6rios de beliches) sao mais preditoras do comportamento (assinar uma petit;aot relativa Ii falta de alojamentos universitarios), do que as que se baseiam em experiencia indirecta. Este resultado foi, primeiramente, expJicado pelos autores salientando a maior confian~a e certeza dos .sujeitos cujas atitudes se baseiam em experiencia directa. Contudo, mais



212

FIGURA

2

Representa~io

esquematica da teoria da ac~o reflectida e da teoria da ac~o planeada Teoria da ac~ao reflectida (Fishbein e Ajzen, 1975)

Teoria da ac~ao planeada (Ajzen, 1987)

2 13

APLICA~AO DA TEORIA DA AC~AO PLANEADA A PREVEN~AO DOS ACIDENTES DOMESTICOS NAS CRIAN~AS (VINAGRE, 1994) Os acidentes constituem ainda actual mente em Portugal uma das maiores amea~as II vida e asaude das crian~as dos jovens. Enquanto os acidentes de via~ao sao mais frequentes nas crian~as em idade escolar e na adolescencia, e acidentes domesticos predominam nos primeiros anos de vida. sendo uma das principais causas de mortalidade e oSorbili dade • sobretudo no grupo etano do laos 4 anos. As interven~oes educacionais junto dos pais no sentido da rn venyiio nao tern revel ado a eficacia desejada. e a incidencia mantem-se elevada, como e particularmente 0 caso das ~7oxicayoes infantis. Como sao os pais que controlam 0 espa~o domestico e definem as regras de seguran~a em casa, In revenyao dos acidentes domesticos na crian~a depende sobretudo da importancia que eles atribuem a esta questao. ~~rdando 0 comportamento preventivo dos pais numa perspectiva cognitivista. pretendeu a autora neste estudo comreender os factores sociocognitivos que mediatizam os comportamentos de seguran~a das maes relativos II intoxi~a~o domestica nos seus filhos. 0 enquadramento te6rico do seu trabalho abrange as variaveis preditoras da inten~ao comportamental incluidas na Teoria da Ac~ao Reflectida (Fishbein e Ajzen, 1975) e na Teoria do Comportamento Planeado (Ajzen & Madden, 1986): atitude face ao comportamento, norma subjectiva e controlo comportamental percebido . Participaram neste estudo 186 maes de crian~as dos 9 aos 15 meses de idade.

o questionario utilizado no estudo foi construido com base nos conceitos te6ricos dos modelos de partida. o contetido dos itens foi influenciado por pesquisas efectuadas neste ambito e por entrevistas explorat6rias efectuadas a miles com condi~oes semelhantes as da amostra. Para alem de informa~oes relativas II caracteriza~lio sociodemografica dos pais, crianya e condi~oes habitacionais, 0 questionario incluiu: • a variavel dependente (inten~ao comportamental) que foi avaliada pela questiio «Pen so colocar os produtos de uso domestico em armarios altos e com fechos de seguran~8», com uma escala de resposta de 7 pontos , desde <
tarde a explica~ao centrou-se na acessibilidade das atitudes . De facto, Fazio . Chen . McDonel e Sherman ( 1982) mostraram que os indivfduos que tern as suas atitudes baseadas na experiencia directa respondem em escalas de atitudes informatizadas com urn tempo de latencia menor, e apresentam uma maior correspondencia entre atitudes e comportamentos (Fazio e Williams, 1986). Esta linha de estudos levou.

naturalmente , Fazio e outros autores a mostrarem que ha uma activa~ao automatica das atitudes altamente acessfveis na presen~a do objecto de atitude (e.g., Fazio . SanbonmatsU, Powell e Kardes , 1986), 0 que levaria , atra ves da centra~ao da aten~ao selectiva nos aspectoS congruentes com a atitude, a uma defini~ao da situa~ao de forma a tomar altamente provlivei a ocorrencia do comportamento (Fazio. 1990)·

Tabela 1 - Correla~iies e regressiio mtiltipla; variavel dependente: inten~iio de adoptar mento de preven~iio Varhiveis I. Atitude 2. Controlo comportamental percebido 3, Norma subjectiva

(ajust. R2

r

Beta

.65*** 38*** .39***

5lJ .247 .196

=.485 ; F (3,129) =42.47; p = .0001) (***p < .001)

0

comporta·

p 752 3.84 2.97

.0001 .0002 .0035



214

Consideremos urn exemplo de como, de acordo com 0 modelo MODE (Motivation and Oportunity as Determinants, ver Figura 3) propos to por Fazio (1990), as atitudes influenciam os comportamentos. Suponhamos que vemos na televisao uma notfcia acerca do infcio da constru~ao de uma incineradora na zona onde vivemos . Esta notfcia activa a nossa atitude negativa relativamente a incineradora, fazendo-nos lembrar das consequencias da incineradora para a polui~ao do ar e para a saude publica (crencras congruentes com a atitude). Oeste modo, a construcrao da incineradora e vista como perigosa para 0 proprio (definicrao do acontecimento), tornando provavel a adesao a urn comportamento de protesto, por exemplo, a adesao a urn abaixo-assinado contra a incineradora. A definicrao do acontecimento pode ainda ser influenciada pelas normas dos grupos em que 0 indivfduo se insere (por exemplo, se os amigos partilharem valores ambientalistas). Ao saIientar a importancia da activacrao automatic a das atitudes, Fazio esta bern longe da perspectiva racionalista dos modelos da tradicrao dos de Fishbein e Ajzen, e apresenta-se mesmo como alternativo a estes. No entanto, como notam Eagly e Chaiken (1993), as duas perspectivas apresentam-se antes como

complementares, porque, apesar de Paz' . . 10 t mostrado convmcentemente a actlva~ao et matica das atitudes e a sua importancia na ~Ut(). nicrao da situacrao, desde esta ate ao comp efI. mento podem intervir muitas variaveis, e ~~. entao af que 0 modelo de Fishbein e Ajzen p el"\a ria ser uti I. De qualquer modo, a articul~d:. entre estas duas perspectivas sera, certam ~ao no futuro, alvo de trabalho teorico e en-.p:~te . H, Inco Importante.

o impacto do comportamento nas atitudes Mas a rela~ao entre atitudes e comportam en· tos nao foi sempre concebida da forma qu acabamos de expor. Desde os anos 50 que dife~ rentes autores saIientavam a importancia da realizacrao de comportamentos como forma de mudar atitudes. As tecnicas de role-playing ou jogo de papeis (Hovland, 1950) foram muito utilizadas em psicoterapia para promover mudancras de atitudes. Por exemplo, num con. flito conjugal, 0 psicoterapeuta pode pedir ao casal para representar a ultima discussao que teve, mas invertendo os papeis (isto e, 0 marido representa 0 papel da mulher e a mulher 0 papeJ do marido), obrigando as partes a verem 0 mundo pelos olhos do outro e a assistirem a

FIGURA

3

Modelo MODE (Fazio 1990)

Activa~iio

da atitude

..

..

Percep~ao Percep~iio

selectiva

Normas



do objecto

..

da

imediata

Defini~iio situa~iio

/

Defini~iio

do

acontecimento



Comportarnento

caricatura de si proprios . Mas 0 trabalho OJflIl assinalou de forma mais evidente a qlle ortancia do comportamento contra-atitudi,Jfli na modifica~ao das atitudes foi pubIicado (Ill Jan is e King em 1956. Tratou-se de urn por do c1aramente no dommlO " das atltu ' des, em es tll oS sujeltos, . d . ' , . estu antes umversltanos, eram qllerotados para urn estu d 0 supostamente so b re C re ua capacidade de falar em publico. Num a 'm S I' eiro momento, todos lam urn texto que ~ defendia a ida de soldados .par~ ~ . guerra d. a coreia, ati~ude claramen.te mmonta~l~ no melO iversitano. Em segulda, os sUJeltos eram uOlocados perante uma audiencia e aleatoria~ . eo te designados para uma de duas condl~oes m . experimentais: ou improvisavam urn d'Iscurso com base no texto que tinham acabado de ler, ou liam 0 texto em voz alta. Finalmente, era avaliada a atitude face a participacrao na guerra da Coreia nos dois grupos. Os resultados mostraram que os sujeitos que tinham de improvisar apresentavam, no fim, uma atitude mais favonivel face a guerra da Coreia do que os que apenas tinham tido de ler 0 texto. Janis eKing (1 956) interpretaram esta mudan~a de atitudes como resultado de urn processo de autopersuasiio: a improvisa~ao exigiria uma maior reflexiio sobre urn tema, uma elaboracrao de novos argumentos e final mente estes argumentos tornar-se-iam mais salientes para 0 sujeito que era levado a reconsiderar a sua posi~ao inicial. Trata-se, assim, de uma explicacrao cognitiva para a mudancra de atitudes derivada do comportamento contra-atitudinal. Esta interpretacrao dos resultados e, no entanto, contestada por Festinger (1959). Este autor defende que a mudancra de atitudes nao se verifica pelo efeito persuasivo dos argumentos, mas pela necessidade basica de consonancia Cognitiva. Assim, seria inaceitavel para os S~jeitos na situa~ao de improvisa~ao pensar SlmuItaneamente «Eu nao concordo com a

215

guerra da Coreia» e «Eu estive a convencer pessoas a apoiarem a guerra da Coreia». Urna vez que se trata de dois elementos cognitivos incompatfveis, provocariam no sujeito uma sensa~ao de desconforto (dissonancia cognitiva) que gera uma motiva~ao para mudar algum dos dois argumentos, de modo a diminuir a dissonancia. Como os comportamentos passados sao impossfveis de mudar, tenderia a verificar-se uma mudan~a de atitude para repor a consonancia. Esta interpreta~ao do comportamento contra-atitudinal situa-se cIaramente dentro da teoria da dissonancia cognitiva proposta por este autor em 1957 . Para provar a aplicacrao da interpretacrao da teoria da dissonancia cognitiva ao caso do comportamento contra-atitudinal, Festinger e Carlsmith (1959) realizaram urn dos estudos mais famosos de Psicologia Social em que constroem uma situacrao que expoe 0 sujeito voluntariamente a urn comportamento contra-atitudinal. Este estudo, descrito em pormenor na Caixa da p. 216, mostra que e apenas quando o indivfduo nao tern outra forma de reduzir a dissonancia que mud a de atitudes. Oeste modo, a teoria da dissonancia cognitiva permite preyer que nao sao so as atitudes que orientam os comportamentos, mas que tambem os comportamentos voluntarios levam a mudancra de atitudes. Por exemplo, Pallak , Cook e Sullivan (1980) utilizaram esta perspectiva num estudo quase-experimental no terreno para incentivarem 0 comportamento de poupancra de energia electrica. Anunciaram nos jornais locais uma campanha de poupancra de energia em duas localidades dos Estados Unidos, com caracterfsticas sociodemograficas e de consumo de energia semelhantes. Anunciava-se que os agregado~ familiares que poupassem mais energia durante o perfodo de urn mes teriam 0 seu nome publicado no jornallocal. Numa das localidades. esta promessa foi cumprida, mas na outra nao , colocando assim as pessoas numa situacrao de



216

217

COMPORTAMENTO CONTRA·ATITUDINAL E MUDAN(:A DE ATITUDE (FESTINGER E CARLSMITH, 1959) Festinger e Carlsmith (1959) realizaram urn estudo em que procuravam mostrar que 0 comportamento Contra. -atitudinal s6 leva ~ mudan9a de atitudes quando 0 indivfduo nao tern outra forma de reduzir a dissonancia. Para tal criaram urna complexa situa9lio experimental para que 0 sujeito se exponha voluntariamente a urn comportamen~ contra-atitudinal. A situa~lio e a seguinte: 0 sujeito e convocado para urn estudo sobre desempenho de tarefas mecanicas. Durante uma hora executa urn trabalho propositadamente rotineiro e des interessante. No firn do trabalho o experimentador agradece-lhe a participa91io e explica-lhe que 0 estudo em que ele participou pretendia medir 0 efeito das expectativas acerca das tarefas no desernpenho. Ele tinha sido colocado numa condi~lio de controlo, em que nlio era criada nenhuma expectativa sobre a tarefa, mas a outros colegas eram induzidas expectativas positivas face a tarefa. Durante esta explica~o, 0 experimentador mostra-se ansioso, olha para 0 rel6gio e para a porta. E explica por fim ao sujeito que js esta Is fora outra pessoa para participar no estudo mas que 0 assistente que Cos. tuma induzir as expectativas positivas no sujeito ests atrasado. Pede-l he entao que substitua 0 assistente dizendo a pessoa que esta 111 fora que 0 estudo em que vai participar e divertido e intrigante (comportamento contra-atitudinal). Apenas 3 dos 51 sujeitos experirnentais recusaram 0 comportamento contra-atitudinal, e deixaram portanto de fazer parte da experiencia. Para refof9ar a dissonancia dos sujeitos, era ainda manipulado 0 pagarnento ao «assistente»: 20 d6lares (condi~lio baixa dissonancia) e 1 d6lar (condi~iio dissonancia elevada). 0 sujeito era entao instrufdo sobre 0 que devia dizer ao pr6xirno participante no estudo, que era urn comparsa do experimentador. Assim, depois de 0 sujeito the dizer que a tarefa era «divertida e intrigante» 0 comparsa dizia-lhe que achava isso estanho, porque um colega js the tinha dito que era urn trabalho rnuito rnon6tono. 0 sujeito experimental via-se entao na necessidade de improvisar comentanos elogiosos ~ tarefa. A variavel dependente do estudo era recolhida em seguida, no limbito de uma entrevista sobre a cadeira que inclufa trSs perguntas sobre 0 estudo em que acabara de participar: «Ate que ponto considera a tarefa que realizou como agradavel e interessante (-5 = nada +5 = muitfssimo)? Ate que ponto considera que 0 estudo em que participou tern importancia em termos cientfficos (I nenhum; 7 = muitissimo)? E ate que ponto estaria disposto a participar nurn estudo sernelhante no futuro (-5 = nunca; +5 = de certeza)>> . Os resultados obtidos mostram que na situa~ao de maior dissonancia (isto e, em que houve livre escolha do comportamento contra-atitudinal, envolvirnento pessoal no comportamento durante a improvisa9ao de argumentos favoraveis, e nao havia urna justifica~lio econ6mica para 0 comportamento) se veri fica uma atitude mais positiva face ao estudo. Na condirrao pagamento de 20$, as aprecia~Oes nao diferem significativamente das do grupo controlo, em que os sujeitos nao tinham de realizar 0 comportamento contra-atitudinal. Festinger e CarJsrnith interpretam estes resultados como consequencia do processo de redu~ao da dissonancia.

=

Condi~ao

Tarefa interessante

Importancia cientffica

Voltaria a participar

Controlo 20$ 1$

-0,45 -0,05 +1,35

5,60 5,20 6,45

-0,62 -0,03 +1,20

dissonancia (<<privei-me de ar condicionado, tive cuidado a desligar todas as luzes» e «niio ganhei nada com isso») que foi resolvida interiorizando a necessidade de poupar energia. Oeste modo, enquanto que urn mes depois de

terminar a campanha os nfveis de consumo de energia na primeira localidade tinham reg re ssado aos iniciais, na segunda localidade eles continuavam tiio baixos como durante 0 perfodo experimental.

1\'l udan~a de atitudes

propaganda e mudan~a de atitudes Nas duas secc;oes anteriores referimo-nos ja a bordagens da mudanc;a de atitudes . De facto, a 00 modelo da acc;iio reflectida indicava forlog de mudanc;a d e atltu . des que tm . ham que ver mas m a mudanc;a das crenc;as que a sustentam: CO d renC;as acerca das consequenclas 0 comportaC ento e crenc;as acerca da importancia das con:quencias. Assim, de acordo com os resultados ~o estudo de Vinagre (1995) que referimos na Caixa da p. 213, para sensibilizar mais as miies para a seguranc;a domestic~ dO.s filhos. ~ever-se­ -irun salientar as consequencIas posltlvas dos comportamentos de prevenc;iio e a sua importancia (par exemplo, 0 facto de a miie poder estar mais descansada quando 0 filho esta a brincar longe dela) . Tambem a teoria da dissonancia cognitiva se referia a mudanc;a de atitudes como resposta a situac;6es de dissonancia. No entanto, a pesquisa sistematica sobre as fonnas atraves das quais as atitudes podem mudar como resultado de urn processo de comunicac;iio nasceu durante a Segunda Guerra Mundial, como resultado da consciencia de que a maquina de guerra alemii usava os meios de comunicac;iio social como forma de propaganda das ideias nazis. Esta tomada de consciencia veio suscitar uma duvida importante na soc iedade enos cientistas sociais americanos: ate que POnto as atitudes mudam por exposic;iio a estas mensagens persuasivas? Qual 0 efeito da conlrapropaganda? Como deve ser construfda uma mensagem para que leve de facto a uma mUdanc;a de atitudes? Como se podem usar os media para construir atitudes? de Paul ~ass~ell, urn sociologo da Universidade 8 ColUmbia, que presidia nessa altura ao ureau of Applied Social Research, produziu A



em 1940 urn documento de sfntese intitulado «Research in Communication» que foi extremamente importante para 0 desenvolvimento da pesquisa sobre a persuasiio. Influenciado pelas ideias positivistas europeias, e tentando junta-las com a tradic;iio empirista americana, Lazarsfeld resumia 0 problema da investigac;iio sobre os temas da comunicac;iio a quatro grandes categorias: (I) quem (2) disse 0 que (3) a quem e (4) com que efeito? E este foi de facto urn paradigma muito usado na pesquisa posterior sobre a comunicac;iio persuasiva. Em termos de estudos empfricos desenvolvidos na altura, 0 livro editado por Lazarsfeld e Stanton (1944) e urn born exemplo do tipo de trabalho exploratorio feito nesta Iinha. Por exemplo, Steiner e Ottis analisaram 0 conteudo das emissoes de radio alemas dirigidas a Franc;a. Merton e Lazarsfeld analisaram os filmes, panfletos e program as de radio da propaganda americana. Estes estudos inclufam tanto a analise de conteudo aos programas e aos seus temas, como aos efeitos destes program as sobre a audiencia. Por exemplo, 0 filme feito apos 0 ataque de Pearl Harbor pelos americanos procurava salientar as potencialidades de resposta dos EU para combater 0 derrotismo e a forc;a dos adversarios para evitar a sobreconfianc;a. Os resultados mostraram que os filmes reforc;avam as respostas anteriores dos ouvintes: os que estayam derrotistas, ficavam mais por causa das referencias ao poder do inimigo; os que estavam confiantes na vitoria ainda ficavam mais pelo argumento das potencialidades americanas. Na mesma Iinha, a Secc;iio de Investigac;ao do Departamento de lnformac;ao e Educac;ao do Exercito Americano encomendou estudos especfficos sobre a mudanc;a de atitudes, tendo elaborado filmes cujos efeitos foram analisados . Por exemplo, Frank Capra foi convidado para fazer uma serie de filmes didacticos e foi definida uma equipa de psicologos sociais para



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avaliarem os impactos destes filmes que inclufam, entre outros, Anderson, Hovland e Janis. Sao estes os primeiros estudos sistematicos, onde se analisaram os efeitos do tipo de atitude anterior, das capacidades intelectuais da audiencia, do tipo de mensagem, etc. Estes estudos mostraram que os meios de comunica9ao social tinham efeitos Iimitados e nao universais na forma9ao e mudan9a de atitudes. Na mesma altura, Lazarsfeld (1940) conduziu urn estudo sobre a forma9ao de atitudes face aos candidatos presidenciais da elei9ao de 1940, mostrando que, mais do que a campanha eleitoral dos media, as pessoas utilizavam as conversas que tinham com amigos como forma de criar atitudes. Produziram entao 0 modelo das duas etapas (Two step flow) sobre os efeitos da comunica9aO, em que defendem que os media influenciam primariamente os Ifderes de opiniao, que depois divulgam a mensagem junto dos outros membros do grupo. Este modelo foi mais tarde elaborado no multi-step flow model, no qual se postula que as pessoas expostas aos media VaG depois confirmar e validar as suas ideias junto dos Ifderes de opiniao.

o modelo da comunica~ao persuasiva No seu conjunto, os resultados vindos de uma serie de grupos de investigadores independentes permitiam concluir que 0 efeito da comunica9ao persuasiva nao e imediato nem tao simples como parecia no infcio. E neste contexto de menoriza9ao da influencia da comunica9ao persuasiva na forma9ao e mudan9a de atitudes que, apos a guerra, urn grupo de investigadores de Universidade de Yale, coordenados por Carl Hovland, desenvolveu, de uma forma estruturada, urn conjunto de estudos experimentais em que se tenta mostrar os efeitos da fonte, do canal, da mensagem e do tipo de audiencia.

219

Relativamente as caracterlsticas da fOnte .. . . qUe permltJam maxlmlzar a persuasao, 0 estud classico de Hovland e Weiss (1951) ilustra be 0 urn dos atributos mais estudados: a sua credib'l~ dade. Os sujeitos recebiam para ler urn anigo Idl. jornal em que se defendia a constru9ao de SUb~ marinos nucleares atribufdo ora a urn presti. giado ffsico americana (Robert Openheitner) ora a uma fonte pouco credfvel (0 jomal So vie. tico Pravda). Os resultados obtidos nUtna medi9ao da atitude acerca da energia nuclear mostraram que os textos atribufdos a uma fonte pouco credivel tendiam a ser vistos como tnais enviesados do que os que eram atribufdos a fontes crediveis, cujo texto leva a uma tnaior mudanya de opiniao, mas que, no entanto, nlio durava mais do que algumas semanas. Mas neste caso a manipulay30 da credibilidade da fonte confundia dois dos seus atributos, que mais tarde foram estudados separadamente: 0 facto de se ser ou nao especialista no tema por urn lado (Aronson, Turner e Carlsmith, 1963) e o facto de se ter ou nao confian9a na fonte (Walster, Aronson, Abrahams e Rottman, 1966). Para alem da credibilidade da fonte, outros dois factores tern sido estudados como importantes no processo de persuasao: 0 grau de atrac9ao da fonte e 0 seu estatuto social. Assim, tal como vimos no caso da atrac9ao interpessoal, comunicadores bonitos (ate porque sao considerados mais inteligentes, como mostraram Clifford e Walster, 1973) sao mais influentes do que cornunicadores menos atraentes (Chaiken, 1979); os comunicadores semelhantes a nos (Brock, 1965) ou pertencentes ao mesmo grupo que nos (Kelley, 1955) tambem nos influenciam mais do que fontes muito distantes. As caracterfsticas da propria mensagem persuasiva tambem foraJ1l muito estudadas, e apresentamos apenas algUmas das variaveis estudadas pelo grupo de Yale. Janis e Feshbach (1953) mostram que 0 apelo aO ~o medo, quando moderado, aumentava a aceitaqa

argumentos da fonte. Hovland e Mandell dOS ) mostraram tam bern que a persuasao e S2 (19. quando a conclusao e deixada implfcita Or ",al . I mente ,,, ue quando eI a 'e exp I"ICltada, especla do q maS simples. Hovland et al. (1949) demonse(11 te 0 maior poder persuasivo de uma men1f8(11m que apresente apenas urn dos lados da ageta~o comparativamente com mensagens em ques se apresentam argumentos para as duas queiqoes em confronto, embora isso apenas se pos e paFa os individuos ja com atitudes pass ., . d d - F' I t voraveis e balxos mvels e e uca9ao. maaente, OS atributos da audiencia foram tam bern :nsiderados, desde a analise de variaveis sociodemognifIcas como 0 genero (Hovland e Janis, 1959), ate variaveis psicologicas como a autoestima (Janis, 1954). o modelo teorico de que partiram para a sistematiza~ao destes resultados (Hovland, Janis e Kelley, 1953) pressupoe que 0 impacto da comunicaqiio se de em tres fases sucessivas: aten9ao a mensagem, com preen sao do seu conteudo e aceita~ao das suas conclusoes. A mudanya de atitude estaria assim dependente de processos anteriores (aten9ao, memoria, compreensao). Alguns anos mais tarde, McGuire (1968) desenvolve estes processos identificados pela escola de Yale numa sequencia do processamento da informa9ao em 5 etapas, em que a falha em qualquer delas faria terminar 0 processo: (I) aten~lio, isto e, para haver persuasao a audiencia tern de estar atenta a mensagem; (2) compreensao, isto e, para haver persuasao, a audiencia tern ~e compreender os argumentos que ouviu e idenhficar 0 significado da mensagem; (3) ace ita9ao, Isto e, a audiencia tern de concordar com as conc\usoes apresentadas; (4) reten9ao, isto a ;udan9a de atitude deve manter-se na memoria d:ante alg~m tempo; (5) aC9ao, isto e, a mu~a de atltudes deve ter consequencias compartatn . Isto quer dizer, por exemplo, que se Urn entals. I" po ItlCO quiser convencer os eleitores a

e,

votar favoravelmente num dado referendo, primeiro deve tentar conseguir a atenyao da sua audiencia (por exemplo, utilizando fontes atraentes, aumentando 0 volume do som em que emitida a campanha eleitoral, ou despertando a curiosidade da audiencia atraves de imagens inesperadas), depois desenvolver argumentos adequados as capacidades de compreensao da audiencia, e finalmente leva-Ia a aceitar a sua conclusao. Oepois da exposi9ao a mensagem, ela deve ser suficientemente forte para que a audiencia se lembre dela e que vote depois a seu favor quando forem as elei90es. Normalmente, nos estudos tipicos de persuasao so sao analisadas as tres primeiras etapas descritas por McGuire. Mais tarde, este autor (1972) combinou as duas primeiras etapas numa unica que designou recepriio da mensagem, e que seria uma importante variavel mediadora no processo de persuasao, facto que tern sido confirmado, especialmente em contextos laboratoriais (Eagly e Chaiken, 1993). Uma outra preocupa9ao da escola de Yale foi estudar factores de resistencia a mudan9a de atitudes. Lumesdain e Janis (1953) verificaram que conseguiam mudar as atitudes de estudantes universitarios expostos a mensagens persuasivas, mas que esta mudan9a so se mantinha face a posi9ao contraria quando a mensagem inicial inclufa argumentos bilaterais. Nas palavras de Hovland et al. (1953), «Parece que quando feita uma apresentarrao bilateral, 0 ouvinte e levado a aderir a uma posi9ao que toma em considerayao os argumentos contrarios. Oeste modo, esta-se-Ihe a dar uma base para ele ignorar ou dar urn desconto aos argumentos contrarios, ficando assim inoculado contra comunica90es que advoguem uma posiyao contraria» (p. 143). McGuire (1964) vern mais uma vez desenvolver estas ideias, identificando duas formas atraves das quais a nossa experiencia passada pode fortalecer a resistencia a mudan9a de atitude. Utili-

e

e

.. 220

221

zando como metafora 0 que se passa com 0 nosso organismo, podemos fortalecer-nos contra uma doen
Duas vias para a

mudan~a

de atitudes

Esta constata
discriminar os processos cognitivos que ew base da persuasao. Chaiken (1980, 1987) e ~o na e Cacioppo (1981, 1986) vern exactamente etty por uma nova forma de abordar 0 process:ro. persuasao, obrigando a uma re-Ieitura da in de tiga
. eira, que aprendemos durante a nossa vida ,Iglb OS evitam ter de dar muita aten
(maior no video de que na mensagem escrita) determina a radicaliza~ao da mudan


222 teoria da probabilidade da elabora~ao apenas salienta que a via periferica para a persuasao recorre a uma menor elabora~ao cognitiva das mensagens, sem recorrer (mas tambem sem excluir) ao processamento automatico. 0 conceito fundamental neste modelo e entao 0 de elabora~ao, isto e, 0 grau em que a pessoa pensa nos argumentos relevantes existentes na mensagem. Oeste modo, a via central de processamento que implica uma elevada elabora~ao da mensagem pressupoe que a pessoa avalie a informa~ao relevante sobre 0 objecto, de acordo com 0 conhecimento que ja possui dele, e chegue, de forma ponderada mas nao necessariamente objectiva, a uma atitude que integre a informa~ao obtida. A via periferica, implicando uma menor elabora~ao cognitiva, vai mini mizar a informa~ao escrutinada, e a mudan~a de atitudes da-se com base em processos cognitivos que exijam fraca elabora~ao. De acordo com qualquer destes dois model os, uma mudan~a de atitude semelhante em dois individuos pode ter sido efectuada por vias completamente diferentes. Vejamos entao em que condi~oes cada uma destas modalidades de processamento e utilizada, e depois quais as suas consequencias. o modelo apresentado por Petty e Cacioppo (1986; ver Figura 4) identifica duas condi~oes basicas que influenciam a probabilidade de elabora~ao das mensagens persuasivas: capacidade e motiva~ao. Assim, em temas que tenham pouco interesse para os sujeitos, em que eles estejam pouco envolvidos, ou para as quais eles tenham poucos conhecimentos e possivel que muita da comunica~ao persuasiva seja processada de forma pouco elaborada (processamento periferico ou heuristico), desde que estejam presentes indices perifericos (se a fonte e atraente, urn especialista, se da muitos argumentos, etc.). No entanto, quando 0 envolvimento e maior, ou quando os individuos tern conhecimentos na

materia, e mais provavel 0 recurso a uma III . .. alor e Iabora~ao cogmhva. De acordo com a (muita) investiga~ao efl tuada neste dominio, a motiva~ao mostr ec, a's importante em pelo menos tres aspectos E e primeiro lugar, quando e importante ser pr'e . ill CISO no julgamento que se faz (quando se e resp , I pe Ia deClsao, . save se tern de prestar contasOn, alguem pela escolha ou quando ha divergenci a grandes sobre a decisao a tomar), 0 proc as samento da informa~ao e mais elaborado. ;~. exemplo, Petty, Harkins & Wiliams (1982; mostraram que quando os sujeitos eram 1evado s a acreditar que tinham responsabilidade pessoaJ na avalia~ao de urn texto eram mais sensiveis a qualidade dos argumentos do que quando achavam que a sua avalia~ao ia ser dilufda nUIll conjunto de mais nove juizes. Uma outra forma de concretizar elevados niveis de motiva~ao e0 tema em analise ter relevancia pessoal OU incidencias grandes para os individuos. Petty e Cacioppo (1984) apresentam a estudantes universitarios urn texto escrito por urn administrador da Universidade. Os sujeitos eram informados de que este administrador pertencia a urn grupo que estava a trabalhar em modifica~oes na Universidade, que teriam efeito no ana seguinte (condi~ao de alto envolvimento) ou daqui a dez anos (condi~ao de baixo envolvimento). Urn dos temas que discutem actualmente nesse grupo seria a cria~ao de urn exame final antes da obten~ao do grau de licenciado. Os sujeitos eram depois confrontados com urn texto em que 0 autor defendia estas provas utilizando tres ou nove argumentos, pre-testados como fortes ou fracos. Os resultados mostram que quando 0 envolvimento e baixo ha urn efeito simples do numero de argumentos apresentados, mas quando 0 envolvimento e alto, os sujeitoS diferenciam claramente os bons dos maus argumentos e nao se deixam influenciar pelo numero . '0 de argumentos. Por fim, esta maior mouvaya

223

FiGURA 4

Representa~ao

Comunic~ao

esquematica do modelo de probabilidade de elabora~o (Petty e Cacioppo, 1986)

persuasiva MUDAN~A

PERIFERIA de atilUdes

Sim

Nao

Sim Mudanya da estrutura cognitiva

MANTEMa atilUde inicial

MUDAN~A

CENTRAL de atilUdes

pode estar dependente de algumas caracteristiCas da personalidade do individuo. Pessoas com elevadas necessidades de cogni~ao, isto e, pessOas que gostam de pensar sobre os problemas, realizar quebra-caberas, etc., estao mais disponi . T VelS para gas tar tempo e esfor~o a processar Illensagens de uma forma sistematica (Cacioppo et al., 1983). Outra dimensao importante e 0

nivel de automonitoriza~ao. As pessoas com urn elevado nivel de automonitoriza~ao, ou seja, dando muita importancia ao que os outros possam pensar, sao mais sensiveis a indices heuristicos, a publicidade baseada em imagens e emo~oes, do que os individuos com urn nivel baixo de automonitoriza~ao (Snyder e DeBono, 1985).



224

colTlPortamento. De facto, atitudes formadas a niveis de elabora~ao elevados tenderao a ter co(1l tido e incorporado contra-argumentos, e reb: lTlodo teriam inoculado 0 individuo (na lindeseelTl de MG') . 1taneamente c urre e sen.am Slmu gu~gS acessfveis (na linguagem de Fazio). Pelo [JIaI trMio atitudes formadas com base numa elacon dio cogmtIva ' ., f raca, atraves ' da uti'1'lza~ao - de bOraT d ' b 'fi' . , uris ou e atn utos pen encos a argumenbe ticas ., , . . d -O seriam mrus mstavelS e menos assocla os laya , s comportamentos, porque 0 seu processo de aO .' 1 elaborayao fOl mUlto menos comp exo. O

DAR 0 GOLPE NAS FOTOC6PIAS Muitos estudos se centraram na mudan~a de atitudes e de comportamentos como resposta a mensagens pe csuasivas e nas caracterfsticas que deveriam ter estas mensagens para aumentar 0 seu poder de influSncia sobre Os alvos. Num trabalho muito simples, Langer e colaboradores (1978) estudaram um dos aspectos que poderiam influenciar a persuasao: a existencia de uma boa justifica~ao para 0 pedido. Assim, criaram condi~i5es experimentais que aplicaram na fila de espera para as fotoc6pias numa universidade Americana. Na condi~ao controlo pediam apenas ao sujeito que estava afrente na fila: «Deixa-me passar it frente s6 para tirar estas c6pias?». Na primeira condilriio experimental acrescentavam uma justific~ao irrelevante: «Deixa-me passar it frente s6 para tirar estas capias porque tenho de tirar estas c6pias?», enquanto que na segunda condi~ao experimental a justific~ao era relevantc; "Deixa-me passar A frente s6 para tirar estas c6pias, porque estou com pressa? Havia ainda uma outra varibeI manipulada - 0 envolvimento do sujeito: 0 estudante que fazia 0 pedido ora tinha 5 c6pias para fazer (condilriio de baixo envolvimento) ora tinha 20 c6pias (condi~ao de alto envolvimento). Tal como 0 modelo da probabilidade de elabora~iio preve, no caso de baixo envolvimento encontraram um ntlmero maior de respostas favoniveis quando o pedido era acompanhado de umajustific~ao (qualquer que eia fosse) do que quando nao haviajustifica~ao . Mas no caso de haver um alto envolvimento, isto e, quando 0 pedido implicava custos maiores para 0 sujeito, os sujeito~ discriminavam entre os dois argumentos e acediam mais frequentemente ao pedido acompanhado de uma justific~ao relevante.

Tambem a capacidade dos sUJeltos inc1ui diversos aspectos, desde a possibilidade de concentra~ao, os conhecimentos ou a capacidade de processamento da infonna~ao. Assim, Petty, Wells e Brock (1976) mostraram que a existencia de distractores fazia com que os sujeitos nao discriminassem entre a quaIidade dos argumentos, enquanto que quando 0 Divel de distrac~ao era mais baixo a persuasao s6 se dava quando os sujeitos eram confrontados com argumentos fortes. Os estudos sobre os conhecimentos anteriores dos sujeitos mostram que quanta maior e o nivel de conhecimentos sobre urn tema, maior e a discrimina~ao da qualidade dos argumentos, e, deste modo, mais a persuasao esta dependente de urn processamento por via central. Wood, Kallgren e Priesler (1985) identificaram 0 nivel de conhecimento sobre questoes ambientais de estudantes universitanos e posterionnente expuseram-nos a mensagens contra a conserva~ao de espa~os verdes, utilizando argumentos pre-testados como fortes ou fracos. Os resulta-

dos mostram que os individuos com mais conhecimentos, apesar de estarem sempre mais contra a mensagem do que os que tinham menos conhecimentos sobre 0 tema, discriminavam melbor entre as mensagens com argumentos fracos e fortes do que entre os que tinham baixos nlveis de conhecimentos. Por fim, a capacidade cognitiva dos individuos (nomeadamente 0 desenvolvimento cognitivo) e 0 seu treino a ler e interpretar infonna~ao tecnica (quadros, graticos, f6nnulas) influenciam muito 0 tipo de processamento da mensagem: crian~as, e pessoSS com menor treino tecnico, tendem a uma baixa elabora~ao da mensagem. Relativamente as consequencias destas duss ionnas de processamento para a mudan~a de atitudes, a pesquisa tern mostrado sistematicamente que as atitudes fonnadas ou mudadaS utilizando urn processamento sistematico sao mais estaveis, resistentes a mudan~a e a contra-argumenta~ao e mais consistentemente ligadas

Conclus30

o dorninio

das atitudes, apesar de ser dos roais antigos e estudados em Psicologia Social, encerra ainda muitos desafios para a investigayao nos pr6ximos anos. 0 acentuar do seu carlz avaliativo na fonna como e actualmente defmido 0 conceito veio saIientar que muita da

225

pesquisa realizada noutros dominios tao diferentes, como 0 das rela~oes intergrupais, das rela~oes interpessoais, do comportamento organizacional, do self ou da influencia social, devera ser compatibilizado com a literatura das atitudes. Esta tarefa nao e simples porque temos vindo a assistir a uma especializa~ao grande por areas de investiga~ao e nao e evidente que quem domine uma destas areas especificas domine tambem as atitudes. No entanto, no caso das rela~oes intergrupais, esta ponte esta a ser iniciada e podera revelar-se frutuosa para ambos os dominios. Outro aspecto que desafia a investiga~ao neste. tema e a questao do caracter automatico ou controlado do pensamento atitudinal. Se nos ultimos dez anos esta area de pesquisa muito apoiada na psicologia cognitiva tern permitido grandes avan~os na compreensao quer da rela~ao entre atitudes e comportamentos quer na mudan~a de atitudes, ha ainda muito trabalho para reaIizar. Espero que este capitulo interesse alguns dos leitores a dedicar-se a ele.

CAPITULO IX

o inferno sao os outros:

o estudo da influencia social Leonel Garcia-Marques

1.

Introdu~ao

Caro lei tor: tenho urna serie de perguntas a que gostaria que respondesse. Nao se importa? Entio vamos c0ll!e~ar: Se the dessern a escolher entre urn vinho razoavel e urn vinho no qual houvesse vinagre misturado, qual escolheria? Tern a certeza? Se the perguntassem se frequentar a escola e ou nao algo de benefico, que responderia? De certeza? Se lhe dissessem que a esperan~a de vida de urn adulto do sexo masculino em ~ortugal e de 25 anos e que 65 por cento da popula~ao tern mais de 65 anos de idade, concordaria? E se lhe dissessem que 0 ditado popular «de pequenino e que se torce 0 pepino» quer dizer que oao se aprende nada a seguir a infancia, apoiaria tal interpreta~ao? Nao? E se estivesse a participar numa experiencia de aprendizagem, chegaria ao ponto de punir os erros de alguem com choques electricos que PU~ssem em risco a vida dessa pessoa? Nunca, POlS nao? Se eu fosse a si nao estaria tao seguro, e sabe POrque? Porque grande parte dos sujeitos que

partlclparam em experiencias de influencia social fizerem e disseram coisas assim (Campos, Folgado, Neves e Roda, 1986; Allen e Wilder, 1980; Milgram, 1963; Tuddenham e.McBride, 1959). E sobre a explica~ao destas e doutras bizarrias que versa este capitulo.

1.1. 0 que i a influencia social A influencia social foi definida por Secord e Backman (1964) como ocorrendo quando «as ac~oes de uma pessoa sao condi~ao para as ac~oes de outra» (p. 59). Ou seja, podemos dizer que 0 comportamento de alguem foi influenciado socialmente quando ele se modifica em presen~a de outrem. E preciso notar que para que esta defini~ao se adeque ao campo .da psicologia social onde se originou e necessario acrescentar que esta «presen~a de outrem» nao e necessariamente real. Esse outrem pode ser apenas imaginado, pressuposto (Crutchfield, 1955) ou antecipado (Allport, 1954) sem que os fen6menos sobre os quais nos debru~aremos cessem de ocorrer. De resto, esta defmi~ao, se bern que consiga abarcar perfeitamente as areas de estudo



228 da influencia social como· 0 confonnismo, a inovaffao, a polarizaffao de grupo, a obediencia, etc., tambem conseguini facilmente abranger os temas tratados nos outros capftulos deste livro, ou seja, uma boa parte da Psicologia Social. Se tal facto e, por urn lado, indicaffao de que esta definiffao e, talvez, demasiado lata, e, por outro, sinal da prioridade do conceito de influencia social na constituiffao da propria Psicologia Social (Sherif, 1936). Conservando esta definiffao por aquilo que indicia, e, no entanto, util dispor de uma definiffao suplementar, uma «definiffao de trabaIho», que nos pennita delimitar mais pragmaticamente esta area de pesquisa. Essa definiffao, ja apresentada noutro lugar (Garcia-Marques, 1987 a), e a seguinte: «Na pratica [... ], 0 cabeffalho "Influencia Social" em trabalhos de psicologia social indica a sua inclusao nas linhas de investigaffao experimental iniciadas por Sherif e Asch» (p. 1). E por isso daremos prioridade a apresentaffao destas duas grandes linhas de investigaffao, acrescentando-lhes a discussao dos paradigmas experimentais em que surgiram, em Psicologia Social, 0 estudo da inovaffao e da obediencia 1.

1.2. A influencia socia.l: como tem sido

estudada A definiffao pragmatic a acima apresentada pode parecer demasiado restritiva. E, sem duvida, restrita, mas essa sua caracterfstica nao faz mais do que reflectir 0 modo como a influencia social tern sido estudada em Psicologia Social. De facto, nada de mais comum existe na evoluffao de uma disciplina cientffica do que a redefiniffao ciclica do seu objecto de estudo em I

tennos cada vez menos vagos (Kuhn, 1970) E se essa redefiniffao e, algumas vezes, gUiad' conceptual ou estrategicamente, muitas OUtt a sucede a partir de uma analise minuciosa de pat~ digmas experimentais bern aceites e estabeleci. dos na investigaffao de urn dado problema. Da' que, se, na infancia de muitas areas de estudo 1 delimitaffao de uma tematica segue de pe~~ aquela que poderia ser feita por urn leigo inte. ligente, na sua maturidade essa delimita9iio prende-se, quase sempre, ao conjunto de meto. dologias que vieram a ser usadas para a estudar. Por isso, muitas vezes, a experimentaffao tern urn papel mais central do que a teoria (Hacking, 1984; Kuhn, 1978), desenvolvendo-se uma disciplina nao apenas pela investigaffao de urn problema mas tambem pel a investigaffao dos problemas criados pelos metodos utilizados para o estudar. Em influencia social foi muitas vezes isso que aconteceu. As questoes a estudar nao tern sido tanto «0 que e a influencia social», que processos psicologicos Ihe sao inerentes, que fenomenos se podem explicar recorrendo a este conceito, etc., mas antes, por exemplo, «como se pode explicar 0 que ocorreu nas experiencias de Asch». Enecessario acrescentar que, apesar disto, alguns investigadores tern tornado estes paradigroas experimentais como analogi as ou modelos siroplificados da realidade social (e.g., Moscovici, 1976; Mugny, 1981; Sherif, 1936). Tais analogias tern, contudo, sido alvo de intensa crftica metadologica (McGuire, 1983; Turner, 1981). De qualquer modo, as consequencias deste processo sao evidentes na evoluffao desta area de estudo, a quantidade de investigaffao sobre determinados temas nao reflecte apenas 0 seU interesse substantivo, reflecte tambem a relevancia destes para a compreensao dos processos

Topicos afins aos apresentados neste capitulo. como. por exemplo. a

(groupthink) sao discutidos em lesufno (neste volume).

polariza~ao grupal e

0

pensamento grupal

'acentes aos paradigmas experimentais mais SU~ecidOS. So para i1ustrar este ponto, bastara ~o rrogarmO-nOS sobre a razao pela qual a ~nflte encia social tern sido quase sempre estudada ,n U contextos de mudanffa de comportamentos, em. des ou crenffas. N " 0 concelto de ao -tera aUtu . 1 1 ~ . 'nfluencia sOCia re evancla para a compreensao ~os fenomenos de estabilidade dos comportamenWs, das atitudes e das crenffas? Provavelente tera, mas, como veremos, so a mudanffa e ~gnificativa nas situaffoes criadas por Asch, ~ilgram e Moscovici. Por isso, implicitamente, a infiuencia social e considerada, muitas vezes, comO algo que necessariamente opoe indivfduo e grupo. E, contudo, e quase certo que 0 grupo pode contribuir em muito para a estabilidade das orenyas individuais ...

2. A intluencia social as escuras: as cxperiencias de M usafer Sherif 2.1. Introdu fiio Apesar de 0 conjunto de experiencias que iremos discutir seguidamente ser uma contribuiffao decisiva para 0 estudo da influencia social, nao deixa de ser curioso verificar que as razoes que as motivaram sao muito mais gerais do que uma simples tentativa de abordagem desta tematica. De facto, Sherif procurava lanffar as bases para uma verdadeira psicologia social, procurando Partir de process os psicol6gicos basicos e bern documentados na investigaffao do comportarnento dos indivfduos para a compreensao das suas consequencias ou transfonnaffoes em contextos sociais (Sherif, 1936, 1937). Nestas experiencias, Sherif tomou como p?nto de partida urn conceito central da psi cologIa, 0 de «quadro de referencia». Este conceito

229 refere-se a tendencia generalizada que os indivfduos apresentam para organizar as suas experiencias, estabelecendo relaffoes, em cada momento, entre estfmulos internos ou externos, criando unidades funcionais que fomecem limites e significado aquilo que e experimentado. Urn simples e conhecido exemplo sera suficiente para compreender 0 que estamos a aludir. Se colocannos uma mao em agua fria e depois a mergulhannos em agua morna, a agua morna parecer-nos-a quente. Se colocannos uma mao em agua quente e depois a mudannos para agua morna, a agua mom a parecer-nos-a fria. Porque? Basicamente, porque as sensaffoes nao dependem apenas das qualidades da estimulaff ao mas tambem, em muito, da situaffao de cada sensaffao num dado quadro de referencia subjectivo, onde se relaciona com outras experiencias relevantes e acessfveis do indivfduo. Neste caso, a sensaffao da temperatura da agua depende sempre de uma comparaffao implicita com a experiencia imediatamente anterior. Este fenomeno da organizaffao da experiencia a volta de urn quadro de referencia e tao geral que Sherif nao teve dificuldade em inventariar dados empfricos relevantes em areas de estudo tao divers as como a percepffao, a estimativa de grandezas ffsicas, a memoria, 0 afecto ou a personalidade. o autor, tornado este ponto de partida, estava interessado em tornar mais claro este processo, i1ustrando 0 mais precisamente possfvel 0 papel da actividade subjectiva de cada indivfduo na criaffao destes quadros de referencia. Este era 0 seu problema psico16gico basico, mas Sherif nao se quedava por aqui, considerava este processo como 0 fundamento psicologico que se encontrava na base da fonnaffao de nonnas culturais como fen6meno generalizado (Sherif, 1935, 1936). Quer dizer, e evidente que as regras de conduta e os costumes variam imenso de povo para povo, de regiao para regiao, mas

, 230

nao e menos evidente que existe algo de constante nesta varia~ao, e esse algo e a existencia de regras de conduta e de costumes em todos os povos e em todas as regioes. A uniformidade de padroes dentro de uma mesma cultura, que vai desde a maneira de usar os talheres a mesa ate as formas que 0 enamoramento assume, e algo que desde ha muito chamou a aten~ao dos cientistas sociais. Ora, segundo Sherif, esta universalidade era sintoma de urn fundamento psicol6gico comum. Dai que 0 autor, ao estudar a forma~ao de quadros de referencia, pretendesse aclarar 0 modo como as atitudes e cren~as (quadros de referencia individuais) se inter-relacionam, desde a sua genese, com as normas grupais e culturais (quadros de referencia sociais). E tanto que Sherif queria ac1arar 0 assunto que achou por bern apagar as luzes do laborat6rio.

2.2. No laboratorio as escuras Sherif precisava de uma situa~ao em que nao fossem aplicaveis regras anteriormente aprendidas, que fosse instavel e ambigua. Porque? Porque pretendia demonstrar 0 mais c1aramente possivel a ac~ao da tendencia para a organiza~ao das experiencias em quadros de referencia. Dai que nada melhor do que colocar individuos numa situa~ao onde lhes faltassem tanto padroes aprendidos de conduta como consistencia objectiva - se assim mesmo 0 comportamento destes individuos exibisse coerencia, esta s6 poderia advir desta tendencia subjectiva para a organiza~ao . Ora, existe urn fen6meno perceptivo que caia que nem sopa no mel: 0 efeito «autocinetico». Este efeito foi, pel a primeira vez, identificado na astronomia. Humboldt, ao observar 0 firmamento do alto de uma enorme montanha, notou movimentos nas estrelas ate ai desconhecidos. o entusiasmo por esta descoberta esmoreceu quando Schweizer demonstrou que estes movi-

231

mentos nao podiam possuir realidade fisica. E verifica~ao nao foi dificil, bastou demonstrar Sta ·s: ' b qUe dllerentes astronomos 0 servavam ao Ines .s: . rna tempo dllerentes movlmentos na mesma estrel Se este fen6meno nao reflectia nenhuma reaJ.~· dade fisica, 0 que era? Era evidentemente U 1fen6meno perceptivo, alias bastante faci} : reproduzir. Basta colocar urn individuo nUrne sala completamente escura (de preferencia and: ele nunca esteve) e acender uma luz fraca durante urn momento. Este vera a luz mover-se. Se repe_ tirmos a experiencia por vanas vezes, 0 individua vera a luz mover-se por diversos pontos da Sala e em divers as direc~Oes. 0 que e interessante e qUe isto acontece enquanto a luz esteve sempre Uno. vel. E se pedissemos a esse sujeito para estimar a extensao do movimento da luz? Born, nesse caso obteriamos precisamente a situa~ao em que nao existem regras anteriores aplicaveis nem consistencia objectiva de que Sherif necessitava! E foi isso mesmo que Sherif (1935, 1936) fez, usando sempre 0 mesmo dispositivo experimental (ver Figuras 1 e 2), mas fazendo as adapta~oes necessanas para abordar diversas questoes, que foram principalmente ~s seguintes:

j) quando 0 experimentador fomece indiDeS sobre a correc~ao das estimativas.

mento dos outros como padrao organizador do seu pr6prio comportamento.

2. Que efeito ~ode, t~r a sugesUio na direc~ao Illovirnentos dusonos percebidos? dosAs bipoteses d ' eram as seguintes: on d e partla

Para alem destas hip6teses mais ou menos explicitas, Sherif (1935, 1936, 1937) enunciou urn conjunto de questoes que iremos apresentando ao falar de cada modalidade de experiencias realizadas pelo autor.

Cay

a)

Urn indivfduo colocado s6 numa (e. g., exposi~ao

situa~ao

ao efeito autocinetico) em que nao disponha nem de conhecimento anterior relevante nem de urn quadro objectivo de referencia ira organizar a sua experiencia a partir do seu pr6prio comportamento; b) se urn grupo for colocado na mesma situa~ao, cada individuo adoptara 0 comport a-

Experiencias individuais Serie um

o estimulo luminoso era urn pequeno ponto de luz que podia ser visto atraves de urn pequeno orificio de uma caixa de metal (ver

FIGURA

I

Esquema da saIa das experiencias (Sherif)

1-----3.3a-----I'1

EscaIa:

um metro I

B - Bolio sinalizador E - lixpenmcuiador K - Tecla Ms - Ecri m6vcl S - SujeilO Sc - Ecri Sg - Luz sinalizHdora

1. Como varia a extensao do movirnento ilus6rio percebido em vanas condi~oes? A saber:

Sh - Tamplo St - Luz~ulo

T - Mucador

a) ao longo das estimativas sucessivas de urn b)

c)

d)

e)

individuo isolado; numa situa~ao de grupo; quando urn individuo e trazido para urn situa~ao de grupo, depois de ter experimentado a situa~ao sozinho; quando urn indivfduo e deixado so na situa~ao, depois de a ter experienciado em grupo; quando urn indivfduo e colocado na situa~ao em conjunto com sujeitos que receberam indica~oes do experimentadOr para fomecerem determinados tipos de estimativas;

I

W - Cron6metro

E

'"

• 232

Figura I). A luz era apresentada ao sujeito quando se levantava uma portinhola que se encontrava em frente do oriffcio. A distancia que mediava entre 0 sujeito e 0 estfmulo luminoso era de cinco metros. 0 sujeito estava sentado a uma mesa onde se encontrava uma tec1a de telegrafo. Era-Ihe explicado que depois de a sala ficar completamente escura, ser-lhe-ia mostrado urn ponto luminoso. A sua tare fa era a de premir a tec1a assim que esse ponto luminoso surgisse e que, logo apos 0 seu desaparecimento, estimasse a distancia que esse ponto luminoso tinha percorrido. Os sujeitos fomeciam em voz alta a sua estimativa (em polegadas), que era registada de imediato pelo experimentador. Cada sujeito fomecia cern estimativas. No fim dessas estimativas cada sujeito respondia a tres perguntas: «Foi diffcil fazer uma estimativa da distancia? Se sim, exponha as razoes. Mostre com urn diagrama como se moveu a luz. Tentou usar algum metoda proprio para aperfei'roar as suas estimativas?» Os resultados mais interessantes foram que, apesar de se registar uma enorme varia'rao interindividual nas estimativas apresentadas, cada sujeito definiu urn intervalo idiossincratico para os seus jufzos, oscilando a volta de urn ponto medio cedo encontrado. Por exemplo, as medianas das estimativas dos dezanove sujeitos utilizados foram de 0,36 a 9,62 polegadas, enquanta os intervalos variaram em extensao desde 1,25 polegadas ate as treze polegadas. Os dados relativos as respostas fornecidas as perguntas mostraram que os sujeitos acharam a tarefa diffcil precisamente pela ausencia de ponto de referencia (por exemplo, urn sujeito afinnou na sua primeira resposta que a tarefa era diffcil porque «nao existiam objectos proximos», outro porque «nao existia urn ponto fixo pelo qual julgar a distancia»). Ainda mais interessantes foram as respostas a pergunta sobre as estrategias uti-

233

lizadas. Por exemplo: «Comparei com a distanc. , . . . 1 la preVia», ou «comparel JU gamentos sucessivos ou ainda «primeira estimativa como padrao» »

. a~iio, desenvolveram quadros de referencia

~I~ ssincniticoS e estaveis, definindo implici-

IdiOente um padrao (urn ponto medio) e urn ~aIll rvalo aroda desse padrao. Fica assim Inte ons trado que a ten dencla PSICOI'· oglca para a deIl1 . - ' · d0 que urn simp · 1es to_organlza~ao e mms aU • - d fIel o da orgamza~ao 0 contexto em que os ~divfduos coexistem. Finalmente, e de real~ar In e a estabilidade destes quadros de referencia qu . - ,. , I ,. d . dividuaIS nao e Imutave - urn comentano 0 :perimentador pode levar a sua reconstru~ao.

QUADRoI Estrutura das series de grupo

A

Experiencias individuais Serie dois A segunda serie de experiencias pretende apenas aferir a estabilidade deste fenomenoU Com esse fim levaram-se os sujeitos a realiz~ trezentas estimativas em diversos dias da mesilla semana. Os resultados demonstraram que, ullla vez criado urn intervalo subjectivo e urn ponto medio dentro desse intervalo, existe uma fone tendencia para a sua manuten'rao. Experiencias individuais Serie tres Nesta terceira serie (Sherif, 1937) foram seguidos os mesmos procedimentos experimentais, mas introduziu-se uma varia'rao importante: a certa altura da sucessao de estimativas. o experimentador dizia que as estimativas estayam a ser demasiado altas (ou baixas). Os resultados desta modifica'rao foram bastante notaveis. Os sujeitos alteravam consideravelmente 0 seu quadro de referencia (ponto medio e intervalo) na direc'rao sugerida pelo comentario do experimentador. Experiencias individuais Conclusoes As principais conc1usoes destas duas series de experiencias podem sintetizar-se do seguinte modo: Colocados numa situa'rao ambfgua e nao dispondo de aprendizagem anterior relevante, oS sujeitos das experiencias de Sherif, ao inves de a reflectirem a desorganiza~ao inerente a ess





(Sherif)

Situaliio inicial Ordcm das sessOes

Individual

Grupo

I

Individual

Grupo

{I, 2,3}

Experiencias de grupo Serie urn Os procedimentos utilizados foram basicamente as mesmos das series anteriores. A principal diferen~a foi a utiliza~ao simultanea de vanos sujeitos em grupos de dois ou de tres. Assim, as instru~oes incluiam tambem urn pedido aos sujeitos para que fossem alterando a ordem em que respondiam. AMm destas ligeiras modifica'roes no procedimento experimental, algumas perguntas foram acrescentadas ao questionano pos-experimental. Referiarn-se, no essencial, a consciencia de que dispunharn tanto do seu quadro de referencia como da influencia que os outros tiveram no seu estabelecimento. Foi tambem omitido 0 pedido de urn diagrama do movimento que a luz descrevera. para diminuir a possibilidade de que os sujeitos se dessem conta da ilusao. Nesta primeira serie de experiencias, os su~eitos, depois de experienciarem a situa~ao aClIDa descrita em tres sessoes de cern estimativas, em diferentes dias, eram submetidos a uma qUatta sessao, esta individual (ver quadro I). Procurava-se assim verificar nao so a influencia queo . d· s In Ivfduos tinham uns nos outros durante as sessoes de grupo, mas tambem ate que ponto essa infl uencla se estendia para situa'roes em qUe 0 indivfduo se encontra isolado. A



II

Grupo

Grupo

III

Grupo

Grupo

N

Grupo

Individual

{I, 2, 3}

Experiencias de grupo Serie dois Esta segunda serie de experiencias so diferia da primeira no conteudo das quatro sessoes. Nesta segunda serie, cada indivfduo participava primeiro numa sessao individual e posteriormente em tres sessoes em grupo (ver quadro 1). Neste caso, procurava-se verificar ate que ponto urn padrao individual, que sabemos de grande estabilidade, se mantem em situa'roes de grupo. Experiencias de grupo Resultados e conclusOes das series urn e dois Os resultados foram extremamente interessantes e sao apresentados nas Figuras 2 e 3. Ai se toma facil verificar que: a) quando os indivfduos come~am as suas estimativas em sessoes individuais os seus

• 235 234

b)

c)

d)

e)

padroes (pontos medios) e intervalos variam muito mais do que quando a primeira sessao em que participam e de grupo; a variac;ao nas sessoes individuais reduz-se muito se os individuos a experimentam depois de passarem pelas sessoes de grupo; a convergencia que se verifica nas sessoes de grupo diminui se os sujeitos ja passaram por sessoes individuais; a convergencia que se verifica nas sessoes de grupo nao acontece aroda da media dos vanos padroes individuais. Os individuos variam na sua contribuic;ao para 0 padrao do grupo; a assimetria de convergencia assinalada em d) nunca e absoluta. Quer dizer, apesar de alguns individuos convergirem mais do que outros, isso nao quer dizer que 0 padrao do grupo seja apenas 0 padrao de urn dos seus membros: a convergencia verifica-se em todos os individuos.

Resumindo: Os sujeitos de Sherif, ao serem expostos, em grupo, a uma situac;ao ambigua e sem conhecimentos anteriores aplicaveis, utilizaram 0 comportamento dos outros na construc;ao dos seus quadros de referencia individuais, quadros de referencia que continuaram a ser usados mesmo na ausencia do grupo . Pelo contrario, os sujeitos de Sherif que experimentavam as sessoes de grupo depois de terem construido 0 seu quadro de referencia individualmente faziam convergir as suas estimativas na direcc;ao das dos outros, embora essa convergencia fosse menos forte do que quando os individuos nao partiam de nenhum quadro de referencia. De notar, finalmente, que a convergencia individual em sessoes de grupo, apesar de variar em extensao, foi universal.

Experiencias de grupo Serie tres Nesta serie (Sherif, 1937), 0 autor proCUro estudar directamente a importancia do prestigjU na assimetria da convergencia individual para o0 padrao grupal. Com esse fim, Sherif criou Uln situac;ao de grupo com dois individuos. Um dele: (sempre 0 mesmo) era urn comparsa do experi. mentador, alguem de' prestigio (assistente ern Psicologia na Universidade de Columbia), qUe enunciava as suas estimativas de acordo corn indicac;oes previas do experimentador. 0 outro desconhecia total mente essa combinac;ao e nao dispunha de uma tal posi~ao de prestigio (0 chamado sujeito critico). A indica~ao previa do experimentador variava de sessao para sessiio (ver Quadro Il). Os sujeitos criticos participavam ainda numa segunda sessao, esta individual.

comparsa do experimentador teve uma enorme importancia no estabelecimento dos padroes individuais; b) a influencia do comparsa referida em a) foi muitas vezes maior na segunda sessao (em que 0 sujeito critico estava s6) do que na primeira (ver grupos urn, dois, tres, seis e sete).

a)

0

De notar ainda que., no questionano pos, -experimental, os sujeitos afirmaram, regra geral, ter experienciado 0 movimento da luz de acordo com as estimativas do compars a. No entanto, apesar de muitos sujeitos terem reco' na nhecido a influencia do comparsa, limitarama primeira sessao - isto embora, como ja sabe' mos, ela fosse sempre maior (ou pelo menos igual) na segunda sessao.

3

(Experiencias de Sherif) Medianas dos grupos de tres sujeitos

Medianas dos grupos de dois sujeitos Come~ndo individualmcnte

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Prillltliro grupo

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Urn exame do Quadro II permitir-nos-a, facilmente, chegar a algumas conclusoes valiosas:

FIGURA

Impacte do grupo nas estimativas individuais

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Experiencias de grupo Resultados e conclusoes da serie tres

2

FIGURA

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Quarto grupo

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~eaJiza'"~o de estimativas em grupo promove a convergencia das estimativas individuais (figura 2) e 0 seu impacte

-se senhr mesmo quando os individuos sao posteriormente levados a fazer estimativas isoladamente (figura 3).

2.2. No laborat6rio e as escuras: conclusoes c D~POis de digerirmos todas estas experiencias onvlfli crt · acerca e amente mterrogarmo-nos do seu I cOnh . va or no desenvolvimento dos nossos

eC1mentos sobre

0

fen6meno da influencia

social. Valeram a pena? Primeiro debrucemo-nos sobre as conclusoes do proprio autor, depois veremos 0 que poderemos acrescentar. As principais conclusoes de Sherif (1936) podem ser sintetizadas do seguinte modo: a) ficou demon strada a tendencia que os

indivfduos possuem para organizar a sua

, 236

237

QUADRO

II

Resultados de Sherif, em 1937, nos experimentos em que urn comparsa do experimentador emitia estimativas previamente combinadas Estimativas do comparsa prescritas pelo experimentador

Estimativas do sujeito crftico

Individual

Grupo

Grupo

Numero de julgamentos dentr d . 0 o mtervaIo prescrito

-

--

Grupo

Individual

Experimental

Norma

Intervalo

Norma

Intervalo

Norma

Intervalo

1

2

1-3

3,36

1-5

2,62

1-4

41/50

47/50

2

3

2-4

4,25

1-10

3,77

1-5

30/50

43/50

3

4

3-5

4,61

2-8

4,57

3-6

43/50

49/50

4

5

4-6

5,20

3-6

5,21

3-6

47/50

46/50

5

6

5-7

5,50

3-7

5,42

3-7

34/50

35/50

6

7

6-8

5,94

3-8

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4-8

24/50

27/50

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8

7-9

7,40

4-12

7,89

6-9

17/50

40/50

expenencia, mesmo quando a situa~ao nao oferece qualquer fundamento para essa organiza~ao; b) essa tendencia para a auto-organiza~ao baseia-se no proprio comportamento de urn individuo isolado ou no comportamento dos outros, quando tal e possivel; c) apesar de as fontes de auto-organiza~ao citadas em b) serem ambas importantes, a referencia ao comportamento dos outros parece mais decisiva (ver as sec~oes «Experiencias de grupo, series urn e dois»); d) a importancia dos outros na cria~ao de quadros de referencia individuais nao implica, neste caso, que eles exer~am qualquer coer~ao, implicita ou explicita-

mente. De facto, a influencia dos outros parece ser igual ou maior quando se ausentam (ver a sec~ao «Experiencias de grupo, serie tres»); e) estes resultados podem parecer ainda mais informativos se se .utilizar uma analogia. Este conjunto de situa~oes pode ser CODceptualizado como ilustrando 0 process~ geral como os individuos e grupos orgaruzam uma realidade incerta num todo caerente. Basta tomar 0 padrao individual como urn amilogo de uma atitude e 0 padrao grupal como 0 analogo de uJ1la norma. Vemos assim que as atitudes t~l.O podem basear-se em experiencias indiv1s . como em mterac~oes . d ums com outrO

. divfduos. Vemos tam bern que urn con;~nto de indivfduos em interacr;ao constr6i, espootaneamente, normas que regulam to 0 seu comportamento como a sua t no , percepr;ao da situar;ao. E de notar que 0 faz em espontaneamente, quer dizer, que 0 faz em mesmo quando nao existe qualquer sugestao ou premencia em faze-Io; j) apesar de sugestiva, esta analogia tern limiles. Nomeadamente, e preciso lembrarmo-oos de algumas diferenr;as. A saber: em primeiro lugar, neste conjunto de experiencias oao existia nenhum problema crucial a resolver. Em situa~oes extralaborat6rio, pelo contnmo, as normas grupais ou as atitudes individuais formam-se como resposta a problemas com consequencias directas e decisivas para os individuos. Esta diferen~a ebastante importante na medida em que, se as norm as e atitudes sao tentativas de solur;ao de problemas, a pressao para a unifonnidade sera provavelmente ainda maior. Isto porque 0 exito de uma solu~ao para urn problema grupal depende, muitas vezes, da conjugar;ao dos esforr;os. Por outro lado, no laborat6rio nao existia nenhum criterio de validar;ao dos quadros de referencia individuais e grupais. Pelo contrmo, fora do laborat6rio esse criterio existe - e a capacidade que a adopr;ao de urn dado quadro de referenda possui na resolur;ao de urn dado problema. Oaf que, ao contrario do que acontece no laborat6rio, 0 principal factor que governa a estabilidade de urn quadro de referencia no universo social e, provavelmente, a sua eficiencia. Em segundo lugar, a assimetria verificada na contribui~ao dos varios individuos )

.

para a cria~ao de uma norma pode parecer indicar a emergencia espontanea de lideres em situa~oes sociais de incerteza. No entanto, e de notar que estes «lideres» apenas necessitaram de consistencia nas estimativas 2. Eduvidoso que essa seja a unica caracterlstica necessaria para que alguem surja como lider. Que poderemos acrescentar? Por urn lado, nao ha duvida de que a demonstrar;ao de como urn grupo pode servir para organizar a percep~ao e 0 comportamento dos individuos e preciosa, e talvez urn dos mais fortes argumentos empfricos jamais apresentados a favor da necessidade de urn nivel de explicar;ao psicossocial do comportamento humano. Por outro lado, as conc1usoes relativas ao uso da analogia do laborat6rio com a realidade social sao merecedoras de maior cepticismo. As simplifica~oes envolvidas - algumas das quais reconhecidas, como vimos, pelo proprio Sherif - sao provavelmente inumeras. E pi or que isso: nao temos maneira de saber quais sao. Por is so, e prefenvel tomar estas analogi as nao como conhecimentos mas como fontes de novas formas de adquirir conhecimentos. Quer dizer, «heuristicamente».

3. A influencia social as claras 3.1. Introdufiio Quando Solomon Asch se debru~ou sobre os fen6menos da influencia social ja a procissao ia

- E de nOlar a circularidade da afuma~ao: «os Ifderes influenciaram mais os outros porque foram mais consislenles». verda~e, Urn indivfduo s6 e considerado como «Ifden> se modificar menos as suas resposlas do que os outros. Por isso, um nao pode, nestas circunstancias, ser inconsislente. Daf que a afirma~ao acima indicada nao passe de uma taulologia.

t

239

238

• A realidade social e conceptualizada como relativa e as nolYOes de «certo» e de «errado» como convenlYoes. • Os processos de imita~ao sao basicos tanto para 0 funcionamento da sociedade como para a aprendizagem de urn reportorio comportamental basico. • Os individuos imitam 0 comportamento dos membros dos grupos a que pertencem e, em especial, dos seus lfderes porque a experiencia ensinou-os a associarem imitalY ao com recompensa 3.

utilizam docilmente para substituir a prop' - d' razao como sonambuIos. AI"las, nao elXa de I'\a Set curioso que autores como Tarde e LeBon . da sugestao - h'lpnotica dSe inspirem no concelto ." e Charcot para descreverem os lenomenos d . . a influencia social. 0 mats mteressante acere deste conceito de sugestiio e que ele descrev: uma situa~ao em que «era aparentemente possivel produzir experiencia~ e crenlYas sell! correspondencia com 0 melO» (Asch, 1952 p. 400). Ora, a perspectiva do sonambUliStn~ sociaL tomava essa situalYao nao como exce~ao mas como regra. E, de facto, todos conhecemos episodios da nossa historia recente em qUe nalYoes inteiras se mostram capazes de aetos dignos dos mais horripilantes zombies. Esta perspectiva conseguiu, com bastante exito, alias, ilustrar em laboratorio 0 poder cia sugestao (ver, por exemplo, Lorge, 1936, ou Moore, 1921}. Os paradigmas utilizados eram dois. Urn, em que se comparava 0 grau de apre~o ou de acordo com as mesmas afinnalYoes ora atribuidas a alguem admirado pelos sujeitos, ora a alguem por e1es detestado (Lorge, 1936; Sherif, 1935). Outro, em que se comparavam os julgamentos dos sujeitos sobre diversas materias, feitos sem 0 beneficio da opiniao dos outros, com os que eram feitos com esse beneficio (Moore, 1921). Em ambos os paradigmas, os resultados mostraram como a sugestao de fontes prestigiadas ou de grupos pode, per se, modificar apreciavelmente 0 comportamento individual. No entanto Asch encontrou razoes de sobra para se sentir 'insatisfeito com tanta sonoLencia.

o homem social e alguem que vive numa realidade que adquiriu por emprestimo de entidades poderosas como os lfderes, os grupos e os costumes. Daf que 0 comportamento emitido por essas entidades seja algo que os individuos

A saber: 'aI a) esta perspectiva ignora 0 papel essen.cI .. mente activo e interpretativo que os ln~­ , oa vfduos tern na construlYao da sua prop . stante realidade social. De facto, essa con

no adro. Quer isto dizer que 0 interesse pela tematica que temos vindo a abordar era um dado adquirido da psicologia social e da sociologia pre-Asch. No entanto, apesar do sem-numero. de demonstra~oes experimentais que ja tinham sldo realizadas, Asch senti a uma enonne insatisfalYao com 0 conhecimento ate ai acumulado, sobretudo com a perspectiva geral que enquadrava esse conhecimento. Essa perspectiva geral era comum a autores tao divers os e decisivos como Lorge (1936), LeBon (1896), McDougall (1928), Miller e Dollard (1941), Tarde (1903) ou Thorndike (1935), entre outros - um estranho casamento entre sociologos c1assicos, psicologos comportamentalistas e pioneiros da psicologia social. Um bom epiteto para este enquadramento geral da influencia e-nos, sem duvida, oferecido pel0 proprio Asch: 0 sonambulismo social. As principais caracterfsticas do sonambulismo social eram as seguintes:

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3 Esta caracterizac;:aa. que segue de perta a realizada par Asch. e necessanamente vaga. na me

abstrair 0 que de comum existe em autores muito diversos.

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actividade interpretativa parece estar na base dos resultados acima citados. Isto porque a interpretalYao sonambulista destes estudos partia do principio de que os efeitos encontrados se deviam apenas a passiva aceitalYao da opiniao de uma entidade de prestigio, quando, pelo contrano, ebern possivel que essa opiniao fosse utilizada sobretudo para interpretar 0 alvo do julgamento em causa. Por exemplo, seria minimamente estranho saber que urn feroz esquerdista discordava da afinnalYao de Salazar «enquanto houver um portugues sem pao, a revolulYao continua»? De modo nenhum! E porque? Porque e evidente que a «revolulYao» de que falava Salazar nao era a mesma que 0 nosso hipotetico esquerdista almejava. Por isso nao seria de espantar que ele apoiasse calorosamente essa afinnalYao se ela saisse dos labios de Lenine e a apupasse se a sou be sse proferida por Salazar. Sonambulismo? Decerto que nao - pelo menos no senti do que temos vindo a referir. Pelo contrano, a padecer de alguma coisa, 0 nosso esquerdista padece de espertina... Quer dizer, nao se soube limitar a utilizar a informa'rao que Ihe foi dada, foi para alem dessa informalYao no seu julgamento, reconstruindo-a como resultado da sua actividade interpretativa; b) por outro Iado, a perspectiva sonambulista ignora tambem 0 facto de que a influencia nao e uma via de urn so sentido. Como Sherif demonstrou enos discutimos no ponto anterior, 0 processo de influencia pode ser urn processo de concessoes reciprocas. Asch considera, alias, que os estudos de Sherif constituiram urn impor4

tante ponto de viragem nesta area de investigalYao; c) final mente 0 sonambulismo nao pennite uma analise funcional plausivel do consenso social. Porque se teria desenvolvido a necessidade de consenso social? Sera que este tern algum valor intrfnseco de sobrevivencia? Tal nao parece muito provavel. Nao e muito plausivel que uma comunidade africana que acreditasse consensualissimamente que os leoes sao inofensivos tivesse muitas hipoteses de sobreviver. o consenso social so e funcional se nao conduzir a uma aprecia~ao insensata da realidade. Quer dizer, se for valido. Se for valido sim, e evidente que 0 consenso permite maior coopera~ao e coordena~ao de esfor~os, mas para ser valido 0 consenso social tern de ser baseado na diversidade de perspectivas 4. Daf que, se e certo que a necessidade social de consenso gera pressoes nonnati vas para a unifonnidade, nao e menos certo que a necessidade social de urn consenso valida gera pressoes normati vas no sentido contrano. Por isso, pressupor que os individuos resistem as sugestoes nao implica mini mizar 0 impacte que 0 comportamento dos outros tern no comportamento de cada urn; d) por tudo isto, torna-se crucial, ao contrano do que considerava 0 sonambulismo, levar em considera~ao nao so as qualidades dos emissores de infIuencia (grupos sociais, individuos prestigiados ou lideres) mas tambem 0 conteudo do julgamento em causa e as circunstancias em que ocorre. Caso contrano, dificilmente se revelara a actividade interpretativa do sujeito, factor que a esta nova luz se mostra tao decisivo.

A lentidao das autoridades sovieticas em tomar as medidas necesslirias aquando do acidente de Chemobyl pode facilmente, a compreender este argumento.

"Juuar.n.n.



241

240

Mas Asch nao se Iimitou a realiza'rao desta analise, efectuou urn conjunto de experiencias (Asch. 1951. 1952. 1955. 1956) dos mais importantes realizados em Psicologia Social ate hoje. Nessas experiencias. Asch procurou criar uma situa'rao com as seguintes caracterfsticas: a) seria pedido

julgamento para 0 qual a informarrao necessaria estaria con stantemente disponfvel; b) 0 julgamento versaria urn conjunto de estfmulos totalmente nao ambiguos; c) os sujeitos seriam. durante a realiza'rao desse julgamento, expostos a influencia de urn grupo de indivfduo~. Essa influencia opor-se-ia a evidencia; d) seria possivel quantificar 0 efeito da influencia. UI11

Asch procurava assim demonstrar como a mudan~a de urn individuo por urn grupo nao pode realizar-se arbitrariamente. E mais especificamente que. quando nao e possivel uma reinterpreta<;ao dos estlmulos relevantes, a influencia do grupo e minimizada. Asch pretendia, no fundo. demonstrar a incapacidade do sonambu/ismo em fomecer uma explica~ao adequada para os fenomenos sobre que se debru'rava (ver Asch, 1990; Campbell. 1990). lronicamente, quando, cic1icamente. 0 sonambulismo desperta, e a estas exp~rienda~ l}ue se refere.

3.2. A injluellcia social as claras: o paradigma de Asch Introdm;io Ha uns anos atras, existia urn programa televisivo chamadn «Tal & Qual». Nesse program a existia uma rubnca chamada «as Apanhados». 5 A reconstrucrao deste episodio

Essa rubrica era real mente curiosa. ... , Consist"la h em pequenos filmes em que os erOis eram pes_ soas vulgares «apanhadas» em situa90es invUJ_ gares, sagazmente encenadas pelos coJabo_ radores do programa. Vma dessas . situa~5es vai-nos servir para apreender malS comPleta_ mente 0 que os participantes nas experiencias de Asch sentiram. Foi assim 5: A cena passa-se numa sapataria. Uma senhora acabou de provar uns sapatos e preparava_se para .'Ie levantar e sair quando da conta da falta dos seus proprios sapatos. Pergunta a empregada onde [hos pos. que os mio encontra. A empre_ gada. muito calma. aJinna: «Os sells sapatos?! Oh. minha senhora. a senhora niio entrou nesta loja cal~ada! Eu ati notei logo que a senhora niio tinha sapatos. porque. como deve calcular, uma coisa dessas da logo nas vistas... » A senhora niio quis acreditar, como e.fdcil de supor, mas outras empregadas cm~finnaram que ela tinha entrado descal~a e ate clientes qlle se metiam na conversa a.firmaram 0 me.l'mo. A senhora so dizia: «Mas ell niio estou lIIa/uca! If imposs{vel! Eu Iliio vinha descal~'a para a rua ... » Mas a pouco e POLICO ate os outros clientes se metiam na conversa e corroboravam a empregada. para desespero da senhora. E ela la se foi convencelldo. Por Jim ja dizia: «Bom, devo-me ter esquecido dos sapatos na outra sapataria. Mas que distran;iio, a minha... », e ria-se nervosamellte. Mas e claro que a pobre senhora tinha sido vitima dos «Apanhados)) - uma das empregadas tinha-lhe escondido os sapatos e as outras «testemunhas) (coJegas e clientes) eram comparsas da encena'rao. Este pequeno epis6dio e espantoso. Demons tra como os outros nos podem fazer duvidar das certezas mais evidentes. No fundo, trata- se de influencia social as claras ...

e provavelmente inexacta. porquanto e feita de memoria.

Os priJlleiros estudos Imagine 0 leitor que e estudante de uma unirsidade americana e que aceitou participar Ie11n£1 experlenclQ .• . de um ta I senhor proJessor .r. 111 lomon AhU . . . so b re persc. ma expenenclO So d d . ceprtao . No a e mUlto entusia,~,~ante... A' port~ do sola encontram-se outros sUJeaos como voce. Seis, mais exactamente. 0 experimentador chega manda entrar toda a gente. 0 experimentador emanda-os sen tar a, roda da mesa. e diz: (£sta tarefa envolve a discrimina~iio do comprimento de linhas. A I'ossa frente encontra-se //In par de cartoes. 0 da esquerda so tem uma /inha; 0 cartiio a vossa direita tem Ires linhas de diferentes comprimentos; elas estiio numeradas: um, dois e tres. Uma dessas tres lin has e igual em comprimento a linha-padriio do cartiio da esquerda. Cabe a cada um de voces decidir, em rela~ao aos varios pares de cartiio que vos serDo exibidos. qual das linhas do cartiio da direita e igual a linlza-padriio do cartiio da esquerda. Comllnicar-me-iio 0 vosso ju/f.:amento dizendo 0 Il umero da linha. Existiriio dezoito compararoes no total. Agrade~'o qlle sejam 0 mais exacfos poss{vel. Dar-me-iio as v()ssas respostas por on/em. comerando, por exemplo, da direifa para a esquerda.» A experiencia come~·ou. E mesmo .facil ver qual ea linha igual a linha-padriio. e. como eo penullimo 1I responder. vai podendo ver(ficar que ninguelll tem dificuldade em 0 fazer. Oleitor responde e ludo bem. Segundo julgamento: muito fdci!. Chega a sua vez e responde outra vez. Terceiro julgamento: e faci/. 0 que? o primeiro que respondeu deve estar doido!! o.leitor verifica facilmente que a resposta dele jo/ complelamente errada. Mas ... Todos os outros estiio a dar a mesma resposta. 0 que e isto? A SUa vez de responder esta a chegar, leitor, 0 qUe e que vai responder? Vai dar a resposta cena ou fiazer 0 que os outros fizeram? t

Antes de tentarmos imaginar as varias possibilidades que 0 lei tor teria para reagir, vamos completar a descri'rao das primeiras experiencias de Asch com alguns pormenores importantes.

Caracteristicas da

situa~io

experimental

Em primeiro lugar, convem referir algo sobre os estimulos que estavam a ser julgados e as condi~oes gerais em que esse julgamento era feito. as estimulos eram, como ja foi referido, trios de linhas negras que deveriam ser comparados com uma linha-padrao. No Quadro III sao apresentadas as dimensoes dessas linhas. Como se pode ver, 0 julgamento era particularmente faci!o Para ilustrar essa facilidade, a Figura 4 apresenta urn exemplo pertencente ao material utilizado. De notar que os dezoito ensaios se dividiam em ensaios neutros - em que os comparsas davam respostas certas - e ensaios cr{ticos - em que os com pars as davam respostas com diversos graus de erro (ver Quadro III). as julgamentos eram feitos com os sujeitos sentados a roda de uma mesa que distava cerca de cinco metros dos estimulos. Em segundo lugar, e preciso referir urn detaIhe da situa'rao - dos sete sujeitos presentes na sala, s6 urn, 0 chamado sujeito critico, nao e comparsa do experimentador. Todos os outros foram instruidos peJo experimentador a responder de determinada maneira (ver Quadro III para uma descri'rao das respostas sucessivas dos comparsas). as comparsas agiam sempre de forma a que 0 sujeito critico se sentasse no pen ultimo lugar. Falta ainda referir que os compars as foram instrufdos a mostrarem-se tao inexperientes sobre a situa'rao como 0 sujeito critico (para isso, efectuavam no inicio perguntas sobre o procedimento) e a nao exibirem quaJquer reac'rao Fosse qual Fosse 0 comportamento desse sujeito.



242

243

FIGURA

QUADROID

Amostra dos estfmulos usados nas experiencias originais

Dimensao dos estfmulos-respostas maiorimrios as Iinhas-padrao e de compara~ao, nos ensaios sucessivos (Asch 1958)

Comprimento-padriio (em polegadas)

Ensaios

Erros maioritarios

Comprimento das Iinhas de comparac;iio (em polegadas)

ra*

10 2 3 5 4 3 8 5 8 10 2 3 5 4

b*

I II c· III IV V VI d* e*

VII VIII f* IX X Xl XlI

3 8 5 8



8,75 2 3,75 5 3 3,75 6,25 5 6,25 8,75 2 3,75 5 3 3,75 6,25 5 6,25

10 1 4,25 4 5 4,25 8 4 8 10 1 4,25 4 5 4,25 8 4 8

0 0 +0,75 -1 0 + 1,25 - 1,25 + 1,50

8 1,50 3 6,50 4 3 6,75 6,50

6,75

B 1.50 3 6,25 4 3 6,75 6,25 6,75

.

- 1,75 0 0 +0,75 -1 0

+ 1,25 - 1,25 + 1,50 -1 ,75

Tipo de erro

-

-

moderado moderado extremo moderado extremo extremo

moderado moderado extremo moderado extrema extremo

As letras da primeira coluna designarn ensaios «neutrais», aos quais a maioria respondeu corrcctamente. Os ensaios assin.·

lados por letra romana sao os considcrados «criticos», isto e, aos quais a maioria respondeu incorrectamentc. Os mlmeros sublinhados realc;am as respostas maioritariamente incorrectas. Note-se que os ensaios d a doze sao identicos aos cnsaios a a scis; cles sucedem-sc sem pausa.

Em terceiro lugar, e importante esclarecer que a experiencia nao se limitava a esta sessao de estimativas. Existia ainda uma segunda fase em que todos os sujeitos eram entrevistados acerca das suas impressoes sobre a situa~ao. Participavam, primeiro, numa discussao com os outros membros do grupo (sem lhes ser reve-

4

lado 0 facto de os outros serem comparsas do experimentador). Seguia-se uma entrevista a s~s com 0 experimentador. No final, era-lhe expb: . - e os 0 b"~ectlvos com que fOI cada a sltua~ao construida. Em quarto e ultimo lugar, e de salientar que Asch, alem deste tipo de grupos (condi~ao eXpe-

1

2

3

Linha-padrao

rimental), usou ainda outro tipo de grupos (condi~iio de controlo) em que sujeitos da mesma popula~iio julgavam os mesmos estfmulos sem conhecimento das respostas dos outros. Daf que se possa usar a diferenya entre 0 numero de erros efectuados na condiyao controlo e experimental como urn simples indice quantitativo do grau de influencia social verificada.

ResUltados - como reagiria

0

lei tor?

Em primeiro lugar, ser-lhe-ia imposs(vel ignorar as respostas do grupo. E isto apesar de, de acordo com as instruyoes, a presenya do rpo .ser irrelevante para a realizayao da tarefa. ObVlO, contudo, que 0 facto de 0 lei tor saber qUe os outros respondiam em condiyoes identiCas as suas torna essas respostas como fonte ~ compara~ao dos seus pr6prios julgamentos. dir desacordo que se verifica tern implicayoes rn e~tas para a validade de cada julgamento na edlda em que 0 leitor sabe que, em materias de

facto, 0 antagonismo de opinioes quer dizer que alguem esta errado. Em segundo lugar, desenvolveria esfon;os para restabelecer 0 equil(brio. Quer dizer, interrogar-se-ia, por exemplo, se nao teria pcrcebido mal as instruyoes. Poderia ate pergunta-Io aos seus vizinhos mais pr6ximos ou mesmo directamente ao experimentador, interrompendo a sucessao de respostas. De qualqucr modo, tentaria achar uma explicayao simples e banal para o desacordo, algo que pudesse indicar que aquele desacordo sobre materias de facto se resolveria brevemente. Em terceiro lugar, e muito provavel que fizesse a atribui~iio da raziio de ser da divergencia a si proprio. Ou seja, tomasse a seu cargo explicar porque e que divergia do grupo e nao porque e que 0 grupo divergia de si. Em quarto lugar, e quase certo que desenvolveria esfor~os para alcan~ar uma solu~iio. Quer dizer, construiria explica~Oes que tentavam tornar compreensivel a situayao em que se encontrava. Por exemplo: poderia pensar que era tudo devido a uma ilusao de 6ptica, ou ate que 0 primeiro a responder era mfope e que os outros todos eram influenciados por ele. E quase certo tambem que nenhuma dessas explicayoes 0 satisfaria ... Em quinto lugar, prestaria provavelmente total aten~iio ao objecto de julgamento. Concentrar-se-ia tanto nele que teria vontade de se levantar e de observar as linhas mais de perto (talvez ate bruscamente 0 fizesse, quem sabe?), como se isto resolvesse a questao. Se as pudesse medir... Em sexto lugar, 0 leit~r sentiria um crescendo de duvidas sobre si proprio. Seria possivel que todos estivessem errados, excepto 0 lei tor? As suas respostas parecer-lhe-iam estar certas, mas como poderiam estar se todos os outros respondiam de maneira diferente? Estara 0 leitor a responder bern? Em setimo lugar, born, em setimo lugar depende .... Ate aqui limitei-me a descrever uma



244 especie de retrato-robo realizado por Asch a partir das respostas aos questiomirios e as entrevistas pos-experimentais. Quer dizer, limitei-me aquilo que foram os pensamentos privados e os sentimentos mais comuns dos sujeitos criticos, de acordo com as suas proprias palavras. Mas, e quanta aos julgamentos anunciados em voz alta... que teria feito 0 leitor? Deixo-lhe a si a tarefa de 0 preyer. Como pista leia os resultados das sect;6es apresentadas a seguir e con suite a Figura 5.

FIGURA

5

QUADRO

Amostra dos estlmulos usados nas experiencias originais

Distribui~o

.---

dos erros nos grupos experimental e de controlo

Grupo controlo

Num ero

Grupos expcrimentais

--

---

de (N -

I------

Resultados: analise dos erros

=37)

Grupo I (N =70)

Grupo II (N =25)

I

2 3 4 5

Grupo III (N = 28)

----

1-

0

6

IV

(Asch, 1956)

erros

a) As respostas dos sujeitos da condit;ao de controlo foram basicamente isentas de erros (os resultados completos sao apresentados no quadro IV) 6 ; b) em contraste, na condit;ao experimental e visivel a influencia da maioria (os comparsas do experimentador). Por urn lado, apenas 24 por cento dos sujeitos criticos realizaram a sucessao de estimativas livre de erros (enquanto na condi~ao de controlo essa percentagem foi de 95 por cento). Por outro lado, no total das estimativas a condit;ao experimental apresenta 33 por cento de erros, enquanto na condit;ao de controlo esse numero e inferior a urn por cento. E de notar que existem individuos na condit;ao experimental que atingem os doze erros (tantos quantos os ensaios criticos), ao passo que na condi~ao de controlo nenhum sujeito ultrapassa os dois erros. Finalmente, saliente-se que nos ensaios neutros 0 numero de erros da condi~ao experimental e inferior ao da condi~ao de controlo (ver 0 Quadro IV); c) de notar que, embora considenivel, 0 impacte da maioria esta longe de ser absoluto. Em primeiro lugar, e necessario registar a enorme varia~ao individual no numero de erros

245

35 1 1

6

7 8 9 10 11 12

17 4 7 12 3 5 2 3 7 3 4 2 1

II

------5 2 1 1 1 2 4 0 4 2

7 2 2 4 2 0

1

0 2

1 2 3

1 1

2 1

Todos os grupos (N = 123)

- 29 8 10 17 6

7 7 4 13 6 6 4 6

Media

0,08

4,01

5,16

4,71

4,41

Mediana

0,00

3,00

5,50

3,00

3,00

Media percentual

0,7

33,4

43,0

39,3

36,8

f--

---- -

cometidos. Em segundo lugar, se consideranno s que a situa~ao representa, no essencial, urn canflito entre duas tendencias - a de seguir os dados dos sentidos e dar respostas certas e a de seg~ir a maioria e dar respostas erradas - , e precJS~ reconhecer que a primeira dessas tendencias f~J s quantitativamente mais forte (duas vezes maJ forte, para ser exacto);

Recorde-se que os ensaios neutros sao aqueles em que a maioria (os comparsas) da respostas certas.

d) a Figura 6 demonstra que nao existiu qual-

quer rela9ao sistematica entre a sucessao de ensaios e 0 numero de erros cometidos; e) como sabemos, os erros que a maioria ia cOmetendo variavam de magnitude. Qual a rela~ao entre essa varia~ao e 0 numero realizado pelos sujeitos criticos? 0 Quadro V responde a esta pergunta. Nao existe, de facto , qualquer rela~ao sistematica entre os dois factores (apenas se regista uma ligeira tendencia nao signi-

I

ficativa estatisticamente para uma assocla~ao positiva): tanto se encontra urn grande numero de erros em estimativas em que a maioria comete erros de grande magnitude (por exemplo, no ensaio critico 12) como no caso contrmo (ensaio crftico 7); J) A considera~ao da magnitude do erro da maioria permite-nos ainda uma outra analise bastante interessante. Repare-se que, nos casos em que a maioria dava erros extremos, os



247

246

FIGURA 6

Estimativas correctas em ensaios criticos sucessivos para grupos experimental e de controlo (Experiencias de Asch)

~ :r.

'" U .... ....

"0 u

:r.

100

Grupo de controlo 75

'"

.~

:;



v...,

50 Grupo experimental

OJ

"tJ

..,.... C

E

25

' ::l

Z

2 3 4 5 6 7 g 9 10

II

12

Julgamentos criticos

sujeitos critic~s dispunham da ?ossibilidade de urn compromlsso entre 0 que Vlam e aquila q ue a maioria respondia, quer dizer, poderiam ete ctuar urn erro moderado. Para verificar se isso aconteceu, basta comparar a percentagem d erros moderados realizados pelos sujeitos Crfti~ cos quando eram confrontados com um eno extremo da maioria com a percentagem de erros extremos do sujeltos critic os quando a maioria comete urn erro moderado. Note-se que em ambos os casos 0 sujeito, apesar de dar uma resposta errada, da uma resposta diferente da maiorta (chamaremos, por isso, a estas respostas, respostas divergentes incorrec_ tas). Se a referida tendencia para 0 compro_ misso se verificar, os sujeltos deverao exibir respostas divergentes incorrectas, sobretUdo nos casos em que essa estimativa pode representar urn comprornisso (0 primeiro dos casos acima citados). A observa~ao do Quadro VI oferece-nos uma resposta cabal a esta questao: so se registam respostas divergentes incorrectas neste caso!

QUADRO Rela~ao

V

entre a magnitude do erro emitido pela maioria

e 0 nmnero de erros cometidos pelos sujeitos criticos (Ensaios criticos)

1

2

3

4

5

6

7

8

!

9

10

11

12

Magnitude do erra da maiaria

0,75

1

1,25

1,25

1,25

1,75

0,75

1

1,25

1,25

1,25

1,75

Numero de erros dos sujeitos

21

44

30

67

45

53

43

45

44

63

36

51

-

Assim: QUADRO

VI Sujeitos independentes

El'fOS cometidos em fun~ao de erros Ploderados e extremos da maioria

Maioria moderada N

Erros roodcrados

150

1~.J-__-

Erros

Maioria extrema Erros

extremos moderados

Resultados:

Erros extremos

0

33

98

131

o

19,3

80,7

100

-~-----r--

100

Total

varia~ao

individual

Com base tanto nos resultados das entrevistas como nos resultados quantitativos acima referidos, Asch procurou esc1arecer melhor a varia~ao individual registada neste paradigma. Para isso, construiu uma tipolologia dos sujeitos criticos, que passaremos a discutir. 0 primeiro criterio usado foi 0 numero de erros cometidos por cada sujeito. as sujeitos que nao cometiam mais do que dois erros (0 maximo de erros verificado na condi~ao de controlo) foram c1assificados como independentes. Os que cometeram entre tres e doze foram classificados como conformistas 7. Dentro de cada categoria distinguiram-se os sujeitos de acordo com as raz6es que apresentaram na entre vista para 0 seu comportamento.

I) Sujeitos «verdadeiramente independentes» Foram c1assificados assim aqueles que se mostraram inabahiveis na sua convic~ao de estarem certos e de responderem de acordo com 0 que viam. De notar que essa atitude nao queria dizer que nao tivessem sido afectados pelo conflito entre a evidencia perceptiva e a influencia da maioria. Muitos destes sujeitos indicaram ter preferido ceder a maioria, simplcsmente consideraram mais importante seguir a sua propria opiniao porque, em caso contrano, sabiam que estariam a errar. II) Falsos independentes - Couberam nesta categoria aqueles que adrnitiam estar errados e a maioria correcta - se nao a seguiam era porque achavam que deviam seguir a rise a as instru~6es do experimentador. Quer dizer, conformavam-se ao experimentador.

Sujeitos conformistas I)Conformistas a n(vel perceptivo - Estes sujeitos nao reconheciam que algo de estranho se tinha passado na situa~ao experimental. Simplesmente afirmaram que haviam respondido de acordo com 0 que tinham visto. Esta categoria foi pouquissimo frequente 8. II)Conformistas a n(vel do julgamento - Estes sujeitos reconheciam que haviam dado respostas em desacordo com 0 que tinham visto. No entanto, justificavam-se dizendo que, se todos os

7 De notar que essa designa~ao de sujeitos «basicamente» conforrnistas ou independentes pretende ser apenas deScritiva do seu comportamento nesta situa~ao. Nao se pretende dizer que esses sujeitos apresentassem 0 mesmo tipo de reac~Oes noutras situa~oes. Para Asch (1956), a questao de saber se existia alguma rela~ao entre certos tipos de personalidade e 0 comportamento na situa~ao por si criada era uma questao em aberto. No entanto, a investiga~ao posterior demonstrou que a consistencia individual no grau de resistencia a pressao de urn grupo, em diferentes tipos de situa~oes, e fraca (ver Allen, 1975). • g Con vern nao esquecer que estas entrevistas foram feitas antes de ser exp/icado ao sujeito 0 teor da situa~ao em que ttnha Participado. Por isso, e concebivel que alguns sujeitos procurassem mini mizar 0 seu confonnismo. Daf que 0 numero de conformistas a nfvel perceptivo pudesse ser ainda mais reduzido.



248

outros respondiam de forma diferente, tinha de ser ele aquele que estava a realizar julgamentos errados - caso contnirio, poderiam «interferir» corn 0 desenrolar da experiencia. Esta foi a categoria mais frequente dos sujeitos conformistas. IJI)Conformistas a nfvel comportamental Eram classificados nesta categoria aqueles sujeitos que indicavam saber estarem e\es certos e a maioria errada, justificando 0 seu comportamento com a vontade de «nao sobressair». Esta categoria teve uma frequencia intermedia (entre a da categoria I e a da II dos sujeitos conformistas). E importante completar a discussao destes dados qualitativos com os resultados de uma pergunta inclufda na entrevista pos-experimental. Nesta se pedia uma estimativa do mlmero de vezes em que 0 proprio sujeito tinha respondido erradamente. Os resultados mostram que enquanto os sujeitos independentes realizam estimativas aproximadas da realidade, os conformistas subestimam consideravelmente os seus proprios erros. Ern media, a diferenc;a entre as estimativas e a realidade atinge os quatro erros! De notar, em primeiro lugar, como, de acordo com esta analise, a adopc;ao da perspectiva da maioria e acontecimento raro (conformistas a nfvel perceptivo). No entanto, 0 numero de desacordos entre 0 sujeito crltico e a maioria e apreciavelmente subestimado. Em segundo lugar, e evidente 0 modo como os dados qualitativos podem emprestar nova riqueza a analise quantitativa. Isto porque se demonstra como 0 mesmo comportamento pode esconder diferentes interpretar;6es da mesma situa~iio. Tal facto implica que nenhuma explicac;ao compreensiva dos fenomenos relativos a influencia social

pode dispensar a considerac;ao da actividade Co nitiva dos alvos dessa influencia, ao contrario:' que se poderia pressupor sonambulamente. 0 Conclusoes Limitar-me-ei a uma breve sfntese deste resultados, deixando a discussao mais geral dS seu significado para quando dispusermos d~ outros dados. Ern primeiro lugar, foi evidente, tanto quanti, tativa como qualitativamente, que os sujeitos Se encontraram num conflito entre 0 conformislllo (seguir a resposta da maioria) e a independencia (seguir 0 que lhes era ditado pelo que vialll). Esse conflito resultou, na maior parte dos casos, em independencia. No entanto, a illj7uellc:ia da maio ria foi indiscutfvel. Em segundo lugar, os sujeitos crfticos nao Se limitaram, como agentes passivos, a ignorar uma das fontes do conflito. Os sujeitos crfticos tentaram explicar e interpretar esse conflito. Tal verificou-se tanto para os sujeitos basicamente conforrnistas como para os basicamente independentes. Ern terceiro e ultimo lugar, a percentagem do~ errOl> dos sujeitos crfticos nao dependeu apreciavelmente da magnitude do erro cometido pela maioria. No ellfanto, as respostas diverge11les incorreccw, Sf} .I"urgiram quando poderiam sign({icar compromisso.

'vas

r~laU

a generalidade destes resultados. Quer

autor pretendeu descobrir quais as dl. zer , '" ndiyoes que, no seu parad 19ma ongma I, eram CD nS;lveis tanto pelo conformismo como pela ~edsPo endencia. Com esse fim, Asch manipulou 10 ep ., . h serie de vanavelS que supun a terem uIlla " dade das ten d~' . acte directo na mtensl enClas !I11P nicas SlI b'~acentes a, sua sltlla~ao . - expen. g6 ta an mental. A seguir serao apresentadas algumas des sas variac;oes (Asch, 1952, 1955, 1956). 0

A hnportancia do objecto de julgamento Ate que ponto os resultados que Asch obteve e devem ao material utilizado? 0 que aconte~eria se, com base no mesmo tipo de paradigma, se usassem objectos de julgamento muito diferentes? Asch tentou responder a essa pergunta fazendo variar os objectos de julgamento, mas conservando 0 caracter absolutamente objectivo

A partir do paradigma que acabamos de di~­ cutir, Asch realizou diversas variac;oes ex penmentais 9 que procuraram esclarecer questoes

'I Algumas da~ experiencia~ a seguir citadas nao sao realizadas nos parametros exactos do paradigma origi nal. Antes, utilizam a tecnica de Crutchtield ( 1955). De acordo com essa tecnica. os sujeitos critico~ respondem sos num cubicul o• tendo aces so as respo~tas dos «comparsa~» por Illeio de um painellulllinoso. Este~ «comparsas» nao existem e a~ luzes silo manipuladas pelo experimentador. Esta tel' nica perlllite hasicamente uma grande economia de tempo e de «comparsas». ~ seus resultados sao, no entanto. apesar de mai~ atenuados. estruturalmente identicos aos obtidos no paradigma de Asch. D que essas experiencias estejam incluidas nesta ~ec«;ao .

do julgamento pedido (Asch, 1956). Para isso, numa experiencia 0 autor utilizou dois grupos de discos coloridos. A tarefa do slIjeito era apenas a de escolher 0 mais brilhante, tare fa que, como se podeni supor, era extremamente faci!o Em tudo 0 resto, a situac;ao experimental era identica ao paradigma descrito. Os resultados foram tambem praticamente identicos aos da situac;ao original. 0 autor demonstrou, assim, que os seus resultados nao eram dependentes da utilizac;ao dos objectos de julgamento originais. No entanto, os seus continuadores nao esgotaram aqui a sua curiosidade - no fundo, 0 efeito apenas tinha sido replicado para estfmulos visuais. Oaf que se tenham realizado milhares de experiencias com todo 0 tipo de objecto de julgamento (ver a caixa para a referencia a algumas dessas variac;oes). Os resultados, no geral, foram coincidentes com os da experiencia original.

o CONTEUnO DO OBJECTO DE JULGAMENTO E 0

CONFORMISMO

Niio tem fim as experiencias que fizeram variar 0 objecto de julgamento a partir do paradigma de Asch. Mas talvez as mais interessantes digam respeito varia~1ies que versaram cren~as. Seni possfvel encontrar 0 mesmo grau de conformismo em rela~ao a cren~as que envolvem conhecimentos quotidianos e relevantes fora do laborat6rio? A resposta e indubitavelmente «siro». Leia-se, por exemplo, urn conjunto de afinna~Oes sobre os Estados Unidos cia America que Tuddenham (1958) - utilizando a tecnica de Crutchfield - toroou como objecto de julgamento. produzindo 0 grau habitual de conformismo: «50 a 70% da populafiio tem idade superior a 65 anos de idade», ..A esperanfa de vida para uma crianfa do Sf!X() masculino de 25 anos», .. 0 numero medio die/rio de refeifoes por habitante 6» ou .. 0 numero medio ditirio de horas de sono por habitante de 4 ou 5». Quanto a opinioes gerais, os sujeitos de Tuddenham (1958) tambem concordaram com afuma~Oes curiosas. Por exemplo: <<.4 maior parte das pessoas estaria melhor se nunca tivesse frequentado a escola.». Mas talvez ainda mais curioso e 0 facto de afinna~5es absurdas ou pejorativas sobre n6s pr6prios puderem registrar os mesmos efeitos (Tuddenham, 1958). Por exemplo: «Niio sou capaz de fazer nada bem.». Por outro lado, usando ainda ftens de opiniao, Allen & Wilder (1980) demonstraram, engenhosamente. como a influencia dos outros pode levar a uma reestrutura~ao cognitiva (reinterpreta~ao) do objecto de julgamento. Usando a tecnica de Crutchfield, os autores demonstraram que os sujeitos a quem foram apresentadas afuma~oes impopulares. subscritas por urn grupo unlinime de indivfduos. atribuiram significados invulgares a essas afuma~oes. Esse efeito anulava-se quando 0 grupo nao tinha sido unlinime nas suas respostas (ver sec~1io 3.2.5). Obtinha-se, assim, confrrma~ao para a ancUise de Asch das investig~Oes que fundamentaram 0 sonambulismo. Niio parecem restar grandes duvidas quanto a generaIidade desconcertante dos efeitos da influencia social detectaveis em experiencias que utilizam 0 paradigma de Asch.

as

e

Variac;oes do paradigma de Asch (I)

249

e

e



250 Manipula~ao

das caracteristicas dos estimulos usados Na discussao dos resultados da experiencia original verificamos que nao existia nenhuma rela~ao sistematica entre 0 numero de erros cometido pelo sujeito critico e a dimensao do erro cometido pela maioria. No entanto, como essa varia vel nao foi manipulada directamente, esse resultado pode ter ocultado essa possivel rela~ao. Para corrigir esse estado de coisas, Asch (1956) realizou uma nova varia~ao ao seu paradigma. Nesta experiencia, foi directamente manipulada a discrepancia entre a estimativa da maioria e a realidade. Os resultados demonstraram a existencia de uma rela~ao negativa entre a magnitude do erro da maioria e 0 numero de erros cometidos pelos sujeitos criticos (ver Quadro VII), corrigindo assim a concJusao anterior.

o mimero das alternativas de resposta o numero de altemativas de resposta nos primeiros estudos de Asch era, como sabemos, tres. Como sabemos tambem, foi possivel detectar a presen~a de respostas «de compromisso». o que aconteceria se os sujeitos s6 dispusessem de duas altemativas? Qual seria 0 efeito da impossibilidade de compromisso? Asch estudou esta questao numa outra experiencia (Asch, 1956). Os resultados demonstraram que a impossibilidade de compromisso, embora nao afectando significativamente 0 numero total de erros cometidos, teve algum impacte na distribui~ao desses erros. Quer dizer, aumentou tanto 0 numero de individuos que se mostraram independentes como 0 numero de erros que cada sujeito conformista cometia. Isto significa que tanto os sujeitos potencial mente conformistas como os independentes recorrem a uma estrategia de compromisso quando tal e possivel.

QUADRO VII Rela~ao

entre magnitude do erro da maioria e quanti dade de erros cometidos pelo sujeito critico (Varia~ao experimental)

--.

Magnitude lIos crros da maioria

75 polegadas

50 polegadas

25

polegadas

'-

Total dos erros dos sujeitos criticos

37

Percentagem de erros

26

48

33

82

57

A possibilidade de avalia~ao objectiva posterior Asch (1956) tentou refor~ar a objectividade do julgamento, avisando os sujeitos, numa varia~ao experimental do seu paradigma, de que no fim da serie de estimativas os objectos de julgamento seriam medidos com uma regua. Deste modo, os sujeitos criticos passariam a saber que 0 desempenho de todos seria avaliado objectivamente. Os resultados foram identicos aos do paradigma original. Numa varia~ao desta situa~ao (Bello, Campos, Navalho, Ingles e Carapeto, 1986) tomaram disponivel uma regua durante a sucessao de estimativas, dizendo que 0 mais importante era nao errar, e, como tal, se houvesse duvidas, cada pessoa era livre de se levan tar e medir os estimulos antes de responder (e, de facto, os comparsas faziam-no alterna~' • r.aO mente em certos ensaios). De resto, a sltua,.

.dentica ao paradigma original de Asch. era I Itados demonstraram que essa hip6tese as res u .. . ouquissimo usada pelos sUJeltos e que ... 0 I fO rIllis mo aumentou! Porque? Provavelcon porque, ao dotarmos 0 sujeito critico da mente . 0 b'~ectIvl "dadenos seus 'bilidade de maJOr OSS! b' ~ I P . i aIllentos, estamos tam em a f aze0 em Juig aD aDS julgamentos dos comparsas. Ora, re a~o 0 sujeito era 0 penu'1 tImo . a respon der, na coIll . ., 'nh 'or parte dos ensaJOs Ja os comparsas tI am mat'!izado a regua e com ISSO . ganh ' . 0 maJOr capacIun 'D . d . dade de persuasao. e notar am a que se reglsam casos de sujeitos criticos que depois de tar ,. , Ios ( partl. jrem, eles propnos, me d'Ir os estImu cularmente nos casos em que, antes deies, os comparsas tinham feito outro tanto) deram respostas erradas. Tal s6 refor~a a convic~ao de que a existencia de respostas conformistas nao necessita de convic~ao na veracidade destas respostas (tal como Asch ja tinha demonstrado na analise das justifica~oes dos sujeitos conformistas). De qualquer modo, estes resultados indicam que dotar os sujeitos de possibilidades para aumentar a objectividade dos seus julgamentos pode nao diminuir 0 conformismo, se o mesmo for fei to para os julgamentos dos comparsas.

i

°

A dimensao do grupo Como sabemos, os erros cometidos no paradigma original de Asch sao devidos apresen~a de urn grupo de sujeitos que dao respostas erradas. Mas sera que esse efeito se deve a dimensao do &ru.po? Quer dizer que, com urn grupo menor, 0 efeno deixaria de existir ou, com urn maior, ele

e

10

251

aumentaria? Asch (1951) manipulou sistematicamente 0 numero de comparsas na condi~ao experimental para responder a esta questiio (foram usados grupos de urn, dois, tres, quatro, oito e dezasseis). Os resultados demonstraram que, com urn comparsa apenas, 0 conformismo e praticamente anulado, com dois aumenta bastante e com tres atinge aproximadamente 0 seu limite maximo. Daqui retirou 0 autor a concJusao de que nao e a dimensao da maioria 0 factor explicativo essencial para 0 conformismo 10.

A importancia do contexto de enuncia~ao do julgamento: vicios publicos versus virtudes privadas Nas entrevistas p6s-experimentais, muitos dos sujeitos criticos afirmaram existir uma divergencia entre aquilo que afirmaram publicamente e aquilo que julgavam certo. Se assim foi, entao e de esperar que uma das razoes do conformismo seja 0 caracter publico do contexto em que as respostas eram dadas. Para estudar directamente esta questao, Asch (1956) criou uma situa~ao em que os sujeitos criticos, por chegarem «atrasados» a experiencia, nao poderiam participar nela. Apenas deveriam observar e registar as suas respostas num papel e, como a experiencia estudava a influencia das rela~oes temporais nos julgamentos, 0 sujeito critico deveria assentar a sua resposta no papel apenas quando 0 experimentador 0 assinalasse. Claro que 0 sujeito respondia sempre em pemlltimo lugar - sentado como estava na sua posirrao habitual. Os resultados foram extremamente interessantes: em primeiro lugar, verificou-se, como previsto, uma diminuirrao apreciavel no numero

D

e no tar que esta concIusao parece estar empiricamente errada, Gerard, Wilhelmy & Connolley (1968) nao

s~~ntraram tal ~ecto e Bib Latane desenvolveu uma teoria (que tern registado grande sucesso empfrico) em que a dimen-

1987°, grupo vana nao Iinearmente com 0 seu impacto (para revisoes des sa perspectiva, ver, por exemplo, Garcia-Marques, a, Latane, 1981; Wolf, 1987).



252

253

de erros cometidos pelos sujeitos crfticos (de 33 para 12,5 por cento); em segundo lugar, esse numero de erros continuou a diferir significativamente do cometido na condi~ao de controIo; em terceiro lugar, verificou-se que a influencia da maioria s6 se registava em reIa~ao a erros moderados da maioria, nao em rela~ao a erros extremos. De notar que muitos sujeitos afirmaram na entrevista p6s-experimental que tinham pressuposto que 0 experimentador iria comparar as suas respostas com as do grupo, mas que isso nao teria afectado as suas respostas. Que concluir deste conjunto de resultados? Basicamente duas coisas: a) que a influencia da maioria se faz sentir diversamente, em intensidade, ao nivel publico e privado II; e b) as variaveis que afectam urn dos nfveis (e. g., grau de distor~ao da norma grupal) podem nao afectar 0 outro da mesma forma. Varia~oes no paradigma de Asch (II): e quem nos Iivra dos outros? Os outros!

Vamos continuar a apresentar algumas das varia~6es experimentais do paradigma de Asch, centrando-nos, agora, sobre uma muito importante categoria de varia~6es: a que manipuIa 0 apoio social para 0 nao-conformismo.

o paradigma ao avesso: comparsa isolado versus grupo de sujeitos criticos Asch (1952) inverteu a situa~ao experimental habitual numa importante, mas muitas vezes esquecida, experiencia. Introduziu urn comparsa num grupo de quinze sujeitos cnticos. Os resultados demonstraram que a influencia do com-

pars a foi nula. Mais interessante do que isso ~ . a reac~ao dos sujeitos cnticos aos erros Co 01 tidos pelo comparsa. Tanto pela observa~' · d a sltua~ao ' - como pe Ios resultados ~ao d lrecta d entrevistas p6s-experimentais, Asch pade Ve ~s ficar que os sujeitos crfticos encararam os Co 11· . Ill· parsas com humor (nam-se em coro das su respostas), com desprezo (<<devia estar a ten~ alguma brincadeira estupida»), e nao lhes Par • cia conceptivel que alguem no seu perfeito jUf: desse tais respostas. Born, mas talvez nao se'~ assim tao inconcebfvel, nao acha, leitor? J

Urn grupo de comparsas versus urn grupo de sujeitos criticos A mesma anula~ao do conformismo veriti. cou-se quando Asch (1952) utilizou no seu paradigma urn grupo com nove comparsas e onze sujeitos crfticos. No entanto, as reac~oes dos sujeitos cnticos aos erros dos comparsas deixaram de ser tao despreocupadas como no caso anterior. Apesar de se nao registarem respostas conformistas, os sujeitos crfticos desenvolveram esfor~os para compreender e explicar seriamente a divergencia de respostas. Estes resultados demonstram que a existencia de urn grupo de x pessoas que da respostas erradas nao e condi~ao suficiente para 0 aparecimento de conformismo - nesta situa~ao esse grupo de x pessoas existe e, no entanto, nao se verifica conformismo. Para que seja possfvel preyer se se verificara ou nao conformismo numa dada situa~ao, torna-se indispensavel esclarecer as condi~6es existentes de apoio social para 0 nao-conformismo, mas os dados que confirmaIn esta conclusao nao se ficam por aqui, como veremos a seguir.

Luchins & Luchins (1955 ; 1961) demonstraram que a presen~a do grupo parece ser necessaria para obter efeitoS da influencia social a mvel privado. Se 0 sujeito cntico escreve 0 seu julgamento na presen~a dos comparsas, 0 efeito eenco ntrl1do• se mas se, depois de passar pelo paradigma de Asch, 0 sujeito responde aos mesmos estimulos sozinho, a efeito desvanece- . II

E tra 0 aIiado ... ou da importancia se nao ser uma ilha

d:

a) A descoberta da importancia do aliado Na mais importante das varia~6es experimen. do seu paradigma basico, Asch introduziu [81S , . d . sUJ'eitos cntlcos em vez e urn. Embora os dOI S . , resultadoS fossem bastante IOteressantes (0 nuro de respostas erradas baixou para cerca de me . . d ze par cento), surglU urn problema: mUltas ~zes, um dos sujeitos cnticos adoptava as resvostas da maioria e a situa~ao torna-se no habi~ual- uma minoria de urn contra uma maioria de seis ou sete. Como Asch queria estudar 0 efeito da quebra da una~imid~de n~s re~postas dos sujeitOS crfticos, a sltua~ao aSSlm cnada estava longe de ser idea\. Como resolver 0 problema? Asch (1951) voltou ao ponto de partida, urn sujeito cntico e sete comparsas, mas com uma diferen~a essencial: urn dos comparsas - 0 que respondia em quarto lugar - respondia sempre correctamente, opondo-se, por isso, nos ensaios crfticos amaioria. Passaremos a designar este comparsa como 0 «aliado», na medida em que responde de acordo com 0 que 0 sujeito crftico ve. Os resultados foram espantosos: 0 con formismo baixou de 33 para 5,5 por cento, anulando-se assim quase completamente 0 impacte da maioria! Epais facil concluir que enquanto variapJes na dimensiio da maioria tem um impacte nulo ou no mlnimo modesto. a quebra da unanimidade na maioria. seja qual for a dimensiio da dissidencia. edecisiva para a manifestafiio de conformismo. b)

Redufiio do conformismo: quebra da unanimidade ou submissiio ao aliado?

~ Eevidente que os resultados

----

acima descritos sao passfveis de varias interpreta~6es. Nomea-

damente : sera que a redu~ao do conformismo ocorreu porque 0 sujeito crftico deixou de estar exposto a urn grupo unanime, conseguindo por isso libertar-se e responder autonomamente? Ou sera que essa redu~ao se deveu a urn novo conformismo - a submissao ao aliado? Para distinguir entre estas alternativas, Asch (1951, 1955) instruiu urn comparsa para, num caso, fornecer apenas respostas de compromisso (a maioria cometia erros extremos em todos os ensaios crfticos), e, noutro, para cometer erros extremos (enquanto a maioria s6 cometia erros moderados). Repare-se que, se a redu~ao de conformismo anteriormente referida ocorreu por submissao ao aHado, nestas duas novas condi~6es essa redu~ao nao deveria ocorrer - ja que em ambas 0 aliado comete erros nos ensaios crfticos . Os resultados mostram uma redu~ao no mlmero de erros em ambas as condi~6es, embora muito mais acentuada quando 0 aliado cometia erros extremos do que quando este «contemporizava» (ou seja, dava respostas de compromisso) - respectivamente 9 e 22 por cento de erros. E, assim, claro que a quebra da unanimidade eo factor decisivo para explicar a redufiio do conformismo promovida pelo aliado - urn aliado que fome~a respostas ainda mais erradas do que a maioria e praticamente tao eficiente como urn que responda de acordo com 0 que 0 sujeito crftico ve 12 .

c) 0 efeito da consistencia do comportamento do aliado Ate que ponto e necessaria consistencia da parte do aliaqa para garantir a sua eficiencia na redu~ao do conformismo? Quer dizer, sera que, uma vez quebrada a unanimidade. 0 aliado se

12 A I" Ira genera Idade desta conclusao e discutivel. Usando a tecnica de Crutchfield , Allen & Levine (1969) demonsdrn (n: que a eficiencia de urn comparsa mais errado do que a maioria s6 se regista em rela9iio a certos tipos de estfmulos rneadamente, estfmulos perceptivos). .



254

torna dispensavel? Para responder a esta questao, Asch (1951) criou uma situa~ao em que, depois de responder correctamente durante metade dos ensaios crfticos, 0 aliado adere a norma da maioria. Neste caso, 0 conformismo restabelece-se imediatamente e a nfveis superiores ao habitual. Quand.o , pelo contrario, 0 comparsa come~a por aderir e depois diverge, a sua eficiencia na redu~ao do conformismo emerge rapidamente. Como explicar estes resultados quando sabemos que os sujeitos crfticos nao se conformam pura e simplesmente ao aliado? Asch (1955) defendeu que a explica~ao se encontra na «trai~ao» de que os sujeitos crftieos se sentem vftimas. Quer dizer, se 0 sujeito crftieo, depois de ter aces so ao apoio social fomecido pelo aliado, se visse de novo so, mas nao «trafdo», 0 conformismo nao seria restabelecido. Asch (1955) criou uma tal situa~ao: o aliado, depois de responder correctamente em metade dos ensaios crfticos, abandona a sala com urn pretexto, e a serie de julgamentos continua com 0 sujeito crftico de novo so face a uma maioria unanime. Os resultados mostram que, nestas condi~oes, 0 conformismo se nao restabelece! Isto significa que a experiencia de uma qllebra de 1Illanimidade, desde que 0 responsdvel por essa quebra niio Jraqueje na sua resistencia, e suficiente para a redufiio do conJormismo. Estes resultados parecem indicar ainda que 0 aliado niio e apenas importanle por quebrar a unanimidade mas tambem por servir de exemplo na resislencia ao cOl~formismo. Para maior elabora~ao e mais dados sobre esta questao,o lei tor e aconselhado a consultar Allen (1975). De qualquer modo, mais adiante forneceremos elementos adicionais rel'evantes sobre este assunto . Como remate desta sec~ao, acrescentarei que 0 estudo do efeito do apoio social para a resistencia a inlluencia de urn grupo (majoritario ou minoritario) se tern revel ado da maxima utilidade para

255 esclarecer urn grande numero de quest6e . , ncas nesta area, como aI·' las veremos adiantSleo..

e.

3.3. Conclusiio: a contribuifiio de t1 ,I ,I • iff 8ch para 0 estuuo ua In uencia So • A

clQl

As experiencias de Asch representaram -, enorme avan~o nao so na acumu Ia~ao de n urn " . oVos . con heClmentos mas ate na propna defini~ao d limites da influencia social. Asch demonstrou Os . d··d o comportamento In IVI ua I pode variar qUe d , e acordo com a pres sao de urn grupo, mesmo e condi~oes em que 0 indivfduo dispoe de ind~ ca~oes objectivas que, em princfpio, dispensariarn o recurso a considera~ao do comportamento dos outros. Mais: 0 comportamentos dos outros Pode introduzir ambiguidade na realiza~ao de tarefas em circunstancias total mente nao ambfguas. Daf que as experiencias de Asch forne~am um complemento inesperado as conclusoes de Sherif. Mais concretamente, os resultados de Asch demonstraram como uma norma grupal arbitraria pode fazer com que os sujeitos realizem urn numero bastante apreciavel de erros de julgamento. Demonstram ainda que, apesar desse impacto indiscutfvel, os julgamentos dos sujeitos mantem-se maioritariamente correctos. Demonstram final mente como esse impacte pode ser minimizado atraves do apoio social para 0 nao conformismo. Assim. se nos nao limitarmos a considerar 0 impacto da pressao do grupo em termos do numero de erros cometidos pelos sujeitos crfticos, e levarmos tambem em considera~ao as autodescri~oes do que estes pensaram e sentiram, entao temos de avaliar esse impacte como ainda mais geral e significativo. Esta rellexao traz-nos de volta ao problema inicial de Asch. Ate que ponto e que estes resultad~~ podem contribuir para a aferi~ao da validade daJa tao mencionada perspectiva sonambulisla? Antes de tentarmos responder e necessario reconhecer

.ficuldades. A primeira, e a de validar ou l

(illas .d 1 uma perspectiva tao geral e tao lata-

Illvaltd:efinida como e 0 sonambulismo comba,.,e nte Asch. A segunda, e 0 facto de muitos dos lido par efectuados no ambito geral desta perspectOdoS terem deficiencias metodologieas graves, va con d· d . , . II bitualmente nao Isporem e urn cnteno e de harmina~ao do peso relativo das tendencias de dele conformismo e para a In . d d~· epen encla O para h 1948,1952). Daf que se tome diffcil tanto (AS~ .~ao ou aceita~ao desta perspectiva como a II reJel T tarao entre os resultados de Asch e os dos confr0 n T •• estud0 S anteriores. Tendo em conta estes_ itmltes, eremos responder a esta questao? como pod Se uma das teses oferecidas pelo sonambllr mo era a de que urn indivfduo po de ser sujeito mudan~as comportamentais arbitnirias propor urn grupo ou por outra fonte de lnfluencia, entao os resultados de Asch con firmam, no geral, esta ideia - se admitirmos que mudan~a nem e total nem atinge todos os mdivfduos da mesma forma. Sera entao que Asch confirmou 0 que pretendia desconfirmar? Born, 0 proprio Asch se mostrou preocupado com a tendencia revel ada pelos seus sujeitos para se demitirem da sua obriga~ao social de mdependencia (Asch, 1955) 13. Mas se entrarmos em considera~ao com outros dados desta questao, a resposta so po de ser negativa. Senao vejamos: outra das teses do sonambulismo prendia-se ao como e porque da mudan~a do indivfduo pelas Fontes de influencia . Ora, segundo 0 sonambulismo, os indivfduos mudaYam de comportamento (ou de cren~as, ou de ideais) porque queriam evitar uma considera~ao pensada das situa~6es, preferindo, em troca, a

;s

imita~ao da fonte de influencia mais poderosa. Quer dizer, era como se os indivfduos entrassem num estado de sugesliio. Seria diffcil encontrar uma descri~ao mais irreal dos processos psicologicos desencadeados nestas experiencias! Em primeiro lugar, porque as entrevistas pos-experimentais demonstraram que os sujeitos procuraram activamente compreender a situa~ao, considerando explicitamente as consequencias das alternativas comportamentais que tinham disponfveis . Em segundo lugar, porque a magnitude do erro cometido pela maioria esta associada negativamente com 0 numero de respostas erradas fomecidas pelos sujeitos crftieos. Tal e pura e simplesmente inexplicavel, de acordo com a perspectiva sonambulisla. Em terceiro lugar, porque, quando os sujeitos crfticos dispunham de apoio social para 0 nao-conformismo - mesmo que a sua opiniao continuasse minoritaria -, 0 «poderoso» grupo deixava de ser capaz de promover a sua mudan~a. E mais, nessas circunstancias, 0 sujeito crftico nao se limitava a ser sugestiollado pelo aliado - se este divergisse do grupo efectuando julgamentos errados, 0 sujeito crftico nao 0 imitaria a ele nem 0 grupo! Em quarto lugar, e importante reafirmar que a adop~ao privada da norma arbitraria foi uma rara excep~ao, como verificamos pelos resultados das entrevistas pos-experimentais 14. Os resultados de Asch deveriam, assim, ter contribufdo para 0 abandono da perspectiva sonambulisla. Ten! sido isso que aconteceu? Sim e nao. Se nao resta duvida de que a crftica a esta perspectiva se apresenta hoje mais vigorosa

IJ Lembremo-nos de que estas experiencias foram realizadas numa epoca imediatamente posterior aSegunda Guerra MUndial. As preocupar;6es sobre 0 confonnismo eram «<eram»?) muito naturais. Repare-se que se 0 sonambulismo fossc verdadeiro, a conversao das massas a ideais arbitrarios ou desumanos era algo que poderia acontecer a qualquer momento. d 14 Compara-se tal resultado com a adopr;ao individual da norma grupal que sistematicamente ocorre no paradigma e Sherif. A razao de ser da diferenr;a sera discutida mais adiante.



256 do que nunca - e a contribui~ao de Asch e frequentemente reconhecida -. nao e menos certo que 0 sonambulismo continua bern vivo nos noticiarios da televisao ou nos jomais. em certos discursos politicos ou em determinados idearios. Nao seria talvez muito arriscado dizer que a vitalidade do sonambulismo se deve basicamente a ressonancia que tern no senso comum e as necessidades ideol6gicas que. ainda hoje e infelizmente. pode suprir. o que nao deixa de ser ir6nico e que alguns dos actuais crfticos do sonambulismo nomeiem Asch como urn dos seus alvos preferenciais (por exemplo: Moscovici. 1976). Mas como nao ha bela sem senao. nao podemos rematar esta sec~ao sem apontar alguns dos Iimites a estes estudos de Asch. E YOU discutir apenas dois: a) Asch. como vimos. concluiu que a ado~ao privada da norma grupal foi muito rara.Isso ter-se-a verificado nos seus estudos. Cometerfamos urn erro se generalizassemos excessivamente esta conclusao. Israel (1963) demonstrou como 0 paradigma de Asch pode ser utilizado para promover a adop~ao privada da atitude uniinime. mas arbitrana. de urn grupo (para uma discussao desta quesi3.o. consul tar Allen. 1965); b) se e justo reconhecer a utilidade dos dados que Asch recolheu nas entrevistas p6s-experimentais, nao e menos justo criticar a forma como 0 autor, imimeras vezes, usou esses dados como substitui~ao de uma teoria. Por exemplo, dizer «quando 0 aliado. a meio da serie de julgamentos. adere a norma grupal. 0 conformismo restabelece-se porque 0 sujeito crftico se sente trafdo» e mais duvidoso do que descrever os resultados das entrevistas. Parece, portanto, que, algumas vezes, 0 autor usou as entrevistas como explica~ao dos julgamentos. Ora, teria sido bern mais

frutuoso 0 desenvolvimento de urna teo' que explicasse tanto 0 padrao dos jUl l1a mentos efectuados como os resultados gao entrevistas p6s-experimentais. Tal c ~as . olsa em muitos aspectos, d elxou Asch ' Por fazer. ..

4. 0 respeitinho e muito honito: as experiencias de Milgram

4.1. I ntrodufiio Fora da pr6pria Psicologia Social, as expe_ riencias de Milgram foram, certamente, das mais amplamente discutidas: em igrejas e associa~oes clvicas, na comunica~ao social e em inumeros livros dirigidos ao grande publico. Os filmes da experiencia foram dos mais vendidos da psicologia cientffica e ate surgiram excertos deles em filmes de Hollywood. Porque este tao grande sucesso? Por varias razoes . Por urn lado, porque sao surpreendentes e ate assustadores. Por outro. porque, superficialmente, parecem companiveis a acontecimentos terrfveis da hist6ria recente da humanidade. E, finalmente, porque cal ham as mil maravilhas as teses do nosso famigerado sonambulismo. o pr6prio Stanley Milgram nao pareceu muito longe desta perspectiva ao filiar 0 seu pr6prio interesse pelo estudo da obediencia na aten~ao que a psicologia social e clfnica deu aos fen6menos da sugestiio (Milgram. 1963)! Seja como for, Milgram (1963,1965 a, 1974) explicou claramente os objectivos dos seus estudos e e referindo-me a eles que terminarei este subcapftulo. Segundo 0 autor, a obediencia e urn fenomeno tanto comum como util das sociedades humanas. Fen6meno util porque garante 0 funcionamento rapido e eficaz das nossas com-

struturas sociais. Mas a obediencia tams pleJ{a e res enta urn perigo para a democraticidm rep . '1'Iza~ao. \}<' e humalll'd a d e d a nos sa CIVI dade s crimes. massacres. perseguiroes foram Qllo~tOdOS por pessoas comuns que obedeciam a ,eOIIZO ? Milgram pretendeu estudar em labordens . o ,. ate on de sao capazes de ir pessoas norratortO . ue se limitam a obedecer. mals q d' , Mas antes de descrever estes estu os. convlra res ente a defini~ao que Milgram fomece do ter p 'to de «0bed'lenCla»:« Se y segue 0 man daconeel mento de x. diz-se que y obedeceu ax. Se y 0 nao diremos que ele desobedeceu a x. fiIze,r Os termOs obedecer e desobedecer. como foram sados nestes estudos, referem-se apenas a ~c~Oes manifestas do sujeito, e nao contem qualquer imp~ic.a~ao sobre as razoes ou e~tados experienclals que acompanhem a ac~ao.» 15 Assim podemos. sem duvida, considerar a «obediencia» como uma manifesta~ao da influencia social. A

'

4.2. A situafiio experimental de Milgram No estudo original (Milgram, 1963) participaram quarenta sujeitos com idades compreendidas entre os vinte e os cinquenta anos, que se apresentaram em res posta a urn amlncio no jomal. As suas profissoes iam desde carteiro e professor liceal ate engenheiro e vendedor. A experiencia decorreu na Universidade de Yale, nos EUA, num modemo laborat6rio. Uma vez af chegados. 0 sujeito crftico e uma «vftima» (um comparsa do experimentador) recebiam a seguinte explica~ao:

257 «Presentemente sabemos muito pouco acerca do efeito da puni~ao na aprendizagem, por se nao terem realizado praticamente nenhuns estudos verdadeiramente cientfficos com sujeitos humanos. Por exemplo, nao sabemos que quantidade de puni~ao e mais benefica para a aprendizagem - e tambem nao sabemos que importancia tern 0 tipo de pessoa que pune, se urn adulto aprende melhor com alguem mais novo ou mais velho do que ele - e muitas outras coisas do genero. Por isso, neste estudo, estamos a juntar uma serie de adultos com diferentes ocupa~oes e idades, e estamos a pedir a alguns deles que sejam professores e a outros que sejam aprendizes. Queremos saber que efeito pessoas diferentes tern umas nas outras, enquanto professores e aprendizes, equal e 0 efeito que a puniriio tera nesta situa~ao. Portanto, pedirei a urn de v6s para ser "professor" e a outro para ser "aprendiz". Alguem tern alguma preferencia?» o sujeito crftico e 0 comparsa tiravam a sorte, e ao primeiro «calhava» sempre ser professor. Imediatamente a seguir ao «sorteio». ambos os participantes eram levados para uma sala contfgua e 0 aprendiz era at ado a uma «cadeira electrica» - as correias eram justificadas pela necessidade de 0 «aprendiz» se nao mover demasiado enquanto Ihe fossem administrados os choques electricos. Urn electrodo era preso a urn pulso do «aprendiz» e outro Jigado a urn gerador situado numa sala adjacente (ver Figura 7). Para aumentar a credibilidade da situa~ao, 0 experimentador respondia a uma pergunta feita pelo «aprendiz», afirmando que «em bora os choques possam ser extremamente dolorosos, nao irao causar danos permanentes nos tecidos epidermicos».

• 15 Convenhamos que esta defini~ao afasta-se muito pouco do significado da palavra obediencia. E onde se afasla e na SlInplifica~ao que introduz. Assim. nao deixa de ser absurdo considerar que alguem que nao voe, apesar de outrem a isso o ellonar, esteja a «desobedecer» ou que alguem a quem se mande respirar esteja a «obedecer» quando respira. No enlanto . eSla falha conceptual nao tom a mais diffcil a compreensao dos trabalhos que iremos discutir.



258

259

FIGURA

7

Fotografias do filme Obedience

a) Gerador da experiencia de Milgram. QUinze do trinta interruptores jet tinJuun sido ligados. S

b) 0 «aprendiz»

eamarrado a cadeira.

c) 0 sujeito cr(tico recebe urn pequeno choque para aumentar a credibilidade da encenafcio experimental.

fa de aprendizagem mais frequentetare . . . - d tilizada conslstla na memonza~ao e Usociados de palavras. 0 «professor» lia as lista de pares de palavras e depois lia a uma . . palavra de cada par, Juntamente com elra . . pfl'm altemativas. 0 «aprendlz» tmha de escoatro . que t1vesse . . qu uela alternatlva Sl'd0 prevlaer Ih a~mparelhada com a palavra respectiva - 0 JIIente . ndizl> fazia ISSO carregando num de quatro ICapre upto d' d' l" I res que acen lam lIerentes uzes IO terr
a

d) 0 sujeito cr(tico recusa-se a continuar.

(Fonte: Roger Brown. Social Psych%y)

gerador era falso - 0 unico choque capaz de administrar era 0 de 45 volts! No decorrer da experiencia alguns elementos eram constantes: a) as respostas da vftima-«aprendiz» (que cometia urn terr;o de erros) ; b) as reacr;6es da vftima - ate aos trezentos volts nao reagia, aos trezentos volts batia audivelmente na parede com a mao livre c a partir daf nao surgiam mais respostas sinalizadas na «caixa de respostas» . Nessa altura, 0 experimentador indicava ao sujeito crftico que deveria considerar a ausencia de respostas como urn erro; c) em varios momentos no decorrer da experiencia era natural que 0 sujeito crftieo protestasse ou se aconselhasse com 0 experimentador. Cada vez que isso acontecesse,o experimentador realizava urn de uma serie de incitamentos-padrao que eram feitos na seguinte ordem: «Por favor continue», «a experiencia requer que continue» «e absolutamente essencial que continue», «nao tern alternativa, tern de continuar» . Se, ap6s estes quatro incitamentos, 0 sujeito crftieo se recusasse a continuar, a experiencia terminaria; d) se 0 sujeito crftico dissesse que 0 «aprendiz» nao queria continuar, 0 experimentador respondia: «Queira ou nao, voce tern de continuar, ate que ele aprenda todas as palavras correctamente» (e depois seguiam-se, se necessario, os quatro incitamen tos-padrao ); e) se 0 sujeito crftico perguntasse quem assumia a responsabilidade pelas eventuais consequencias nociva~ dos choques, o experimentador responderia que a responsabilidade era inteiramente sua. A principal variavel dependente consistia na intensidade maxima dos choques que cada sujeito crftico administrava. A situar;ao era gra-



260

vada ou filmada e, posteriormente, 0 sUJelto crftico era entrevistado. Finalmente, explicava-se-Ihe 0 teor da situa~ao em que tinha participado e os seus objectivos.

Resultados (intensidade dos choques) Born, leitor, ate onde e que acha que iria na intensidade dos choques? Se as suas intui~6es foram identicas as de duas amostras do sujeito a quem se pediu a mesma previsao, 0 leitor ten! pensado em 150 volts, talvez urn pouco mais, mas nunca ultrapassani os trezentos volts na sua previsao. E de facto, uma amostra de quarenta

qualificados psiquiatras concordou com tal visao, considerando que 0 mlmero de pe Pre. . q~ dlspostas a chegar aos 450 volts nao ultr . apas sana os 0,2 por cento - visto ser essa a perce . gem media de psicopatas na popula~ao. ~ta. realidade qual foi? a A realidade foi bern diferente! Consultern oSo Quadro VIII. Nada menos nada mais do qUe 2 dos quarenta sujeitos crfticos foram ate ao ,6 . d rna· xlmo 0 choques e 35 dos quarenta ultrap as· saram os trezentos volts! Surpreendente, nao e? Para vermos ate que ponto isto e verdade , con·. suite a Figura 8.

Resultados (entrevista e observa~ao) QUADRO

VIII

Distribui~o da intensidade de choque a partir da qual os sujeitos se recusam a continuar a experiencia

Os resultados das entrevistas confirmaram que os sujeitos crfticos nao se aperceberam do teor da simula~ao envoi vida. Mas, mais importante do

(Milgram, 1963)

Designacsao verbal

Choque fraco Choque moderado Choque forte Choque muito forte Choque intense

Indicacslio da voltagem

FIGURA

Numero de sujeitos pard os quais esta foi a vollagcm maxima

15-60 75-120 135-180 195-240 255-285

0 0 0 0 0

300 315 330 345 360

5 4 2 1

8

o comportamento predito pelos psiquiatras e 0 obtido nas experiencias (Milgram, 1963) 100-,.::::----.......- - - - - - - - - -

Comp0rlamCnlU uhlido

'" 80

~

~

-!!

"0

1l

060

-g'"

-a Choque de extrema intensidade

B"0

('ompurlamcnlU prcvislo

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Perigo: choque severo

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450 volts Inlcnsidadc cresccnle Grau de choquc

demonstraram que os sujeitos viveram a num estado de extrema tensao - facto ItUll~e resto, e, evidente nas varias filmagens das que, ienci as de Milgram. Mais concretamente, os e~~:os que participaram nesta experiencia uJe l . tremiam, nam nervosamente, mord'lam va rn ' ua S I 'bios e murmuravam continuamente. Muitas oSli diziam que tm 'h am de parar... e contl.

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FIGURA

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Resultados da manipula~ao da variavel «proximidade da vitima» nas experiencias (Milgram, 1963) JO,-----------------------------~

veZes ouavarn .

- 2S

4.3. Variafoes experimentais A partir desta situa~ao de base, Milgram reaJizou diversas replica~6es e varia~6es experimentais (Milgram, 1965 a, 1965 b, 1974), algumas das quais irei referir sucintamente. a) A proximidade da «vitima»

Milgram fez variar 0 grau de contacto do sujeito crftico com a vftima. A situa~ao que acima discutimos serviu de condi~ao de contaeto remoto, sendo acrescentadas tres novas condi~6es. A saber: condiriio voz aud(vel - a vCtima fazia-se ouvir, protestando com veemencia crescente dos 150 aos trezentos volts; a partir daC tudo decorria como na primeira condi~ao; condirlio proximidade - esta condi~ao diferia da anterior apenas na medida em que vftima e sujeito crftico eram colocados na mesma sala, passando a vftima a ser, alem de audfvel, tambern visfvel; condifiio proximidade contacto nesta condi~ao a vCtima s6 recebia 0 choque se colocasse a mao «numa placa de choque»; como se recusasse a faze-Io a partir dos 150 volts, 0 sujeito crftico tinha de for~ar a mao da vftima a colocar-se sobre a placa. Os resultados mostraram que a manipula~ao da ~encionada variavel «proximidade» teve urn efeuo impressionante. A obediencia decresceu sUbstancialmente a medida que a proximidade aumentou (ver Figura 9).

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b) A proximidade da autoridade Se a proximidade da vCtima fez diminuir a obediencia, a proximidade da autoridade talvez devesse faze-Ia aumentar. E foi isso mesmo que Milgram (1965 a) verificou numa nova varia~ao experimental. As condi~6es desta experiencia variavam da seguinte forma: 0 experimentador sentava-se perto do sujeito crftico (condi~ao urn); 0 experimentador, depois de dadas as instru~6es, ausentava-se e comunicava com 0 sujeito crftico apenas pelo telefone (condi~ao dois); 0 experimentador nunca aparecia na situa~ao - as instru~6es eram fornecidas por uma grava~ao (condi~ao tres). Os resultados mostraram existir uma fortfssima rela~ao positiva entre proximidade da autoridade e os nfveis de obediencia alcan~ados.



262

c) 0 prestigio da autoridade Urn factor que poderia ter contribufdo para estes resultados e 0 prestfgio de que a Universidade de Yale dispoe nos EUA. Se assim tivesse sido, a replicaerao desta experiencia num laboratorio de menor prestfgio deveria, com certeza, atenuar 0 grau de obediencia verificado. Milgram (\ 965 a) testou esta hipotese num «laboratorio» com aspecto velho e desleixado, situado num ediffcio normal do centro da cidade de Bridgeport, em nome de uma organizaerao desconhecida: a Research Associates of Bridgeport. Os resultados foram novamente surpreendentes, na medida em nao demonstraram nenhuma apreciavel reduerao do grau de obedil~ncia. E, no entanto, muitos sujeitos revelaram, nas entrevistas pos-experimentais, ter grandes duvidas sobre a credibilidade da tal Research Associates of Bridgeport. d) A influencia dos outros e 0 peso do apoio

social para a desobediencia Milgram ( 1965 b) realizou ainda outras variaer oes , em que foram introduzidos novos participantes (comparsas do experimentador). Numa experiencia, a sessao de aprendizagem compreendia tres «professores», dos quais apenas urn era «crftico)). A meio da experiencia, os dois «professores» comparsas do experimentador recusavam-se a continuar a administraerao dos choques. Mais de noventa por cento dos sujeitos crfticos 0 fez tambem (Milgram, 1965 b). Noutra experiencia identica a anterior, os comparsas continuavam obedientemente a seguir as instrueroes ate aos 450 volts (Milgram, 1965 b). A obediencia aumentou apenas muito ligeiramente. Portanto, a intluencia dos outros foi mais eficaz na facilitaerao da desobediencia do que na promoerao da obediencia. Note-se, mais uma vez, 0 impacte «libertador» do apoio social.

e) A consistetlcia da autoridade Noutras experiencias, Milgram (1974) ~ . . ,. ez num caso, com que 0 sUJelto cntlco se confr ' . . d On. tasse com dOls ex pen menta ores com opini~ . - da adrnin·Oes · dIvergentes so bre a conttnuaerao IS· traerao dos choques; noutro, as funeroes do expen.. mentador foram delegadas num sujeito (corn. parsa do experimentador). Em ambos os casos nfvel de obediencia baixou consideravelrnen; 0

e.

4.4. Conclusoes E

provavelmente facil de compreender 0 exito «mundano) dos trabalhos de Stanley Milgram sobre obediencia. Sao impressio_ nantes, inesperados, com consequencias eticas evidentes, reveladores de algo sobre a «natureza humana» - e se os usarmos como urn dos termos de uma analogia, em que 0 outro se chama «nazismo», sao assustadores. Mas, exactamente, 0 que e que nos e dito por estes resultados? 0 proprio Milgram assevera-nos que «uma propor9ao substancial de pessoas faz 0 que lhes mandam, qualquer que seja conteudo do acto e sem entraves de consciencia, desde que considerem 0 comando como emitido por uma autoridade legftima» (Milgram, 1965 a, p. 75). A chave destes resultados seria, para 0 autor, 0 facto de os sujeitos disporem de uma autoridade que se responsabiliza pel as consequencias do seu comportamento, sentindo-se estes «desresponsabilizados». Milgram confessa-se perturbado com as suas experiencias que indicam estar ao alcance de urn agente social oU institui9ao investido de autoridade. Resumindo: «Estes resultados levantam a possibilidade de que a natureza humana, ou mais especifieamente 0 tipo de caracteres produzido na demOeratica sociedade americana, nao possa imunizar os seus cidadaos da brutal idade e do tratam ento e desumano sob a direeerao de uma autoridad

°

'yola') (Milgram, 1965 a, p. 75). Eo homem lIle llI SoC ~bulamellte aespera, e em vao, do beijo do so/la1 d , . , eipe Teo nco que 0 esperte ... PfI;oderemos subscrever com confian9a a interretll~ao que Milgram fa~ dos ~eus r~s~ltados? P .ficilmente ... Isto por tres motlvos baslcos: DI . I . _. Em primelro ugar, a tnterpreta9ao aClma bo~ada envol ve uma apreciavel generaliza9ao ~~s resultados de u~ conjunto de experi~ncias am a realidade socIal. Ora, tal generahza9ao Pnyolye urn sem-numero de incognitas, e e por ~sso altamente discutfvel que se possa aceitar 0 laboratorio como urn modelo do mundo social (Tumer, 1981; ver tambem Da Gloria, neste volume). A generaliza9ao dos resultados de uma experil~ncia tern de ser mediada teoricamente easo eontrario, e impossfvel seleccionar aquelas que, das inumeras diferen9as que existem entre uma dada situa9ao de laboratorio e uma dada situa~ao natural, sao essenciais no condicionamento de tal generaliza9ao. Ora, neste caso, a posi~ao teorica do autor e tao vaga que qualquer generaliza9ao feita a partir dela sera de validade indeterminavel. Em segundo lugar, Milgram afirma que uma autoridade, desde que considerada como legftima, pode induzir obediencia, qualquer que seja o conteudo do acto em causa. Isto e relativamente paradoxal, porquanto uma autoridade legftima exerce-se tipicamente dentro de uma area mais ou menos restrita de competencia. Urn polfcia agira na sua area de competencia se me mandar sair de urn local de estacionamento Proibido, mas, pelo contrario, exorbitara essa competencia se me mandar tomar urn antibiotico rJl . I como uma Bela Adormecida, continua

263

de oito em oito horas durante dez dias. E provavel que obedecesse no primeiro easo (mesmo que nao visse nenhum sinal de estacionamento proibido) e desobedecesse no segundo. E os sujeitos de Milgram? Born, e na verdade espanto so que estejam dispostos a cumprir determina90es que podem, aparentemente, por em perigo a vida de outrem. Mas e muito duvidoso que estejam dispostos a obedecer, «qualquer que seja 0 conteudo do acto». Nao e muito crfvel que, se 0 experimentador os mandasse pegar numa pistola e matar 0 am ante da mulher, eles prontamente obedeeessem 16. De notar que, neste caso, a autoridade - 0 experimentador - exeree a sua autoridade num domfnio de delimita9ao particularmente diffcil para os sujeitos em causa - 0 laboratorio (ver Darley, 1995, para uma interpreta9ao semelhante da situa9ao de Milgram). Quer dizer, num domfnio em que 0 seu grau de experiencia anterior e mfnimo - mfnima sera tambern, consequentemente, a sua capaeidade de apreensao das caracterfsticas basicas dessa situa~ao. E ineerto que se atinjam, em eondieroes menos incomuns, e sem coer~ao, os nfveis dramaticos de obediencia aqui verificados. Em terceiro e ultimo lugar, notemos que a explica~ao em termos de urn sentimento de desresponsabilizaerao experimentado pelos sujeito nao e satisfatoria. Isto porque na experiencia em que 0 experimentador fornecia as instru~oes pelo telefone (responsabilizando-se na mesma por todas as consequencias), a obediencia baixou eonsideravelmente. Que conciuir entao destes estudos? Conservemos, sem duvida, a demonstra~ao de que indivfduos normais em condi90es particulares sao

------16

Vem a propos ito 0 episodio ocorrido com um jovem assistente de Charcot (neurologista frances e grande pioneiro

~o e~tudo do hipnotismo), que, aproveitando-se da ausencia do mestre, pretendeu induzir hipnoticamente uma pacientc a

e.~plr-se em pUblico . Tudo 0 que conseguiu, contudo, roi um bom par de estalos! Como Charcot Ihe explicou posterior:ente,o seu erro tinha ~ido 0 de nao ter sugerido um contexto on de 0 facto de tirar as roupas fosse natural... Ate 0 poder n SUgestao hlpnotica nao parece ser de exercer-se sem restri,,6es e conteudo.



264

capazes de actos objectivamente crueis e desumanos. Mas nao esque~amos tambem como, noutras condi~oes, em especial quando dispoem de apoio social para a desobediencia (ver ponto 4.3) , os mesmos indivfduos sao capazes de conscienciosamente desobecer (ver Brown, 1985; Gamson , Fireman e Rytina, 1982) . S\!ja como for, nao parece, mais uma vez, 0 sonambulismo capaz de , na sua simplicidade, fomecer uma adequada explica~ao para estes resultados.

5. A influencia social de pernas para oar: 0 paradigma experimental de Moscovici

5.1 I ntrodUfiio Ate agora temos discutido situa~oes em que urn sujeito exposto a urn emissor de influencia (grupo , autoridade, etc .) se confronta com duas altemativas: manter a independencia ou conformar-se. Mas sera que, na realidade , 0 alvo da influencia social so dispoe destas alternativas de ac~ao? A ser assim , as questoes sao as de saber porque e e como e que os grupos humanos mudam e passam a misterios de diffeil solu~ao . Mas talvez nao sejam a manuten~ao da independencia e 0 conformismo as unicas alternativas para a ac~ao ... Pelo men os em certas condi~oes parece conceptfvel que 0 alvo da influencia considere uma terceira altemativa: a tentativa de fazer 0 grupo mudar. E, de facto, a historia esta repleta de exemplos de pensadores e de cientistas e de politicos que se nao conformaram a dependencia, e que , ousadamente, se esfor~aram , com exito, por modificar as opinioes do seus colegas e contemporaneos. Mesmo sabendo que a historia e sobretudo representada a partir da colec~ao de

episodios excepcionais, tais exemplos na xam de constituir urn born argumento 0 dei. considera~ao da possibilidade de que Um ~~ta a influencia se possa tomar urn emisso r bem 0 de - sena ,. passa POr sUce. d I'd O. Essa consl'd era~ao explica~ao das razoes pelas quais existem t ullla . . . antas «seltas» poI'Itlcas e re I'Iglosas e tantas teo' cientfficas de que 0 leitor nunca, ou s6 m~as . u~ vagamente, OUVIU falar, enquanto algumas d nossas mais banais concep~oes foram tam be as no passado, apenas defendidas, e arduame Ill, . d"d . Iad os. nte, por In IVI UOS ISO A explfcita considera~ao destas questoe devemo-Ia a Serge Moscovici , autor que, a Parti~ do fim dos anos 60, desenvolveu urn prograllla de investiga~ao sobre urn aspecto negligenciado na area da influencia social: a inova~ao, qUer dizer, a mudan~a das norm as de urn grupo pramovidas por uma minoria (Faucheux e Moscovici, 1967; Moscovici, Lage e Naffre. choux, 1969; Moscovici e Lage, 1976, 1978; Moscovici e Neve, 1971 , 1973; Moscovici e Personnaz, 1980). Tal como Asch, tam bern Moscovici firmou 0 seu proprio terreno numa crftica a perspectiva vigente em influencia social - aquela que ele designou por «funcionalismo». Esta perspectiva assenta, segundo 0 autor (Moscovici, 1976; Moscovici e Faucheux, 1972), nos seguintes pressupostos:

a) A influencia social e desigualmente distribuida e exercida de forma unilateral De facto, a esmagadora maioria dos trabalhos realizados ate entao debru~ava-se sobre a investiga~ao dos efeitos que urn emissor de influencia (grupo, especialista, autoridade) tinha em determinado alvo. Quase nunca se considerava a possibilidade de que uma entidade pudesse s~r, simultaneamente, emissor e alvo de influencl8 (como excep~ao, relembremos os trabalhos de

. descritos anteriormente). Pelo menos lter.l!iITIente, essa visao unilateral deve-se ao plll'CI te uso de comparsas - que, como Uen . freq in stru~oes preclsas sobre 0 comporcebeITI . nao - podem ser re ue devem assumlr, rnento q .. III iados pelo comportamento dos sUJeltos enc IIIf\u _crI'ticos».

Afiunfao da influencia social ea de manb) ler e reJoTf;ar 0 contro I0 socIa •I

265

Kiesler e Kiesler, 1969; Krech, Crutchfield e Ballachey, 1962).

e) 0 consenso almejado pelos interciimbios de influencia e baseado na norma da objectividade Quer isto dizer que a busca da uniformidade social se faz com referencia a realidade e, como tal, 0 consenso alcan~ado tern de ser urn reflexo dessa realidade.

E um

facto que~ m.uitas reflexoes sob~e os 'menDS de influencla (Hare, 1962; Festmger, fen o... _ 1950; Secord e Ba.ck~an, 1964) pressupo~~ ue alcan9ar os obJectlvos de urn grupo so e ~ossfvel se existir unanimidade ou pelo menos grande consenso nesse grupo.

c) As relafoes de dependencia determinam a direcfao e a quantidade de influencia social exercida num grupo Por exemplo, os indivfduos conformam-se aos grupos porque dependem deles tanto para mterpretar a realidade como para satisfa~ao das suas necessidades de afilia~ao (Deutsch e Gerard, 1955; Jones e Gerard, 1967; Thibaut e Strickland,1956)17. d)

Os estados de incerteza e a necessidade de reduzir a incerteza determinam as formas tomadas pelo processo de injluencia

De facto, desde Sherif ate hoje, a maior parte dos teoricos da urn lugar central ao grau de incerteza experimentada pelos alvos da influencia na determina~ao dos respectivos processos. (Allen, 1965; Hollander, 1960;

j) Todos os processos de influencia sao vis-

los sob a perspectiva do conformismo, e 0 conformismo, por si, e tido como subjazendo as caracteristicas essenciais destes processos Este pressuposto e apenas uma consequencia dos anteriores (em especial dos tres primeiros). Estes cinco pressupostos promoveram a urn lugar central, segundo 0 autor, variaveis secundarias como a dependencia e a incerteza, e fizeram negligenciar as fun~oes que a divergencia ocupa na vida normal dos grupos humanos e das sociedades. De notar que esta atribui~ao de urn lugar subordinado as variaveis acima referidas e das posi~oes mais discutfveis de Moscovici (para uma crftica, ver Gerard, 1985; Levine, 1980, 1989). Por razoes de conveniencia de exposi~ao, adiaremos, no entanto, a discussao da sua importancia para 0 ponto 6.1 18. Por contraste com esta perspectiva, desenvolveu Moscovici uma nova abordagem dos fenomenos de influencia que designou por teoria genetica (Faucheux e Moscovici, 1967; Moscovici, 1980; Moscovici, 1976; Moscovici e Faucheux, 1972; Moscovici, Lage e

. 17 Mais adiante discutiremos as rela..6e!'. entre diferentes tipo!'. de «dependencia» (normativa e informativa) e a Inf\uencia ~ocial. • 18 Por outro lado e evidenle que esta amilise deve muito 11 crftica que Asch realizou do sonambll/ismo . em bora tal nao seja eXplicitamenle reconhecido por Moscovici.



266

267

Naffrechoux, 1969). Esta abordagem pode ser sintetizada da seguinte forma (Garcia-Marques, 1987 a): i) A distin~ao entre realidade objectiva e social e negada - a realidade e perspectivada como uma constru~ao social . ii) A influencia social nao e necessariamente resultado de informa~ao objectiva insuficiente ou ambfgua, necessidade de aceita~ao ou medo de rejei~ao pelo grupo. A influencia social e uma forma de negocia~ao, a partir da qual se conserva ou modi fica uma dada defini~ao mais ou men os consensual da realidade. iii) As fun~6es qa influencia nao sao apenas de controlo social, sao tambem as de mudan~a social. iv) Esta negocia~ao envolve tres processos de gestao do conflito que ocorrem na genese, manuten~ao e desenvolvimento dessa defini~ao da realidade: a) Normalizariio - 0 conflito advem da cria~ao de uma norma, e a sua resolu~ao faz-se atraves de concess6es recfprocas (como exemplo, tomemos as experiencias de Sherif); b) Conformismo - 0 conflito gera-se na manuten~ao da defini~ao de uma dada norma e e resolvido atraves da submissao do indivfduo ao grupo (experiencias de Asch). Este processo ocorre principalmente nos casos em que a maioria e nomica e a minoria (ou 0 indivfduo isolado) e Clnomica 19; c) Inovariio - 0 conflito surge a partir da contesta~ao por parte de uma minoria nomica das normas vigentes e e frequentemente resolvido atraves da mudan~a das normas grupais. v) Os processos psicossociais subjacentes ao conformismo e a inova~ao sao distintos. Ao primeiro, esta subjacente urn processo de COI11-

parariio em que a minoria compara 0 comportamento com 0 da maioria. Ao segU Sell esta subjacente urn processo de validaraondo que a maioria tenta adquirir nova inforrna e~ que valide 0 seu comportamento. ~ao Daqui derivam algumas consequencias: Devido a possibilidade de desestabiliza r realidade social vigente a partir da contesta _a ~ao das normas que a fundamentam, uma minoriad indivfduos e capaz de, sem poder, competen/ .. I la ou qua Iquer estatuto especlals, evar a mOd'fj II· ca~ao dessas mesmas normas . Esta inova~ao ' possfvel mesmo em condi~6es de complete ausencia de ambiguidade objectiva do jUIga~ mento requerido, A ambiguidade nao e, para Moscovici, uma condi~ao necessaria para a influencia social, mas sim urn resultado poSsfvel da sua ac~ao (veja-se 0 caso das experien_ cias de Asch), Por outro lado, em virtude de v), as diferen~as entre inova~ao e conformismo conduzirao a que a aten~ao do alvo de influencia esteja centrada no comportamento da maioria, no caso da inova~ao, e no objecto de julgamento Oll estimulo. no caso do conformismo. Oaf que Moscovici (1980) preveja que a aceitariio pliblica da influencia seja maior no conformismo do que na inova~ao, mas que suceda 0 contrario em rela~ao a aceitariio privada. No cerne do conformismo estara, portanto, a sllbl11issiio. enquanto a inova~ao implicara conversiio. Mas se nao sao nem a dependencia nem a ambiguidade objectiva das situa~6es as variaveis cruciais na explica~ao dos fenomenos de inlluencia, qual e entao, para Moscovici, a variavel decisiva na determina~ao das con-

'ndivi· Esta dislinc;ao, original mente feita por Durkhcim. e desenvolvida por Moscovici (1976). entre grupos e I a " " b " • ' d a posse d e «urn co'd'Igo com. urn uma nannII' e anomlcos ase.a-se. respecllvamente. na posse ou na ausencla d uos nomlcos reconhecida. uma resposta dominante. ou urn consenso identificado» (p , 75) , Quer dizer. urn padrao organizador percep vel do seu comportamento,

de sucesso ou de insucesso de urn dado de influencia? A proposta do autor obre 0 que ele designou por «estilo s mental». Estilo comportamental e za~ao intencional dos sinais verbais _ verbais, que exprime 0 significado do nao res ente e a evolu~ao futura daqueles o e~ibem (Moscovici, 1979). Como toda a de comportamentos comporta dois : 0 seu aspecto instrumental fornece informa~ao sobre 0 objecto que e julgado; seU aspecto simbolico informa-nos sobre a que adopta esse estiJo» (Doms e Mos1984, p. 64). Os ~stilos comportamentais mais estudados sido a f1exibilidade mas sobretudo a _ .. ,,,n,,,,,,· , definida em termos da repeti~ao afirma~6es , evitamento de contradietc. 20 partir desta perspectiva, Moscovici .;ntpmrp.tclil as i nvestiga~6es de Asch e desenuma serie de estudos que procuraram a realidade de fenomenos que ate se considerar ocultos: os relativos aos de inova~ao. "",,,,Q • •" .

A influencia social de pernas para oar: a reinterpretariio das investigafoes de Asch Como sabemos, Asch criou uma situa~ao em uma minoria de indivfduos (urn, mais exac) era submetida a pressao implfcita pelo comportamento de uma maioria (comparsas do experimentador) . Os . demonstraram que essa maioria tern tmpacto significativo no comportamento

da minoria. Moscovici (Faucheux e Moscovici, 1967), no entanto, chama a aten~ao para 0 facto de que essa «maioria» laboratorial e considerada como uma «minoria» relativamente a totalidade dos outros seres humanos. Porque? Porque a grande maioria dos sujeitos crfticos continua provavelmente convene ida da correc~ao da sua percep~ao da situa~ao e que, portanto, «Ia fora», o resto do mundo estaria de acordo consigo e nao com aquela estranha «maioria de laboratorio» . Oaf que 0 sujeito «crftico» seja minoritario naquela situa~ao, mas «representante» de uma «maioria de facto» (extralaboratorio). So assim se compreende, segundo Moscovici, a nao aceita~ao privada da influencia dos comparsas manifestada nos resultados das entrevistas pos-experimentais de Asch. Mas a que se deve, entao, a impacte dessa «minoria de facto»? De acordo com Moscovici, esse impacto fica a dever-se Ii consistencia sincronica do seu comportamento, quer dizer, Ii unanimidade das suas respostas. Note-se que basta que 0 indivfduo disponha de urn aliado (ou seja, que a consistencia sincronica seja quebrada) para que 0 impacte dessa «minoria de facto» se reduza dramaticamente. Seria entao Asch, sem 0 saber, 0 primeiro investigador a demonstrar que urna rninoria consistente pode modificar 0 cornportarnento de uma rnaioria (ou, pelo rnenos, de urn seu «representante» ). Nao custa conceder a Moscovici merito, engenho e originalidade nesta sua reinterpreta~ao de urn conjunto de trabalhos tao irnportante e conhecido como e a de Asch. No entanto, existem raz6es para contestar esta reflexao de Moscovici (ver caixa na pagina seguinte).

)9

20

A enOrme latitude desta definic;ao ira, como veremos, tmzer problemas a csta abordagem.

• 268

269

'd de visual. Desses, dois 21 eram com-

RAZOES DE INSATISFA<;lo EM RELA<;AO A. REINTERPRETA<;lo DAS EXPERIENCIAS DE ASCH REALIZADA POR MOSCOVICI 1.a razao Seg~ndo Moscovici, os sujeitos crfticos de Asch sao confrontados com urn estranho grupo de indivfduos ( «maioria de labomtorio» mas «minoria de facto»). Qual podenl ser 0 criterio subjectivo (quer dizer, do <<sujeitou~. tieo») para a inclusao de urn individuo nesse grupo? E evidente que s6 pode ser 0 comportamento que exibe en. assim se compreende a delimita~ao que Moscovici realiza, em nome dos sujeitos «crrticos», em maiorias e min -.s6 «de facto». Se assim e, como sera c1assificado 0 aHado nas condi~Oes de apoio social pam 0 nilo-conformismo~r~ «maioria de labomt6rio/minoria de facto» nunca, porque exibe urn comportamento antag6nico a ela. Se nao perten a ce a ela, como pode tormi-Ia, entao, inconsistente ou menos do que unlinime, como defende Moscovici? Note-se que este argumento atinge nao s6 a reinterpreta~ilo dos resultados de Asch, mas tamMm a viabilidad da explica~ao destes resultados baseada na importancia do estilo comportamental sincronamente consistente ado e tado pelos emissores de influencia. 0 mesmo aconteceni no que diz respeito It proxima mzilo. P-

2.· raziio Se e a consistencia comportamental que promove os niveis de influSncia verificados nos experiencias de Asch como explicar que urn grupo consistente de comparsas quase nao produza impacto nas respostas publicas dos sujeito; «crfticos», quando estes os enfrentam em grupo? (ver sec~ao 32.5).

3.a raziio Admitindo, sem conceder, que as experiencias de Asch revelam tao-s6 influencia minoritaria, como e que a abordagem de Moscovici pode explicar 0 baixfssimo nrvel de aceita~ilo privada da influencia que af se registou? E 0 apreciavel grau de aceitayao publica? Tais resultados contradizem c1aramente 0 pressuposto v) da sfntese d. Teoria Genetica que anteriormente discutimos. Quer dizer, se a reinterpreta~ao estiver certa, a sua teoria estad provavelmente errada ...

4.· razao Ests ultima mzao e empirica. Numa experiSncia realizada por Doms & Van Avermaet (1985), em que foi uti· Iizado 0 paradigma de Asch, pediu-se aos sujeitos «crfticos» , no fim da sucessao de julgamentos, que eSlimassem. percentagem de pessoas que julgaria os estfmulos como os emissores de influencia (os comparsas) fizemm . A media das estimativas atingiu os 47.8 por cento. Demonstra-se assim que a experiencia da situa~ao tern um impacto nilo 86 nas respostas dos sujeitos mas tambem na representatividade percebida dessas respostas. Resumindo: embora muitos dos argumentos de Moscovici sejam 6ptimos em si, quando tornados em conjunto sao de validade duvidosa.

5.3 A influencia social de pernas para oar: 0 paradigma experimental de Moscovici. Os primeiros estudos Descri~ao

da situa~ao experimental

Foi sa depois do primeiro estudo realizado por Faucheux e Moscovici (1967), que Moscovici

construiu 0 seu mais conhecido paradigma experimental: 0 descrito em Moscovici, Lage e Naffi'e choux (1969) . A situa~ao era apresentada co~ urn estudo sobre perce~ao das cores e a condl ~ao experimental desenrolava-se em quatro fases:

Primeira Jase . d IVI ' 'd uos eram submetl'd os a urn teste · m Sels

acU1doaexperime?tad~r. E. s~a f ase tm . ha como ao s6 elimmar mdlVlduos com proble~isiiO como fazec saber aos sujeitos que de , . - b oS participantes possUlam uma Vlsao a sonormal. .....'ffit:iu.-

segunda Jose am projectados diapositivos com dois tipos Ee ' tiltros: urn com a gama d ommante azu I, e que a passagem dos raios luminosos, e que reduzia a intensidade luminosa. us ados 24 diapositivos variando em dois de luminosidade. Eram pedidos dois jul.a",,~n[{JS aos sujeitos: para indicarem a cor do e para estimarem a luminosidade escala de urn a cinco. Os julgamentos anunciados publicamente e sempre na ordem. Os comparsas (que intervinham primeiro e em segundo ou em primeiro e em lugar) anunciavam sempre a mesma em rela~ao a cor: «verde». Quanto ao 1l2ameillto de luminosidade, respondiam como parecia. A primeira variavel dependente pois, 0 numero de respostas «verde» dadas sujeitos crfticos. 1

No fim dos 24 pares de julgamentos era dito sujeitos que urn colega do experimentador aplicar uma «contraprova» para estudar os da fadiga na percep~iio das cores. Essa a:orltr",run. era 0 teste de Farnsworth sobre !JWfc:ep\;ao de cores. Este teste contem series de variando ligeiramente em colora~ao. Os relevantes eram aqueles em que as series .dn'~,,~_ gradual mente do azul para 0 verde e os tinham de nomear a cor de cada drculo. res

Este teste era aplicado individualmente. A fun~ao desta terce ira fase consistia em verificar ate que ponto e que as respostas da minoria faziam modificar 0 Iimiar de diferencia~ao entre 0 azul e 0 verde - correspondendo esse resultado, a ser obtido, tanto a uma reestrutura~ao perceptiva como a aceita~ao privada da inova~iio. As respostas a este teste constitufam, assim, a segunda variavel dependente desta investiga~iio.

QuartaJase Nesta fase, os sujeitos crfticos respondiam a urn questionario pas-experimental e era-Ihes fornecida uma explica~ao sobre 0 teor da situa~ao. Existia tambem uma condi~ao de controlo em tudo igual a condi~ao experimental, excepto quanto a ausencia de comparsas - os grupos eram assim constitufdos por seis sujeitos «crfticos» .

Resultados Os resultados foram decisivos. Enquanto na de controlo s6 se registaram 0,25 por cento de respostas «verde», na condi~ao experimental essa percentagem atingiu os 8,4 por cento. Esta diferen~a entre as condi~oes experimental e de controlo constitui uma medida da aceita~ao publica da influencia da minoria. Esta influencia pode ainda ser visfvel no facto de que, enquanto na condi~ao experimental mais de 95 por cento de sujeitos responderam invariavelmente «verde» a todos os diapositivos, essa percentagem baixou para 43 por cento na condi~ao controlo. Mas mais importante ainda: verificou-se uma diferen~a significativa nos Iimiares de diferencia~ao entre 0 azul e 0 verde dos sujeitos das condi~ao

21 Moscovici usou uma minoria de dois individuos em vez de apenas urn, para impedir que se pudessem ignorar POstas da minoria sob 0 pretexto de que a divergencia que se iria verificar se devia a factores idiossincratieos.



270

271

condi90es controlo e experimental. Mais concretamente, os sujeitos criticos que participaram na condi9ao experimental designavam, no teste de Farnworth, urn maior numero de cfrculos da gam a azul/verde como «verdes)) do que os sujeitos da condi9ao controlo. Esta diferen9a entre condi90es deve ser considerada como uma medida da aceita9ao privada da influencia da minoria. Merece realce urn outro resultado obtido por Moscovici et al. (1969): nao existiram diferen9as no desempenho do referido teste entre os sujeitos criticos pertencentes a urn grupo com relativamente grande aceita9ao publica da influencia e os que participaram em grupos em que essa aceita9ao foi mais pequena. Quer isto dizer que a aceita9ao privada revelou os seus efeitos independentemente da aceita9aO publica da influencia da minoria. Resumindo: estes resultados demonstram que uma minoria de indivfduos pode ter um impacto (moderado) nas respostas publicas de uma maioria em relafiio a um objeeto de julgamento que se pode considerar como objectivamente niio ambfguo 11. Mais: estes resultados demonstram que, ao eontrario do que aeonteee gera/mente no paradigma de Aseh. um emissor minoritdrio pode /evar {I aceita~'ii(l privada da Slla influencia. independentemellle da sua aceitafiio pl/bUca. Por outro lado, os questiomirios p6s-experimentais revelaram que os sujeitos na condi9ao experimental nao julgaram mais aceitavel (ou menos inaceitavel) do que na condi9ao controlo a resposta «verde)) como designa9ao da cor dos diapositivos, embora considerassem essa cor como resultante de urn maior numero de cambiantes. Por outro lado, os comparsas do experimentador (a minoria) foram sempre menos

apreciados do que os outros membros ~ , lOra considerados menos competentes na perce ~ das cores mas mais autoconfiantes. Quer di:~ao . . apesar de reIallvamellle ' mmona, eficienteer' a promofiio de inovafiio, foi negativamente na Uada pelos sujeitos crfticos, considerada aVa_ . aUto_ conrfitante ... mas mcompetente.

. ria respondia sempre «verde-azuh) - , nO J1I1ndi~aO ' . . . respon d'la «aIeatona» - a mmona CO de das vezes «azub) e a outra metade J1Ietade») em sucessao - a Ieaton ,. a - , con d'19ao - «corer «v aO»)' - a mmona . , respon d'la metade das vezes rela~ . . ul» e a outra metad e «verde)), mas eXlstla «lIZ correla9ao perfeita entre a utiliza9ao de u~: uma das cores e a luminosidade dos 28 diaC8 - «contro I0» - sem III . fl uenositivOS - e con d'lyaO p. minoritaria (sem comparsas do experimentaCIa d r). as resultados sao apresentados no Quadro I~. Neste quadro e facil verificar que a influencia minoritaria foi maior na condiyao «corre18~ao» do que nas outras. Por outro lado, na condi~ao onde 0 conflito entre a resposta minoritliria e a percepyao dos sujeitos crfticos atingia o maximo (condiyao «verde»), os resultados foram basicamente identicos aos da condiyao «controlo», enquanto na condiyao de compromisso (condiyao «verde-azul») se registaram os efeitos da influencia dos comparsas. Finalmente, A

Algumas varia'toes experimentais Consistencia e conflito Moscovici, Lage e Naffrechoux ( 969) realizaram uma experiencia identic a em tudo a anteriormente citado, excepto num pormenof' 0 rninoria, em vez de fomecer apenas respos~ «verde), fomecia respostas «verde») e «azuh) em igual numero. Os resultados mostraram que, nessa circunstancia, a rninoria nao teve qualquer impacto nas respostas dos sujeitos criticos. Moscovici et al. (1969) interpretaram esse facto como demonstrando que a consistencia sincronica e condi9ao necessaria para a rninoria exercer influencia, na medida em que essa consistencia de respostas promove a intensifica9ao do conflito. Mas sera a consistencia, definida como repeti9ao da mesma resposta, realmente necessaria? Parece que nao. De facto, 0 que parece essencial e a consistencia percebida de dada sequencia de comportamentos minoritarios - mesmo se isso implicar variabilidade de respostas. Nemeth, Swedlund e Kanki (1974) realizaram uma varia9ao do paradigma de Moscovici, em que eram possfveis nao s6 as respostas «azub) e «verde», mas tambem uma res posta intermedia: «verde-azub). Nemeth et al. introduziram cinco tipos de condi90es: condi9ao «verde») - a minoria s6 dava respostas «verde» -, condi9ao «verde-azul») - a

22 0 grande nivel de consenso verificado na condir;ao controlo e disso prova. A questlio que fica em aberto

e.

a:

e

saber ate que ponto os sujeitos «cnticos» antecipariam esse consenso. Esta dificuldade nao poe em causa a existenCla e inovar;lio - s6 nos traz incerteza sobre 0 grau de ambiguidade percebida. necessaria para que esta se verifique.

e interessante verificar que os sUJeltos criticos percepcionaram os comparsas menos desfavoravel mente na condi9ao «correlayao) do que nas outras. Resumindo: uma minoria respondendo de forma diversificada, embora coerente, foi mais eficaz do que uma minoria que manteve continuamente a mesma res posta ou do que uma minoria que apresentou sempre uma res posta que indicava compromisso. Portanto, uma minoria niio deve a sua ejicieneia a sua eapacidade do conflito nem a sua capacidade de compromisso, mas a habilidade que liver de induzir a percepfiio da sua consistencia 13.

A autoconfianfa percebida da minoria Moscovici e Lage (1976), numa experiencia a que voltaremos adiante, obtiveram urn resultatio curioso: uma minoria de urn so indivfduo tem impacto muito mais reduzido numa maioria (sujeitos criticos) do que 0 de urn subgrupo millo-

QUADRO

IX

Numero mCdio de respostas «verde» nas varias condi~oes (Nemeth, Swedlund e Kanki 1974) Condi~Oes

Medias de respostas j - - - - - - - - - - - I«Verdes» por sitjeilo

Verde . - - -... -

Verde-azul -.- - - - -

0,69

4,00

i Controlo Correlac;iio i- - - - - + -. 0,00

5,84

Aleat6ria - - - - -1

0,06

Nas duas primeiras condic;ocs, a minoria da 28 rcspostas iguais (<
23 Mugny e seus colaboradores desenvolveram urn programa de investigar;ao sobre influencia minoritaria em qut' uma das variaveis cruciais era 0 «estilo de negociar;ao». A partir de sse program a, baseado num diferente paradigllla experillIental e conceptual, foi possivel verificar que uma minoria f1exfvel na discussao conseguia promover llJudan\'a de alilULic'l ~cren~a.~. enquanto que uma minoria rigida 0 nao conseguia. Este resultado nao e necessariamente contradit6rill WIl111~ J" emeth er al. (1 974). na medida em que a «tlexibilidade negociah) de Mugny nlio e exactamenle equivalente as rl!~post.lS ; compromisso» de Nemeth. Seja como for. as posir;oes minoritarias utilizadas por Mugny sao ~empre peT\:ebida~ como Ilerentes.



272

273

ritario de dois indivfduos. Os autores interpretaram este resultado em termos da possibilidade que 0 eomportamento de urn individuo isolado tern de ser explieado em termos de faetores idiossineniticos. Seni entao que urn individuo isolado esta condenado a incapacidade de inovar? Nao, necessariamente. Nemeth e Wachtler (1974) demonstraram que, se urn individuo isolado consegue transmitir uma impressao de grande autoconfiancra (nomeadamente escolhendo urn lugar de destaque a cabeceira da mesa, aroda da qual 0 grupo se vai sentar), con segue ter urn impaeto nas respostas dos sujeitos cnticos. Parece, entao, que a transmissao dessa impressao de autoconfiancra e urn outro factor decisivo no exito de uma tentativa de inovacrao. Se assim e, a pr6pria desproporcrao de uma posicrao rninoritana pode facilitar, ate certo ponto, 0 seu exito, na medida em que quanta mais rninoritana for uma posicrao, mais indicadora e da confiancra que nela tern os individuos que a defendem. Tentando estudar esta questao, Nemeth, Wachtler e Endicott (1977) fizeram variar a dimensao da minoria, mantendo constante 0 numero de sujeitos cnticos em cada grupo. Os resultados foram bastantes interessantes. Por urn lado, quanta maior a minoria, maior a sua competencia percebida e menor a autoconfiancra pereebida. Por outro lado, foi demonstrado que ambas as variaveis, se tomadas simultaneamente, preveem 0 impacto da rninoria (a sua influencia cresce ate aos tres individuos e decresce a partir dai). Resumindo: 0 impacto de uma minoria i determinado cOlljuntamente pela consistencia percebida do seu comportamento e pela autoconfian{'a percebida nas .mas respostas.

Maiorias, minorias e aceitafiio PrivQda ou publica da sua influencia Como vimos, Moscovici, Lage e Naffrecho . Ux (1969) demonstraram como uma nunoria POd levar a aceitacrao privada 24 da sua influencia e ,. d d '. ,ao contrano 0 que suce e com a malOna de Asch Numa variacrao do seu paradigma, MosCOVic: (Moscovici e Lage, 1976) tentou comparar direc~ tamente influencia majoritana e rninoritana em termos tanto de aceitacrao publica COmo de aceitacrao privada dessa influencia. Mantendo 0 paradigma basico de Moscovici et af. (1969), os autores construiram tres Condicroes «minoritanas» (com grupos de seis individuos) - duas condicroes «maioritanas» (com grupos de quatro e seis individuos) e uma condicrao de control0. Na condicrao i (grupos de seis sujeitos), dois comparsas davam respostas «verde». Na condicrao ii (seis sujeitos), a minoria era apenas constituida por urn individuo que respondia como na condicrao anterior. Na condicrao iii (seis sujeitos), dois comparsas forneciam aleatoriamente respostas «azul» e «verde». Na condicrao iv (quatro sujeitos), uma maioria de tres comparsas respondia sempre «verde», Na condicrao v (seis sujeitos), quatro compars as fomeciam sistematicamente a resposta «verde» - neste caso, cada sujeito cntico dispoe de urn aliado potencial para 0 nao-conforrnismo na pessoa do outro. Na condir;ao controlo, as respostas eram dadas por escrito, sem conhecimento das respostas dos outros membros do grupo.

Moscovici prefere a distin"lio latente/manifesta aquela que apresentamos, devendo-se a principal diferenp ao , fl' ' Imp ' I 'Ica ausencla . ' d Id " facto de que. habituaImente, «aceita"lio latente da m uencla» e contro 0 os sUjeltos so bre essa influen' e , d' , , I" I cia, e «aceita"lio privada» nlio, Se contmuamos a manter a nossa Isttn"ao e porque e a e mals gera men te ac eite e porqu , , , fl' 'a sobre 0 na maior parte dos experimentos relevantes, nlio e determmado 0 grau de controlo pessoal dos alvos de m uenCI 2-1

impacto desta,

Os resultados foram muito interessantes. niV el da aceitacrao publica, foi evidente 0 A erior impacto da maioria unanime (ver SIIPadro X). No entanto, tanto a condir;ao Q~noritaria i como a condir;ao majoritana em J1lle 0 sujeito cntico dispoe de urn aliado potenq~a1 (condicrao v) fizeram aumentar significativaCl mente 0 numero de respostas «verde», Foram sim replicados os resultados tanto de Asch ~951) como os de Moscovici et al. (1969). o mais interessante e que s6 a minoria consistente (condicrao i) foi capaz de ter urn impacto na diferenciar;ao entre as cores azul e verde no teste de Farnworth. Quer dizer, so a minoria consistente produziu aceita~iio privada da sua injluencia! o questionano p6s-experimental demonstrou que a minoria (condir;oes i, ii e iii) era sempre percebida como ineompetente, mas as minorias consistentes (condir;oes i e ii) eram percepcionadas como denotando elevado grau de autocontiancra, Pelo contnirio, a maioria unanime foi

percebida pelos sujeitos cnticos como mais competente do que eles pr6prios, embora com igual confianr;a nos seus julgamentos, Resumindo: segundo estes resultados. uma minoria consistente. embora percebida como incompetente (mas autoconftante J. i capaz niio so de produzir uma aceitariio publica da sua influencia mas tambim urna aceita{'{jo privada, Pelo contrario, uma maio ria. embora tenha muito maior impacto nas respostas publica.\· dos sujeitos crfticos. niio produz ac.:eita{'{jo privada. Vma outra investigacrao relevante para esta diseussao e a de Moseovici e Personnaz (1980). Esta investigar;ao afastou-se. em certa medida, do paradigma de Moscovici et al. (1969), Assim, numa situacrao em que eram projectados diapositivos de cor azul, urn sujeito cntico era confrontado com as respostas de urn comparsa que respondia sempre «verde», Antes do inicio desta situacrao, 0 experimentador informava 0 par de sujeitos de que os resultados de urn grande numero de estudos anteriores demonstravam

QUADRO

X

Influencia minoritaria e maioritaria (Resultados de Moscovici e Lage, 1976) indices de influencia Condi~oes

N2 de grupos

% de respostas «verde»

% degrupos influenciados

% de sujeitos influenciados

10

10,07 ._--

50

42,50

22

122

14

-15 ---

11

0,75

27

50 indiv.

1,22

-

11 ------

Maioria unanime

24

40,16

50

50

Maioria nlio unanime

13

12,07

31

35

experimentais Minoria consistente de dois individuos Indivfduo consistente isolado Minoria inconsistente _~ndividuos G~o controlo

1------

6



274

que, segundo as condi90es experimentais, 81,8 por cento das pessoas (condi9ao «influencia majoritaria») ou 18,2 por cento (condi9ao «influencia minoritaria») davam respostas iguais as do comparsa. A diferen9a entre 0 numero de respostas «verde» dos sujeito crfticos das condi90es experimentais e das de controlo (em que 0 experimentador nao fornecia qualquer informa9ao sobre anteriores estudos e as respostas eram dadas em privado) constituiu a medida de aceita9ao publica da influencia. Numa fase posterior, era pedido aos sujeitos (primeiro na presen9a e depois na ausencia do comparsa) que nomeassem por escrito a cor de outra serie de diapositivos, e ainda que estimassem, numa escala de nove pontos, variando entre amarelo (urn) e purpura (nove), a cor que vi am aparecer no ecra, nos interval os entre os diapositivos. Isto porque, se, depois de olharmos atentamente uma cor, fixarmos os olhos numa superffcie branca, veremos durante breves momentos uma «cor residual», que e a complementar da cor que observamos anteriormente. Neste caso, s6 nos interessa saber que a complementar do azul e 0 amarelo-Iaranja e a complementar do verde e 0 vermelho-purpura. Portanto, a aceita9ao privada (ou latente, como prefere Moscovici) da influencia pode ser medida pela diferen9a entre as respostas na escala «amarelo-purpura» dadas nas condi90es controlo e experimental. Os resultados demonstraram que. apesar de a in.f7uencia m{~ioritdria produzir maior aceita~'iio publica. a in.f1uetu:ia minoritaria produziu maior m:eitar{/O privada - .wbretudo quando (}s.iu/~Q/nel1to.\"foramfeit()s na ausencia do comparsa (ver Quadro XI). Este resultado e, sem duvida, urn forte argumento para a distin9ao entre submissao e conversao, proposta por Moscovici, entre os processos subjacentes a influencia majoritaria e minoritaria. No entanto, alguns estudos tentaram replicar estes resultados, usando exacta-

275

QUADRO

XI

Influencia minoritaria e maioritarj (Resultados de Moscovici e Personnaz 1119

'

Condi!
Comparsa presente

----t------- -

80)

Comparsa a

-- _____Usenle

Influencia

:::~--:- I ~ Controlo

-236

~

Os resultados apresentados referem-se a um modeI 0 das respostas dad as por cada sujeito na es I ' ca a «amareIo-purpura».

mente 0 mesmo paradigma experimental, - e DaO o conseguiram. Doms eVan Avermaet (1980) encontraram aceita9ao privada tanto na condi~ao de influencia majoritaria como na condi9ao de influencia minoritaria, tendo interpretado estes efeitos de mudan9a da cor residual percebida como sendo resultado da maior aten9ao prestada aos diapositivos induzida pelo contraste com uma resposta discrepante (quer de origem majoritaria ou minoritaria). Sorrentino, King e Leo (1980) encontraram urn efeito curioso: apenas os sujeitos que manifestaram desconfian~a relativamente ao contexto experimental apresentaram mudan9as na cor residual percebida (quer tivessem participado na condi9ao de influencia majoritaria ou minoritaria). E provavel que os participantes «desconfiados» prestassem maior aten9ao aos diapositivos. Mais recentemente, Martin (1998) corroborou as descobertas de Sorrentino et al. (1980) relativamente ao papel da desconfian9a e pas em evidencia outrOS detaIhes no procedimento experimental (mlmero de exposi90es ao slide crftico pre e pas-fase de influencia social) que contribuem provavelrnente

a ernergencia do efeito. De notar que & Personnaz (1991) reformularam a sua posi9ao, aceitando que a na cor residual percebida se deve a uma ten~ao ao diapositivo, mas mantem que aas fontes minoritaIias (e nao as majo,penas de influencia suscitam tal intensifica9ao ao Os resultados acima citados nao .Ie aten~ . h" d uP • rn eorroborar, no entanto, a Ipotese e um IlArece . ., . r: . ,gio das fontes mmontanas na capac I'dade pnvile . . R . d de l110bilizar recursosdatenclOna.ls· eS~lm. m _0, deseo bertas realiza as a partir da ~tl Iza9ao aradigma parecem depender baslearnente in:u~ao de uma maior aten9ao aos diaposi(seja a partir da exposi9ao a uma resposta 1Ii~(lref,anILC minoritaria, majoritaria ou a partir de faetores extra-influencia social, como por de suspeitas sobre a veracidade dos B CilU."", II"OCledirneIlllOs experimentais). Por outro lado, usando paradigmas bastante os resultados tern muitas vezes iIoun,rp('mo a distin9ao proposta por Moscovici, tambem tenham surgido resultados freroerltenrlen.re eontradit6rios (para revisoes desta eonsultar Chaiken e Stangor, 1987; "'n.,'nVl I" e Mugny, 1987; e Wolf, 1987; para revisao quantitativa ou metanalitica desta ver Wood, Lundgren, Ouellette, & Blackstone, 1994). Dada a irnportancia desta distin9ao entre sube eonversao na constru9ao de uma teoria voltaremos a ela mais adiante.

E quem nos livra da inovafiio? Pois eoo. Dutra vez, os outros! A importancia do apoio social para a niio inovQriio Em subcapftulos anteriores verificamos que em rela~ao ao paradigrna experimental de

Asch como ao de Milgram, 0 apoio social foi uma variavel determinante na resistencia a influencia social. E quanta ao de Moscoviei, sera que 0 apoio social contra a inova9ao nao promove diferen9as na sua aceita9ao? Reflictamos urn pouco. No paradigma de Asch, seis comparsas do experimentador fornecem unanimemente respostas erradas, e 0 seu irnpacto num sujeito crftico isolado e bastante grande. No paradigma de Moscovici, dois comparsas forneeem respostas divergentes, e 0 seu irnpacto nas respostas publicas de quatro sujeitos crfticos e relativamente pequeno. E depois? Born, em primeiro lugar, uma eompara9ao directa entre minoria e maioria unarumes nao e cornpletamente legitirna na medida em que as duas situa90es diferem no apoio social facultado aos sujeitos crfticos e nao apenas nas caracteristicas dos emissores de influencia! Ora, nos sabemos que, quando no paradigma de Asch se encontrarn dois sujeitos crfticos e nao apenas um, os resultados sao completarnente diferentes (0 irnpacto da maioria reduz-se para cerca de urn ter90). Sabendo que no paradigma de Moscovici 0 sujeito crftico nao se encontra isolado, qual estara a ser 0 efeito desse «apoio social para a nao inova9ao»? Foi a partir desta questiio que Matcheld Doms (1983, 1987; Doms eVan Avermaet, 1985) realizou urn conjunto rnuito irnportante de investiga90es. PIimeiramente, Doms compreendeu que os efeitos do apoio social para a nao inova9ao s6 se tornariam visiveis se nao se tomassem em bioco as respostas dos quatro sujeitos crfticos que participarn no paradigma de Moseovici. Isto porque? Porque, como habitual mente, se os eornparsas respondem nos dois primeiros lugares, 0 sujeito que se encontra a responder em terceiro lugar esta numa posi9ao muito especial. Por um lado, porque, quando come9a a responder foi confrontado apenas com dois individuos que respondem erradamente (exactamente: uma

t

276 maioria!); por outro, porque e incapaz de preyer as respostas dos indivfduos que se the iraQ seguir. Ora, nessas condicroes, ja foi demonstrado que a susceptibilidade ao conformismo aumenta (Allen, 1975). Daf que nao seja de espantar que, por vezes, 0 sujeito crftico se submeta a pressao dos comparsas do experimentador. Nas vezes em que ele se submeter, 0 sujeito que responde em quarto lugar esta a ser submetido a pres sao dos dois comparsas e de mais urn sujeito crftico (ao todo, tres indivfduos), e assim sucessivamente. Repare-se que, quanto maior 0 mlmero de sujeitos crfticos a responder, mais provavel e que pelo menos urn deles quebre a unanimidade. Esta analise traz uma previsao empfrica: 0 sujeito crftico que responde em terceiro lugar deve fornecer urn maior mlmero de respostas erradas do que 0 que responde em ultimo! Doms (1983) realizou uma investigacrao, utilizando material semelhante ao de Asch, em que dois comparsas respondiam nos dois primeiros lugares 25 e quatro sujeitos crfticos respondiam a seguir. 0 resultado principal foi que os sujeitos crfticos que responderam em terceiro lugar cometeram, em media, 14 por cento de erros, e~quanto os que responderam em sexto lugar cometeram apenas 2,5 por cento de erros. Mais: numa outra experiencia, Doms (1983) controlou directamente 0 comportamento dos ali ados potenciais de cada sujeito crftico. Desta vez, dois comparsas forneciam respostas erradas e outros tres forneciam respostas certas, funcionando como ali ados do sujeito crftico. Foi

277

manipulada sistematicamente a ordem este respondia e os resultados mais imp el1l qlle foram que: a) 0 numero de erros nao di~:~ntes condicrao controlo; b) na condicrao ern l1u ~ sujeito crftico respondia em terceiro lugar:e 0 teram-se 5,45 por cento de erros, naquel Ille. que 0 sujeito crftico respondeu em sexto ~ ell} cometeram-se 2,3 por cento de erros. Qgar · - so , se demonstra que a posi~'ii uer d lzer: nao que 0 sujeito crftico responde tem urn im 0 ellt .. na acelta{'ao . - pu'bl'lca da tnovar;iio . Pacta deCISlVO Co que essa aceitac;lio depende nlio s6 da lito d d Con. slstenCta 0 comportamento a minoria ' d . mas tam bem a conslstenCta comportamentai d outros indivfduos que slio submetidos a Os . if! E . eSSQ m uencta. ,no entanto, as prevlsoes, que a ui . d ',. q se con filrmaram, partIam 0 pnnclplo, Contrlirio a teoria de Moscovici, de que confonnismo e inovacrao sao manifestacroes de um unico processo ... De notar, de resto, que em condicroes de comparavel apoio social, Doms eVan Avermaet (1985) demonstraram que influencia majoritliria e minoritaria atinge aproximadamente 0 mesmo impact0 26 . •

A



A

A

. I i muito maior se 0 emissor dessa SoCIa . ,. d I fi for minontarlO 0 que se e e or

cutfvel. Analisemos sumariamente a viabilidade das varias propostas de Moscovici:

It

- A capacidade de illova~lio de uma minoria depellde da sua capacidade de intensificar 0 conjlito com a maio ria. Como vimos anteriormente, Nemeth, Swedlund e Kanki (1974) demonstraram que tal afirmacrao nao e necessariamente verdadeira (ver ponto 5.4). - A capacidade de inovac;lio de uma minoria depende da adopc;lio de um estilo comportamelltal consistente. Embora este factor seja importante, ha que contrapor algumas reservas. Em primeiro lugar, e preciso acrescentar que, mais importante do que 0 comportamento de uma minoria, e a forma como este comportamento e interpretado pelos alvos de influencia (Kaiser e Mugny, 1987; Mugny e Papastamou, 1984; Nemeth, Swedlund e Kanki, 1974; Papastamou, 1987). Em segundo lugar, e preciso reconhecer que tern sido feitas diversas e nem sempre coincidentes operacionalizacroes do conceito de estilo comportamental (Levine e Ranelli, 1978; Levine, Saxe e Harris, 1976; Levine, Sroka e Snyder, 1977; Wolf, 1979). - A capacidade de inovacrao de uma minoria depende da atribuicrao, realizada pelos alvos de influencia, de autoconfiancra na correccrao do seu comportamento. Moscovici e Nemeth aventaram tam bern esta possibilidade (Moscovici e Nemeth, 1974; Nemeth e Wachtler, 1974). Por urn lado, e certo que parece existir essa associacrao entre inovacrao efectiva e atribuicrao de autoconfiancra as minorias; por outro, a analise atribuicional em que se baseia e, provavelmente, incorrecta (Chaiken e Stangor, 1987; Garcia-Marques, 1987 a; Jaspars e Hewstone, 1985; Maass e Clark, 1984). Finalmente, nao e claro porque e que, mesmo que exista de facto, a atribuicrao de autoconfiancra possa levar por si so ao exito de uma tentativa de inovacrao (isto e, existem n seitas, religiosas ou outras, as quais

impossfvel compr~en~er os proc.essos ~A.pn£:aaeW:lVoJ por uma mmona sem analtsar 0 cial para a nlio inovac;lio que 0 alvo ~:fluencia tenha disponfvel em cada

A injluencia social de pernas para oar: conclusiio





Resumindo: i) 0 impacto publico de uma minoria (no

paradigma de Moscovici) parece depender de processos semelhantes aos que condicionam 0 impacto publico de wna maioria (IlO paradigma de Asch). 0 que nlio quer dizer que nlio existam diferen{'as entre conformismo e inovaflio. Isto porque, fora do laboratorio, a probabi/idade que um alvo de injluencia tem de dispor de

2S Na verdade, Doms utilizou a h~cnica de Crutchfield, daf que as resposta~ dos «comparsas» que apareciam no painel de cada «sujeito cntico» eram sempre fornecidas pelo experimentador. Manterei, no entanto, a referencia aoS «comparsas» por facilidade de exposir;ao. 26 Os autores conseguiram esta identidade de condir;5es de apoio social de uma forma bastante engenhosa: nB condir;ao de influencia maiuritaria, dois comparsas respondiam erradamente na presenr;a de urn «sujeito cntiCol>, no condir;ao de influencia minoritana, depois de alguns ensaios em que urn «sujeito cntico» as respostas tanto de dois co~' . ss(vel S parsas que respondiam erradamente como de outros dois que 0 faziam correctamente, 0 experimentador tornou mace as respostas destes dois ultimos comparsas.

como de certeza Ja reparou, carD lei tor, as levantadas pela teorizacrao de Mossao bastante complexas e de diffcil resAlias, esta preferencia de Moscovici por tipo de questoes nao deixa, ela propria, de inovadora, numa area de investigacrao tantas caracterizada pelo gosto da realizacrao de Iemloni, tra1cr()es experimentais de grande impacto popularidade, e tao poucas vezes, por urn mais arduo de reflexao. Esta «torrente» de Moscovici e, no entanto, tambem, em ocasioes, muito pouco sistematica crftica sobre este ponto, ver Garcia, 1987 a; Gerard, 1985; Levine, 1980,

Dt:glllmt~S

como conclusao? pontos:

a) 0 fenomeno da injluencia minoritdria

e

indiscutfvel numa diversidade de paradigexperimentais (para revisoes, ver Maass e 1984; Moscovici, Mugny eVan Avermaet, 1985, Wood et aI., 1994). Tal facto , uma grande contribuicrao de Moscovici na ~edida em que, antes dele, os fenomenos de Infl.uencia foram quase so estudados no ambito IUfiuencia majoritaria. .b) A qUestlio do porque e como da influencia Ontaria, pelo contrdrio, ebastante mais dis-

""n .,

• 278

nos nao e diffcil atribuir confian~a na justeza do seu comportamento, mas nao estamos condenados, por isso, a aceita~ao da sua influencia). c) A razao de ser da distincrao qualitativa entre os efeitos do conformismo (submissao) e da inova~ao (conversao) e uma questao ainda por decidir. De facto, embora promissora, esta questao e, ainda hoje, bastante polemica. Vma razao para este estado de coisas e, sem duvida, a que advem da nao equivalencia de divers as operacionalizacroes de aceitacrao privada de influencia (Garcia-Marques, 1988; Maass e Clark, 1984; Wolf, 1987). Dai que, se parece seguro afirmar que maiorias e minorias dependem, em termos do seu impacto publico, dos mesmos processos (ver sec~ao 5.5.), nada e possivel afmnar com seguran~a quanto a aceita~ao privada dessa influencia com igual segurancra. Adiante discutiremos uma nova visao sobre 0 assunto. Em suma, 0 contributo de Moscovici foi muito importante nao so no que mostrou como no que nos fez pensar. As deficiencias que apontamos aos seus trabalhos devem-se, em grande parte, a ausencia de uma teoria compreensiva dos fenomenos de influencia social. E se essa ausencia se pressente, infelizmente, nesta area, pressente-se tambem que passos muitos importantes nessa direccrao foram ja dados. E desses passos que falaremos na ultima seccrao deste capitulo.

6. Alguns dos alicerces de uma teo ria geral dos fenomenos de influencia social Embora, presentemente, a area da influencia social nao disponha de teoria geral do seu objecto de investigacrao, e possivel neste momento, sem excessivo risco, nomear urn certo numero de factores que constituirao, provavelmente,

279

alguns dos alicerces dessa teoria em COnst ' E isso que passarei a fazer. ru~aQ.

6.1 A distinfiio entre injluencia soc' informativa e injluencia social n lQl • 0,... mativa

• ia a desempenhar urn mais importante enc - utI'1'lzarem, nestes paraiI! Ou de vido a se nao papel. grupos reais. Tal facto leva a que nao dl~mas'ito provavel que os sujeitos criticos que u ~a m neste tipo de investigacroes temesarticularmente, a rejeicrao daquele grupo p pareceria, portanto, das duas categorias hoC. . I' h dependencia mlormatIva a vanave -c ave na de do que acontece nestes casos. No entanto, All~n .( 1975) c?nse~uiu demonsue a influencla mformatIva nao pode ser 0 ,rae q tipo de III . fl uenCIa em causa. FAe- I0 ap I'1este conceito na explicacrao da eficiencia um aliado do sujeito cntico tern na redu~ao confonnismo (paradigma de Asch). Allen .. m'U~lI'~~ da seguinte forma: a eficiencia do dever-se-a, dentro deste enquadramento, possibilidade de 0 seu comportamento comuao sujeito crftico que a divergencia com a tern razao objectiva de ser. Se assim e, ser possivel obter a mesma eficiencia redu~ao do conformismo numa situacrao em o sujeito entico dispusesse, privadamente, respostas de alguem que tivesse respondido No en tanto, tal conhecimento nao se mostrou suficiente e, como tal, a au u'.. II.. '·,U social informativa nao pode ser a categoria de influencia em causa (Allen, ). Note-se que outro tanto pode ser dito em ainfluencia minoritaria. Lembremo-nos que, se urn sujeito cntico se ve isolado no com uma minoria, submete-se a ela mais, mesmo que consiga preyer que as da maioria estao a ser coincidentes as sUas (Doms eVan Avermaet, 1985; ver 5.5). j:

A distin~ao entre os varios tipos de In . . Qh· que podem levar urn mdividuo a . fl uenCla . d0 por outros tern SI'd0 uma das preSer m cupa~oes c1assicas nesta area de estudos e ~ bern urn dos pontos de maior convergencia (ver, por exemplo, Kelley, 1952; Kelman, 1958' Jones e Gerard, 1967; Thibaut e StrickIan~ 1956; Raven e Kruglanski, 1970). A distin~ao mais geral e mais conhecida e, sem duvida, a de Deutsch e Gerard (1955). Basicamente, estes autores defendem que 0 grau de influencia que urn emissor tera sobre urn alvo e mediado peia relacrao de dependencia que se estabelece entre 0 primeiro e 0 segundo. Deutsch e Gerard distinguem dois tipos de influencia social: influencia social Ilormativa e influencia social informativa. A concep~ao de influencia social informativa, inspirada na teoria da compara~ao social de Festinger (1954), abrange as situacroes em que 0 comportamento dos outros individuos, em relacrao a urn estfmulo, pode servir para a apreensao das suas qualidades ou, dizendo de outro modo, as situa~oes em que 0 comportamento dos outros e aceite como prova de verdade. 0 conceito de influencia social normativa refere-se as situa~oes em que a susceptibilidade de urn indivfd~O a influencia de urn grupo se explica pelo deseJo de evitar a sua rejeicrao por esse grupo. Rejei~ao que e mais provavel para aqueles que nao se conciliam com as expectativas ou nonnas de ulJl grupo (Schachter, 1951). .. V1C1 . . Asc h eO M SCO Nos paradlgmas de Shenf, . de• seria sobretudo a primeira a categ orta va~oes



A

. ,



Por outro lado, Allen tam bern demonstrou a inf)uencia social normativa nao pode ser a razao para 0 conformismo. E fe-lo aplimais uma vez, este conceito a explica~ao efeito do apoio social para 0 nao-conforDo seguinte modo: urn aliado promove a

reducrao do conformismo porque 0 sujeito critico passa a dispor de alguem com quem dividir a responsabilidade da divergencia e, como tal, a reaccrao de rejei~ao do grupo toma-se mais improvavel. Se assim e, qualquer aliado com quem seja possfvel dividir a responsabilidade da divergencia. mesmo se incompetente, deve ser eficiente na reducrao do conformismo. Allen e Levine (1971) criaram exactamente essa situa~ao: se ao sujeito crftico e dado saber (a ele e so a ele) que urn dos outros participantes (comparsas) na experiencia ve tao mal que e aconseIhado pelo experimentador a responder ao acaso, esse indivfduo vai ser precisamente 0 seu aliado. Note-se que, nestas condi~oes. 0 aliado pode ser uti! na divisao da responsabilidade de uma potencial divergencia, visto que os outros participantes nao sabem da sua incompetencia. E, no entanto, inutil na confirma~ao de que existern razoes objectivas de divergencia (redu~ao da dependencia informativa). Os resultados demonstram que 0 aliado nao e, nestas circunstancias, eficiente na reducrao do conformismo. Daf que fique demonstrado que a influencia social normativa nao pode ser a unica categoria de influencia relevante para a explicacrao do conformismo. E nao e absolutamente nada provavel que 0 seja, no caso da inovacrao. visto que a sua influencia aumenta com a ausencia ffsica dos emissores dessa influencia (Moscovici e Neve, 1971; Moscovici e Personnaz, 1980). Resumindo: a distin~ao entre influencia informativa e normativa nao pode ser cons iderada como definindo duas categorias mutuamente exclusivas de influencia. o facto de, em muitas situa~oes, se poderem verificar simultaneamente as duas categorias de influencia nao quer dizer que se nao possam identificar as variaveis que mais condicionam especificamente os efeitos de uma outra. No caso da influencia informativa, a variavel-chave parece ser 0 grau de incerteza em que urn

t

280

individuo se encontra na realizalj:ao do julgamento. De facto, tanto Krech, Crutchfield e Ballachey (1962) como Coleman, Blake e Mouton (1958) apresentam resultados que indicam fortis simas correlalj:oes entre incerteza e conformismo (da ordem de 0,89). Por outro lado, numa perspectiva urn pouco diferente, Willis e Levine (1976) defendem a existencia de urn continuo de certeza no julgamento que vai dos julgamentos imediatamente verificaveis (a cor do ceu), passando pelos mediatamente verificaveis (quem foi 0 setimo rei de Castela), ate aos inverificaveis (Bach e melhor compositor do que Handel), sendo a influencia informativa maxima para 0 segundo tipo de julgamentos. Refira-se que, c1assicamente, a incerteza num julgamento tern sido discutida como estando dependente da ambiguidade objectiva do estfmulo. 0 proprio Festinger (1954) considerava que urn individuo so usaria 0 comportamento dos outros como criterio de verdade em condilj:oes de urn certo grau de ambiguidade isto e, situalj:oes em que os individuos nao disponham de criterios objectivos de validalj:ao do seu julgamento. Contudo, os resultados de Asch indicam, como argumentou convincentemente Moscovici, que urn dos resultados da influencia social pode ser 0 aumento da incerteza relativamente a urn julgamento que, objectivamente, nao contem qualquer ambiguidade. Por outro lado, como sabemos, Allen e Wilder (1980) demonstraram como a influencia dos outros pode levar a uma reinterpretalj:ao da natureza do objecto de julgamento (ver caixa da pag. 249). Dai que seja preferfvel considerar 0 estado de incerteza em que urn individuo se encontra ao realizar urn julgamento como determinado nao so pel a dificuldade objectiva deste e pel os conhecimentos aplicaveis de que 0 individuo dispoe mas tambem pelo comportamento dos outros individuos com quem seja relevante a comparalj:ao.

281

Quanto a influencia social nonnativa ~ causa surpresa (em virtude da sua defi~i ~ao .fi .'(.. . 'taO) yen lcar que as Van<1VeIS mats Importantes determinalj:ao da sua magnitude sejam: a atr na b a~ ~ao que 0 grupo em causa exerce so re 0 i d. viduo (Lott e Lott, 1961), a expectativan ;interac~ao futura e 0 grau em que 0 compo e mento dos individuos e do conhecimento ~ grupo (Deutsch e Gerard, 1955). Ate aqui tenho vindo a iludir uma dificUldad De facto, como vimos anteriormente, MosCOVi e: (1976) centra a sua crftica as abordagens clas' ~I Slcas da influencia social na utilizalj:ao do conceito de dependencia. Argumenta ele que 0 conceito de dependencia (normativa ou informativa) nunca podera explicar como e posslvel a Uma minoria sem dotes especiais de competencias lef urn impacto numa maioria que possui quer maiores recursos informativos quer maior poder de rejeilj:ao. Sera que, entao, a explicalj:ao da influencia em termos da distinlj:ao apresentada e incapaz de fomecer 0 contributo que the temos estado a atribuir? Ou, no minimo, sera que e irrelevante na explicalj:ao da inovalj:ao? Parece-me que nao. Em termos de influencia normativa, e decerto diffcil de conceber porque e que urn indivfduo, integrado na maioria, deveria estar normativamente de pendente de urna minoria. No entanto, e facil de ver que urn individuo possa estar dependente normativamente de urn grupo que 0 inc1ui a ele e a minoria divergente. Ora, em certas condilj:oes, e perfeitamente possivel que a rejeilj:iio da minoria possa por em causa quer a imagem publica quer a pr6pria existencia do grupo. Nessas condilj:oes e provavel que uma rnaioria se tome dependente, normativamente, de uma minoria (Gerard, 1985; Levine, 1989; Levine e Moreland, 1985; Wolf, 1979). Por outro lado, a propria conceplj:ao de Moscovici de influencia social como negocialj:ao (Facheux e Moscovici, 1967) sugere:n~: OO situalj:oes de negocialj:ao em que uma rnal

es tar normativamente dependente de uma _ basta pensarmos numa situalj:ao em Jf1In: reg ra de decisao grupal e a unanimidade . que as condilj:oes, uma minoria pode possuir urn Ne~s r negocial desproporcionalmente elevado pO elus & Garcia, 1991). (pa~J1l termOs de influencia informativa, e evite que urna minoria pode fazer aumentar basdente 0 estado de mcerteza · em que e's:. lelto urn ~ amento, antes tido como nao encerrando JUalgquer ambiguidade, na medida em que 0 seu qu d . , comportamento esmente, por Sl so, a expectaova (oU, para usar urn termo de Gerard, 1985, a « rojec~ao social») de grande consenso que os !mbros da maioria possuiam. A questao esta em que 0 comportamento divergente de uma minoria irnplica uma revisao das caracterfsticas do objecto de julgamento que se supunham induzir um consenso quase absoluto. Nesse sentido, uma maioria pode tomar-se informativamente dependente de uma minoria. No paradigma de Moscovici, esta segunda categoria de dependencia parece muito mais relevante (no entanto, ver 0 que se disse acima obre as consequencias de urn alvo isolado face a urn emissor minoritario). E, alias, se fizermos as plausfveis associa~oes entre dependencia informativa e aceitalj:ao privada dessa influencia, e entre dependencia normativa e aceitalj:ao publica (como faz Allen, 1965), chegamos a uma consequencia curiosa. Eque, nestes termos, a distinlj:ao feita por Moscovici entre os processubjacentes a influencia majoritaria e minoritaria nao quer dizer mais do que afirmar que as maiorias provocam maior dependencia nOrmativa e as minorias maior dependencia mformativa. 13., par isso, de encarar com optimismo a pos~ de 0 enquadramento aqui apresentado ornecer uma contribuilj:ao para 0 desenvolviInento de urna teoria compreensiva dos fenoInenos de·10fl UenCla. ~ .

p~e ria

6.2 Influencia social e categorizafiio social Temos vindo a discutir os fenomenos de influencia num contexto em que tanto os emissores como os alvos de influencia pertencem a urn mesmo grupo. Sent que, quando existe uma clivagem, em termos de pertenlj:a grupal, entre emissores e alvos tudo se passa do mesmo modo? A teoria da identidade social de Tajfel (ver o capitulo sobre a identidade social, neste volume) preveria que nao. Quer dizer, uma analise base ada nesta teoria preveria que urn emissor de influencia so teria urn impacto num dado alvo se ambos pertencessem a urn mesmo grupo social, relevante nesse contexto. E, de facto, urn grande numero de investigalj:oes tern demonstrado que, quando urn emissor e categorizado no grupo dos outros, 0 seu impacto directo diminui drasticamente, provocando quer indiferentra quer afastamento. Isto, tanto no impacto publico dos emissores nos paradigmas de Sherif (Abrams, Wetherell, Cochrane, Hogg e Turner, 1990; Berg, 1966; Lemaine, Lasch e Ricateau, 1972; Sampson e Insko, 1964), de Asch (Abrams, Wetherell, Cochrane, Hogg e Turner, 1990; Garcia-Marques, 1987 a; Lavado, Saraiva, Marques, Mourato e Coelho, 1986; Correia, Bastos e Santos, 1986) e de Moscovici (Clark e Maass, 1988; Maass, Clark e Haberkorn, 1982; Mugny e Papastamou, 1982; Rodrigues, Carvalho, Correia, Rocha e Fernandes, 1987), como na eficiencia de urn aliado do grupo dos outros (Boyanowsky e Allen, 1973; Correia, Bastos e Santos, 1986). Este menor impacto parece ser devido, pelo menos em parte, ao facto de os membros do grupo dos outros serem cognitivamente representados de forma menos diferenciada, 0 que diminuiu 0 seu impacto (Vala, Garcia-Marques, Gouveia-Pereira & Lopes,



282 1998; Wilder, 1990). Quanto a aceitayao privada de uma mensagem persuasiva originada no grupo dos outros, os resultados sao menos claros (Aebischer, Hewstone e Henderson, 1984; Maass, Clark e Haberkorn, 1982; Mugny e Papastamou, 1982; Martin, 1987; Volpato, Maass, Mucchi-Faina & Vitti, 1990), embora comece a ser evidente a vantagem do grupo proprio, tam bern nesse domfnio, invertendo-se essa tendencia apenas em circunstancias muito restritas (ver Crano & Chen, 1998; Maass & Volpato, 1994). Por outro lado, Allen (1985) argumentou que os proprios paradigmas experimentais utilizados no estudo da influencia promovem categorizayoes sistematicas dos intervenientes, e que 0 impacto dos emissores parece de pender directamente dessa construyao da situayao (por exemplo, Allen, 1985, apresentou dados que sugerem que a introduyao de urn aliado no paradigma de Asch induz a categorizayao da maioria num outro grupo em confronto com 0 sujeito critico e o aliado). Mais recentemente, as relayoes entre categorizayao e influencia social tern beneficiado do interesse dos teoricos da chamada teoria da autocategorizayao (Abrams, et al., 1990; Hogg & Turner, 1987; Turner, 1991). A abordagem da autocategorizayao considera que a influencia social resulta de urn processo de autocategorizayao pelo qual 0 alvo de influencia se percepciona como membro de urn grupo, atribuindo-se as mesmas caracterfsticas e comportamentos que aos outros membros do grupo. Este modo de influencia e designado por Turner (1982) como intluencia social referente. A influencia social referente distingue-se quer da influencia social normativa quer da influencia social informativa em termos das fontes, do processo psicologico que lhe esta subjacente, das condiyoes que a promo vern e das normas de referencia. As fonte da influen-

283 cias sao os individuos que fornecem infonna~a o crftica sobre as normas do grupo proprio (hab' tualmente, eles proprios ~embros desse grup~; - e nao aqueles que detem 0 poder de recOIl)_ pensar ou castigar ou aqueles que dete conhecimentos objectivamente mais va1ido~ o processo psicologico subjacente e a identi~ ficayao social (a tomada de consciencia de uma dada identidade social em funy1io d , . a pertenya a urn grupo propno correspondente),_ e nao a submissao a pressao do grupo ou a necessidade de comparayao social. As condi_ yoes que promovem a influencia sao aquelas elll que a identidade social e mais saliente e nao aquelas em que a resposta individual e vigiada pelo grupo ou em que a definiyao da realidade social ou nao-social e ambfgua. Finalmente, as normas a que os alvos da influencia se subme_ tern nao correspondem necessariamente ao comportamento observavel dos outros mas a representayao cognitiva da norma do grupo proprio. Merecera alguma atenyao 0 facto de Moscovici ter defendido que uma das condiyoes para 0 sucesso da influencia minoritaria e a apresentayao, por parte da minoria, de urn conjunto de normas alternativas as da maioria. Estes resultados implicam, no entanto, que a proposta dessas normas alternativas so promova inovaylio se levar a maioria a classificar a minoria no seu proprio grupo (Allen, 1985; Garcia-Marques, 1987 a, 1987 b; Hogg e Turner, 1987; Maass e Clark, 1984; Mugny, Kaiser, Papastamou e Perez, 1984; Tajfel, 1984; Turner, 1987; Tumer, 1991; Turner e Oakes, 1989; para uma visao alternativa ver Nemeth, 1986). Como concluslio: a uma teoria compreensiva da influencia social sera impossivel ignorar quer as identificayoes grupais de emissores e al,v oS, ea quer os processos de categorizayao espontiUl que os paradigmas experimentais possam promover.

6.3 ]nj1uencia social indirecta

o interesse pel os efeitos mais subtis da . f1uencia social e bastante antigo (ver, por ex., ~herif, 1935). No entanto, e, sem duvida, com 0 abalho de Moscovici (Moscovici, Lage e ~affrechoux,1969; Moscovici & Personnaz, 1980) que 0 tema ganha urn impulso decisivo. como vimos acima, muitos dos resultados obtidos tem-se revelado polemicos. Concomitantemente, 0 surgimento de inumeras dicotomias difusas e parcialmente sobreponiveis (influencia social manifesta vs. latente, publica vs. privada, imediata vs. retardada, directa vs. indirecta) nao tem contribufdo para a clarificayao da natureza de tais efeitos. Recentemente, porem, registou-se uma evoluyao bastante positiva: a emergencia da teoria do Contexto/Comparayao (Alvaro & Crano, 1996, 1997; Crano, 1994, Crano & Alvaro, 1998; Crano & Chen, 1998; Crano & Hannula-Bral, 1994), uma nova teoria de grande valor heurfstico e que pode ser considerada, em certa medida, como urn desenvolvimento do modelo da Conversao de Moscovici (1980). Um primeiro aspecto a sublinhar e a propria definiylio operacional de influencia social indirecta. Assim, influencia social indirecta manifesta-se quando uma mudanya de atitudes ou de crenyas se verifica nao sobre 0 objecto focal da mensagem persuasiva (por ex., a interrupyao voluntaria de gravidez) mas sobre urn outro objecto com ele relacionado no sistema de cren~as ou atitudes dos recipientes da mensagem persuasiva (por ex., a educayao sexual n~s escolas). Essa relayao entre dois objectos de atltude diz-se indirecta quando: i) as atitudes concementes aos dois objectos se encontram C?rrelacionadas, ii) essas atitudes ou crenyas nao estlio necessana ' . ou I ' oglcamente relacionadas ...) . . ,Ill as atltudes em causas nao sao percepclonada ' & C s como sendo interdependentes (Alvaro rano, 1997; Crano & Chen, 1998).

Urn segundo aspecto a sublinhar e 0 ambito da teoria. De facto, a teoria do Contexto / Comp~rayao fornece uma taxonomia compreensiva de situayoes de influencia social, taxinomia essa, caracterizada por varias dimensoes conceptualmente importantes. A saber: 0 grau de investimento ou importancia atribuido a atitude critica, a natureza objectiva ou subjectiva do julgamento, a natureza inter- ou intragrupal da fonte de influencia e a natureza minoritaria ou majoritaria dessa fonte (Alvaro & Crano, 1997; Crano, 1994; Crano & Alvaro, 1988). Urn terceiro aspecto e 0 ceme da teoria do Contexto/Comparayao - 0 contrato de benevolencia. Assim, segundo esta teoria, e 0 estatuto intra- ou intergrupal do emissor da mensagem persuasiva que leva a urn processamento mais ou menos profundo dessa mensagem, e e 0 grau de elaborayao que determina 0 extensao e a estabilidade de uma mudanya de atitude. Assim, fontes do grupo proprio conduzem a uma maior elaborayao da mensagem persuasiva e, geralmente, a urn impacto maior e mais duradoiro dessa mensagem (De Dreu & De Vries, 1996; De Vries, De Dreu, Gordijn & Schuurman, 1996; Mackie, Worth & Assuncion, 1990; Wilder, 1990). Pelo contrario, 0 estatuto majoritario ou minoritario da fonte de influencia toma-se decisivo em situayoes mais restritas. A saber: situayoes caracterizadas por urn forte investimento na atitude crftica, 0 julgamento a realizar e de tipo subjectivo e a relayao entre a fonte e 0 alvo e de natureza intragrupal. Nestes casos, se a fonte do apelo persuasivo se apresenta como maioritario, o apelo persuasivo levara a uma maior elaborayao da mensagem (Mackie, Worth & Assuncion, 1990; Wilder, 1990) e, consequentemente, a uma mudanya manifesta da atitude, fazendo com que 0 alvo se aproxime atitudinalmente da fonte de influencia, preservando-se deste modo a coerencia do grupo proprio. Se a fonte do apelo persuasivo se apresentar como minoritaria, 0

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apelo persuasivo nao levani a qualquer aproximacr ao atitudinal entre alvo e fonte de influencia (caso contrario correr-se-ia 0 risco de uma maior cisao atitudinal no grupo proprio). No entanto, dado 0 seu estatuto intragrupal, apesar de ineficaz, 0 apelo persuasivo sera elaborado s~m levar a denegricrao do ernissor desse apelo. E essa a natureza do contrato de benevo!encia: os apelos persuasivos de faccroes minoritarias do grupo proprio nao levam a qualquer mudancra manifesta da atitude critica; em troca, a mensagem sera elaborada profundamente e os emissores desses apelos nao serao denegridos. Ora, a combinacrao entre a inibicrao de pensamentos neg ativos relativos a urn apelo persuasivo e a manutencr ao da atitude critic a cria uma tensao na estrutura geral das atitudes dos alvos de influencia levando a urn resultado curiosissimo - a mudancr a de uma atitude indirectamente relacionada com a atitude critica. lmaginemos urn defensor da penalizacrao da interrupcr ao vol untaria de gravidez que e sujeito a apelos persuasivos de uma faccrao minoritaria de urn grupo com 0 qual se identifica forte mente (por ex., uma organizacrao catolica de esquerda). A venficacr ao do estatuto minoritario dessa fonte pode levar 0 alvo deste exemplo a manter a sua atitude face a despenalizacrao inamovivel. 0 reconhecimento da natureza intragrupal da fonte desse apelo pode, no entanto, conduzir a inibicrao geral de pensamentos ou avaliacroes negativas sobre essa faccrao minoritaria e essa mensagem. o resultado final pode muito bern vir a ser a mudancr a de uma atitude indirectamente relacionada com a atitude critica - a atitude face a educacrao sexual nas escolas. Assim se explica que fontes maioritarias do grupo proprio lev em a mudancras manifestas das atitudes criticas, enquanto que fontes minoritarias do grupo proprio conduzem a mudancr as indirectas de atitudes (isto e, mudancras em atitudes indirectamente relacionadas com as ati-

tudes criticas). Vma recente revisao quantitat' IVa da literatura (Wood, Lundgren, Ouellett Busceme & Blackstone, 1994), assim co;' estudos especificamente delineados para 0 te 0 , Ste do modelo (Alvaro & Crano, 1996, 1997; Crano & Chen, 1998; Crano & Hannula-Bral, 1994) produziram resultados bastante consistentes com as propostas do modelo da ConteXtol IComparacr ao .

6.4. lnfluencia social e normas sociais A maior parte da investiga~ao nesta area tern dado, sobretudo conceptualmente, pOuca relevancia a natureza dos objectos de julgamento e das respectivas mensagens persuasivas. Talvez ainda uma indesejavel heran~a do sonambulismo. Vma honrosa excep~ao e 0 trabalho de Paicheler (1976, 1977). Esta auiora defendeu que a capacidade de uma minoria ser influente depende da «direccrao» das suas propostas. Quer dizer, uma minoria so tera impacto se os seus argumentos forem na direcr;ao da evolu~iio mais provavel de uma norma (0 que a autora designou de Zeitgeist). Paicheler, para estudar esta questao, usou 0 paradigma de Moscovici, em que 0 objecto de julgamento era a atitude face a posi~ao da mulher na sociedade. A minoria defendia sempre posi~oes igualmente divergentes da maioria da popula~ao a que os sujeitos «criticos» pertenciam. So que, numa condicr ao , a minoria divergia na direc~ao da atribuicrao de urn papel social ainda mais central a mulher (minoria pro-Zeitgeist) e noutra ~a direc~ao da sua secundariza~ao (minori a anti: -Zeitgeist). Os resultados demonstraram que s~ a minoria pro-Zeitgeist teve impacto nas aU: tudes dos sujeitos crfticos. Este resultado fOI Clark e replicado , entre outros, por Maass, arae Haberkorn (1982) e Pinto, Agostinho, RaV Sarmento (1986).

Corno notou Allen (1985), estes resultados · Iiearn que, no fundo, e posslvel interpretar 1[11~ ovacr ao como uma especie de «confora .I~O antecipatorio» em que uma minoria [111~e a seu impacto a capacidade que tiver de de suadir os alvos de que as posicroes que pe~endem cedo passarao a ser maioritarias. E, de ,., I b facto, nao e mUlto cnve conce er que urn de . _ . . · divfduo se converta a uma posl~ao mmonIn, 'a sern estar persuad'd . I 0 d e que essa posl~ao larl b b'I'd d . d · , com alguma pro a I I a e, mals tar e ou Ira, h'd' . . ais cedo, ser recon eCI a malOntanamente [11 • • d o mais Justa ou mats correcta 0 que as GO m nOrm as vigentes. Caso contnirio, para que tentar convencer os outros? De qualquer modo, estes resultados ensinam-nos urna li~ao bastante mais geral e bastante mais sirnples. A de que 0 impacto de uma mensagem objectivamente persuasiva de urn emissor de influencia nao depende apenas de uma contabiliza~ao de quantos estao a favor e de quantos estao contra 0 que essa mensagem advoga. Depende tambem do que essa mensagem afirma ... E quase inacreditavel que algo tao simples pudesse ser esquecido durante tanto

6.5 Influencia social e a natureza da tarefa critica A natureza da tarefa em que alvo e Fonte de tnfluencia estao empenhados condiciona fortemente quer as modalidades da sua interac~ao Os resultados dessa interac~ao. Tal pressuPOsto pade ser encontrado desde 0 inlcio do 19 da influencia social (Asch, 1948, Sherif, 37). No entanto, a natureza da tarefa crftica rccentemente mereceu urn desenvolvimento teor'ICO Sistematico, . ,. . com 0 surglmento da da Elabora~ao do Conflito (Perez &

285

Mugny, 1993; Perez, Mugny, Butera. Kaiser & Roux, 1994). Segundo esta teoria, as tarefas crfticas podem ser concebidas em fun~ao das expectativas ou pre-constru~oes que suscitam da parte dos alvos de influencia. Essas pre-constru~oes podem ser sistematizadas atraves de duas dimensoes tacitas: a pertinencia do erro e a ancoragem social. A primeira dimensao diz respeito ao estatuto de objectividade que Ihe e atribufdo pelos alvos de influencia. Assim, as tarefas podem ser classificadas em termos da pertinencia do erro - tarefas em que 0 erro tern alta pertinencia (isto e, tarefas objectivas) ou tarefas em que 0 erro tern baixa pertinencia (isto e, tarefas nao-objectivas). A segunda corresponde a sua relevancia para 0 posicionamento dos indivlduos numa estrutura intergrupal. Assim, as tarefas podem ser cJassificadas em tarefas ancoradas ou nao-ancoradas social mente consoante sao ou nao relevantes para o posicionamento intergrupal. Como se pode ver na Figura 10, a combina~ao destas duas dimensoes faz emergir quatro tipos basicos de tarefas crfticas: tarefas de aptidoes (TAP), tarefas objectivas nao-ambfguas (TONA), tarefas de opinHio (TOP) e tarefas nao-envolventes (TANE). Cada urn destes tipos de tarefas crfticas possui urn conjunto de caracterfsticas unicas. Daf que se tome posslvel identificar diferentes objectivos dos alvos, diferentes atributos cruciais da fonte e diferentes formas de elabora~ao do conflito entre alvo e fonte de influencia, correspondendo a cada urn dos quatro tipo's basicos de tarefas crfticas (ver as caixas seguintes, nas paginas 286 e 287/288 para uma sfntese destes pressupostos). A Teoria da Elabora9ao do Conflito pretende agrupar muita da investiga~ao ate aqui realizada a partir de quadros teoricos muito fragmentados, e, apesar do seu aparecimento relativamente recente, tern inspirado novas linhas de pesquisa de resultados frutuosos e muitas vezes surpreen-



286

A TEORIA DA ELABORA(:AO DO CONFLITO

FIGURA 10

Teoria da Elabora~ao do Conflito: Os quatro tipos de tarefas criticas e as dimensoes que Ihes sao subjacentes ALTA PERTINENCIA DO ERRO

--

EXEMPLOS

TAREFAS DEAPTIDOES

TAREFAS OBJECfIVAS NAO-AMBIGUAS

TAP TONA TAREFAS TAREFAS ANCORADAS --------------~------------- NAO-ANCORADAS SOCIALMENTE SOCIALMENTE TOP TANE

TAREFAS DEAPTIOOES

6.6. Influencia social, estrutura e processos grupais Outra das lacunas da investigar;ao que tende, modemamente, a ser corrigida e a quase nao

-

TAREFAS DE APTIOOES

TAREFAS OBJECTIVAS NAO-AMBjGUAS

TAREFAS DE OPINIAO

TAREFAS NAO-ENVOLVENTES

Estima~iio da disle/llcio entre duas cidades

Paradigma de Asch

Avaliaflio de urn candidato o uma eleiflio

Indicaflio de preferencia par ullla cor

I. Julgamentos de aptidiio. 2.S6 existe uma resposta correcta PREmas nlio e conheCONSTRUC;OES cida pelos alvos. E EXPECTATIVAS 3. Expectativa de baixo consenso. 4. A resposta reflecte a aptidiio.

1. Julgamentos de facto. 2. S6 existe uma resposta correcta e e conhecida pelos alvos. 3. Expectativa de consenso absoluto. 4. Diferencia9iio social irrelevante.

TAREFAS NAO-ENVOLVENTES

BAIXA PERTINENCIA DO ERRO

dentes (ver Perez & Mugny, 1993). E, por isso, provavel que esta teoria, ou, pelo menos, a elucida~iio do papel das variaveis que a teoria tomou como cruciais, venha a ganhar cada vez mais relevo na teorizar;ao dos fen6menos da influencia social.

287

utiliza~iio

de grupos reais . E, no entanto, como Levine e Moreland (Levine e Moreland, 1985; Moreland e Levine, 1982, 1989) e Gerard (1985) tern convincentemente argumentado, a utiliza~iio de grupos reais com uma hist6ria de desenvolvimento e interac~iio poderia mostrar aspectos doutro modo invisfveis. Por exemplo, Levine e Moreland (1985) chamaram a aten~iio para a possibilidade de a interac~iio entre os dissidentes e os outros membros de urn grupo poder sofrer modifica~oes ao longo da evolu~iiO dos processos de socializar;iio que 0 grupo realiza dos seus membros. Ora, sem estudos longitudinais de grupos reais nao e posslvel inves-

OBJECfIVOS DOS ALVOS

ATRmUTO CRUCIAL DA FONTE

I. Julgamentos de atitude. 2. Expectativa de pluralidade de julgamentos. 3. Expectativa de consenso no grupo proprio. 4. A resposta posiciona 0 indivfduo num grupo.

Aumentar correc9iio dos julgamentos

Exp/icar ausencia de consenso

Procllrara diferenci89iio intergrupal

Fracomente definidos ou idiossincniticos

Compet8ncia

Estatuto (maioritario ou minoritano)

Natureza (intra ou intergrupal)

Capacidade de induzir acordo por processos nlio-conflituais

Fonte competente: Conflito reduzido

Fonte maioritliria: Conflito relacional

Fonte do grupo proprio: Conflito normativo

Fonte incompetente: Conflito de incompetencias

Fonte minoritaria: Conflito epistemico

Fonte do grupo dos outros: Conflito intergrupal

ELABORAC;AO

DO CONFLITO

I. Julgamentos de preferencia. 2. Pluralidade plausfvel dos julgamentos. 3. Expectativas de consenso nlio pertinentes. 4. Fracas consequencias sociais

Evitamento do conflito



288

289

o desenvolvimento de investiga~ao nesta ' ea sera tambem de grande importancia para os iii' SOS con heClmentos ' 27 . S

A TEORIA DA ELABORA(::AO DO CONFLITO

nO

RESULTADO MANIFESTO PRovAvEL

RESULTADO LATENTE PRovAvEL

TAREFAS DE APTIDOES

TAREFAS OBJECTIVAS NAO-AMBIGUAS

TAREFAS DE OPINIAO

Fonte competente:

Fonte maioritaria:

Fonte do grupo proprio:

lmita~iio

Submissiio do alvo

Conformismo

Fonte competente:

Fonte maioritaria:

Fonte do grupo proprio:

Distin~iio

IndependSncia

Discrimina~iio

Fonte competente:

Fonte maioritliria:

Fonte do grupo proprio:

Generaliza~iio

Autonomiza~iio

Interioriza~iio

Fonte competente:

Fonte maioritaria

Fonte do grupo proprio:

Resolu~iio

Reconstru~iio

Conversiio

da teoria

do objecto de julgamento

tigar esta quesHio. 0 estudo de grupos reais permitir-nos-a, tambem, analisar mais direetamente as relac;6es entre estrutura de grupo e influencia social. Questao importante, na medida em que pareee evidente que a posic;ao estrutural que urn membro inovador ocupe tern consequencias tanto na possibilidade de ser elassificado como «marginal», como na capacidade de produzir impacto (Levine e Moreland, 1985; ver tambern Hollander, 1958, 1964). Inversamente, a posi~ao estrutural que urn membro ocupa num grupo atenua ou intensifica 0 impacto do grupo no seu comportamento (Allen, 1965; Levine e

TAREFAS NAO-ENVOL VENTEs

-

Dependente de variaveis niio contempladas pela teoria

Dependente de variaveis niio contempladas pela teoria

Moreland, 1985) . Como exemplo vejamos 0 que, num estudo pioneiro, Torrance (1959) demonstrou, utilizando como popula~ao experimental tripula~6es de bombardeiros: que a probabilidade de uma tripulac;ao resolver urn problema depende do estatuto de quem detem a solu~ao. Quando 0 experimentador fomecia a solw;ao de urn diffcil problema ao piloto, 94 por cento das tripula~6es atingiam a solu~ao, mas, se a fomecia ao navegador, a percentag ern baixava para oitenta por cento, e, se fosse 0 artilheiro a dispor dela, baixava ainda mais: 63 por cento!

6.7 0 contexto da recepfiio da influencia Durante este capftulo ficou bern patente a iJTlPortancia decisiva que 0 contexto de recep~ao de influe~cia (quer dizer', ~ d~sponibilid~de de apoio social) tern na medlac;ao dos efeltos des sa influencia. Isto, quer no caso da obediencia, quer no caso da influencia majoritaria e JTlinoritciria. Mais: como 0 trabalho de Ooms dernonstrou, diferentes categorias de influencia podem diferir, sobretudo em virtude da maior oU menor probabilidade de ocorrerem em contextos em que 0 apoio social se possa ou nao verificar. Daf que qualquer teoria compreensiva nao possa almejar a explica~ao dos processos de influencia social centrando-se apenas nas caracterfsticas dos emissores dessa influencia. Tera tambem, fon;osamente, de se debru~ar sobre 0 contexto de apoio ou menor apoio social para resistir ao impacto desses emissores .

6.8 Injluencia social e atribuifiio causal Como vimos , Asch ja tinha chamado a atenlfiio para a intensa actividade cognitiva a que ~s .sujeitos crfticos se dedicavam enquanto partlclpavam no seu paradigma. Oaf que nao e de

27 Pa ra e~lra-labo I

espantar que tenham tentado explica~6es dos fenomenos atribuicionais baseadas nas teorias atribuicionais (ver Sousa, neste volume). Ross, Bierbrauer e Hoffman (1976) realizaram uma importante analise atribuicional da actividade cognitiva registada no paradigma de Asch . Segundo estes autores, 0 sujeito crftico defronta-se com dois problemas atribuicionais basicos: 0 de explicar 0 porque das respostas dos comparsas do experimentador e 0 de preyer a sua reac~ao no caso da sua divergencia. Oa solu~ao do primeiro dependeria a aceita~ao privada da influencia, do segundo dependeria a aceitac;ao publica. Concretizando, a aeeita~ao privada dar-se-ia sempre que 0 comportamento dos comparsas fosse atribufdo ao objecto de julgamento, e a aceita~ao publica quando fosse prevista rejei~ao em caso de divergencia. E de sublinhar 0 modo como esta analise coincide com 0 que acima se afirmou aeerea das eategorias normativa e informativa de influencia social. Estes investigadores mostraram que, quando existem condi~6es para uma atribui~ao do comportamento dos comparsas a faetores que nao 0 objeeto de julgamento, a aeeita~ao privada da sua influencia e minimizada - sao os efeitos da ehamada «psicologiza~ao» 28 (Mugny, 1982; Mugny e Papastamou, 1984; Papastamoo., 1987). Este fenomeno refere-se ao facto de que urn aumento da disponibilidade de uma atribui~ao do eomportamento da minoria as suas partieularidades psicol6gieas anula 0 seu impaeto, 0 mesmo nao aeonteeendo se 0 emissor de influencia for majoritario (Papastamou, 1986). Pareee que se eonfirma 0 facto de a atribui~ao do eomportamento do emissor ao

' d'Iscussiio da aplica~iio dos resultados da investigar;ao em lnfluencia Social em contextos uma mteressante '. consulte-se Nemeth & Staw (1989) . ra onalS, atrib . -~ 0 faCIo de a "psicologiza~ao" niio funcionar em rela~iio a emissores maioritarios tem uma evidente explica~iio Po UIClonal. 0 facto de serem maiorilarios fomece informa~ao de alto consenso incompatfvel com uma alribuir;iio do comnamento dos. emlssores ' >. ' • • • "s suas caractenstlcas pessoals (ver Garcia-Marques, 1987a). ,



290

objecto de julgamento e nao as suas idiossincrasias ser urn factor decisivo para 0 impacto de esse emissor se verificar (Jaspars e Hewstone, 1985). Por outro lado, como ja vimos, Moscovici e Nemeth (1974) defenderam que 0 impacto de uma minoria se devia, pelo menos em parte, a realizar;ao de uma atribui~ao de confian~a a minoria. Mas porque deveria essa atribui~ao produzir qualquer impacto? Provavelmente porque indiciaria uma associa~ao entre 0 comportamento minoritario e as qualidades do objecto de julgamento. Esta interpreta~ao esta, alias, bern mais proxima do modelo de Kelley (ver 0 capftulo sobre atribui~ao, neste volume; ver tam bern Garcia-Marques, 1987 c, 1988) em que Moscovici e Nemeth explicitamente se baseiam (para uma discussao mais aprofundada desta questao ver Chaiken e Stangor, 1987; Eagly e Chaiken, 1984; Garcia-Marques, 1987 a; Maass e Clark, 1984). De qualquer modo, e evidente que as rela~oes entre atribui~ao causal e influencia social sao uma das mais importantes avenidas que 0 desenvolvimento dos nossos conhecimentos sobre os fenomenos implica percorrer. A uma esquina talvez reencontremos a reflexao de Asch sobre 0 papel da reinterpreta~ao do objecto de julgamento na mediar;ao do impacto da influencia social (Asch, 1948; ver tambem a referencia a experiencia de Allen e Wilder feita na caixa da pag.249).

6.9 Influencia social: um unico processo? A pressuposi~ao dos mesmos ou de diferentes processos subjacentes aos contextos maioritarios e minoritarios foi ja urn tema da nossa discussao no ponto 5.4. Aqui, vamos apenas acrescentar alguns elementos a essa discussao.

Em primeiro lugar. ha que referir qu ' d . gran d e numero e expenencIas estudoue ull) questao em paradigmas em que os julgal11e eSta pedidos eram atitudes relativas a uma gr ntos diversidade de questoes sociais (para ande revisao ver Maass, 1987; Maass e Clark, 1~~~ Maass, West e Cialdini, 1987). Em alguns d 4, . . es_ ses estu dos os sUJeltos eram expostos sil11UI . taneamente a mensagens persuaslvas maioritari e minoritarias (Maass e Clark, 1983; Macki~ 1987). Em quase todos eram recolhidas medid ' ta~t~ de aceit~~ao priva?a como de aceita~~ publIca. E vanos contmham uma inova~iio metodologica importante: incIufam medidas de «processo» (quer dizer, medidas que apOntarn para 0 que acontece enquanto a mensagem persuasiva esta a ser processada). Esta inclusiio deve-se a urn facto muito importante. Sabemos que Moscovici (1980) fez a proposta de que urn processo de compara~ao do alvo com 0 emissor estaria subjacente a influencia majoritaria, e de que urn processo de (re)validar;ao das quaJidades do objecto de julgamento estaria subjacente a influencia minoritaria. Pois bern, Maass desenvolveu esta proposta (Maass, 1987; Maass e Clark, 1984; Maass, West e Cialdini, 1987), considerando que estes dois processos reflectiriam dois tipos de prof essamento da informa~iio centrais na area da persuasao: sistematico e heurfstico (Chaiken, 1980, 1987; Chaiken, Liberman e Eagly, 1989). o conceito de process amen to sistematico refere-se as situa~6es em que urn indivfduo se esforr;a por avaliar e integrar 0 conteudo de uma mensagem persuasiva. Este tipo de processamento, se produzir mudan~a de atitude, provoca uma mudanr;a estavel e que se generaliza a conteudos relacionados com 0 objecto dess a mudan~a. 0 conceito de prucessamento heurfstico refere-se as situa~oes em que urn indivfduo se centra mais no contexto persuasivo do que na mensagem ou no seu conteudo. Urn alvo que se A



tre nessas circunsHincias aceita ou rejeita ellcon inada posi~ao atitudinal em virtude da dete[1l1~a oU ausencia de fndices persuasivos. Por sen pre 10 se eu ouvir urn discurso de urn polftico, e~ernPdo ,detectar contrad'I~oes, . menl1ras ou f ra[e lltaIl . , az6es - estou em «processamento slstema,as r. se 0 ouvir pensando que parece sincero na ,C0» II "ra de falar ou na atitude que os meus colemaneltem face a ele - estou em «processamento g~rfstiCO». Para distinguir, em dada situa~ao, he e OS dois tipos de processamento pede-se entr .. I' habitual mente aos sUJeltos que Istem os pensamentoS que Ihes ocorreram durante a recep~ao da ensagem , os argumentos e contra-argumentos ;e desenvolveram, e e medida a memoria da mens age!l1. Tem-se verificado que 0 processamento sIstematico promove maior actividade cognitiva (produ~ao de maior numero de argumentos e contra-argumentos) e melhor memoria da mensagem (para revisOes ver Chaiken e Eagly, 1989; Petty e Cacciopo, 1988). o que a proposta de Maass conseguiu foi que se passasse a incIuir as medidas de processo acabadas de referir em estudos de influencia social. Os resultados nao sao completamente claros. Por exemplo, enquanto Maass e Clark (1983) encontraram indica~oes que apontam para uma associa~ao entre processamento sistematico e influencia minoritaria e outra entre processamento heurfstico e influencia majoritaria, Mackie (1987), num estudo extremamente bem control ado , encontrou a rela~ao inversa. Quanto a rela~ao entre aceita~ao privada ou publica e estatuto minoritario ou majoritario do emissor de influencia, os resultados parecem favorecer a distin~ao submissaol Iconversao de Moscovici, embora existam

291

inumeras «excep~6es» a essa «regra» (Mackie, 1987; Mugny, 1984; Wolf, 1985). Este estado de coisas levou Chaiken e Stangor (1987) a propor que se deviam considerar multiplas motiva~Oes e multip10s modos de processamento como intervindo, em diferentes condi~Oes, tanto para 0 caso da influencia majoritada como para 0 da influencia minoritaria. Diferen~as entre influencia majoritaria e minoriIliria poderiam ser tanto quantitativas (quando operam as mesmas motiva~6es) como qualitativas (quando operam diferentes motiva~Oes)29.

Em segundo lugar, e necessario referir 0 trabalho recente de Nemeth (1986, 1987). Esta autora tomou uma nova perspectiva no estudo das diferen~as entre influencia majoritaria e minoritaria. Fixando-se no estudo das questoes da resolu~ao de problemas e tomada de decisoes em grupo, Nemeth passou a estar interessada nao na aceita~ao da influencia (privada ou publica) mas nas consequencias dessa influencia na quaIidade dos produtos grupais. Assim, Nemeth defende que a influencia minoritaria promove urn pensamento divergente e original, e a majoritaria urn pensamento convergente e convencional. Os resultados de vadas investiga~oes (ver, por exemplo, Nemeth e Kwan, 1985; e Nemeth e Wachtler, 1983) mostram que uma minoria, sem provocar aceita~ao da sua influencia (em termos de uma aproxima~ao do comportamento do alvo), e capaz de ter urn impacto significativo na qualidade e originalidade da solu~6es dos problemas que urn grupo alcan~a. (Para uma extensao deste trabalho ao domfnio especffico da persuasao, ver Maass & Volpato, 1994; Martin, 1996; Muchi-Faina, Maass &

29 De notar que Kluglanski & Mackie (1990) apresentaram uma terceira e interessante altemativa, A de que as dife-

ren~as geralmente verificadas entre influencia majorilliria e minoritaria sao diferenrras ({picas (quer dizer, que ocorrem no natur'aI ' ' mas que pod em nao - ocorrer em certas con d'Irroes - ) mas nao - necessanas " (quer d'Izer, nao -,comf requenclR, sao I eren~as intrinsecamente constitutivas destas duas modalidades de influencia).

IllUndo d'~

t

292 Volpato, 1991). lnvestigar;ao mais recente tern, alias, demonstrado como a influencia minoritaria promove 0 processamento mais profundo e detalhado da informar;ao disponfvel (Nemeth, Mayseless, Sherman & Brown, 1990). Parece, portanto, que a divergencia minoritaria num grupo cumpre nao so funr;oes de actualizar;ao das suas normas (quando provoca aceitar;ao da sua influencia), mas tambem de aperfeir;oamento dessas mesmas norm as que contesta (mesmo que a sua influencia nao seja aceite). Mais recentemente, Nemeth demonstrou como a influencia minoritaria pode ter outra consequencia indirecta interessante - a de promover a resistencia ao conformismo. De facto, numa experiencia bastante curiosa, Nemeth e Chiles (1988) demonstraram que urn indivfduo que tivesse experimentado uma situar;ao de influencia minoritaria era capaz de resistir melhor a influencia majoritaria. Sintetizando: apesar de polemica, a invest igar;ao dos processos subjacentes (diferentes ou nao) as influencias majoritaria e minoritaria e indispensavel no esforr;o teorico de com preensao da nosso objecto de estudo. E de registar ainda uma recente proposta de Kluglanski & Mackie (1990) que apresentaram uma terceira e interessante alternativa aos modelos uni- e bi-processuais. A de que as diferenr;as geralmente verificadas entre influencia majoritaria e minoritaria sao diferenr;as tfpicas (quer dizer, que ocorrem no mundo natural , com frequencia , mas que podem nao ocorrer em certas condir;oes) mas nao necesscirias (quer dizer, nao sao diferenr;as intrinsecamente constitutivas destas duas modalidades de influencia).

CAPiTULO X

6.10 Influencia social e persuasiio Uma das lacunas mais graves no desenvol . mento da influencia social tern sido 0 seu af VI. • I a~ tamento de uma area a tamente relevante mudanr;a de atitudes e persuasao (ver Li~ a neste volume) . No entanto , a interpenetra~,a, destas areas seria mutuamente benHica ao 'd . . na me d I a em que na pnmelra se tern estudad principalmente processos interpessoais, negl~ 1 genciando-se os processos intrapessoais 0 cognitivos, e na segunda se tern passado 0 con~ trario. Felizmente, como ja vimos no POnto anterior, regista-se modernamente uma tenden. cia para ultrapassar esta separar;ao debilitante (Chaiken e Stangor, 1987; De Vries, De Dreu Gordijn & Schuurman, 1996; Eagly, 1987: Eagly e Chaiken , 1984; Mackie, 1988; Macki~ & Skelly, 1994, Zanna, Olson e Herman 1987). '

Estruturas e processos de grupo

A

Conclusao Voltando finalmente as questoes com que comer;amos. Que seria 0 lei tor capaz de fazer ou dizer sob 0 impacto da influencia social? Quem sabe ... No entanto, ha algo que posso garantir: a sua resposta a esta pergunta e urna coisa que interessa a muito boa gente. Poifticos, vendedores, padres, publicitarios, professores e, e claro, a si ... Epor isso, leitor, que Ihe recomendo que continue a interessar-se por este assunto. Vale a pena.

Jorge Correia Jesufno

1. Introdu~ao Em 1974 Steiner pubJicou urn artigo com 0 titulo polemico - «0 que aconteceu ao grupo na Psicologia Social», dando voz a uma perplex idade que, cic1icamente , recoloca 0 problema da voca9ao especffica da propria disciplina . Steiner referia-se ao dec1fnio que ja entao se anunciava, no estudo dos processos de grupo, urn tema que , em princfpio, parecia constituir 0 objecto por excelencia da Psicologia Social. E assim foi de facto, se recuarmos a decada de trinta e a acr;ao pioneira e fundadora de Kurt Lewin (ver Cap. II) . E em grande medida a este autor que se devem os primeiros estudos sistematicos e cientfficos sobre a «dinamica dos grupos», na dupla vertente teorica e pnitica, articulando metodo experimental com aplica9ao a problemas social mente relevantes como, por exemplo, a lideran9a, a frustra~ao e a mudan~a de atitudes. Paradox almente,ou talvez nao, como adiante

~e~a sugerido, e a partir do proprio movimento 1~lciado por Lewin e continuado pelos seus dlscfpulos proximos, que a Psicologia Social none-americana se centra cada vez mais nos

processos intrapsfquicos e nas interac90es descontextualizadas. Sucedem-se assim a epoca ' lewiniana em primeiro lugar a teoria da dissonancia cognitiva de Festinger (1957), a seguir a teoria da atribuipio (Jones e Davis 1965; Kelley 1967) e, finalmente, a cogni~iio social (Wyer & Srull, 1984) que constitui hoje em dia o paradigma dominante. Note-se, todavia, que 0 interesse pelos fenomenos de grupo nao se desvaneceu, fenomenos que foram continuados por outras tradi~oes de pesquisa. Por urn lado 0 estudo dos processos de inj7uencia social (ver Cap. IX), iniciado por investigadores europeus emigrados nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, permanece na agenda dos investigadores nos dois lados do Atlantico, em grande parte devido renova9ao introduzida por Moscovici com 0 estudo da inj7uencia minoritciria (ver Caps. III e IX). Por outro lado, deve-se igualmente a investigadores europeus e designadamente a Tajfel e continuadores 0 interesse pelos processos, estreitamente interligados, de identidade social e relaroes intergrupo (ver Cap. XII), bern como ao conj7ito e cooperariio intergrupo (ver Cap. XIII). Estas referencias aos diferentes

a



294

capftulos deste Manual permitem mostrar que 0 Grupo continua a constituir urn tema central da Psicologia Social, pelo menos como a disciplina e entendida e praticada nos centros europeus. Acresce ainda, para voltar a questao de Steiner, que 0 estudo dos grupos nos Estados Unidos, se de algum modo perdeu centralidade na agenda dos psic610gos sociais, tornou-se em contrapartida prioritario em disciplinas como a Psicologia das Organiza~oes, Teoria dos Sistemas e Ciencias da Gestao. Na revisao a que procedem sobre a investiga~ao neste domfnio, Levine & Moreland (1990), sensfveis, por urn lado, as orienta~oes europeias e, por outro, aos desenvolvimentos operados noutros campos disciplinares, vern assim a concluir, em resposta a Steiner, que os grupos «estao de boa saude» (alive and well), embora tenham emigrado para outras bandas. Na ultima decada verifica-se, contudo, urn novo interesse pelo estudo dos grupos, sobretudo estimulado por Joseph McGrath (1991, 1993), urn consagrado veterano neste e noutros domfnios da Psicologia Social. McGrath e colaboradores (McGrath 1993; Hollingshead et al., 1993), a que alias iremos recorrer com frequencia neste capftulo, retomam a tradi~ao lewiniana de aliar 0 rigor cientffico a relevancia social e, nesse sentido, iniciaram urn ambicioso programa de investiga~ao em que grupos de laborat6rio sao examinados ao longo do tempo, por forma a melhor reconstituir as condi~oes dos grupos naturais. Por outro lado, este mesmo autor e a sua equipa introduziram 0 estudo dos grupos electronicos ou seja, dos grupos em que a interac~ao e mediada por computadores. Dada a revolu~ao operada pela Internet e ao correia electr6nico a ela associada, este tipo de estudos assume uma importancia 6bvia, que se acha, alias, atestada pelo seu crescimento exponencial.

2. Tipos de grupos Ha muitas defini~oes de grupo (Hare, 1976. Shaw, 1981). De urn modo geral, acentuarn ' ideias de interaq:iio, interdependencia e con:~ ciencia l1uitlla (Deutsch, 1968). Uma solu'riio proposta por McGrath (1984) para evitar embara~o da defini~ao consiste em adoptar ~ metMora derivada do conceito matematico de conjllntos vagos que define 0 grupo em terrnos de grau. Assim, urn agregado sera tanto rnais grupo: a) quanta menor for 0 seu numero de membros; b) quanta maior for a interac~ao entre os seus membros; c) quanta mais longa for a sua hist6ria; d) quanta menos 0 seu futuro se reduz ao horizonte pr6ximo da interac~ao corrente. Urna caracteriza~ao deste tipo, presumivelmente inspirada na teoria da categoriza~ao de Rosch (1978), elimina 0 sempre dificil problema das fronteiras. Por exemplo, nao se estipulam limites minimos ou maximos quanta ao numero de membros. Desde Simmel (1950) que se debate se 0 numero minimo para que urn grupo seja considerado como tal deve ser tres ou dois. Como tambem nao e muito claro qual deva ser 0 numero a partir do qual urn agregado social seja c1assificado nao como grupo mas como publico, multidiio, comunidade ou sociedade. Depara-se-nos aqui 0 problema ja colocado por Wittgenstein: onde acaba a cidade e come~am os arredores. Tambem nao se prescreve que a interac~iio seja uma condi~ao necessaria para que urn indivfduo se identifique com urn grupo, como sera 0 caso do grupo mlnimo estudado por Tajfel e associ ados (1971). Tambem nao se exc1uem as situa~oes dos grupos sem passado nem futuro, como os grupos laboratoriais ad-hoc, e, tambem, 0 caso do grupo dos jurados solicitado a pronunciar-se sobre a culpabilidade e inocencia de urn arguido. . o mesmo criterio pode, em seguida, ser aphcado aos membros dum grupo. Tal como observa

h (1984, p. 9), os indivfduos «nao per. (Y' aos grupos no sentldo de serem partes ncern [e . ) mas antes no sentI·0 d ' . de matematlco 'glcas> , Io bros de urn conjunto». Nestas circunstan«~e~les podem ser simultaneamente membros clas'arios grupOS e a sua inser~ao e identifica~ao d~ vcada um deles ser tambem uma questao de e e nao uma questao de tudo ou nada. gra~rnbora com fronteiras imprecisas, 0 objecto analise acha-se suficientemente caracterizado deOS casoS situad '· d os I·· os proxlmos Imltes d as ~.ferentes dimensoes apontadas poderao servir ~a distinguir e articular os diferentes nfveis de P d · . analise ao longo 0 contmuum em que se sltuam OS fenomenos de grupo. Variando as dimensoes e os criterios em que etas se baseiam, natural sera que igualmente se verifiquem v aria~oes ao nfvel das tipologias. Rabbie e Lodewijkx (1994) propoem urn continuO que vai da «categoria social» as «organiza~6es sociais». Por categoria social, definida a partir da perspectiva dum observador externo, entende-se uma colec~ao de dois ou mais indivfduos que tern pelo men os urn atributo em comum que os distingue dos membros de outras categorias (Deutsch, 1973, Horwitz e Rabbie, 1982). Passando a perspectiva interna, os membros duma categoria social podem transformar-se num grupo psicologico quando se auto-percepcionam como pertencendo a mesma categoria social (Turner, 1982). Quando os indivfduos sao classificados com base em caracterfsticas socio16gicas semelhantes, tais como idade, genero, profissao, habilita~oes, cor da pele, etc., sao definidos social mente como membros duma categoria sociologica (Merton, 1957). A situa~ao a seguir - 0 grupo mfnimo ocorre quando os sujeitos sao c1assificados aleat . orJamente como membros duma categoria social ou categoria sociol6gica e se cre que actuarn em fun~ao duma tal identifica~ao, sem .ACGra t

295

todavia interagirem uns com os outros (Rabbie e Horwitz, 1969; Tajfel et al., 1971). Os grupos mfnimos tornam-se grupos sociais quando os membros tomam consciencia duma «interdependencia de destino» (Lewin, 1948) ou duma «condi~ao comum» (Sherif, 1966). Em seguida, urn grupo social torna-se grupo compacto (Lewin, 1948) quando alguns ou todos os seus membros cooperam uns com os outros a fim de alcan~arem objectivos interdependentes (Deutsch, 1973; Horwitz e Rabbie, 1989). Com 0 tempo, os grupos compactos podem evoluir para grupos organizados, caracterizados por uma estrutura hierarquica do poder, estatutos e papeis, bern como por urn conjunto de normas e valores implfcitos ou explfcitos que regulam as interac~oes entre os membros (Sherif 1966; Rabbie e Lodewijkx 1994). E finalmente uma organizariio social pode ser definida como urn sistema social hierarquico de grupos organizados por vezes em intercompeti~ao quanta a defini~ao dos objectivos ou a reparti~ao dos recursos (Pfeffer e Salancik, 1978). McGrath (1984) propoe uma tipologia mais simplificada distinguindo entre grupos naturais, grupos artificiais e quase-grupos. Os grupos naturais, por vezes tambem designados por grupos intactos, sao definidos como aqueles que existem independentemente dos interesses dos investigadores que os estudam. A grande maioria dos grupos organizados que integram as organiza~oes, tais como as sec~oes e departamentos, os grupos de trabalho e as comissoes, os cfrculos de qualidade, as comissoes de trabaIhadores, etc., caem nesta categoria. E habitual distinguir quando se trata de grupos nas organiza~oes entre gruposformais e grupos informais, estes ultimos constitufdos a margem da estrutura formal do poder e ainda entre grupos permanentes, com continuidade no tempo, e grupos temporarios, com urn tempo de actua~ao Iimi-

t

297

296 tado, como e, por exemplo, 0 caso dum grupo de trabalho ou de uma comissao ad-hoc. No contexto do trabalho, McGrath e O'Connor (1996) distinguem ainda entre grupo de traba/ho, equipa e guarni~iio consoante a importancia relativa dos factores - 0 projecto, os membros ou a tecnologia. E sobretudo neste domfnio dos grupos naturais, contextualizados, que se tern verificado urn interesse crescente dos especialistas. Em contraste, os grupos artificiais ou laboratoriais sao grupos especialmente constitufdos pelo experimentador para efeitos de observa~ao sistematica ou de manipula~ao de variaveis . Na medida, porem, em que os membros interagem uns com os outros na resolu~ao dos problemas experimentais que lhes sao colocados, estes grupos sao tao reais como os grupos naturais. Ha, todavia, situa~oes em que os experimentadores procuram estudar e que implicam limita~oes interacc;ao espontanea - por exemplo, so podem utilizar determinados canais de comunicac;ao, ou devem realizar a tarefa obedecendo a sequencias predeterminadas. A tais grupos, de certo modo semelhantes aos grupos mfnimos no sentido de Rabbie e de Tajfel, da McGrath a designac;ao de quase-grupos. Por ultimo, con vern mencionar, sobretudo pelas implicac;Oes decorrentes para a Teoria das Representac;oes Sociais (ver Cap. XIV), a metadistinc;ao proposta por Harre (1981, 1984) entre grupos taxonomicos cobrindo as categorias sociais e categorias sociologicas, e grupos estruturados, cobrindo os grupos sociais, grupos compactos e grupos organizados, tal como foram definidas por Rabbie e Lodewijkx (1994). A diferenc;a residiria fundamentalmente no grau de consciencializac;ao e de identificac;ao dos membros relativamente aos seus grupos de pertenc;a e/ou de referencia. Para Harre, como para Rabbie e Horwitz (1988), alias na sequencia de Deutsch (1968) e de Sherif (1967), os grupos so existem

a

enquanto grupos quando ha interdepe d~ n en . entre os membros e, sendo assim, torna_s CI~ blematica a atribuic;ao de representaroes e ~t(). T SOc I . enquanto produtos da interacc;ao dos rnernb als , . , ros grupos taxonomicos, como e 0 caso dos ,a . . e dos grupos SOCIO . I'oglcos. . gruPo SOCialS Esta questao e central para a Teoria d Grupos . Mais uma vez - mas voltarernos OS . a eSIe ponto -, a dlficuldade atenua-se se considerarrn que as distin~oes entre categorias e metacat OS . d e grupos sao -malS ' d'f nas I usas do que radiego. P ' · , mente d Iscontmuas. artlcu Iarmente util ncal. ' . de bate e, aSSlm, a d"Istm~ao recentemente eSIe Pro posta por Moscovici e Doise (1991) entre gru • pos fechados e grupos abertos e que equivale a nA - d !"ur em causa a no~ao e que 0 grupo tende natu. ralmente a estruturar-se, fechando-se sobre si proprio, bern como a atenuar importancia e pre. valencia do conflito endogrupo - exogrupo na forma~ao da identidade do grupo.

3. Aspectos metodologicos Para 0 estudo dos grupos sao aplicaveis os princfpios e recomenda~oes relativos a utiliza· ~ao do metoda cientffico em ciencias sociais e, mais particularmente, em Psicologia Social (ver Cap. IV). 0 estudo dos grupos recOrre aos metados comuns nos outros domfnios, tais como os metodos experimentais, quase-experimentais e correlacionais. Urn aspecto importante a salientar reside na dificuldade da sua aplica~ao , dado o numero de sujeitos que 0 estudo dos grupos for~osamente implica. Urn plano experimental vulgar de 2 x 2 com 20 sujeitos por celula, 0 qu.e significa uma amostra de 80 sujeitos, se for aphcado a grupos de 5 membros implica uma amostra de 400 sujeitos. Acresce, e a observa~ao deve-se a Davis (1996) que, se a probabilidad~ de os sujeitos comparecerem for de 80, 0 que e considenlvel, a probabilidade de form ar grupos

. itOS e apenas de (80)5 = . 33. Segundo 5 sUJerno autor, 0 menor entusiasmo registado rnes , . as decadas pelo estudo dos grupos 1I1U~a em grande medida a esta dificuldade de recrutamento de sujeitos para as expeAcres ce por outro lado que as instala'ueridas para a observa~ao sistematica de .-lieS req . d'lspen d'losa pe Ios rye necessanamente . tecnicos que exige - sala de visao num /lie lOS t'do equipamento de registo de vfdeo e , sen I , so . mais recentemente, para os grupos elec, ud lo e, d . . d , . OS «salas de eClsao» eqUJpa as com IroniC , d' .. d . informaticos em rede e ISPOSltlVOS e melos 'ec~ao «inteligentes» e todo 0 «software» ::~ciado. Enfim, a propria equipa de investino caso dos grupos, tera de ser refor~ada virtude da multiplica~ao e coordena~ao das tare fas em jogo tanto na recolha como posteriorno tratamento e analise dos dados. Se 0 laboratorio e diffcil, 0 grupo natural nao e menos por virtude das dificuldades de acomsistematico a que se acrescentam as limitacoeS teoricas dos estudos de campo. Tal observa McGrath (1984), nao e possivel iar simultaneamente os tres objectivos a toda a investiga~ao cientffica aspira: a) geneb) rigor e c) relevancia social. Na melhordas hip6teses sacrifica-se urn dos objectivos favor dos dois restantes. Nestas condi~oes, e e ainda McGrath que , 0 princfpio fundamental, na investisobre grupos como urn qualquer outro io cientffico, reside na consistencia ou convergellcia das provas obtidas atraves de tstudos au de dados baseados em diferentes e metados (McGrath 1984, p. 31). . As dificuldades praticas associadas investlga~iio dos grupos tem, todavia, estimulado 0 engenho dos cientistas no sentido de desenvOlverem metod os mais economicos como e, ~esignadamente, 0 caso dos modelos formais lntroduzidos por Davis (1979) com a teoria dos

a

esquemas de decisiio social para estudar as decisoes dos jurados no sistema de justi~a norte-americano. Os model os fonnais utilizados sao, regra geral, de tipo matematico, visando fonnular predi~oes sobre as diferentes possfveis combinatorias dos jufzos previos a discussao de grupo. De qualquer fonna, a valida~ao das hipoteses nao dispensa 0 recurso, por exemplo, a jurados artificiais mas, e af reside a economia tanto te6rica como pratica, torn a dispensavel a observa~ao do processo interactivo. De certo modo, e um retorno it caixa preta dos behaviouristas. Um outro recurso metodologico e a simula~ao das interac~oes de grupo por computador com base em regras e modelos teoricos apriorfsticos. Um exemplo recente, que adiante se examinara, e dado pelas investiga~oes de Bib Latane (1996) e associados, base ad as na teoria do impacto social. A simula~ao dos processos de interac~ao a partir de modelos formais abre novas perspectivas de colabora~ao interdisciplinar, nomeadamente entre a Ffsica e a Psicologia Social. Um outro exemplo deste tipo de aproxima~ao e dado pelos trabalhos de Galam (1996) e de Galam e Moscovici (1991, 1994 e 1995) sobre os fenomenos colectivos, enquanto articula~ao de nfveis micro e macro, com base em modelos desenvolvidos no ambito da mecanica estatfstica.

4. Quadro de referencia para 0 estudos dos grupos

o quadro conceptual que, regra geral, e referido na I iteratura , distingue entre factores antecedentes e resultados mediados pelos processos de interac~ao (McGrath, 1964, 1984; McGrath e Altman, 1966; Hackman e Morris, 1978; Hackman, 1987). Nao se trata de uma teoria mas apenas duma classifica~ao de conjuntos de variaveis com pos-

• 298 sfveis impactos nos resultados das tarefas que os grupos devem levar a efeito. Por factores antecedentes entendem-se as variaveis que influenciam os processos de interac~ao. Compreendem os indivfduos que compoem os grupos, as caracterfsticas estruturais dos grupos, tais como a dimensao, as modal idades de distribui~ao do poder, papeis e estatutos, as formas de comunica~ao e as rela~oes de atrac~ao e rejei~ao interpessoais, e ainda 0 contexto em que 0 grupo opera, ou seja. qual a tarefa que realiza, qual a sua envolvente especffica, qual 0 ambiente fisico, bern como cultural. politico e economico. Por processos de interacrao entendem-se as trocas que se fazem entre os membros do grupo. Compreendem tanto a forma como 0 conteudo da comunica~ao. A forma diz respeito as regularidades, tanto sincronicas como diacronicas; e o contelido refere-se as modalidades especfficas de que as formas se revestem em fun~ao do contexto, assumindo aqui particular relevancia a natureza da tare fa. As consequencias dos processos de interac~ao traduzem-se na eficacia da ac~ao colectiva. ou seja, no grau em que 0 grupo logra atingir os objectivos para que foi constitufdo. As articula~oes posslveis entre estes varios nlveis de analise sao, todavia. muito mais complexas por virtude, por urn lado, dos efeitos de retroac~ao que as interac~oes introduzem nas variaveis antecedentes. sobretudo ao nfvel dos factores estruturais mas tam bern nas atitudes e motiva~oes dos membros, e, por outro lado. pela emergencia de factores latentes ao proprio processo de interac~ao, ou seja, a factores de influencia social (ver Cap. IX) que, como recurso, vaG moderando os resultados finais. o quadro propos to depende igualmente do tipo de grupo e do tipo de metodologia. Para grupos naturais e de acordo com Hackman (1987), as variaveis consequentes nao dizem apenas res-

peito ao desempenho do grupo. mas tall1be . satisfa~ao dos membros e sobretudo a aprend~ qq . . , 'd d IZ • gem colectlva, ou seJa , a capaci a e de 0 g . rupo vir a desempenhar sucesslvamente melho . 'd~ . res taretas futuras de natureza I entlca.

5. Factores antecedentes

5.1. Caracteristicas dos membros As caracterfsticas sociodemograficas e psi. cologicas dos membros que compoem um grupo tern certamente influencia nos processos de interac~ao e nos resultados deles decorrentes. Trata-se, todavia. dum aspecto menos prioritcirio na agenda dos investigadores, talvez por virtude das reservas dos psicologos sociais, ou pelo menos de alguns, quanta ao valor explicativo deste tipo de variaveis. Dispoe-se. contudo, de informa~ao nao muito sistematica sobre algumas das rela~oes mais comummente observadas e resumidas por Shaw (1981) na revisao de lite· ratura que levou a efeito. No tocante a idade cronologica, a participa9ao social aumenta com a idade e toma-se, por outro lado. mais diferenciada e complexa; verifica-se tam bern uma tendencia para 0 Ifder ser mais velho; e que a conformidade aumentaria ate aos doze anos, decrescendo a partir de entao. No que se refere ao genero, os dados empfricos sugerem que, num contexto grupal, as mulheres sao menos assertivas e menos compe· titivas do que os homens. usam 0 contacto visu~1 com mais frequencia, falam mais e sao mal conformistas. Nos estudos sobre jurados verificou-se, por outro lado, que as mulheres tendetn a enviesar mais do que os homens. no sentido de urn veredicto de «nao culpado». , . as e No que se refere a caracterlsticas flSIC brepsicologicas, as rela~6es encontradas dizern SO rtudo respeito as caracterfsticas dos Ifderes eme

tes. Verificar-se-ia, assim, uma ligeira tenden. . a Itos e PSICO . Iogl. g.en ara serem fiISlcamente mats Ola P . 'mte I'Igentes. Por outro lad0, os ente matS camrnbros mais inteligentes seriam em geral mais me.vos rnais populares e menos confonnistas. acttNo que ' se rei1"ere a competencla ~. e capac I'd ade, indivlduos mais habilitados para a tarefa de OS po seriam em geral mais activos, dariam ~iS contribui~oes e teriam mais influencia na decisiio do grupo. . No que se refere a personaltdade, os autoritario s seriam autocraticos e exigentes, mas tamb ern rnais conformistas. Os indivlduos mais positivamente orientados para os outros tenderiarn a real~ar a interac~ao social, a coesao e 0 moral, enquanto os mais positivamente orientados para as coisas tenderiam a inibir a interac~ao social, a reduzir a coesao e a baixar 0 moral do grupo. Enfim, os sujeitos pouco convencionais e os ansiosos dificultam 0 funcionamento eficaz do grupo, enquanto que os indivlduos bern ajustados e que inspiram confian~a facilitam a progressao do grupo para os seus objectivos. Embora empiricamente fundamentadas, todas estas rela~oes sao avulsas e precarias e por isso mesmo devem ser aceites com reservas. As caracterfsticas dos membros podem, todavia, constituir uma dimensao a nao negligenciar, sobretudo na constitui~ao de grupos naturais bern como no recrutamento de novos membros.

5.2. Caracteristicas do grupo Dimensao Referiu-se anteriormente nao ser consensual nem porventura desejavel definir fronteiras no qUe se refere a dimensao dos grupos. A titulo convencional, os pequenos grupos sao aqueles elm que os membros podem interagir entre si, em n01110 de pro bl emas comuns. Os passageiros uma fila de espera dum transporte publico ou

299 duma bilheteira sao urn aglomerado, um grupo serializado na terminologia de Sartre (1960). Urn incidente que Ihes confira urn destino comum pode transformar esse simples agregado num grupo. Qualquer aglomerado, qualquer que seja a sua dimensao, multidao, publico ou audiencia, constitui urn grupo potencial ou, pelo menos, e posslvel identiticar neles a emergencia, sempre latente, de fenomenos de grupo. No que se refere aos limites mlnimos, autores como Bales (1950) ou Hare (1976) admitem que as dlades (grupos de dois) ja exibem caracterlsticas de grupo. Para outros autores (Simmel, 1950, Mills, 1953, Caplow, 1956) so, pon!m, a partir de tres e posslvel considerar a fonna~ao de coliga~oes e isso constituiria, segundo eles, uma condi~ao minima para se poder falar de grupo. A dimensao do grupo tern influencia nos processos de interac~ao e consequentemente nos resultados. Bales et al. (1951 b) mostraram que a medida que a dimensao do grupo aumenta maior e a diferencia~ao na participa~ao relativa dos membros. Mais especificamente, quanta maior 0 grupo, maior a tendencia para que uma minoria tenda a dominar e maior, por isso mesmo, a percentagem das comunica~oes dirigidas por essa minoria ao grupo como urn todo. Urn corolario imediato e 0 da maior probabilidade de emergencia dum Ifder com 0 aumento da dimensao do grupo (Bass e Norton, 1951). A influencia da dimensao do grupo no desempenho depende da tarefa mas, em termos genericos, a curva da eficiencia tende a aumentar ate urn certo ponto vindo em seguida a diminuir. Compreende-se que assim seja por virtude do acrescimo quase exponencial das interac~6es posslveis a medida que 0 numero de participantes aumenta. Esse aumento progressivo do numero de interac~oes nao corresponde todavia, a uma maior produtividade de ideias. De acordo com Gibb, (1951), a produ~ao de ideias e uma fun~ao negativamente acelerada

• 300

301

em relarrao a dimensao do grupo, ou seja, a cada acrescimo na dimensao do grupo corresponde urn acrescimo progressivamente menor do numero de ideias emitidas. Este efeito e devido as restrirroes que se verificam no padrao de comunicarrao com 0 aumento do numero potencial das interacrroes. 0 acrescimo das interacrroes produz tam bern efeitos na propria natureza das trocas. Slater (1958) realizou experiencias em grupos cuja tare fa consistia em discutir problemas de relarroes humanas. Os grupos, num total de 24, variavam na sua dimensao entre dois. a sete membros. 0 autor concluiu que os membros dos grupos de cinco exprimiam maior satisfarrao e que acima desse numero surgiam comportamentos competitivos indesejaveis. possfvel, e as regras praticas apontam nesse sentido, que a dimensao ideal do pequeno grupo se nao afaste do «magico numero 7, mais ou menos 2» (Miller, 1956). Urn outro aspecto, apurado por Bales e Borgatta (1955), tambem em observarroes efectuadas em grupos de dimensao variando entre dois e sete, seria que os grupos de dimensao par chegam menos rapidamente a urn acordo do que os grupos de dimensao fmpar.

Homogeneidade A composirrao do grupo, ou seja, 0 seu grau de homogeneidade ou de heterogeneidade, tanto no que se refere a caracterfsticas demograficas, sociologicas ou psicologicas , tern tam bern influencia nos processos de interacrrao e, consequentemente, no desempenho do grupo . Mas tambem aqui nao e facil apontar efeitos principais, havendo sempre que conjugar com outras variaveis tanto estruturais como contextuais , devendo ainda ter-se em conta os processos dinamicos . Hoffman (1959). por exemplo, apurou que a heterogeneidade na composirrao dos grupos oferece vantagens em tarefas intelectuais do tipo

de resolurrao de problemas. Por seu t Rosenberg et al . (1955) conclufram que ernUrll o• fas mecanicas a homogeneidade do tare. . d fi . " grupo estava aSSOCIa a a e eltos slgmficativa superiores. Na revi sao que efectuou da lite~ellte Shaw (1981) concluiu que os grupos Co a1Ura tfveis, no que se refere a motivarroes e cmPa. ,. de persona I'd d arac. tenstlcas I a e, consagram rn energia as interacrroes socioafectivas e pOr ~nos . atmgem os 0 b"~ectlvos de fiorma mais eficaz SSO d que os grupos incompatfveis . Por outro lado 0 ' . ,Os mem bros dos grupos compatlvels declaram_ mais satisfeitos com 0 desempenho do grupo ;e que os membros dos grupos incompatfveis. N~ que se refere a qualificarroes e diversifica~ao. e favoravel desde que as tarefas assim 0 requei_ ram. Finalmente, no que se refere ao genero. OS grupos heterogeneos tendem a obter melhores resultados mas tambem a exibirem maior conformidade.

Estruturas de grupo

-

I Cen:r~ de Recur. a. I

de

I

re

podemos distinguir varias dimensoes estrutuAs dimensoes de diferenciar;ao mais frelUerlten1ente referidas na literatura sao a comu, 0 poder e a atracfiio interpessoal.

Estruturas de comunicarao, redes e modali-

De acordo com Collins e Raven (1968), a estrutura de grupo pode ser caracterizada em termos da regularidade das relarroes interpessoais e das relarroes pessoa-tarefa, que transcedem as personalidades e as relarroes idiossincraticas dum determinado grupo. Uma estrutura social pode. pois. ser definida como a relarrao entre elementos duma unidade social, pod en do os elementos ser indivfduos ou posirroes . As estruturas sao, em regra, contrastadas com os processos. referindo-se estes a mudanrras de actividade ao longo do tempo. Mas a distinrr iioe apenas conceptual ja que estruturas e processos estao intimamente ligados, implicando-se mutuamente. No quadro de referencia que se propos. istO significa que as estruturas se devem situar tantO a montante como a jusante dos processos de ces mteracrrao. As estruturas tern eleltos nos pro •

'nteracrrao e estes, por seu turno, tern sa naS estruturas. efeltOS trUturas indicam 0 grau de diferenciarrao Ases , . po No caso durn grupo temporarlo, sem do ~~ ~s estruturas reduzem-se as diferenciah~stOoa, ....,ergentes, tanto no que se refere as conoeS .e..oe~· s instrumentals . para a reaI'lzarrao - da 'bUly IrJ fa especffica, como no que se ref~re as r~latare afectivas entre os membros. A medlda. que 0 grupo adquire continuidade, 0 que pora ~~aso do grupo que trabalha em permanen~ ou eJll sessoes intermitentes, 0 grupo vai C l8 . d d{tcan do cada vez mals estrutura 0 e os pa roes actuarr ao tendem por seu turno a exercer . ..fllIl:lll"... nos processos de interacrrao subseS.

A

j:'

o estudo das estruturas comunicacionais nos sobrepoe-se em grande parte aos aspecrelativos ao contexto flsico e organizacional, que e este que introduz constrangimentos e a interacrrao. As redes de ~mumca~:ao foram um dos primeiros topicos a ,.... ~L. .UIl"JIII 0 objecto de investigarrao experinos grupos (Bavelas, 1948; Leavitt, I) , Posteriormente, muitos outros investiconduziram experiencias identicas. tres a cinco sujeitos, e operando em com graus diversos de restrirroes nos (Shaw, 1964, 1978, 1981; Glanzer e

.1959, 1961). A rede adoptada como base de compararr ao estudos e. em geral, a roda, que corresa uma estrutura centralizada on de os s6 podem comunicar atraves dum

membro central, pelo que as mensagens deverao passar todas pelo centro da roda. Outro dispositivo utilizado e 0 cfrculo, em que cada membro esta ligado a dois outros, urn a montante e outro a jusante. Ha outros padroes como 0 Y, a cadeia e todos os canais (Fig. 1). Os principais resultados obtidos nestas experiencias sao bastante consistentes. Este e um dos raros domfnios em Psicologia Social onde a investigarrao parece ter atingido uma relativa perfeirrao. Em primeiro lugar. as redes ,d e comunica~ao centralizadas sao mais vulneraveis a saturarrao do que as descentralizadas. Por saturarao entende-se a carga total, em termos de tarefa e de papel, exigida ao sujeito que ocupa uma determinada posi~ao (Shaw, 1964. 1978). No caso duma rede centralizada, a pessoa que ocupa a posirrao central satura mais rapidamente. Em seguida, as redes de comuni<;arrao descentralizadas sao mais eficientes quando 0 grupo tem de resolver problemas complexos, enquanto que as redes centralizadas sao preferfveis para os problemas simples. Por problemas simples entendem-se os que exigem apenas recolha de informarrao; logo que se disponha de toda a informarrao a solurrao e obvia. Por problemas complexos entendem-se aqueles que requerem, para alem da recolha de infonnar;ao. 0 seu tratamento posterior a fim de encontrar a solurrao. Tal como sustenta Flament (1961). 0 desempenho dum grupo e optimo quando ha homomorfismo entre a rede de comunicar;ao e 0 tipo de tarefa a efectuar. Faucheux e Moscovici (1960) compararam grupos cuja tarefa consistia em resolver problemas (figuras de Euler) com grupos cuja tarefa era de natureza criativa (arvores de Riguet), verificando que a tarefa de resolu~ao de problemas favorece a emergencia de estruturas centralizadas. enquanto que a tarefa de criatividade favorece as estruturas homogeneas (todos os

, 302

303

fas puramente cognitivas, em que a dimen-

FIGURA

I~ socioafectiva pode ser mais nociva do que ~1I~1 OS canais de comunica«;ao mais «frios» ou

I

Circulo

mal

Homogenea

Roda

(centralizada)

o~-ee~~.'-~e~-o

Cadeia

y

Estrutura sociometrica: coeSQO de grupo

Redeem Y

canais). Posterionnente, Abric (1975) mostrou que nao e tanto a natureza objectiva da tarefa mas a representa~ao que os membros dela tern que detennina a emergencia da estrutura: quando 0 grupo considera que a tare fa requer criatividade, tende a recorrer a estruturas descentralizadas, e quando a representa em tennos de resolu~ao de problemas tende a favorecer as estruturas hienirquicas. Outro aspecto reportado na literatura diz respeito a emergencia dos lfderes, mais provavel nas redes ' centralizadas do que nas redes descentralizadas (Leavitt, 1951). Enfim, nas redes centralizadas a organiza~ao desenvolve-se mais rapidamente do que nas redes descentralizadas, mas em contrapartida a satisfa«;ao dos

, d'10 ou mesmo a men«pobres», como 0 au . ern por escnto, oferecern vantagem sobre os sag ais mais «quentes» ou «ricos», como e 0 carta da comunica«;ao «face-a-face» (Daft e C~ngel, 1986, Hollingshead et al., 1993). Em L ntrapartl'd a, em tare f as como a negocla~ao, . c~ que a redu~ao da incerteza depende dum e ax imo de informa«;ao, tanto verbal como nao ~rbaI, a comunica«;ao atraves de canais mais v . fi' ,ricos revela-se mals e lClente. 1111 's'

Redes de comunica~ao

membros e menor, com excep«;ao dos que ocupam as posi«;oes centrais. Uma linha de investiga~ao mais recente, desenvolvida sobretudo em Inglaterra, procurou detenninar quais os efeitos produzidos restringindo as modalidades de comunica«;ao, ou seja, pennitindo aos sujeitos comunicarem atraves de canais audio e/ou vIdeo (William, 1977). Algumas das experiencias efectuadas utilizaram tarefas de negocia«;ao (Morley e Stephenson, 1977). Estes estudos trouxeram contribui«;oes impo~­ tantes que constitulram uma primeira apro XI. ~o ma«;ao ao estudo dos processos de mteracya mediados por computador. As principais conclusoes apontam, uma veZ mais, para 0 efeito moderador da tarefa. 8111

Dutra estrutura de grupo, condicionante e condicionada pelos processos de interac«;ao, diz respeito as rela«;oes afectivas entre os varios membros do grupo. Como tal, tern a ver com lIS caracterfsticas dos indivfduos mas tambern depende das caracterlsticas do meio ambiente. D programa de investiga~ao levado a efeito por Festinger e colaboradores, nos finais dos anos 40 num bairro residencial e complemen!ado por experiencias de laborat6rio, veio, com efeito revelar que a simples proximidade ffsica era suficiente para incrementar a comunica~ao e a atrac«;ao interpessoal (Festinger, Schachter e Back, 1950, Festinger, Back, Schachter, Kelley e Thibaut, 1952). A partir da estrutura sociometrica (Moreno, 1934) e posslvel identificar quais os sujeitos rnais populares - as estrelas, quais os mais rejeitados - os bodes-expiatorios, bern como subconfigura«;oes, como «cliques» e coliga~oes. Urn aspecto relacionado com a estrutura sOciometrica que tern side objecto de particular aten~ilo e 0 que se refere a coesao de grupo, ~nq~anto factor de produtividade dos grupos. eSlinge r de f'me a coesao - de grupo como

«a resultante de todas as jorfas que actuam /lOS membros para permanecerem no grupo» (Festinger, 1950, p. 274). Urn aspecto central na teoriza«;ao de Festinger e que os grupos tendem a produzir pressoes para a conformidade entre os membros, sobretudo relativamente a questoes em que 0 teste de objectividade e problematico, ou seja, questoes que dependem do consenso intersubjectivo. Uma consequencia que pode derivar-se consiste em supor que tais press6es se dirijam prioritariamente para os dissidentes, com o exacto objectiv~ de os persuadir e que, no caso de tais tentativas falharem, 0 grupo tendera a marginalizar os membros nao conformistas. As hip6teses de Festinger foram em grande parte confinnadas tanto atraves de estudos experimentais como de campo. Verificou-se, com efeito, que ha mais interac~ao nos gropos mais coesos do que nos grupos de menor coesao (Back, 1957; Lott e Lott, 1961). Nos grupos altamente coesos os membros tendem a ser amigaveis e cooperativos, enquanto que nos menos coesos tendem a funcionar mais como indivlduos do que como membros dum grupo. No que se refere a satisfa~ao, varios estudos de campo indicam igualmente que os membros dos grupos coesos se sentem em geral mais satisfeitos do que os membros dos grupos pouco coesos (Gross, 1954; Marquis, et ai., 1951; Van Zelst, 1952). Por fim, os grupos com elevada coesao exercem maior influencia sobre os seus membros do que naqueles com baixa coesao, designadamente no que se refere a tendencia para a confonnidade, ou seja, para aceitar a opiniao da maioria (Bovard, 1951; Lott e Lott, 1961; Wyer, 1966). Mas a coesao nem sempre e funcional para a qualidade da decisao de grupo. Urn efeito perverso da coesao identificado por Janis (1972; Janis e Mann, 1977) e0 efeito do pensamento grupal. De acordo com estes autores, a tendencia para a confonnidade pode na verdade conduzir a urn exame superficial dos problemas e a aceitar solu-

, 304 ~6es

precipitadas e ruinosas para 0 grupo. Janis ilustra 0 seu diagnostico atraves duma serie de exemplos de «fiascos historicos», que envolveram a Administra~ao norte-americana, tais como a invasao de Cuba, 0 desastre de Pearl Harbor, a Guerra da Coreia ou a escaIada no Vietname. Para Janis, 0 pensamento grupal nao e apenas consequencia da coesao do grupo. Sera uma condi~ao necessaria mas nao suficiente. Outros factores que contribuem para a sindrome descrita sao a Iideran~a autoritaria, por urn lado e, por outro, a pres sao derivada da urgencia em decidir. A evidencia experimental aponta, alias, nesse sentido. De acordo com os resultados duma experiencia de laboratorio conduzida por Flowers (1977) com grupos de estudantes universitarios «coesos» e «nao coesos» e cuja tarefa consistia em resolver uma situa~ao de crise, veio a concluir-se que era sobretudo 0 tipo de Iideran~a, ou seja, 0 grau em que a discussao era ou nao encorajada, e nao a coesao, que se relacionava com a decisao tomada. Estudos posteriores, tanto de laboratorio como de campo (Cartwright, 1978; Vinokur et al .• 1985), apontam igualmente no mesmo sentido. De acordo com os dados de que se dispoe, tanto os grupos muito coesos como os pouco coesos sao capazes de tomar boas decisoes desde que 0 processo de tomada de decisao seja adequado. Talvez, como sugere Steiner, nao seja tanto a coesao mas antes «0 desejo de coesao» 0 facto primariamente responsavel pelo pensamento grupal, sendo a coesao mais uma con sequencia do que uma causa da incapacidade de examinar todos os aspectos dum problema duma forma «desapaixonada» (Steiner, 1982, p. 521).

Estruturas de poder e injluencia - Lideranra de grupo As estruturas de poder e influencia emergem do processo de diferencia~ao vertical dos grupos.

305

Nas observa~oes sistematicas que efectuou pequenos grupos, Bales ( 1950 b) verificou ell1 . - vertic . aI ocoma . re I· dI·tierencIa~ao atIvamente qUe a cedo · no decurso dos processos de mterac~ao. n acordo com as observa~oes, os Iideres emerg e . de regra, comp0rtamenen_ tes eXI·bem, por Via tipicos como dirigirem-se ao grupo como tos todo, sendo eles que recebem mais informaC'aurn . T 0 e que, por seu tumo, d ao mrus sugestoes. EIll te mos lewinianos, retomados por Festinger 0950;sao estes actos de influencia que ajudam 0 gru • . Po · para os seus 0 b·~ectIvos. a progred Ir Bales verificou, por outro lado, que os Iideres emergentes nao sao necessariamente os Illem_ bros mais populares, no sentido de serem os mais preferidos em termos afectivos pelos outros membros do grupo. E dai a consagrada distin~ao entre lMeres instrumentais e [(deres socioemocionais ou expressivos. Cinquenta anos depois sao estas as duas dimensoes fundamentais que os estudos sobre Iideran~a continuam a identificar. Note-se que os grupos observados por Bales sao grupos de laboratorio, constituidos por estudantes universitarios, todos eles com 0 mesrno estatuto e sem qualquer diferencia~ao em termos de poder posicional. A emergencia dum Iider a partir dos processos de interac~ao sugere, deste modo, que 0 «poder pessoal» e, neste caso, urna con sequencia da Iideran~a, ou seja, depende das suas competencias especificas, pelo menos no que se refere it tarefa que 0 grupo deve levar a efeito (Jesuino 1996). «Poder posicional» versus «poder pessoal» e uma distin~ao proposta por French e Raven (1959). 0 poder posicional ou poder fonnal e0 poder que esta associ ado a uma posi~ao hierarquica e que se traduz na capacidade de exercer influencia com base na atribui~ao de recompen. IegaImente . . 'd as. 0 poder sas ou pum~oes mstItUl d formal e estrutural e anterior aos processos e interac~ao, situa~ao que se veri fica nos grupos

·s e designadamente em contextos organi-

(oJ1l1aJ .

cion als . tB anto ao poder pessoal, e como a designa• QUugere, consiste na influencia que e exerrllO s ,. . e '. por virtudd e as caractenstlcas pessoals cldll . . d . '0 necessanamente assocla as a uma posl~ao n~ rarquica. Modalidades de poder pessoal, tal e bl 0 sugere French e Raven (1959) sao a comcorn . ti _. I tc~ncia, a m orma~ao e a atrac~ao emOClOna pe der de referencia). (POHa ainda urn terceiro tipo de poder - 0 poder I (timo,ou seja, de acordo com Weber (1947), :!utoridade. 0 poder legitimo articula poder osicional e poder pessoal. Por outras palavras, ~ poder posicional e I~giti~ado, ou seja, e ~anto mais aceite pel os destmatarios sobre os quais ele eexercido, quanta mais 0 detentor da posi~ao atraves da qual ele e exercido e reconhecido pela sua competencia tecnica ou pelo seu carisma. Nos grupos nao hierarquicos, 0 processo de legitima~ao dos Iideres emergentes podera igualmente, caso nao se trate dum grupo temporario, conduzir a institucionaliza~ao dos Iideres, ou seja, It emergencia duma hierarquia informal (Jesuino, 1996). Note-se que a emergencia dum Iider nao e uma condi~ao necessaria nem suficiente para a locorno~ao do grupo para os seus objectivos. o factor decisivo e que as interac~oes instrumentais, ou seja, aquelas que contribuem para a referida locomo~ao do grupo, nao sejam obstaculizadas pelas interac~oes tendentes a reduzir as conflitualidades entre os membros do grupo. Grupos em que se verifique urn elevado nivel de conflito podem ficar operacionalmente bloquea~os, embora seja certo que a emergencia dum hdertome tal eventualidade menos provavel. As Competencias do Iider estao assim relacionadas nao apenas com a tarefa especifica mas tambem c~m a sua capacidade para coordenar as interac~oes a fim de reduzir as perdas por processo (Hackman, 1987; Steiner, 1972).

o poder, ainda que na sua expressao mais atenuada de poder pessoal, actua como urn moderador dos processos de influencia que ocorrem no grupo. Este efeito toma-se sobretudo saliente atraves da observa~ao da dinamica do grupo, a qual nao e facil detectar atraves dos metodos experimentais. Deve-se todavia a Kurt Lewin e colaboradores (Lewin, 1938; Lewin e Lippit, 1938; Lewin, Lippit e White, 1939) a introdu~ao do metoda experimental aplicado ao estudo da lideran~a. Nesses estudos os autores utilizaram grupos de rapazes de dez anos de idade submetidos a diferentes estilos de Iideran~a. Para 0 efeito treinaram monitores adultos a exercerem tres estilos diferentes: o· estilo autocrdtico, consistindo na fixa~ao de objectivos especificos e nao permitindo quaIquer interac~ao entre os membros, aliado a urn controlo estrito da disciplina; o estilo democrdtico, que permite as trocas interpessoais, ou seja, trabalho cooperativo e menor controlo da disciplina; 0 estilo laissezfaire (ou permissivo) em que 0 Iider se demitia das suas fun~oes de coordenador do grupo, quer quanta it forma como ao conteudo. A tarefa consistia em executar trabalhos manuais como mascaras e modelos de avioes. Cada grupo efectuou tres reunioes ao longo dum perfodo de seis semanas. As sessoes foram cuidadosamente observadas pelos experimentadores, registando numerosos dados utilizados na interpreta~ao dos resultados. Note-se que neste plano experimental os grupos observados sao grupos hierarquicos, com Iider designado e exercendo urn poder posicional. Sob esse aspecto, as experiencias de Lewin constituem tam bern 0 primeiro estudo sobre tideranra organizacional. Apenas que esse poder posicional e aqui manipulado ao longo dum continuum de legitima~ao por forma a examinar quais os seus efeitos na influencia social exercida. De qualquer forma, trata-se duma dinamica descendente, do Iider para a lideran~a, e

, 306

nao da lideran~a para 0 Ifder que se veri fica nos grupos nao hienirquicos. Os resultados das experiencias de Lewin mostraram que a lideran~a democnitica nao era menos eficaz em termos de produtividade do que a lideran~a autocnltica. Os grupos democniticos produziam menos modelos mas a diferen~a nao era sign~­ ficativa. Em contrapartida, as solu~oe,s dos grupos democniticos eram mais imaginativas, mais criativas e alt~m disso os jovens mostravam-se mais satisfeitos " mais descontr'afdos. Acresce ainda que 0 nfvel de tensao intefI)a no clim~ Ciempcnitico' era significativamente menor do que no clima autocratic;o. Atraves duma' pre: tensa necessidade de ausenc.ia do Ifder por alguns rrtinutos, a fim de atender uma chamada telefonica, verificaram os experimentadores que enquanto no clima democnitico nao havia praticamente altera~ao no~ compor,t amentos, no clima autocnitico a ausencia do Jfder ,dava lugar 'a uma explosap das tensoes acumuladas atraves de gritaria, agressOes ' mutuas e interrup~ao das tarefas. Entretal)to, no clim~ laissez{aire os resuJtados negativos acumulam-se. Em tal clima a produtividade observada era significativamente inferior a dos outros grupos, as solu~oes rotineiras e 0 grau de satisfa~ao igualmente baixo. Kurt Lewin era urn judeu alemao refugiado nos Estados Unidos com 0 advento do nazismo, ou seja, numa epoca em que a democracia era acusada pelos problemas economicos e sociais que assolavam as sociedades ocidentais. Ele estava interessado em mostrar que as democracias funcionam e que tern vantagens sobre os regimes autoritarios. A propria terminologia que utiliza nas suas experiencias exprime tais preocupa~oes. Nao obstante 0 pioneirismo e engenho das experiencias pode observar-se, como sugere Graumann (1986) que 0 proprio Lewin nao teria sido inteiramente consistente, pelo menos no que se refere a sua teoria (construtivista) de campo.

307

Por urn lado manipula-se 0 comportament Ifder a boa maneira aristotelica, em te...... 0 do • •liaS d variavel independente, procedimento qu e proprio Lewin critica no celebre artigo ern e 0 distingue entre os modos de pensamento q~e totelico e galileiano (K. Lewin, 1935; Jesu~~S' 1992 a). Por outro lado, 0 grupo e observ 0, · " ado enquanto Gesta It mteracttva, ou seja, enqua . de vanavels " . .mterdepen dentes e nto sistema sob esse aspecto, em p'erf~lta coerencla com a teo' . ' na de ~ampo. Esta u'ItIma onenta~ao constiiui u altemativa ao estudo da lideran~a e p'odeni c:'~ n tribuir para uma melhor articula~ao ent re . process?s de grupo e pro;essos organizacionais (Jesufno, 1987; 1996). E certo, porem, que a passagem ao' contexto organizacional introduz novas dimensoes, inserindo os grupos numa rede relacional mais va:sta e implicando estrategias de amplia~ao , das bases do ,poder a partir de recursos exteriores ao proprio grupo ou mesmo a propria organiza~ao. •

A'

'

NeW todos os grupos sao, todavia, grupos de

pOSt A famnia, por exemplo, e urn grupo natu-

Inred~ficilmente caracterizavel nesses termos tal raJ I acontece grupos terapeuticos. Ambos os como plos, nao abordados neste Manual, sao trae~~mnalmente objecto de analises mais especfdl clO ainda que nao -seJam ' de exc IUlr . trocas fiCas, .,' d' , rdisciplinares ou slstematlcas, e mteresse lote .' . , 'IUD. 0 obJecttvo que aqUl se pros segue e, fllu . I' . d ' d loda via , mms lmlta 0, Clrcunscreven o-se ao e dos factores que contribuem para 0 exa m elhor desempenho do grupo na progressao para ~ fins para que foi constitufdo. o As caracterfsticas das tarefas sao operaciooalizadas em termos das variaveis psicossociol6gicas mobilizadas para a sua realiza~ao, OU seja, em termos de processos cognitivos, afectivos e avaliativos. o recurso a estes criterios tern dado origem a diversas tipoJogias das tarefas de grupo, algumas das quais sao referidas a seguir. Tipologia de Shaw

5.3. Ctiracteristicas contextuais Os factores do ' contexto compreendem todos os factores externos com influencia nos processos de interac~ao tais como 0 ambiente f{sieo, tarefa especffica a realizar, organiza~ao de que 0 grupo faz parte e culturas envolventes, a sueessivos nfveis de generalidade. Limitar-nos-emos aqui a examinar 0 contexto da tare fa remetendo 0 leitor interessado pelo problema dos «grupoS nas organiza~oes» a volumosa e crescente literatura neste domfnio (veja-se como ponto de partida 0 recente Handbook of Work Group Psychology, editado por Michael West, em 1996),

Tarefas A tarefa constitui urn dos factores centrais no estudo do funcionamento e desempenho dos gru-

Shaw (1981) distinguiu entre criterios tipologicos e criterios dimensionais. Enquanto aqueles classificam as tarefas em categorias, 0 criterio dimensional, por ele preconizado, classifiea as tarefas em termos de caracterfsrticas independentes umas das outras. A diferen~a reside no grau de diferencia~ao, ja que a cada !arefa e atribufda uma posi~ao em cada dimensao. As dimensoes propostas por Shaw sao: dificuldade - esfor~o requerido para completar a larefa; multiplicidade de solu~oes - grau em que ~a mais de uma solu~ao correcta; interesse Intr(nseco - grau de interesse da tarefa, ou seja, em que medida e motivante e atractiva para os l11embros do grupo; coopera~ao - grau em que a aC~iio integrada dos membros do grupo e necessana para completar a tarefa; requisitos intelec'uGis e manipulativos _ racio dos requisitos l11entais e motores; familiaridade - grau de

experiencia que os membros do grupo tern da tarefa a executar. o criterio dimensional oferece a possibilidade de operacionaliza~ao utilizando variaveis contfnuas,o que e vantajoso para efeitos de relacionamento com outras variaveis, designadamente com indicadores de desempenho. A lista sugerida por Shaw e contingente do contexto, ou seja, da tarefa especffica. Ou, por outras palavras, cada tarefa comporta. em graus variciveis, algumas ou a totalidade daquelas dimensoes. Este criterio e utilizado com frequencia na Psicologia das Organiza~oes. Tipologia de Hackman Hackman (1968, 1976; Hackman e Morris 1975, 1978) propos urn criterio misto combinando tipos e dimensoes. Da investiga~ao empfrica que efectuou e que consistiu em factorizar urn vasto conjunto de tarefas, identificou tres tipos de tarefas: as que envoI vern produ~ao, as que envoI vern discussao e as que envolvem a resolu~ao de problemas. Note-se que Hackman limitou a analise a tarefas intelectuais, ou seja, aquelas que se traduzem em produtos escritos. No que se refere as dimensoes identificou seis caracterfsticas: orienta~ao para a ac~iio, extensao, originaLidade, optimismo, qualidade de apresenta~ao e pertinencia. Estas seis dimensoes podem ser avaliadas examinando 0 resultado escrito da tarefa, independentemente do tipo. Tipologia de Steiner Steiner (1972, 1976) utiliza tres criterios de 0 primeiro corresponde a questao de saber se a tarefa pode ou nao ser subdividida em subcomponentes, ou seja, se e divislvel Gogo de futebol, constru~ao duma casa, prepara~ao duma refei~ao) ou unitdria (puxar a corda, ler urn Jivro, resolver urn problema matematico). o segundo criterio distingue entre quaJidade e c1assifica~ao.

308

quantidade, comparando optimizapio (gerar a melhor ideia, identificar a resposta correcta, resolver um problema matematico) com maximiza~iio (gerar muitas ideias, levantar um peso, obter 0 maior numero de pontos). 0 terceiro criterio diz respeito it forma como os membros do grupo combinam as suas contribui~oes individuais para produzir 0 resultado final. Sob esses aspectos as tarefas podem ser: a) disjuntivas - que requerem uma decisao do tipo «ou-ou»,ou seja, 0 grupo tem de aceitar uma de duas altemativas; b) conjuntivas - que requerem que cada elemento execute a tare fa, como por exemplo, escalar uma montanha, tomar uma refei~ao ou tocar uma marcha militar; c) compensatorias - em que a decisao do grupo e tomada com base na media das solu~oes individuais, como por exemplo, a estimativa media do mlmero de feijoes numa jarra, do peso dum objecto ou a temperatura duma sala, situa~oes identic as ao efeito autocinetico de Sherif examinado no Cap. IX); d) aditivas - em que 0 resultado depende da colabora~ao de todos os elementos, como, por exemplo, puxar uma corda, fechar sobrescritos, limpar a neve; e) discriciondrias - em que sao permitidas altemativas, ou seja, a op~ao entre estrategias disjuntivas, conjuntivas ou aditivas, como, por exemplo, a decisao de limpar a neve em conjunto, votar a melhor solu~ao dum problema matematico ou delegar no Ifder a decisao. A tipologia de Steiner e uti! porque permite fazer predi~oes sobre a produtividade dos grupos, expressas sob forma matematica, a partir da compara~ao entre produtividade real observada, produtividade potencial e produtividade real. Como regra, a produtividade real e inferior it produtividade potencial por virtude das perdas por processo. Por outras palavras, 0 processo de interac~ao leva com frequencia a resultados que sao inferiores aos que seriam teoricamente possfveis a partir das competencias e capacidades disponfveis no grupo. Steiner identifica ainda

309

dois tipos de perdas: as perdas por motiva ' relativas ao nfvel de esfor~o aplicado fao, membros, e perdas por coordena~iio, relati~lo~ eficiencia na combina~ao e conjugat;iio as a dos esfor~os. As perdas por processo aumentarj com 0 aumento da dimensao dos grupos. all!

Tipologia de Laughlin

FIGURA 2

Circumplexo de tarefas Fonte: Adaptado de McGrath (1984)

Cognitivo

Laughlin (1980) da uma nova contribui ' . I ogla . d as tare f as, d"Istmgumdo . 'Yao para a tlpo entr tarefas competitivas e tarefas cooperativQ e compreendendo estas ultimas, por seu turno, ~ situa~oes com solu~ao correcta e demonstnivel - as tarefas intelectuais e as situa~oes sem solu~ao demonstravel- tarefas de decisiio, em que 0 problema para 0 grupo consiste em chegar a urn consenso.

1--------------------..

.....

Comportamental

QUADRANTEI: GERAR Colabora~o

Coordena~o

Tipologia de McGrath McGrath ( 1984) procurou sintetizar estas diferentes tipologias propondo uma categoriza~ao das tarefas em termos do que designa por circumplexo, termo que procura traduzir e cruzamento de diferentes criterios utilizados. porventura a classifica~ao mais clara e que melhor permite caracterizar a diversidade de tarefas de grupo (ver Fig. 2). o modelo proposto articula 0 criterio de Hackman, que distingue quatro tipos de processo: gerar ideias e pianos, escolher, Ilegociar e executar. Urn segundo criterio distingue entre situa~oes que envolvem coopera~iio ou conflito, e um terceiro criterio entre tarefas conceptuais e tarefas comportamentais. A conjuga~ao destes criterios permite introduzir distin~oes nos quatro quadrantes de partida. Assim as tarefas do Quadrante II - Escolher podem ser, de acordo com Laughlin, tarefas intelectuais ou tarefas de decisao no caso de se tratar de tarefas conceptuais e ~o caso de se tratar de tarefas executi vas , podem ser tarefas de desempenho psicomotor OU ente tarefas de competi~ao ffsica. Relativarn

QUADRAN'I'E

QUADRANTE

ESCOLHER

EXECUTAR

n:

IV:

Coordenar,:Ao

Resol~o

de Conftitos

QUADRANTE m ; NEGOCIAR

ao Quadrante I conjuga-se 0 criterio da coopera'Yiio com as distin~oes entre tarefas conceptu· alS e tarefas comportamentais, e no Quadrante ~I estes dois tipos de situadlo sao articulados no Int . T enor dum contexto de conflito. 0 modelo reveste-se da virtude de conjugar situa~oes que,

embora mutuamente exclusivas, se acham logicamente relacionadas umas com as outras, podendo ser percorrido num ou noutro sentido dos ponteiros do relogio. Ha, todavia, maior proximidade entre as tarefas no interior de cada quadrante.

• 310

a) Tarefas de Escolha. Tarefas intelectuais e tarefas de decisiio As tarefas de escolha correspondem as tarefas disjuntivas de Steiner (1972), as quais, de acordo com Laughlin (1980), podem ser intelectuais ou decisOrias. Mas as tarefa's intelectllais podem ainda distinguir-se entre . problemas cuja solU9ao, uma vez enc'ontrada, se impoe pela sua evidencia irrecusavel - tipo eureka, enquanto que outras requerem demonstra90es tanto de caracter 16gico como baseadas na experienci~ de especialistas. Uma tarefa tipo eureka estudada por Marjorie Shaw (1932) e 0 famoso problema dos missiomirios e dos canibais I, que vira a ser retomado na Psicologia Cognitiva (Newell e Simon, 1972) e na Psicologia do Desenvolvimento (Inhelder e de Caprona, 1992, p. 84) (ver caixa em baixo) . Marjorie Shaw (1932) utilizou urn plano experimental entre sujeitos (diferentes sujeitos

sao distribufdos aleatoriamente pela condip~ · TaO individual e peIa con d19ao grupo, enquanto q num plano experimental intra-sujeitos os III Ue . d ' . esmos sujeitos sao examma os pnmelro corn individuos e depois em grupo) verificando qUO os grupos, embora mais lentos (cerca de minutos em media contra os 10 minutos gastos em media pelos individuos) eram superiores aos indivfduos, possivelmen~e pelas possibilidades acresCidas de corrigirem os erros e de rejeitarelll. solU90es incorrectas. Os resultados obtidos POr M. Shaw mostraram, com efeito, que enquanto J)enhum dos sujeitos foi capaz de chegar a Ulll.a solu9ao correcta, 3 dos 5 grupos (com 4 sUjeitos por grupo) foram bern sucedidos. Atendendo a natureza do problema, basta que urn sujeito do grupo descubra a soluc;:ao correcta para que de imediato ela se imponha a todo 0 grupo. Sendo assim, pode argumentar-se que a compara9ao se 'fac;:a nao entre individuos e grupos mas entre grupos reais e grupos estatisticos, ou

I;

Problema dos Missionarios e dos Canibais SitlUlfiio Tre.l' m;ss;oll£ir;o.l' e Ires C{III;ba;s est{i.o IW marge.1Il dum rio e querem atral'essar para a oulra nwrgem ul;lizando tllli barco que .W} pode lransportar dUlls pessoas de cada l'e 7 • Todos os lIIissiollcirios e UIII clInibal sabem rel/wr. Por ra'l.oes de segul'Gnfa ill/fiCa pode Itaver lIIa;s can;bu;s do que m;ssiollar;os, excepto quanc/o estes lIao e.l'tcio presellfes. Problema Quantas IraveS.\;lIS sercio Ilecesscir;as pClra transporlar CIS se;s pessolls duma margem pal'Cl a OI1Ira ?

I

Problema dos missiomirios e dos canibais

o problema toma-se diffcil de resolver por virtude dos erros diffcei de detectar. Como os missionarios nunca pode~ estar em maioria e necessario recorrer a um procedimenlo aparentemente paradoxal : primeiro ha que transportar as canle . . I. Representan d 0 os cam'b als . por C , ocanibalqu7) bais para a outra margem para voltar a transporta-Ios para a margem .IOICla sabe remar por R e os missionarios por M, temos a seguinte sequencia: (I) CR, (2) R, (3) CR, (4) R, (5) MM , (6) MC, ( MR. (8) MC, (9) MM, (10) R, (II) RC, (12) R, (13) RC. de Os trajectos fmpares de (I) a (13) slio efectuados da margem inicial para a margem de destino e os trajectos pares (2) a (12) slio trajectos de retorno.

. grupOS teoricamente construidos aos quais se

seJ~~ui um resultado correcto desde que incluam

atrt10 menos urn sUJelto " detentor da so1u9 ao . pe Esta comparac;:ao, feita experimentalmente por Marquart (1955), v~io .re,vel~ que os grup~s ~ao _ superiores aos mdlvlduos. A mesma tecmca sao . [oi utiIizada , por . Faust. (1959) com p~oblemas 'paciais e ve~bals, venficando-s~ que nos .pro:~en1as espaciais nao havia di~eren9as, enquanto OS prob_lemas verbais os resultados eram mis~os. Com base nesta hip6tese, pode ~a\Cular-se 0 des ein pe!1ho potencial dum gr~po a partir da probabilidde 'de esse grupo incluir pelo menos 'UITl membro capaz de resolver 0 problema. Essa probabili.dade aumentaria ·com. a dimensao do grupo: quanto maior e 0 grupo maior a probabilidade de incluir urn membro competente. Assim, se conhecermos a IJropor9ao de individuos numa popul ac;:ao capazes de resolver a tarefa, segue-se que 0 desempenho potencial pode ser predito pela f6rmula Pg = l-Q", em que Q e a propor9ao de indivfduos que nao conhecern a solu9ao e it 0 numero de pessoas do grupo (Steiner, 1972). Consideremos, por exemplo, que a percentagem media dos individuos capazes de resolver urn problema e de 14 por cento, ou seja, 86 por cento nao e capaz de resolver 0 problema. Para grupos de quatro sujeitos a prodlitividade potencial seri a neste caso de .46 e para grupos de cinco sujeitos de .53. A predi9ao de que 0 desempenho do grupo nas tarefas disj untivas aumenta com a dimensao do grupo e, em geral, confirmada pela investiga~iio (Marquat, 1955; Lorge e Solomon, 1955; Bray et al., J978). Quando os problemas nao sao do tipo eureka, embora se saiba que ha uma solU9ao correcta ou pelo menos melhor, dado que nao se dispoe de criterio para reconhecer a evidencia, a tarefa aprox ima-se neste caso do tipo decis6rio no sentido de Laughlin (1980). Urn exemplo tfpico

311

de tais problemas largamente utilizados nas experiencias com grupos sao os problemas de sobrevivencia - no deserto, no mar, na lua, etc. o problema consiste em ordenar uma serie de objectos em func;:ao da sua importancia para a sobrevivencia dum grupo. 0 plano experimental adoptado e, em geral, ~ntra-sujeitos: os mesmos sujeitos procedem primeiro a ordena9ao individualm,ente, em 'seguida discutem em · grupo procurando chegar a urn consenso, e acabam par proceder a uma ordena9ao individual. Para urna aplica9ao pormenorizada; veja-se Jesuino (1987). . Regra geral, os resultados obtidos revelam que os grupos s6 muito raramente obtem sinergia, ou seja, urn resultado superior ao melhor resultado individual. Mas, mais uma vez, quando se procede a uma 'compara9ao com grupos esta~isticos, os . resultados sao muito menos claros. Aqui os ganhos e perdas dependem nao apenas da influencia informativa mas tam bern da influencia normativa que se exerce no gnipo (Deutsch e Gerard, 1950, ver'Cap. IX). Este aspecto torna-se ainda mais salient~ quando pass amos a situa90es sem solU9ao objecti~a, como sera 0 caso do veredicto a pronunciar pelos jurados, ou da decisao a tomar por urn conselho de administrac;:ao sobre urn investimento, ou dum ' gabinete politico sobre uma opera9ao militar. Urn importante desenvolvimento neste dominio deve-se ateoria dos esquemas de decisiio social introduzida por Davis (1969,1973). A ideia basica consiste em postular model os te6ricos formalizados a partir de hipoteticos criterios de tomada de decisao apIicados a todas as possiveis distribuic;:oes das posic;:oes iniciais dos sujeitos e para diferentes dimensoes dos grupos. Exemplos de esquemas de decisao social sao: a verdade ganha, que corresponde as situac;:oes eureka, em que basta urn sujeito conhecer a solU9ao para que 0 grupo a adopte; outro esquema e a verdade ganha com

, 312

apoio, que corresponde a uma situa~ao em que pelo menos dois sujeitos conhecem a solu~ao correcta. Nas situa~oes sem solu~ao objectiva os esquemas mais frequentemente estudados sao a maioria, simples ou qualificada, a unanimidade e a equiprobabilidade. A aplica~ao as tarefas intelectuais disjuntivas aponta para a predominancia do esquema a verdade com apoio. Em situa~oes como os problemas da sobrevivencia, em que a verdade corresponde ao consenso dos especialistas, e de presumir, como sugere McGrath (1984), que dois sujeitos nao bastem e que 0 esquema referido seja do tipo vefdades com apoio substancial. Quando as situa~oes envoi vern decisoes a tomar consensualmente pelo grupo, os esquemas utilizados consistem em variantes da regra da maioria. Verifica-se, por exemplo, nos estudos com jurados que 0 esquema da unanimidade, exigido pela lei, e substituido, em geral, pela regra dos dois ter~os. Trata-se duma solu~ao pnitica, ja que a unanimidade poderia conduzir com frequencia a situa~6es de impasse (Davis et al., 1975, 1977). Acerca deste desfasamento entre a solu~ao teorica ideal, determinada pel a estrutura logica da situa~ao e a solu~ao mais pragmatica, adoptada pelos grupos reais e que se veri fica tanto nas tarefas intelectuais como nas decisorias, sugere McGrath (1984) que talvez nao se trate de perdas devidas a deficiencias de' processo, mas antes da aplica~ao duma estrategia geral de defini~ao de limites para os casos extremos, permitindo solu~oes praticas mais eficazes.

b) Tare/as de execufiio /isica As tarefas de execu~ao ffsica de McGrath (1984) correspondem as tarefas aditivas e conjuntivas de Steiner (1972). 0 problema fundamental das tarefas aditivas consiste em reduzir as perdas por processo atraves duma coorde-

313

na~ao de esfor~os adequada e da motiva~ao membros do grupo. Essa e a situa~ao que Co dos ponde as tarefas de desempenho. Em Co rres. 4" de competJ~ao . - ffsica ntra. partl'd a, nas tarelas corn outros grupos 0 problema fundamental COn . • • • C • d I SISte em mlOlmlzar os eleltos os e ementos me nos · . capazes, 0 b~ectlvo que corresponde as taref . . as conJuntlvas. Comecemos pelo caso das tarefas aditiv unitdrias de que 0 exemplo classico e a trac~ao~ corda. Neste tipo de ~arefas as contribui~oes rnd'. viduais adicionam-se, pelo que 0 grupo e nece~_ sariamente superior aos individuos. Equant maior for 0 grupo melhor 0 resultado. 0 que inte~ ressa, porem, e verificar em que medida ha perdas nos esfor~os conjugados, ou seja, em que medida 0 total corresponde a soma das Partes. A experiencia foi feita pela primeira vez entre 1882 e 1887 por Ringelman, na altura professor de Agronomia em Fran~a (ver Krovitz e Martin , 1986). Para 0 efeito, utilizou jovens puxando urna corda, isolados e em grupos de dois, tres ou oito membros, medindo previamente a for~a momentanea que eram capazes de exercer mediante urn dinamometro a que a corda se achava ligada. Quando os individuos trabalhavam isoladamente a for~a media exercida era em media de 63 kg. Dois jovens nao puxavam, porem, 126 kgs nern tres 189 kgs e assim sucessivamente. A rela~iio inversa entre 0 mlmero de sujeitos no grupo e 0 esfor~o individual veio a ser designada por efeito de Ringelman. De acordo com a teoria de Steiner (1972), estas perdas por processo seriam devidas a deficiente coordena~ao dos esfor~os. Uma outra possivel fonte seria, por hipotese, urn decrescimo na motiva~ao dos membros, a qual recebeu confirma~ao atraves duma experiencia conduzida por Ingham et al., (1974). Para 0 efeito, os autores usaram em vez de grupos reais, sujeitos ingenuos (experimentais) sempre colocados na primeira posi~ao, sendo as restantes ocupadas por comparsas (cumplices do

rirnentador) que se limitavam a simular a

e~pe aO acorda. Este artiffcio permitiu comparar tf8c~

. separan d 0 dogruPOS com grupos reals, u pse'01 as perd as por motJva~ao, . - d etectavels , . nos jlSSI dogruPOS, das perdas por coordena~ao a u . Pse adicionadas em grupos reals. Os resultados

elas . C"'fi' d btidos indlcam urn elelto slgm Icatlvo as per~as por rnotiva~ao (ver Fig. 3? Latane et al., (1979) obtlveram resultados 'd8ntico s com sujeitos experimentais cuja tarefa I nsistia em gritarem 0 mais alto possivel e COcorrendo Igua • Imente ao artl'f"ICIO d os pseud ore gropos. Expenenclas postenores, tals como a bombagem de ar (Kerr e Brunn, 1981), vigilan'A





FIGURA



3

Perdas por coordena~ao e por motiva~ao em grupos de trac~ao acorda (Ingham et ai., 1974) A-IlGrupos reais Pseudogrupos

..- __a

Produtividade potencial Perdas devidas amotival,(ao

10- :

Perdas devidas acoordenal,(iio

20- :

30-:

:- : - -: - - : - - : - - : - - : - - - - -

1

2

3

4

5

6

Dimensao do grupo

cia (Harkins e Petty, 1982) ou mesmo tarefas de natureza intelectual como a "Tempestade de ideias" (brainstorming) que examinaremos adiante (Harkins e Petty, 1982; Jackson e Harkins, 1985) ou 0 julgamento (Weldon e Gargano, 1988) tern vindo a confirmar de forma consistente este efeito que Latane et al., (1979) designaram por inercia social. Para explicar este efeito tern sido invocadas varias hipoteses, tais como a situa~ao de anonimato, a redundancia dos esfor~os, ou a falta de coesao dos membros do grupo (Jackson e Williams, 1985). A ser assim, 0 efeito poderia ser reduzido tomando as tarefas mais identificaveis ou encorajando 0 envolvimento pessoal dos membros (Brickner, et al., 1986). Confirma~ao nesse sentido foi obtida por Holt (1987), que replicou a experiencia de Ringelman dando, todavia, oportunidade a todos os grupos a que os membros interagissem antes da experiencia e, em alguns deles, procurou mesmo refor~ar a identidade, encorajando-os a criarem urn nome para os designar. Embora nao encontrasse diferen~as entre os dois tipos de grupo verificou, porem, que do total dos trinta grupos de tres sujeitos cada, apenas quatro ficaram aquem da sua produtividade potencial. Em media os grupos excediam a soma dos esfor~os individuais em 19 par cento, 0 que e urn resultado estatisticamente significativo. Isto apesar de eventuais perdas par coordena~ao. Se a tarefa de trac~ao a corda for de tipo competitivo, envolvendo dais grupos, a situa~ao envolve outro tipo de dinamica e outros processos psicossociais. A tarefa seni, neste caso, uma tarefa conjuntiva em que todos as membros contribuem para a sua execu~ao, sen do 0 exito do grupo determinado pela eficacia do membro menos capaz. De acordo com Steiner, (1972), a produtividade potencial do grupo nao pode exceder a produtividade do membro menos competente,



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embora possa ser inferior devido a perdas por processo. Dado que a probabilidade de haver urn membro incompetente aumenta com a dimensao do grupo, segue-se que a medida que 0 numero de membros aumenta, a produtividade do grupo diminui. Seguindo a mesma logica aplicada as tarefas disjuntivas, se grupos de dimensao n forem aleatoriamente constitufdos a partir duma determinada popula~ao, a probabilidade de urn grupo ter pelo menos urn membro incompetente e de I-P" em que Pea propor~ao de sujeitos incapazes de realizar a tarefa. Por exemplo, se considerarmos grupos de quatro indivfduos numa situa~ao dificil - escalar uma montanha, em que apenas 20 por cento sao capazes de chegar ao fim, a percentagem provavel de grupos que seria incapaz de realizar a tarefa seria de 100 (1-204)= 99,84, ou seja, muito reduzida. Note-se que se trata de tarefas unitarias, em que todos ~s membros tern de executar as mesmas fun~oes. Em geral as tarefas conjuntivas sao divislveis,o que permite uma divisao do trabalho em fun~ao das competencias especfficas dos membros, e dessa forma melhorar a produtividade do grupo. De acordo com Shaw, (1982) dispoe-se de pouca evidencia empfrica sobre os efeitos das tarefas conjuntivas no desempenho do grupo. McGrath (1984) sugere, por seu tumo, que 0 esquema de decisao social mais adequado nas tarefas conjuntivas sera, muito provavelmente, a de evitar 0 erro. Por exemplo, em tarefas de competi~ao desportiva ou de confronto militar seria nesse caso mais importante evitar os erros do que ter vedetas. Mais recentemente tern sido propostas estrategias de caracter mais positivo. Williams e Karan (1991) sugeriram que em tarefas conjuntivas os membros mais capazes podem esfor~ar­ -se mais no sentido de compensar os desempenhos dos membros menos capazes. Por seu tumo, Stroebe, Diehl e Abakoumbin (1996) evocam 0

efeito de Otto Killer descrito por este pSiC 610 · .. go em 1926 e 1927, 0 qua I conslstma na produ ~ _ ~ao de «ganhos por processo», nao em terrnos d compensa~ao social mas por virtude de acresCI_,e mos de motiva~ao por parte dos membros rna' I' • IS fracos. Decerto que e Ies eSlor~ar-se-lam rnais n grupo do que individualmente a fim de eVitare 0 a situa~ao embara~osa de serem responsabiliz: dos pelo decrescimo do resultado do grupo. 0 autores replicaram as experiencias de Khler co~ levantamento de pesos em dfades e trfades voltando a confirmar 0 efeito identificado po; aquele psicologo alemao ha cerca de setenta anos. Stroebe e associados propoem como hipotese explicativa as teorias de compara~ao social (Festinger, 1954). Quando os indivfduos trabalham em grupo comparam 0 seu desempenho com ados restantes membros do grupo. Quando os grupos sao formados por indivfduos com desempenhos identicos, concluem que os seus nfveis se acham validados pelos dos outros. Se, todavia, os desempenhos sao desiguais, os processos de compara~ao social tendem a exercer pressao para reduzir as discrepancias, 0 que tanto pode ser conseguido atraves dum decrescimo do desempenho dos membros mais fortes como por urn acrescimo do desempenho dos membros mais fracos. A adop~ao de uma ou outra estrategia dependeria da importancia atribufda a tarefa. c) Tare/as de produfao: ideias e pianos

As tarefas de cria~ao de ideias incluem-se na categoria das tarefas intelectuais de tipo aditivo. Dada possivelmente a importancia de que ~e revestem, tern sido objecto de muita invest!ga~ao, sobretudo desde que Osborn (1957) introduziu a famosa tecnica do brainstorming separando a cria~ao das ideias da selecr;lio das te mais validas. Esta ultima tarefa cai no quadran da «escolha». A tecnica do brainstorming con-

. num a interac~ao em que os membros do slsle I' . d .. . , gfUPO sao so IClta os a emltlr 0 malOr numero 'deias de que forem capazes sobre urn deter~I ' d0 mtervalo . . ado topico num d etermma de mtnpo Nao devem, todavia, avaliar ou criticar terner as. suas propnas "'d . quer as d os outros. I ems qU 0 fica para mais tarde. Mas sao encorajados a IsSmar em consl'd era~ao - as I'd' ems d os outros e to . . dl faz er assocla~oes a partIr e as. Se, por exem10, 0 tema for a procura dum nome para urn poVO produto e urn membro sugere urn nome n , . b duma flor e vantaJoso que os restantes mem ros evoquem outros nomes de flores. Pouco tempo depois foi, porem, apurado que a tecnica nao contribui para 0 aumento da criatividade dos grupos (Taylor et al., 1958; Dunnette et ai., 1963). A evidencia empfrica e esmagadora a favor do grupo nominal que consiste numa primeira fase de produ~ao de ideias pelos indivfduos isoladamente e em seguida a sua avalia~ao e selecr;ao em conjunto. Procedendo-se a compara~ao das ideias produzidas em grupo com 0 total das ideias produzidas separadamente pelos indivfduos verifica-se, e trata-se dum resultado altamente consistente, que estas ultimas sao nao apenas mais numerosas mas tambem de maior qualidade avaliada, designadamente em termos de originalidade e exequibilidade. A tentativa de explica~ao de tais resultados deu origem a numerosos estudos, aceitando-se hoje a hipotese proposta por Diehl e Stroebe (1992) segundo a qual 0 brainstorming de grupo provoca urn «bloqueio a produr;ao». Ao terem de aguardar a sua vez e dadas as limita~oes da memoria de curto prazo, os sujeitos acabam por perder muitas das ideias que poderiam propor. No grupo nominal tal inconveniente nao existe, embora neste caso nao se tire partido dos efeitos de associa~ao de ideias. A mais recente investiga~ao neste domfnio tern sido desenvolvida com «grupos electronicos», os quais reunem as vantagens de ambos os

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processos. Os sujeitos produzem ideias isoladamente mas tern a possibilidade de recolher nova inspirar;ao consultando as listas de ideias produzidas pelos outros. E na verdade os resultados, tam bern aqui de grande consistencia, confirmam a superioridade dos grupos electronicos relativamente aos grupos nomimais e mais acentuada ainda relativamente aos grupos face-a-face. Se as tarefas de criar;ao de ideias se situam na dimensao conceptual, as tarefas de planeamento, que the sao adjacentes no circumplexo de McGrath, implicam uma dimensao comportamental e estao proximas da execur;ao. Vma tare fa de planeamento, de acordo com McGrath, «nao inclui a produ~ao de objectivos ou poUticas alternativas, mas a produ~ao de ac~6es ou vias alternativas, como tam bern nao inclui 0 desempenho ou mesmo 0 seu acompanhamento ou avalia~ao» (McGrath, 1984, p. 127). As tarefas de planeamento beneficiam do recurso a tecnicas como 0 metodo Delphi ou 0 grupo nominal ja referido. As tecnicas sao semelhantes, na medida em que recorrem am bas a produ~ao individualizada e a uma posterior avalia~ao. No metoda Delphi a avaliar;ao e igualmente feita em varias fases limitando-se os membros do «grupo nominal» a reagirem por escrito, em sucessivas fases, aos processos dos outros membros. Para uma descri~ao detalhada destas tecnicas consulte-se Delbecq, Van de Ven e Gustafson (1975). o planeamento e, todavia, ou deveria ser, uma fase previa fundamental do trabalho de grupo, qualquer que seja a tarefa e que se aplica incJusivamente as proprias tarefas de planeamento. Neste caso 0 problema consiste em saber como delinear 0 planeamento. Os autores que mais tern investido e teorizado sobre este requisito do trabalho de grupo sao Hackman e associados (Hackman e Morris, 1975, 1978; Hackman, Brousseau e Weiss, 1976;



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Hackman, 1987).0 modelo adopt ado por estes autores e urn modelo nonnativo, dado que contern prescri~oes para urn melhor desempenho de grupo. Adoptando uma observa~ao de Katzell et al. ( 1970), segundo os quais 0 elevado numero de factores que pode afectar 0 desempenho de grupo torna inviavel 0 seu exame simultaneo, tanto conceptualmente como experimental mente , recorrem a variaveis s(ntese nas q~ais se concentrariam os efeitos dos processos de interac~ao, bern como dos factores antecedentes que os afectam. A ideia das variaveis sfntese e analoga ao conceito das varhiveis latentes dos model os das equa~oes estruturais. Hackman e Morris (1975) identificaram tres variaveis sfntese: a) 0 esforro que os membros do grupo aplicam no desempenho da tarefa; b) os conhecimentos e competencias que os membros do grupo detem para a realiza~ao da tarefa; c) as estraregias de desempenho, ou seja, as decisoes colectivas sobre a fonna como os membros do grupo consideram que a tare fa devera ser realizada. o modelo proposto aplica ao nfvel do grupo a ideia de que 0 desempenho e urn efeito multiplicativo da competencia e da motiva~ao, mas no caso do trabalho em grupo a componente estrategica e considerada como urn factor adicional, independente da competencia, por virtude de implicar a coordena~ao das contribui~oes individuais, minimizando as perdas por processo. As estrategias de desempenho correspondem, assim, a urn planeamento previo do trabalho de grupo. Segundo Hackman e Morris (1975), os grupos raramente se preocupam com a defini~ao das estrategias a adoptar para 0 desempenho da tarefa. Daf pode resultar a utiliza~ao de praticas menos adequadas e consequentes perdas por processo. Numa experiencia conduzida por Hackman et al. (1976), grupos de quatro sujeitos foram dis-

tribufdos por tres condi~oes: a) condi~a estraregica em que os membros deviam con~ sagrar cerca de cinco dos trinta e cinco minutos requeridos para a execu~ao da tarefa a exailli. narem os objectivos e a discutirem a forma de maximizar a produtividade; b) na condi~ao antiestrategica indicava-se aos grupos que nao perdessem tempo em discussoes estrategicas iniciando desde logo 0 trabalho; c) na condi~ao de controlo nao eram dadas quaisquer instrurroes para alem da exorta~ao, comun a todas as con. di~oes, para procurarem maximizar os resulta. dos. A tarefa a executar consistia em montar varios tipos de componentes ehktricos, cada um deles com urn detenninado valor em d61ares sendo a produtividade medida pelo total e~ d61ares dos componentes produzidos pelo grupo . as membros dos grupos eram infonnados de que, como nao poderiam completar todos os componentes no perfodo de tempo fixado, teriam de tomar decisoes sobre quais os componentes a produzir. A tarefa basica era identica em todas as condi~oes, ou seja, 0 valor de cada tipo de componentes era 0 mesmo em todas as listas e cada grupo recebeu 0 mesmo total de componentes. A forma como a infonna-rao foi distribufda entre os membros dos grupos foi manipulada experimentalmente. Assim , na condi~ao informariio desigual, as listas continham quantidades diferentes dos varios tipos de equipamentos que podiam ser produzidos, enquanto que na condi~ao de informariio igua/ as quantidades eram as mesmas. Esta manipula~ao visava introduzir dois tipos de tarefa: a primeira beneficiando da discussao estrategl ca (infgnna~ao desigual) e a outra permitindo que cada sujeito pudesse decidir por si quanto aos componentes a produzir. as resultados obtidos acham-se resumidos na Fig. 4. De acordo com os resultados, verifico u-se , com efeito, que a discussao previa sobre as estrategias melhoravam significativamente oS

FIGURA

4

Produtividade dos grupos DO estudo de estrategia (Hackman et al., 1976) IntelVen~o

$40 $38

$36 534

$32

antiestralegica

.~ . _/

./ .

·Inte""n<••

""

estrategica

'---------:Grupo de controlo

$30 Informar,;ao desigual

Informar,;ao igual

resultados quando as tarefas eram de molde a exigir a coordena~ao e partilha entre os membros do grupo; quando a tarefa podia ser executada igualmente bern sem tal coordena~ao, a discussao sobre a estrategia tinha efeitos negativos no desempenho. Oaqui concluem os autores que e na verdade passfvel e desejavel criar nonnas novas com efeitos positivos na produtividade.

d) Tare/as de negociafiio

Nas tarefas de negocia~ao, seguindo 0 circumplexo de McGrath (1984), incluem-se situa~oes de conflito sociocognitivo, de caracter conceptual, e situa~oes de conflitos de interesse, ~e canicter comportamental. Comum a ambas, a Ideia de que 0 resultado e fruto duma negocia~ao, ou seja, dum compromisso que, na melhor das hip6teses, podera ser consensual, e, nesse caso, a dinamica e do tipo da decisao de grupo

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(tarefas tipo 4) e na pior das hip6teses, evolui para a competi~ao ou mesmo confronta~ao entre as partes (tarefas tipo 7). Por outro lado, as fronteiras que aqui se estabelecem entre conflitos cognitivos e conflitos de interesse e certamente artificial ja que em situa~oes reais os dois aspectos estao provavelmente presentes, ainda que em propor~oes variadas. As situa~oes de grupo envolvendo conflitos cognitivos tern vindo a ser estudadas no ambito da teoria do ju(zo social proposta inicialmente por Hammond, Brehmer e colaboradores (Brehmer, 1976, Hammond et al., 1966, 1986) e mais recentemente retomada por Hastie e colaboradores (Hastie et al., 1983; Gigone e Hastie, 1993, 1996). A teoria foi elaborada a partir do «modelo da lente» de Brunswick (1955) sobre 0 jufzo individual,.esquematizado na Fig. 5. No modelo da lente, 0 objecto sobre 0 qual se deve emitir urn jufzo tern urn valor objectivo . (Ye) na envoi vente em que se acha inserido. Esse valor pode nao ser conhecido pelo sujeito que ajufza como tam bern podera ser uma situa~ao futura a predizer. Embora 0 valor objectivo nao seja conhecido pelo juiz, ele dispoe de alguma infonna~ao a partir de multiplos ind(cios (XI' X 2, ... Xn)' Cada urn desses indfcios tern alguma rela~ao verdadeira com 0 valor objec tivo, ou seja, tern uma validade indicial (re,I' re.2' ... re,3)' Assim, a realidade a ajuizar pode ser descrita pelo valor dum criterio e pelo corijunto das rela~oes verdadeiras entre esse criterio e urn conjunto de indfcios observaveis. Como 0 sujeito nao pode observar 0 criterio directamente, tera de enunciar umju(zo (Ys) com base na informa~ao fomecida pelos indfcios. Tal como para a fase «objectiva» da <
• 318

FIGURA

5

o «modelo da lente» Envolvente

Indicios

Sujeito

----~y.

r.

estrategia se ajusta ao conjunto das validades indiciais da a medida da exactidao do jufzo (ra )· o modelo da lente e em seguida aplicado a situa~oes em que varios sujeitos sao solicitados a emitir urn jUlzo sobre 0 mesmo objecto ou acontecimento. Apesar de os interesses poderem ser identicos ou nao haver qualquer interesse em causa, isso nao significa que cada urn deles elabore uma versao apenas parcial mente sobreponfvel com as dos outros observadores. Isso porque cada observador (juiz) elaborara a sua propria estrategia de julgamento atraves das diferentes pondera~oes que atribui aos indivfduos bern como ao modelo a que recorre para os combinar numa estrutura coerente .

Este modelo prolonga os esquemas de decisiio social que vimos aplicados a decisoes de grupo e exemplificados pelos veredictos dos jurados. A Teoria do JUIZO Social procura , todavia, ir mais longe examinando as condi~oes em que os conflitos cognitivos, resultantes das diferentes form as como os membros do grupo avaliam uma situa~ao, poderao ser superados . . Ie conduzir a urn acordo. Na sua formula~iio imcla , Hammond e colaboradores examinaram apenas «grupos» de dois sujeitos mas nos desenvolv!ue . recentes d'd mentos mals eVI os a G'19one e Has r do (1993, 1996) propoe-se urn modelo forma Iza aplicavel a grupos de n sujeitos. 0 JUIZO d~ grupo e operacionalizado em termos duma corn

. a~iio linear dos valores dos indlcios informabin . . . nais relevantes, as optnloes dos membras do ~~po e a agrega9 ao da informa9ao . A opiniao de cada membra e hipotetizada como uma combina91iO linear ponderada dos indfcios existentes emoria dos membros do grupo. As difeon m rentes pondera90es nas equa.~oes do modelo podem ser afectadas por dlversos factores. ioc1uindo as diferen9as de papeis, as diferen9as de irnporti'mcia ou saliencia dos indfcios e a dislribui~ao da informa~ao pelos membros do grupo (Gigone e Hastie, 1996 p. 247). Esta linha de investiga~ao reveste-se de interesse nao apenas teorico mas tambem pratico, na medida em que pode contribuir para treinar os jUlzes a tornarem-se conscientes das suas estrategias de julgamento. Ensaios feitos nesse sentido sugerem, alias. efeitos complexos e paradoxais , como por exemplo 0 facto de os sujeitos conseguirem chegar facilmente a acordo quanto as pondera90es dos indfcios mas sem que tal contribua para melhorar 0 acordo final por virtude de aumentarem as inconsislencias nas rela90es estabelecidas com 0 criterio (Brehmer, 1976). Com os progressos que se verificam na psicologia cognitiva e com os modelos de si mula9ao computacionaI (Gigone e Hastie, 1996) e de presumir que nov os desenvolvimentos venham a contribuir para urn melhor esclarecimento deste domfnio. Os conflitos cognitivos estao certamente presentes em todas as tarefas que implicam a forrnul a9ao de jufzos que precedem as decisoes. N~ situa90es de conflitos de interesse predoml~am todavia outros process os psicologicos. ongor do jufzo e aqui sacrificado as estrategias de poder visando melhores resultados para as partes em presen9a. A negocia9ao e urn prOcesso de grupo que Imp . I'Ica no mlnlmo ,. d' OIS panici pantes e pode ser defimda . como «lim ~rocesso de romada de decisiio Illim contexro de Illterac rao esrrategica ou de inrerdependencia»

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(Jesufno, 1992, p. 7). Podemos distinguir entre varias situa90es: I) os conflitos de soma zero, ou seja, em que os ganhos de uma das partes sao as perdas da outra; 2) os conflitos de soma mista em que as partes em presen9a podem simultaneamente competir e cooperar. No primeira caso a negocia9ao e de tipo distributivo, ou seja, na melhor das hipoteses chega-se a urn com promisso atraves duma reparti9ao das diferen9as por ambas as partes, a partir duma soma ou solu(:iio fixa . No segundo caso 0 conflito tern potencial illfegrativo, ou seja, 0 objecto de conflito comporta nao apenas uma dimensao, 0 que permite que am bas as partes cooperem na busca de compensa90es recfprocas. 0 exemplo c1assica sugerido por Follet (1940) ilustra claramente a diferen9a entre as duas situa90es. Se duas irmas negoceiam a posse duma laranja, a melhor solu9ao distributiva e partir a laranja ao meio. Mas se apurarmos que uma esta apenas interessada no sumo e a outra apenas interessada na casca, significa que 0 conflito passou de uma a duas dimensoes e entao e possfvel uma solu9ao integrativa satisfazendo integralmente am bas as partes. Claro que a satisfa9ao integral e uma situa9ao limite. Mas desde que 0 problema contenha potencial integrativo e teoricamente possfvel melhorar a solU9ao distributiva baseada numa unica dimensao. Para urn melhor desenvolvimento veja-se Jesufno (1992). Uma terce ira situa9ao envolve dilemas de motivos mistos, em que as partes sao confrantadas com 0 dilema de competir ou cooperar. o paradigma classico para este tipo de situa90es eo dilema do prisioneiro, introduzido por Luce e Raifa (1957) (Fig. 6). Consiste num jogo inspirado numa fic9ao em que dois criminosos sao presos e sem a possibilidade de comunicarem entre si. 0 juiz tern a certeza de que eles sao culpados mas nao tern pravas suficientes para os condenar. Coloca a cada urn deles a alternativa de confessar ou nao 0 crime come-



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321

tido. Se nenhum deles confessar, serao condenados por uma infrac~ao menor - nao terem licen~a de porte de arma. Se ambos confessarem serao condenados pela falta comet ida mas c~m atenuantes. Mas se urn confessar e 0 outro nao, o que confessa recebeni urn tratame~to. de excep~ao por virtude de colaborar com a JUStl~~, enquanto que 0 outro sera julgado com a. maxima severidade. Em termos de penas, a sltua~ao traduz-se na seguinte matriz: A estrategia mais racional para cada urn dos sujeitos seria confessar mas se ambos a

adoptarem chegam a urn resultado inferior ao que obteriam se ambos confessas.sem . Claro que 0 ideal seria a coopera~ao mas .ISSO Implica o risco da trai~ao do outro conduzlr a um maximo de perdas. 0 paradigma do dilema do prisioneiro condens~ em . t~rmos abstractos muitas situa~oes da Via quoudlana. Por exemplo duas empresas poderiam beneficiar economi_ zando custos de publicidade dum produto, 0 qUe implicaria uma coopera~ao da qual nao ha garantia. E mesmo que as partes possam comunciar entre si isso nao garante que uma delas nao tenha

FIGURA

6

Matriz do dilema do prisoneiro B

Nao confessa

Confessa

Nao confessa A Confessa

Em termos abstractos

B Compete (N) Coopera(S)

A Compete (N)

SendoT>R>P>S

2R>S+T

a tenta/tao de trair a fim de beneficiar do lucro Na sec~ao anterior examinaram-se os conteuobtido. ' dos das interac/toes nos diferentes tipos de Existe uma Iiteratura vastfssima sobre 0 ditarefas. Nesta sec/tao examinam-se os aspectos lema do prisioneiro, bern como modelos sofisas modalidades de participa~ao e sua relativos ticados para analise da melhores estrategias a distribui~ao ao longo do tempo. utiIizar. 0 jogo pode, alias, consistir de urn unico Devem-se sobretudo a Bales e associ ados ou de urn numero indeterminado de lances. (Bales, 1950, 1953; Ba'les e Slater, 1955; Bales E pode envolver 2 ou n jogadores. Neste ultimo e Strodtbeck, 1951; Borgatta e Bales, 1953) os caso ilustra as situa/toes igualmente correntes primeiros estudos sistematicos sobre observa~ao dos dilemas sociais de que 0 caso tfpico e 0 das interac~oes de grupos. Para 0 efeito montou «viajante a borla» , eloquentemente ilustrado na Universidade de Harvard urn dos primeiros pela fuga aos impostos. dispositivos de observa~ao, utilizando uma sala o paradigma do dilema do prisioneiro reves- de observa~ao num s6 sentido, que ficou como te-se de interesse mostrando que 0 modelo da modelo e que ainda hoje se utiliza no estudo dos decisao racional nem sempre conduz as solu/toes grupos. Trabalhou com estudantes de psicolomais eficientes, detectando-se efeitos perversos gia, as cobaias de sempre, que periodicamente Da logica da aC/tao colectiva. Axelrod (1984), urn eram convocados para a resolu~ao de diversas dos investigadores que muito tern contribuido tarefas como, por exemplo, a resolu~ao de propara este domfnio de investiga~ao, mostra, blemas de xadrez, ou a discussao de problemas porem, em primeiro lugar, que e possivel «aprenhumanos. A descoberta fundamental de Bales der a cooperar», e, em segundo lugar, que a consistiu em identificar dois tipos principais de coopera~ao e eficaz a longo prazo. Num jogo de interac~oes correspondentes aos dois tipos de n lances, se a princfpio os contendores tendem a problemas que se colocam aos grupos: as incompetir, a medida que 0 jogo se desenrola terac~oes instrumentais relativas a tarefa ou teDdem a cooperar. Deve-se a Rapoport a«descoobjectivo a realizar, e as interac~oes expressivas berta» da estrategia para «ensinar» a outra parte ou sOcioemocionais, referentes as rela~oes entre a optar pela coopera~ao, por ele designada titos membros do grupo. 0 sistema desenvolvido 10r-lal que poderiamos traduzir por olho por comporta doze categorias estreitamente relaolho, dente por dente. Consiste em come/tar por cionadas entre si, representadas, de forma simadoptar a coopera/tao e responder exactamente na plificada, no Quadro I. mesma moeda sempre que 0 parceiro, optando As doze categorias cobrem as areas instrupela competi~ao, "trai" (ver Jesuino, 1992). mentais (4 a 9) e as areas socioemocionais (I a Para as situa~oes de conflito intergrupo invo3 e lOa 12); as seis categorias instrumentais cahdo outros paradigmas, vejam-se os Capftulos subdividem-se em tres categorias passivas ou Xu e XIII. reactivas (7, 8 e 9) e tres categorias pr6-activas (4, 5 e 6). As seis categorias reactivas subdividem-se tambem em dois conjuntos: urn positivo 6. Processos de interac~ao (1,2 e 3) e urn negativo (10, II e 12). Bales utilizou estas categorias na observa~ao o Processo de interac~ao refere-se as trocas sistematica dos grupos. Para 0 efeito, a cada dois ,,.


322

323

QUA ORO

I

o sistema de categoria de Bales Areas Expressivas Positivas lnstrumentais Activas

- -----lnstrumentais Passivas

Categorias I - Mostra solidariedade 2 - Reduz as tens6es 3 - Concorda 4 - Da sugestiio 5 - Da opiniao 6 - Da orienta!;80

--

7 - Pede orienta!;ao 8 - Pede opiniao 9 - Pede sugcstao

r-Expressivas Negativas

10 - Discorda 11 - Aumenta tensao 12 - Mostra antagonismo

6 c 7 - Problemas de orienta~ao; 5 e 8 - Problemas de avaJia~o; 4 e 9 - Problemas de controlo; 2 e 10 - Problemas de decisao; 2 e 12 - Problemas emocionais; 1 e 12 - Problemas de integra~1io.

quem e qual a categoria de interac~ao - se pede ou da infonna~ao, se pede ou da opiniao, etc ., etc . Os observadores tinham igualmente que registar nao apenas a comunica~ao verbal mas tambem a comunica~ao nao verbal, alias indispensavel para uma capta~ao mais fina dos aspectos socio-emocionais. Urn tal dispositivo de observa~ao e pesado e envolve custos consideraveis. Mas foi a partir desse trabalho pioneiro que se obtiveram os primeiros dados sobre os padr6es de comunica~ao nos grupos de tare fa e que, em grande medida, pennanecem ainda validos. Consciente das 1imita~oes do sistema, posterionnente Bales veio a desenvolver urn sistema

de amilise que atende nao apenas aos aspectos formais mas tam bern aos conteudos das interac_ ~oes. Esse novo sistema tern a designa~ao de SYMLOG - acronimo de Systematic MultiPle Level Observation of Groups e, em bora teorica_ mente mais complexo, permite uma utiliza~ao mais pratica, tlexfvel e economica, dado que a «observa~ao» do grupo pode ser feita retrospec_ tivamente e, a partir das descri~oes dos proprios membros do grupo (Bales e Cohen. 1979). Neste novo sistema utilizam-se, para alem das dimen_ soes instrumentais e expressivas, mais dois pares de dimensoes: dominancia-submissao e positivo-negativo. Para uma descri~ao mais pormenorizada e exemplos de aplica~ao veja-se Jesufno, (1987). Note-se que 0 metodo SYMLOG foi recebido com indiferen~a pela comunidade dos psicologos sociais, limitando-se a sua utiliza~ao ao cfrculo restrito dos colaboradores proximos de Bales. Voltando ao sistema IPA (Interaction Process Analysis), Hare (1976) e McGrath ( 1984) resumem alguns dos aspectos mais importantes que dessa forma foram identificados, tais como: alguns dos membros do grupo falam mais do que os outros e sao igualmente alvo de maior numero de interac~oes; por outro lado, 0 membro que fala mais dirige a maior parte da comunica~ao ao grupo como urn todo e eo unico, no grupo, a proceder dessa forma. Os restantes dirigem a maior parte das suas cornunica~oes a membros especfficos do grupo. Ordenando os membros dum grupo quanto as percentagens das comunica~oes totais que iniciam, obtem-se uma curva proxima do perfil de uma fun~ao exponencial decrescente: 0 membro mais activo podera iniciar cerca de 40 por cento, a 45 por cento, das comunica~oes, 0 seguinte 17 . sucesslvamen . te . A medida por cento , e asslm , que 0 grupo aumenta de dimensao e tambe~ maior a propor~ao de comunica~ao iniciada pe 0 membro que mais intervem, enquanto que as

diferen~as entre os diversos membros tendem a diminuir. 0 nfvel de interac~ao e, por seu turno, afectado pela posi~ao que eles ocupam no grupo. cobri~do 0 conceito de posi~ao diferentes aspectos, tals como: a) a posi~ao na rede de comunica~ao - urn sujeito numa posi~ao central tende a intervir mais do que os que ocupam posi~oes perifericas; b) 0 lugar ffsico - numa sala de aula, numa mesa de reunioes; c) a posi~ao estatutaria; d) a competencia, a motivac;ao ou mesmo a atitude relativamente ao problema ou questao a resolver pelo grupo, ou relativamente aos outros membros do grupo. Outro tipo de regularidades identificadas a partir do sistema de categorias de Bales e 0 que se refere a distribui~ao das interac~oes. Cerca de rnetade das interacc;oes num grupo sao pr6-activas, ou seja, correspondem a iniciativas para resolver a tarefa, e a outra metade e constituida por interacc;oes reactivas. Em tennos do sistema IPA, as categorias 4, 5 e 6 (das orientac;oes, opinioes e sugestoes) sao pro-activas. Estas tres categorias abrangem 56 por cento das interacc;6es, sendo 6 por cento reactivas. Cerca de metade das interac~6es reactivas, ou seja, 25 por cento do total das interacc;oes, sao positivas (categorias I, 2 e 3), cerca de metade das restantes, isto e, 12,5 por cento do total sao reacc;Oes negati vas, 6 por cento ou 7 por cento do total sao perguntas (categorias 7,8 e 9) e respostas directas a essas questoes, ou seja, os 6 por cento a 7 por cento das respostas reactivas acima dos 52 por cento pro-activas completam 0 total. Para uma revisao bastante cornpleta destes estudos ver Bales e Hare (1965) e Hare (1976). . Dutro tipo de regularidades nos padroes de Interac~ao diz respeito as mudanc;as de configurac;ao ao longo do tempo, ou seja, as varias fases qUe 0 grupo atravessa durante a execuc;ao da tarefa.

De acordo com Bales (1953), 0 grupo tern necessidade de resolver tres problemas suces-

sivos: a) orientariio, que corresponde a escolha e classifica~ao da infonna~ao relativa a tarefa; b) avaliariio da infonna~ao recolhida; c) contr% da decisao a tomar. Estas tres fases correspondem aos tres pares de categorias centrais do IPA. A medida que 0 grupo progride, as percentagens relativas das interac~oes nestes tres pares de categorias vao-se alterando em confonnidade: a) a orientac;ao e rnais elevada no infcio e declina no final da reuniao; b) a avaliaC;ao e mais elevada entre 0 infcio e 0 meio da reuniao, declinando em seguida; c) 0 controlo e baixo no infcio e atinge 0 seu maximo no final. Por outro lado, a medida que 0 grupo se aproxima da fase de avalia~ao e da tomada de decisao a tensao aumenta. Este aumento da tensao retlecte-se num aumento das reacc;oes negativas contrabalan~adas, por seu turno, pelas reacc;oes positivas. Oaf que tanto as reac~oes positivas como as negativas aumentem do principio ao fim, embora constituam urna pequena propor~ao da totalidade das interac~oes, sendo tam bern as interacc;oes positivas rnais frequentes do que as negativas: ambas atingem 0 seu maximo na ultima fase, embora as reac90es positivas, expressas para aHvio da tensao e aumento da solidariedade, predominern no final da sessao. Note-se que esta sucessao de fases diz apenas respeito a uma sessao completa do grupo. Ao longo de sucessivas sessoes, como sera 0 caso mais frequente dos grupos fonnais, ha outras regularidades a ter em conta. Este problema corresponde ao conceito de desenvolvimento do grupo e tern dado origem a consideravel investiga~ao.

Muito resumidamente verifica-se, em tennos das categorias de Bales, uma tendencia para uma reduc;ao da actividade instrumental e urn aurnento correspondente da actividade socio-emocional. Por seu turno, este aumento de actividade socioemocional inclui urn Iigeiro decrescimo nas concordancias e urn acrescimo

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substancial no aHvio da tensao e no refor~o da solidariedade, sobretudo nas reunioes finais. Urn outro aspecto importante e 0 aumento significativo das reac~Oes negativas na segunda reuniao, passando duma media de 12 por cento para 18 por cento. A teoria de desenvolvimento de grupo que ten}, porventura, mais popularidade deve-se a Tuckman (1965) que distingue quatro fases, cada uma delas composta de dois aspectos: estrutura de grupo e comportamento instrumental. As quatro fases identificadas por Tuckman sao designadas por: jormarao (forming); confrontarao (storming); estabelecimento de normas (norming); execurao (performing). Posteriormente, acrescentou uma quinta fase - adiamento (adjourning). Na fase da forma~ao os problemas estruturais centram-se nas condutas interpessoais aceitaveis e a tarefa consiste na sua identifica~ao, modo de a realizar, informa~ao necessaria e como obte-Ia. Na segunda fase, ao nfvel da estrutura aumenta a hostilidade entre os membros do grupo e para com 0 lfder e 0 grupo divide-se; ao nfvel da tarefa aumentam as reac~oes emocionais e as resistencias a tarefa. Na terce ira fase, em termos estruturais, 0 grupo converte-se numa entidade, surgem norm as e mantem-se a harmonia e, ao nfvel instrumental, trabalha-se sobre a informa~ao disponfvel de forma produtiva. Na quarta fase, ao nfvel da estrutura, 0 grupo converte-se num instrumento para a resolu~ao do problema e emergem as solu~oes, ou seja, ha coincidencia entre estrutura do grupo e actividade da tarefa. Recentemente, Gersick (1988, 1989), baseando-se na observa~ao de grupos naturais e em estudos de laborat6rio, propos urn modelo alternativo de desenvolvimento de grupo. 0 modelo utiliza urn conceito da hist6ria natural- a equiIfbrio intermitente (punctuated equilibrium), segundo 0 qual os sistemas evoluem atraves de longos perfodos de inercia, pontuados por perfodos revolucionarios de mudan~a quantica.

No que se refere aos grupos que observou, a autora identificou uma primeira fase, que vai ate cerca de metade do tempo total programado (os oito grupos observados efectuaram urn mfnilllo de quatro e urn maximo de vinte e cinco reuniOes, entre urn mfnimo de sete dias e ull} maximo de seis meses) e na qual a orienta~iio global fica definida logo no final da primeira reuniao. A meio do calendario os grupos sofrell} uma transi~ao, definindo uma nova orienta~iio para a segunda fase. A primeira e a uitillla reunioes sao especialmente importantes : a primeira pelas orienta~oes que estabelece para a fase inicial e a ultima pela acelera~ao que imprime para completar a tarefa. A analise do processo de interac~ao readquire actual mente urn novo interesse por parte dos especialistas, como este ultimo estudo alias documenta. Isto deve-se, em grande medida, Ii possibilidade de recurso a ttknicas mais sofisticadas, como 0 registo em vfdeo associado a terminais de computadores, ao recurso a modelos formais e ainda a simula~ao computacional ha muito preconizada por Abelson (1968) mas que s6 recentemente com~ou a ser utilizada no estudo dos grupos (Penrod e Hastie, 1980; Stasser e Davis, 1981; Hastie, Penrod e Pennington, 1983; Stasser, 1988; Stasser e Vaughan, 1996). Uma questao que actual mente mobiliza os investigadores consiste na identifica~ao dos faetores que explicam a hierarquia da participa~ao nas discussOes de grupo. Admite-se que factores antecedentes, tais como caracterfsticas de personalidade, estatuto social, competencia especifica ou acesso a informa~ao estrategica possam estar relacionados com uma maior capacidade de intervenrao que tende em seguida a auto-refor~ar-se. y ~m Muito provavelmente os membros que ~e preferencias firmes por determinadas altematlv~ . dos a .mtervlr . com maJ s tambem estarao motlva " ' t'IV a . Por frequencia ou mesmo a tomar a Imcla outro lado, as tarefas intelectuais mais do que as

ue irnplicam julgamento poderao induzir a ideia

~e que a debate contribuira para a descoberta da solu~iiO e desse modo estimular uma maior par-

ticipa~ao. A agenda acha-se em aberto, sugerindo que as apreensoes de Steiner (1974) estao possivelrnente a ser ultrapassadas.

7. Factores consequentes: influencia social As consequencias dos processos de interacsao multiplas e complexas e foram ja em grande parte descritas nas sec~oes anteriores. Quando se examinam processos e sempre problematico isolar a que esta antes do que vern depois. A influencia social possivelmente ja estara presente antes dos processos de interac~ao atraves das expectativas que os membros trazem para a grupo que vao integrar. Ao longo do processo e todavia de presumir que se reforcem, atenuem ou modifiquem. Os fenomenos de influencia social nao ocorrem apenas nos grupos, sao co-extensivos a vida de rela~ao e, nessa qualidade, sao objecto dum capftulo especffico deste Manual. Por isso mesmo Iimitar-nos-emos aqui a alguns aspectos complementares mais directamente ligados aos processos de interac~ao e aos seus efeitos, tanto na qualidade como na quantidade, do trabalho de ~iio

grupo.

7.1. Normas Ao nfvel individual as normas de grupo sao

as expectativas que os membros tern sobre 0 que deve e nao deve ser permitido a urn determinado . A memb ro e em clrcunstanCIaS especi'fiIcas. s .normas sao aprendidas e constituem urn dos :a18 importantes mecanismos de controlo social o comportamento dos indivfduos. A'

Ha, todavia, que acentuar que as normas nao sao apenas regras sobre 0 comportamento no grupo mas tambem expectativas sobre as tipos de comportamento. Urn membro duma equipa cientlfica aprende que a forma de vestir tern pouca importancia para os colegas e que, por isso mesmo, pode andar descontraldo. Mas aprende tambem que em actos publicos, como provas ou concursos, deve apresentar-se com maior formalidade. 0 significado dum acto nao e 0 acto em si mas 0 significado que 0 grupo Ihe atribui. E esse significado pode mudar consoante 0 sujeito da ac~ao e consoante as circunstancias em que tern lugar. Desta experiencia, resultante da interac~ao do grupo, emergem as ideias compartilhadas, aquilo que poderfamos designar como a cuLtura de grupo. Quando as expectativas se referem ao comportamento dum determinado membro sao designadas por expectativas de papeL. 0 conceito (polissemico) de papel e sobretudo aplicavel no contexto dos grupos formais - uma organiza~ao pode ser considerada como urn sistema de papeis (Katz e Kahn, 1976) mas 0 seu uso tende a generalizar-se como alias se viu a propos ito da emergencia do papeL de lfder, nas observa~oes de Bales. Ao nlvel de grupo as normas sao as expectativas compartilhadas sobre 0 desempenho do grupo, sobre a forma como devera progredir para os seus objectivos. As norm as tanto podem ser formais, expHcitas, como informais e inconscientes, so perceptIve is quando sao violadas. As normas, uma vez estabelecidas. tendem a institucionalizar-se. E mesmo quando informais sao invocadas para corrigir urn comportamento desviado. Thibaut e Kelley (1959) observaYam, na sua teoria dos grupos enquanto frocas sociais, que as normas funcionam como mediadores das interac~oes, evitando 0 recurso ao poder pessoal. Sob esse aspecto as normas constituem urn princfpio de eficiencia, ou seja, envolve menos custos invocar uma norma parti-



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Ihada para comunicar a urn membro do grupo que ele pode actuar de determinada forma do que recorrer a retorica persuasiva. Ha varios tipos de normas subjacentes ao funcionamento dos grupos, tais como as normas relativas as interac~oes, normas relativas aos comportamentos, normas relativas as recompensas ou a distribui~ao dos recursos, tais como as normas de equidade ou de igualdade. enfim, norm as relativas a cren~as, atitudes e valores. sobre 0 que e verdadeiro, 0 que e correcto, 0 que e valido (McGrath, 1984). As normas formam-se nos grupos de forma progressiva, silenciosa, sendo simultaneamente causa e efeito dos processos de influencia social, tais como as pressoes para a conformidade e para a convergencia (ver Cap. IX). Se as normas sao compatfveis com as suas normas e objectivos, os sujeitos tendem a conformar-se e a adoptar as normas de grupo. Quando assim nao sucede, os sujeitos poderao tentar mudar as normas, manterem-se marginais ou abandonar 0 grupo.

7.2. Mudanfa das normas Devem-se a Kurt Lewin (1948, 1953) os primeiros estudos sistematicos e experimentais sobre os processos de mudan~a que ocorrem nos grupos e, desde logo, nas suas normas. Lewin identificou tres fases no processo de mudan~a: descongelamento, mudanra e recongelamento. Em primeiro lugar deve existir ou ser criada uma situa~ao de desequilfbrio, por virtude do qual as pessoas tomam consciencia da necessidade de mudar. No segundo momenta introduz-se a mudan~a desejada e, por fim, consolida-se o processo. o exemplo - hoje c1assico - consistiu na mudan~a dos habitos alimentares dos americanos durante a Segunda Guerra Mundial, urn projecto em que Kurt Lewin esteve envolvido. Os Americanos estavam habituados a comer

came de primeira. rejeitando as vfsceras (ffgad rins, etc.). 0 problema que se colocava era corn~ convencer as donas de casa enquanto «contro.. ladoras das entradas» (gatekeepers) a adoptar 0 novos habitos. A escassez provocada pela guerr s constitufa a condi~ao de desequilfbrio - a neces~ sidade de mudan~a. Lewin recorreu a dois meto.. dos para as convencer a a~quirir os alimentos menos populares. Umas OUVlram palestras sobre o valor alimentar das vfsceras dos animais (infor_ ma~ao); outras participaram em discussoes de grupo, implicando informa~ao e compara~ao social. Apos a discussao de grupo, os sujeitos deviam chegar a urn consenso e comprome_ terem-se publicamente a executar a decisao - aquisi~ao dos nov os produtos alimentares. Os . resultados da experiencia revelaram que a mudan~a operada era maior e mais continuada na situa~ao de decisao de grupo. Estas experiencias de Kurt Lewin estao na origem de duas diferentes orienta~oes da diniimica de grupos: uma que se prolonga atraves dos seus continuadores e que procura aprofundar os processos de influencia no interior dos grupos, examinados nas sec~oes anteriores. e uma outra que aqui nao e examinada. relacionada com aplica90es de caracter terapeutico. Do trabalho pioneiro de K. Lewin e importante reter que a mudan9a do comportamento de grupo pressupoe a mudan~a das normas. Fez-se anteriormente referencia ao modelo introduzido por Hackman e Morris (1975) vi sando urn melhor desempenho de grupo. Uma das variaveis-resumo do modelo e a estrategia utiIizada pelo grupo para 0 desempenho da tarefa. Mas a estrategia do grupo esta estreitamente relacionada com as normas do grupo (ver Fig. 7). A tese central diz que cada uma destas variaveis sfntese, resultantes dos processOs ~e interac~ao, e manipuhivel atraves de variavedls . ~ 0 antecedentes especfficas. Se a aphca~ao esfor~o depende fundamental mente do desenho

FIGURA 7

Variaveis sintese e factores antecedentes (Hackman e Morris 1975) Factores antecedentes

Nonnas

Tarefa

Estrategias Variaveis Sintese

Esforyo Competencia

da tarefa e se as competencias dependem da composi~ao do grupo, as estrategias dependem

das normas do grupo. Actuar nas normas de grupo por forma a tomar os seus comportamentos mais planeados e fundamental mente urn processo de Iideranra (Jesufno. 1987, p. 262). Implica que 0 grupo se tome consciente das suas normas de trabalho impIfcitas e reconhe~a que elas sao inadequadas. comprometendo a eficacia do desempenho.

7.3. Po/arizafao de grupo Urn outro fenomeno identificado nos proces-

grup 0, e partlCU . Iarrnente no que se refere a tornada de d . . eClsao, e, 0 e fi' elto de polarizarao. ou ~Ja, a tendencia para 0 grupo adoptar uma decisao final . _ . mals extrema do que a media das decis soe I~dividuais previas 11 discussao de grupo. O efeIto fi " . " . (19 01 IOlclalmente detectado por Stoner 61, 1968) com a deSlgna~ao " - de desvio para 0 ri Seo (risky hift") . s I • ao venficar que os indivfduos, 50s de

responderem a urn questionario sobre situa~oes envolvendo risco, mostravam uma tendencia p~ra a~optar posi90es mais arriscadas apos terem dlscuhdo a situa~ao em grupo (plano intra-suje~tos). Post~riormente veio a verificar-se que o efelto era mals geral e nao apenas em situa90es envolvendo risco. Se a tendencia geral do grupo for para uma decisao mais prudente, nesse casu 0 qu~ se veri fica e urn desvio para uma posi~ao mals prudente. Moscovici e Zavalloni (1969) mostraram que 0 fenomeno tam bern se verificava com simples atitudes . Passando uma escala sobre atitudes para com os americanos a estudantes franceses, que em seguida discutiam os resultados em grupo, verificaram que a discussao tinha 0 efeito de extremar as posi~oes iniciais. o fenomeno reveste-se de grande robustez sendo facilmente observavel tanto em labora~ torio como no terreno, dando origem a uma abundante literatura, sobretudo na decada de setenta e meados dos an os oitenta (Jesufno. 1987). Ta!vez por constituir urn efeito paradoxal, a polanza~ao de grupo tern dado lugar a diversas



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tentativas de explica~ao, constituindo uma ocasiao privilegiada para 0 confronto das «grandes teorias» correntes em Psicologia Social, aplicadas aos processos de grupo. Uma das teorias que maior aceita~ao granjeou foi a teoria dos argumentos persuasivos (Burnstein, 1982; Burnstein e Vinokur, 1977; Vinokur e Burnstein, 1974). E uma teoria de inspira~ao essencialmente cognitivista. Sustenta que os sujeitos nao conhecem muito provavelmente a totalidade dos argumentos a favor ou contra uma determinada questao ou causa social. Todavia, a sua posi~ao e determinada pelo mlmero e for~a dos argumentos que eles sao capazes de invocar. Ao confrontarem em seguida, num contexto de grupo, as suas posi~oes com as dos restantes membros, tern oportunidade de se familiarizar como novos argumentos cuja qualidade persuasiva seria, de acordo com Burnstein, fun~ao de dois factores: validade,ou seja, conteudo logico e novidade relativa. Se esses novos argumentos contribufrem para refor~o da posi~ao inicial, os sujeitos tenderao a emitir posi~oes mais extremas. E caso a maioria dos sujeitos se situe do mesmo lado da barreira, por exemplo, todos favoniveis a interrupyao voluntaria da gravidez, apos a discussao 0 grupo tendera a favorecer uma posiyao mais extrema, mais radical, do que seria de antecipar conhecendo as posi~oes dos diferentes membros antes da discussao. Dispae-se de considenivel evidencia empfrica para esta teoria. As consequencias logicas que dela podem derivar tern recebido confirmayao experimental . Por exemplo, se todos os membros dispuserem dos mesmos argumentos, ou caso nao haja oportunidade de os discutir, nao se verifica polariza~ao. Identicamente, se as posiyoes dos membros se acharem divididas, havendo tantos argumentos contra como a favor, 0 fenomeno que a teoria prediz e que a experimenta~ao confirma e urn efeito de despolarizayao. A teoria

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dos argumentos persuasivos apoia-se exclusiv mente na influencia informacional (ver Caa,. f p. IX). Por outras paIavras, 0 umco actor consi_ derado para explicar 0 efeito de polariza~iio consiste apenas na natureza e distribuiyao do argumentos disponfveis. Outras causas POSsfveiss como a coesao do grupo, pressoes para a con: formidade, ou normas sociais predominantes nao sao aqui consideradas. Tal como os proprio~ autores sustentam, «a polariza~ao e urn feno_ menD fundamentalmente informacional; as influencias normativas sao relativamente remo_ tas e operam na polarizayao atraves da cogni~ao» (Burnstein e Vinokur, 1977, p. 317). Esta conclusao nao e, obviamente, subscrita pelos defensores da teo ria da contpararao social, os quais colocam em primeiro plano a injluencia normativa (ver Cap. IX) que se exerce nos processos de grupo. Segundo sustenta esta linha altemativa, os individuos sao motivados pelo desejo de serem diferentes uns dos outros mas numa dimensao social mente aceite e valorizada (Lamm e Myers, 1978; Myers, 1982; Sanders e Baron, 1977). Por exemplo, se for socialmente desejavel (norma social) que os empresarios ou os cientistas sejam arriscados, estes tenderao a adoptar a norma e a considerarem-se a si proprios como acima da media. Face a urn problema especifico sobre 0 qual sejam consultados, os sujeitos fazem as suas opyoes iniciais procurando situar-se urn pouco acima daquilo que consideram ser a media, ou seja, a norma do seu grupo de referencia. Se todos procederern de forma identica com a passagem ao grupo, os sujeitos verificam que aflnal nao estao tao acirna da media, 0 que provoca reajustamentos e dar 0 efeito de polariza~ao de grupo. Dispoe-se tam bern de consideravel evidencia empfrica a confirmar esta tendeilcia psicolog ica para a diferencia~ao nornica, ou seja, reforyando uma norma social. Codol (1976) introduziu 0 que ele designou como efeito PIP (primurn

. terpares) m

e que consiste justamente nesta prototipica e, regra geral, mais extrema do que a . ndencia para as pessoas se conslderarem a si media das posiyOes individuais. A polarizayao Ie..oprias como supenores . ,a me'd'la d0 grupo. E nao e, pois, senao a convergencia dos membros ~uando tern de confrontar as suas posi~oes com para a posiyao prototfpica do grupo. Para que a as dos outros, num contexto de grupo, procedem polariza9ao ocorra e, todavia, condi9ao necesa revisoes que vao no mesmo sentido. Com vista saria que os indivfduos se autocategorizem a detenninar qual 0 peso relativo de cada uma em termos de grupo. Se se autocategorizarem des tas teorias para explicar 0 efeito de polarizaapenas enquanto indivfduos arriscados ou pru~iiO, Isenberg (~986) .pro~edeu a uma metamilise dentes, a polariza9ao nao se verifica. Para que tal cobrindo 2 I artlgos Clentlficos. 0 resultado desse suceda, os indivfduos terao de se autocategorizar estudo mostrou que ambas as hip6teses sao subsenquanto membros dum grupo arriscado ou prutancialmente confirmadas, embora os efeitos da dente. Sob certos aspectos, a teoria da autocateteoria dos argumentos persuasivos sejam partigoriza9ao e uma variante que permite introduzir cularmente fortes (correlayao media de 0,766 verprecisOes na teoria da compara9ao social. Dissus 0,436) relativa a teoria da comparayao social. tingue-se, todavia, pelo acento que coloca na Uma outra explicayao altemativa para 0 diferenciayao enquanto processo nao apenas efeito de polariza~ao de grupo e proposta pela individual mas de grupo. teoria da autocategorizarao desenvolvida por Moscovici e Doise (199 I, 1992) sao outros Turner e colaboradores (Tajfel e Turner, 1986; autores que analisam longamente 0 fenomeno da Turner, 1982, 1991; Tumer,etal .. 1987). Segundo polariza9ao de grupo, adoptando-o como refeesta teoria os individuos referem-se nao apenas rencia paradigmatica para «uma teoria geral das a norm as societais gerais, mas a norm as especidecisoes colectivas». 0 argumento desenvolvido ficas relativas aos grupos a que pertencem ou a e complexo e qualquer resumo sera inevitavelque se referem. Turner parte da teoria da identimente redutor. A ideia basica parece, todavia, dade social atribuindo particular relevo as igualmente centrada na especificidade colectiva relaroes intergrupo (ver Cap . XII). A identidade do fenomeno de polarizayao, enquanto processo social ou, para utilizar a sua terminologia, a de mudan~a e inova9a.o social. Numa linha que forma como os individuos se autocategorizam, poderfamos fazer remontar a Kurt Lewin, a depende ou pode depender da forma como sao «dinamica do grupo» provoca nos individuos representadas as posi~oes do proprio grupo face uma maior implica9a.o: «Cada qual toma-se, as posi~oes reais ou imaginadas do grupo que se assim, 0 defensor ardente dos seus juizos e atiIhe opoe. Os individuos tendem a conformar-se tudes pessoais face aos outros e implica-se quase com a norma do proprio grupo, distinguindo-se sem se dar conta disso. Por isso mesmo, participa da norma do exogrupo. A norma do endogrupo de maneira mais intensa e sente-se mais implie definida em termos da posirao protot(pica. cado na sua posiyao do que antes. Os argumen"ao necessariamente coincidente com a media tos que cada urn faz valer no debate publico do grupo. A posi~ao prototfpica e definida, por contribuem para refor~ar 0 empenhamento, mas urn lado, pelo grau da sua semelhan~a com a tambem a convicyao de que os seus jufzos, as "?fma intema, e, por outro, pelo grau em que suas atitudes, tern 0 mesmo valor para os outros dlfere da norma extema (metacontraste). Nos membros do grupo que tern para si proprio» eXemplos que tern sido habitual mente utilizados (Moscovici e Doise, 1971, p. 231). A dinamica para estudar a polariza~ao de grupo, a posiyao subjacente ao efeito de polariza~ao resulta, antes

t

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de mais, do conflito sociocognitivo traduzido pela diversidade de posi~oes, ainda que nao necessariamente divergentes ou antag6nicas. Ele e suficiente para desencadear urn processo de resolu~ao do conflito e urn subsequente aprofundamento e mobiliza~ao de novos argumentos e de revisao e reajustamento das posi~oes iniciais. A mesma dinamica e observavel nos processos de influencia minoritaria (ver Cap. IX). Parcial confirma~ao deste tipo de explica~ao, embora dela se nao reclame, e dada pelas pesquisas recentes de Brauer e Judd (1996) sobre a polariza~ao de grupo. fen6meno que 30 anos depois continua a despertar a aten~ao dos psic6logos sociais . Brauer e Judd propoem que 0 simples facto de os sujeitos terem de defender os seus pontos de vista num contexto de grupo produz polariza~ao.Isso seria provavelmente devido ao facto de a repeti~ao dos mesmos argumentos levar a sua simplifica~ao e subsequente radicaliza~ao. Na verdade, sustentam os autores, inicialmente os sujeitos tendem a apresentar os seus argumentos duma forma cautelosa maximizando a informa~ao que fomecem. Posteriormente, porem, reduzem-na ao essencial tomando-a dessa forma mais extrema. E quanta maior a frequencia da repeti~ao mais extrema sera a posi~ao final, predi~ao apoiada pela evidencia experimental reunida. Enfim, resta ainda referir que 0 efeito de polariza~ao pode ser moderado pelos processos de Iideran~a. Experiencias realizadas por Wheman et al. (1977) e por Jesufno (1986) levaram. com efeito. a concluir que a influencia duma lideran~a formal de tipo autocratico tende a induzir normas mais consensuais, enquanto que a lideran~a democralica bern como a ausencia de Ifder formal tendem a encorajar solu~oes mais ousadas. Tais efeitos sao logicamente preditos pelo maior ou menor grau de interac~ao permitido pelo Ifder.

7.4. A teoria do impacto social Deve-se a Bibb Latane (1981) a propOsta duma teoria, ou antes, duma metateoria do impacto social que permitiria explicar os Illlllti_ plos fen6menos observados no domfnio da influencia social. A teoria acha-se formal mente enunciada eill dois princfpios. De acordo com 0 primeiro princfpio: (I) I

= f (S / N).

o impacto social (I) exercido sobre urn alvo e uma fun~ao (f) multiplicativa da for~a (s-Strenght), proximidade (I-Immediacy) e do numero (N) das fontes presentes. Por for~a entende-se a saliencia, poder, importancia ou intensidade duma dada Fonte sobre 0 alvo. Por exemplo, 0 estatuto, a idade, 0 prestfgio e outros factores de natureza identica. Por proximidade entende-se a distancia no espa~o e no tempo, bern como a ausencia de barreiras ou filtros. E por numero a quantidade de pessoas presentes. o autor, para i1ustrar este princfpio, recorre a metcifora da lampada electrica, em que a superflcie por ela iluminada e tambem uma fun9iio multiplicativa da intensidade da lampada, da proximidade da superffcie e do numero de lampadas. E de certo modo intuitivo e quase releva do sen so comum admitir que urn indivfduo seja mais ou menos influenciavel consoante 0 numero de pessoas envolvidas, 0 seu estatuto e proximidade. o segundo princfpio exprime-se na seguinle f6rmula: (2) I = S N', t > I. , aqUI . se recorre " . ,ora do valor Tambem a metal marginal estabelecido pelos econorni~tas. o primeiro d61ar vale malS. do que 0 cen tesuno.

A lei expressa inspira-se, todavia, nas leis psicoflsicas estabelecidas inicialmente por Fechner e e1egantemente condensadas por Stevens (1957) a f6nn ula lJI = K I~, em que a intensidade °Sicol6gica subjectiva (lJI) e uma fun~ao da ~tensidade ffsica objectiva do estfmulo (


do numero de pessoas presentes. Por outras palavras, ha urn decrescimo marginal ou diferencial a medida que 0 numero de Fontes de influencia aumenta. Latane aplica a teoria a algumas das situa~oes referidas neste capftulo, tais como os efeitos de conformidade de Acsh , mas tambem da influencia minoritaria de Moscovici. os efeitos de inercia social e difusao de responsabilidade. de desvio para 0 risco e de polariza~ao, ou ainda os efeitos do pensamento grupal. Recentemente (Latane 1996), a teoria tern sido testada, com bastante sucesso, recorrendo a simuJa~6es por computador, podendo eventuaJmente vir a confirmar-se como uma grande teoria estabelecendo a ponte entre efeitos psicoffsicos e efeitos psicossociais.

t

CAPiTULO XI

Processos cognitivos e estere6tipos sociais Jose Marques e Dorio Pael

As vezes apetece-nos responder a outrem: «Isso e urn estere6tipo!», para mostrarmos que discordamos ou que achamos exagerado. Mas isso nao nos impede, noutras ocasiOes, de recOfrer a maximas do tipo «os portugueses sao hospitaleiros», os «ingleses sao snobes », os «suf~os sao pontuais». A palavrajapones faz-nos imaginar alguem com caracterfsticas ffsicas orientais a sair, com tres maquinas fotograficas a tiracolo, de urn autocarro de turismo. Os estere6tipos sao estruturas cognitivas que contem os nossos conhecimentos e expectativas, e que determinam os nossos j ulgamentos e avalia~oes, acerca de grupos humanos e dos seus membros (Hamilton & Trolier, 1986). Estes julgamentos e avalia~oes estao geral mente associados a caracterfsticas como a «ra<;a», 0 genero, a aparencia ffsica, a origem geografica ou social, ou algum aspecto associado, por exernplo, a identidade religiosa, polftica, etnica, sexual, de alguem (Miller, 1982). Neste capItulo vamos debrulrar-nos sobre alguns aspectos Iigados ao estudo dos estere6tipos. Comelraremos por recordar alguns momentos-chave da evolulrao deste domfnio de estudo em PSicologia Social. Em seguida, veremos algumas explicalr0es acerca do que nos leva a incluir uma pessoa num qualquer estere6tipo. Na ter-

ceira parte, analisaremos alguns processos cognitivos Iigados ao modo como os estere6tipos, simplificando, por urn lado, a nossa tarefa quotidiana de compreendermos os outros, acabam tam bern por interferir na informalrao que processamos acerca das pessoas. Na quarta parte, centrar-nos-ernos directamente sobre as estruturas cognitivas atraves das quais se organizam as nossas crenlras estereotfpicas. Finalmente, discutiremos algumas das implicalroes dos estere6tipos nos processos de avalialrao e julgamento social. Mas nao vend amos gato por lebre. A abordagem apresentada neste capftulo e fundamentalmente cognitiva, ou seja, estamos mais preocupados com os processos intrapslquicos associ ados aos estere6tipos do que com as suas incidencias e antecedentes sociais. Parece-nos essencial que 0 leitor esteja consciente deste facto, dado que os estere6tipos sao, por definilrao, 0 resultado do cruzamento de factores ligados ao processamento de informalrao, de factores motivacionais e de identidade, de factores Iigados a dinamica social das relalroes entre os grupos, e de factores ideol6gicos. 0 facto de nos centrarmos fundamentalmente na organiza~ao mnem6nica da informalrao sobre os membros dos grupos sociais (a sua estrutura~ao esquematica en termos exemplares



334

ou abstractos, 0 tratamento diferido da informac;ao, e os process os inferenciais decorrentes dessa organizac;ao, etc.) e deixarmos em segundo plano as necessidades individuais de autodefinic;ao e de valorizac;ao (autocategorizac;ao, identificac;ao social, favoritismo em relac;ao ao endogrupo, etc.), os contextos imediatos da interacc;ao social (competic;ao, cooperac;ao, conflito, saliencia cognitiva das diferenc;as entre grupos, relevancia das dimensoes de comparac;ao social para a identidade social dos indivfduos, etc .), as caracterfsticas objectivas das relac;oes sociais (estatutos sociais dominantes ou dominados , canicter numerico maioritario ou minoritario dos grupos, etc.), e 0 fundamento ideologico dos estereotipos (estruturas de crenc;as de mobilidade ou de mudanc;a social , colectivismo, individualismo), nao significa que estes factores nao desempenhem urn papel essencial na construc;ao e na dinamica dos estereotipos. De facto , qualquer tentativa de explicac;ao dos estereotipos, das suas consequencias e dos seus antecedentes, em termos de apenas urn desses factores, seria urn puro reducionismo (cf. Doise, 1976; Lorenzi-Cioldi & Doise, 1990). Mas a nossa escolha foi ditada, por urn lado, pela falta de espac;o, e, por outro, pelo facto de outros colegas que participam neste manual referirem de uma forma ou de outra 0 papel desses factores (ver os capftulos de L. Amancio , M. B. Monteiro, e J . VaIa).

1. Genese da perspectiva cognitiva no estudo dos estereotipos 1.1. Estereotipos, preconceitos e racionaliZllfiio das relafiies sociilis Lippmann (1922) e considerado como 0 iniciador da concepc;ao contemporanea dos estereotipos e das suas func;oes psicossociais (ver

Ashmore & Del.Boca, 1981; ?akes , Haslam & Turner. 1994; MJller, 1982). Lippmann (\firmav que, no quotidiano, nao reagimos directamenta , . I e as pessoas e aos aconteclmentos ta como Se n . _ . Os apresentam. mas slm a representac;oes simpl ifica_ das da realidade . Os estereotipos, que Lippman definia como «fotografias dentro das nossas ca~ bec;as» , resultariam dessa simplificac;ao da rea_ Iidade. As ideias de Lippmann eram inovadoras numa epoca em que os estereotipos eram Visto~ como uma forma inferior de pensamento (Huici e Moya, 1994): para os primeiros psicologos tratava-se de projecc;oes de fantasias indesejaveis ou deslocamentos de tendencias agressivas para os membros de outros grupos, ou de subprodu_ tos de certas sfndromes de personalidade associadas ao racismo, ao autoritarismo, ou a xenofobia (Adorno, Frenkel-Brunswick, Levison & Sanford, 1950; Rockeach, 1948; ver revisoes da Iiteratura feitas por Billig, 1976; Brown & Turner, 1981; LeVine & Campbell, 1972; Sherif & Sherif, 1979). Retomando a perspectiva de Lippmann, Allport (1954) (ver Monteiro neste volume) reagiu a esta visao «sociopatologica», afirmando que os estereotipos sao um processo nao apenas normal como tam bern necessario. Como todas as categorias cognitivas, afirmava este autor, tam bern as categorias de pessoas se baseiam inicialmente numa correspondencia entre etiquetas psicologicas (por exemplo, «brancos», «negros» , «homens», «mulheres») e indfcios perceptual mente salientes (por exemplo, a pigmentac;ao, 0 modo de vestir, etc.). No entanto, os indfcios estereotfpicos de tipo perceptivo associam-se a outroS marc ados por valores sociais (por exemplo, «preguic;oso» , «agressivo», «hospitaleiro» , etc.), acabando por tomar a categorizac;ao social independente da estrutura do mundo ffsico (para um racista, a cor da pele de uma pessoa deixa de traduzir uma simples diferenc;a de pigmenta~ao e passa a traduzir um estatuto social valoriz ado

sitiva ou negativamente) . Assim , atraves dos pOtereotipos, para alem de simplificarmos a inforeSarao provelllente . d e uma estlmu ' I - h umana ac;ao rn. aT e comp Iexa, que cu Imma . necessanamente . r~ generalizac;oes abusivas, tambem justificae OS, OU racionaliza11los as posic;oes objectivas 5 grupos na dinamica social. Ao mesmo tempo que evolufam as conceptualizac;oes teoricas sobre os estereotipos, desenvolvia-se igualmente a sua abordagem empfrica. Bogardus ( 1925) , por exemplo, constrU iu uma medida dos preconceitos atraves da e5cal a de distancia social (Quadro I), reveladora do grau de intimidade ou de tolerancia que os sujeitos se dispoem a adoptar em relac;ao a membros de diversos grupos sociais. Eis um exernplo: Se considerarmos as definic;oes que demos acima (estereotipo =atribuic;ao de trac;os a membros de grupos), vemos que as medidas de distancia social correspondem menos a observac;ao de estereotipos do que de preconceitos (ver Milner, 1981 ). Mas a relac;ao entre estes dois conceitos ficou c1aramente estabelecida com os estudos de Katz e Braly (1933, 1935) .

:0

1.2. Estereotipos como crenfas socioculturais sobre os trafos comuns aos membros de um grupo Para Katz e Braly (1933,1935), os estereotipos sao crenc;as que n,os sao transmitidas pelos agentes de socializac;ao (os pais, a escola, os meios de comunicac;ao social, etc.), 0 que explicaria 0 consenso existente em relac;ao aos grupos sociais, a sua independencia do conhecimento real dos membros desses grupos e a sua dependencia do contexto historico e cultural. A metodologia utilizada par estes autores e conhecida como «/ista de adjectivos» (adjective checklist).

335

Apos terem obtido uma lista de trac;os de personalidade tfpicos de dez grupos (norte-americanos , alemaes , ingleses, turcos , italianos, irlandeses, japoneses, judeus, negros, chineses e turcos) junto de uma primeira amostra, Katz e Braly (1933) pediram a outra amostra de 100 estudantes universitarios que indicassem, de entre 84 trac;os positivos (por exemplo, «inteligente») e negativos (por exemplo, «ignorante») , os cinco mais tfpicos de cada urn dos grupos . Em seguida, seleccionaram os 50 por cento de trac;os mais frequentes, e, destes, convencionaram que os 12 atribufdos por mais sujeitos a urn grupo retratavam 0 estereotipo desse grupo. Num segundo estudo, Katz e Braly (1935) pediram a uma amostra independente que respondesse a medidas de distancia social em relac;ao aos grupos-alvo e de desejabilidade social dos trac;os fomecidos na /isla de adjectivos. Os resultados mostraram, por exemplo, que a generalidade dos sujeitos considerava os chineses como «supersticiosos», ou os turcos como «crueis», ou ainda os japoneses como «inteligentes». Ja os negros eram considerados como «preguic;osos», por exemplo, e os italianos como «impulsivos», ou «imaginativos», enquanto os ingleses eram vistos como «desportivos» ou «convencionais», e os judeus, como «avarentos», ou «trabalhadores» . Alem disso, a correlac;ao entre a distancia social e a desejabilidade social dos trac;os considerados como tfpicos dos grupos era muito forte (r = 0.89). Replicac;oes dos estudos de Katz e Braly, realizadas na decada de 1950, confirmaram muitas das ideias destes autores (Gilbert, 1951 ; KarIins, Coffman & Walters, 1969; Stroebe & Insko. 1989). Por exemplo, Buchanan e Cantrill (1953) , num estudo acerca dos estereotipos recfprocos de nove pafses, observaram que todos os respondentes estavam de acordo quanto ao facto de 0 seu pafs ser 0 mais «pacffico» de entre todos os pafses avaliados. Outro caso ilustrativo do caracter sociocultural dos estereotipos sao as crenc;as



336

EXEMPLO DE ESCALA DE DISTANCIA SOCIAL sim

1

casar-me-ia com um(a) marciano(a)

2

nlio me importava de ter amigos marcianos

3

nao me importava de ter colegas de trabalho marcianos

4

nlio me importava de ter vizinhos marcianos

5

aceitaria apenas a falar a urn marciano

6

aceitava que os Marcianos visitassem 0 meu planeta

7

expulsaria os Marcianos do meu planeta

nlio

-

Mas existem altemativas para a mensura~ao da distAncia social. Urn de n6s (Marques, 1986) pediu a estudantes de nacionalidade belga, num campus universitario multinacional, que escolhessem os companheiros de dOmi_ cflio para 0 ano lectivo seguinte, de entre as seis regioes do mundo (Africa Central, Africa do Norte, America do Norte, America do SuI, Europa Central e Europa Meridional) mais bern representadas nesse campus. Muitas residencias universitarias eram apartamentos comunitanos com cinco quartos individuais. A questiio colocada aos sujeitos era a seguinte: «No campus, a maioria das residencias universitdrias tern 5 quartos. Se,para 0 ano, tivesse que partilhar uma dessas residencias com quatro outros estudantes provenientes, cada urn, de uma regiao diferente do mundo, que nacionalidades escolheria e que nacionalidades rejeitaria?» Os sujeitos deviam ordenar as suas preferencias e rejei~Oes por ordem decrescente. As nacionalidades mencionadas pelos sujeitos foram, em seguida, classificadas segundo as regioes mencionadas acima. Uma segunda questiio pedia-se-Ihes que indicassem em que medida consideravam os estudantes belgas como semelhantes ou diferentes dos estudantes de cada uma dessas regi5es. Os resultados obtidos figuram abaixo:

Atrac~ao

1

Rejei~iio

Regiiio

Preferencia

Semelhan~a

Europa Central

1,91

6.60

America do Norte

1,89

5.43

Europa Meriodional

1.57

5.14

1.33

3.69

Africa Central

-0.006

3.03

Africa do Norte

-2.43

2.64

America do Sui

Aceitac;:iio: valores negativos=rejeic;:iio Semelhanc;:a: I=«totalmente diferentes»; 7=«totalmente semelhantes»

Os resultados mostram uma clara rela~ao entre distiincia social, etnocentrismo, e perce~ao de diferenrras entre os grupos. As respostas dos sujeitos ba.o;earam-se em criterios geograficos (Norte-SuI) relacionados com uma dimensao etnica. De facto, 0 valor da cOlTelarriio produto-momento de Pearson entre distiincia e perce~iio de semelhan~as era de 0.82. Para al6m disso, a categoria dos estudantes do Centro da Europa era a mais preferida e considerada como mais semelhante a categoria dos sujeitos. A categoria dos estudantes norte-africanos era nao s6 a mais rejeitada como tambem cOhsiderada como menos semelhante a categoria dos sujeitos. A ideia segundo a qual os estudantes universitarios sao pessoas 8vidas de trocas de experi!ncias transculturais, pode nao passar de ... um estere6tipo!

. rninadas na nossa sociedade, segundo as e d1ss. as mulheres sao afectuosas, emotivas, subulllS q. as ou dependentes, enquanto que os homens ~ssrnais audaciosos, desinibidos, desorganizasao ou autoritarios (Amancio, 1994; Ashmore, dO~'t). 0 metodo de Katz e Braly revelou igual19 nte que os estereotipos nao sao impermeaveis [lieJlludan~as socials. · · As a1 - 0 bservadas tera~oes a 6s a Segunda Guerra Mundial nos estereotiap s de alemaes e japoneses, medidas atraves do POetodO de Katz e Braly, mostraram que este me:do esensfvel a evolu~ao sociocultural (Oakes, Haslam & Turner, 1994). Os estudos de Katz e Braly tiveram consequencias importantes no desenvolvimento da investiga~ao sobre os estereotipos ate aos nossos dias. por exemplo, a independencia entre os conteudos estereotfpicos e 0 conhecimento real dos membros dos grupos levou alguns autores a centrarem-se no papel do contacto entre grupos na transforma~ao dos estereotipos e na atenua~ao dos preconceitos (Amir, 1976; Fishman, 1956; ver Hewstone & Brown, 1986; Brewer & Miller, 1984; ver Monteiro, neste volume). A ideia de base destes autores era a de que os estereotipos tem uma componente «projectiva» (motiva~oes

337

dos observadores, distor~oes cognitivas, etc.) e uma componente «verfdica» (as informa~6es obtidas nos contactos com os membros dos grupos estereotipados). Quando 0 contacto e insuficiente para formar urn estereotipo «verdadeiro», o estereotipo e construfdo ou complementado com base em cren~as social mente transmitidas sobre 0 grupo estereotipado (Campbell, 1967; LeVine e Campbell, 1972). No entanto, 0 contacto em si mesmo nao garante a atenua~ao dos estereotipos e dos preconceitos (ver Stephan, 1985, 1989) (ver Caixa). Para ser eficaz, 0 contacto entre grupos deve ser profundo e variado (Amir, 1976), deve fazer-se entre pessoas de estatuto social semelhante (idem; Allport, 1954; Brown, 1984), deve ser cooperativo e ocorrer num contexto normativo que suporte uma interac~ao positiva (Deutsch, 1949; Pettigrew, 1981; Sherif, 1967) (ver Cap. XIII). Mas tambem e possfvel que, afinal, a veracidade dos estereotipos nao provenha do facto de traduzirem uma percep~ao correcta das caracterfsticas dos grupos, mas sim do facto de traduzirem, pelo menos em parte, as suas rela~6es objectivas (Fishman, 1956; Oakes, Haslam & Turner, 1994; Word, Zanna & Cooper, 1974).

CONTACTOS INTERGRUPAIS E REFOR<:O DOS ESTEREOTIPOS Numa analise das rela~5eS inter-raciais numa escola norte-americana recentemente dessegregada, em que os alunos brancos consideravam os colegas negros como agressivos, Schofield (citado por Stephan & Rosenfield, 1978, p. 118) relatava que: Muitos rdos alunos brancosJ tem tanto medo dos negros que niio sc afirmam mesrno em encontros nada Esta falta de vontade de af1rma~iio e de protecc;:iio dos seus direitos quando interagem com os negros torna os brancos em alvos atmctivos [de assedio por parte dos negros], ja que 0 seu comportamento e refor~ador dessas tentativas de dominaC;:iio. amea~adores.

Por outro lado, os alunos negros viam os brancos como preconceituosos, enquanto estes se viam a si mesmos como generosos e sem preconceitos. oferecendo-se mesmo para ajudar os alunos negros nas tarefas escolares. Os alunos negros viarn muitas vezes estas ofertas de ajuda como mais urna prova dos sentimentos de superioridade e da vaidade dos bmncos. Os alunos broncos que niio se viam a·si mesmos como tal scntiam-sc enganados e zangados quando aquilo que lhes pnrecia serem aberturas amigaveis em rejeitado (Idem. p. 119).



338

1.3. Acentuariio perceptiva, assimilariio de valores e procura de coerencia Outros autores, como Secord (1959), Vinacke (1957), ou Campbell (1967), contribufram para o desenvolvimento da perspectiva iniciada por Allport (ver revisoes feitas por Ashmore & DelBoca, 1981; Hogg & Abrams, 1988; Oakes, Haslam & Turner, 1994). Mas foi Henri Tajfel que, em 1969, num primeiro esbo~o da teoria da identidade social , elaborou urn modelo geral sobre os mecanismos e as fun~oes dos estereotipos. Na sequencia dos trabalhos de Bruner e colegas (por exemplo, Bruner, 1957), Tajfel (1969) propos que a percep~ao se organiza em termos de urn processo de acentua~ao: 0 exagero de semelhan~as entre os membros de uma mesma categoria (assimila~ao intracategorial) e de diferen~as entre membros de categorias opostas (diferencia~ao intercategorial) (Doise, Deschamps & Meyer, 1978; Tajfel & Wilkes , 1963; ver Amancio , neste volume). No decurso do processo de socializa~ao, aprendemos que as pessoas se dividem em categorias: «homens» e «mulheres», «espanhois» e «portugueses», «cristaos» e «hindus», etc. Ao utilizarmos estas categorias no dia-a-dia, negligenciamos as caracte-

rfsticas proprias de cada pessoa em particular exageramos as que as torn am semelhantes ,e estereotipos dos seus grupos (ver Quadro tos A estrutura do mundo real, que esta Or IJ~. ganl_ · , zad a em t ermos d e d Imensoes contmuas , paSSa ser compreendida em termos de categoriag d' a Iscretas . Este processo de acentua~ao percept' .. da teoria dos IVa correspon de a'b ase cogmtlva tereotipos proposta por Tajfel. Mas a categor' es~ao baseia-se tambem em jufzos de valor que ~a­ sao transmitidos no infcio do desenvolvimen~s moral e cognitivo (ver, por exemplo, os estudo~ de Tajfel e colegas , acerca do desenvolviment de cren~as na~ionalistas nas crian~as; Tajfe~ 1984, 1985). E nesta fase que: (1) aceitamos como dados objectivos esses jufzos de valor (<
ESTEREOTIPOS E ILUSAO DE CORRELA{:AO Recordemo-nos de que uma correla~iio positiva total entre dois fen6menos (<<ser portugues» e «ser hospitaleiro») implica que, sempre urn fen6meno est!! presente (<
ciais e a organiza~ao dessas categorias em s°[1T10Sde di ferenciais valorativos. No entanto, a Ie resenta~ao cognitiva das rela~oes entre grurePs SOCials .' de fime Igua . Imente a nossa propna ' . ~ agem enq uanto membros 1m _ de urn ou de varios do s grupOS que compoem essa estrutura, uma 'dentidade social (Tajfel, 1969; ver tam bern Tur~er, 1975). Assim, urn dos nossos objectivos fundarnentais e proteger essa imagem e 0 sistema de val ores e de rela~oes entre categorias em fun~ao do qual ela se define. Trata-se de garantir uma (Joererlcia entre uma imagem satisfatoria e a manutenqao da estabilidade da estrutura das nossas cren~as sobre os grupos sociais em fun~ao dos acontecimentos que observamos e em que participamos . Em !'uma, Allport, Tajfel, e Katz e Braly lan9aram as bases do estudo dos estereotipos. Mas os seus trabalhos levantaram tam bern muitos dos problemas conceptuais que procuramos resolver atraves da investiga~ao actual.

2. 0 que deterrnina a inclusao de urna pessoa nurn estereotipo? Uma conc1usao fundamental a que podemos chegar desde ja e que os estereotipos sao essenciais pam a vida social. Como 0 afirma Brown (1994), Mesmo que fOssemos capazes [de responder a cada pessoa ou objeeto que encontramos, como se fossem unicosJ, seria extremamente disfuneional faze -Io, dado que cada estfmulo possui muitas earacteristicas em eomum com outros, assim como atributos que os distinguem de outros. Inc~uindo-o~ em categorias baseadas nas suas semelhan~as e dlferen~a~. podemos Iidar com eles de forma mais eeon6mica. (p. 227).

. Mas quais sao os criterios que nos permitem tncluir alguem numa dada categoria? Mesmo a um nfvel dicotomico muito simplista, quantas

339

dimensoes de categoriza~ao altemativas podem ser seguidas para inc1uir uma pessoa numa categoria? Feminino-Masculino? Adulto-Crian~a? Portugues-Espanhol? De direita-De esquerda? Benfiquista-Portista? Alfacinha-Tripeiro? Negro-Branco? Psicologo-Sociologo? E urn facto que, quando interagimos com alguem, certas categorias parecem ter uma maior probabilidade de serem utilizadas. Porque? Na Iiteratura sobre os estereotipos, podemos encontrar varias respostas para esta questao. Relataremos as tres que nos parecem mais interessantes: (I) 0 estatuto primitivo de certas categorias; (2) a normatividade das categorias; (3) a c1areza das fronteiras categoriais.

2.1.0 recurso a categorias «primitivas» Fiske e Neuberg (1990; ver Capftulo V) propuseram que ao deparar-se-nos pela primeira vez uma pessoa recorremos de modo automatico a categorias cr(ficas, ou primitivas. Estas categorias seriam 0 genero, a idade e a rara. Imaginemos que passeamos num mercado arabe. As pessoas X, Y, e Z, todas do sexo masculino, tambern . Sem problemas, e de forma involuntana,ja as categorizamos como «homens», como «adultos», e como «negros». Mas X, Y, e Z chamam a nossa aten~ao, e procuramos saber mais sobre eles. Se estivermos suficientemente motivados para continuarmos a processar essa informa~ao, procuraremos, em seguida, confirmar a categoriza~ao inicial. Parecem ser «arabes» (uma categoria nao-primitiva, segundo Fiske e Neuberg). X chama-se Ahmed e veste uma djellaba. Esta forte consistencia entre os indfcios observados na pessoa e as expectativas associadas a categoria confirma a categoriza~ao. Y chama-se Oliveira de Figueira e tambem veste uma djellaba. Ou seja, apresenta indfcios inconsistentes (0 nome) e indfcios consistentes (a djeUaba)



340

com a categoria. Se a categoria for suficientemente forte, provavelmente a categoriza~ao inicial persistini (<<este negro cirabe tern urn nome portugues») . Z e «sorridente». 0 indlcio e irrelevante para a categoria. Nesse caso, tal como no anterior, e a for~a da categoria que determina a categoriza~ao de Z. Se a categoria tiver pouca for~a activacional, geraremos subtipos da categoria inicia\. Se esta recategoriza~ao se confirmasse, operarfamos uma diferencia~ao no seio da categoria (arabes com nomes portugueses res arabes com nomes arabes) . Se a recategoriza~ao fosse infirmada, passariamos a encarar a pessoa em termos dos seus atributos individuais e nao em termos de uma inclusao categoria\. Neste caso, safamos do domfnio dos estereotipos e entravamos no da «forma~ao de impressoes». A categoriza~ao em termos de categorias primitivas seria 0 caso mais geral dos estereotipos, aquele que requer menor esfor~o cognitivo, e que so e posto em causa por uma conjuga~ao de factores que levarao ou a uma nova categoriza~ao em termos de outra categoria primitiva, ou a uma subcategoriza~ao no seio da primeira categoria activada, ou, mais dificilmente, a uma impressao individualizante (ver tambem Brewer, 1988). Mas esta explica~ao suscita uma serie de problemas. E verdade que podem existir categorias mais acessfveis (por exemplo, a ra~a) do que outras (por exemplo, a altura): se encontrarmos urn indivfduo do sexo masculino, de pigmenta~ao escura e com dois metros e dez, e provavel que 0 vejamos a priori mais como urn «negro» do que como uma pessoa «alta». Mas, na logica deste modelo, nada permite saber se 0 veremos primeiro como urn «homem» ou como urn «negro», ja que ra~a e genero sao categorias igualmente primitivas. Para alem disso, como explicar que certas categorias sejam universalmente dominantes sobre a nossa percep~ao? Poderfamos admitir que 0 genero, a idade e a

ra~a

sao as categorias mais heurfsticas, POr reflectem distin~oes fundamentais ao nfvelque . do comportamento e, aSSlm, tornam-se adaptar . d' IVas porque permltem pre Izer com urn grau eleVad de certeza 0 comportamento dos seus memb ros. d ,. M as nao correspon era IStO a urn estere6ti ') Nao existe evidencia empfrica para 0 f..cto genero (ver Eagly, 1987), a idade, e, menos ain; a ra~a serem naturalmente mais preditivas d~ comportamento dos seus membros do que Outr categorias aIternativas (Hamilton & Shenna~ 1994). Poderfamos ainda admitir que 0 genero ,a' idade, e a ra~a sao categorias que correSpondem a atributos perceptivamente muito salientes. No entanto, a evidencia empfrica demonstra que em certas circunstancias, a curto ou a medio prazo quando possufmos conhecimentos suficiente~ acerca de outras categorias, ou quando recorremos repetidamente a estas ultimas, as categorias primitivas perdem a sua supremacia. Como poderao, nesse caso, ser consideradas como automaticas e universais?

°

!o.

2.2. A diferenciafiio em relafiio as normas Segundo Zarate e Smith (1990), as categorias sociais mais salientes sao aquelas que se desviam da tendencia central daquilo que os observadores consideram como uma norma cultural. Por exemplo, quando utilizamos a expressao «aquilo que os observadores consideram como uma norma cultural», como representamos estes observadores? Como mulheres negras? Provavel mente nao. Quando nos referimos a uma pessoa sem mencionarmos as suas caracterfsticas, e porque, implicitamente, nos referimos a alguem que «esta dentro das normas». Nas sociedades europeia e norte-americana, a norma cultural e a do homem branco: e mais «normal» ser-se branco do que negro ou homem do que mulher. Para

ith e Zarate, esta norma depende da preponSfl1' ncia numerica e da domina~ao sociopolftica. a derEsta - reso Ive em pa rt e uma questao exp I'Ica~ao _ respond ida pela no~ao de categorias primi, oao u.vaS. Imaginemos que encontravamos urn casal ultirracial (marido negro, mulher branca). Que ;mensao categorial teria 0 maior peso na nossa I rcep~ao? A ra~a ou 0 genero? De forma autopeatica, tanto poderia ser «urn homem e uma murn b ., Iher» , como «urn ranco e .um negro», ~a que. ta~t.o o generO como a ra~a senam categonas pnmltlvaS. A explica~ao baseada na norma cultural, pel o contrario, permite-nos predizer que, de ambas, a mais saliente seria a menos frequente ou a rneno s dominante em termos sociopoifticos. Assim, se partilhassemos a norma cultural, seria mais provavel vermos este casal imediatamente como uma mulher e urn negro do que como uma branca e urn homem, por exemplo. 0 criterio de categoriza~ao fornecido pela norma cultural aumentaria a saliencia das caracterfsticas proprias da categoria (minoritaria ou dominada) «negro», em detrimento das caracterfsticas associadas a categoria (maioritaria ou dominante) «homem». Pelo contrario, ao deparar-se uma mulher branca, as caracteristicas associadas a categoria minoritaria e/ou dominada «mulher» sobrepor-se-iam as caracterfsticas proprias da categoria maiorilaria e/ou dominante «branca». Num dos seus estudos, Zarate e Smith (1990) expuseram os sujeitos a uma etiqueta (branco, negro, mulher ou homem). Essa etiqueta era seguida por uma serie de fotografias que podiam representar homens brancos ou homens negros, mulheres brancas ou mulheres negras. A tarefa dos sujeitos era a de confirmarem ou negarem a adequa~ao entre a etiqueta e a fotografia, carregando 0 mais rapidamente possfvel num botao «sim» ou «nao». Ou seja, a velocidade de reac~ao dos sujeitos indicaria 0 criterio de categoriza~ao dominante. Os resultados mostraram que os sujeitos que haviam recebido etiquetas raciais respon-

341

diam mais rapidamente «sim» para as fotografias de homens do que de mulheres. Ou seja, tratando-se de verificar urn criterio racial («negro»), a inexistencia de outra categoria minoritaria (<<mulher»), facilitava a decisao dos sujeitos. No mesmo sentido, quando se tratava de verificar a dicotomia homem-mulher, a decisao era tomada mais rapidamente quando nao surgia a possibilidade alternativa minoritaria ou dominada negro» . Em suma, a ideia de «norma cultural» permite-nos predizer que uma categoria maioritaria ou dominante gera uma percep~ao do alvo do estereotipo em termos de categorias supra-ordenadas, ou mais gerais: para 0 observador, urn homem branco corresponde a uma «pessoa» em gera\. Por outro lado, uma categoria minoritaria ou dominada gera uma percep~ao em termos subordinados: uma mulher branca seria inclufda na categoria das «mulheres», e urn homem negro seria inclufdo na categoria dos «negros».

2.3. 0 principio do metacontraste Voltemos ao mercado arabe. Imaginemos que, ao virar de uma esquina, nos encontramos no meio de uma concentra~ao de pessoas. Podemos distinguir algumas munidas de capacetes, bastoes e escudos de plastico transparente, e outras que transportam cartazes e gritam palavras de ordem. Neste primeiro caso, nao existem duvidas em categorizar os intervenientes como «manifestantes» e «poifcias». Mas, eis que surge urn novo grupo. Neste grupo, as pessoas nao transportam qualquer panoplia militar, sao tambem portadores de cartazes, e gritam igualmente palavras de ordem. S6 que, enquanto os primeiros manifestantes trajam de fato negro e de chapeu, tern tran~as e longas barbas, os segundos trajam de djelabba e apresentam uma serie de atributos tipicamente arabes. o comportamento e aparencia dos primeiros poderia nao mudar. Mas, enquanto que, no caso



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anterior, foi suficiente categoriza-Ios como «manifestantes» (por oposi~ao a «polfcias»), para darmos sentido a situa~ao observada, no caso presente categoriza-Ios-emos ja como judeus (por oposi~ao a poifcias e a palestinianos, por exemplo). Ou seja, categorizarfamos as pessoas da forma mais heurfstica possfvel, aquela que meIhor contribui para a compreensao do contexto social em que a categoriza~ao ocorre (Haslam & Turner, 1992; Turner, Hogg, Oakes, Reicher e Wetherell, 1987) . Dito de outro modo, segundo os diversos contextos, a nossa tarefa enquanto observadores e maximizar cognitivamente a probabilidade de que as diferen~as grupais se tornem claras. Esta ideia, inspirada em trabalhos anteriores (por exemplo, Bruner, 1957), pode ser formalizada atraves do princfpio de metacontraste (Turner et ai, 1987; ver tam bern Hogg, 1992; Hogg & McGarty, 1990) (ver Caixas desta pagina e da pagina seguinte).

3. Estereotipos e distoq;oes no processamento de nova informa~ao Uma segunda questao e saber quais sao os efeitos dos estereotipos no processarnento de

nova inforrna~ao. A investiga~ao mostra esses efeitos se prendem com a selec~ao qUe informa~ao, com a sua codifica~ao e recu de ra~ao, e com os processos de infereneia qu Pe. e du" deeorrern. I

3.1. Distorfoes na seleCfQo e recuperafQO de informafQO estereotipica Urna das consequencias dos estereotipos e . u denos levarern a prestar mals aten~ao aos indl_ cios eonsistentes com as expectativas que deft. nern esses estereotipos do que a outros indfcios. Por exemplo, Cohen (1981) pediu a urn primeiro grupo de sujeitos que avaliassem a probabilidade de urna ernpregada de balcao ou uma bibliotecaria possufrern cada uma de 90 caraeterfs. tieas. Com base nas respostas destes sujeitos, a autora eonstruiu urn filrne de 20 rninutos que rnostrava urna con versa entre urna mulher e 0 rnarido, em que ela Ihe contava 0 que tinha feito durante 0 dia. No filme, a rnulher apresentava 0 mesrno nurnero de caraeterfsticas tfpicas de uma biblioteearia e de urna ernpregada de baldo. Urn segundo grupo de sujeitos devia, entao, ver o filrne. Mas, enquanto uns eram informados

CALCULO DO METACONTRASTE

MCRk=------~n~-------­

L m I= 1 IIk - Iii m-l

em que:

Ik = posi~iio do indivfduo k na dimensiio 0i posi~Oes dos membros de outras categorias na mesma dimensiio Ii = posi~Oes dos restantes membros da categoria de perten~a de I m total de membros da categoria de I n = total de membros da outra categoria

=

343

PRlNciPIO DO METACONTRASTE Como explicar, agora, a inclusao categOlial de Urn individuo? Irnaginemos que assistfamos a urn debate poll'co entre 10 pessons, e que, no fim do debate, ns posi~oes defendidas pOl' essas pessons podiam ser esquematizadlls t~(1undO a tahela apresentada abaixo. Provavelmente, no contexto da discussiio 0 metacontraste levar-nos-ia a inferir 5 u~ os participantes na disCLlssiio se organizam em dois grupos. A vista desarmada, estes grupos sao compostos, !spectivamente, pelas pessoas A,B,C, e D (os «pro») e F,G,H,I,J (os «anti»).

Z::> pr6

o Nazismo... 7. e urn crime hediondo 6. einaceitlivel 5. euma ditadura indesejavel 4. euma ideologia 3. nito IS for<;osamente mau 2. e bom dentro de certos Iimites 1. ea melhor solu<;iio

PESSOA

J GHI F

Z 0

Be A

Z::> anti

GRUPO MCR anti MCRpr6 MCRanti MCR pr6

anti anti anti ? pr6 pr6 pr6

-

---

1.00 2.40 4.00 2.86

3.68 7.20 2.08

----

--

-----

3.13 5.00 2.50

2.01 5.48 3.51

--

1.00

-

--

Os valores numericos correspondem as razoes de melacontrnste cnlcu)adas , segundo a f6rmuln dada acima, para cada membro. Podemos traduzir estes valores pelos seus grdus de perten~a ou de tipicalidade na categoria. As duas colunas mnis adireita correspondern aos valores obtidos se Z fosse incluldo na categoria «anti». Os valores das duas co)unas anteriores correspondem aos val ores obtidos se considerassemos que Z pertence Ii categoria «pro». Assim, por exemplo, pant a pessoa A 0 metacontmste. considerando Z como pertencente aos <<pr6-nazismo», corresponde a: MCRz

[(1 -5)+3(1 -6)+(1 -7)1]/5

= 2.86

[12(1 -2)+(1 -3)+(1-4)1] /4

Como se pode ver, independentemente da categoria em que incluirmos Z, os membros Bee, por urn lado, e G, H, e I, por outro, sao sempre os mais tfpicos dlls suns respectivas categorias. au seja, sao estes os que se encontram 0 mais proximos posslve) de todos os outros membros das suas categorias e 0 mais afastados posslvel dos membros da outra categorin. Provavelmente, se nos perguntassem em que acreditam, na sua generalidade, os membros dog grupos X e Y, generalizarfamos para as categOJ;as a partir destas posi~Oes prototipicas, e dirlamos que os primeiros acreditam que «0 nazismo e born dentro de certos Iimites», enquanto que os segundos acreditam que «0 nazismo e inaceitavel». Ou seja, assimilamos os membros de cada categoria aos seus respectivos prot6tipos. E em que grupo incJuirfamos Z? Vma vez que as duas categorias estivessem estahelecidas, a probabilidade de incluirmos urn novo membro numa delas viria da adequa~ao entre os seus atributos e 0 prot6tipo da categoria, tal como definido pelo metacontraste e, logicamente, tambem do seu contributo para a diferenci1l9iio categorial. Se inclufssemos Z na categoria «anti», isso contribuiria mais para a diferencia~ao entre as duas categorias (os seus prot6tipos corresponderiam a posi~Oes mws diferenciadas: 4.00 e 720) do que se 0 incJul.c;semos na categoria «pr6» (respectivamente 5.00 e 5 .48). o Contexto de categoriza~ao e a nossa tend!!ncia para construirmos perceptivamente uma c1areza cognitiva entre as categorias (cf. Oakes, Haslam & Turner, 1994; Turner etal., 1987) Jevar-nos-ia a considerarZ como Urn membro do grupo anti-nazi, mesmo se, ainda assim, 0 considerassemos relativamente atfpico do seu grupo.



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antes de que se tratava de uma bibliotecaria, os outros eram informados de que se tratava de uma empregada de baldio. 0 objectivo era saber, no fim do filme, de quais caracterfsticas se recordavam os sujeitos dos dois grupos. Os resultados mostraram que estes se recordavam melhor das caracterfsticas consistentes com 0 estereotipo que havia sido induzido a partida e, mesmo, que faziam confusoes de reconhecimento, afirmando ter visto caracterfsticas que, na realidade, nao tinham visto, mas que eram consistentes com aquele estereotipo. Ou seja, se estivermos a observar urn indivfduo que, antes, inclufmos numa categoria, poderemos, posteriormente, esquecer informa~oes inconsistentes com a categoria, ou mesmo nem sequer nos apercebermos dessas informa~oes. Pelo contrario, poderemos mesmo pensar que vimos caracterfsticas que, na realidade, nao vimos, mas que se adequam bern ao estereotipo. Noutro estudo classico, Snyder e Uranowitz (1978; ver tambem Snyder, 1981) apresentaram aos seus sujeitos urn relato sobre diferentes aspectos da vida de uma jovem, Betty K. Uma semana mais tarde, alguns sujeitos foram informados de que ajovem era lesbica, outros, de que era heterossexual, e outros ainda nao receberam qualquer informa~ao acerca das suas preferencias sexuais. Posteriormente, os sujeitos deviam recordar-se das atitudes da jovem em rela~ao aos pais, de informa~oes sobre as suas amizades e frequenta~oes, das suas atitudes em rela~ao a pessoas de ambos os sexos. Os sujeitos recordavam-se melhor de informa~oes consistentes com as cren~as estereotfpicas que Ihes tinham sido veiculadas. Rothbart, Evans e Fulero (1979) forneceram uma lista de 50 comportamentos aos seus sujeitos, de tal forma que cada comportamento era associado a urn membro de urn grupo. Esses comportamentos tinham sido, antes, classificados em 5 categorias: intelectuais (n 17); nao-

=

=

-intelectuais (n = 3); soliddrios (n 17)· n~ 'd" ( 3 ) I -soI1 arlOs n = ; sem re arao com Os ' Qo. . ( 10) 0 .. ante. nores n = . s sUJeltos estavam dividid l; Os · em duas con dI~oes, segund 0 a 'mlorma~ao recebiam acerca do grupo (grupo com obieq~e . I' . J Ct!. vos. mte ectualS, gr~po c.om obJectivos de soli. danedade). Para alem dISSO, os sujeitos for . d a d'IVI'd'd am I os em d uas outras condi~oes earn fun~ao do momenta em que recebiam a in~ rn ma~ao acerca dos objectivos do grupo (antes~- dos comportamentos, depois daa apresenta~ao apresenta~ao dos comportamentos). Os resulta_ dos mostraram que, tanto para 0 grupo «solida_ rio», como para 0 grupo «intelectual», os sujei_ tos se recordavam melhor dos tra~os consistentes com os objectivos do grupo do que de tra~os inconsistentes ou irrelevantes. Para alem disso os sujeitos que ja conheciam os objectivos d~ grupo, antes de terem recebido os tra~os, reeordavam melhor os tra~os consistentes e pior os tra~os inconsistentes com 0 grupo, do que os sujeitos que so eonheceram os objectivos do grupo depois de terem recebido os comportamentos. Este ultimo resultado demonstra que a distor~ao nao ocorreu na fase de recupera~ao. De facto, se fosse este 0 caso, tanto os sujeitos da condi~ao «antes» como os sujeitos da condi~ao «depois» mostrariam 0 mesmo numero de erros. Mas so os sujeitos da primeira condi~iio 0 fizeram. Ou seja, uma vez activada a etiqueta categorial, a informa~ao inconsistente ou irrelevante foi, de imediato, filtrada e, provavelmente, nem chegou a ser integrada na memoria.

3.2. Distorfoes eognitivas e «proeura de eoerencia» Os estudos referidos acima mostram que OS estere6tipos funcionam como mecanismos que auxiliam 0 tratamento de informa~ao, embora esse auxflio tenha urn pre~o: a selec~ao e 0 arrn aze -

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menta enviesados da informa~ao obtida. Mas a Il ditorqaes observadas no processamento de ~SfOr!11aqao sobre os grupos podem funeionar III rn objectivos bern definidos e, nomeadamente, CO • ,. d d rn objecUVOS proxlmos a procura e coerenC?a de que falava Tajfel (1969). Nos estudos que ~~screvemos de seguida, os sujeitos distorceram inforrna~ao sempre no sentido de preservar a ~iferencia~ao entre os grupos com que se identifica vam (endogrupo) e os grupos opostos (exogrtlpo). Howard e Rothbart (1980) dividiram os seus sujeitos em grupos mfnimos (Tajfel, Billig, Bundy & Flament, 1971; ver Amancio, neste volume), apresentando-lhes uma folha de papel cheia de pontos e pedindo-lhes que dessem uma estimativa do numero de pontos existentes no papel. Em seguida, os sujeitos foram divididos (sem 0 saberem, de forma totalmente aleatoria) em sobre-estimadores e sub-estimadores. Os sujeitos reeeberam, entao, uma lista de tra~os positivos e negativos, devendo atribuir estes tra~os ao endogrupo e ao exogrupo. Os resultados mostraram que, embora nao tivessem qualquer informa~ao objeetiva nesse sentido, os sujeitos atribufam mais tra~os positivos e menos tra~os negativos ao endogrupo do que ao exogrupo. Este fenomeno, que corresponde ao classico favoritismo em rela~ao ao endogrupo, revela uma tendencia, por parte do sujeitos, para organizarem a informa~iio de forma consistente com 0 valor que atribuem a urn estereotipo. Num outro estudo, com earacterfsticas semelhantes, Howard e Rothbart (1980) mostraram que os sujeitos se reeordavam melhor dos tra~os positivos do que negativos atribufdos ao endogrupo e melhor dos tra~os negativos do que positivos atribui'dos ao exogrupo. Wilder e eolegas conduziram uma serie de estudos demonstrativos de que 0 simples facto de categorizar os sujeitos em dois grupos os leva a esperar que as suas proprias cren~as sejam A

semelhantes as dos outros membros do endogrupo e diferentes das cren~as dos membros do exogrupo. Por exemplo, Wilder e Allen (1978) categorizaram os sujeitos em grupos mfnimos, supostamente com base nas suas preferencias artfsticas. Em seguida, os sujeitos responderam a urn questionario de atitudes e foram depois informados acerca das semelhan~as e diferen~as entre as suas proprias atitudes e as dos membros do endogrupo e do exogrupo. Quando Ihes foi pedido que ordenassem as suas preferencias pelas informa~6es recebidas, os sujeitos preferiram as informa~aes que os assemelhavam ao endogrupo e os diferenciavam do exogrupo (ver tam bern Wilder, 1981).

3.3. Codijieafiio dis toreida de informafiio Os estudos anteriores mostram que podemos ignorar ou esqueeer informa~ao de modo a que essa informa~ao nao ponha em causa as nossas expectativas estereotfpicas e a diferencia~ao entre categorias. Mas talvez exista uma forma ainda mais sofisticada de tratarmos essa informa~ao: a distor~ao interpretativa (ver Quadro V). Urn exemplo dos efeitos de distor~ao dos estereotipos na codifica~ao de informa~ao esta patente num estudo de Darley e Gross (1983). Estes autores mostraram que as expectativas estereotfpicas podem distorcer as avalia~oes dos comportamentos dos membros dos grupos estereotipados, mesmo quando esses comportamentos nao tern, objectivamente, nada aver com 0 estereotipo. Nesse estudo, os sujeitos viam urn pequeno filme que mostrava uma crian~a a desempenhar urn teste de inteligencia. Mas, enquanto alguns sujeitos eram informados de a crian~a provinha de urn estatuto social baixo, outros sujeitos eram informados de que 0 seu estatuto social era elevado. Quando Ihes



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DISTOR(::OES INTERPRETATIVAS BASEADAS EM ESTERE6TIPOS Competi~fio de velocidade entre um famoso ciclista espanhol (Jose Marquez) e urn famoso ciclista portugue (Dario Pais). Final da competi~ao com a vit6ria de Dario Pais. Dia seguinte. TItulo de A Ga:eta dos De~pol7os~ «Fantastica competi~iio Luso-Espanhola: Portugal em primeiro! Espanha em ultimo!» Tfnllo de La Gazeta de Ias. Deportes: «Fantastic a competici6n Hispano-Portuguesa: Espana en segundo! Portugal en penultimo!»

tiVarnente 69 por cento e 75 por cento, no caso pee ..., agred ido negro e de urn agredido branco. de UI" . eornportamentos conslstentes com 0 estereoAS · · · · en. 0 eram atn'bUl'd os a causas d ISposlclonals,

tiP

. anto que os comportamentos .mconslstentes 0

~~ a causas situacionais (ver tam bern Bodenhausen & Wyer, 1985; Sagar & Schofield, 1980). Note- se que estes estudos demonstram que os stereotipos funcionam como filtros ou princfe·os reinterpretativos de informa~oes inconsispi , ten tes . E verdade que outros estudos, geralmente nao no domfnio dos estereotipos, mostram, pelo co ntraDO, que a informa~ao inconsistente pode gerar viol a~oes de expectativas, por sua vez geradoras de surpresa, aten~ao, maior esfor~o de codifica~ao e, logo, melhor recupera~ao (ver Hastie, 1981, 1983). No entanto, estes ultimos estudos manipulam as expectativas dos sujeitos acerca de indivfduos isolados e/ou utilizam categorias artificiais que nao incluem 0 proprio sujeito (Hamilton & Sherman, 1994).

3.4. Estereotipos e ilusoes de correlariio foi pedido que avaliassem 0 desempenho da crian~a, os primeiros sujeitos consideraram-no inferior aos segundos, embora 0 desempenho fosse sempre 0 mesmo. Urn outro exemplo deste processo de distor~ao esta patente num estudo de Dienstbier (\ 972). Neste estudo, sujeitos de ra~a branca deviam assistir a uma entrevista atraves de urn monitor de televisao. Mas a imagem do entrevistado aparecia distorcida de modo a tomar irreconhecfveis as suas caracterfsticas ffsicas. Na apresenta~ao, os sujeitos eram inform ados de que se tratava de urn indivfduo de ra~a branca ou de ra~a negra. A entrevista prosseguia. No final, os sujeitos deviam indicar em que medida partilhavam as opinioes expressas pelo entrevistado. Quando pensavam tratar-se de urn branco, os sujeitos manifestavam urn acordo

significativamente superior com 0 entrevistado do que quando pensavam tratar-se de urn negro. Num outro estudo (Duncan, 1976), sujeitos brancos deviam assistir, atraves de urn monitor de vfdeo, a realiza~ao de uma tarefa por dois indivfduos. Segundo as condi~oes, tratava-se de dois brancos, de dois negros, ou de urn branco e de urn negro. No decurso da tarefa, urn dos dois agredia 0 outro. as sujeitos deviam indicar em que medida essa agressao tinha sido motivada por caracterfsticas disposicionais do agressor ou por caracterfsticas situacionais (Capftulo VII). Quando 0 agressor era branco, 13 por cento dos sujeitos e 17 por cento dos sujeitos interpr~­ taram a agressao como devida a causas dispOSIcionais, respectivamente no caso em que 0 agredido era branco ou era negro. Mas, quandO 0 agressor era negro, esse numero subiu para, reS-

Outra explica~ao da codifica~ao de inforestereotfpicas baseia-se na no~ao de cor-

ma~oes

rela~ao

ilusoria (Hamilton & Gifford, 1976). Uma correla~ao ilusoria ocorre quando temos a impressao de que dois acontecimentos (por exemplo pertenra a um grupo e ocorrencia de um traro) estao associados, embora na realidade nao 0 estejam. A que e devida esta ilusao? (ver Caixa). As ilusoes de correla~ao provem de uma interac~ao entre as caracterfsticas de certos estfmulos e os processos de tratamento de informa~ao que uti1izamos. No que diz respeito as caracterfsticas dos estfmulos, os estfmulos menos frequentes sao geralmente os que mais sobressaem do conjunto dos estfmulos a que estamos expostos (Hamilton & Gifford, 1976). No que respeita ao modo como tratamos a informa~ao, temos tendencia para negligenciar 0 caracter informativo das nao-ocorrencias (por exemplo, a ausencia de informa~ao sobre a percentagem de nao-ciganos com registo criminal), que sao ainda menos salientes, embora fundamentais para 0 estabelecimento de correla~oes (idem). au seja, para alem de negligenciarmos as nao-ocorrencias, discriminamos tambem melhor as ocorrencias pouco frequentes (ex istern menos portugueses ciganos do que portugueses nao-ciganos em Portugal, por exem-

ESTERE6TIPOS E ILUSAO DE CORRELA(::AO Recordemo-nos de que uma correla~ao positiva total entre dois fen6menos (<<ser portugues» e «ser hospitaleiro») implica que, sempre urn fen6meno esta presente (<


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plo). Estas ocorrencias tornam-se, assim, mais acesslveis a percep9ao e mais disponlveis em memoria quando recuperamos informa~ao sobre uma categoria (Hamilton, 1981). Aliadas a negligencia de nao-ocorrencias as sobrestima~oes de ocorrencias pouco frequentes produzem ilusoes de correla~ao. E posslvel que, tam bern no caso dos estereotipos estabele~amos correla~oes falsas entre os grupos e certas caracterfsticas. 0 raciocfnio seguido por Hamilton e colegas e 0 seguinte: Certos grupos fornecem-nos mais informaltoes do que outros, ou por serem real mente predominantes em termos numericos, ou por contactarmos mais frequentemente e em situa90es mais variadas com os seus membros. Outros grupos , numericamente inferiores ou que observamos com menos frequencia tornam-se, assim, mais discrimimiveis. Neste ultimo caso, todas as ocorrencias adquirem urn peso relativo superior ao das ocorrencias nos primeiros. Para alem disso, as normas sociais levam-nos a esperar encontrar comportamentos social mente desejaveis, mais do que comportamentos social mente indesejaveis. Esta expectativa torna qualquer comportamento ou caracterfstica negativos mais salientes aos nossos olhos. Assim, se nos apresentarem urn grupo que nao nos e familiar, e dentro desse grupo ocorrerem comportamentos ou caracterfstic as negativos, tenderemos a exagerar a ocorrencia desses comportamentos ou caracterfsticas no grupo . Num dos seus estudos, Hamilton e Gifford (1976) mostraram aos sujeitos 39 frases descritivas de comportamentos positivos ou negativos, referentes, cada uma, a uma pessoa identificada pela sua pertenlta a urn grupo A ou B. 0 grupo A (maioritario) era descrito por 26 comportamentos, dos quais 18 eram positivos e 8 eram negativos. 0 grupo B (minoritario) era descrito por 13 comportamentos, dos quais 9 eram positivos e 4 eram negativos. Como podemos veri-

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ficar, a propor~ao de tralt0s positivos e negaf , 1Vos dentro de cada grup? e sempre a.meSma (8/1 8::::: =419 = 0.44). Ou seJa, a correla9ao entre 0 gr A ou B e a ocorrencia de traltos POSitivoUPO s negativos e nula. No entanto, os resultados rn e traram que os sujeitos sobrestimaram a 0 Osd . COr_ rencla e comportamentos negatlvos no gru minoritario, confirmando, assim, a hipotese ~o correla9ao ilusoria. No segundo estudo l.r a • namilton e Gifford reproduziram estes resultados mas invertendo as propor9 0es de tra~os POsi~ tivos e negativos. Os sujeitos sobreavaIiararn a ocorrencia de tra~os positivos no grupo rnino_ ritario. No entanto, a correlaltao ilusoria corresponde a algo mais do que uma simples distorltao cognitiva, ja que nao ocorre de forma arbitniria quando os sujeitos fazem julgamentos acerca de grupos a que pertencem. Por exemplo, SchaUer e Maass (1989) categorizaram arbitrariamente os seus sujeitos em dois grupos. Outros sujeitos foram inclufdos numa condiltao de controlo em que nao eram categorizados. Em seguida. os sujeitos receberam informa9ao positiva e negativa acerca dos membros do endogrupo e do exogrupo, de tal modo que a correlaltao entre 0 grupo e a positividade da informaltao estava controlada. Os sujeitos deviam, posteriormente. julgar cada urn dos grupos no gera!. Os sujeitos avaliaram sempre 0 endogrupo mais positivamente do que 0 exogrupo. No entanto, ao desempenharem uma tare fa de reconhecimento das informaltoes que tinham recebido, os sujeitos mostraram recordar-se melhor da infonna~iio desfavoravel ao endogrupo do que os sujeitos da condi9ao de controlo. Aparentemente , ao avaliarem 0 seu proprio grupo, os sujeitos seleccionaram apenas a informa~ao conveniente para uma imagem positiva do grupo, embora tive:sem armazenado em memoria toda a infonna~ao (positiva e negativa) que )hes tinha sido fo~~­ cida. Este facto pode significar que. ao con trMlO A



que afirmam Hamilton e Gifford. a ilusao de dOrrela9ao nao depende exclusivamente da incacOcidade dos sujeitos para estabelecerem a verpsdeira correla~ao existente entre a positividade da a negatlV1 . 'dade da .mJorma~ao C • e os grupos aos OU · c • , 'd a. PI uais essa mJormaltao esta assocla e 0 meq[10. s quando a identidade dos sujeitos esta em susa (0 caso do endogrupo no estudo de Schaller c Maass), a ilusao de correla~ao pode correseonder mais a uma estrategia de salvaguarda de p idenU'dade poslliva . . d 0 que a uma mera uma i[lcapacidade cognitiva dos sujeitos (ver tamb6m Maass & Schaller, 1991). Eis, portanto. rnais uma ilustra~ao da «procura de coerencia» [lOS julgamentos estereotfpicos.

4. Organiza~~o cognitiva dos estereotipos em termos de «abstrac~oes» ou de «exemplares»

4.1. Organizariio abstracta e individualizada das crenras estereotipicas Debrucemo-nos agora sobre outra questao. Irnaginemos que estamos a passar ferias numa aldeia turfstica algarvia, e que, nesse dia, chega urn autocarro de turistas oriundos de urn pafs de que nunc a tfnhamos ouvido falar. Com 0 tempo, vamos observando 0 comportamento destes turistas, e e provavel que acabemos por construir algumas cren~as gerais sobre eles - urn estereOtipo. Mas esse estereotipo pode ser criado de ~ormas diferentes. Para Rothbart (1981), as IOforma~oes sobre os grupos sociais podem or~anizar-se - ou em termos de tralt0s de personaIdade ou em termos de pessoas. Isto depende, r-r um lado. da quanti dade de informa~6es receIdas, e, por outro, das oportunidades e da pro-

fundidade do tratamento dessas informa~oes. Imaginemos que vamos encontrando esses turistas vezes suficientes para os conseguirmos distinguir uns dos outros. Urn esta sempre a ler, outro esta sempre a beber cerveja, outro esta sempre a mergulhar na piscina. Se nos perguntarem 0 que pens amos destes turistas, e provavel que digamos que «uns gostam de ler. outros sao grandes apreciadores de cerveja, e outros gostam de dar mergulhos». Mas imaginemos que 0 autocarro chegou na vespera da nos sa partida e que nao tivemos tempo de distinguir os membros do grupo uns dos outros. Se nos perguntarem 0 que pensamos deles, e provavel que digamos que se trata de urn grupo de indivfduos que, «quando nao estao a ler, e porque estao a beber cerveja ou a mergulhar na piscina». Ou seja, enquanto no primeiro caso organizamos a informa~ao sobre 0 grupo em termos de pessoas, no segundo organizamo-la em termos de caracterfsticas ou atributos gerais do grupo. Enquanto, no primeiro caso, essa organiza~ao nos levara a ver os grupos em termos de subtipos (ver caixa da pagina seguinte), no segundo, tratar-se-a de urn unico estereotipo, mais geral e abstracto do que 0 primeiro. A nossa percep~ao do grupo sera, neste caso ... mais estereotipada! Este exemplo ilustra a ideia defendida por Rothbart (1981): uma maior familiaridade com os membros de urn grupo toma a informa~ao mais facilmente codificavel em termos individuais. Pelo contrario, uma menor familiaridade resulta na sua organiza~ao em termos de tralt0s abstractos. Este facto tern consequencias nos julgarnentos grupais. Se a informa~ao tiver sido processada de forma estereotipada, 0 julgamento do grupo dependera sobretudo da frequencia de apresentaltao de urn tra'to ao sujeito. Ou seja, urn sujeito que receba 0 tralt0 inteligente dez vezes e 0 tralt0 estupido uma vez, ten!. maior tendencia a considerar 0 grupo como inteligente do que como estupido, rnesrno se cada tra~o

t

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351

ORGANIZA<;AO DA INFORMA<;AO BASEADA EM TRA<;OS OU EM PESSOAS Para compreendermos as implica~oes do ponto de vista de Rothbart (1981) para a organiz~~~o da inform a~iio estereotipica na memoria, atentemos no quadro seguinte. Esse quadro represent a as caractenstlcas de polfticos. Pedimos ao leitor que fa~a de conta que e urn experimentador e que pe~a a dois sujeitos (S I e S2, ma~ mais Sujeitos seria melhor) que olhem para 0 quadro durante 30 segundos, e que, em seguida, se recordem das caracterfsticas qUe viram. Mas, para S I, tapando a coluna da esquerda, e, para S2, deixando a coluna da esquerda a descoberto e

82

.u. M. Luther King John F. Kennedy Sadam Hussein Adolf Hitler

81=>

Ling UmenTirkh

KhendoJ. Fenny

Husnie Massad

Harold Lifte

. ter~os de tra~os negativos e urn ter~o de dOISOS positivos (grupo negativo). Os sujeitos deu:a~ avaliar 0 grupo em geral e recordar-se dos "lOS apresentados. Os resultados mostraram tJ1Iy quando expostos a uma forte quantidade de que, . forrna~ao (64 tra~os associ ados a 64 pessoas), III sujeitos baseavam os seus julgamentos na freOS encia de apresenta~ao -d 'd os tra~os, In epen denqU . ""ente de estes estarem assoclados ou nao a tell' arios dos seus membros. Mas, se expostos a "ouca informa~ao, os sujeitos baseavam os seus P - na &.. ·u1gamentos sobre 0 grupo, nao uequencIa com Jque os tra~os eram apresentad os mas. Slm no lIumero de pessoas associadas a esses tra~os. Ou seja, quando tinham maior facilidade em processaT a informa~ao, os sujeitos organizavam-na em termOs individualizantes, mas quando 0 processamento de i nforma~ao implicava urn maior esforyo cognitivo, a informa~ao organizava-se em termos colectivos. Este estudo pode explicar, por exemplo, porque temos cren~as mais estereotipadas ou menos diferenciadas a proposito de grupos sobre os quais temos poucas oportunidades de tratamento de i nforma~ao ou urn conhecimento pouco profundo. Neste caso, a informa~ao sobre o grupo e codificada de forma abstracta, porque prestamos aten~ao a frequencia absoluta em detrimento da frequencia relativa das informa90es sobre os seus membros. A'

activista corajoso mulherengo sorridente sizudo agressivo fanatico militarista

pacifista idealista democrata firme tenaz inteligente arrogante mrstico

tapando a primeira linha. A nossa hip6tese e que S 1 dara uma impressao mais negativa dos politicos do que S2, e que S2 se recordani melhor das caracterfsticas do que Sl. S2 teve a possibiJidade de organizar a informa~ilo em termos da pessoa conhecida que corresponde a cada )jnha, e recordar-se-a dessa informa~ao com a ajuda heurlstica desses casos familiares. S 1, se nao for perito na resolu~ao de anagramas ou se nilo tiver feito alguma confusao com outros politicos, deparou-se, pelo contrario, com pessoas que nao Ihe sao familiares. Assim, 0 mais provavel e ter codificado a informa~ao em termos dos tra~os. Como existem mais tra~os negativos (9) do que positivos (7), a sua impressilo podeni ter sido mais negativa. Para alem disso, S2 pade subcategorizar os polfticos em duas classes (os democratas e os totalitarios), 0 que Ihe permite codificar a informa~ilo a luz deste novo criterio. Por sua vez, 0 encontro de atributos de valor contraditorio com a avalia~ao geral dos polfticos conhecidos (<
tiver side sempre associado com as mesmas duas pessoas. Pelo contnmo, se a informa~ao tiver side organizada de modo individualizado, o julgamento do grupo sera influenciado pelo mlmero de pessoas com quem 0 tra~o estiver associado, independentemente da frequencia com que essa associa~ao tiver side apresentada: urn tra~o apresentado dez vezes sempre associado com uma pessoa X e urn tra~o apresentado uma so vez associado com uma pessoa Y terao igual peso no estereotipo. Para testarem esta ideia, Rothbart, Fulero, Jensen, Howard e Birrell (1978) apresentaram

aos sujeitos tra~os positivos e negativos sobre membros de urn grupo ficticio (por exemplo, «Andre e generoso»; «Maria e trabalhadora»). Para metade dos sujeitos, cada tra~o estava sempre associado a uma pessoa diferente (exposi~ao unica). Para a outra metade, 0 mesmo tra~o aparecia varias vezes associado a mesma pessoa. Para alem disso, alguns sujeitos viam 64 tra~Os (carga de memoria forte), enquanto outros viam apenas 16 (carga de memoria fraca). Finalmente, alguns sujeitos viam cerca de dois ter~o~ de tra~os posi~ivos e urn ter~o de tra~?s negat1v~~ (grupo positivo), enquanto outros Viam cerca

I Cen:ro de RecursoB I

4.2. Percepfiio de variabilidade e familiaridade com os grupos estereotipados: homogeneidade relativa do exogrupo Urn aspecto importante do estudo descrito e demonstrar que podemos percepcionar urn gTupo como algo que admite urn determinado gr~u de variabilidade. Ou seja, urn estereotipo delxa de ser necessariamente uma representa~ao

una e abstracta, passando a poder ser visto como uma colec~ao de caracterfsticas de pessoas que pertencem ao grupo, mas que podem apresentar diferen~as entre si. Se acreditassemos, por exemplo, no estereotipo sociocultural e anedotico segundo 0 qual os «alentejanos sao calmos», nada nos impediria de acreditar ao mesmo tempo que existem alentejanos extremamente nervosos. E possfvel igualmente dizermos que os alentejanos sao «calm~s» por acreditarrnos que o sUbtipo dos alentejanos «calm~s» e 0 mais frequente (por exemplo, 40 por cento), mas que a soma das frequencias de alentejanos «hiperactivos» (30 por cento), de alentejanos «nervosos)) (+20 por cento), e de alentejanos «excitados)) (+10 por cento), seja maior (= 60 por cento) do que aquela. Assim, a variabilidade percepcionada num grupo depende, pelo menos em parte, da familiaridade que temos com os seus membros. Ou seja, da quantidade de informa~ao que nos transmitem os seus membros e da oportunidade de tratarmos essa informa~ao, da diferencia~ao interpessoal que ela traduz. Uma das consequencias da ausencia de familiaridade sao as distorfoes taxonomicas e as distorfoes situacionais (Quattrone, 1986). No caso dos exogrupos as informa~oes que reccbemos sao muito frequentemente relativas a urn tipo particular de membro e frequentemente numa situa~ao unica. Por exemplo, a nossa representa~ao dos norte-americanos e, muito provavelmente, determinada por urn tipo de membros des sa categoria: os actores de Hollywood que vemos nos filmes e series televisivas. Mas os norte-americanos nao se limitam provavelmente a esse tipo de pessoas e 0 tipo de pessoas que vemos nos filmes nao se comportam do mesmo modo em todas as situa~oes. Urn estudo de Quattrone e Jones (1980) ilustra bern esta ideia. Os sujeitos participavam num estudo sobre tomada de decisdo on de observavam urn vfdeo no qual urn estudante



352

participava noutro estudo sobre «biofeedback». Numa condi~ao, esse estudante escolhia esperar sozinho pela sua vez de ser submetido ao teste. Noutra condi~ao, escolhia esperar acompanhado de outros. Os sujeitos eram, entao, informados de que 100 outras pessoas tiveram que tomar uma decisao em condi~oes identicas a da pessoa mostrada no vIdeo. A sua tarefa era darem uma estimativa da percentagem dessas pessoas que teriam escolhido esperar sozinhas ou acompanhadas. Segundo as condi~oes, as 100 pessoas eram apresentadas como alunos da universidade dos sujeitos ou como membros de outra universidade. Os resultados mostraram que os sujeitos generalizavam mais a partir da decisao da pessoa-alvo quanto ela pertencia ao exogrupo do que quando pertencia ao endogrupo. Dito de outro modo, para os sujeitos, os membros do endogrupo eram mais diferentes uns dos outros (menos homogeneos) do que os membros do exogrupo·. Como se organizam, entao, mentalmente, as nossas cren~as acerca dos grupos sociais, de forma a admitirem estas percep~oes de variabilidade? E sobre esta questao que nos debru~are­ mos agora.

4.3. Perspectivas sobre a organizariio cognitiva dos estereotipos Se aplicarmos ao dom{nio dos estereotipos a proposta feita por Smith e Medin (1981; ver tambem Lingle, Altom & Medin, 1984), em rela~ao a generalidade das categorias cognitivas, poderemos ve-los segundo tres perspectivas distintas: classica, ou aristorelica, probabiUstica, ou protot(pica, e exemplar. Na perspectiva aristotelica, as categorias sao constru{das segundo urn principio de «tudo ou nada»: urn objecto que apresente todos os atributos definidores da categoria menos urn, ou todos esses atributos mais

353

urn, ja nao podera ser considerado como rn bro dessa categoria, e sera incJufdo noutra ell}. respeite os atributos apresentados. No dia_~!~e raramente seguimos os criterios fonnais p la critos pela perspectiva aristotelica. A invest~es. ~ao no domfnio dos estereotipos tern mOstr:da• · a categorias p 0 que estes correspond em malS babilfsticas ou exemplares. roo Na perspectiva probabilfstica, a perten~a uma categoria define-se atraves do nivel d: semelhan~a dos membros com uma Sfntese do atributos dos membros da categoria. Ou seja, nii~ existem atributos que definem de forma neces_ sana e suficiente a perten~a a urn grupo. As cate. gorias sociais sao conjuntos com contomos pouco definidos (fuzzy sets), cujos membros variam segundo 0 grau em que sao mais ou menos representativos do grupo. Por exemplo, uma pessoa vestida a sevilhana sera provavel. mente incJufda na categoria «espanhola», dado que a sua indumentana e tipicamente espanhola. Se a pessoa estiver a cantar 0 flamenco, a sua perten~a aquela categoria sera ainda mais provavel. Mas, se a pessoa estivesse a cantar 0 fado, apresentaria caracteristicas tipicas de duas categorias contrastantes (espanhola e portuguesa), e seria vista como urn membro at(pico da categoria da qual urn dos atributos fosse 0 mais t{pico. Na perspectiva exemplar, uma categoria cognitiva pode ser representada nao so em termos de atributos gerais e abstractos, comuns a todos ou a alguns membros da categoria, como tambem em termos de informa~6es individualizadas (exemplares) acerca dos seus membros. Quando evocamos uma categoria (por exemplo cowboys) e frequente recordarmo-nos nao so de certos atributos tipicos dessa categoria (<
pe forma mais esquematica, poderemos reresentar as tres perspectivas na figura abaixo or uma questao de simplicidade, utilizamos !tegorias naturais como exemplo). Na parte inferior do esquema, podemos ver a que corresonderiam as representa~oes das categorias ~Ave», «Mamffero» e «Peixe» segundo as tres perspectivas: na optic a aristotelica, todos os membros da categoria tern 0 mesmo estatuto, ja que OS atributos que os definem sao apenas aqueles que, por defini~ao, sao partilhados por todos OS membros da categoria (urn objecto que nao apresente um desses atributos, nao podera fazer parte da categoria); na optica probabilfstica, certOS membros sao mais membros da categoria (por exemplo, cao, pardal, ou truta) do que outros (por exemplo, morcego, pinguim, ou peixe-voador), porque apresentam atributos forte e excJusivamente associados a categoria (atributos prototipicos, ou com urn forte valor diagnostico; ver Quadro VIn), enquanto os outros apresentam atributos comuns com outras categorias (atributos atipicos); na optica exemplar, estao representados os membros e/ou os grupos de atributos que, no momenta em que desenhamos 0 esquema, nos eram mais acessiveis em memoria. Recordamo-nos, por exemplo, de que os marniferos «bebem leite», e de que «Silvestre» (para aJem de ser urn desenho animado) e urn mamifero.

r

4.3.1 Organizariio probabilfstica dos estereotipos: a diagnosticidade dos atributos categoriais Foi Rosch (1978) quem deu maior relevo a perspectiva probabilfstica. Esta autora argumenlou no senti do de que as categorias se organizam D~ mente, nao como conjuntos de atributos defiDldores, com fronteiras bern definidas, mas sim ~m lermos dos seus elementos mais representalivos. Segundo Rosch, as categorias cognitivas

organizam-se de acordo com uma dimensao horizontal e uma dimensao vertical. A dimensao horizontal corresponde a segmenta~ao das categorias existentes a urn mesmo nivel de abstrac~ao (por exempl0, os espanhois, os portugueses). A dimensao vertical refere-se a taxonomia hierarquica e inc1usiva dos diferentes niveis de abstrac~ao das categorias (por exemplo, os ibericos dividem-se em espanhois, e portugueses; os portugueses dividem-se em lisboetas, beiroes, alentejanos, etc.). A no~ao central do modelo de Rosch e a de diagnosticidade (cue-validity), que corresponde ao principio essencial da organiza~ao categorial, tanto na dimensao vertical como na horizontal (Rosch, Mervis, Gray, Johnson & Boyes-Brahem, 1976). A diagnosticidade esta ligada a saliencia perceptiva (no caso de categorias directamente baseadas na percep~ao, como por exemplo, as cores) e a acessibilidade cognitiva (no caso de categorias mais abstractas). Para estas ultimas (as que correspondem mais directamente aos estereotipos), podemos definir a diagnosticidade da forma seguinte: ... A diagnosticidade de urn indlcio x como preditor de uma categoria Y (a probabilidade condicional de Y/x) aumenta com a frequencia de associa\=lio entre x eYe diminui na razlio directa da frequencia de associa\=ii , de x com outras categorias alternativas (Rosch, 1978, p. 30) (ver caixas da p. 23) .

Assim, as categorias sao definidas pelos seus atributos mais diagnosticos, e os membros prototipicos de uma categoria serao aqueles cuja soma dos val ores de diagnosticidade dos seus atributos e a mais elevada. Os restantes organizar-se-ao ao longo de urn continuum de tipicalidade, de tal modo que, alguns (lembremo-nos do ornitorrinco) poderao mesmo encontrar-se mais proximos de uma categoria contrastante do que da sua propria categoria. Assim, na percep~ao social, a perten~a a uma categoria decide-se atraves da compara~ao entre os atri-

t

355

354

DIAGNOSTICIDADE DOS ATRIBUTOS DE UMA CATEGORIA

TIPOS DE REPRESENTA(,:OES COGNITIVAS Perspectivas Aristotelica, Probabilistica e Exemplar das Categorias Cognitivas:

nao

rcpresentac;;ao unitaria?

silll

nun

REPRESENT M;'AO EXEMPLAR

(maginemos que todos os membros da categoria skins (a categoria Y) apresentam a ca~a rapada (o indrcio x) "estem calc;;as de ganga. Provavelmente, se virmos urn indivrduo de cabec;;a rapada, 0 valor diagn6stico deste indrC levar-nos-a imediatamente a considerar que ele tem uma forte probabilidade de ser um skill. No entanto, se viriO C oS Joao de calc;;as de ganga, este indfcio esta frequentemente associado a outras calegorias (radicais, metcilicos, :tinhos , etc.). A fraca diagnosticidade deste indicio nao permite incluir Joao em nenhuma categoria. De modo muito semelhante ao principio do metacontraste (alias, explicitamente inspirado na abordagem de Rosch), podemos forlI1 a1izar a diagnosticidade da forma seguinte (Rosch, 1978): P(Fi/Xj)

REPRESENTAC;:AO PROBAB n..iSTlCA

REPRESENTA~AO

ARISTOTELICA

P(Fi/Xj)+P(FiIXk) em que: P

Exemplo de representaQoes aristotelica, probabilistica e exemplar das categorias Ave, Mamifero e Peixe ARISTOTELICA

F Xj

PROBABILisTICA

ANIMAlS avestruz camirio pardal pinguim

baleia clio gollinho morcego

Xk carapau pescada sal mao truta

hOl1lcirw.. inlcrcnlcgorinis impcrmcavcis. Alrihlll()~ ncccssurio~ c su lkiclllcs.

EXEMPLAR ANIMAlS

MamrfOro

Al' avcslruz asas voar

PiuPiu

cao

prot6tipo.

PC~'\C I

Silvestre pelos cscamas pcscada pcixc-voador Moby Dick leite nadar salmiio

butos presentes no membro a categorizar e os atributos com maior diagnosticidade na categoria. Ao conjunto destes atributos cham amos 0 prototipo da categoria. Segundo Rosch (1978), urn dos princfpios basicos da organizar;ao categoria) e a economia cognitiva. A organizar;ao de informar;ao acerca das categorias cognitivas e feita de modo a que

os atributos se encontram sempre ao maior nlve) de generalidade possivel. Por exemplo, se a categoria fosse ave, nao seria economico que 0 atributo «respirar» estivesse directamente ass ociado a essa categoria. Ja que «respirar» e u~ atributo comum a todos os seres vivos, sertS mais economlCO armazena-Io no nivel supra-ordenado seres vivos. Este facto tern duas

implicar;oes importantes: uma categoria que exista a urn nivel de generalidade muito elevado (por exemplo seres vivos), tera muito poucos stributos prototipicos, ja que estes devem adequar-se igualmente a muitas categorias subordinadas diferentes; urna categoria que exista a urn neve) de generalidade rnuito baixo teni urn grande mlmero de atributos prototipicos, ja que estes devem distinguir os membros desta categoria dos membros de todas as outras categorias existentes no mesrno nivel de generalidade. Por aqui se ve que certos niveis de abstracr;ao satisfazem melhor 0 principio da economia cognitiva do que outros. Imaginemos que alguem nos diz a proposito de uma pessoa, que ela «toca urn instrumento musical». Esta categoria e extremamente abstracta, e tanto pode significar

= =

= =

probabilidade indfcio I categoria-alvo j categoria contrastante k

que a pessoa toca ferrinhos, como harpa, ou gaita-de-foles. Irnaginernos, pelo contrano, que nos dizem que essa pessoa toca «stratocaster modele American Standard». Esta categoria e tao especffica que acaba por exigir urn esforr;o cognitivo desmesurado para que del a retiremos alguma informar;ao. Mas se nos disserem que a pessoa toca guitarra electrica, possivelJ lente, trata-se de uma categorizar;ao que se situa a urn nivel de generalidade que assegura a melhor relar;ao entre 0 esforr;o cognitivo despendido e a informar;ao que dela podemos inferir. Trata-se daquilo que Rosch designou como uma categoria de n{vel bdsico, ou seja, que e, simultaneamente, a rnais inc1usiva possivel e aquela para a qual podemos formar uma imagem concreta, e (des)codificavel com 0 menor esforr;o I. Prova-

I E evidente que 0 nivel blisico pode variar de uma pessoa para outra. Por exemplo, para um musico de rock (peri to ern guitarras), a categoria "stratocaster modele American Standard" eo nivel basico, e a calegoria guitarra correspondera 80 que, para 0 leigo, e 0 instrumento musical (0 nivel supra-ordenado). Para 0 musico, as categorias subordinadas terao a Ver ja com a marca dos «pick-ups», com a madeira do bra~o, com a altura da ponte, com 0 calibre das cordas, etc.



356

velmente, os estereotipos que utilizamos no dia-a-dia correspondem a categorias de nfvel basico (Rothbart, 1981), mas esse nfvel basico depende do nfvel de conhecimento que temos sobre 0 grupo estereotipado.

4.3.2. Metodologias de obtenriio de prototipos grupais e suas implicap3es Na perspectiva probabilfstiea, para obtermos urn estereotipo podemos pedir aos sujeitos que desempenham tarefas de associa'tiio livre (por exemplo, «Quando pensa nos Marcianos, quais as primeiras caracterfsticas que Ihe ocorrem?»). Trata-se de uma metodologia que nos obriga a pressupor (sem no en tanto 0 observarmos directamente) que os sujeitos dizem: (I) em primeiro lugar, as caracterfsticas que Ihes sao mais acessfveis em memoria; (2) apenas as caracterfstieas que apresentam uma forte diagnosticidade para 0 grupo-estfmulo. No entanto, esta metodologia e heurfstica porque nos permite obter tra'tos estereotfpicos evocados livremente pelos sujeitos. Apos obtermos os tra'tos livremente associados ao grupo, podemos, por exemplo, pedir aos sujeitos que avaliem a tipicalidade de cada urn dos tra'tos para esse grupo (por exemplo, «em que medida ser hospitaleiro e uma caracterfstiea tfpica dos portugueses?»; I = nada tfpico a 7 = muito tfpieo) . Podemos, para alem disso, obter medidas de prototipiealidade dos membros de urn grupo, perguntando, por exemplo, aos sujeitos, «em que medida fulano e urn born exemplo, ou e representativo, do grupo x» (I =nada representativo; 7 =muito representativo) . Uma operacionaliza'tao aparentada a associa'tao livre e a utiliza'tao de medidas inspiradas na no'tao de family resemblances (Rosch & Mervis, 1975). Pedimos aos sujeitos que enu-

merem livremente listas de caracterfsticas , . dos mem bros de vanos grupos e, em seguida ' . ' Pan_ deramos essas caractenstlcas segundo a (sua . _ repartl'tao entre esses grupos ver caixa pag. seguinte). na A utiliza'tao das operacionaliza'toes descrit acima revelou que os membros de um gru as que apresentam mais tra'tos diagnosticos s~ mais facilmente detectaveis do que OUt ao ros que apresentam menos desses atributos 0 ' ' u que apresentam tam bem atn'b utos atfpicos Tambem nas tarefas de categoriza<;ao os tempo~ de reac'tao para os membros mais t(picos sao inferiores aos dos membros menos tfpicos (Stephan, 1985; Fiske e Taylor, 1991; Hamilton e Sherman,1994). Outra operacionaliza<;ao da prototipica_ lidade e 0 metoda da raziio diagnostica, de McCauleye Stitt (1978). Na logiea da perspectiva probabilfstica, este metoda pressupoe que a estereotipia de urn tra<;o nao e dicotomica (sim ou nao), mas, antes, que se traduz numa questao de grau, ou numa probabilidade condicional. Assim, a probabilidade condicional de urn tra~o X (generosidade) num grupo Y (portugueses) seria, do ponto de vista do detentor do estereotipo: P(x)A P(x) em que: Frequencia do tra~o X nos membros do

P(x)A

grupo A. P(x)

=

Frequencia do

tra~o

X em todos os gru·

pos conhecidos ou num outro grupo comparativo.

Os sujeitos devem indicar, para cada caracterfstica, a percentagem de membros do grupo e, ao mesmo tempo, a percentagem de membros de outro grupo, ou de pessoas em geral, que a apresenta tambem. Uma caracterfstica sera tanto

357

«SEMELHAN<;AS FAMILIARES» Suponhamos 0 caso de tres estudantes de arquitectura: Andre e consciencioso e gosta de Matematica e de Arte: Xavier gosta de Arte. de pintar e de Desporto; Pedro gosta de Arte, de pintar, e consciencioso.

e

gostar de Arte gostar de Matenllitica ser consciencioso gostar de Desporto gostar de pintar

Andre

Xavier

Pedro

Total

sim sim sim sim sim

sim

sim

3

sim

2

sim

2

Se dermos urn ponto a cada atributo de cada vez que urn membro do grupo 0 apresenta. observamos que gostar de arle e0 mais prototfpico, com urn peso de 3. Pintar e ser conciencioso tern peso 2. Gostar de matemcitica e gostar de despor/O sao atributos de peso I. Se somarmos estes pesos, para cada pessoa, obtemos os seus respectivos valores de 'family resemblance". No nosso exemplo. e Pedro que tern uma maior "family resemblance" (3+2+2=7) 5endo. por isso, 0 membro mail! tfpico do grupo. Em seguida, vern Andre e Xavier, cada urn com 6 (=3+1+2). Teoricamente, se pedfssemos uma avalia~ao de Pedro, Andre e Xavier numa escala de tipicalidade, os sujeitos deveriam dar uma maior pontua~ao a Pedro (Fehr e Russell. 1991; Hamilton e Sherman, 1994).

mais diagnostic a de urn grupo quanta maior for a diferen'ta entre a sua probabilidade de ocorrencia nos membros desse grupo e a sua probabilidade de ocorrencia em todos os grupos que funcionam como objecto de compara~ao. Ou seja, aplicando a formula da razao diagnostica, quanto maior que 1 for 0 resultado, mais a caracterfstica sera exclusiva da representa'tao do grupo. 0 inverso ocorre quando a razao e inferior a 1. Por exemplo, 0 tra~o «expressividade» poderia discriminar significativamente entre os dois sexos se 43 por cento das mulheres e 21 por cento dos homens fossem percepcionados como possuindo este tra~o. Supondo que os sujeitos acreditavam que as categorias feminina e masoulina correspondem, cada uma, a 50 por cento da humanidade, isto significaria que 32 por cento dos humanos sao expressivos. A razao diagnostica de McCauley e Stitt seria de 1,34 para as mulhe~ (43/32) e de 0,65 para os homens (21132). tes resultados indicariam que a expressivi-

dade e mais tfpica do estereotipo feminino do que do estereotipo masculino (ver tambem Stroebe e Insko, 1989). Note-se que estas metodologias nao sao necessariamente altemativas. A razao diagnostica e a avalia'tao de tipicalidade podem ser utilizadas, por exemplo, com os tra<;os recolhidos atraves da associa'tao livre. Para alem disso, alguns estudos sobre os estereotipos nacionais (Stroebe e Insko, 1989) mostram que a associa'tao livre apresenta uma forte correla<;ao com as respostas obtidas atraves das avalia<;oes de tipicaJidade (ver tambem Fehr, 1988; Fehr e Russell, 1991; Paez e Vergara, 1992). Por outras palavras, a frequencia de evoca~ao de urn atributo num grupo e a avalia<;ao independente da sua tipicalidade no grupo devem concordar. No mesmo sentido, pode comprovar-se a existencia de uma forte correla'tao entre os julgamentos de tipicalidade e a facilidade de recupera'tao de tra<;os estereotfpicos (Fiske e Taylor, 1991).

, 359

358

4.3.3 Diagnosticidade, organizarao hiertirquica e mudanra de estereotipos A organiza<;ao hienirquica dos estereotipos tern implica<;oes para a mudan<;a dos seus conteudos. Os membros tipicos de urn grupo sao os mais facilmente reconhecidos, mais facilmente recuperados em memoria quando 0 grupo e evocado, e tambem aqueles que evocam mais fortemente as atitudes e afectos associ ados ao grupo (Stephan, 1985). Pela mesma logica, tambem as atitudes e cren<;as em rela
desses processos baseia-se num processo d conversao mais ou menos aleatorio e impUI~ sivo. Segundo Rothbart (1981), operar-se_i , . aill mudan<;as nos nossos estereotipos se fos sem • • _I' Os confrontados com lfilorma<;ao lortemente Co ntraditoria com esses estereotipos, ou com aco tecimentos dramatic os associados a eles (pn'. Or exemplo, 0 caso de urn poIltiCO corrupto mem_ bro de urn partido com que simpatizamos podera levar-nos a simpatizar menos com a generali_ dade dos membros desse partido). Assirn segundo este modelo, 0 mais eficaz para mUd~ urn estereotipo (os membros do partido X sao cinzentoes) seria confrontarmos os individuos com informa<;ao forte mente contraditoria concentrada num numero restrito de membros Hpicos do grupo (A trepando coqueiros, B fazendo desportos radicais, C de bermudas e blusa as riscas).O segundo modelo estabelece uma analogia entre 0 possuidor de urn estereotipo e urn contabilista, e implica uma altera<;ao progressiva dos tra
rn o excep<;oes a regra geral e permitem-nos cOnservar 0 estereotipo inicial (Hewstone, 1994). oCOirnportante, neste caso, seria, por urn lado, que informa
tempo, fortemente tipicos da categoria noutras caracteristicas importantes. Outros estudos demonstraram que a estereotipia dos julgamentos acerca da categoria em geral pode decrescer mais quando a informa<;ao contraditoria com 0 estereotipo e concentrada num so membro do que dispersa atraves de varios membros do grupo (Gurwitz & Topol, 1978). Mas a maioria da investiga
4.3.4. Prototipos e perceproes de variabilidade nos grupos As vezes, os jomais televisivos mostram-nos a imagem de uma rua de Lisboa, as tres da tarde, como ilustra<;ao do texto, «neste fim-de-semana, os portugueses sairam a rua». Mas podem existir pessoas para quem a representa


361

360

desse grupo e menos informativos os seus nlV . Brewer, Dull e Lui (1981) conduziram urn elS . supra-ordenados. Para mUitos norte-american ao estudo demonstrativo de como esta concep9 , Os por exempl0. urn europeu e urn europeu, venh~ permite dar conta da percep9ao de variabilidade ele da Serra da Estrela ou dos montes Urales nos grupos. Na primeira fase desse estudo. os Para muitos portugueses, pelo contrcirio, eXist~ sujeitos deviam executar uma tarefa de triagem uma diferen9a abissal entre urn natural da serra de fotografias de pessoas idosas na base das suas da Gardunha e urn natural da Serra da Estrela «semelhan9as de personalidade». A ideia era a Outra forma de percep9 ao de diversidad~ de que os agrupamentos de fotografias construfcompatfvel com a organiza9ao prototfpica COr. dos pelos sujeitos corresponderiam a categorias responde a prevalencia relativa dos atributos es. subordinadas (subtipos) da categoria mais geral tereotfpicos e contra-estereotfpicos num grupo. das «pessoas idosas». Os resultados mostraram, Se, por exemplo, pedirmos aos sujeitos que inde facto, urn forte consenso entre os sujeitos em diquem a percentagem de membros de um grupo tomo de tres sUbtipos: homem de estado idoso. que apresentam urn atributo estereotfpico (por anciiio. e avo. Urn segundo grupo de sujeitos exemplo, a percentagem de mulheres emotivas) recebeu seis conjuntos de tres fotografias, que, e que apresentam urn atributo contra-estereotf_ para alguns deles. pertenciam a urn mesmo subpico (a percentagem de mulheres racionais), tipo, e, para outros, a subtipos diferentes. quanto maior for a diferen~a entre estas percenA tarefa. desta vez, consistia em avaliar, numa tagens maior sera a homogeneidade percepciolista de adjectivos, quais eram os tra90s comuns nada no grupo (Hamilton & Sherman, 1994). Por as tres fotografias recebidas . Brewer e cole gas exemplo. Park e Rothbart (1982) pediram a suconvencionaram que os tra90s estereotfpicos jeitos dos dois sexos que dessem estimativas das seriam todos os que fossem considerados, por percentagens de pessoas de ambos os sexos que pelo menos, 50 por cento dos sujeitos, como adoptam atitudes estereotfpicas ou contra-estereopartilhados pelas tres pessoas. Os resultados tfpicas ern rela~ao as suas respectivas categorias apoiaram 0 modelo da organiza9ao categorial sexuais. Calculando a diferen9a entre a percentataxonomic a de Rosch. De facto, quando os gem estereotfpica e a percentagem contra-estesujeitos recebiam tres fotografias pertencentes ao reotfpica atribufda a cada uma das categorias, mesmo subtipo (tal como havia sido definido Park e Rothbart observaram que os rapazes conpelos sujeitos da prime ira fase do estudo), 0 consideram que existe uma maior percentagem de sen so relativamente aos tra90s das pessoas-alvo membros do sexo masculino que adopta comera maior. e os tra90s de cada subtipo distinportamentos e atitudes proprios do estereotipo guiam-se mais dos outros subtipos (eram mais feminino do que as raparigas. Inversamente, as diagnosticos) do que quando os sujeitos receraparigas julgam existir uma maior percentagem biam fotografias pertencentes cada uma a urn de raparigas que adoptam comportamentos OU subtipo diferente. Neste caso existia urn mlmero atitudes tipicamente masculinos do que os rapareduzido de tra90s consensuais. Outros estudos zes. Ambos os grupos de sujeitos consideraraIll demonstraram que os estereotipos raciais (por as suas respectivas categorias como mais heteroexemplo. Devine & Baker, 1991) e sexuais geneas do que as categorias opostas. . 'li(Deaux, Winton. Crowley & Lewis, 1985) se Uma outra forma de perceP9ao de van~b~ podem organizar em diferentes nfveis hienirdade compatfvel com a organiza9ao protoUplca quicos. Quanto maior for 0 nosso conhecimento e a perceP9ao das posi90es ocupadas pelos memde urn grupo, mais informativos os subtipos

OS de urn grupo numa dimensao (por exemplo, bfastador-poupado»). Se, do ponto de vista do «g bservador. todos os membros do grupo ocupaso ,.,., a mesma posi9ao ao longo do atributo seJ" (por exemplo, todos os membros do grupo sao «(Iloderadamente gastadores»), isso traduziria u(lla perceP9 ao de maior homogeneidade do que se oS considerasse c~mo relativamente dispersos aO longo desse atnbuto (por exemplo, entre «(Iluito gastadores» e «moderadamente gastadores»), Noutro dos seus estudos, Quattrone e Jones (1980) pediram a estudantes de duas universidades que avaliassem os estudantes das suas respectivas universidades e os estudantes da outra universidade ern 10 dimensoes cujos polos correspondiam aos dois grupos (Universidade de Princeton vs. Universidade de Rutgers). A tarefa dos sujeitos era indicar, para cada dimensao onde se situavam, ern media, os estudantes de cada universidade. Quanto mais essas avalia90es tendessem para urn dos polos, mais as percep90es seriam estereotipadas. Os resultados mostraram que a posi9ao media atribuida ao exogrupo, tanto pelos estudantes de uma universidade como pel os da outra, era mais extrema do que a posi9ao media atribufda ao endogrupo. Ou seja, 0 endogrupo era percepcionado como mais disperso em torno da sua posi9ao prototfpica do que 0 exogrupo. Jones, Wood e Quattrone (1981) pediram aos sujeitos que indicassem, para 0 endogrupo e para tres exogrupos, quais eram os dois nfveis de uma escala que inc1uiam pelo menos 50 por cento dos seus membros, e os dois niveis da mesrna escala que inc1ufam os 100 por cento totais dos membros desses grupos. Uma maior distancia entre os dois nfveis marcados pelos SUjeitos, tanto para os 50 por cento como para os 100 por cento, traduziria uma perceP9ao mais heterogenea do grupo. Os resultados mostraram, de facto, que essas distancias eram maiores no caso do endogrupo do que no caso dos tres exo&Tupos.

Mas podemos conceber a percep9ao de variabilidade num grupo de forma ainda mais consentanea com a logica subjacente a organiza~ao prototfpica dos estereotipos. De facto, e possfvel inc1uir urn atributo diversidade numa categoria corn urn estatuto identico ao de todos os seus outros atributos. Por exernplo, podemos dizer que os portugueses sao tipicamente hospitaleiros, extrovertidos, desenrascados e tipicamente diferentes uns dos outros. Este atributo possuiria exactamente 0 mesmo estatuto do que qualquer urn dos anteriores e traduziria a nossa percep9ao da diferencia9ao intracategorial (Hamilton & Sherman, 1994; Park & Hastie, 1987; ver abaixo). Noutro dos seus estudos, Quattrone e Jones (1980) pediram aos sujeitos que respondessem a urn questionario de atitudes polfticas. Os sujeitos foram, entao, c1assificados ern tres grupos: esquerda, centro e direita. No meio da escala de atitudes, os sujeitos encontravam uma questao ern que deviam indicar a semelhan9a que existe, ern geral, entre as pessoas de esquerda e entre as pessoas de direita. Os resultados mostraram uma correla9ao significativa entre as atitudes politicas dos sujeitos e a resposta a esta questao. Quanto mais os sujeitos eram de esquerda, mais consideravam as pessoas de esquerda como diferentes umas das outras e as pessoas de direita como semelhantes umas as outras. No caso dos sujeitos de direita passou-se exactamente 0 inverso.

4.4. Organizafiio exemplar dos estereotipos A perspectiva exemplar sobre a organiza9ao cognitiva dos estereotipos parte da ideia de que a experiencia directa corn os membros de urn grupo gera urn arrnazenamento dessa informa9ao em memoria sob a forma de exemplares individualizados da categoria (ver Devos, Comby &

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Deschamps, 1995). a resultado e que a activa~lio de uma etiqueta categorial gera uma meIhor recupera~lio de certos membros do grupo (por exemplo, falam-nos de romanos e recordamo-nos de Julio Cesar). A partir desse momento, os atributos desses membros (imperador, estratega, politico, etc .) passam a funcionar como se fossem os atributos representativos da categoria, nlio por serem prototfpicos, mas sim porque estlio associados aos membros que foram recuperados. Isto implica uma grande plasticidade das categorias cognitivas, quer em termos dos seus conteudos, quer em termos de percep~oes de variabilidade: se, por exemplo, em vez de «Cesar» o exemplar activado fosse «Nero», a categoria seria definida pelos atributos deste ultimo: imperador. decadente. man(aco. piromano , etc.; se, por outro lado, recuperarmos «Cesar» e «Nero», a representa~lio do grupo sera tlio diferenciada quanta 0 forem os atributos desses dois exemplares (imperador. estratega. piromano. decadente. politico, etc.). A primeira vista, existe, portanto, uma diferen~a substancial entre as perspectivas probabilfstica e exemplar no que diz respeito ao conteudo, a estabilidade e a percep~lio de variabilidade interna dos estereotipos. No caso das representa~oes probabilfsticas os conteudos slio estaveis, ja que provem de urn armazenamento sistematico e a longo prazo de informa~lio que vai sendo codificada ate nos fornecer uma imagem abstracta mas estavel da categoria. Em princfpio, a representa~lio de uma categoria modificar-se-ia pouco de urn momenta para outro (ver acima) . Ja no caso da perspectiva exemplar, 0 conteudo e instavel e depende dos exemplares activados no momenta da evoca~lio da categoria. Para utilizarmos uma dicotomia proposta por Smith (1978), no primeiro caso, 0 conteudo e a percep~lio de variabilidade de urn estereotipo slio informa~oes pre-armazenadas em memoria (prestorage). No segundo caso, slio 0 resultado

de uma opera~lio cognitiva efectuada no mom . - d . ( . ento d a actlva~ao a categona computing) .

4.4.l Dois modelos da organizariio dos estereotipos em termos de exemplares Dois modelos ilustrativos desta ultima per _ pectiva slio os de Linville, Fisher e Salov:y (1989) - 0 modelo Pdist - e de Kashima e Kashima (1993) - 0 modelo da prediriio dua[{s_ tica (dual predictor model) . Segundo Linville e colegas (1989), urn estereotipo corresponde inicialmente, e na maioria dos casos, a uma representa~lio abstracta e homogenea que nos e transmitida socialmente. Consequentemente, esperamos que urn novo membro apresente as caracterfsticas estereotfpicas desse grupo. Mas a medida que vamos obtendo informa~lio acerca de novos membros, encontramos alguns que nlio correspondem as expectativas. Estes membros terlio urn maior impacto na representa~lio da categoria devido ao seu caracter «surpreendente». Quando nos pedem que julguemos 0 grupo, slio estes exemplares que tern uma maior probabilidade de serem recuperados. Se tivermos maior familiaridade com urn grupo, a probabilidade de conhecermos membros «surpreendentes» sera tambem maior, os atributos recuperados serao, por seu lado, mais diferenciados, e consideraremos a categoria como intemamente mais variavel. Se, pelo contrano, a categoria for pouco familiar, evocaremos apenas as nossas cren~as sobre os atributos (homogeneos) da categoria, e considera-Ia-emos como menos variavel. au seja, a percep~lio de diversidade de uma categoria dependera fundamentalmente do mimero de exemplares conhecidos e do seu afa~­ tamento em relariio a media ou a moda estat~S­ 1a tica da categoria. Este processo traduzir-se- , segundo Linville e colegas, em tres medidas

racionais . Se pedirmos aos sujeitos que fa~am opea estimativa da distribui~lio dos membros de ortl gfIlpo ao longo de uma dimenslio, os efeitos ortl familiaridade com esse grupo traduzir-se-lio da termOs da probabilidade de diferencia~lio e;d), da variabilid~de. (V~r~, e da te~dencia. cen~ (M) dessa dlstnbU1~ao. A dlferencla~lio rresponde a probabilidade de quaisquer dos CO . embros escolh.d 1 os ao acaso ocuparem posl~oes :ferentes ao longo da dimenslio. A variabilidade corresponde a disperslio dos membros da categoria nessa dimensao. Finalmente, a tendencia central refere-se ao nfvel medio da categoria, tendo ern conta as diferentes posi~oes dos seus membros sobre 0 atributo considerado. Em quatro estudos e uma simula~lio por computador, Linville et al. (1989) obtiveram fundamenta~lio empfrica para 0 seu modelo. Nesses estudos, os sujeitos deviam indicar a percentagem de membros do seu proprio grupo ou de outro grupo que pertenciam aos diferentes nfveis de cada urn de uma serie de atributos (por ex emplo, inteligencia, ou simpatia). Calculando os valores de probabilidade de diferencia~lio, variabilidade e tendencia central, estes autores observaram uma diferencia~lio e uma variabilidade mais fracas nas percentagens sobre 0 endogrupo (mais familiar) do que sobre 0 exogrupo (menos familiar). Por outro lado, quando 0 endogrupo e 0 exogrupo eram igualmente familiares para os sujeitos, essas diferen~as nlio existiam (ver caixa da pagina seguinte). No entanto, as medidas de heterogeneidade utilizadas por estes autores apresentam 0 problema de nlio existir garantia de que as deriva~Oes estatfsticas operadas sobre as respostas dos sujeitos correspondam efectivamente aos prOCessos cognitivos utilizados por eles. Num estudo mais recente (de que falaremos abaixo c ' om mais pormenor), Park e Judd (1990) ~os~aram que, embora Pd e Var sejam senS VelS a diferentes nfveis de familiaridade com

363

os grupos, existem outras medidas que ainda 0 slio mais. Uma dessas medidas e 0 desvio absoluto entre os exemplares mais extremos de que 0 sujeito e capaz de se recordar (range). Tipicamente, para obter esta medida pede-se aos sujeitos que avaliem a posi~lio media do grupo num dado atributo (por exemplo, de <
364

365

CALCULO DA PERCEP<;AO DE VARIABILIDADE E DE TENDENCIA CENTRAL DE UM GRUPO, SEGUNDO LINVILLE E COLEGAS (1989) Tipicumente. peue-se uos sujeilm. que conslruam uislribui<;c'ie~ de membros de um grupo. e calculllln-~e 11 • r lir daf iI~ Ires medidus. Pel. M e Var. Imuginemos que pretendflllllos recolher 0 e~leretltipo dos Mun:iunos. re1mr: mente uo ulributo PlIc(jic'o-agre.l'.I';I'O: IIE~lillle .1 pen:elllagcl11 de 1ll.lrl'iuno, que ,e im:luem dentm de eudu nivd da e~cuhl uprc~enlildu uhuix
1-.1---:--.....JI---:----l.___

-..J] = IOO,*,

---L_ _ _--L_ _ _

muilO agressivos

agressivos

neutros

paciticos

Illuilo pacificos

As ftlrmulas ue clilculo pam Pel, M e \Iar sao. respectivamente: ~RI

.,

Pd = I -. ~ pi-

M

1= I

~ut

=. ~ piXi

Var

1= 1

~ III

=~

~IU ~

pi(Xi-M):

i= 1

."1

Pl-

i= 1

em que: pi = probabilidade alribufda a um nfvel ua escula Xi valor uo nivel <.Ia escala Imuginemos. por exemplo. que um sujcilo deu as respostas scguintes: 45 % - 5% - Olk - 5% - 45'ff Para calculllr Pd. comec;ariamos pOl' lmnsformur u, pcrcentugcns em probabiJidudcs: 0.45 - 0.05 - 0.00 - 0.05 - 0.45 "",111 , Em seguida. calculumos ~ pi-: i= 1 0.:!025+0.0025+(>.OO+0.0025+0.2025 0.41 o vulor <.Ie Pel c de 1-0.41 =0_<;9. Pam 0 nosso sujeito. se tomarmos quaisquer dois marcianos ao acaso. a probabilidadc de que sejam diferentes l1l11 do outro em termos de agressividude-pucifismo e de 0.59. Para calcular M. basta multiplicarmos cad a probabilidadc pelo valor do nivel da escala correspondente (por exemplo. de /111/;to PlIc(jiC().\· 5 a IIIII;to agl'e.l'.\·i! ·(}.\· = I) e somarmos os produto,. Ou seja I xO.45+2xO.05+3xO.(}()+4xO.05+5xO.45 3.00 o valor de Me de 3.00. Pant 0 nosso sujeilo. os '(marciano~ em gem!» sao ('neutros» em termos de agrcssivida<.le-pacifismo.

=

=

=

=

Pam calcular \Ial', multiplicamos eada pl'Obabilidade pelo qua<.lrudo da diferen~a entre escala correspondente e M. e somamos os produtos. Ou seja: 0.45( 1 -3}~+0.05(2-3):+(l.()0(3-3 )!+0.05(4-3):+0.45(5-W 1.90

0

valor do nfvel da

=

o valor de \IlIr Cde 1.90.0 que trJduz a dispersan dos marcianos percepcionada pelo nosso sujcito. em tornO da tendcncia central dessa categoria no atributo agressividade-pacifismo. Note-se que Pd e \IlIr significum coisa~ diferenles . Por exempln. dois sujeilO~ que responde:.sem como no exemplo abaixo teriam valores semclhunles para Pd e diferentes PUnt \IlIr. Pd corresponde. afinal. ao nUIlICf'(! C frequcncia interna dos SUhlipos evocados pelo sujeito. enquanlo que \llIr corrcsponuc it dispcrsao desse subtipos: Sujeilo A Sujcito B 0%

0%

I

307f

I

20%

Pd=O.62: M=4.20; VClI'=O .76

50%

30%

0%

I

20'lf.

I

0%

Pd=Il.62; M=3.40: \I1I1'=3.04

50% ]

4.4.2 Crfticas aos modelos exemplares dos estere6tipos Os modelos exemplares da organiza~ao dos tere6tipos tern sido alvo de diferentes crfticas. ~I como foram resumidas por Hamilton e Sherman (1 994), essas crfticas prendem-se com a aquisi~ao de info~~~~o estere.otfpica, com ~ ine"istencia de urn cnteno orgamzador dessa mforJ1la~ao nas representa~Oes exemplares, e com a sua eficacia cognitiva. Em primeiro lugar, e como ja vimos, os estereotipos sao muitas vezes aprendidos a partir de generaliza~Oes que nos sao traIlsmitidas e, por nos, assimiladas directamente corno tal. Eevidente que nada impede uma representa~ao exemplar de incluir os dois tipos de infonna~ao, abstracta e individualizada, acerca de urn grupo (Linville et al., 1989). Mas, nesse caso, toma-se irrelevante distinguir entre modelos baseados sobre abstrac~Oes e sobre exemplares. Em segundo lugar, uma estrutura~ao cognitiva em tennos de exemplares peca por ausencia de urn criterio organizador. Porque e que urn dado exemplar e associ ado a uma etiqueta categorial e nao a outra qualquer? Se, como 0 admite a perspectiva probabilfstica, os novos membros de uma categoria sao inclufdos nessa categoria quando apresentam urn dado limiar de semelhan~a com 0 prototipo, entao 0 prototipo funciona como criterio de categoriza~ao. No caso das representa~6es exemplares, podemos considerar que a perten~a a uma categoria e definida por uma associa~ao entre 0 exemplar e a etiqueta categorial. Mas qual e 0 criterio segundo 0 qual se estabelece essa associa~ao? Em terceiro lugar, as representa~6es exemplares poderiam ser cognitivamente menos eficazes do que as representa~Oes abstractas. Como 0 afirmam, por exemplo, Linville e colegas (1989) ou Kashima e Kashima (1993), os julgamentos estereotfpicos baseiam-se sobre a recupera~ao de exemplares e/ou dos seus atributos na situa-

~ao

de julgamento. No entanto, podemos supor que muitos julgamentos sobre os grupos sociais pro vern de urn processo mais eficaz, que se inicia com a generaliza~ao e abstrac~ao dos atributos da categoria, eventualmente a partir de exemplares, e que culmina na recupera~ao dessa generaliza~ao (urn julgamento pronto a usar). Como o afinnam Smith e Medin (1981), ...iI medida que 0 indivCduo se desenvolve. e mais provavel que represente um conceilo sob a forma probabilfstica do que exemplar( .. .}. Se nao eliminarem os exemplares. os indivCduos maturos acabariio com uma representac;ao exemplar e uma representac;ao abstracta para 0 mesmo conceito. E mesmo passfvel que esta sequencia de desenvolvimento ocorra numa certa medida sempre que os adultos aprendem um novo conceito - primeiro. representam os conceitos em termos de exemplares. mas com mais experiencia. formam tambem uma representac;ao sumana. (p. 174).

Urn outro problema que tern vindo a ser reconhecido por varios autores (ver Barsalou, 1985; Hamilton & Shennan, 1994) em rela~ao a distin~ao entre model os abstractos e exemplares e que, em ultima analise, ambos prediz.em praticamente a mesma coisa. Torna-se, assim, diffcil distingui-Ios. Por exemplo, para Linville e colegas (1989), 0 modelo Pdist (ver acima) e urn modelo base ado sobre exemplares. No entanto, estes autores salientam que urn exemplar tanto pode corresponder a representa~ao individualizada de urn membro do grupo, como a urn conjunto de atributos abstractos. Quais sao, entao, as predi~6es que diferenciam este modelo dos modelos probabilistas que admitem que a variabilidade de urn estereotipo se define em tennos dos seus subtipos (ou seja, de subconjuntos de atributos abstractos)? A unica diferen~a e que, 0 modelo Pdist admite tambem que a variabilidade pode ser baseada ern representa~6es de exemplares concretos. No entanto, a perspectiva probabilfstica admite que certos membros de urn grupo (por serem prototfpicos) podem ter urn peso privilegiado na representa~ao da variabilidade (ver acima).



366

Eis outro exemplo desta sobreposi~ao. Park, Ryan & Judd (1992), afirmam, em concordancia com 0 modelo de Linville e colegas, que, ao encontrarmos exemplares de urn grupo, geramos espontaneamente distribui~oes mentais de frequencias de membros ao longo de urn atributo. Essas distribui~oes funcionariam como «resumos» que seriam recuperados nas situa~oes de julgamento e que permitiriam detectar 0 numero de subgrupos ocupando diferentes posi~oes no atributo em causa. Assim, segundo este modelo, os exemplares seriam codificados em subtipos, e a recupera~ao destes subtipos permitiria aos indivfduos inferir da variabilidade do grupo. No modelo de Linville e colegas, tudo se passaria da mesma forma, excepto que, em vez de recorrer a «subtipos», os individuos recorreriam a «exemplares» que, por sua vez, podem corresponder a subtiposL .. Como 0 afirmam Hamilton e Sherman (1994, p. 22): Um aspecto inquietante de muitos modelos exemplares e que s6 muito dificilmente podem ser infirmados. Se a recupera9aO e a sfntese de exemplares e um processo ( ... ) implfcito e inconsciente, entlio nlio e claro 0 que se deve fazer para demonstrar que os exemplares nao foram recuperados. As medidas cognitivas tfpicas, lais como reconhecimento, a recorda9aO. ou 0 tempo de reac9ao nao fomecem necessariamente informa9ao para isso.

°

Ou seja, nao ha, por enquanto, metodologia capaz de destrin~ar os processos postulados pelos dois tipos de modelos. Urn processo supostamente baseado sobre abstrac~oes pode sempre ser reinterpretado em termos de exemplares e vice-versa (Barsalou, 1984).

4.5. Modelos dualisticos da organizariio cognitiva dos estereotipos Alguns autores procuraram uma safda para esta situa~ao, adopt an do a perspectiva dualistica

segundo a qual ambos os tipos de proc podem ocorrer simultanea ou altemativa essos (Park, Judd & Ryan, 1990; Sherman, Ju~~nte Park, 1989). &

4.5.1 Categorizariio atraves de exemplares e categorizarao atraves de abstracroes

o

que determina 0 recurso a infonnar",Oes abstractas ou exemplares nos julgamentos sobr os grupos sociais? Smith e Zarate (1990) de~ monstraram que uma condi~ao essencial e a ordem de aprendizagem das informa~oes sobre o grupo. Provavelmente, as abstrac~oes e os exemplares sao aprendidos em situa~oes diferentes, de form as diferentes, e de fontes informati vas diferentes. Assim. estarao armazenados separadamente em mem6ria. Uma con sequencia desse facto e que podemos recorrer quer a um quer ao outro tipo de informa~ao quando julgamos urn grupo: Na ausencia de conhecimentos anteriores sobre 0 estereotipo, a c1assifica9ao baseia-se, na maioria dos casos, na semelhan9a com indivfduos conhecidos - independentemente da semelhan9a com a media ou 0 prot6tipo do grupo. Por outro lado, se 0 estereotipo e conhecido, entao a posse de atributos tfpicos do grupo pode ser 0 factor principal nB categoriza9ao, e a semelhan9a com indivfduos conhecidos sera menos importante (Smith e Zarate, 1990, p. 257).

Estes autores pediram aos sujeitos que classificassem pessoas desconhecidas num de dois grupos. Numa condi~ao, os sujeitos eram primeiro informados sobre as caracterfsticas abstractas t1picas de cada urn dos grupos, e so depois recebiam informa~ao individualizada sobre as pessoas ~a categorizar. Na outra condi~ao, os sujeitos nao recebiam qualquer informa~ao sobre as c~c­ terfsticas tipicas dos grupos e deviam, imedla~' mente, categorizar as pessoas-alvo. A inforrna~ao s sobre as caracteristicas tfpicas e os exemplare

367

. /la sido concebida de maneira a que fosse pos. - se baseava na , eI detectar se a categonza~ao sl:elhanlfa de cada alvo de categorizalfao com 0 se,·· . rot6tipo da categona ou com cada urn dos Pernplares apresentados. Os resultados mostraeXrn que a estrategia de categorizalfao utilizada ra los sujeitos depende da presen~a ou da ausen~a de urn prot6tipo anterior a receplfao de inforc a~oes sobre os membros individuais. Quando JIl . •. . , _ o prot6UPo eXlstJa antenormente a receplfao da infonnalfao sobre exemplares especfficos da calegoria , os sujeitos utilizavam-no como criterio para a inclusao categorial de novos membros. Quando este nao era 0 caso, a inclusao categorial baseava-se sobre a semelhan~a do membro a categorizar com exemplares especificos. Em suma. Smith e Zarate (1990) mostraram que somos. de facto. capazes de categorizar novos membros de urn grupo, com base quer na sua semelhanlfa com os tra~os prototipicos do grupo, quer na sua semelhan~a com outros membros individuais (exemplares). No entanto. como os proprios afirmam. este estudo nao informa sobre se possufmos estes dois tipos de informa~ao (abstracta e exemplar) em simultaneo ou altemativamente. Na sequencia dos trabalhos de Park e Hastie ( 1987). 0 mais prova vel parece ser que os possufmos em simultaneo. ~

4.5.2. Construriio on-line de impress6es abstractas sobre a variabilidade dos grupos Num dos seus estudos. Park e Hastie (1987) ~diram aos sujeitos que formassem uma impressao geral sobre urn grupo a partir de uma serie de comportamentos associados aos seus membros. Numa condi~ao. os comportamentos traduziam uma forte variabilidade. enquanto que. noutra. eram mais homogeneos. Os sujeitos foram ai nat d d' VI'd'd 1 os em tres condl~oes: (l) os A



seis comportamentos mais extremos eram apresentados duas vezes cada urn (aumento da probabilidade de memoriza~ao dos comportamentos extremos): (2) os comportamentos moderados eram apresentados duas vezes cada urn (aumento da probabilidade de memoriza~ao dos comportamentos moderados); (3) todos os comportamentos eram apresentados uma s6 vez. Se a informalfao se organizasse em termos de exemplares, estas tres condilfoes deveriam dar resultados diferentes. Nas duas primeiras condi~oes, os sujeitos deviam recordar-se melhor, respectivamente, dos comportamentos mais extremos e dos comportamentos mais moderados. Portanto, deveriam tambem considerar 0 grupo como, respectivamente, mais heterogeneo na primeira. e como mais homogeneo na segunda. do que na terceira condit;ao. Mas se a informat;ao se organizasse em term os abstractos, nem os sujeitos se recordariam melhor da informa~ao apresentada mais vezes. nem as suas estimativas de heterogeneidade seriam afectadas por essa memoriza~ao. Os resultados apoiaram, de algum modo. am bas as ideias: os sujeitos recordavam-se melhor da informa~ao que Ihes tinha sido apresentada repetidamente, mas este facto nao se repercutiu nos julgamento de variabilidade. Park e Hastie (1987) propuseram que a informa~ao sobre os grupos e tratada on-line. Ou seja, a medida que vamos recebendo informa~oes sobre os exemplares de urn grupo, vamos integrando essa informa~ao numa no~ao abstracta sobre a variabilidade do grupo. Esta abstrac~ao sequencial da variabilidade toma-se independente da informa~ao armazenada em mem6ria sobre os exemplares. Ao fazermos uma estimativa da variabilidade grupal. recuperamos a representa~ao abstracta e nao os exemplares que. inicialmente, nos permitiram construf-Ia. Em conc\usao, possuirfamos simultaneamente dois tipos diferentes de informa~oes em memoria: inform a
t

369

368

4.5.3. Medidas das representaroes exemplares e abstractas dos grupos Esta ideia foi explorada em pormenor por Park e 1udd (1990, Experiencia 1), num estudo ja referido, mas que vale a pena analisar melhor, por duas razoes. Em primeiro lugar, porque ilustra diferentes formas de operacionalizar a percep~ao de homogeneidade nos grupos. Em segundo lugar, porque demonstra que estas diferentes formas tern tambem implicayoes diferentes para a concep~ao das percep~oes de variabilidade. Park e 1udd testaram 10 medidas diferentes sobre a variabilidade dos grupos, pedindo a sujeitos do sexo masculino e feminino que julgassem o seu proprio genero sexual e 0 genero oposto em 4 tra~os de personalidade (dois tipicamente femininos e dois tipicamente masculinos) e 4 atitudes (duas tipicamente femininas e duas tipicamente masculinas). As 10 medidas correspondiam a estimativas das diferen~as entre percentagens estereotfpicas e percentagens contra-estereotipicas dos membros de cada categoria, ou a medidas de dispersao em torno da posi~ao considerada pelos sujeitos como sendo a media de cada grupo 2. Entre as medidas baseadas na dispersao em rela~ao a media contavam-se as seguintes: (1) desvio-padrao das distribui~Oes de percentagens (dissc/); (2) probabilidade de diferenciayao das distribui~oes de percentagens (dispc/); (3) diferenya absoluta entre as posi~Oes consideradas como correspondendo aos· dois membros mais extremos do grupo (range); As medidas baseadas

nas diferen~as entre percentagens estereotfpic contra-estereotipicas eram: (4) avalia9ao gl~ e da semelhan~a entre os membros do grupo, nu al escala do tipo «] = muito diferentes; 7 ::: mu~a semelhantes» (sim); (5) a diferen~a entre a Ito ' . percentagem de mem bros tlplCOS e a de memb atfpicos do grupo (percentster); (6) a difere~os entre a tendencia central dos trayos tfpicos e~a tendencia central dos tra~os atfpicos do grupo n a distribui~Oes de percentagens (disster) (7) a dif~ renya entre as medias dos membros mai , . s extremos nos tra~os tlplCOS enos trayos atipicos (ratester) (ver caixa na pag. seguinte). Ao correlacionarem estas medidas, Park e 1udd obtiveram de facto dois agrupamentos distintos: urn agrupamento de medidas tradutoras de percepyoes da dispersao dos membros do grupo em torno da sua tendencia central, provavelmente representativas das percepyoes dos sujeitos acerca dos exemplares da categoria; urn agrupamento de medidas tradutoras de percep~oes de inconsistencia dos membros do grupo em rela~ao as expectativas associadas ao estere6tipo (percentster, disster, ratester) , provavelmente representativas das cren~as abstractas acerca das mesmas categorias. Como se pode ver acima, as correlayoes entre as tres primeiras medidas, e, mais ainda, as correlayoes entre as tres ultimas, sao, em geral, mais fortes do que as correla~oes entre medidas dos dois tipos. Este resultado indica claramente que os dois tipos de medidas correspondem a constructos diferentes (Park & 1udd, 1990): as diferenyas entre atributos estereotipicos e contra-estereotfpicos parecern corresponder mais a adequa~ao percebida

2 Park e Judd obtiveram estas medidas atraves de respostas de papel e lapis (distribui~oes de percentagens). ou pedindo aos sujeitos que colocassem fichas de tamanhos diferentes dentro de caixas correspondentes aos diferentes nlveis dos atributos medidos. Esta ultima tarefa destinava-se a ser comparada com as distribui~Oes de percentagens, criticadas pela sua fraca validade ecol6gica. Mas como os resultados mostraram que nlio existem diferen~as importantes entre os dois tipos de tarefa e para simplificannos a nossa apresenta~lio. referiremos apenas as medidas tiradas a partir de tarefas de pape! e lapis. Para alem disso. foram ainda consideradas outras medidas. Por motivos de espa~o nlio as apresentaremos aqul e dirigimos 0 lei tor interessado para a consulta do original.

PERCEP~AO DA VARIABILIDADE ENQUANTO ABSTRA~AO E ENQUANTO DISPERSAO DOS EXEMPLARES DE UMA CATEGORIA Correla~oes

entre medldas de dispersao em rela~ao it categoria (Exemplares) Correla~oes entre medidas de diferencia~ao em rela~o as expectativas

estereotipicas (Abstrac¢es)

dispd range sim %ster disster ratester

range

0.2

sim

0.05

0.17

0.04

0.04

-0.16

0.03 0.15

0.10

%ster

0.17 -0.06 0.12

i Correla~oes

1

entre os dols tipos de medidas

em caracteres a cheio: correla~oes estatisticamente significativas

Dimensoes da variabilidade percebida nos grupos, reveladas atraves das correla~oes entre medidas baseadas na dispersiio em rela~ao a media estereotlpica e baseadas nas diferen~as entre atributos estereotfpicos e contra-estereotipicos. adaptado de: Park, B. JUdd, C. M. (1990). «Measures and models of perceived variability». Joumal 0.1 Personality alld Social Psychology. 59, 173-191.

pelos sujeitos, entre 0 grupo e 0 estereotipo. Neste caso, a variabilidade corresponde a uma percep9ao, em abstracto, da diferen~a entre 0 estere6tipo e os membros do grupo; as medidas base adas em distribui~oes, parecem corresponder mais a percep~ao das diferentes posiyoes OCupadas pelos exemplares do grupo ao longo do atributo em causa. E interessante, finalmente, notar que a avaliayao global da semelhan~a entre os rnembros do grupo (sim) nao se correlaciona fortemente com qualquer tipo de constructo.

Tratar-se-a, ainda, de uma terceira forma de julgamento da variabilidade dos grupos, coexistente com os julgamentos base ados em exemplares e em abstracyoes? A questao fica em aberto. Num segundo estudo, Park e 1udd (1990) mostraram ainda outro fenomeno interessante, a saber: que os sujeitos revelavam uma tendencia mais forte para utilizar criterios de organiza~ao abstractos na codifica~ao de informayao sobre 0 endogrupo do que sobre 0 exogrupo. Estes autores pediram a estudantes de engenharia e de



370

gestao que dessem estimativas de percentagens de membros dos dois grupos que apresentavam atributos estereotfpicos ou contra-estereotfpicos desses grupos, e que desempenhassem uma tarefa de distribui'fao de percentagens dos membros dos grupos ao longo desses atributos. Alguns sujeitos deviam, no entanto, pensar em voz alta enquanto desempenhavam essas tarefas. Os resultados mostraram, de novo, urn efeito de homogeneidade do exogrupo. Mas 0 fen6meno mais interessante e que, ao analisarem 0 discurso dos sujeitos que deviam pensar em voz alta sobre 0 endogrupo ou 0 exogrupo, os autores observaram que eles faziam mais referencias a si mesmos e a subtipos quando pensavam sobre 0 endogrupo do que quando pensavam sobre 0 exogrupo. Por outro lado, quando pensavam no exogrupo, os sujeitos faziam mais referencia a individuos isolados do que quando pensavam no endogrupo. Este resultado e, c1aramente, contradit6rio com a perspectiva exemplar do estere6tipos. Recordemo-nos de que, segundo essa perspectiva, temos uma maior percep'fao de variabilidade sobre urn grupo quando conseguimos recuperar mais exemplares desse grupo. Pelo contnirio, uma representa'fao baseada sobre abstrac'foes deveria resultar em estimativas de menor variabilidade. Mas nao foi este 0 caso. Para Park e Judd, este resultado mostra que os sujeitos possuem mais subcategorias significantes para 0 endogrupo, ou seja, que organizam melhor a informa'fao sobre 0 endogrupo. Tendo urn conhecimento mais escasso do exogrupo, pelo contnirio, os sujeitos nao serao capazes de abstrair criterios organizadores para estes membros. No entanto, Park e Judd admitiram nao ser capazes de responder a uma questao crucial, que e a de saber em que se baseiarn os criterios organizadores da informa'fao sobre 0 endogrupo. Entramos, assim, na parte final deste capftulo, e nela regressamos, de algum modo, as origens conceptuais do estudo dos estere6tipos: 0 seu

canicter normativo e identitario, mais do q Ue, simplesmente, informacional.

5.

Categoriza~ao

social, percep-;ot!s d variabilidade e identiflca~ao SOCia~

5.1. Estereotipos e categorias naturais A 16gica seguida pel a investiga'fao que descrevemos ate aqui e a de proceder por analogia entre a categoriza'fao dita «natural» (que trata da inclusao categorial de objectos e de padroes de estimula'fao nao-humanos) e a categoriza'fao dita «social» (que trata da inclusao categorial de pessoas). Wilder e Cooper (1981) traduziram bern esta analogia, ao afirmarem: Existem diferen~as claras entre os grupos humanos e as categorias de objectos naturais (por exemplo, a influencia mutua entre os membros dos grupos sociais, a natureza dinamica dos processos de grupo). No entanto, parece-nos que a maioria das pessoas percepciona urn nu mero suficiente de aspectos comuns entre ambos os tipos de categorias para que se justifique encorajar a analise das categorias sociais de forma analoga 11 das outras categorias de objectos (p. 249) .

Como outros autores (por ex., Ostrom, 1984), a distin'fao proposta por Wilder e Cooper entre 0 social e 0 nao-social e meramente quantitativa. Em primeiro lugar, devido aos seus atributos activos (rufdo, movimento, etc.), os seres humanos sao facilmente discriminaveis em rela'fao as outras componentes do meio. Tomam-se, assim, perceptivamente salientes, chamando mais a aten'fao do que os outros objectos da percep'fao (mas urn elefante, sentado numa esplanada de cafe as tres da tarde, seria eventual mente rna is saliente do que urn ser humano). Em segundo lugar, OS seres humanos sao agentes de causalidade mais plausfveis, tornando-se assim mais significantes e mais heurfsticos do que estes objectos (mas,

jtaS culturas recusam-se a atribuir causal idaJflll disposicionais aos seres humanos, ver Mosdes 'CI' 1994). Finalmente, COVI , . os seres humanos sao _ is inesperados, e, aSSlm, a sua compreensao Jfl~ge urn maior esfor'fo cognitivo . Mas, a nossa eJ{1 eriencia pessoal revela-nos que, por vezes, eJ{P •• 1 . 4" a teoria PSICOSSOCIa requer malOr eSlor'f o U:nitiVO do que 0 professor da cadeira. Para colocar a questao de modo mais serio, a difec n9 a entre 0 que e social e 0 que nao e (ou que ~ - parece estar tanto nas caractens, emenos), nao ~cas intrfnsecas dos objectos perceptivos (neste caso, os outros), como nos nossos objectivos na sitlla9ao e tam bern no tipo de rela'fao que temos com esses objectos. Para utilizar as palavras de Moscovici ( 1982), numa crftica geral a esta concep9ao segundo a qual basta que 0 estimulo seja humano para que a percep'fao se tome social, .. , poderiamos, evidentemente, definir [a informa~lio social) como qualquer informa~lio ( ... ) acerca de uma pessoa em vez de urn gato ou de uma casa, mas isso seria bastante rudimentar. Nlio e a natureza do objecto que difereocia 0 social do nlio-social, mas sim a rela~lio com 0 objecto. Existem gatos sagrados e casa~ sagradas, e existern seres humanos que slio menos do que objectos, por exernplo, para os seus medicos (pp. 117-118).

Tambem as percep'fOes e os julgamentos estereotfpicos nao ocorrem num vacuo (Tajfel, 1972) e nao poderao ser apreendidos na sua essencia sem que tenhamos em conta 0 seu contexto valorativo e social. A incompreensao deste aspecto por parte da investiga'fao mais recente levou Tajfel (1982) a sublinhar 0 facto de que '" al gumas das formula~oes recentes representam urn retrocesso teorico em rela~lio aos primeiros estudos. E isto por duas razoes. A primeira diz respeito ao papel crucial desernpenhado pelas diferen~as avaliativas associadas aos estereotipos sociais. Este aspecto «valorativo» das categoriza~iies era urn dos pilares das teorias iniciais. Perdeu 0 seu canicter explfcito atraves da enfase colocada pelos trabalhos mais recentes sobre 0 quase monopolio dos processos Cognitivos "puros» no funcionamento dos estereotipos. A segunda razlio'para 0 retrocesso teorico e a falta de especi-

371 tica~ao

( ...) da ,Wtltre;(/ das dimensOes nas quais as difeentre grupos sociais e categorias, ou as semelhan~as dentro desses grupos seriam ou nao acentuadas (p. 141). ren~as

A abordagem da identidade social (Tajfel, 1978; Tajfel & Turner, 1979; Turner, 1975, 1986; Turner e colegas, 1987; ver Amancio; Monteiro, neste volume) pressupoe que os estere6tipos se baseiam em tres processos gerais: a categoriza'fao social, a identifica'fao social, e a compara'fao social (Tajfel, 1978). Os dois ultimos estabelecem toda a diferen'fa entre uma perspectiva psicossocial das percep'foes de variabilidade nos grupos e uma perspectiva puramente cognitiva que se baseia unicamente no primeiro processo. E indiscutfvel que as percep'foes e os julgamentos estereotipicos tern uma componente cognitiva (a diferencia'fao entre categorias). Mas essa componente implica tambem urn conhecimento da pr6pria perten'fa categorial. Como 0 sublinhou, por exemplo, Billig (1976), uma diferen'fa fundamental entre a categoriza'fao natural e a categoriza'fao social e que, neste ultimo caso, os julgamentos feitos pelos sujeitos tern incidencias directas sobre eles pr6prios. Ao julgarmos os outros (e mais ainda quando os outros sao membros do nosso grupo) estamos sempre a julgar-nos, no minimo por compara'fao impifcita, a n6s pr6prios. 0 conhecimento da nossa perten'fa a uma categoria implica uma componente avaliativa e emocional no processo de julgamento: 0 valor que atribufmos aos grupos e tambem 0 valor que nos atribufmos a n6s pr6prios enquanto membros desses grupos; daf resulta uma grau de (in)satisfa'fao relativamente a esse valor (Tajfel, 1978). 0 resultado final deste processo complexo e tendermos para uma avalia'fao mais positiva do endogrupo do que do exogrupo em dimensOes importantes para a nossa identidade social (idem; Turner, 1975; ver Amancio; Monteiro, neste volume). Voltando a questao das percep'foes de homogeneidade do exogrupo, torna-se assim interessante

t

373 372

procurar determinar em que medida essas percep~oes tern fun~oes identitarias e nao sao apenas efeitos de diferen~as de informa~ao .

5.2. Auto-estereotipia e percepfiio de homogeneidade Uma implica~ao importante da ideia referida acima e que, provavelmente, ao julgarmos 0 endogrupo e 0 exogrupo, verno-nos tambem a nos proprios como membros do endogrupo. Ou seja, niio adoptarnos urn papel neutro em rela~ao ao nosso julgamento. Isto significa que, em muitas situa~oes nos auto-estereotipamos, ou seja, tomamos em considera~ao, para nos .proprios, as caracteristicas que julgamos ~artll~ar com os membros do nosso grupo, e neghgenclamos as outras caracterfsticas que possufmos: mas que nos individualizam em rela~ao a eles. E esta a ideia proposta por Brown e Turner (1981) na sua hipotese da auto-estereotipia:

o autoconceito pode ser visto como uma estrUtura cognitiva reguladora do comportamento em certas con.di~oes particulares. Essa estrutura inC\ui dois subsiste~as Impo~­ tantes: a identidade pessoal e a identidade socIal. A pnmeira refere-se as autodescri~oes em termos de atributos pessoais ou idiossincniticos, tais como tra~os ffsicos, intelectuais,ou de personalidade. A segunda denota autodescri~Oes em lermos de perten~as a calegorias sociais tais como a ra~a, a c\asse social, a nacionalidade, 0 sexo, elc . ( ... ) Silua~oes diferenles evocam, ou tomam salienles, ~uto­ concep~oes diferenles, que sao utilizadas para construlr os estimulos sociais e que regulam 0 comportamento de forma adaplaliva (p. 38). Desenvolvendo esta ideia, Turner (1984) propos: A auto-eslereolipia produz a despersonaliza~ao do eu, iSlO e, a equivalencia ou a idenlidade perceptiva enlre 0 proprio e oulros membros do mesmo grupo em dimenso~s relevanles . E esla redefini~ao cogniliva do eu - dos alnbUlOS unicos e das diferen~as individuais para as perten~as calegoriais partilhadas e os eSlereolipos que Ihes eslao associados - que medeia os comportamenlos grupais (p. 528).

A hipotese da auto-estereotipia introdul assim, urn dado novo: a pessoa que emite 0 jUI~ gamento pode identificar-se com urn dos gruPes que esta a julgar, ou seja, ver-se a si propria corno uma entidade indiferenciada da sua propria ca. tegoria. E talvez por isso que muitos estudos revelam que os sujeitos podem nao so julgar 0 endogrupo como mats heterogeneo do que 0 exogrupo, mas tambem que pode ocorrer 0 inverso . De facto, numa revisao metanalftica dos resultados obtidos nos estudos sobre a homoge_ neidade do exogrupo, Mullen e Hu (1989) conclufram que nem sempre 0 exogrupo e percepcionado como mais homogeneo, e que a diferen~a entre a homogeneidade percebida no endogrupo e no exogrupO nao e, em geral, muito elevada. Para alem disso, a familiaridade e 0 nivel de conhecimento directo do grupo nao parece ser 0 dnieo factor responsavel por este efeito.

5.3. ldentidade social e percepfoes de homogeneidade Por vezes, 0 endogrupo e representado como rnais hornogeneo do que 0 exogrupo, nomeadamente se 0 atributo no qual se opera essa diferencia~ao for urn atributo relevante para a diferencia~ao entre endogrupo e exogrupo. 0 ~es~? se passa quando a perten~a grupal dos m~l~l­ duos e tomada saliente, ou se existe competl~ao entre os grupos.

5.3.1 Percepr;ao de homogeneidad:~ procura de coesao e protecr;a da identidade social . de homogeneiA ideia de que os Julgamentos _ dade sao afectados pelas implica~oes da situa~ao de J'ulgamento para a identidade social do~ sufI1cos. jeitos e apoiada por alguns resultados emP de Por exemplo, Kelly (1989) pediu a adeptoS

dois partidos politicos que se avaliassem recirocamente, em dimensoes pouco importantes P\l em dimensoes relevantes para as suas respec~vas identidades poifticas. Alem disso, a perten~a poHtica dos sujeitos era, segundo as condi~oes, tOrn ada saliente ou nao. Os resultados mostraram que a percep~ao de homogeneidade, tanto do endogruPo como do exogrupo aumentava paralelamente a saliencia da perten~a polftica dos sujeitoS e a pertinencia das dimensoes de julgamento. Na condi~ao de saliencia forte, endogrupo e exogrupo eram considerados como igualmente e fortemente homogeneos; na condi~ao de fraca saIiencia e em dimensoes nao pertinentes, 0 exogrupo era considera~o como mais homogeneo do que 0 endogrupo. A saliencia da compara~ao entre grupos e a relevancia das dimensoes de julgamento geraram nos sujeitos a percep~ao da homogeneidade intema dos dois grupos, de modo a refor~ar a diferencia~ao entre ambos. Noutro estudo, Judd e Park (1988) fomeceram aos seus sujeitos a mesma quantidade de informa~ao sobre os membros do endogrupo e do exogrupo, de modo a que ambos os grupos apresentassem 0 mesmo grau de diferenci~ao intema. Numa condi~ao os sujeitos pensavam que iriam competir contra 0 exogrupo. Noutra condi~iio, pensavam que iriam cooperar com ele .. Entre outros resultados, Judd e Park observaram que a anticipa~ao de competi~ao gerava uma perce~iio de homogeneidade do exogrupo ainda maior do que a anticipa~ao de coopera~ao. Mas, paradoxalmente, era tambem nesta condi~ao que os sujeitos se recordavam melhor das caracterfsticas individualizantes dos mernbros do exogrupo. Ou seja, na condi~ao de competi~ao, os sujeitos ~arecem ter recorrido a criterios abstractos para Julgar 0 exogrupo enquanto categoria, sem no ~ntanto se terem esquecido das caracterfsticas lI\dividuais (dos exemplares) desse grupo. Os resultados descritos acima sao importanles na medida em que demonstram que 0 efeito

de homogeneidade do exogrupo, por se alterar de uma situa~ao para outra, parece nao corresponder a uma lei geral baseada na quantidade diferencial de informa~ao possufda pelos sujeitos acerca do endogrupo e do exogrupo. 0 principio que preside aos julgamentos de homogeneidade dos grupos parece ser, em vez disso, e pelo menos em muitos casos, uma preocupa~ao em assegurar a uniformidade do endogrupo e, deste modo, a diferencia~ao social entre grupos. Esta ideia e c1aramente suportada por uma serie de estudos realizados por Simon e colegas. Simon e Brown (1987) argumentaram que os membros de minorias deveriam percepcionar uma maior homogeneidade no endogrupo do que no exogrupo, enquanto que os membros de grupo maioritanos deveriam mostrar 0 efeito c1assico de homogeneidade do exogrupo. Esta diferen~a seria devida ao facto de que os primeiros, possuindo uma identidade social menos segura, investiriam na coesao do grupo em tome de certos padroes normativos importantes. Num dos seus estudos, estes autores mostraram que, de facto, sempre que 0 endogrupo era minoritario, independentemente de 0 exogrupo 0 ser tambem ou nao, os sujeitos julgavam-no como mais homogeneo do que 0 exogrupo. Mas quando o endogrupo era maioritario e 0 exogrupo era minoritano, observava-se 0 fen6meno inverso. Ou seja, a percep~ao de hornogeneidade nos grupos pode corresponder tarn bern a uma estrategia de manuten~ao de uma identidade social positiva. Mais recentemente, Simon e Hamilton (1994) demonstraram que a perce~ao de maior homogeneidade no endogrupo e de vida a uma necessidade de refor~o da coesao para uma identidade social positiva, gerada por urn baixo estatuto grupal. Num primeiro estudo, estes autores observaram que os sujeitos se consideram como mais semelhantes ao seu grupo (ou seja, se auto-estereotipam mais fortemente), no caso de perten-



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cerem a urn grupo minoritario, atribuindo a si pr6prios mais tra~os tfpicos do endogrupo e rejeitando mais tra~os tfpicos do exogrupo. Num segundo estudo, os sujeitos foram divididos em dois grupos mfnimos segundo as suas preferencias por pinturas, mas foram informados de que o pintor correspondente ao seu grupo era prestigiado (estatuto elevado) ou de que 0 seu prestfgio era fraco (estatuto baixo). Os resultados mostraram, de novo, que urn endogrupo de estatuto elevado aumenta mais a auto-estereotipia do que urn grupo de estatuto baixo, mas apenas no caso em que 0 endogrupo e maioritario. Para alem disso, estes autores encontraram uma forte correla~ao positiva entre as medidas de auto-estereotipia e as medidas de percep~ao de homogeneidade do exogrupo: quanta mais se consideravam semelhantes ao endogrupo, mais os sujeitos consideravam 0 endogrupo homogeneo.

6. Estereotipos, percep~oes de homogeneidade e julgamentos avaliativos Em que medida a impressao que temos acerca de urn grupo em termos da sua homogeneidade pode afectar as avalia~oes que fazemos acerca dos seus membros individuais? E em que medida essas avalia~oes sao determinadas tam bern pela procura de uma identidade social positiva? Imaginemos que somos s6cios do «Futebol Clube dos Leoes da Luz». Como contactamos com muitos outros s6cios do c1ube, possufmos uma representa~ao cognitiva complex a desse grupo. Pelo contrario, os s6cios dos «Aguias das Antas» sao-nos muito menos familiares, e, assim, a nossa representa~ao desse grupo e muito mais simples. A hist6ria de ambos os clubes e rica em peripecias, nomeadamente em rela~ao aos seus presidentes e as ac~oes mais ou menos eficazes que desenvolveram, uns para elevarem

o c1ube a gl6ria, outros para 0 levarem a penho · . Igarmos dOIS . presidentra . Se nos pe dIrem para JU . . es de cada c1ube, urn no pnmelro caso (gloria) outro no segundo (penhora), 0 que diremos? e

6.1. Comp/exidade cognitiva e extremismo avaliativo

o modelo da complexidade-extremismo (Linville, 1982; Linville & Jones, 1980) e frequente_ mente citado na Iiteratura por se tratar de Urna formula~ao especffica da hip6tese da homoge_ neidade do exogrupo que relaciona directamente a estrutura das nossas representa~oes sobre os grupos com as avalia~oes que fazemos acerca dos seus membros. Para Linville, os estereotipos estruturam-se, em mem6ria, segundo dimensoes tradutoras de co-ocorrencias de comportamen_ tos ou de caracterfsticas de personaJidade observadas nos membros dos grupos. Segundo este modelo, uma maior familiaridade com 0 endogrupo leva-nos a complexificar a representa~ao cognitiva desse grupo, ou seja, a organiza-la segundo um maior numero de dimensoes independentes (ver caixa na pag . segunte) . E verdade que urn born presidente sera sempre julgado de forma mais positiva do que urn mau presidente. No entanto, no caso dos «Leoes da Luz», 0 nosso c1ube, cujos s6cios conhecemos melhor, sabe que alguns presidentes que levaram 0 c1ube a gl6ria tam bern mostraram ter defeitos e que os que 0 levaram a penhora tambern mostraram ter qualidades (tal como os marcianos do exemplo que damos a seguir) . Ja no caso dos «Aguias das Antas» nao temos esse conhecimento e, portanto, s6 poderemos julgar urn born e urn mau presidente pelo que sabernos deles (gloria ou penhora). Assim, os nossoS julgamentos acerca dos presidentes do nosso c1ube serao mitigados pelas informa~oes cornplementares que possufmos acerca deles, 0 mesrno

aO se passando em rela~ao aos presidentes do rt~ogrupo . Ou seja, julgaremos urn membro

eositivO e urn mem bro negattvo ' do endogrupo

~e

forma, respectivamente, mais favoravel e (I1ais desfavoravel do que urn membro positivo e um membro negativo do exogrupo. Linville (1980) e Linville e Jones (1980) conduzirarn uma serie de estudos acerca desta questao. Num desses estudos, sujeitos brancos do sexO masculino deviam executar uma tarefa de selec~ao de tra~os de personaJidade enquanto pensavam, ou em pessoas brancas (endogrupo) Ou em pessoas negras (exogrupo) do sexo mas-

375

culino. Os autores esperavam que uma representa~ao cognitiva mais complexa levaria os sujeitos a organizarem os tra~os num maior numero de conjuntos independentes. De facto, os resultados mostraram que, enquanto pensavam no endogrupo, os sujeitos faziam urn maior numero de agrupamentos de tra~os do que enquanto pensavam no exogrupo. Outro estudo mostrou resultados semelhantes, quando estudantes universitarios deviam desempenhar uma tarefa identica, pensando sobre pessoas da sua idade ou sobre pessoas de 60-70 anos (Linville, 1982,Exp.I).

COMPLEXIDADE COGNITIVA E EXTREMISMO DAS AVALIAC;OES ACERCA DOS MEMBROS DE UM GRUPO Imaginemos que. destu vez. nfio iamus visitar um mercudo arube. mus sim Murte. Como provllvelmente nunca vimos um marciano. espemriamos encontmr Marcianos «inteligenles» e «pacificos». ou «estupidos» e «agressivos» (0 nosso estere6tipo do "marciano" foi construido atmvcs de leitunL'i de Ray Bmdhury e de H.G . Wells): a nossa representar;fio cogniliva dos murcianos traduz uma forte correlu~iio entre inteligencialestupidez e pacitismo/agressividade. que se organizam, assim, segundo lima s6 dimcnsfio. Chegudos a Marte, somos recebidos por Qwerty . que. em con versa casual, nos ex plica a tcoria da relatividade eo seu contributo par.! a paz entre os planctas. Qwerty confirmn n nossn expectativa sobre II associuc;iio entre pacilismo e inteligencia nos marcianos. Jd no hotel. Asdfg concorda com Qwerty no qlle diz respeito it paz, mas nfio consegue resolver u famosa equaliiio 2+2 x. Por outro lado. Zxcvb explica-nos. de antcnas eri"adas. que 0 dominio lecnlllogico du teoria da relatividude permitird aos marcianos 0 controlo militar do sistema solar. Rindo-se a\arvemente. Poiuy confesslI nao perceber nada do que diz Zxcvb. mas concorda. Ficamos assim a saber que ufinal nem lodo~ os marcianos sao. simultnneamente. pacfficos e inteligentes. Hd lambCm marcianos pacificos e estupidos (Asdfg). mnrcianos agressivos e inteligentes (Zxcvb). e marciunos agressivos e eSlupidos (Poiuy) . A nossa reprcsentaliuo dos marciunos. que antes aprcsentava uma so dimensao. passa. agom. a apresentar duns:

=

Representalioes dos «marcinnos»: bidimensional (depois) inteligentes

unidimensional (antes) inteligcntes e pacfficos

Qwerty

Zxcvb agressivos

pucflicos Asdfg estupidos c agressivos

Poiuy estlipidllS

376

6.1.1 Complexidade cognitiva e extremismo dos julgamentos Para testarem esta ideia, Linville e Jones (1980, Exp. 4) forneceram aos sujeitos duas cartas de candidatura para uma escola prestigiada. Essas cartas variavam em qualidade: uma mostrava que 0 candidato era urn optimo estudante, enquanta que a outra revelava que 0 candidato era urn estudante fraco. Para testarem 0 efeito da complexidade cognitiva nos julgamentos acerca destes candidatos, Linville e Jones pediram aos sujeitos que os avaliassem: ou segundo seis criterios (complexo), ou apenas segundo dois criterios (simples). A hipotese era que os sujeitos a quem tinham side fornecidos seis criterios avaliativos emitiriam julgamentos menos extremos do que os sujeitos a quem tinham side fornecidos dois criterios. Os resultados confinnaram esta hipotese: 0 «born aluno» e 0 «mau aluno» foramjulgados menos positivamente e menos negativamente no primeiro caso do que no segundo. Linville (1982) obteve resultados semelhantes num estudo que ilustra perfeitamente 0 que acima dissemos acerca da analogia entre categoriza~ao social e categoriza~ao natural seguida por muitos autores no dominio dos estereotipos . Nesse estudo , os sujeitos deviam avaliar... bolinhos de chocolate! Alguns bolinhos eram melhores do que outros, e os sujeitos tinham como instru~oes prova-los e, em seguida, avalia-Ios segundo seis criterios, ou segundo dois criterios. Os resultados mostraram que os julgamentos baseados em dois criterios eram mais extremos do que os julgamentos baseados em seis criterios. Estes resultados indicam que 0 extremismo dos julgamentos acerca dos membros de urn grupo varia na razao inversa do numero de dimensoes independentes que sao evocadas no momenta do julgamento. Note-se, no entanto, que estes dois estudos nao utilizaram a perten~a ao grupo como variavel: no primeiro, tratava-se de avaliar pes-

377

soas cuja perten~a grupal era desconhecida 0 , . ' U, no mlnlmO, que, por serem apresentadas cOIll estudantes, pertenciam ao grupo dos sujeitos III 0 d as n~o a urn ~~ogrupo; no segun 0, parece-nos qUe so urn sUJelto extremamente perverso veria 0 bolinhos de chocolate como membros do endo~ grupo ou do exogrupo, 0 que e improvavel, dado que a amostra utilizada por Linville era aleatorj . da curva normal! a e, portanto, representatlva Numa demonstra~ao mais directa da rela~ao entre complexidade cognitiva, extremismo e perten~a grupal, Linville e Jones (1980, Exp. I) pediram a sujeitos brancos de ambos os sexos que avaliassem uma boa e uma rna candidatura a uma escola prestigiada. Estas candidaturas eram apresentadas, segundo as condi~oes, por estudantes brancos ou negros, do sexo masculino ou feminino . Os resultados mostraram que os candidatos da mesma ra~a ou do mesmo sexo dos sujeitos eram avaliados de fonna menos extrema do que os candidatos de ra~a ou de sexo diferentes. Noutro estudo, Linville e Jones (1980, Exp. 2) obtiveram resultados semelhantes. Uma quesHio que devemos colocar em rela~ao aos estudos de Linville e de Linville e Jones e a de saber em que medida os resultados encontrados traduzem efectivamente os sentimentos e emo~oes que, em muitas outras situa~oes, observamos nos julgamentos sobre os membros do endogrupo e do exogrupo. Sera verdade que urn presidente que leva 0 nosso clube a penhora e sempre avaliado menos negativamente do que urn presidente semelhante do clube rival?

6.1.2. Identificapio social, variabilidade do endogrupo e extremismo dos julgamentos: glorificando os herois e punindo os traidores Em muitas situa~oes, ao inves do que foi observado por Linville e colegas, avaliamos as

Illembros socialmente desejaveis e social mente .Ildesejeiveis do nosso grupo, de forma, respecti~amente , mais favoravel e mais desfavoravel do que membros semelhantes do exogrupo. Noutros terJUos, diferenciamos mais entre si os membros «bans» e os membros «maus» no caso do endogropo do que no caso do exogrupo. Isto pode ser vista como uma manifesta~ao do efeito de homogelleidade do exogrupo. No entanto, para Marques e colegas, essa manifesta~ao de maior variabilidade no endogrupo do que no exogrupo nao depende fundamentalmente do facto de os sujeitOS terem mais infonna~ao ou uma representaylio mais complexa acerca do endogrupo, mas antes do facto de estarem mais investidos emocionalmente nos julgamentos sobre 0 endogrupo do que sobre 0 exogrupo. E 0 que demonstra uma serie de estudos sobre 0 que se convencionou chamar efeito ovelha negra (Marques, 1988, 1990, 1993; Marques e Paez, 1994, 1996). Num dos primeiros estudos sobre esse efeito, Marques, Yzerbyt e Leyens (1988) pediram a estudantes de nacionalidade belga que avaliassem, atraves de uma serie de tra~os de personalidade, os «estudantes belgas simpaticos», os «estudantes belgas antipeiticos», os «estudantes norte-africanos simpaticos» e os «estudantes norte-africanos antipaticos». Segundo 0 modele da complexidade-extremismo, seria de esperar que os dois primeiros fossem avaliados, respectivamente, de fonna menos positiva e menos negativa do que os dois segundos, dado que a representa~ao cognitiva dos sujeitos seria mais complexa para os bel gas (0 endogrupo) do que para os norte-africanos (exogrupo). No entanto, o raciocfnio seguido por Marques e colegas era diferente. A ideia de base nao era a de que os julgamentos dependiam de uma maior ou menor complexidade cognitiva acerca dos grupos em causa, mas sim que os exemplares social mente indesejaveis do endogrupo, por colocarem em qUestao a positividade global do grupo, seriam

«castigados», enquanto que os membros socialmente desejaveis, por contribufrem para essa positividade, seriam «glorificados» nos julgamentos dos sujeitos. Os membros do exogrupo, por serem irrelevantes para a identidade do endogrupo, seriam avaliados de fonna mais neutra. Foi 0 que mostraram os resultados. Estes resultados foram reproduzidos em estudos posteriores (Marques e colegas, 1988). Por exemplo, Marques e yzerbyt (1988) pediram a estudantes de Direito que ouvissem dois discursos (urn born e urn mau). 0 estudo era apresentado como sendo realizado pelo «laboratorio de psicolingufstica» e pretendia supostamente comparar a capacidade discursiva dos estudantes de Direito e de Filosofia da universidade onde 0 estudo foi conduzido. Os sujeitos encontravam-se todos na mesma sala, ouvindo, portanto, exactamente os mesmos dois discursos, mas as instru~oes que possuiam por escrito infonnavam-nos de que os discursos tinham side feitos, ou por dois por estudantes de Direito ou por dois estudantes de Filosofia. Os resultados mostraram que, embora tivessem ouvido exactamente os mesmos discursos, os sujeitos avaliavam 0 born discurso como sendo melhor quando pensavam que tinha side feito por urn estudante de Direito do que por urn estudante de Filosofia. Paralelamente, os sujeitos avaliavam 0 mau discurso mais negativamente no primeiro do que no segundo caso (ver Marques, 1988, para urn resume mais completo destes estudos). Mas a questao que se coloca e a de saber por que razao nuns estudos se observa 0 efeito da complexidade-extremismo, enquanto noutros se observa 0 efeito ovelha negra. Uma primeira resposta a esta questao pode ser encontrada num estudo realizado por Marques (1990). Nesse estudo, cadetes de uma escola militar avaliavam dois outros cadetes fictfcios, urn dos quais adoptava comportamentos social mente desejaveis e 0 outro comportamentos socialmente indesejaveis.

• 378

Segundo as condit;oes, esses comportamentos ocorriam em dimensoes importantes ou em dimensoes secundarias para a identidade social. o caracter importante ou secundario destas dimensoes tinha sido definido anteriormente pelos proprios sujeitos. Para alem disso, os cadetes eram apresentados como alunos da escola dos sujeitos ou como alunos de uma outra escola militar. Os resultados mostraram que, em dimensoes importantes, os membras social mente desejaveis do endogrupo eram avaliados mais positivamente do que os do exogrupo, enquanto que os membras socialmente indesejaveis do endogrupo eram avaliados mais negativamente do que os do exogrupo. Mas, quando as dimensoes nao eram importantes, os membros do endogrupo, desejaveis ou indesejaveis eram julgados de forma moderadamente mais positiva do que os do exogrupo. Assim, 0 efeito ovelha negra parece ser devido a relevancia que os membros julgados tern para a preservat;ao de uma identidade social positiva. Quando essa relevancia e fraca, os membros negativos do endogrupo nao sao «castigados». Ou seja, urn maior extremismo de julgamento em relat;ao ao endogrupo nao parece resultar do facto de os sujeitos possufrem mais informat;oes acerca do endogrupo do que do exogrupo, mas sim da relevancia que esses membras tern para 0 proprio sujeito enquanto membra do mesmo grupo. Urn estudo realizado por Branscombe,Wann e Noel (1994) parece compravar esta ideia. Nesse estudo, os sujeitos deviam avaliar dois membras do endogrupo ou dois membros do exogrupo, dos quais, urn se mostrara leal e 0 outra se mostrara des leal ao seu grupo (escrevendo uma crftica positiva ou negativa a equipa de basquetebol da universidade). Os sujeitos estavam divididos em duas condit;oes segundo 0 seu grau de identificat;ao (alto ou baixo) com a equipa da universidade. Os resultados mostraram que os sujeitos fortemente identificados avaliavam 0 membra

leal do endogrupo mais favoravelmente do o membra leal do exogrupo e 0 membro des~ue do endogrupo mais desfavoravelmente do q al Ue 0 membra desleal do exogrupo. Estes sUJ'e' Itos mostraram 0 efeito oveLha negra. Mas os sUjeit - se I'd'fi Os que nao entl Icavam com a sua unive rSl_ . dade mostraram 0 efeito oposto (complexidad -extremismo) , julgando 0 membra leal do end:~ grupo menos favoravelmente do que 0 membro leal do exogrupo e 0 membra desleal do endo_ grupo men os desfavoravelmente do que 0 mem_ bra desleal do exogrupo.

6.1.3. Extremismo dos julgamentos: identificarao social ou maior diferenciarao no endogrupo?

o efeito oveLha negra parece ser 0 resuItado do investimento emocional dos sujeitos na garantia de uma identidade social positiva, enquanto que 0 efeito da compLexidade-extremismo parece ser, efectivamente, 0 resultado de uma estruturat;ao cognitiva-informacional mais complex a acerca do endogrupo do que do exogrupo. No entanto, esta conclusao pode nao corresponder It realidade. Senao vejamos: o tipo de complexidade cognitiva de que nos falam Linville e Jones, no modelo da complexidade-extremismo, depende do numera de dimensoes definitorias da representat;ao dos grupos. No entanto, como ja vimos, nao e essa a unica conceptualizat;ao possfvel da representat;ao da heterogeneidade de urn grupo. Essa heterogeneidade pode corresponder, por exemplo, a variabiIidade percepcionada ao longo de uma dimens ao (recordemo-nos das medidas var e range de que falamos atnis). Ou seja, e possfvel que os suje~­ tos avaliem os membras do endogrupo mais poSItivamente ou mais negativamente numa dimens ao (por exemplo , «simpatia-antipatia») do que OS membras do exogrupo, apenas porque se recor-

djll11 de mais exemplares do endogrupo do que do exogrupo po~iciom:dos nos polos positivo e egatiVO dessa dlmensao. (I Nesta logica, e posslvel que, por exemplo o caso do estudo de Marques e Yzerbyt (1988), ~rnbora tivessem ouvido os mesmos discursos, os 5ujeitoS dispusessem de mais informat;6es exteriores ao estudo que Ihes permitissem diferenciar rnelhor urn born dum mau discurso feito por urn membro do endogrupo do que por urn membra do exogrupo. Poderiam, talvez, ter-se recordado de urn maior numera de colegas de faculdade do que de alunos de Filosofia, capazes de fazer urn tal (born ou mau) discurso. No mesmo sentido, nada impede de pensar, no caso do estudo de Marques (1990), que os cadetes prestem maior aten~ao a colegas social mente indesejaveis e socialmente desejaveis em dimensoes relevantes do que em dirnensoes irrelevantes, exactamente porque aquelas dimensoes slio reLevantes. Portanto, como tern mais oportunidades de observar colegas da sua propria escola, e como prestam maior atent;ao a essas observat;oes quando elas implicam dimensoes relevantes, os sujeitos tambem possuirao representat;oes mais dispersas dos membras do endogrupo do que dos membras do exogrupo nessas dimensoes. 0 mesmo se podera passar em relat;ao ao estudo de Branscombe e colegas (1994). Neste caso, e possfvel que os sujeitos mais identificados com uma equipa prestem melhor atent;ao as ocorrencias relevantes em relat;ao a essa equipa do que os sujeitos que dedicam a sua atent;ao a outras coisas. Se isto fosse verdade, entao deduzirfarnos que 0 maior extremismo em relat;ao aos membros positivos e negativos do endogrupo nao depende de qualquer processo associado adefesa de uma identidade social positiva, mas sim ao maior conhecimento dos sujeitos acerca do endogJupo (ver caixa da pag. seguinte). Foi na sequencia deste raciocfnio que MarqUes, Robalo e Rocha (1992) conduziram urn

379

estudo em que pretendiam demonstrar que a percept;ao de maior ou menor variabilidade nos mernbras do endogrupo e do exogrupo nao explicaria 0 maior extremismo de julgamento em relat;ao aos membras positivos e negativos desse grupo. Nesse estudo, estudantes Iiceais deviam, entre outras coisas, fazer distribuit;oes de percentagens de estudantes do seu liceu ou de urn Hceu rival numa serie de dimensoes (simpaticos-antipaticos, inteligentes-estupidos, etc.). Os sujeitos deviam tambem pensar nos estudantes de urn ou do outro liceu que correspondiam aos polos dessas dimensoes e, em seguida, avalia-los. Os resultados mostraram, em primeira lugar, que os sujeitos percepcionavam 0 seu grupo como mais diferenciado do que 0 exogrupo, atraves das distribuit;oes de percentagens . Este resultado apoia a hipotese da homogeneidade do exogrupo. Para alem disso, os sujeitos avaliavam os membras positivos e negativos do endogrupo de forma mais extrema do que os membros equivalentes do exogrupo. Este resultado apoia a hipotese da oveLha negra. No entanto, e e este 0 resultado mais importante, as avaliat;oes do exogrupo apresentavam uma correlat;ao positiva com as distribuit;oes de percentagens: aparentemente, as avaliat;oes dos membros do exogrupo estavarn associadas ao facto de os sujeitos conhecerem (mesmo que mal, ou poucos) alguns membros do exogrupo. Mas as avaliat;oes do endogrupo apresentavam uma correlat;ao muito menor com as distribuit;6es: as avaliat;oes dos membras do endogrupo eram independentes dos membros do grupo recordados pelos sujeitos. Pelo contrario, estas avaliat;oes apresentavam uma forte correlat;ao com uma serie de medidas de identificat;ao dos sujeitos com 0 seu grupo: quanta maior era a identificat;ao com 0 grupo, maior era 0 extrernismo dos julgamentos em relat;ao aos membras do endogrupo. Mas se 0 extremismo dos julgamentos em relat;ao ao endogrupo e devido a urn processo de



380

'dentificarrao social, mais do que a perceprroes

EXTREMISMO DE JULGAMENTO E PERCEPC;OES DE VARIABILIDADE hmlgincmos que as representa<;iies uo enuogrllpo e uo cxogrllpo correspondialll. por exelllpio. na
I

10

25

30

25

J()

muito simpaticos

simpaticos

neutros

antipaticos

muito antipaticos

]

=IO()%

EXOGRUPO:

O____~____I_O____~___8_0____~____I_O____~____O____~J=IOO%

L I_ _ _ _ _

muito simpaticos neutros antipaticos muito simpaticos antipaticos Ou scju, os slIjeitos recoruam-se-iam de mcmbros Imlis extremos uo endogrupo do que do cxogrupo. Se repre_ scntarmos as uistribuh,()es utmves de histogrulllus. tcreillos nmi!. ou menos 0 seguinte:

df1b ENOOGRUPO

ENDOGRUPO:

simpaticos

neutros

antipaticos

muito antipaticos

EXOGRUPO:

muito simpaticos neutros antipaticos muito simpaticos antipaticos 5e rodmmos os dois histogrmnus e os sobrepusennos u um gnllico trudutor dus uvuliu"aes dos membros do endogrupo e do cxogrupo em questao ...

uvnliu<;ao

+

ENDOGRUPO

~ exogrupo, como poderemos explica-lo real~ente? Vma explicarrao explorada mais recente-

mente e que nao &e trata tanto de urn fen6meno de extremismo diferencial em relarrao ao endoropo e ao exogrupo, como de urn processo de ~entativa de exclusao dos membros do endogropo que amearram, do interior a positividade do grupo. Note-se que esta ideia e coerente com o que discutimos acima acerca dos trabalhos de Silllon e colegas. Ao rejeitarem os membros indesejaveis do endogrupo, os sujeitos estarao a procurar garantir a coesao do grupo em tome de vaIores aceites como positivos. Ou seja, trata-se de urn fen6meno essencialmente normativo.

EXOGRUPO

5c os sujeitos devcssem avaliar mcmbros positivos e ncgutiv.os dos dois grupos, no cuso do endogrupo o~ !.eus julgumcntos scriam tumbclll mais cxtremos, undo que, no cuso uo exogrllpo. nao se recordavnlll de ninglicill correspondendo u esstlS curucterfsticus. Estus rcpresentur;oes ua vuriubilidadc dos Illcmbros do endogrupo c do cxogrupo poderao corresponder liS ilvulia<;5cs seguintes na mesmu escalu:

muito simpaticos

~'ferenciais de homogeneidade no endogrupo e

EXOGRUPO

... vercmos que us avuliur;iies mais cxtrelllus dos membros do endogrupo pudcnio correspondcr simplcMllcnlc U cstn difercOI,n de informa<;ao e nao II um mnior invcstimcnto emocional nu pre~ervu<;ao ue umu iden,tiuude po~ilivu,

6,1.4. Extremismo, julgamentos normativos, e coesiio social Num estudo recente, Marques, Abrams, Paez e Taboada (1998) apresentaram aos sujeitos urn caso de homicfdio, pedindo-lhes que ordenassem as personagens implicadas no caso, da mais responsavel para a menos responsavel, e que justificassern essa ordenarrao. 0 estudo era apresentado como fazendo parte de uma investigarrao sobre «tornada de decisao em juri». Os sujeitos eram informados acerca de dois padroes distintos de tomada de decisao nesse contexte e oobjectivo suposto do estudo era 0 de saber em que padrao eles se incIuiam (padrao X ou padrao Y). Numa segunda sessao, os sujeitos eram categorizados num dos padrOes (sem que 0 soubessem, de forma aleat6ria), supostamente com base nos criterios que haviam evocado na justificarrao da sua ordena9ao das personagens. Pedia-se-lhes, enta~, que analisassem as ordenarroes dadas por cinco outras j)essoas. Numa condirrao (endogrupo) essas pessoas eram apresentadas como membros do endogrupo (pertencentes ao padrao X ou ao padrao Y,

381

se os sujeitos tivessem side categorizados, respectivamente, no primeiro ou no segundo padrao). Noutra condirrao (exogrupo), as pessoas eram apresentadas como membros do exogrupo (padrao X ou padrao Y, se os sujeitos tivessem sido categorizados, respectivamente, no padrao Y ou no padrao X). Na condirrao endogrupo, 4 pessoas apresentavam exactamente a mesma ordenarrao do sujeito (membras modais do endogrupo) e uma pessoa apresentava uma ordenarrao quase oposta (membro desviante do endogrupo). Na condirrao exogrupo, 4 pessoas apresentavam a ordena/fao oposta a do sujeito (membros modais do exogrupo) e uma pessoa apresentava uma ordenarrao muito semelhante a do sujeito (membra desviante do exogrupo).A tarefa dos sujeitos era avaliarem urn membro modal e 0 membro desviante. No entanto, esta tarefa nao era exactamente a mesma para todos os sujeitos. Enquanto que alguns nao recebiam qualquer informarrao antes de verem as respostas das pessoas que deviam avaliar (condirrao sem norma), outros eram informados, antes disso (condirrao nonna), que «diversos estudos demonstraram que os membros do padrao de avaliarrao» do sujeito «fazem geraImente a ordenarrao seguinte ... »_ E cada sujeito recebia como informa/fao que essa ordenarriio era exactamente a mesma que havia dado na primeira sessao. Ou seja, na condirrao norma, os sujeitos sabiam da existencia de uma nonna grupal, e verificavam que as suas respostas correspondiam exactamente a essa norma. o que mostraram os resultados? Em primeiro lugar, quando avaliaram 0 endogrupo e 0 exogrupo no geral, todos os sujeitos mostraram urn endogrupo bias: sem exceprrao, manifestavam uma atitude mais favoravel ao endogrupo do que ao exogrupo, diziam preferir fazer parte do endogrupo do que do exogrupo, consideravam que a categorizarrao tinha sido correcta. Mas algo diferente se passou nas avaliarroes dos membros individuais dos grupos: enquanto que,

383

382

na condicrao sem norma, os sujeitos avaliaram os membros do endogrupo (tanto os modais como o desviante) mais positivamente do que os membros do exogrupo, na condicrao norma 0 membros modal do endogrupo foi avaliado mais positivamente do que 0 membro modal do exogrupo, e 0 membro desviante do endogrupo foi avaliado mais negativamente do que 0 membro desviante do exogrupo (ver caixa da pag. seguinte). Ou seja, enquanto a simples categorizacrao gerou urn endogrupo bias nos dois tipos de membros, a associacrao de uma norma do endogrupo a essa categorizacrao gerou urn fenomenD proximo do efeito ovelha negra. Aparentemente, entao, 0 extremismo do julgamento em relacrao aos membros do endogrupo provem do facto de estes membros poderem mostrar-se coerentes com uma norma positiva para a identidade social do grupo ou em contradicrao com essa norma, sendo, neste caso, subjectivamente punidos atraves de uma avaliacrao extremamente negativa (Marques e Paez, 1994, 1996). Mas se este raciocinio estiver certo, ou seja, se 0 extrernismo for, efectivamente, urn processo normativo, podemos esperar que ele seja maior quando os sujeitos sabem que os seus proprios julgamentos vao ser avaliados por outros membros do endogrupo. Num segundo estudo, Marques e colegas (1998) categorizaram os sujeitos (padrao X e padrao Y) e informaram-nos sobre as respostas de membros modais e desviantes segundo urn procedimento identico ao anterior. Os sujeitos deviam igualmente julgar estes membros, no endogrupo e no exogrupo. Mas, numa condicrao, eram informados de que as suas avaIiacroes seriam, posteriormente, transmitidas a outros membros do endogrupo (responsabilizacrao em relacrao ao endogrupo), enquanto que, noutra condicrao, eram informados de que os seus julgamentos seriam transmitidos a membros do exogrupo (responsabilizacrao em relacrao ao exogrupo).

Se 0 extremismo do julgamento fosse dey' a uma percepcrao do endogrupo como send Ido °lll' heterogeneo do que 0 exogrupo (note-se a1s apesar de os grupos serem mfnimos, os suo ~Ue, . d . .. " ~eltos possuem am a aSSlm mms mlormacrao sobre endogrupo do que sobre 0 exogrupo: a info 0 - acerca d , . ),nao -deveriam exist' fIllacrao e 81' propnos diferencras em termos da responsabilizacrao. membros do endogrupo seriam sempre aValiad de forma mais extrema do que os do exogrupos Mas se 0 extremismo for 0 resultado de uo. . III processo normatlvo, e'de esperar que, quando anticipam 0 julgamento por parte de outras pessoas relevantes (os membros do endogrupo), os sujeitos estejam menos dispostos a revelar benevolencia em relacrao a alguem que ponha 0 seu grupo em causa. Nesse caso, os membros do endogrupo seriam avaliados de forma mais extrema na condicrao de responsabilizacrao perante o endogrupo. Foi 0 que mostraram os resultados: os sujeitos avaliaram sempre os membros rnodais do endogrupo mais positivamente do que os membros modais do exogrupo. No entanto, a diferencra era maior na condicrao de responsabiIizacrao perante 0 endogrupo. Para alern disso, quando eram responsabilizados perante 0 endogrupo, os sujeitos avaliavam 0 membro desvi ante do endogrupo mais negativamente do que o membro desviante do exogrupo. Ja quando eram responsabilizados perante 0 exogrupo, os sujeitos avaliavam 0 membro desviante do endogrupo mais positivamente do que 0 membro desviante do exogrupo (ver caixa da pag. seguinte). Dissemos acima que 0 facto de subavaliarem os membros indesejaveis do exogrupo pode servir para dar aos sujeitos a impressao de manterem a coesao do endogrupo em tomo de val ores susceptiveis de garantirem uma identidade social positiva. Assim, se for este 0 caso, poderemOS esperar que essa rejeicrao seja maior quando 0 endogrupo e heterogeneo (gerando uma maior normatividade para assegurar a coesao) do que

0:

AVALIACAO DOS MEMBROS MODAIS E DESVIANTES DO ENDOGRUPO E DO EXOGRUPO (MARQUES, ABRAMS, E PAEZ TABOADA, 1998)

EXPERIENCIA 2

D

Membro Modal Membro Desviante

Avaliayao +7

-

6

-

5

-

4

-

3

-

2 •1

endogrupo exogrupo Sem Norma

EXPERIENCIA 3

endogrupo exogrupo Com Norma

D

Membro Modal Membro Desviante

Avaliayao +7



6

.

5



4 3

.

2 . •1

endogrupo exogrupo Responsabilizatt8o perante 0 endogrupo

endogrupo exogrupo Responsabilizatt80 perante 0 exogrupo

, 385

384

quando 0 endogrupo e homogeneo. No ultimo caso, urn desviante sera men os amea~ador para a identidade do grupo no que no segundo. Foi com base neste raciodnio que Marques e Serodio (1996) pediram aos sujeitos que participassem num estudo sobre «estilos de imagina~ao e valores sociais». Na primeira sessao do estudo, os sujeitos deviam responder a urn falso teste de imaginatrao e, em seguida, a urn questiomirio de atitudes. Nesse questionano, eram apresentadas vanas afmna~oes ordenadas em termos de desejabilidade social (por exemplo, «os homossexuais deviam ser intemados em instituitr0es especiais de onde nunca pudessem sair» , «os homossexuais deviam ser intemados em institui~oes especiais de onde so pudessem sair em certas ocasioes», «os homossexuais sao pessoas doentes e deviam ser tratados», «os homossexuais nao sao doentes, mas deviam ter vergonha», «os homossexuais sao pessoas como as outras», etc.). A tarefa dos sujeitos, depois do teste de imagina~ao, era indicarem a afirmatrao com que mais concordavam, e as afirma~oes com que discordavam. Na segunda sessao, os sujeitos eram informados de que, segundo as respostas ao teste de imagina~ao (na realidade, de forma totalmente aleatoria), pertenciam quer ao tipo abstracto-pictorico, quer ao tipo picto-experiencial. Em seguida, supostamente para validar a rela~ao entre 0 tipo de imagina~ao e os valores, os sujeitos deviam analisar as respostas dadas ao questionano de atitudes por cinco pessoas que eram apresentadas como membros do endogrupo (condi~ao endogrupo) ou como membros do exogrupo (condi~ao exogrupo). Na conditrao endogrupo, quatro haviam escolhido afirma~oes proximas das escolhidas pelo sujeito (membros modais e socialmente desejaveis) e urn a afirma~ao mais rejeitada (membro desviante e socialmente indesejavel). Na conditrao exogrupo, quatro haviam escolhido afmnatroes proximas da mais rejeitada pelo

sujeito (membros e socialmente indese '_ Javei ) urn a mesma afirma~ao do que 0 sujeito ( s, e bro desviante e socialmente deSejavel~ern. sujeitos estavam ainda divididos em du . Os · - Numa cond'l~ao - 0 grupo era homoas _con. d l~oes. . d b ' haviamgeneo' ou seJa, to os os mem ros modcus lhido a mesma resposta. Noutra conditrao 0 esco. . d' era heterogeneo, ou seJa, 01S membros rngrupo . haviam escolhido as duas respostas viZinh~~~S res posta modal, e dois outros membros h . a . aVlarn escolhldo a resposta modal (ver Quadro Xv Os resultados apoiaram a hipotese. QUand ). 00 grupo era homogeneo, .os membros positivos do endogrupo eram avallados tao positivarnente como os do exogrupo, e os membros negativos do endogrupo eram avaliados tao negativarnente como os do exogrupo. Mas quando 0 grupo era heterogeneo, os sujeitos avaliaram os membros positivos do endogrupo mais favoravelmente do que os do exogrupo, e os membros negativos do endogrupo mais desfavoravelmente do que os do exogrupo (ver caixa da pagina seguinte).

7. ConcIusoes Eis-nos chegados ao fim deste capitulo. Muito ficou por dizer. 0 dorninio dos estereotipos e demasiado vasto para caber num capitulo de manual. Procuramos, no entanto, fornecer uma perspectiva geral, muitas das vezes de forma mais intuitiva do que baseada em model os teoricos que nao referimos explicitamente. Procunimos, igualmente, dar uma notrao do estado actual da investigatrao, dos seus pontos fortes e fracos, e dos seus pressupostos. o aspecto talvez mais importante relativamente a esses pressupostos esta ligado aexistencia de duas concep~oes diferentes do individuo que, no quotidiano, procura criar urn sentido de quem sao os outros e de quem e ele propriO. lIli quase 30 anos, Tajfel (1969) atacava a perspec-

DISTRIBUI<;OES DOS MEMBROS POSITIVOS E NEGATIVOS DO ENDOGRUPO E DO EXOGRUPO NAS CONDI<;OES HOMOGENEA E HETEROGENEA (MARQUES & SERODIO, 1996, EXP. 2). afirma~oes

alitllciillois

desejabilidade

2

Endogrupo

3

~ocial

4

5

6

7

4

Homogeneo Heterogeneo Exogrupo

2

Homogeneo

4

Heterogeneo

2

Nota: a posi~1io 6 corresponde

3

4

5

6

7

a afirmar;1io escolhida por todos os sujeitos.

tiva puramente mecanicista segundo a qual os estereotipos estavam associados quase exclusivamente a instintos destrutivos sem que existisse qualquer mediatrao cognitiva dos julgamentos feitos acerca dos membros dos grupos estereotipados. Trinta anos passados assistimos Ii situatrao inversa, pelo menos em muitos estudos. Nesses estudos, 0 sujeito tipieo e urn individuo cuja uniea preocupatrao e «simplificar» e «compreender». A sua propria pessoa esta ausente do processo de julgamento associado ao estereotipo. Nao temos dl1vidas de que essa «compreensao» e «simplificatrao» sao componentes importantes do processo. Mas, sem querermos regressar ao mecanicismo inicial, parece-nos que muitos dos julgamentos associ ados aos estereotipos nao resultam apenas de urn processo «frio», baseado exclusivamente nas caracteristicas dos estimulos e na organizatrao cognitiva da informa~ao. Pelo contrano, trata-se, em muitos casos, de um processo no qual os individuos se sentem pessoalmente envolvidos. Como pudemos ver, a

investiga~ao mais recente, nomeadamente acerca das percep~oes de homogeneidade dos grupos, tern vindo a recentrar-se progressivamente nesta ultima perspectiva. Esta investiga~ao mostra que os julgamentos ernitidos pelos sujeitos traduzem uma tomada de positrao em rela~ao ao alvo e a situatrao do julgamento. Urn segundo aspecto associado ao estudo dos estereotipos, que nos parece «pedagogico» em rela~ao a evolu~ao da Psicologia Social nas I1ltimas decadas tern a ver com a ideia do que e «sociab>, ou seja, em ultima analise, com 0 objecto da nossa disciplina. Nas ultimas duas decadas, a Psicologia Social sofreu uma forte influencia da abordagem dos processos cognitivos tal como foi proposta pel a chamada Cogni~iio Social (Wyer & Carlston, 1979; Wyer & Srull, 1994; ver Caetano, neste volume). Esta influencia traduziu-se na tendencia para estudar os processos psicossociais de forma analogica com os processos cognitivos mais gerais. Surgiram tentativas de explica~ao dos julgamentos estereotipicos e da organiza~ao

t

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387

CAPITULO XII AVALIA<;OES DOS MEMBROS POS!TIVOS E NE~ATIVOS DO ENDOGRUPO E DO EXOGRUPO NAS CONDI<;OES HOMOGENEA E HETEROGENEA (MARQUES, BRITO & SERODIO, 1996, EXP. 2)

D

Identidade social e relac;6es intergrupais

Membro Positivo Membro Negativo

Ava/iac;ao +7

-

6 -

Ugio Amancio

5 -

4 3

-

2

-

1. Introdm;ao

-1

endogrupo exogrupo Grupo Homogeneo

cognitiva que lhes esta subjacente. Sem duvida, a investiga~ao produzida permitiu avan~ar no dominio do conhecimento das estruturas e dos processos cognitivos relativos aos estere6tipos. Como escrevia Lippmann, mesmo sendo influenciados por criterios socialmente construidos, os estere6tipos existem «dentro das nossas cabe~as». No entanto, e talvez, sobretudo por estarmos a tratar de estere6tipos com todas as suas implica~6es individuais e sociais, toma-se evidente que

endogrupo exogrupo Grupo Heterogeneo

uma tal perspectiva, se nos limitarmos a ela, acabara por dar origem a uma visao reducionista dos estere6tipos. E verdade que, em muitos casos, se perderam de vista as componentes identitanas e ideol6gicas que presidem a constru~ao e manuten~ao ou mudan~a das cren~as estereotipicas (ver Doise, 1976; Vala, neste volume). Mas taIDbern e verdade que 0 estudo dos estereotipos enquanto processo cognitivo s6 se toma problematico se os reduzirmos apenas a isso (ver Doise, 1982).

As teorias das reJa~6es intergrupos representam, na hist6ria da Psicologia Social, uma desloca~lio do interesse por objectos de analise microssocial, como as interac~6es no seio de pequenos grupos ou entre individuos, para objectos de analise mais macros social, como as interac~6es reais ou simb61icas entre grupos sociais (Doise, 1972). Embora este interesse ja fosse manifestado por alguns autores na decada de 50 (LaViolette e Silvert, 1951), os movimentos sociais que tiveram lugar na Europa enos Estados Unidos no final dos anos 60 e no inicio da decada de 70 contribuiram, sem duvida, para a consolida~ao do interesse por esta area de investiga~ao em Psicologia Social (Caddick, 1982). o desenvolvimento das teorias das rela~6es intergrupos processou-se, no en tanto, por sucessivas rupturas que nem sempre se traduziram por urna melhoria no a1cance explicativo dos modelos e s6 recentemente a Psicologia Social europeia, em particular, procedeu a urn esfor~o C~lllulativo ao integrar 0 conhecimento produZldo de forma dispersa, ao longo de varios anos,

em novos quadros de referencia te6rica. Procuraremos, neste capitulo, apresentar a irregularidade desta evolu~ao, dando particular aten~ao ao modelo que mais contribuiu para a relevancia do conceito de identidade social e terminando com as produ~6es mais recentes neste dominio do conhecimento psicossociol6gico, a fim de mostrar que as transforma~6es recentes se traduzem numa maior complexidade dos modelos das rela~6es intergrupos, atraves da articula~ao das variaveis ideol6gicas, situacionais e cognitivas (Doise, 1984) e que esta articula~ao se repercute no maior a1cance explicativo daqueles modelos. o capitulo encontra-se organizado em tres partes. Na primeira, apresentamos brevemente a evolu~ao do conhecimento produzido pela Psicologia Social sobre uma problematica que tern side central nesta disciplina ao longo da sua hist6ria - a quesHio da diferencia~ao e da discrimina~ao sociais. Nesta apresenta~ao daremos particular aten~ao as no~6es de grupo e de identidade social, recorrendo as principais contribui~6es da Psicologia Social e da Socioiogia. A segunda parte e dedicada ao modele mais importante, a nosso ver, no quadro actual das

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teorias das rela~oes intergrupos, 0 modelo da escola de Bristol, e por isso mesmo adoptamos uma exposi~ao dos seus conceitos basicos de categoriza~ao social, identidade social e compara~ao social, baseada na hist6ria do pensamento dos seus autores, assinalando as rupturas e contradi~oes que permitem elucidar 0 reducionismo psicologico que lhes e frequentemente atribuido (Doise, 1987, 1988), assim como os aspectos que os autores deixaram inexplorados. Na terceira parte, apresentamos as contribui~oes da escola de Genebra, que, pelo facto de terem procurado, por urn lado, a articula~ao entre pensamento e comportamento e, por outro lado, a integra~ao e articula~ao das variaveis estruturais e situacionais nas teorias das rela~oes intergrupos, mais contribufram para uma perspectiva psicossociologica na analise das rela~oes reais ou simbolicas entre grupos sociais.

2. Perspectivas nos modelos das rela-;oes intergrupos 2.1. Contextos e tipos de relafoes intergrupos - 0 conceito de grupo A analise dos processos de discrimina~ao social, tanto ao nivel dos juizos e das avalia~oes como ao nivel dos comportamentos, ocupa urn lugar central nas teorias das rela~oes intergrupos e a propria no~ao de grupo e, neste ambito, conceptualizada em ruptura com algumas concep~oes anteriores. No quadro dos modelos interindividuais da dinamica de grupos, por exemplo, 0 conceito de grupo estava associado a interac~ao entre os seus membros, a interdependencia de fun~oes na prossecu~ao de urn objectivo comum e a urn limite quantitativo dos seus membros (Cartwright e Zander, 1953). Embora a interdependencia de papeis e de rela-

entre os seus membros, num dado m to, constitua ainda para Sherif (1967), qu: :en• dou as interac~oes entre grupos artifiCial stu. criados, 0 cerne da defini~ao de grupo, n:ente modelos das rela~oes intergrupos a defi .tr~s quantitativa interactiva do grupo toma-se :::rr~o vante, an~es se. acentuando 0 se~u caracter ~:: tracto e slmb6hco e uma emergencia «exte , . b mil» aos seus propnos mem ros, enquanto 0 ~ b'Ito de ap I'Ica~ao - u Itrapassa as catego'Seu am . . . b nas sltuaclOnalS e passa a a ranger tambem am I . .. Pas categonas SOCialS. Para Zavalloni (1972), 0 conceito de gru d . de elementos qupo esta" assocI a 0 a urn conJunto e participam na identifica~ao dos seus membros enquanto Tajfel (1972 a) situa 0 grupo nu~ quadro de interdependencia, visto que as carac. teristicas que permitem a identifica~ao dos membros dos grupos adquirem 0 seu significado atraves da compara~ao social. Deschamps (I 982 a), por sua vez, nao considera que esta interde. pendencia seja equivalente ou simetrica no quadro das rela~Oes entre grupos sociais, antes a situa em rela~ao a urn universo simbolico comum, que define as posi~oes relativas dos grupos. Estas conce~Oes do «grupo» revelam, desde logo, diferentes abordagens das rela~oes intergrupos, mas uma exposi~ao mais detalhada de alguns modelos permitira salientar melhor as diferenrras nas explicarrOes (Doise, 1982) procuradas para os processos de discrimina~ao nas interac~oes sociais. Uma das primeiras reflexOes te6ricas sobre a questao da discriminarrao social encontra-se numa obra que reune urn conjunto de ensaios escritos por Kurt Lewin (1948) nos anos 30 e 40, a partir da observarrao dos acontecimentos na Europa dessa epoca, assim como da situa~ao dos negros e da Iuta das mulheres pelo direito de voto nos Estados Unidos, pais para onde emigrara em 1932. 0 proprio indice desta obra apresenta os ensaios sobre conflitos em pequenO S grupos em situa~ao de face a face separada~oes

te dos ensaios sobre conflitos intergrupos, ..,eO - trad UZla ' J" olTlO 0 pensamento d 0 autor nao l la c lTlera extrapola<;ao do plano interindividual lima . o plano IOtergrupal. par~o analisar uma das formas mais dramaticas discrilTlina<;ao social da epoca, 0 anti-semide I' .,I . 0 0 autor sa lenta a sua ongem SOCIa IIS!T1 , d' . . an do-a em for~as externas ao grupo ISCflsIIU . ado e independentes do comportamento ou flltn da s caracterfsticas dos seus membros. Esta J1Ies lTla ideia surge no ensaio de Sartre (1954) obre 0 mesmo tema, quando afirma que 0 ver~adeiro judeu so existe na mente do anti-semita. Mais do que produzir urn modelo de rela<;oes intergrupos. 0 pensamento de Kurt Lewin era orientado pela preocupa<;ao de ajudar os judeus a enfrentar a discriminarrao, nomeadamente atraves de praticas de socializa<;ao que desenvolvess em a consciencia do destino comum a que estavam sujeitos e da afirma<;ao de que 0 «born» comportamento dos membros individuais do grupo em nada afectava a condi<;ao colectiva deste, antes representava a aceita<;ao de uma fonna de pensamento social para a qual os individuos nao haviam participado. Apesar desta orienta~ao aplicada, 0 pensamento de Kurt Lewin representa uma perspecliva e avan<;ou alguns conceitos fundamentais para a analise das rela~oes intergrupos que, no entanto, so viriam a ganhar dignidade cientifica muitos anos mais tarde. As interac<;oes sociais analisadas por este autor constituem, como afirma Apfelbaum (1979), rela<;oes de domina~ao, base ad as numa diferenr;a de poder simbolico. o grupo dominado e, neste caso, uma entidade sUbjectivamente construida, que reune os seus membros sob urn «destino comum», como afirma Lewin (1948, p. 165). no quadro de uma defini~ao categorial que transforma os individuos abrangidos por ela em «invisiveis» (Apfelbaum, 1979, p. 169) quanto a sua distintividade indiVidual. Esta assimetria entre os grupos no

dominio dos recursos simbolicos repercute-se numa assimetria na capacidade de acrrao e mudan<;a da rela<;ao que depende da consciencia colectiva da natureza dessa rela<;ao por parte do grupo dominado. Perspectiva bern diferente e a que dominou os estudos sobre 0 etnocentrismo, no<;ao que surge numa obra etnogrMica de Sumner em 1906, tal como as de endogrupo (grupo proprio ou de perten<;a) e de exogrupo (grupo dos outros). Numa revisao de literatura sobre as teorias do etnocentrismo, LeVine e Campbell (1972) definem-no como uma sfndroma que se caracteriza pela percep<;ao e avaliarrao da realidade centrada no grupo de perten<;a e que serve de ponto de referencia para a c1assifica<;ao e avalia<;ao dos outros grupos. 0 estudo sobre a personalidade autoritaria (Adorno et al., 1950) mostrara, de facto, que a adesao aos valores religiosos e morais do grupo de perten<;a estava associada a rejeirrao das minorias, com base nas suas diferen<;as etnicas, religiosas e morais. A no<;ao de «sindroma» remete-nos para 0 conceito de atitude, utilizado por Thomas e Znaniecki na sua obra de 1918, The Polish Peasant, sobre a integrarrao dos polacos na sociedade americana. Na sua primeira defini<;ao, 0 conceito de atitude permitia estabelecer uma ligarrao entre 0 psicologico e 0 cultural, constituindo, por isso mesmo, urn objecto de analise espedfico da Psicologia Social. Definirroes posteriores do conceito, como a de Allport, em 1935 (Allport, 1966), negligenciaram a vertente cultural ao considerar a atitude urn estado de prontidao mental, e esta psicologiza<;ao do conceito dominou a Psicologia Social durante largos anos, como mostram J as pars e Fraser ( 1984) (ver 0 capitulo sobre «Atitudes)~, para uma analise mais pormenorizada). Esta e a perspectiva adoptada pelo proprio Allport ( 1954) numa obra sobre 0 preconceito, escrita no periodo da luta dos negros americanos pelos direitos civicos e

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onde 0 autor analisa as atitudes, decompostas nas suas tres dimensoes: a cognitiva, que se exprime nos estere6tipos, a avaliativa, que constitui 0 preconceito, e a influencia destas duas dimensoes na predisposicrao para os comportamentos hostis em relacrao as minorias. Os estere6tipos constituem para este autor ideias fixas e rigidas que resultam da ignorancia e da falta de informacrao. Por is so mesmo, 0 autor propOe a educacrao e 0 contacto entre os grupos como formas de reduzir 0 etnocentrismo e a hostilidade em relacrao as minorias. o etnocentrismo resulta, assim, de uma rigidez na visao da realidade social que se explica pela ignorancia, segundo Allport, ou pela personalidade autoritaria, segundo Adorno e os seus colaboradores, 0 que nao pennite compreender, por exemplo, a persistencia da discrirnina9ao das minorias emigrantes nas sociedades da Europa ocidental, onde ela coexiste com normas democniticas e de tolerancia, como salienta Billig (1984). A analise do etnocentrismo no periodo aureo dos modelos das atitudes em Psicologia Social ficou, portanto, limitada a extrapolacroes do nivel psicol6gico para as rela90es intergrupos, pois, como mostrava a revisao de Le Vine e Campbell (1972), os estudos que integravam as variaveis situacionais e estruturais provinham da antropologia e da sociologia, 0 que levava os autores a apelar a uma integracrao entre as ciencias sociais para 0 desenvolvimento dos estudos das relacroes intergrupos. Vma abordagem mais recente do etnocentrismo (Brewer, 1979) procura situar este fen6meno no ambito dos processos de diferenciacrao entre os grupos e, nesta perspectiva, 0 que importa analisar sao as dimensoes de diferencia9ao entre os grupos e as condi90es de emergencia dessas dimensoes. Oeste modo, a explica9ao do etnocentrismo desloca-se do plano da personalidade para 0 plano das relacroes intergrupos.

A Psicologia Social produzira , no ent durante os anos 60, urn modelo que co ~nto, _ " nstltu' excep9 ao ao quadro exphcatIvo das rela ~ la intergrupos que acabamos de apresentar. 0 \!oes delo de Sherif (Sherif et aI., 1961; Sherif 1 Illo. Sherif e Sherif, 1979) sobre 0 conflito in~ 967; . . ergru pos Vlsava Justamente uma integracriio entr • e «psicoI6gico» e 0 «socioI6gico» (Sherif 1g 0 , 67 p. 376) a fim de ultrapassar a tendencia ' a extrapolar do nivel de analise individuJar interindividual para 0 nivel de analise inte ou r&n!. pal. Este modelo e construido a partir da cria ~ . I d . \!ao expenmenta e sltuacroes de competi~ao e cooperacrao entre dois grupos (ver 0 capitul sobre «Conflito e cooperacrao nas rela~oes inter~ grupais») e pennite evidenciar que os compona_ mentos hostis entre grupos, assim como os juizos e avalia90es que favorecem 0 grupo de perten9a em detrimento do outro grupo, resultam da situacrao de conflito e nao das caracteristicas dos membros do grupo ou da estrutura intema deste. Mas e esta mesma perspectiva que coloca, desde logo, a questao da identidade no amago das rela~oes intergrupos, porque: ... sempre que membros individuais de urn grupo interagem colectiva ou individualmente com outro grupo OU membros dele em termos da sua identifica~ao grupnl, temos uma instancia de rela90es intergrupos (Sherif, 1967, p.426).

2.2. 0 nos e

eu nas relafoes intergrupos - 0 conceito de identidade social 0

De salientar que naquela afirmacrao a identidade aparece integrada no quadro das pr6prias rela90es intergrupos, mas 0 facto de Sherif ter analisado urn padrao especffico de relacr oes intergrupos, 0 do conflito de interesses, serve de fundamento para a critica de que a sua nocrao de identidade corresponde a urn «epifen6meno» do

flito intergrupos (Tajfel e Turner, 1979, con34). Como veremos ad'lante, a mesma cntIca ,. ~:.nera fazer-se a estes autores por terem feito 1"'-ender a sua analise da identidade de urn depteO padrao especi'fiICO d ere1 - 'mtergrupos; acroes o~ e a integracrao da identidade no quadro das nao , .. , 1 . layoes intergrupos que e cntlcave, mas Slm re restricrao destas a determinados padroes. ~, alias, pela integra~ao ~a identidade em difeentes tipos de relacroes mtergrupos que a sua :bordagem mais recente na Psicologia Social roIllpe com tradicroes anteriores. De facto, a no~ao de identidade estabelece uIlla liga~ao entre 0 psicol6gico e 0 sociol6gico (Zavalloni , 1972), aspecto que e salientado tanto por psic610gos sociais como por soci610gos, visto que «receber uma identidade e urn fen6meno que deriva da dialectic a entre 0 individuo e a sociedade» (Berger e Ludemann, 1966-76, p. 230), mas a dimensao social da identidade tem sido objecto de diferentes conceptualiza~i'ies. Para Mead (1934), 0 eu emerge da interac~iio entre urn elemento-sujeito criativo de ordem psicofisiol6gica e urn elemento-objecto que constitui a intemalizacrao das atitudes dos outros, e se traduz, nas interaccroes sociais, pel a capacidade de assumir a posi9ao do outro. No quadro do interaccionismo simb6lico da escola de Chicago, o contexto ou as situacroes sociais especificas constituem 0 ambito preferencial da dimensao social na definicrao dos individuos (Goffman, 1963-82). As teorias do papel em Psicologia Social, que sofreram influencias tanto do interaccionismo simb61ico como do funcionalismo (Rocheblave-Spenle, 1962), abordam ainda a identidade numa perspectiva situacional, na medida em que a nocrao de eu resulta do conhecimento das norm as e val ores associ ados as posi~oes ocupadas num determinado contexto (Sarbin e Allen, 1968) e este conhecimento corresponde tambem a uma forma de adaptacrao da accrao individual ao contexto.

Para Zavalloni (1972), no entanto, a ligacrao entre 0 psicol6gico e 0 sociol6gico que 0 conceito de identidade estabelece nao reside unicamente na representacrao que os individuos fazem dos seus papeis, mas as representa90es sobre os grupos de pertencra e suas posi90es sociais tambern contribuem para a perceP9ao do eu. Para Tajfel, por outro lado, a identidade social ... esta associada ao conhecimento da perten9a aos grupos sociais e ao significado emocional e avaliativo dessa perten9a (Tajfel, 1972 a, p. 292).

Desde logo, estas duas ultimas definicroes, tal como a de Sherif, alargam a dimensao social da identidade a relevancia da perten9a ao grupo, mas se os grupos, e as representa90es que lhes estao associadas, podem emergir de contextos especificos, eles tambem se inserem num universo simb6lico comum que diferencia os grupos atraves das suas posicroes relativas e de modalidades diferentes de identidade social (Deschamps, 1982 a). Esta abordagem da identidade social situa-se numa perspectiva psicossociol6gica, na medida em que articula as condi90es objectivas da rela9ao intergrupos com uma dimensao cognitiva que faz da identidade social urn constructo subjectivo. Esta ultima dimensao da constru9ao social da identidade (Weigert, Teigte e Teigte, 1986), por outro lado, tende a ser negligenciada na abordagem socio16gica que integra este conceito numa interpreta9ao mais geral da realidade social: ... os tipos de identidade ... sao produtos sociais tout court, elementos relativamente estaveis da realidade social objectiva (Berger e Luckmann, 1966-76, p. 230).

No quadro das teorias mais recentes da Psicologia Social, 0 modelo da identidade social da escola de Bristol, que iremos expor na primeira parte do subcapitulo seguinte, merece-nos particular atencrao porque foi 0 primeiro a colocar a identidade no centro da analise das rela90es



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intergrupos, atribuindo-Ihe uma posi~ao explicativa da diferencia~ao e da discrimina~ao sociais, para alem de pretender proporcionar a psicologia social instrumentos teoricos e empfricos para a analise de fenomenos macrossociais. No entanto, ao fazer depender a identidade da perten~a aos grupos, sem considerar quer a posi~iio objectiva destes, quer os conteudos definidores da propria identidade, tornou-se diffciJ generalizar aquele modelo a outros tipos de rela~oes intergrupos diferentes das que foram operacionalizadas nos estudos de Bristol. A integra~ao dos conteudos da identidade e das posi~oes objectivas dos grupos pennite analisar os processos que participam na constru~ao social da identidade, mas esta perspectiva esta particulannente associada aos estudos efectuados pela escola de Genebra, que serao abordados no subcapitulo seguinte.

3. Categoriza~ao social, identidade social e compara~ao social - 0 modelo da identidade social da escola de Bristol

3.1. Origens do modelo

o modelo de Bristol refere-se a uma perspectiva no quadro das rela~oes intergrupos que pretende nao so ultrapassar as extrapola~oes do nivel individual e interindividual para 0 nivel das rela~oes intergrupos, que caracterizaram os estudos sobre 0 etnocentrismo (Tajfel, 1978), como questionar a relevancia do conflito enquanto detenninante da discrimina~ao entre grupos sociais (Turner, 1981), salientada pelos estudos de Sherif. Mas se 0 modelo e frequentemente associado aos nomes de Tajfel e Turner, atraves do artigo que talvez mais tenha con-

tribuido para a sua divulga~ao, sobretud Estados Unidos (Tajfel e Turner, 1979) 0 nos . - destes dOIS . autores foi muito difl, a con tn·b Ul~ao , I d a mvestlga~ao · . - empirica Coerente' tanto ao mve niveJ da produ~ao teorica. rno ao De facto, os primeiros estudos da esc I . oa~ Bnstol resultam, sobretudo, do percurso ci ' ." I . ent!_ fiICO de H enn. 'T'JajJe, em particular, dos estudo que efectuara nos anos 60 sobre a perce _ s P~ao ' · sa I·lenta numa entrev. como e Ie prOpno Ista (Cohen, 1977-81) e numa das suas ultimas ob (Tajfel, 1981-83). Da sua colaborarao ras l' corn Jerome Bruner, nos anos 50, resultara uma ' tica a vi sao mecanicista da percep~ao, que P~~~ supunha que as pessoas apreendiam a realidade de fonna «objectiva» e que as excep~oes a esta forma de apreensao da realidade constitufam «erros» tipicos de personalidades autoritanas ou de pessoas incultas. Os juizo perceptivos tern por fun~ao, segundo Tajfel (1957), acentuar a diferen~a aparente numa dimensao, mesrno fisica, sempre que a esta dimensao esteja associada uma dimensao valorativa, e assentam nurn processo cognitivo universal, a categoriza~ao, que se aplica tanto a estimulos fisicos como a estimulos sociais, e que nao depende nem da personalidade nem do grau de informa~ao dos individuos; constitui, antes, urn processo cognitivo necessario para a organiza~ao e selec~ao da infonna~ao complexa. Os estudos efectuados para analisar os efeitos do processo de categoriza~ao na percep~ao de estimulos fisicos (Tajfel e Wilkes, 1963) mostraram que a introdu~ao de urn conceito binario de c1assifica~ao, como as letras A e B, era suficiente para que os sujeitos sobrestimassem a semelhan~a na dimensao de grandeza entre elementos de uma mesma categoria e sobrestimassem as diferen~as entre os elementos da categoria A e os da categoria B, embora a cO-ocorrencia daqueles efeitos de sobrestima na~ ficasse comprovada. A experiencia de

·fel , Sheikh e Gardner (1964). procurou gene_ 0 processo da cate~onz.a~ao, e co~seentes efeitos da sobrestImatlva perceptlva, qll .. estimulos SOCialS, que neste caso eram as jlOS • d· 0 tegorias dos CanadIanos e dos In Ianos. s ell . . d I res Ultados mostraram . que os SUjeltos, to os e es anadianos, sobrestlmavam a semelhan~a dos ~oiS sujeitos-estimulo indianos nos tra~os mais If ico S do estereotipo do indiano. A recolha dos : ereotiPos do indiano e do canadiano, tambem efectuada junto de sujeitos canadianos, revelara e .. urna maior incidencia de tra~os POSltIVOS no estereotipo do grupo de perten~a e de tra~os egativos no estereotipo do outro grupo. No n entanto, e em contradi~ao com a h·' 'potese da universalidade dos efeitos da categoriza~ao, os sujeitos nao sobrestimaram a semelhan~a d~s sujeitos-estimulo canadianos nos tra~os mats tfpicos do seu estereotipo, embora 0 tenham feito no caso dos indianos, 0 que evidenciava modos de funcionamento diferente do processo de categoriza~ao em fun~ao da categoria social-estimulo. Estes estudos permitiram, apesar de tudo, que Tajfel propusesse uma nova abordagem da diferencia~ao perceptiva e avaliativa entre grupos sociais (Tajfel, 1969 a, b), segundo a qual a categoriza~ao constituia urn poderoso processo organizador e simplificador da realidade social, tanto mais forte quanto estao associadas dimensOes avaliativas as categorias sociais, seja ao nivel dos criterios c1assificatorios, seja ao nivel dos conteudos descritivos. Por isso mesmo, a preservas:ao do sistema de categoriza~ao e das conota~oes valorativas que Ihe esHio associadas, e que sao transmitidas pela cultura e pel os valores dos grupos de perten~a, e conseguida atraves do tratamento dos criterios c1assificatorios, Como homem-mulher, branco-negro, inglesfrances, enquanto dimensoes descontinuas, atraves da selec~ao nas interac~oes sociais das caracterfsticas que confirmam 0 efeito preditivo fll)

ralizar

da categoria e que validam urn conhecimento «subjectivo» da realidade facilitador da integra~ao dos individuos; e, finalmente, atraves da instrumentalidade dos conteudos categoriais, sob a forma de estereotipos, nas interac~oes sociais, visto que a identifica~ao da categoria de perten~a dos individuos e facilitada pela visibilidade do criterio que a define, sobretudo quando esses criterios sao fisicos, como 0 sexo ou a cor da pele. Os estereotipos sociais constituem, nesta perspectiva, formas especfficas de organiza~ao subjectiva da realidade social, reguladas por mecanismos sociocognitivos, que permitem compreender a sua incidencia e resistencia nas interac~oes sociais, ao contrario das explica~oes que os associavam a «desvios» individuais, como a falta de informas:ao e a «rigidez» do pensamento.

3.2.0 paradigma dos «grupos minimos» Se, ao nivel dos juizos, os estudos mostravam que uma categoriza~ao provocava uma diferencia~ao entre as categorias sociais que se traduzia numa avalia~ao positiva da categoria de pertens:a em detrimento da outra, tornava-se necessario analisar se a categoriza~ao tambem se traduzia em discrimina~iio intergrupos, isto e, num «comportamento de favoritismo pelo endogrupo em detrimento do exogrupo» (Tajfel, 1978, p. 439). Poi este objectivo que orientou a constru~iio do chamado paradigma dos «grupos minimos» (ver na caixa seguinte a descri~ao de uma destas experiencias), que se integrava num projecto de investiga~ao sobre as condicroes de emergencia da discriminas:ao intergrupos (Brown, 1986), e atraves do qual se pretendia estudar as condi~oes minimas do efeito da categoriza~ao na discriminayao intergrupos.

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395

AS MATRIZES DE TAJFEL

A EXPERIENCIA DOS «GRUPOS MlNIMOS» Na primeira parte da experiencia, sujeitos adoleseentes do sexo maseulino slio eonvidados a manifestar a SUa preferencia estetiea por um de dois quadros que Ihes suo apresentndos numa serie de diapositivos. Os sujeitos Sao seguidamente infollllados de que seriio repartidos em dois grupos, em fun~lio tias suns preferencins pelos qundros de Klee ou pelo!> de Kandinsky. Ao mesmo tempo, um segundo experimentador proeede. supostamente. ao tratamento das respo~tns dos sujeitos. ma~ esta de facto a proceder it sua distribui<;:ao aleatoria pel os dois grupos. Na segunda patte da experic~ncia e pedida a colabora~ao dos sujeitos para participarem num estudo sobre os processos de tomadn de decisao e e-Ihes distriburdo um cademo clIja primeira pagina apresenta 0 nome tio pintor supostamente preferido pelo sujeito para designar 0 seu grupo de perten<;a. No interior, eada folha apresenta lima matriz de numeros que representam um valor em dinheiro e que os sujeitos tem de repartir entre um membro do seu grupo de penen<;a. design ado por um numero, e um membro do outro grupo. tambem design ado por um numero, pelo que a categorizu<;:uo dos receptores dos pontos em a unica infonnn<;ao saliente. A experiencia tetmina apos esta turefa.

Matriz tipo I

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o procedimento utilizado no paradigma dos «grupos minimos», em que se inscreve a experiencia que acabamos de descrever e outras semelhantes efectuadas pela equipa de Bristol, caracteriza-se fundamentalmente pela cria~ao de uma situa~ao socialmente «vazia», a fim de isolar a categoriza~ao enquanto condic;ao minima da emergencia da discrimina~ao intergrupos. Por isso rnesmo, os sujeitos pertenciam todos ao mesmo sexo e a mesma faixa etana, nao havia interacc;ao entre eles em nenhuma das fases da experiencia e a categorizac;ao era induzida atraves de urn criterio inteiramente abstracto e sem qualquer significado, visto que nao havia conteudos as sociados ao «grupo Klee» ou ao «grupo Kandinsky». Por outro lado, as variaveis dependentes (ver nas duas pags. seguintes as caixas com a explica~ao das matrizes e da tecnica de cota~ao) proporcionavam varias possibilidades de resposta aos sujeitos e constituiam uma rnedida «racional» de comportamento discriminatorio, visto que a escolha de uma resposta favorecendo o endogrupo em detrirnento do outro grupo correspondia a uma op~ao consciente e deliberada dos sujeitos, entre as vcirias respostas possfveis,

sem qualquer pressao exterior senao a que fora criada pelas condi~6es experimentais. o resultado mais surpreendente destas experiencias era, justamente, 0 facto de os sujeitos manifestarem uma clara preferencia pelas estrategias de diferencia~ao, em particular 0 autofavoritismo relativo, mesmo perdendo em valores absolutos relativamente as outras possibilidades de resposta. A explica~ao para este solido efeito discriminatorio do outro grupo, que estava associado ao favoritismo pelo endogrupo e que se manifestava em todos os grupos de forma simetrica, nao se encontrava em nenhum dos modelos anteriores das rela~6es intergrupos. De facto, a ausencia de interac~ao entre os sujeitos, antes ou durante a experiencia, assim como a ausencia de qualquer indu~ao de competi~ao, eliminava a possibilidade de conflito e tambem nao era a no~ao de destino comum que permitia explicar os resultados. De facto, 0 paradigma dos grupos mfnimos inspirara-se, precisamente, na condic;ao controlo da experiencia de Rabbie e Horwitz (1969), ern que os autores haviam operacionalizado a no~ao de destino comu~ atraves da possihilidade de os grupos expen-

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Quando os numeros da linha tie cima sao pam 0 grupo pnSpno (OP) e os da Itnha de baixo para 0 Olltro grupo (GO). a recompensa maxima C0l11U111 (RMC) cneontra-se :1 dirc ita da matriz, e a reClll11pCnSa maxima para 0 grupo proprio (OPM). a~sim C01110 a maxima diferen~a cntre elc e Olltro (OM). encontra- ~e Ue~qucrda. Quando O~ mimeros da hnha de cima ~e destinam ao outro grupo (00 ) e 0 \ de baixo ao grllpo pniprio (OP). RMC, OM c OPM estao direita da matriz.

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Matriz tipo 2

7 (Tajfel el al.. 1971)

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-----------------------------------------------Quando os numeros da linha de cima sao para grupo proprio (OP) e os da linha de baixo para

0 0 outro grupo (GO). a recompensa maxima comum (RMC) e a recompensa maxima para 0 grupo pr6prio (OPM) cncontram-se u direita da matl'il.. e a diferen\=a maxima entre 0 grupo pniprio eo outro grupo (OM) encontra-se a esquerda. Quando os numeros da linha de cima sao para 0 outro grupo (00) e os da linha de baixo para 0 grupo pr6prio (OP). RMC. GPM e OM estao it direita da matriz. Cada uma destas matrizes pos~ui uma versao invertida. Na malriz tipo I. e~sa versuo come~a 11<1 coluna 7125 e term 111 a na coilina 1911. Na matri z tipo 2. ela come~a na colllllU 19/25 c tcnnina na coluna 711. Em todo~ o~ caso~. (l po!>icionamento das medidas c exactamcnte 0 contrano do que acabamos de descrever para cada matriz. E,ws matrizes pCllllitcm medir eMrategia~ dc resposta que se dtvidem em indieadore~ de difcrenc ia<;ao e lIldi cadore~ de indiferencia<;ao. Suo indicadore~ de di/i.' r£'ltcia{,(l o :

- a preferencia por OPM+OM (0 numcro maximo posslvel panl 0 grupn proprio e a maxima direren~a entre o seu grupo e olltro) sobre RMC (reeompensa m(lxima comuIII) na matriz tipo I. que traduz uma resposta de (/1I/{!/i.lI l orili.111l0 ah.wllllo; - U pl'efercncia por OM (diferen~a maxima entre 0 grupo pr6prio e 0 outro grupo) sobre OPM+RMC (recompensa nUlxima para 0 gntpll pt6priu e maxima cOlllum) na matl'i z tipo 2. que traduz lima rc:-posta de all/(dcII 10rili.l'11lo r l!lalil'o.

Os indicadores de illdijerl!llciar;cio sao os seguimes : - a preferencia por RMC (reCOlllpetNllllaximu comum) sobre OPM+OM (0 mi1l1t!ro tmiximo possrvel para 0 grupo proprio e a Ill{IXima diferenc.;a entre os do is grllpos) na lIlutriz tip~) I; - a preferencia por OPM+RMC (rec01l1penSlI tmixima para 0 grllpo proprio e tmixi1l1o comllm) sobre OM (difel'cnc,a nllixima entre 0 grllpo pnSprio c 0 outro grupo) na matriz tipo 2. (Tajfel. ell/I., 1971)

Illentalrnente criados, neste caso os «azuis» e os «verdes», virem a ganhar uma recompensa por decisao do experimentador. Esta experiencia Illostrara uma diferencia~ao perceptiva nos juf-

zos do endogrupo em rela~ao ao outro grupo nas condi~6es de manipula~ao da percep~ao do destino com urn, mas nao na condi~ao controlo.



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A TECNICA DE COTA<;AO DAS MATRIZES Para a cota~ao das matrizes, de acordo com Turner (1978 a), e necessario considerar que em cada tipo de matriz as diferentes estrategias de resposta possiveis (varhiveis dependentes), ou coincidem todas num extremo d matriz ou situam-se dos dois lados, consoante 0 alvo dos pontos de cada linha da matriz Suponhamos que queriamo: medir a prererencia por GPM+DM, ou autofavoritismo, sobre RMC, ou recompensa mlixima comum, na matriz tipo 1. Quando os mlmeros da linha de cima se destinam ao outro gropo e os da linha de baixo ao gropo proprio, GPM,DM e RMC coincidem todas do lade direito da matriz, por isso atribul-se 0 ao elemento 7125, que se encontra desse lado e 12 ao elemento 1911, que se encontra do lade oposto, e os restantes elementos da matriz sao cotados com os valore~ que se situam entre 12 e O. Se nesta apresenta~iio da matriz 0 sujeito escolheu 0 elemento 10119, a sua resposta serA colada 3, tanto para GPM+DM como para RMC. Quando os numeros da linha de cirna se destinam ao grupo pr6prio e os da linha de baixo ao outro grupo, a escala anterior aplica-se a GPM+DM, que se deslocararn para 0 lado esquemo da matriz, e inverte-se para RMC, que perrnanece do lado direito Se, neste caso, 0 sujeito deslocou a sua escolha para 0 elemento 15/9 da matriz, cuja cota~iio e 8 na escala de 12 a 0, a cota~1io de autofavoritismo seria 5 (8-3::5) e ode RMC sera 1(4-3), visto que, na escala invertida de 0 a 12,0 elemento 15/9 e cotado 4. Portanto, numa mesma resposta, 0 sujeito recebeu uma cota~iio de 5 em GPM+DM e 1 em RMC, visto que a desloca~ao da sua reposta exprime uma preferencia por GPM+DM em rela~ao a RMC. Quando existe uma segunda versao (invertida) da mesma matriz, a cota~ao do sujeito resultara da soma das respostas as duas versoes dividida por 2. No exemplo que estamos a dar, e supondo que 0 sujeito fizera as mesmas escolhas nas duas versoes da matriz, a sua cota~ao final em GPM+DM seria 5 [(5+5)/2] e a cota~iio em RMC seria 1 [1(1+1)/2]. (Turner, 1978 a)

Vma prime ira explica~ao situar-se-ia na existencia de uma «norma social generica» de favoritismo pelo grupo proprio (Tajfel et aI., 1971, p. 174), ou seja, uma norma de etnocentrismo. Esta explica~ao seria, no entanto, ultrapassada num artigo em que Tajfel (1972 a) estabelece uma liga~ao entre a categoriza~ao social e a identidade social. Vma vez que esta esta associ ada ao conhecimento da perten~a, evocado pela categoriza~ao, 0 significado emocional e avaliativo que resulta dessa perten~a exprimir-se-ia no favoritismo pelo endogrupo em detrimento do outro. Transpondo a teoria da compara~ao social de Festinger (1954) do nivel interindividual para 0 das rela<;oes intergrupos, Tajfel considerava no mesmo artigo que os grupos sociais so podem contribuir para uma identidade social positiva dos seus membros, na medida em que se distinguirem positivamente de outros grupos. A liga~ao entre categoriza~ao

social, identidade social e comparayao social estabelecida por Tajfel constitui uma integra~ao de process os cognitivos no quadro de uma dinamica intergrupal, mas esta ultima fica dependente dos individuos enquanto fontes de avalia~ao positiva do grupo de perten<;a. Esta subalterniza<;ao compreende-se no quadro de urn esfor~o de interpreta<;ao dos resultados da experiencia dos «grupos minimos», caracterizada precisamente por urn total «vazio» social e onde os sujeitos teriam procurado introduzir urn significado atraves de uma identifica<;ao positiva com 0 grupo de perten~a. E ainda a procura de uma explica<;ao para os resultados obtidos nas experiencias dos «grupos minimos» que leva Turner (1975) a introduzir uma altera<;ao naquele procedimento, que consiste em dar a possibilidade aos sujeitoS de atribuirem pontos tambem a si proprios e a outros.

Com este procedimento (ver descri<;ao das eriencias na caixa abaixo), 0 autor mostrou ellPe 0 favontlsmo .. . pe I0 en dogrupo e a d"IscnmlqU~liO intergrupos aparecem em situa<;oes de n:tegoriza<;ao, independentemente de os pontos ~as matrizes terem ou nao valor monetano (esta ariavel so afecta as estrategias atraves das vuais se exprime 0 favoritismo pelo endogrupo ~ a discrimina<;ao intergrupos). No entanto, se a situa~lio experimental 0 permitir, ou porque nao elliste categoriza<;ao, ou porque os sujeitos come~ararn por fazer escolhas entre eles proprios e outrOS, en tao 0 autofavoritismo substitui 0 favoritismo pelo endogrupo e a discrimina<;ao interindividual substitui a discrimina~ao intergrupos.

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Estes resultados evidenciariam 0 efeito da competi<;ao social por uma identidade pessoal positiva que explicaria os resultados obtidos nas experiencias dos «grupos minimos». Nesta perspectiva, os processos intergrupais de categoriza<;ao e compara<;ao sociais pass am a ser regulados por uma motiva<;ao e 0 proprio grupo de perten<;a torna-se uma entidade temporana e arbitraria, que serve de mero substituto funcional a satisfa~ao da necessidade de urn self positivamente distintivo. Ao nivel da produ<;ao teorica, e embora Tajfel e Turner tenham associado as suas ideias num mesmo modelo da identidade social (Tajfel e Turner, 1979), as reflexoes dos dois autores

A HIPOTESE DA COMPETI<;AO SOCIAL Turner efectuou duas experiencias para validar e ta hipotese, ambas inspiradas no procedimento dos «gropos minimos». Na primeira, os sujeitos, todos adolescentes do sexo masculino, come~am por exprimir as suas preferencias por urn dos dois quadros que slio apresentados em diapositivos. Na segunda parte da experiencia, slio distribuidos aleatoriamente por tres condi~oes experimentais, manipuladas atraves de instru~oes orais e escritas nos cadernos das matrizes: na condi~lio controlo, de nlio-categoriza~lio e de retribui~ao individual e-Ihes dito que os pontos das matrizes valem dinheiro e cada sujeito receberii, no fim, 0 total que the for atribuido pelos outros, enquanto as instrUl;oes do cademo das matrizes indicam que os pontos se destinam ao proprio sujeito e a urn outro, designados par numeros. Os sujeitos conhecem, apesar de tudo, as suas preferencias porque Ihes e dito que os numeros na cas a dos «trinta» se aplicam aos que prefeliram os quadros de Kandinsky e os numeros na casa dos «cinquenta» se aplicam aos que escolheram os quadros de Klee. Na condi~ao de categoriza~lio e retribui~1io individual, as instru~oes sao as mesmas quanta a distribui~1io do dinheiro, mas as instru~oes dos cademos das matrizes indicam que os pontos se destin am ao proprio, membro do grupo Klee ou Kandinsky, e a urn outro, membro do gropo Klee ou Kandinski, segUldos dos numeros. Finalmente, na condi~lio de categoriza~ao e retribui~ao colectiva, a manipula~ao da categoriza~lio e igual a da condi~ao anterior, mas 0 experimentador diz aos sujeitos que eles receberao a parte que Ihes corresponde do total de dinheiro que foi atribuido ao seu gropo de perten~a. Na segunda experiencia, efectuada com 0 mesmo tipo de sujeitos, 0 procedimento na primeira parte e tambem igual. Na segunda parte, pOfl!m, todos os sujeitos foram categorizados em dois grupos e a todos foi dito que iriam receber individualmente 0 total do~ pontos das matrizes que os outros Ihes atribuissem. Mas metade dos sujeitos eram mforrnados de que os pontos vall am dinheiro, enquanto aos outros sujeitos era dito que os pontos das matrizes nao tmham qualquer significado. Alem disso, metade dos sujeitos recebia, em primeiro lugar, urn caderno de matnzes em que os pontos eram para ele proprio (designado por urn numero e pelo gropo de perten~a) e para outro (deslgnado do mesmo modo), e, em segundo lugar, urn outro cademo em que os pontos eram para do is outros (designados tambem por mlmeros e grupos de perten~a), enquanto a outra metade de sujeitos come~ava por atribuir pontos a dois oulros e terminava com a atribui~ao de pontos a si proprio e a outro. (Turner, 1975,1978 a)

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tam bern apresentam algumas diferen9as. Tajfel (1978 a, b, c) situava 0 seu modelo da identidade social no ambito das rela90es intergrupos, porque ele se referia as situa90es que se encontram no polo intergrupal de urn continuum interpessoal-intergrupo do comportamento social, ou seja, as situa90es em que a perten9a grupal se tom a perceptiva e avaliativamente saliente para os indivfduos e em que a defini9ao des sa perten9a resulta dum consenso extemo e intemo sobre os conteudos definidores da categoria social, atraves do qual uma categoria social passa a ser urn grupo social. No en tanto, 0 autor reconhecia que 0 extremo interpessoal deste continuum era meramente teorico, visto que se tomava diffcil encontrar exemplos de interac90es sociais que se baseassem, unica e exclusivamente, nas caracterfsticas individuais dos actores. Deste continuum resulta a predi9ao de urn continuum de variabilidade-uniformidade do comportamento dos membros do grupo em rela9ao ao outro grupo, ligado a percep9ao estereotipada dos membros dos grupos sociais definidos por criterios de categoriza9ao e que se baseia numa hipotese central do modelo da categoriza9ao, segundo a qual os elementos de uma mesma categoria serao percebidos de forma semelhante. Por outro lado, e a rela9ao entre uma perten9a grupal socialmente saliente e as cren9as que os membros do grupo tern sobre as caracterfsticas do sistema social em que estao inseridos, e da legitimidade ou ilegitimidade da posi9ao social do seu grupo, que permite predizer 0 tipo de estrategias, individuais ou colectivas, que os membros do grupo desenvolverao para mudar a sua situa9ao e que se traduzirao, no primeiro caso, em formas de mobilidade «psicologica» e, no segundo, em contribui90es para a mudan9a social - como a tentativa de reinterpretar positivamente 0 conteudo dos estereotipos associ ados ao grupo de perten9a, ou mesmo de associar

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novos conteudos ao grupo de perten 9a, a fim d e obter uma identidade positiva. Alem dis so Tajfel (1978 c, 1981-83) procura afirmar ' necessidade e a relevancia da contribui9ao da Psicologia Social para a analise de fenomenoa macrossociais, como as situa90es de discrimin S 9ao nacional, etnica e lingufstica, assim como ~­ movimentos sociais, largamente exempIificado: na sua obra, mas esta generaliza9ao e feita atra_ yes de uma extrapola9ao dos «grupos mfnirnos» para os grupos sociais reais; isto leva-o a con_ cluir (Tajfel, 1978 b) que a diferencia9ao Cogni_ tiva, avaliativa e comportamental resulta de uma necessidade de distintividade positiva do grupo em rela9ao a outros grupos, introduzindo, assim urn reducionismo psicologico na contribui9ii~ do modelo da identidade social para a analise das rela90es entre grupos sociais reais. Mas algumas destas ideias sofrerao ainda uma radicaliza9ao psicologica na reinterpreta9ao de Turner. 0 continuum interpessoal-intergrupo transforma-se numa oposi9ao entre 0 self e 0 grupo (Turner, 1982), a qual corresponde uma oposi9ao entre uma identidade pessoal, constitufda por tra90s fisicos, de personalidade, intelectuais e idiossincraticos, e uma identidade social, que e composta pelo conjunto das autodefini90es em termos de categorias de perten9a. Desde logo, os conteudos da identidade social nao sao considerados, nem sequer no plano teorico, visto que a defini9ao desta e quantitativa e nao qualitativa, e 0 grupo surge claramente como urn simples meio de satisfa9ao da necessidade psicologica de uma distintividade individual positiva. Vma rela9ao intergrupos envolve ainda, segundo Turner (1981), uma homogeneidade perceptiva e comportamental dos membros dos grupos nela envolvidos, e esta n09ao constitui urn alargamento a todos os grupos sociais, independentemente da natureza da rela9ao intergrupos, da n09ao de despersonaliza9ao que Tajfel (1978 a) definira e aplicara, tal

omo Kurt Lewin (1948), aos grupos inferiores dominados. A importancia da dimensao psi0 , . col6gica mantem-se patente na mats recente roposta de Turner (1987), a do modelo da cateroriza9ao - en t re 0 eu e os ou t ros, que se sltua . ao gnivel de uma teona . UnIversa . I d 0 eu, no quadro da qual a propria categoriza9ao ja nao organiza a realidade em termos de distintividade entre grupos, mas sim em termos de uma distintividade entre 0 eu e os outros, incluindo os grupos. Cu

3.3. Contradifoes e limites do modelo de Bristol Para terminar a exposi9ao do modelo de Bristol procuraremos resumir algumas das suas contradi90es e limites, mas antes e necessario referir as crfticas ao modelo que surgiram, desde o seu infcio, no seio da propria escola de Bristol. Billig (1976) foi, na verdade, 0 primeiro a por em duvida a generaliza9ao a todos os grupos sociais de uma necessidade de identidade social positiva que, segundo ele, nao podia existir independentemente da estrutura e ideologia sociais. Esta crftica salientava a necessidade de compreender as proprias condi90es sociais de emergencia de uma identidade social positiva, aspecto que Turner (1975), em particular, havia negJigenciado e substitufdo pela motiva9ao para a procura da distintividade. A investiga9ao de Wetherell (1982) apontava, justamente, para as rafzes culturais de uma identidade que se manifesta por uma distintividade positiva. Ao comparar os resultados de replicas da experiencia dos «grupos mfnimos» Com adolescentes europeus e da Polinesia, a autora verificou que as estrategias escolhidas Por estes ultimos nas matrizes eram a recompensa maxima comum, 0 que permitia concluir qUe a norma de discrimina9ao intergrupos, como expressao da procura de uma distintivi-

dade positiva, e propria de uma cultura ocidental, que valoriza a competi9ao e a individualidade, mas nao das culturas que promovem a coopera9ao como norma de conduta. Breakwell (1978) questionou a relevancia da identidade social enquanto variavel explicativa da diferencia9ao e da discrimina9ao intergrupos por considerar que os processos que Ihe estao associados sao algo a explicar, num quadro de rela90es interpessoais e de poder e nao explicativo por si so. De facto, a modalidade de identidade social salientada pel0 modelo de Bristol revelava-se insuficiente para 0 estudo de determinadas rela90es intergrupos, como as que envol vern as categorias masculina e feminina (Williams, 1984), uma vez que a distintividade positiva de si e do grupo correspondem mais a urn padrao perceptivo e comportamental do sexo masculino do que do sexo feminino. Comum a todas estas crfticas encontramos a ideia de que 0 modelo de Tajfel e Turner (1979) nao considerou as determinantes sociais da identidade social (Doise, 1987, 1988). Esta limita9ao revela a dependencia de todo urn modelo teorico de urn paradigma experimental socialmente «vazio» e do qual se passou a extrapolar para as condi90es sociais reais. Aqui se revela tam bern uma contradi9ao na produ9ao teorica de Henri Tajfel, que procurara, com os seus estudos sobre a diferencia9ao perceptiva entre os grupos (Tajfel, 1969 a, b), ultrapassar as extrapola90es do ambito psicologico para 0 das rela90es intergrupo e pusera em causa (Tajfel, 1972 b) a tendencia da psicologia social para efectuar experiencias num vacuo social, negligenciando os aspectos socialmente relevantes da realidade social. Porem, esta relevancia nao se pode resumir a uma equivalencia formal entre as variaveis operacionalizadas no laboratorio e as que existem na realidade social, tal como aconteceu no paradigma dos «grupos minimos». De facto, nos seus estudos sobre a cate-



400 goriza~ao social (ver ponto 2.1.) 0 autor salientara que tanto os criterios cIassificatorios como os conteudos das categorias possuem significados avaliativos, e este aspecto e retomado na integra~ao da compara~ao social no seu modelo. No entanto, sao muito raros os estudos que consideram dimensoes relevantes de compara~ao entre os grupos (Turner, 1978 b), ou os grupos comparativamente relevantes (Turner, Brown e Tajfel, 1979). Por outro lado, as predi~oes da uniforrnidade do comportarnento e da homogeneiza~ao perceptiva dos membros dos grupos, como resultado da categoriza~ao social, tern a sua origem na hipotese de que a diferencia~ao entre categorias esta associada uma indiferencia~ao no interior das categorias, mas a co-ocorrencia destes dois processos perceptivos nunca foi confmnada pelos estudos anteriores (Tajfel e Wilkes, 1963; Tajfel, Sheikh e Gardner, 1964). Por todas estas raz5es, a identidade social, tal como foi operacionalizada no modelo de Bristol, e, tambem ela, vazia de significados sociais, 0 que leva Rabbie e Horwitz (1988) a perguntarem ironicamente se e possivel falar de urn «ser Klee» ou de urn «ser Kandinski», alem de que 0 modelo pretende explicar uma expressao comportamental cujos fundamentos ideol6gicos nao foram controlados. Numa das suas ultimas publica~5es, Tajfel (1982) parecia reconhecer 0 reducionismo psicol6gico a que 0 paradigma dos «grupos minimos» votara 0 modelo da identidade social, ao minimizar a centraIidade daquele paradigma relativamente ao modelo no seu conjunto e ao salientar a necessidade de desenvolver uma teoria sobre os estere6tipos sociais centrada na analise das fun~5es de diferencia~ao, explica~ao e justifica~ao que eles desempenham no quadro da rela~ao intergrupos (Tajfel, 1981-83), exemplificadas em vanos quadros reais de rela~5es intergrupos em que os estereotipos apareciam como suportes ideologicos de rela~Oes de poder entre grupos sociais.

4. Identidade social, represen ta " sociais c a natureza das rela -;~e . . intergrupos - os estUdos ~o('s da cscola de Genebra

CONTElJDOS CATEGORIAIS E DIFERENCIA<;AO INTERGRUPOS o ~ ~ u.i ello ~ .

alemaes e fml1cese ~. emm co1ocado~ em grupo~ que se dl stinguiam pela nad onalillade. 0 grupo grupn dns france~es , condi"iio grupos hcterogencos: em grup(J~ que nao ~e dl~lillguiam pela do.cionaliuade. porque eram j'orma d ()~ por ~ uJellll~ .. I . Id d d' hom(lgene()~ ' ( l i mesma l1aCllIna I · a e. clln I"ao g rupll~ : e em nnrupo~ onde as naciona I'Ida de~ \e encontravam nllstllra . das. con u'I"ao grupll~ InJ.~t()S. A 'Itua"all - cna( ' Ia e ~(JgJa .. ~ecisiie~ cooperativas no seio do grupo e entre ll~ grllpos, e o~ re'lIltadn~ Ill()~traralll que aqllela~ e~c()lha~ eram ' j fo iticall vamente mab elevada~ no inteno .. do grupll do que para II exterior. na~ condi,,(ie\ em que llln grupn de g . I'd .. dC outra naCllllla I'd s,ujeito~ da mesma naClOl1a 1 a de "IIlteragJa com um grupo de sU.lelto!o I illIe ~ :llel11 ae ~ e

4.1. Identidade social e conteUdos categoriais - 0 modelo da diferenciafiio categorial Contrariamente ao modelo de Bristol modelo da diferencia~ao categorial nao prete~d0 . e romper com as perspectIvas anteriores , antes procura a int~gra~ao e articula~ao entre alguns model os (DOlse, 1976-84), como 0 da catego_ riza~ao (Tajfel, 1969 a, b), 0 de Sherif (Sherif et aI., 1961; Sherif e Sherif, 1979) e 0 pr6prio paradigma dos «grupos minimos» (Tajfel et al., 1971). Assim, 0 modelo da diferencia~ao categorial considera a categoriza~ao urn processo psicologico de estrutura~ao do meio, mas integra a analise deste processo no quadro situacional ou estrutural das rela~oes intergrupos (Doise, 1976-84; Deschamps, 1984). Isto significa que os conteudos das categorias nao podem ser desligados dos seus criterios cIassificatorios, visto que, e de acordo com 0 proprio modelo da categoriza~ao:

Quando dois grupos se distinguem segundo urn criterio. e raro que ele nlio esteja 1igado, pelo menos subjectivamente, a outros criterios (Doise, 1972, p. 106).

Vma experiencia deste autor (Doise, 1969), descrita na caixa da pag. seguinte,salientara justamente que a discrirnina~ao intergrupos resulta de uma associa~ao entre criterios cIassificatorios e conteudos significantes. o tratamento diferenciado dos membros do grupo de perten~a e dos membros do exogruPO nao dependia de uma mera categoriza~ao c1assificatoria, tipo A e B, ou tipo Klee e Kandinsky,

I Cen~o de Reoursoa r

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mas verificava-se sobretudo quando esta estava associada a uma dimensao que adquiria urn significado subjectivo para os sujeitos, como a nacionalidade, ou seja, quando A significava alemao e B frances. Nesta perspectiva, as representayoes, ou formas da sua actualiza~ao nas diferentes situa~6es de diferencia~ao entre os grupos, nao podem deixar de assumir urn lugar central. Retomando urn resultado particularmente salientado pelos estudos de Sherif (Sherif, 1967) e por outros estudos sobre as rela~oes de conflito (Avigdor, 1953) - 0 de que a evolu~ao do conflito entre os grupos e acompanhada por uma evoluyao nas imagens que cada grupo desenvolve de si pr6prio e do outro - Doise (1972, 1976-84) mostra que as representa~oes desempenham tres tipos de fun~oes sociocognitivas nas interac~oes entre os grupos: selec~ao, justificarao e antecipa~ao. - A fun~ao selectiva traduz-se numa centralidade dos conteudos relevantes para a rela~ao intergrupos ao nfvel das representa~6es mutuas relativamente aos conteudos irrelevantes para a situa~ao, 0 que significa que, embora a diferencia~ao perceptiva repouse numa dimensao avaliativa que acentua a atribui~ao de tra~os negativos ao outro grupo, preservando uma imagem positiva do endogrupo, essa diferencia~ao

nao se faz sobre quaisquer tra~os negativos mas sim naqueles que sao relevantes no contexto da rela~ao intergrupos. A experiencia de Avigdor (1953), em que dois grupos de adolescentes tern de competir por recursos comuns para levar a cabo a montagem de uma pe~a de teatro, evidenciou a fun~ao selectiva no conteudo dos estereotipos mutuos, porque mostrava que a diferencia~ao entre os grupos se estabelecia nos tra~os que eram relevantes para a situa~ao mas nao naqueles que eram irrelevantes. - A .fun~ao justijicativa revela-se tambem nos conteudos das representa~6es que veiculam uma imagem do exogrupo que justifica quer a sua posi~ao no contexto da interac~ao entre os grupos, quer urn comportamento hostil em rela~ao a ele. Os resultados de Sherif (1967) tambem mostram uma acentua~ao negativa dos estereotipos mutuos na fase mais aguda do conflito intergrupos, ao mesmo tempo que se observam agressoes interindividuais e ataques colectivos entre os dois grupos. Num estudo sobre as explica~oes para a discrimina~ao da mulher no trabalho (Amancio e Soczka, 1988), verificamos que, para os sujeitos do sexo masculino, 0 papel tradicional da mulher na familia e os tra~os do estereotipo feminino



402

A ASSIMETRIA NO PROCESSO DE Dn~ERENCIAC;AO CATEGORIAL

403

INDIVIDUALIZAC;AO, FUSAO E A HIPOTESE DA CO-VARIAC;AO

Nesta experiel1l:ia. a t:ategorizac;fill busea\a-~e numa pertenc;a real. a do grupo de alunos do lieeu c a do g de alunos de escolas lt~t:lllt:a!>, e os sUI'eitol> tinhmn de tazer auto- e heterode~t:J'i('iies em t:ondiciies• do>~ '111t"I-1 _ JUpo • T . ~,ccrao (j'f rentes. Os resultillJos mostraram que. nus situm;oel> de acentuada categoric:u,fio intergrupaI. quando dnis Illembro: e. de t:ada !!J'upo se encontravam frente a frente. ou quando era dito aos ~uJ'eitn~ dc~de 0 infcio 'Iue tinhallllie des :ereve ~eu grupn e depois 0 outro grupo. os aluno!> do Ikeu cram mais di\criminatorios. enquanto os das escnlas t l . r 0 • (! CI1(Cus t'avnreciam os do liceu e nlio 0 seu pnSprio grupo. .

Nesta experient:ia. que utilizava lIIn procedillleI1lIl .\ emelhante ao dos «grupo.\ minimo~». Il~ sujeitlls cram fOf\nados. nas condi~oes de individuac;fio. de que iriam ret:eber individllalmente os pontos que Ihes seriam atriblll~lS pelos oulros, enquanlo nas condic,:5e:- de fu:.fio se dizia aos sujeitos que des. irialll ,reccber a me~ia dos pOlltos atribuloOS ao seu grupo. De amrdo com os re~lIltados, verificnu-se lima maior dlferencmc;uo IIllra C IIltergrupalnas condic,:oes de individualizac;fio do que na\ de f'u<;iio. (De~champ~ e Lorenzi-Cioldi. 19!11)

(DOI\e e SlIldair. 1973)

que the esUio associados, como a submissao e a orienta~ao interpessoal do comportamento, constituem justifica~oes para a discrimina~ao da mulher no trabalho. Para as mulheres, no entanto, so 0 papel tradicional da mulher justifica a sua discrimina~ao no trabalho, porque para elas esse papel nao esta associado a urn perfil de personalidade «inadequado» as exigencias do mundo do trabalho. - A funfiio antecipatoria, finalmente, orienta o proprio desenvolvimento da rela~ao entre os grupos, como mostra a experiencia de Doise e Weinberger (1972-73). Nesta experiencia, sujeitos do sexo masculino sao levados a antecipar situa~oes de competi9ao, de coopera9ao ou de simples co-presen~a com duas parceiras do sexo feminino, comparsas dos experimentadores. Do conjunto de tra~os masculinos e femininos que os sujeitos recebiam para se autodescreverem e descreverem as parceiras, eles atribuiam-lhes mais tra~os femininos quando antecipavam uma competi9ao com elas do que quando antecipavam os outros tipos de interac~Oes. Esta liga~ao entre a realidade simbolica, dos grupos e a sua subjectiva (Doise, 1984) permite cesso da diferencia~ao categorial

objectiva, ou representa9ao inserir 0 pronuma analise

psicossociologica das rela~oes intergrupos, visto que este processo: ... esclarece 0 modo como, em variadas situa~oes, uma realidade social constitufda por grupos se constr6i e afecta as comportamentos dos indivfduos que, por seu tumo, intern. gem e corroboram esta realidade (Doise, 1976·84, p. 138).

Mas e tambem 0 pressuposto basico de que os individuos constroem, no plano cognitivo, a situa9ao em que estao inseridos, reproduzindo-a ou antecipando-a, que faz com que a diferencia~ao nao possa ser universal na sua extensiio, nem simetrica na sua expressao. A experiencia relatada na caixa acima salienta urn contexto de rela90es intergrupos em que ha assimetria no processo de diferencia9ao categorial. Os resultados das duas ultimas experiencias mostram claramente que a estrutura~ao cognitiva diferenciadora que resulta do processo da categoriza~ao nao se constroi sobre quaisquer conteudos simbolicos, nem do mesmo modo em todos os contextos intergrupais. Os tra~os mais negativos do estereotipo feminino, os de submissao e dependencia, sao particularmente uteis aos sujeitos do sexo masculino para antecipar 0 seu sucesso sobre as parceiras do sexo oposto; na experiencia com os alunos de dois ramos do ensino secundario (descrita na caixa anterior), as condi~oes experimentais traduziram-se, para ambos os grupos, numa representa~ao reprodutora

da esc ala de prestigio ao nivel do sistema escolar elll que as suas posi~oes sao objectivamente diferentes. Desde logo, sao certos criterios classificat6rios ou certos conteudos categoriais que se tomam relevantes em determinadas situa~oes, 0 que torna necessario analisar as condi~oes que determinam a rela~ao intergrupos e que contribuem para 0 significado social daqueles conteudos. Por outro lado, 0 facto de 0 favoritismo pelo grupo de perten~a e da discrimina9ao intergrupos se revelarem assimetricos, em medidas perceptivas e avaliativas, e exprimirem uma representa~ao subjectiva das posi~oes objectivas dos grupos, mostra bern os limites de uma causalidade psico16gica universal daqueles processos, como defendia Turner (1975) no quadro do modelo de Bristol.

4.2. Identidade dominante e dominada - 0 modelo das relafoes de poder simbolico De facto, outras investiga~oes da escola de Genebra vieram por em causa a hipotese de Turner (1975), segundo a qual a discrimina~ao intergrupos so existia como meio de atingir uma distintividade positiva e que servira de base a explica9ao psicologica da discrimina~ao intergrupos (Tajfel e Turner, 1979). Os estudos de Brown e Deschamps (1980-81) e de Deschamps (1983), que se baseavam no paradigma experi-

mental de Turner (1975), nao confmnaram a preponderancia do favoritismo pel0 proprio sobre 0 favoritismo pelo grupo, antes apontavam no sentido de uma co-varia~ao (Deschamps, 1982 b) entre a diferencia~ao intergrupal e interindividual. Considerando que a perspectiva da escola de Bristol se caracteriza por uma visao «homeostatic a» (Deschamps, 1982 b, p. 251) dos processos de diferencia~ao em que 0 favoritismo pelo proprio substitui 0 favoritismo pelo grupo e vice-versa, visto que qualquer deles permite obter uma distintividade positiva, 0 autor procura situa-Ios num universo de referencias sociais e normativas. 0 comportamento intergrupal seria, assim, resultado de diferentes modalidades de identifica~ao com 0 grupo, como a individua~ao e a fusao, 0 que permite contrapor a hipotese da co-varia~ao dos comportamentos intra e intergrupais de diferencia~ao (e de indiferencia~ao) (Brown e Deschamps, 1980-81; Deschamps, 1982 b) a hipotese da exclusao mutua destes dois comportamentos. Estas modalidades de identifica~ao com 0 grupo foram operacionalizadas na experiencia descrita na caixa acima, cujos resultados confirmam a hipotese da co-varia~ao nos comportamentos de diferencia~ao interindividual e intergrupal. Se, como vimos antes, a discriminayao intergrupos nao resulta necessariamente de qualquer forma de categoriza~ao, estes estudos mostram que ela tambem nao implica obrigatoriamente



404 uma

desindividua~ao

dos membros do grupo em descategorizada, tal como tambem 0 demonstram os resultados dos estudos sobre 0 efeito de ovelha negra (Marques, 1990). Perante estes resultados, a dicotomia entre identidade pessoal diferenciada e identidade social homogeneizante toma-se inaceitavel, tanto te6rica como empiricamente (Deschamps, 1987), visto que 0 comportamento do individuo, no interior do grupo e em rela~ao ao grupo comparativamente relevante, nao e universal mente orientado por uma motiva~ao, mas sim por referencias a normas e valores colectivos que a categoriza~ao intergrupos toma significantes. Uma dessas referencias colectivas sao as ideologias relativas a estratifica~ao dos grupos sociais numa escala de poder que Deschamps (1982 a, p. 88) designa por urn «universo simb6lico comum de valores», que serve de referencia a posi~ao relativa de todos os grupos e, consequentemente, a sua interdependencia comparativa. A defini~ao dos grupos sociais num quadro de rela~oes de interdependencia simb6lica proposta nesta perspectiva implica tambem uma defini~ao estrutural das formas de identifica~ao dos individuos com e pelo seu grupo de perten~a, que apontam para mais de uma modalidade de identidade social: oposi~ao

a

individua~ao

... A identidade social pode variar fundamental mente em do capital material e simb61ico que os indivfduos possuem ... a identidade social dos dominantes sera definida em termos de «sujeitos» e ados dominados em termos de «objectos». Os primeiros nao se veem a si proprios como detenninados pelo seu grupo de perten~a ou pela sua afilia~ao social. Veem-se, acima de tudo, como seres humanos individualizados, singulares, «sujeitos», actores voluntanos, Iivres e aut6nomos. 0 seu grupo e antes de tudo uma colec~ao de pessoas. Tal nao e 0 caso dos dominados, que sao definidos como elementos indiferenciados de uma colec~ao de partfculas impessoais e sao mais vistos como «objectos» do que como «sujeitos» (Deschamps, 1982, p. 90). fun~ao

Os efeitos desta variavel estrutural sobre a e a discrimina~ao intergrupos tern

diferencia~ao

sido evidenciados em estudos em que a Cate riza~ao base ada no sexo emerge como urn ~o­ exemplos sociais de uma rela~ao de domina _os . d . . ~ao VIStO que 0 comportamento os SUjeltos do s ' & •• I d d' lemmmo nao reve a a procura e lstintividexo d .. I ae ou 0 favontlsmo pe 0 grupo de perten~a e ll1 situa~oes de confronta~ao com 0 sexo opost De facto, a evoca~ao de urn concorrente do sexo. oposto para urn lugar de prestigio leva os sUje~ tos do sexo feminino a depreciarem as suas pr~­ prias competencias e a perder interesse pelo lugar mas tal nao acontece quando 0 suposto concor~ rente e do mesmo sexo (Deschamps, Lorenzi_ -Cioldi e Volpato, 1983). 0 mesmo efeito se verifica nos sujeitos do sexo feminino quando as compara~oes entre os sexos se efectuam ao nivel de tra~os e dos pontos das matrizes, mas tal nao acontece com os sujeitos do sexo masculino (Deschamps e Personnaz, 1979). A unica experiencia efectuada pela equipa de Bristol com sujeitos de ambos os sex os mostrara tambem que as raparigas preferiam a estrategia da equidade relativamente a da diferencia~ao, mas este resultado nao foi objecto de qualquer reflexao particular pelos autores da experiencia (Turner, Brown e Tajfel, 1979). E, no entanto, nos estudos de Lorenzi-Cioldi (1988) que a operacionaliza~ao de uma rela9iio de domina~ao intergrupos permite analisar os padroes de comportamento de diferencia9iio interindividual e intergrupal que Ihe estao associados, definir 0 perfil das identidades dominante e dominada e mostrar a sua homologia com os padroes de comportamento masculino e feminino. As condi90es dominante e dominada sao operacionalizadas, numa das experiencias deste autor, atraves das no~oes de individua9iio

versus fusao do indivfduo em rela~ao ao grupO, que referimos atras (ver descri~ao da experiencia de Deschamps e Lorenzi-Cioldi, 1981), e de autonomia versus destino comum na pr6pri a defini~ao do grupo, num procedimento experi-

405

A OPERACIONALIZA<;AO DA RELA<;AO DE DOMINA<;AO Nurmi primeira parte da experiencia, apresentada como um eswdo sobre as preferencias esteticas, os sujeitos assinalam as suas preferencias por trechos musicais extrafdos de obras de dois autores contemporfineos, Riley e J(abelac. Para os sujeitos da condi~ao «grupo colec~ao», 0 experimentador analisa as preferencias de cada sujeito no fjm da primeira parte da experiencia, enquanto para os sujeitos da condi~ao «grupo agregado», as folhas de resposta indivrdual sao atiradas para dentro de uma caixa no fim da sessiio. Na segunda parte da experiencia, 0 experimentador afirma pretender analisar os processos de tomada de decis iio e apresenta uma matriz de pontos aos sujeitos, como exemplo da tare fa que Ihes sera pedida, mas que nao sera inclufda nas matrizes utilizadas na experiencia. Nesta segunda parte, metade dos sujeitos sao colocados nos grupos Riley e Kabelac supostamente em fun~ao das preferencia~ que haviam exprimido anteriormente, mas na realidade aleatoriamente, enquanto para a outra metade dos sujeitos 0 experimentador afirma ir coloca-los ao acaso nos grupos azul e vermelho. Com esta manipula~ao, 0 experimentador categoriza os sujeitos de acordo com urn criterio <
mental que, para alem destas diferen~as e da introdu~ao da variavel sexo, se inspira no do paradigma dos «grupos minimos». Esta experiencia permitiu, portanto, criar experimental mente urn grupo «dominante», para cuja defini~ao os sujeitos participaram, supostamente, de uma forma aut6noma e dentro do qual foi induzida uma participa~ao individual e distintiva, e urn grupo «dominado», que emergiu por decisao arbitrana do experimentador e dentro do qual a participa9ao dos sujeitos e indiferenciada, assim como dois grupos onde nao ha correspondencia entre a defini~ao intema ou extema do grupo e a participa~ao individual ou fusional dos seus membros. Por outro lado, 0 facto de todos estes grupos terem sujeitos de ambos os sexos permite analisar 0 grau de homologia entre as perten9as sociais e as experimentais. Os resultados mostraram, de facto, que a diferencia9ao interindividual e intergrupal esta

associ ada a uma perten~a «dominante» e nao a uma perten9a «dominada». No entanto, enquanto os rapazes manifestam urn comportamento claramente dominante que se traduz na persistencia da diferencia~ao interindividual e intergrupal nas vanas condi~oes experimentais, embora mais acentuado quando ha homologia entre as perten~as sociais e experimentais, as raparigas diferenciam-se dos membros do grupo de perten~a quando este e «dominado», manifestando assim a rejei~ao de uma perten~a desfavoravel, comum a todos os sujeitos nesta condi~ao, mas nao se diferenciam do outro grupo nem mesmo quando colocadas num grupo «dominante». Estes resultados permitem, portanto, ... repensar a oposi~ao do pessoal e do colectivo sobre a qual se baseiam os model os actuais da identidade social... o singular e 0 colectivo, 0 geral e 0 particular na identidade social emergiram, de facto, como aspectos diferentes. mas apesar disso compatfveis desde que os consideremos como



406 fonnas de expressao de si e do outro numa relaifao de dominaifao entre grupos, E nesta relaifao que surge uma identidade pessoal - ocultando os contextos colectivos que participam para a sua emergencia -, assim como identidades mais especificamente colectivas que se inscrevem nos grupos de pertenifa (Lorenzi-Cioldi, 1988, p, 205),

Esta perspectiva deu lugar ao desenvolvimento de uma linha de investiga~ao que acentua o valor explicativo da posi~ao relativa dos grupos, definidos atraves da interdependencia de significados das identidades, mais «pessoais» no caso dos grupos dominantes ou mais «colectivas» no caso dos grupos dominados (Lorenzi-Cioldi, 1993), 0 efeito destes significados tern sido demonstrado ao nivel dos processos cognitivos, na medida em que determina e orienta os modos de tratamento da informa~ao. Assim, Hurtig e Pichevin (1990, 1995) verificaram que, apesar de a informa~ao sobre as categorias sexuais ser extremamente acessivel e informativa, a probabilidade de descrever urn individuo do sexo feminino como «mulher» e mais elevada do que a de descrever urn individuo do sexo masculino como «homem», uma vez que os significados associados a categoria feminina diferem na qualidade da informa~ao que veiculam, pois indicam uma

identidade mais colectiva, Numa expen'~ enci cente sobre a homogeneidade do e are. Lorenzi-Cioldi et. ai, (1995) mostrar~ogrupo, membros dos grupos dominados, neste qUe Os ' caso as mu Iheres, eram percebldos como mais h gene os do que os membros dos grupos d:rn~ nantes, neste caso os homens, A relevancia llli· . , "d perspectiva teonca rest e no estatuto expli deSta ' , d'd "fi cativo que e conce t 0 aos slgm tcados associad . ou seJa, "reSI de na d'Imensao de an~l' Os categonas, 'd l' , 1 allSe 1 eo oglca, razao pe a qual se estende a 0 , " 0 Utras categonas SOCIalS, s estudos desenvolvido . , s Por Cabecmhas ( 1994) Vlsaram precisamente extensao deste modelo de analise as catego ' a raciais e permitiram evidenciar a homogene~as lZa· ~ao dos grupos dominados em rela~oes intergru. pais baseadas em diferen~as de Cor da pele (os negros) e em diferen~as de sexo (as mulheres).

as

4.3. Identidade social e representafiio de pessoa A rela~ao intersexos constitui, sem dlivida, urn tipo de rela~ao intergrupos onde 0 peso do universo simbolico se revela claramente. As dife·

MODELOS DE PESSOA E MODALIDADES DE IDENTIDADE SOCIAL Esta experiencia foi efectuada com sujeitos adultos, estudantes-trabalhadores de ambos os sexos, a quem pedimos que participassem num exercicio de comunicaifao, As instru~5es contidas no texto, que apresentava aos sujeitos a tarefa a desempenhar, salientavam caracteristicas masculinas para 0 born desempenho da tarefa, na condiifiio dimensao masculina de compara~ao, caracteristicas fernininas, na condiifao dimensao feminina de compara~ao, ou nao salientavam quaisquer caracteristicas numa condiifao sem dimensao, tipo «grupos mfnimos», Depois de explicado 0 exercicio aos sujeitos pedia-se-lhes que fizessem uma estimativa do que iria ser 0 seu desempenho atraves da atribui~ao dos pontos das matrizes a si pr6prios e a urn outro do mesmo sexo, e a si pr6prios e a urn outro do sexo oposto, que eram designados por numeros seguidos da categorizaifao «grupo dos homens» ou «grupo das mulheres», Alem destas varil1veis independentes, introduziu-se ainda uma outra de nivel interindividual, visto que numa condiifao os sujeitos respondiam isoladamente e noutra condiifao respondiam na presen~a de outra pessoa do mesma sexo e duas pessoas do sexo oposto, (Amancio, 1988,1989 a)

s posi~6es e fun~oes sociais dos dois rente , " , s nao sao meramente sltuaclOnals, mas Slm S~~~ricas, de modo que a saliencia de uma cateIii 'za~ao intersex os evoca a homens e mugones num contexto expenmenta , I ou outro, liter, .. b ' teudos categonals so re os quaIs se esta bl e econam no~oes d ' d e SI e e comportamentos aproce~ados (ver Doise, 1984, para uma discussao ~C1 papel das representa~6es na actualiza~ao ~perimental da realidade social), De facto, 0 eonsenso que envolve os estereotipos sexuais diferentes culturas e sociedades, evidenciado ao longo de varios anos de investiga~ao em psicologia social, assim como a sua estrutura~ao desde a socializa~ao primma (ver Amancio, 1989, para uma revisiio desta literatura), permite considera-Ios nao so urn suporte simbolico das posi~oes sociais objectivas dos dois grupos mas tambem da constru~iio da representa~ao de si dos individuos de ambos os sexos. Se, para alem da evidencia deste consenso, analisarmos 0 significado dos conteUdos associados ao masculino e ao feminino no quadro do universo simbolico comum da no~ao de «pessoa», verificamos que elas diferenciam os sexos atraves de uma representa~ao de pessoa singular, autonoma, independente dos contextos e social mente referente, no caso do masculino, e de uma representa~ao de pessoa que se define por uma fun~ao social e e delimitada pelas fronteiras do contexto em que essa fun~iio e exercida, no caso do feminino. Esta assimetria nas defini~oes de pessoa masculina e feminina traduz-se ainda numa assimetria no significado normativo assumido pelos estereotipos sexuais para os actores homens e mulheres, como mostramos numa experiencia em que os tra~os dos estereotipos sexuais, assim como outros tra~os sem conota~ao sexual, serviam para os Sujeitos estabelecerem os seus juizos sobre os actores e os comportamentos (Amiincio, 1992), De acordo com os resultados desta experiencia,

:m

407

OS conte lidos do estereotipo feminino servem para caracterizar os actores do sexo feminino, assim como caracterizam os comportamentos femininos, enquanto os tra~os do estereotipo masculino nao caracterizam os actores do sexo masculino, nem nenhum tipo de comportamento em particular, mas servem para caracterizar os actores do sexo feminino quando 0 seu comportamento nao corresponde as orienta90es normativas definidas pelo estereotipo feminino, Assim, e pela ausencia de uma fun9ao ou contexto especifico na defini~ao do masculino que 0 comportamento dos membros deste grupo revel a uma aparente independencia de imposi~oes normativas e se apresenta individualmente diferenciado, imprimindo ele proprio urn significado aos contextos, mas tambem ele inserido numa ideologia colectiva que os individuos, homens ou mulheres, nao «criaram», antes reproduzem ou «recriam» nos processos sociocognitivos que orientam a sua percep~ao da realidade, 0 efeito desta ideologia e visivel na percep~ao do comportamento dos outros, como vimos atras, mas tambem na procura da causalidade dos comportamentos, que e orientada por uma norma de intemalidade para os membros do grupo dominante (Beauvois e Dubois, 1988), enquanto no caso dos membros do grupo dominado ela visa provar 0 seu conformismo a normas sociais e contextuais (Amancio, 1992). Finalmente, aquele efeito e visivel na constru~ao da imagem de si proprios, aparentemente «liberta)) dos estereotipos para 0 grupo dominante e muito dependente destes para 0 grupo dominado (Lorenzi -Cioldi, 1991), e das modalidades de comportamento considerado adequado em diferentes contextos, como mostrou a experiencia descrita na caixa da pagina anterior. A co-ocorrencia da diferencia~ao interindividual e intergrupal verificou-se nos resultados dos homens, tanto na dimensao de compara~ao masculina como na condi~ao vazia de conte lidos

t

408 comparativos, tipo «grupos mfnimos», mas no caso das mulheres a diferenciayao intergrupal verificava-se tambem na dimensao masculina, enquanto a diferenciayao interindividual se verificava sobretudo na ausencia de dimensoes de comparayao categorialmente significantes. Isto mostra que, para a grupo dominado, a diferenciayao esta sujeita a dupla pressao da referencia da representayao dominante de pessoa e da representayao do seu modo de ser especffico, fusional e indiferenciado. Assim, a distintividade positiva do seu grupo passa necessariamente, para as mulheres, pela adopyao do model a de comportamento masculino e social mente referente, tanto mais tratando-se de sujeitos inseridos no mundo do trabalho e colocados numa situayao de desempenho valorizado. No entanto, a distintividade individual e procurada em contextos vazios de significados categoriais, unica forma de se diferenciar como individuo sem romper com a identidade feminina e colectiva. De facto, as resultados daquela experiencia mostram que as comportamentos de diferenciayao nao estao associados aos conteudos fernininos. No entanto, as homens utilizam-nos para se distinguirem de outros homens, conferindo-Ihes, deste modo, urn significado individualizante. Na medida em que a estereotipo feminino veicula uma representayao de pessoa associada aos contextos especfficos da interdependencia relacional e sexual, esta desigualdade de recursos simbolicos manifesta-se, no plano da dinamica identitaria, num modelo de ser situ acional, no caso das mulheres (e outros grupos dominados), uma vez que as seus modelos identitanos esUio mais dependentes dos contextos concretos. Poi esta hipotese que testamos numa experiencia com urn paradigma experimental semelhante ao da experiencia anterior, mas onde a dimensao de comparayao co-variava com modalidades de competiyao entre as grupos (do sexo masculino e feminino), a fim de operacionalizar

409 a articulayao entre a dimensao ideologic dimensao interactiva da dinamica inter a e a (Amancio, 1997). A comparayao dos resu~~Pal das duas experiencias mostra claramente q ados ue identidade dos grupos dominados se apre Ila Sent sob a forma de modos de estar nos COnte a . Iares, d'lstanclan . do-se, aSSlm, . do modXtos partlcu . ode ser, aparentemente mdependente dos COntext (Amancio, 1993, p. 219) que se observa os» dinamica dos grupos dominantes. na o conjunto de estudos que acabamos d referir e que visavam evidenciar a assimet .e simbolica nos modelos de ser masculino e fe;'~ nino, socialmente consensuais (ver tam be 1 m A manClO, 1995, para uma revisao destes e outros estudos da mesma linha de investiga~iio) permitem-nos concluir que existem, pelo menos' tres niveis de expressao da posiyao social dOmi~ nante de urn grupo, no plano simbolico. Ao nivel da ideologia, a identidade deste grupo COrresponde a urn modelo de pessoa universal, que constitui urn referente tanto para as membros do seu grupo como para as membros do grupo dominado. Por outro lado, este mesmo modelo de pessoa contribui para uma auto-representayao dos membros do grupo dominante, em que a individualidade nao e incompativel com uma pertenya categorial e se exprime com uma aparente «naturalidade», ao contrano do que acontece na representayao de si dos membros do grupo dominado, cuja irregularidade de comportamento revela as contradiyoes a que estao sujeitos. 0 grupo dominante e, alem disso, aquele que pode manipular os conteudos simb6licos, conferindo-Ihes urn significado universal quando eles servem para salientar a sua distintividade, ou urn significado categorial quando servem para salientar as diferenyas entre as grupos, ao contrano do grupo dominado, para quem as conteudos simbolicos assumem uma funyao claramente normativa, que evidencia a externalidade da sua condiyao social. A'

f{c sumo Enquanto conceito, a identidade social referesegundo 0 rnodelo de Bristol, a urn envoi vi;:~to ernocional e cognitivo dos indivfduos no u grupo de pertenya e as consequentes expresse(jeS cornportamentals . desse envo IVlmento . no SuadrO da relayao intergrupos. No entanto, a q odel o de analise das relayoes de discriminayao :tre grupos que conceptualizou a identidade social nestes termos limitou-se a estudar rei a~(jes intergrupos vazias de significado social, pelo que a comportamento dos indivfduos nessas condiyoes nao e facilmente generalizavel a outras situayoes. Alguns dos pressupostos basicos do modelo de Bristol, como 0 da procura da identidade social positiva, enquanto regulador universal do favoritismo pelo grupo de perten~a e da discrimina~ao intergrupos, assim como 0 da oposi~ao entre identidade pessoal e social, remeteram fenomenos de ordem colectiva para os niveis de analise intra-individual, ao salientarem explica90es motivacionais e cognitivas. o modelo teorico recente que mais se desenvolveu no quadro daqueles pressupostos, a teoria da categoriza9ao entre a eu e os outros, de Turner (1987), tern dado origem a estudos sabre a atrac9ao, a coesao de grupo e 0 conformismo (Hogg e McGarty, 1990), que se situam no nivel de analise interindividual, enquanto a sua contribui9ao para a analise dos estereotipos sociais salienta mais a vertente cognitiva daqueles do que os processos colectivos em que eles se inserem, nomeadamente os que se referem a no~ao de pessoa e sabre as quais se constroi a propria n09ao de eu. Por outro lado, os estudos que integram a nivel de analise ideologico, e, em especial, a articula9ao entre os niveis de analise interindivual, posicional e ideologico permitem questionar a oposiyao entre a individual e a colectivo

subjacente a que distingue a identidade pessoal da identidade social e a individuar;ao da discrimina9ao intergrupos (Lorenzi-Ciold e Doise, 1990). Para estes autores e precisamente a articularrao entre niveis de analise que pode, finalmente, conduzir a uma teoria das relayoes intergrupos, integrativa das contribuirroes anteriores. Mostramos, neste capitulo, que as modalidades das rela90es intergrupos podem variar, no plano objectivo, desde urn quadro a-historico e abstracto, ao qual os individuos so conseguem dar senti do recorrendo a valores culturais, supra-ordenados em relayao ao contexto, ate a urn quadro de relarroes intergrupos em que a visibilidade da categoria de perten9a e permanente e evocativa de significados contidos numa ideologia colectiva, que imprimem sentido aos contextos particulares e onde aquela dimensao estrutural da relayao intergrupos interfere com a sua conjuntura especifica. Ao nivel subjectivo, as modalidades das rela~oes intergrupos revelam-se nos significados associados as categorias sociais, nos modos de expressao da identidade social e na relevancia dos conteudos categoriais para a comparayao social no seio do grupo e entre os grupos. Numa relayao intergrupos meramente conjuntural, os grupos constituem realidades concretas face as quais os individuos tern a possibilidade de definir modos de estar, cujo senti do e delimitado pelas fronteiras espaciais e temporais de urn contexto intergrupal especffico. Numa relayao intergrupos estrutural, no entanto, os grupos constituem entidades subjectivamente construidas, que reunem as seus membros sob urn determinado modo de ser, predefinido num universo simbolico-ideologico, onde se encontram os proprios elementos da construyao de uma representayao de si, enquanto pessoa, e cujas modalidades elucidam a expressao do comportamento dos individuos em diferentes contextos.

CAPITULO XIII

Conflito e negocioc;oo entre grupos Maria Benedicta Monteiro

Quase todas as pessoas que vivem em regimes politicos democniticos acreditam no direito a igualdade de oportunidades dos cidadaos em rela~ao a educa~ao, a saude, ao emprego ou a interven~ao poHtica. Quase todas acham, e a maioria das legisla~6es assim 0 consagra, que esses direitos nao podem ser limitados pelo sexo, pela ra~a, pelas cren~as, pela religiao, ou pela idade. E que as rela~6es intemacionais devem ser pautadas pelo respeito pela soberania dos Estados e pelo recurso a negocia~ao, ou mesmo aarbitragem de organismos supranacionais, em caso de diferendos graves entre elas. E, no entanto, urn breve olhar sobre essas sociedades mostra-nos, a cada passo, a existencia de atitudes e comportamentos discriminatorios sempre que determinadas circunstancias colidem com esses valores social mente implantados: quando ha limita~ao de recursos materiais ou simb61icos (ha mais candidatos a uma fun~ao do que 0 numero de postos de trabalho disponivel; ha dois grupos - os israelitas e os palestinianos que pretendem ocupar urn mesmo territorio), quando ha grupos com fortes cren~as sobre urn qualquer aspecto da vida social (a alta direc~ao de Urn banco acha que os quadros masculinos

dao maior garantia de eficacia do que os quadros femininos e age em conformidade, so admitindo os primeiros); quando ha assimetria de poder entre grupos e os mais fortes utilizam essa assimetria em seu beneficio (a invasao de Timor-Leste pelas for~as da Indonesia; nos EVA, em cada dezoito segundos ha uma mulher maltratada por urn homem e, em cada seis minutos, urn mulher e alvo de ataque de viola~ao) . As raz6es apontadas para a emergencia de fenomenos de conflito e discriminac;ao entre grupos sociais - a lirnitac;ao de recursos, a incompatibilidade dos objectivos, a assimetria do poder - nem sempre foram as invocadas, ou mesmo as estudadas, na tentativa de c1arificar (explicar, prever) esta gama de fenomenos, associado aos quais aparece urn determinado tipo de atitudes globalmente designado como preconceito. Neste capitulo abordaremos duas areas de estudo dos fenomenos intergrupais que, pela sua especificidade teorica e aplicada, constituem hoje urn dominio bern identificado da Psicologia Social: as do conflito e da cooperac;ao enquanto formas privilegiadas de interacc;ao social entre dois ou mais grupos. A exposic;ao destas form as de comportamento intergrupal apresentara 0



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seguinte percurso: 1) a exploracrao teorica e empirica dos model os que tern tentado compreender a genese dos conflitos e 2) a apresentacr ao das propostas teoricas orientadas para a resolucr ao de conflitos e para a cooperacrao. Na area da genese dos conflitos veremos como as hipoteses surgidas no decurso da investigacr ao ao Ion go do seculo XX tern adoptado como referencia conceitos tao diferenciados - tanto pelos niveis de analise que implicam, como pelo seu proprio significado - como os precollceitos (Allport, 1954), aJrustrafiio-agressiio (Dollard et aI., 1939), a privafiio relativa (Stouffer et al., 1949), a oposi~'iio de interesses (Sherif e Sherif, 1961) ou a identidade social (Tajfel, 1978). Na area da resolucrao de conflitos e da coopera~ao veremos como, correspondendo as principais hipoteses explicativas sobre a genese dos conflitos, surge tambem uma pluralidade de constructos teoricos que tern feito 0 seu caminho, por vezes atribulado, de valida~ao empiric a: 0 contacto entre grupos (Allport, 1954), ou a construfiio de objectivos superordenados (Sherif e Sherif, 1961). A negocia~iio de conjlitos - ultimo paragrafo deste capitulo - constitui uma vasta subarea de estudos e problemas da resoluyao de conflitos entre grupos que conhece uma intensa fase de explora~ao teorico-empirica nas duas ultimas decadas.

I - A genese dos conflitos entre grupos 1. A forma<;ao de preconccitos Urn dos principais temas erigidos como objecto de analise no quadro das relacroes de conflito entre grupos foi, no principio do seculo xx, precisamente, 0 do preconceito.

Segundo Jones (1972), 0 preconceito pod ser definido como «0 julgamento pn!vio (pre~ -conceito) negativo dos membros de uma ra · '- ou dos que desempenha~a ou d e uma re 119lao, qualquer papel social significante, que se ma: tern mesmo que os factos 0 desconfirmem» (p. 61). 0 comportamento normal mente asso_ ciado a este tipo de julgamento e designado por discriminafiio. Os preconceitos socialmente partilhados por urn grupo sao, mais especifica_ mente, os que interessam a Psicologia SOcial. Vejamos 0 exemplo de urn preconceito citado por Thomas no seu artigo «Race and prejudice» publicado em 1904, que se refere ao comentan~ de uma americana sulista sobre a cor de Otelo de Shakespeare: Ao ler Ote/o, sempre imaginei que 0 her6i era um branco. E verdade que 0 dramaturgo 0 descreve como negro, mas 0 tom nao se Ihe adequa. E uma decorar;:ao para efeitos teatrais que nao me agrada e, do ponto de vista artistico, e urn erro de cor. Por isso, como ja referi, nas minhas leituras da per;:a anulei esse facto. Shakespeare era um pintor da natureza humana demasiado correcto para ter pintado Otelo de preto, caso estivesse familiarizado com as idiossincrasias da rar;:a africana. Temos, pois, que encarar a mancha negra sobre 0 relrato de Otelo como uma «ebuIir;:ao» da fantasia, urn delfrio da imaginar;:ao - a concepr;:ao visiomiria de uma flgura ideal -, urn dos poucos toques falhados do pincel do grande mestre, a 111I;ca mancha numa obra perfeita. Olelo era urn homem branco! (Mary Preston, SlIIdies ;11 Shakespeare, 1869, p. 71).

Os preconceitos raciais, a par com os etnicos e os sexuais, foram os que mais concentraram a aten~ao dos investigadores, se bern que, na opiniao de Goldstein (1982), os grupos entre os quais surgiu uma maior persistencia de conflitos, tanto nos EUA como na Europa durante as seculos XIX e XX, fossem aqueles com divergencias linguistic as (belgas, flamengos e fran c6fonos) ou religiosas (irlandeses catolico s e ia protestantes), com clivagens geograficas (Ital do Norte e do Su!), ou temporais (imigrantes de primeira e de segunda gerayao, nos EVA) au

ainda com inseryoes sociopoliticas diferenciadas (sindicalizados ou nao sindicalizados; classes sociais alta e baixa). De qualquer modo, nao e a enumerayao e a descriyao dos preconceitos que aqui interessa, Illas a compreensao do proprio fen6meno,

1.1 A natureza dos preconceitos Gordon Allport, na sua obra A Natureza do Preconceito (1954), fez a primeira abordagem sistematica deste tipo de juizos, descrevendo-os comO «pensar mal dos outros sem suficiente fundamento» (p. 6), ou seja, «atitudes adversas au hostis em relayao a uma pessoa que pertence a urn grupo, simplesmente porque pertence a esse grupo, presumindo-se assim que ela possui as caracterlsticas contestaveis atribuidas a esse grupo» (p. 7). Porque e que as pessoas deslizam com tanta facilidade para 0 preconceito, seja ele racial, religioso, politico, social ou sexual? Segundo Allport, «por causa de dois ingredientes essendais - a generalizacrao e a hostilidade erroneas que sao capacidades naturais e comuns da mente humana» (idem, p. 17). A generalizacrao, ou processo de categorizafiio, que nos permite pensar, bern ~omo as categorias que ele vai gerando, constituem a base do pre-conceito nonnal. Para Allport, este processo apresenta cinco caracterfsticas importantes:

a) A categorizafiio Jonna grandes classes e conjuntos de objectos, ou de ideias, para g~iar a nossa adaptafiio quotidiana: permite-nos tipificar qualquer acontecimento singular, coloca-lo numa rubric a familiar e agir em consonancia; b) a categorizafiio integra 0 maximo de injonnafiio num conjunto, traduzindo a inercia do processo de pensar e respondendo a frequencia adaptativa: «a mente

tern tendencia para categorizar os episodios que nos cercam do modo mais "compacto" possivel, desde que seja compativel com as necessidades da ac~ao» (p. 21); c) a categorizafiio permite-nos identificar rapidamente qualquer objecto relacionado com ela, uma vez que qualquer objecto ou acontecimento tern certas marcas ou caracterlsticas que servem de sinal activador de uma categoria (urn carro aos ziguezagues a nossa frente - «esta bebado!», e passamos bern ao lado); d) a categoria salUra todos os seus conteUdos com «identico aroma ideativo e emocional» (p, 21), Nos conceitos fisicos como nas categorias sociais, apesar da multiplicidade de ~xperiencias ou de c
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A «RACIONALIDADE» DOS PRECONCEITOS Vejamos como Allport ilustra urn dos percursos de constru\=lio de um preconceito: «Para elaborar um julgamento ou preconceito sobre urn grupo e as suas caracterfsticas nlio e necessaria uma grande dose de conhecimento sobre os indivfduos desse grupo. E pouco provuvel que alguem obtenha provas de qUe os Escoceses sejam mais mesquinhos do que os Noruegueses ou de que os Orientais sejam mais velhacos do que os Caucasianos e, no entanto, este tipo de cren\=us difunde-se tanto como as cren\=as mais racionais. Numa certa comunidade guatemalteca existe um 6dio feroz aos Judeus. Nunca nenhum habitante dessa comu_ nidade viu, ate agora, um judeu. Como emergiu a categoria os judeus-slio-para-odiar? Em primeiro lugar. a cornunidade e cat6lica. Em segundo lugar. os professores ensinam us pessoas que as judeus foram os assassinos de Jesus Cristo. Aconteceu, final mente, que existia na cultura local um mito paglio sobre 0 dem6nio que tinha morto urn deus. Estas duas ideias, com forte carga emotiva, convergiram, entlio, e criaram urn preconceito hostil em rela\=ao aos judeus.» (Allport, 1954, p. 22)

Assim, para Allport 0 pensamento atraves de categorias faz parte do processo cognitivo normal, e as categorias mais importantes para os indivfduos e mais relevantes para gerar preconceitos sao os pr6prios valores que os grupos utilizam para orientar 0 seu comportamento. Os valores sao categorias com peso positivo ou negativo, manifestando-se, sobretudo, sob a forma de sentimentos social mente aprendidos e partilhados no seio dos grupos. Oaf que a forma~ao de preconceitos, para alem da sua dimensao estritamente cognitiva, nao possa ser compreendida, como Sherif (1953) 0 tinha ja claramente explicitado, se nao a inserirmos no nfvel de analise grupal: Os factores que levam as pes so as a formar atitudes preconceituosas nao sao individuais. Pelo contnlrio, esta forma\=ao esta inteiramente Jigada a ser-se membro de urn grupo - a adoptar 0 grupo e os seus valores (normas). como 0 mais importante ponto de ancoragem para regular a experiencia e 0 comportamento (Sherif e Sherif, 1953).

Quanto ao segundo ingrediente postulado para a forma~ao de preconceitos negativos - a hostilidade -, Allport rejeita a proposta freu-

diana da existencia de urn instinto de agressao, e inclui a hostilidade, nas suas varias expressoes, nas capacidades reactivas aprendidas. A expressao do preconceito atraves da hostilidade pode assumir diferentes graus de intensidade: 1. Verbalizar;ao negativa (antilocu~ao) - as pessoas limitam-se a verbalizar os seus pr6prios preconceitos entre amigos ou, por vezes, corn estranhos. 2. Evitamento - 0 preconceito manifesta-se, neste caso, de forma mais activa: as pessoas evitam 0 contacto com membros do grupo que hostilizam. 3. Discriminar;ao - aqui, a distin~ao negativa que caracteriza 0 preconceito negativo traduz- se em ac~oes com consequencias na vida dos ~­ pos: os membros do grupo hostilizado sao exclufdos de certa classe de empresas, de certos bairros ou zonas habitacionais, de direitos polfticos ou educativos ou, ainda, de certos priviIegios sociais. . 4. Ataque jfsico - a hostilidade pode mantfestar-se, em condi~oes de preconceito exacerbado e de elevada tensao emocional, sob a forma :e actos de violencia ffsica contra membros 0 .. d0: os eplso . 'd'lOS de VI'ole~ncia desgrupo hostlhza

portiva nos estadios e os de violencia etnico_poIftico dos grupos de cabe~as-rapadas, urn pouco por toda a Europa, sao exemplos de !11aoifesta~oes preconceituosas deste tipo. 5. Exterminar;ao - os linchamentos, os POgron;zs,. os m~ss.acre~, os programas de genoddio etmco (ehmma~ao dos negros americanos pelo Ku-Klux-Klan, elimina~ao de judeus e de ciganoS pelo partido nazi alemao) ou religioso (elimina~ao de grupos hereticos e de judeus pelos tribuoais da Inquisi~ao na Idade Media e no Reoascimento europeus) marcaram 0 ultimo grau cia violencia enquanto expressao do preconceito. A manifesta~ao de hostilidade para traduzir preconceitos negativos e, para Allport, tao natural como 0 amor para traduzir os preconceitos positivos: 0 amor nao ve defeitos, como 0 6dio oao ve qualidades. As categorias de amor e de nao-amor deri yam do mesmo processo de coostru~ao de uma realidade simplificada e funcional, sendo 0 etnocentrismo 1 e a xenofobia as duas faces desta moeda: aquilo que tern valor, aquilo a que eu e 0 meu grupo damos valor, e positivo e objecto de amor; valores diferentes ou contrarios indiciam a emergencia de rejei~ao. Os preconceitos sociais ocupam uma larga faixa das atitudes e dos comportamentos no seio dos grupos e nas rela~oes entre grupos. De que depende a sua intensidade? A resposta de Allport integra tres aspectos: a) a quantidade de frustra~ao e dureza de vida que atingem as pessoas: «A frustra~ao elevada toma mais facil transformar 0 6dio recorrente em 6dio racionalizado. Para evitar 0 sofrimento e conseguir, pelo menos, uma ilha de seguran~a, e mais seguro excluir do que incluir» (ibidem, p. 365);

0 processo de aprendizagem e a socializa~ao precoce: «As crian~as educadas num ambiente de rejei~ao, expostas a preconceitos pre-fabricados, dificilmente se encontrarao em condi~oes de vir a desenvolver urn olhar confiante e afiliativo sobre as rela~oes sociais» (p. 365); c) uma economia funcional de raiz exclusivista, apoiada no principio cognitivo do «menor esfor~o»: «Ao adoptar uma visao negativa em rela~ao aos grandes grupos da humanidade, tomamos, de algum modo, a vida mais simples. Por exemplo, se, enquanto categorias, eu rejeitar todos os estrangeiros, nao tenho que me preocupar com eles - excepto com os que estejam no meu pais. Se quiser rotular, em seguida, todos os negros na categoria de ra~a inferior, disponho para ja de urn decimo dos meus concidadaos. Se eu puder por os cat6licos noutra categoria e rejeita-Ios, a minha vida fica ainda mais simplificada. Depois reduzo outra vez e deito fora os judeus ... e por af adiante» (idem, p. 366). Certos processos cognitivos, 0 estilo de interac~ao social precoce e 0 contexto valorativo das rela~oes entre grupos estao, assim, para Gordon Allport, na origem da forma~ao dos preconceitos sociais que, em determinadas condi~oes, se podem exacerbar e dar origem a grandes conflitos. Esta obra de Allport que, em 1954, representava urn esfor~o herculeo de articula~ao e de integra~ao de hip6teses - provenientes nao s6 da Psicologia Social, como da Psicologia Clfnica, da Sociologia e da Antropologia -, esteve na origem de todos os model os que se desenvolveram ate aos nossos dias, no ambito da Psicologia Social, sobre a forma~ao, funcionamento e redu~ao dos preconceitos.

b)

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da id I. Este etn~centrismo foi analisado no contexte do fen6meno de distintividade positiva que acompanha a afirma\=lio . enlidade socIal dos membros de urn grupo (Tajfel e Turner, 1982, ver capftulo «Identidade social e rela<;oes intergruP<us») , rnesm 0 na ausencla - ' d e quaIquer con fl'" . entre grupos sociais ou de qualquer corpo de normas explfcitas Ito Imphclto COntitui nd ' ' , 0, na sua forma mms pura, 0 melhor exemplo do que e urn preconceito.



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Abordaremos, ern seguida, os modelos de maior potencia heurfstica neste dorninio, inspirados na obra de Allport.

1.2. A hipotese da «personalidade autorittiria» Vma das concep~oes da origem do preconceito que esteve mais ern yoga a partir dos anos 50 foi a de que este era, fundarnentalmente, urn problema de personalidade individual - a «personalidade autoritana» (Adorno at aI., 1950). Influenciados pelas propostas de Freud (e certarnente marcados pela presen~a hist6rica dos grandes chefes europeus do fascismo Hitler, Mussolini e Franco), Adorno e os seus colegas pensavarn que 0 desenvolvimento da personalidade envolve necessariamente aIguma repressao e 0 redireccionamento das «pulsoes agressivas», por for~a dos constrangimentos da vida social. Os pais seriarn os principais agentes dessa tarefa de socializa~ao: a repressao rfgida e os padroes severos de disciplina estariarn na origem da emergencia, nas crian~as, de fortes impulsos de agressao contra os seus pais e da sua nece.s sana desloca~ao para outros alvos, dada a impossibilidade de a exercer directamente. Esses outros alvos seriam, preferencialmente, as pessoas ou grupos percebidos como mais fracos, como inferiores, como, por exemplo, os socialmente desviantes ou as rninorias etnicas. 0 resultado seria a tendencia para perceber 0 mundo de urn modo totalitario e urn comportamento caracterizado por elevada subrnissao as figuras de autoridade, a par corn a hostilidade aberta contra outros grupos, nomeadarnente contra os que nao se confonnarn com essa autoridade ou que nao estejarn em condi~Oes de se defender dela. Este padrao de valores, atitudes e comportarnentos constitui, precisa-

mente, aquilo que Adorno e os seus cole designaram como «personalidade autoritlirjgas ' da tarnb'ern, em grand' b . d Esta teona, enva parte, da teoria da frustra~ao-agressao (Doll e fird et ai., 1939), que adiante referiremos, esteve • origem de uma investiga~ao massiva sobre na origens dos preconceitos raciais, politicos e re~ giosos. A escala F do inventario de personaij_ dade, construida por Adorno e pelos seus cOleg (caixa a seguir), foi 0 instrumento mais utiliza: neste corpo de investiga~ao: e constituida por 4~ afinna~oes acerca das quais se pede as pessoas que exprimarn 0 seu grau de acordo sobre uma esc ala de sete posi~Oes. De acordo corn as suas respostas, as pessoas podem ser caracterizadas sobre urn continuum, cujos p610s sao as tenden_ cias fascistas e racistas (adop~ao de principios autoritarios na governa~ao politica e de discrirnina~ao de outros por causa da sua ra~a ou religiao) e as tendencias democniticas (adop~ao de principios de tolerancia e de participa~ao na governa~ao politica e nao distin~ao entre as pessoas corn base na sua perten~a racial ou no seu credo religioso). Os autores utilizaram uma combina~ao de metodos clinicos e psicometricos para validar a escala, demonstrando que os individuos adultos que obtem uma pontua~ao elevada na escala F tiverarn ern crian~as uma socializa~ao familiar mais dogmatica e repressiva do que os individuos corn baixa pontua~ao na escala. Os investigadores que, na esteira de Adorno, orientararn a pesquisa corn base na escala F, correlacionararn a «personalidade autoritaria» corn toda a especie de variaveis (ver Christie e laboda, 1954; Titus e Hollander. 1957), na tentativa de encontrar as caracteristicas associadas a este tipo de «personalidade». E a investiga~ao continuou, ja pelos anos 70 adentfo. tornando evidente 0 interesse que a proposta de Adorno desperta. Bray e Noble (1978) constrU~­ ram uma situa~ao quase experimental, constltuindo <<juris» que deviarn dar 0 seu veredicto eIIl

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A PERSONALIDADE AUTORITARIA As afirma~oes que se seguem peltencem a escala F (fascismo) do questionario que Adorno, Frenkel_Brunswick, Levison e Sanford constl1lfram para caracterizar a dimensao Jascista daquilo que designaram por «personalidade autoritaria». Experimente responder a algumas: - A maior parte dos nossos problemas sociais seria resolvida se nos pudessemos ver Iivres, de qualquer maneira, das pessoas que sao imorais, deformadas ou fracas de espfrito. Concordfincia total - I 2 3 4 5 6 7 - Diseordancia total - A obediencia e 0 respeito pel a autoridade slio as virtudes mais importantes que devemos ensinar as crianyas. Concordiincia total- 1234567 - Diseordiineia total - Toda a gente estaria melhor se as pessoas trabalhassem mais e falassem menos. Concordiincia total - I 2 3 4 5 6 7 - Discordiincia total - Os homens de neg6cios e os industriais slio mais importantes para a sociedade do que os artistas e os professores. Concordfincia total - I 2 3 4 5 6 7 - Discordfincia total - A vida sexual dos antigos - Gregos e Romanos - era bern moderada quando a comparamos com a de algumas possoas deste pars, mesmo nos cfrcuJos sociais em que menos esperariamos que tal acontecesse. Concordiincia total - 1234567 - Discordll.ncia total - Do que a juventude mais necessita e de uma disciplina forte, de decisOes firmes e de vontade para trabaIhar e para Jutar pela famma e pe\o pafs. Concordiincia total - I 2 3 4 5 6 7 - DiscordfuIcia total - Certas pessoas nascem com uma inclina~iio natural para ascender a posi~oes eJevadas. Coneordll.ncia total - 1 2 3 4 5 6 7 - Discordancia total - Os homossexuais sao poueo melhores do que os criminosos; deviam, por isso, ser severamente punidos. Concordiincia total - 12 3 4 5 6 7 - Discordiincia total - Os jovens tern, por vezes, ideias rebeJdes; mas, a medida que crescem, tern de as u!trapassar e de se submeter. Concordiincia total - I 2 3 4 5 6 7 - Discordiincia total - A ciencia tern 0 seu lugar, mas ha coisas muito importantes que 0 espfrito humallo nunca ehegara, possivelmente, a comprtender. Coneordll.ncia total - I 2 3 4 5 6 7 - Discordancia total - Ninguem alguma vez aprendeu 0 que quer que fosse de verdadeiramente importante neste mundo seniio atraves do sofrimento. Concordfincia total - 1 2 3 4 5 6 7 - Discordllncia total - As guerras e os confJitos sociais ainda nos hao-de levar urn dia a cntastrofes s(smicas ou a inundayoes que destrui.ri'io 0 mundo inteiro. ConcordfuIcia total - I 2 3 4 5 6 7 - Discordiincia total - Edifieil conceber que as pessoas com maus modos, maus Mbitos e rna educayiio andem com gente decente. Concordiincia total - 1 2 3 4 5 6 7 - Discordiincia total - Sendo a natureza humana 0 que e, haven'! sempre guerras e conflitos. Concordiincia total - I 2 3 4 5 6 7 - Diseordiineia total - Hoje em dia. em que nos cruzamos com tanta gente diferente, temos de estar prevenidos para nos protegermos de possfveis contactos pemiciosos. Concordancia total - I 2 3 4 5 6 7 - Discordiincia total - Devfamos ter uma f6 total numa foryn sobrenatural e obedecer sem hesitayao aos seus des{gnios. Concordiincia total - I 2 3 4 5 6 7 - Discordancia total - Para garantir a ordem e impedir 0 caos, a melhor solu~iio ainda esta na adop~iio de certos metodos autoritarios como os que se utilizaram na Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial. Concordllncia total - I 2 3 4 5 6 7 - Discordiincia total

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relalfao a varios «delitos»: os <(jUlzes autoritarios» (os de pontualfao elevada na escala F) enunciaram veredictos mais ngidos e mais severos do que os «juizes nao autoritarios»; quando 0 veredicto tinha de ser pronunciado colectivamente, tambem os primeiros polarizavam mais 0 julgamento do que os segundos. A serie de trabalhos conduzida por Tetlock, nos EVA, na dec ada de 80, mostrou urn panorama mais controverso: a investigalfao documental (Tetlock, 1981, 1983) sobre discursos poifticos mostrou que a retorica dos conservadores extremistas e menos complex a do que a dos liberais, 0 que pareceu confirmar a ideia de Adorno de que os individuos autoritarios tendem a simplificar, a dicotomizar e a extremar a forma de ver a vida social. Vma outra variavel, no entanto, veio mostrar que a questao nao e tao simples, ou dicotomica, como isso. Tetlock verificou que a complexidade de estilo de argumentalfao dos politicos varia tambem com 0 facto de se encontrarem, nesse momento, no governo ou na oposilfao: 0 discurso dos politicos, quando na oposilfao, e menos complexo e menos «rico» do que 0 daqueles que estao no governo (Tetlock et ai., 1984). Finalmente, em rela~ao a hipotese de 0 estilo autoritario estar confinado as ideologias de direita, Tetlock (1984), prosseguindo na analise da retorica politic a utilizada nos discursos nos EVA, encontrou uma menor complexidade argumentativa nos politicos da esquerda do que nos do centro. A par com 0 interesse que a proposta de Adorno despertou, as cnticas, teoricas e metodologicas, aos pressupostos a-situacionais da emergencia do preconceito (Billig, 1976) e a propria escala (Brown, 1965) bern cedo se manifestaram. A perspectiva das diferen~as individuais, ao situar a dinamica do preconceito na personalidade individual, foi severamente acusada de negligenciar os factores situacionais e socioculturais.

Quando estudou os preconceitos sociais nos EVA e na Africa do Sui, Pettigrew (1958), POr exemplo, verificou que os sul-africanos brancos bern como os norte-americanos brancos, apre~ sentavam niveis elevados de preconceito racial contra os negros, mas nao mostravam, paralelamente, niveis elevados de «autoritarismo» na escala F. Pettigrew concluiu, assim, que a origem dos preconceitos racicos nao reside em qualquer particularidade ou disjun'r ao da personalidade, mas nas normas socia is dominantes em cada lugar e momento historico. A par com as normas sociais, 0 contacto com os individuo de urn grupo discriminado mostrou ser a variavel preditora mais importante da mudan'r a de atitudes para uma maior tolerancia. Este fenomeno foi especialmente estudado por Stephenson e Rosenfield (1978) a proposito da aplica'rao da lei anti-segregacionista as escolas norte-americanas. Os autores verificaram que, embora as «tendencias autoritarias» das fammas estivessem algo associadas a manuten'rao de comportamentos pouco tolerantes por parte das crian'ras, a variavel mais poderosa associada ao aparecimento de comportamentos tolerantes noutras crian~as foi, sem qualquer margern para ambiguidade, 0 grau de contacto interetnico das proprias crian'ras. A comprova'rao da especificidade historica e geografica da emergencia, rnanutenyao e extin'rao dos preconceitos foi, no entanto, 0 factor que mais contribuiu para 0 declinio da proposta de Adorno. Como Billig refere (19~6, p. 118): «Esta implica~ao (de que urn preconcelto podia ser erradicado se os individuos autoritarlos refefossem "tratados" e se curassem das suas P ._ rencias irracionais) esta em profunda contradi~ao oes • • & rtes raz com a perspectlVa de que eXlstem 10 . . 'd logtas historicas para 0 desenvolvlmento de 1 eo . . d 1 gares e elll preconceltuosas em determma os u , b' rn contradeterrninadas epocas; e esta tam ern e redi~ao com a perspectiva segundo a qual 0 p

conceito em rela~ao a grupos de estranhos e uma mera consequencia de uma perturba~ao psicologica de alguns individuos, estando antes vinculado a forlfas sociais basicas».

1.3. A hipotese do «espirito fechado» Em 1960, Rokeach retoma a questao da genese do preconceito, formulando a hipotese de que a hiper-simplificalfao e a rigidez do estilo de pensamento que Adorno encontrara na sua «personalidade autoritaria» nao eram, de facto, caractensticas do pensamento fascista, racista ou de extrema-direita, mas que se encontravam elll rnuitos outros individuos e grupos: 0 esp(rito fechado. Segundo Rokeach, esta forma de raciocinio define-se por uma separalfao mental de dois ou mais sistemas de crenyas diferentes, de modo a perrnitir: aJ a concilia'rao de opinioes de outro modo contraditorias; b) a resistencia dessas cren'ras a mudan'ra, face a nova informalfao; e c) a utiliza~ao do recurso ao argumento de autoridade para justificar a correc~ao das crenyas amea'radas. Neste senti do, 0 preconceito nao seria de natureza racial, sexual ou religioso, mas inteLectuaL, ou seja, uma forma aprendida de raciocinio acerca de certas areas da vida social, apoiado na adoP'rao de urn sistema de crenyas. 0 grau percebido de semelhan'ra de crenyas entre as pessoas seria, assim, a varia vel de.c~siva no desencadeamento da atrac'rao ou da reJelyao de uns grupos em rela'rao a outros, por c~usa da amea'ra que a diferen'ra constitui para 0 Sistema de cren~as dos indivfduos. Como afirrna Rokeach,«a cren'ra e mais importante do que a ~rtenya a urn grupo etnico ou racial, enquanto eterminante da discrimina'rao sociab> (1960 ~~135). P:u-a testar esta hipotese, Rokeach crio~ s' paradlgma experimental em que fez variar llnultaneamente 0 grupo etmco ' . e a congruencla das crenyas. Inquiriu as pessoas sobre as suas A



atitudes em rela'rao a outras pessoas que, por descri~ao ou por fotografia, pertenciam ao mesmo ou a outro grupo etnico, e que eram vistas como tendo crenyas seme1hantes ou diferentes das suas. 0 grau de atrac'rao que estas pessoas-estfmulo provocavam era mais bern deterrninado pelo facto de as crenyas serem semelhantes ou diferentes do que pel a perten~a ao mesmo ou a outro grupo etnico. Outros estudos verificaram exactamente 0 mesmo fen 0menD: urn individuo branco mostra preferencia maior por urn individuo negro com as mesmas cren~a do que por urn outro individuo branco com cren~as diferentes (Byrne e Wong, 1962; Hendrick, 1971). Apenas no caso de estar em causa 0 estabelecimento de rela~oes de intimidade, tais como 0 casamento, 0 criterio racial se mostrou superior ao das cren'ras partilhadas (Triandis e Triandis, 1960; Triandis e Davis, 1965; Stein et ai, 1965). Alias, Rokeach integra este caso na sua hipotese ao admitir que certos dominios em que 0 preconceito se encontra institucionalizado (tal como 0 regime de castas na India) ficam imunes a «lei» da congruencia de crenyas, sendo regidos prioritariamente pel a forya norrnativa dessas «leis». Brown e Turner(1981) apresentam uma cntica importante a investigayao conduzida por Rokeach, salientando que a situa'rao experimental criada e eminentemente interpessoaL: os sujeitos nao recebem qualquer inforrnayao acerca de como outras pessoas exprimem as suas preferencias de raya ou de religiao e nao ha qualquer garantia de uniforrnidade intragrupal. Assim, «a importancia da cren~a nestas investigayoes sugere que Rokeach nao tern propriamente uma teoria do preconceito etnico, mas apenas que 0 preconceito etnico e uma determinante da atracyao interpessoa/» (Brown e Turner, 1981, p.53). Vma prova desta afirmayao encontra-se numa das investigayoes experimentais sobre os



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grupos mlmmos (ver capitulo «Identidade social e rela~oes intergrupais») efectuada por Billig e Tajfel (1973). 0 objectivo desta experiencia era verificar como e que 0 criterio de forma~ao de urn grupo podia afectar 0 comportamento de distribuiyao de recompensas a individuos anonimos do grupo de perten~a. Vma das condi~oes experimentais introduzia 0 factor semelhanfaldiferem;a entre os membros do grupo (tinham preferido 0 mesmo/outro tipo de pintura, num exercfcio precedente), sem nunca mencionar a existencia de grupos. Noutra condi~ao nao se fazia qualquer referencia a semelhan~a entre individuos, mas introduzia-se a categorizafiio em grupos (X ou Y) atraves de urn criterio aleatorio (lanyamento de uma moeda ao arlo Numa terceira condiyao combinavam-se os dois criterios anteriores, tomando salientes, simultaneamente, a semelhan~a de preferencias esteticas e a perten~a ao grupo. A condi~ao de controlo caracterizava-se pel a ausencia de qualquer criterio que ligasse os sujeitos entre si. Na hipotese de Rokeach, a condi~ao pura de semelhanyainao semelhan~a deveria ter sido a mais potente para desencadear o preconceito contra a «diferen~a». Os resultados mostraram, no entanto, que somente a presen~a da categorizafiio, independentemente da semelhan~a, foi responsavel pela forma de favoritismo em rela~ao aos membros do seu grupo (Quadro I). Outros estudos vieram, posteriormente, de novo mais a favor da confirma~ao da hipotese da congruencia de cren~as (Taylor e Guimond, 1978) do que da categoriza~ao social. A quesHio permanece algo em aberto, se bern que os estudos que utilizam 0 paradigma da raya-crenya rareiem. De facto, como afirmaram Kidder e Stewart (1975), como saber a importancia relativa, para cada urn, da ra~a ou da cren~a? Quais os contextos em que uma ou outra adquirem a relevancia decisiva para desencadear

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o comportamento discriminatorio associ ado ao preconceito? Na mesma linha estao as sugestoes de Brow (1988) ao sublinhar a importancia dos ContextOsn , e ao afirmar: «E possivel que em certos Contex_ tos - particularmente naqueles em que a situ a~ao intergrupal fica abafada por diversas rela~oes interpessoais - as atitudes avaliativas e afiliativas das pes so as sejam afectadas pela SUa percep~ao de semelhan~a em rela~ao aos outros Mas, 'a medida que as situa~oes se desloc~ para 0 polo grupal do continuum interpeSsoal_ -grupal, as considerayoes interpessoais de Congruencia de cren~as dao lugar a solidez factual da perten~a grupal diferenciada» (p. 176).

2. A hipotese da

frustra~ao-agressao

Ernbora os preconceitos nem sernpre se manifestem sob a forma de hostilidade ou de agressao aberta (lembremos 0 papel que 0 humor pode desempenhar na emergencia ou na manuten~ao de atitudes e comportamentos de discrirninayao entre os grupos), 0 certo e que a atenyao e preocupayao dos investigadores ao estudarem a genese do preconceito se centrava nas suas manifestayoes violentas, destrutivas e anomicas, ou seja, na importancia dos preconceitos para 0 desencadeamento de conflitos sociais. Se as hipoteses apoiadas sobre a existencia da «personalidade autoritaria» se deparam com 0 obstaculo da «historicidade social» das atitudes preconceituosas, a teoria da frustra~ao-agressiiO, enunciada por Dollard, Doob, Miller, Mowrer e Sears em 1939 e sucessivamente reformulada (Miller et al.", 1941; Miller, I 948) troU~~ a questao da hostilidade para 0 nivel de analIse situacional, tentando facilitar a compreensiio da problematica agressiva nos individuos, nos grupos e nas rela~oes entre grupos.

QUADRO

r

Semelhant;a e categorizat;ao como detenninantes da discriminat;ao integral (Billig e Tajfel, 1973) Semelhan,
Dissemelhun ..a

Categorizu,
+3,90

Nuo cutegorizur,:uo

+1,00

+2,00 -0,20

Amplitude du medida de di:.criminu,
A proposi~ao basica dos autores da teoria da frustrayao-agressao, que resulta da integra~ao de princfpios oriundos da teoria psicanalitica e da teoria da aprendizagern, e que «a ocorrencia do comportamento agressivo pressupoe sempre a existencia de frustrayao e, ao contrario (... ), a existencia da frustrayao conduz sernpre a algurna forma de agressao» (Dollard et al., 1939, p. 1). o conceito de frustra~ao e, aqui, apresentado de forma situacional: qualquer interferencia real au simbolica em relayao a objectivos ou necessidades importantes dos indivfduos. A sua ocorrencia desencadeia uma forma de «energia» que se constitui na instigayao a agressao. De acordo com as no~oes de «deslocamento» e de «sublima~ao» enunciadas pela teoria psicanalitica, os autores admitem que essa instigayao a agressao apare~a no tempo de forma diferida, ou mesmo sob outra forma e em relayao a urn alvo indirecto, diferente do que esteve na origem da frustra~iio inicial. Deste corpo central de axiomas e conceitos ~olIard e os seus colegas desenvolveram uma hl~6tese sobre a genese das atitudes preconceltuosas e dos cornportamentos de hostilidade

que frequentemente se Ihe associarn, mais conhecida sob a designayao de «hipotese do bode-ex piatorio». De acordo com essa hipotese, toda a socializayao humana con tern foryas constrangedoras, limitativas em relayao aos objectivos e as necessidades individuais. Poderia dizer-se que elas sao endemic as em relayao a vida social e que, portanto, toda a vida social contem, em alguma medida, a agressao. A expressao desta agressao e, no entanto, tambem ela, socialmente controlada, obrigando as pessoas a deslocarem-na para alvos atingfveis e social mente admissfveis: tal como tam bern preconizam Adorno e Rokeach, os grupos desviantes ou minoritarios sao os «bodes-expiatorios» preferenciais, neste caso ja nao de «personalidades autoritarias» mas de grupos sociais com dificuldades de atingir objectivos partilhados (a melhoria do nivel de vida, a educayao dos filhos, 0 acesso a bens culturais de qualidade, etc.). Dollard evocou como exemplo deste fen6menD 0 anti-semitismo extremo que grassou na Alemanha entre as duas grandes guerras e que culminou com a subida ao poder da ideologia



422

423

nazi. Segundo ele, Hitler so teve a possibilidade de achar eco na popula~ao aIema em rela~ao a sua proposta nacionalista porque, na decada de 20, a Alemanha tinha sofrido urn colapso economico grave, gerador de muitas frustra~oes em rela~ao as expectativas de desenvolvimento da maioria do povo alemao. A investiga~ao basica e aplicada, que, ate aos nossos dias, tern utilizado como suporte a teoria da frustra~ao-agressao no ambito das rela~oes entre grupos, nem sempre, no entanto, confirmou as suas hipoteses. Urn dos primeiros estudos efectuados neste dominio foi 0 de Miller e Bugelski (1948), conduzido num campo de ferias para rapazes. Uma noite, quando urn dos grupos de rapazes se preparava ansiosamente para fazer uma bela noitada na cidade vizinha, a equipa dirigente do campo anunciou que tinham de ali permanecer para responder a uma serie de testes, que se sabia serem bastante desinteressantes e cansativos. Esta medida constituiu a interferencia nos objectivos do grupo necessana a instiga~ao a agressao. A medida das atitudes desse grupo em rela~ao a dois outros grupos rninoritanos, integrados no campo de ferias, efectuada antes e depois do incidente, mostrou que, depois da frustra~ao, os estereotipos sobre aqueles dois grupos se tomaram mais negativos, 0 mesmo nao acontecendo num grupo de controlo que nao foi submetido a essa frustra~ao. Os autores evidenciaram tambem aqui a importancia do processo de deslocamento da agressao da equipa dirigente do campo, causadora da frustra~ao, para os grupos rninoritarios, totalmente alheios a ela. Stagner e Cogdon (1955), no entanto, nao encontraram qualquer aumento do preconceito racista num grupo de estudantes a que infligiram uma frustra~ao a nivel da avalia~ao dos trabalhos escolares. Num ambito social mais alargado, Tanter (1966) mediu 0 grau de associa~ao, entre 0 nivel

de conflitos intemos e 0 grau de conflitualidade nas rela~oes extemas, em 83 paises. De acordo com a teoria da frustra~ao-agressao, estes dOis fenomenos deveriam estar negativamente corre_ lacionados, uma vez que as dificuldades sao resolvidas atraves de confrontos intemos Ou como consequencia do processo de desloca~ mento, a agressao orienta-se para novos alvos fora do grupo. Por outro lado, em terrnos de analise sequencial, a mesma teoria conduziria a uma correla~ao positiva entre as duas ocorren_ cias: a conflitualidade no interior do pais deveria, pelas dificuldades intemas que causava conduzir posteriormente a hostilidade em rela~ ~ao a grupos extemos. Os resultados apresentados por Tanter, alias, muito justamente criticados, mostraram que, de facto, a correlac;ao entre as ocorrencias, quando sincronicamente analisada, era nula, ao passo que se tomava positiva quando analisada de forma diacronica. Dois problemas de fundo se colocam em rela~ao a proposta de que 0 preconceito e a discrimina~ao intergrupais podem resultar do deslocamento da agressao para alvos «inocentes». o primeiro e a dificuldade em preyer, de entre todos os alvos disponiveis, qual vai ser 0 «preferido». 0 proprio Miller (1948) deu-se conta desta dificuldade, considerando a hipotese de sec o grau de semelhanfa com 0 agente da frustrayao o deterrninante dessa selec~ao. Os processos de aprendizagem (por generaliza~ao das respostas a objectos semelhantes e por inibi~ao das mesmas respostas face a antecipa~ao de uma puniyao) ou a alta dissemelhanya conduziriam, na pratica, a escolha do alvo altemativo. A direc~ao oposta dos processos - alargamento ou estreitamento da gama de respostas em fun~ao do grau de semeIhan~a percebida - teria como con sequencia que o alvo altemativo - 0 «bode-expiatorio» - fosse, OS na generalidade, algo de intermedio, em term de semelhan~a percebida, relativamente a fonte da frustra~ao.

FIGURA

I

Modelo da frustra~ao-agressao (Berkowitz. J962)

1

1

r .. .\~\

/

/'

,

./'

/

Horowitz (1973) analisou esta hipotese num

crit~~o da semelhan~a, estavam na mesma

Clonais na B' , . mnarua, em 1938, quando esta era UUla coloma do Imperio Britaruco Urn d ' esses e . 6<1' PIS. lOS consistiu na repressao violenta de uma maru~esta~ao nacionalista por parte da polfcia coloma! A -. . ' essa repressao segUlU-se uma serie de ~arufesta~Oes violentas da popula~ao birmanesa Dao Contra ' ' indi . 0 pader colomal mas contra a etnia m .ana ~noritana de religiao mul~umana. A prieIra Vista . beIn • 0 aconteclmento compreendia-se dl·s ,. n~ quadro da hipotese do comportamento cntnIn t' . oa a ono por desloca~ao da agressao mas . ' indoUtoe ven'fiICOU que outra rmnoria etnica os lanos d I' '- . ' . e re 19lao hmdu que, de acordo com 0

posl~ao que os indianos mu~ulmanos, nao foram

e~tudo sobre as agita~oes e movimentos insurrecA'

afectados pelo movimento. Esta dificuldade em preyer q~al ,0, grupo que vai ser escolhido para bo~:-e~Platono faz supor que existem outras vanavels, nomeadamente de ordem historica e cultural, que intervem fortemente neste processo t~ma?do a ~alise puramente ao nivel psicolo~ glCO msuficlente para compreender os fen omenos com este grau de dimensao social, Os trabalhos de Berkowitz (1962) sobre 0 comportamento agressivo introduziram, entretanto, altera~oes no quadro teorico do modelo da frustra~ao-agressao (Fig. l). Duas hipoteses estiveram na base des sa altera~ao: a) a da impor-



424

425

tancia da conota~ao violenta dos sinais presentes na situa~ao em que a agressao se desencadeia e, b) a da importancia do cankter subjectivo da frustra~ao.

Trata-se de mostrar que a presen~a de sinais agressivos e importante no desencadeamento de comportamentos hostis em rela~ao a outros, porque eles pr6prios foram anteriormente associados a agressiio no contexto cultural envolvente (armas, objectos contundentes, etc.). No caso da hip6tese do bode-expiat6rio, a escolha do alvo seria influenciada por associa~oes previas com conota~ao hostil que se tivessem estabelecido em rela~ao a urn determinado grupo, por causa de determinados sinais presentes nesse grupo ou no seu ambiente imediato. No segundo caso - 0 caracter subjectivo da frustra~ao -, trata-se de alargar 0 conceito de frustra~ao inicialmente definido por Dollard e col. (1939) num quadro objectivo para uma dimensao mais subjectiva: nao e frustrante qualquer interferencia nos objectivos ou no percurso dos individuos ou dos grupos, mas aquilo que eles acham e sentem que 0 e em fun~ao, nomeadamente, das suas expectativas. A teoria da priva~iio relativa (Runciman, 1966), a que adiante nos referire-mos, obedece exactamente a este pressuposto de intersubjectividade e de relatividade. As maiores dificuldades geradas pelas propostas que acabamos de referir para a compreensao dos preconceitos sociais e da genese das rela~oes de conflito ou de agressao entre grupos decorrem, no entender de Brown (1988), dos seguintes problemas: 1) A sobreposi~ao dos niveis de analise

interindividual e intergrupal: os fen6menos sao estudados a nivel interindividual e supoe-se que 0 mesmo modelo serve para explicar e descrever os fen6menos que ocorrem no quadro de rela~oes entre grupos. Como traduzir 0 estado de frustra~ao

individual, previsto pela teoria para 0 n' lVel do grupo, 0 mesmo se passando corn comportamento discriminat6rio ou ho ~ .. - interist1l que d al' d en.va ?. D'lscnmma~ao dividual ou actos colectivos de agres ~sao entre grupos, a extrapola~ao nao sera ab siva? Como diz este autor, «sera POSSiVU~ que, de acordo com a teoria da frustra-rii~_ -agressao, sempre que ha uma irruP~iio d preconceito ou de descontentamento, cen~ tenas ou milhares de pessoas se encontrern ao mesmo tempo num estado de activa':riio emocional identico e, por coincidencia, seleccionem os mesmos alvos para a descarga dessa hostilidade?» (p. 181). 2) A hip6tese de que os preconceitos e a genese dos conflitos se radicam simples_ mente numa activa~ao emocional, num conjunto de varia~oes intemas na area emotiva e na sua descarga directa ou diferida, lirnita os conflitos humanos a urn fen6meno com caracterfsticas de irracionalidade, e supoe que a componente estrategica, reflectida e orientada do comportamento hostil e pouco importante, ou mesmo inexistente. Mesmo em fen6menos de movimenta~ao de mass as, como sao, usual mente, as manifesta~oes violentas de rua, pode desconfirmar-se esta hip6tese: nos seus estudos sobre esse tipo de manifesta~6es no EVA nos anos 60, Fogelson (1970) verificou que os armazens ou as casas atacados pelos manifestantes eram seleccionados por determinados criterios, que havia lojas que nunca eram danificadas e que certas ruas eram muito mais utilizadas pelos manifestantes do que outras. 0 autor defendeu, assim, 0 ponto de vista de que as manifesta~oes observadas, apesar de aparentemente marcadas por um caracter de irracionalidade, eram, na verdade,

dirigidas conscientemente para alv 'fi os esp.eci ICOS - nomeadamente a difusao, 0 mal~ ampla. possivel, do estado de priva~ao relatlva dos manifestantes e a protec~ao das suas areas de vizinhan~a.

3. A procura de justi~a social:

hipotese da priva~ao relativa

«E injusto! Para 0 que eles fazem, nao deviam ganhar tanto como n6s!» Se a no~ao de preconceito se define, essencialmente, ao nivel individual e interindividual e se refere a uma cren~a, percep~ao ou senti~ mento acerca de alguem, independentemente das suas caracterfsticas ou comportamentos reais, 0 q~e ~t~cipa ~ justifica certos comportamentos dlscnrrunat6nos, 0 conceito de priva ii . ~ 0 relatlva nao s6 se encontra mais associado a nivel .de analise intergrupal dos fen6menos con~ fli tums como desloca 0 acento t6nico do estudo das cren~as preconceituosas do individuo ou dos membros de grupos dominantes para 0 d a emergencla de cren-ras de injusti~a social, que tanto podem ocorrer em espa~os dominantes como dominados. A



o conceito de priva~iio relativa foi utilizado . . , Pela . pnmelra vez, numa celebre investiga~ao, pubhcada com 0 titulo 0 Soldado Americano (Stouffer et aI., 1949) 2, conduzida durante a Segunda Guerra Mundial. Define-se como 0 senti~en~o de injusti~a associado apercep~ao de au:encla d~ um recurso (poder, prestigio, dinheiro) que se Julga ter direito, por compara~ao com a ~sse do mesmo recurso por parte de urn «grupo e referencia» (Merton, 1957). Gurr (1970) reforIllulou Un este concel't0, chamando a aten~ao para a ponancla dessa diferen~a percebida entre 0 A



---2

H b

.

que se tern e 0 que se esperaria ter, considerando-a um dos mais importantes motores dos sentimentos de injusti~a social e do desencadeamento da violencia colectiva. A extensao e a frequencia da priva~ao relativa seriam, consequentemente, indicadores da priva~ao sentida e da intensidade do conflito potencial emergente. A demonstra~ao empfrica mais importante desta p~oposta te6rica foi feita por Runciman, no seu bvro Priva~iio Relativa e Justi~a Social: Estudo das Atitudes Face a Desigualdade Social em lnglaterra no Seculo XX, publicado em 1966. Para melhor situar a sua investiga~ao, 0 autor afinna, logo na «Introdu~ao»: N:nhuma sociedade

e

igualitaria. Mas qual

e

a

rela~ao, numa dada sociedade, entre as desigualdades e os

sentlll~entos de aceita,.ao ou de revoIta que eles geram? As atltudes das pessoas face as desigualdades sociais raramente se encontram estreitamente relacionadas com as suas proprias posi,.oes nessa sociedade. Poder[amos sup.or que os sentimentos das pessoas acerca da estrutura socIal em que se inserem variassem com a sua posi,.ao nessa. estrutura e que, qualquer que fosse 0 sistema de estratIfica,.i!o, os do topo se sentissem contentes e os da bas: desconte.ntes. Mas nao e isso que se passa. A insatisfa,.~o com 0 sIstema de priviJegios e de recompensas numa socled~de nunca e sentida de forma proporcional ao grau de des.lguald~de entre os seus diferentes membros. (... ) Esta dlscrepancia deu origem a concIusoes muito difere~tes ~a ar~a das teorias po){ticas: se a desigualdade e rna, en tao eXIste uma quantidade de diferen~as sociais de que. as suas vftimas se deveriam aperceber e contra as qua~s se d~~eri~m revoltar, e se 0 nao fazem e porque tern «rna consclencla». Mas se a desigualdade e inevitavel ou me~~o boa, entao os que, voluntariamente, aceitam a 'sua posl~ao de subaltemidade, nao s6 sao simples como virtuosos ( ... ). Dois problemas, intimamente relacionados se levantam aqui'. pr"Imelro, quaI e' a rela,.ao - entre as desi' gualdades ~nstitucionalizadas e 0 grau de consciencia ou • de ressent~mento em rela,.ao a elas? Segundo, quais dessas des~gualdades, se e que alguma existe, deveriam ser . percebldas e sentidas a luz das normas da justi,.a SOCIal? (pp. 3-4).

er ert Hyman cnou este conceito em 1932, em The Psychology of Status.

t

426

427

Runciman comparou as respostas de dois grupos - trabalhadores manuais e nao manuais (tecnicos e administrativos) de uma amostra estratificada de dois mil ingleses - em relacrao a classe social subjectiva, a avaliacrao dos respectivos grupos de referencia, a satisfacrao com a sua situacrao na sociedade, etc. Verificou, por exemplo, que em relacrao as perguntas «que tipo de pessoas vive muito melhor do que voce e a sua famnia?» e «0 que sente acerca disso, isto e, aprova ou desaprova?», a maioria dos trabalhadores manuais indicou membros de grupos profissionais semelhantes ao seu, enquanto grande parte das pessoas com profissOes administrativas (objectivamente com maiores privilegios economicos) indicou membros do grupo de trabalhadores manuais e manifestou a mais elevada desaprovacrao por esse «facto». Estas respostas exemplificam bern 0 conceito de priva9iio relativa. Significam que nao e a posicrao social objectiva que deterrnina 0 sentimento de privacrao, mas que, por incrivel que parecra, os grupos objectivamente dominantes podem sentir-se privados em relacrao aos grupos objectivamente dominados, ou seja, que 0 senti men to se apoia numa relativiza9iio dos fenomenos sociais. Vejamos, assim, a importancia preponderante nao da classe social objectiva determinada pelo rendimento familiar e pel a educacrao, mas da classe social subjectiva evidenciada pelos trabaIhadores manuais nas suas opcroes educacionais (Quadro ll): aqueles que se auto-integram na classe media, independentemente da classe objectiva de pertencra, recusam menos enviar os filhos para escolas privadas do que os que julgam pertencer a classe trabalhadora. A privacrao relativa, segundo Runciman (1966) e Gurr (1970), e urn factor importante no desencadeamento dos conflitos entre grupos sociais, na medida em que esta na base da construcrao de crencras sobre as dinamicas situacionais. Crawford e Naditch (1970) mediram 0

grau de privacrao relativa dos negros reside . . d' . ntes em D etrOlt Ime latamente a segUlr a uma gr ·c ande mamlestacrao na CI'd ad e, pe d'In d 0 a eSsa po lacrao que avaliasse 0 seu nivel de vida no PUpassad 0, no presente e no f uturo, em compara _ , I d e VI'd'd I crao com 0 «mve a 1 ea». Verificaram que existia uma forte rela _ . - reIatlva ' (de fi1m'd a como a d'l' crao entre a pnvacrao he. rencra entre as avaliacroes do real e do ideal) e atitudes em relacrao a eficacia das manifestacr5eas violentas, ao movimento do Poder Negro e : accr ao polftica militante (Quadro III). Os qUe experimentam uma maior privacrao relativa sao os que mais aprovam a miliHincia polftica para combater 0 racismo. Num estudo correlacional, Gurr (1970), por sua vez, encontrou uma elevada correlacrao positiva entre a intensidade da privacrao expressa e 0 grau de agitacrao social (registo documental de confrontacroes civis) em treze paises. Na maioria dos estudos atras citados verificamos que 0 grupo de referencia escolhido para se estabelecer a intensidade da privacrao relativa e extemo em relacrao ao grupo de pertencra das pessoas. Mas pode acontecer que alguns indivi-

dUOS exprimam um sentimento de privacrao em (elayaO ao seu proprio grupo. Runciman estabeleceu, precisamente, a distincrao entre privar;iio fraterna (qu.ando 0 grupo de referencia normativO extenor ao proprio grupo) e a privar;iio ego(sta (quando 0 grupo de referencia normativo e 0 proprio grupo de pertencra). A distincrao utilizada para atribuir relevancia social primeira , is~o e, a privacrao fratema, so ela tendo, na perspectIva deste autor, interesse para an alisat a dinamica dos conflitos entre grupos em busca de uma maior justicra social:

da pagina seguinte) verificaram que as atitudes mais racistas, e simultaneamente de maior apoio polftico a candidaturas conservadoras para cargos po]{ticos, se encontravam em individuos branc~s qu~ manifestavam maior privacrao fratema, IStO e, naqueles que diziam que os brancos, ~o~o grupo, estavam em piores condicroes economlcas do que os negros. _ Mais recentemente, a importancia da privacr ao fra~~ma no desencadeamento de accoes de hostIhdade intergrupal foi corroborada por Walker e Mann (1987), num estudo sobre 0 desemprego na Australia.

e

e

a

.. , .Os sen~i rne~tos de priva~1io relativa relevantes (para

A adesiio a movimentos de protesto impli-

ajuslI~a social) sao aqueles que designei como fraternos

e nao os que designei como egofstas. As reivindica~oe~ de justi~a social sao as que se fazern em nome de urn grupo; urna .pe~so~ relativamente privada em rela~1io a uma categona mdlvldual apenas sera, quando vftirna de uma desigualdade injusta, vftima de uma injusti~a individual (pp. 322-323).

Confirmando a importancia desta distincrao conceptual, Vanneman e Pettigrew (1972) (caixa

can~o transgr~ssiio de normas dvicas, participacr ao em mamfestacroes violentas e mesmo ataques . a propriedade privada, estava altamente relaclOnada com a dominancia de sentimentos de privacrao fratema; pelo contrano, os desempr~gados em que dominavam os sentimentos de p~vacrao ego~sta (<<eu sou vitima de injusticra, nao :m relacrao aos que tern emprego, mas em relacr ao aos outros desempregados como eu») nao

QUA ORO

QUAORO

III

Priva~ao relativa e atitudes face it militancia politica

II

(Crawford e Naditch, 1970)

Percentagem de trabalhadores que nao deseja que os filhos frequentem escolas privadas

Atitudes

Priva~ao relativa

Alta

(Runciman, 1966) Classc social objectiva

Alta Mcdia Baixa

Classc social suhjcctiva Cia sse media

Classc trubalhado ra

46% (N=41) 55% (N= WI) 54% (N=91)

57% (N=56) 66% (N=176) 65% (N=276)

Obs. : Nao estao referidas no quadro de respostas pnsitivas.

a~

"'nt'lgcn5 perce '

Acha que as manifestat;6es ajudam ..ou prcj udicam a causa dos negros? -..

-----------

-

Aprova ou desaprova

0

moyimento

do Poder Negro?

. . para mudar as atitudes (o que . ''lcha q ue e' necessano raclstas) do I . . s )rancos: a lor~a ou a persuasao?

Obs.: Sem ref, • . , erencla a percentagem de «nao sei».

I

I

I

Baixu

Ajudam Prcjudicam

54 38

Aproyo Desaprovo

64

38

22

36

Fort;a Persu(lsiio

51 35

40 52

28

60

t

428

429

ostravam qualquer inten~ao de aderir a

ac~oes

!P lectivas de protesto, mostrando. em contra-

PRIVA<;AO RELATIVA ENTRE RA<;AS E COMPORTAMENTO DE VOTO Vanneman e Pettigrew (1972) tentaram compreender a reac~lio dos americanos brancos a elei~iio de didatos negros para a presidencia da CAmara Municipal, nas cidades de Cleveland, Los Angeles, Newark e Gr:an~ luz da teoria da priva~iio relativa. Esperavam, assim, que a privayao frateroa elevada correspondesse a urna rn~ rejeiyRo de voto num candidato negro. A privaylio egofsta, quando predominante, deveria reduzir essa rejeiyiio. Or

Priva~ao

Reacgio aos candidatos negros

relativa racial

A

B

Duplamente gratificados

Privados fraternamente

C Privados egoistamente

D Duplamente privados

31

12

49

29

21

52

42

Votos em percentagem:

Stokes Cleveland, 1969

Bradley

.. 35

19

14

29

20

17

7

30

15

Newark. 1970

Hatcher

peur6tica e psicossomatica (ins6nias, cefaleias e digestivas). P Finalmente. ao estudar 0 efeito da assimetria de estatuto de dois grupos profissionais em conflito (dominante e dominado). e da situafiio de resposta (individual ou em co-acfiio). Vala, MonteirO e Lima. (1988) utilizaram 0 conceito de privayao relativa para medir a percep~ao que os lIlembros dos dois grupos tinham sobre 0 grau de inequidade (Adams. 1965) (ou seja. sobre 0 racio percebido de custos-beneficios) da sua situa~ao. Para isso. reformularam as defini~oes de privayao fratema e egoista (Quadro IV). de modo a incorporarem a natureza grupal e intergrupal do problema em estudo: J1erturba~oes

A

defini~iio

que propomos reflecte a propna comentre os gropos. Definimos como indivfduos com privafiio jralema aqueles que apresentam nfveis mais elevadas de inequidade nas comparayOes entre 0 seu gropo e o outro gropo do que nas comparayoes entre si proprios e outros membros do seu grupo. Definimos, pelo contrario, como indivfduos com privayiio egofsta aqueles que apresentam niveis mais elevados de inequidade nas compara~Oes entre eles proprios e outros membros do seu grupo do que entre 0 seu gropo e 0 outro gropo (Vala, Monteiro e Lima, 1988, p. 291). para~ao

Los Angeles, 1970

Gibson

., . de ordem artida• urn malOr numero de quelxas

CO

Gary, 1971

Imagens dos candidatos negros (percentagem de escolhas favoraveis)

persistencia de movimentos colectivos de conAo contrano. no entanto. do que tinham previsto. 0 refor~o da perten~a grupal que a condi~ao de co-acfiio representava nao polarizou sistematicamente as respostas da condi~ao individual: os «dominados». mas nao os «dominantes» apresentaram. assim. maior priva~ao egoista do que fratema. «...Para estes (os «dominados»). 0 grupo encontra-se associado a fracasso e. por is so mesmo. acentua a maior probabilidade de recurso a estrategias nao colectivas» (Vala et al.. 1988. p. 299) (Figura 2). A proposta da priva~ao relativa. em sintese, e urn exemplo importante de uma constru~ao te6rica que articula diversos niveis de analise de uma problematica - ados conflitos entre grupos em busca de uma maior justi~a social. Podemos aftrmar. de acordo com R. Brown (1988). que ela supera as propostas te6ricas anteriores. e muito principalmente a teoria da frustra~ao­ -agressao, em diversos parametros: a) refor~a a fronta~ao.

QUADRO

IV

Medida da priva~o relativa (Val a, Monteiro e Lima 1987) DifercnciaC;iio intcrgrupal

Stokes, Bradley, Gibson, Hatcher,

1969 1969 1970 1971

57 65

25 35

33

44 18 17

As pessoas interrogadas receberam, cada uma, urn cartao com doze

64 71 27 36

adjectiv~s.

50 40 36 29

Tinham de escolher, entre eles, quais os tres que melhor descreviam os candidatos Il presidencia da Climara. Metade dos adjectiv~s tinha uma conotayao positiva (ex.: inteligente, honesto) e a outra metade urna conotayao desfavonlvel (ex.: interesseiro. preconceituoso). No quadro (em cima), alem das percentagens de votos nos candidatos negros. figuram as percentagens de eleitores brancos que escolheram tr& adjectivos positiv~s (nos casos Stokes e Gibson), e dois ou tres adjectiv~s positivos (nos casas Bradley e Hatcher) para caracterizarem esses candidatos.

Tal como tinham preconizado. a assimetria de estatuto dos grupos (urn grupo vencedor e urn perdedor, em rela~ao a capacidade de imporem ~ administra~ao uma hierarquiza~ao salarial «mais justa» dos dois grupos), na condi~ao de resposta individual. nao afectou as percep~oes de inequidade. 0 que foi saliente foram os niveis significativamente mais elevados de priva~ao fratema. nos dois grupos. em rela~ao aos de Priva~ao egoista. 0 que traduziu, na perspectiva dos investigadores. 0 elevado empenhamento de qUalquer deles na situa~ao conflitual. devendo corresponder a uma ~levada probabilidade de

Ganhos do scu grupo

Ganhos do outro grupo

Invcstimcntos do scu grupo

Invcstimcntos do outro grupo

Difercncim.:ao inlragrupul Bcncffcios pcssoais Invcslimcnllls pcssoais Privafiiio fralcma l'ri vClfiiio egoista

Bcncficios do seu grupo

-

Invcstimcnllls do seu grupo

=difer. inlcrgrupnl > difer. inlr.lgrupal =difer. inlragrupal > difer. intcrgrupal



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FIGURA

2

Estatuto do grupo, situac;ao de res posta e privac;ao relativa

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V. '.9'1: , . I.": p < .011

(1984), por exemplo, chamam.a aten~ao para a principal dificuldade, que conslste no f~cto de a teoria nao preyer com que grupos se val estabe_ lecer a compara~ao-base que esta na emergencia da priva~ao relativa. Runciman (1966) e Gun (1970) remetem, por seu lado, esta questao Para a teoria da compara~ao social (Festinger, 1954), que preconiza que as rela~oe~ se estabelecern com «outros semelhantes». Asslm, como professora universitaria, eu e os meus colegas nao nos comparamos, em termos de justi~a social, com 0 grupo dos professores primarios ou secundlirios, apesar de desempenharmos uma fun~ao identic a numa mesma area de interven~ao publica - a educac;ao; preferimos, com certeza, a comparaC;ao com 0 que achamos serem os. nossos paresos magistrados, os tecnicos supenores da fun!fao publica ou os quadros das empresas, tO~~do aqui por semelhante 0 estatuto e 0 prestlglo, e nao a func;ao.

hip6tese de Berkowitz (1962) da i~portancia da experiencia subjectiva da frustrac;ao, ~o acentuar 0 caracter relative da privac;ao; b) mtro~uz como nova variavel a legitimidade percebl~a, contida na definic;ao de privac;ao, enquan~o dlScrepancia entre 0 que «b) e 0 que «devena se~» _ 0 que motiva 0 descontentamento ~ p~t~ncla o conflito deixa de ser urn estado mdlvldual de frustrac;ao para passar a ser urn sentimento social mente partilhado de injustic;a num quadro de ilegitimidade; c) descreve e explica 0 fact~, aparentemente ins6lito, de tambem grupos dormnantes poderem exprimir descontentam~nto . I 0 facto de a privac;ao ter urn caracter socIa. . '1 relative permite perceber que urn grupo ~n~vl ~giado, ao perceber a sua situa~ao de dommanCla ameac;ada, reaja (salientando 0 se~ estado de priva~ao em relac;ao ao grupo .d~ml.nado) para reforc;ar a estrutura da sua dommancla. Subsistem, no entanto, algumas dificul~ades associadas a esta teoria. Walter e PettIgrew

4. A oposi~ao de interesses e a competi~ao «Ha ar para todos?» Nao se pode extrapolar, de forma acritica, de comportamentos observados num contexto interpessoal para os que ocorrem no contexto de urn grupo organizado. Nem se pode extrapolar do que acontece no interior. de um ~ru~ ara a explica.. ao dos fenomenos interpess oals . Este upo ~ P • '1 passado e tem con extrapola.. ao ja mostrou ser esten no ' . da . . do confhto e .. ' . de. tinuado a produzir apenas cancaturas . as var/avels III coopera.. ao entre grupos, porque tgnora I - inter, . d ' '0 das re a..oes pelldelltes que caractenzam 0 omml . grupais (Sherif, 1967. p. 466).

. mo vimos Os estudos sobre 0 preconcelto, co d ste r ar a causa e I . cr.ao anteriormente, tentaram oca lZ . d"d ou na Intera l' tipo de atitudes nos m 1VI uos . proe ntre individuos em situac;oes·fi grupals'",bern ' 10 ta.. • curando, por conseguinte, mo d I lcaa nivel individual.

A proposta de Sherif, tal como e expressa ao long o da sua obra lnteracr;iio Social (1967), e a da necessidade de considerar outro tipo de vari3veis especfficas das situac;oes em que os ropos interagem, variaveis essas que, provindo ~os indivfduos, se constituem como situar;oes e, enquanto tal, configuram as rela~oes. A mais irnportante destas variaveis, para este autor, e a compatibilidade, real ou imaginada, dos objectivoS de diferentes grupos que, precisamente para os atingir, precisam de se relacionar uns com OS outros: A revisao da investiga.. ao empirica e experimental mais recente conclui, sem margem para duvidas. que a agressao, o conflito CoO. e a coopera..ao) nao sao fen6menos gerados mtemamente, ou intrapsfquicos. Sao estados de relaciollamento que emergem como consequencia de transac .. 6es entre as pessOas, em situa.. 6es que promovem ou bloqueiam os objectivos que perseguem. Deste modo, a adequada compreensao da etiologia do conflito, como da coopera..ao, requer que a sua avalia..ao se processe no contexto espedfico das situat;6es em que aqueles ocorrem (Sherif. 1967, p.465-466).

Esta hip6tese da importancia das relac;oes que os grupos estabelecem para gerir os objectivos que querem atingir, e das suas consequencias no comportamento dos indivfduos que neles se integram, foi designada por Campbell (1965) como teo ria dos conflitos realistas dos grupos. Foi, no entanto, Muzafer Sherif quem desenvolveu as investiga~oes mais representativas desta corrente te6rica. No centro desta teoria esta a proposic;ao de que os comportamentos e as atitudes intergrupais por parte dos membros de cada grupo exprimem, no fundo, os interesses objectivos do seu proprio grupo naqllela situar;iio, Sempre que esses interesses forem divergentes, mas os grupos precisarem de estar em relac;ao urn com 0 ~utro para os atingir, ou quando os interesses ~rern Convergentes, mas os recursos limitados, Ilao permitindo. senao que urn grupo os atinja,

podemos esperar que se desenhe um cOllflito traduzido em comportamentos e atitudes competitivas, que podem atingir formas elevadas de hostilidade, ou mesmo de agressao. Pelo contrario, quando os interesses objectivos de dois grupos forem convergentes e os recursos suficientes para que ambos os consigam atingir, e mais provavel que se desenhe a cooperar;iio entre eles, sendo os comportamentos entao orientados para a colaboraC;ao. Os primeiros israelitas que conheci eram soldados. Chegaram 11 minha aldeia e enlraram na minha escola: acho que nao ha nada de born que se possa dizer acerca deles. Sempre que vejo mais soldados, pen.;o que, urn dia, vaG ser moTtos. Nao hayed paz. Urn dia destes vai haver outra guerra, e os arabes vencerao. Vamos recuperar a Palestina (testemunho de Najeh Hassan, palesliniano, de vinte anos, ao jomal Observer, em 31 de Maio de 1987).

Este testemunho exprime bern 0 conflito claro entre os grupos israel ita e palestiniano, que ha decadas disputam entre si urn territ6rio a que ambos julgam ter direito por razoes hist6ricas, religiosas e polfticas. Assistimos, precisamente, a uma situac;ao em que os objectivos sao percebidos como total mente divergentes, uma vez que, nos termos em que 0 problema tern sido posto, para que Israel se mantenha para uns, a Palestina nao pode existir para os outros. Podemos ainda verificar que a esta divergencia de interesses se associ a uma escassez de recursos, neste caso 0 territ6rio disponfvel, que e percebide por ambos os grupos como sensivelmente coincidente. Ou seja, e no mesmo territ6rio que os dois grupos pretendem que exista uma s6 nac;ao - a sua, com exclusao da dos outros. Para comprovar a validade da sua hip6tese, de que 0 comportamento de discrimina~ao entre grupos tern origem, nao nas caracteristicas dos indivfduos que as integram, mas na reia<;ao que os grupos estabelecem entre si por causa dos objectiv~s que perseguem, Sherif e uma equipa de colaboradores levaram a cabo uma serie de



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investiga~Oes

de canicter longitudinal (Sherif e Sherif, 1953; Sherif et aI., 1955, 1961), a mais celebre das quais ficou conhecida como «Caverna dos Ladroes», efectuadas em campos de ferias para rapazes pre-adolescentes, nos Estados Unidos da America. Nos divers os campos de ferias que organizaram, Sherif e os colaboradores utilizaram urn mesmo esquema basico: fomentar e observar a forma~ao de grupos, 0 desenvolvimento do conflito entre eles e a posterior reduyao desse conflito. Segundo Sherif (1967), as caracteristicas principais destes tres estadios eram as seguintes: a) a introdu~ao, numa primeira fase, de objectiv~s que se tornassem parte integrante das situa~oes, que tivessem igual capacidade de atracyao e que obrigassem a fazer face a urn mesmo tipo de problema, levando a discussao, planeamento e ac~ao de forma cooperante no interior de cada urn dos grupos; b) levar os dois grupos assim form ados a manter rela~oes funcionais em situayoes de competi~ao por determinados objectiv~s, provocando, ao mesmo tempo, certa tensiio entre os grupos; c) a introdu~ao de objectivos que nao pudessem ser facilmente desprezados pelos dois grupos antagonistas, mas que tambem fossem impossiveis de atingir por cada urn deles isoladamente, por insuficiencia de recursos. Este tipo de objectivos, design ado por superordenados, serve para compreender como se pode conseguir a redu~ao da hostilidade e da tensao entre grupos com interesses conflituais (em alternativa a outras tecnicas anteriormente utilizadas, tais como «a cria~ao de urn inimigo comum», a emergencia de novas chefias ou a discussao sobre 0 pr6prio conflito).

Dos tres estudos mais importantes que She . realizou sobre esta questao (em 1949, 1953rtf 1954), relataremos aqui as principais fa e ses, metodologia e resultados do ultimo. Na primeira fase do campo de ferias, as 2 rapazes, cuja idade rondava os doze anos, for 4 divididos em dois grupos equivalentes do po: de vista de divers as caracteristicas ffsicas e p col6gicas, previamente medidas, para alem ~. de que os rapazes nao - se conheciama garantla antes de serem admitidos no campo de ferias 3 Dois investigadores, num quadro de observa~ yao participante desempenhando 0 papel de monitores, acompanharam de perto 0 desenrolar das actividades e procederam as aValiar;oes sociometric as e aos registos de comportamentos e de outros indices de tipo perceptivo relativos as variaveis em estudo. 0 principal objectiv~ desta primeira fase era, como ja dissemos, a forma~ao de grupos de perten~a, cuja hierarquia interna e normas de funcionamento pudessem ser empiricamente controladas. Para isso, as actividades dos dois grupos constavam de diversos epis6dios - tais como conceber e executar uma refei~ao, construir uma cabana numa more ou procurar agua potavel para beberem -, cujo objectiv~ era realista no contexte situacional e temporal, e onde se provocava uma acentuada interdependencia dos membros no interior do grupo, orientada para a cooperayao. A segunda fase, que teve uma durayao de cerca de cinco dias, tinha como objectiv~ provocar, experimentalmente, uma rela~ao de tensao entre os dois grupos a fim de verificar, nao 56 como se caracterizava essa relayao, mas tambem como se processavam as alterayoes no inte~or dos grupos para se ajustarem a nova situayao.

?

. - de tres • a cinco dins, Tanto as estudos de 1949 como as de 1953 come~aram com uma fase dlferente, com a dura~ao dos sem forma~iio expressa de gropos, permitindo verificar a livre emergencia de afinidades e de amizades. A forma~ao da . . . gropos foi efectuada postenormente, por forma a controlar esta vamivel (as pares de amlgos foram separados, fiIC ando ell urn em seu gropo). J

A tensao entre os grupos foi conseguida atraves de dois tipos de condi~oes: a) a i ntrodu~ao de actividades intergrupais

de natureza competitiva, sob a forma de jogos e torneios, em que os rapazes iam acumulando pontos e em que havia, no final, recompensas para cada urn dos membros da equipa vencedora. Por outras palavras, para se ganhar urn premio individual era necessario que cada membro do grupo contribuisse com os seus pontos para a vit6ria da equipa; b) a introdu~ao de situa~oes que cada urn dos grupos percebia como frustrante, atribuindo a causa dessa frustra~ao ao outro grupo. A hip6tese mais geral para esta fase era que os membros de cada grupo iriam desenvolver atitudes negativas e hostis em rela~ao aos do outro, e que as atitudes estereotipadas, preconceituosas e discriminat6rias, geradas num contexto intergrupal, tenderiam a persistir, mesmo na ausencia de epis6dios importantes de frustrayao nas hist6rias pessoais. As hip6teses especificas alargaram-se, no entanto, tanto as rela~Oes intergrupais como a dinamica intragrupal: esperava-se, na avalia~ao des5as actividades, uma sobreavalia~ao das pontuayoes obtidas pelos membros do seu grupo e urna subavalia~ao dos ganhos do outro, mas esperava-se tambem que 0 estatuto e a popularidade d~s indivfduos no interior de cada grupo produZlssem esse mesmo enviesamento perceptivo. De facto, as atitudes de distancia social entre ?S &TUpos tomaram-se tao fortes que chegaram a iIIlpedir a continua~ao de actividades conjuntas. 0. conflito manifestou-se sob multiplas formas, tais como insultos, persegui~oes, provoca~ao de confrontos fisicos, ataques aos quartos e destrui~~o
solidariedade, mais acentuados em torno dos membros com maior popularidade e com papeis de chefia, bem como nas normas de funcionamento que tinham prevalecido durante a fase anterior. Na terceira fase, que durou entre seis e sete dias - a fase da integra~ao -, Sherif introduziu progressivamente elementos de importancia supostamente crescente para a redwrao do conflito: 0 contacto entre membros dos dois grupos em actividades niio cornpetitivas (por exemplo, preparar uma festa de an os para uma pessoa de visita ao campo de ferias, ver em conjunto urn filme), implicando algum grau de c:oopera~'iio e fomentando a cornunicafiio entre os grupos e a proximidade fisica, em situa~Oes em que a manifesta~ao de hostilidade fosse antinormativa. Na sequencia destes epis6dios verificou-se a persistencia da hostilidade, a resistencia a cooperayao com 0 outro grupo e a manutenyao de estere6tipos intergrupais negativos. Seguiu-se a introdu~ao de uma serie de situayoes como os ja referidos objectivos superordenados - objectivos importantes para a vida dos gropos e impossfveis de atingir por qualquer deles isoladamente, dada a insuficiencia de recursos: altera~oes no sistema de abastecimento de agua ao campo de ferias, cuja pretensa escassez afectava todos, organiza~ao de uma noite de acampamento para os dois grupos em que ambos precisavam da ajuda do outro grupo para montar urn sistema nipido de refei~oes e de alojamento, ou a desempanagem de uma camioneta de transporte de vfveres para 0 campo de ferias, enterrada na lama. Segundo Sherif, «ao fazer face a uma situayao problematica com urn caracter imediato e imperativo que, para alem disso, contem urn objectivo que nao pode ser ignorado ou adiado, os membros dos grupos travam uma discussao e Jazem urn plano que executam ate atingir esse objectivo. Nesse processo, a discussao toma-se

t

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o discussao,

PROGRAMA DE INTERVEN<;AO NUM CONFLITO ENTRE GRUPOS (VALA, LIMA & MONTEIRO, 1987) Vejamos como, no ambito da investigayiio/intervenyao que Jorge VaJa, Maria Benedicta Monteiro e Lu{ Lima conduzirrun numa empresa publica de transportes, entre 1985 e 1987 - no quadro de lim program a alargado ~a investigayao sobre os conflitos intergrupais em contextos organizacionais (Monteiro, Vala e Lima, 1988) _ e autores apresentrun uma proposta de superayao do conflito entre dois grupos profissionais a prutic do enqUadr:un~n~~ e definiyao do pr6prio conflito: «Trala-se de urn conflito objectivo, explicito e institucionalizado, onde os processos de categoriza~ao e de discriminayiio que 0 acompanham estao associados a urn conflito de interesses. Neste senlido, a vitoria de urn gru nao podeni senao ser percebida como a derrota do outro grupo. Cada grupo procura nao somente interesses ma:~ riais mas trunbem 0 reconhecimento das dimensoes de comparayao que Ihe parecem mais favomveis; 0 confJito exprime-se assim em dois nIveis interdependentes. Quer relativamente aos resultados do contlito, quer relativamente aos recursos, os dois grupos tern estatutos diferentes: 0 grupo dos condutores e desde sempre ganhador, Com maib recursos (urn maior mlmero de individuos, uma maior homogeneidade funcianal e uma maior capacidade de ameaya institucianaJ); 0 grupo dos openlrlos da manutenyao e perdedor e com menaces recursos para desencadear e afrontar as consequencias de wn conflito prolongado. Concebemos, portanto, 0 grupo dos condutores como urn grupo dOminante e 0 dos openlrlos como urn grupo dominado» (Vaia, Monteiro e Lima, 1987, p. 803). o plano de intervenyao, no sentido de minimizar os efeitos negativos do conflito na produtividade enos pr6prios custos da produyao do serviyo de transportes, integrou componentes do estudo emplrico (parcial mente referidos no panigrafo «Privayao relativa») em articula.;ao com medidas de correcyao estrutural e funcional programadas pelos gestares da empresa. Forrun os seguintes os seus eixos principais:

Criar;lio de um objeetivo superordenado «Na sequencia da investigayao realizada, foi discutido na empresa urn projecto de gestao intitulado Gestiio integrada das unidades de prodllr;lio de transpones». Este projecto, para aJem de objectiv~s de eficacia funcional, visa fortalecer a ligayao dos dois gropos proflSsionais a Estayao, perrnitindo a emergencia de uma nova reaJidade pela qual todos se sintam responsabilizados. A titulo experimental, a unidade onde foi reaJizada a investigayao vim a ser dotadn de uma maior autonomia de gestao, dispondo de objectiv~s e de responsabilidades especfficas perante 0 conjunto da empresa, bern como de indicadores autollomos de exploTa9ao. (... ) Estas modificayoes estmturais e de poUtica de gestiio forrun, nas suas Iinhas gerais, avaJiadas positivrunente pelos trabalhadores dos dois grupos, que poderao vir a dispor, a partir de agora, de objectiv~s comuns, identificados e avalhiveis, em cuja defIDi~ao participarrun.» (idem, p. 811.) Pre.~ervar;lio

da identidade dos grupos

«De acordo com as fun90es especfficas dos grupos em conflito, encontram-se em estudo indicadores de gestao que responsabilizem cada urn deles pela reaiiza9ao de objectiv~s pru·celares. Os dois gropos poderiio dispor, assim, de objectiv~s aut6nomos, mas complementares (no novo quadro de interdependencia a que 0 projecto obriga), para alem dos objectivos comuns ja referidos.» (idem, p. 811)

Contaetos il1,stitucionaLizados entre os grupos «Quer ao nivel dos quadros e das chefias directas dos dois gropos quer ao dos pr6prios trabalhadores, foi previsto urn novo esquema de contactos institucionalizados incidindo sabre problemas gerais da Estayao, bern como sobre problemas especfficos do funcionamento dos dois gropos (exemplo, analise de avarias extra-rotina, planeamento de ritmos de manutenyao, consumos de energia, imobilizayoes, etc.). Tambem estas medidas forrun positivamente avaliadas pela generalidade dos trabalhadores.» (idem, pp. 811-812.)

Avaliar;iio das eonsequflzcias da intervenr;lio Foi prevista a elaborayao de urn plano de avaIiayao do irnpacto das modificayoes funcionais e estroturais referidas, quer ao nivel do cIima psicossocio16gico quer ao dos indicadores de produtividade e de custos.

asY 1967 , p. 449).

0

plano toma-se

0

seu plano»

( A introdu~ao desta serie de objectivos superdenados foi eficaz na redu~ao do conflito interor pal a dOlS . mvelS: ,.) a os mem bros dos grupos ~peraram verdadeiramente nas actividades que ~he permitiam atingir 0 objectivo comum e, b) a articipa~ao nessas actividades reduziu 0 grau de ~cr;iiO existente entre os dois grupos e os estere 6tiPos desfavoniveis reciprocos. Estas mudanyas apoiaram-se nas observa~oes comportamentais e nas avalia~oes sociometric as comparativas cia fase de conflito e da fase dos objectivos superordenados: mostrou uma desloca~ao da orientar;iio das preferencias individuais do interior do seu grupo para membros do outro grupo (23 por cento num dos grupos e 36 por cento no outro). As observa~oes subsequentes a execu~ao de vanas actividades com objectivos superordenados mostraram tambem urn decrescimo acentuado nos comportamentos de insulto e de desvalorizayiio dos membros do grupo dos outros, bern como nos comportamentos de glorifica~ao exacerbada dos membros do seu grupo. Estas observayoes foram conflnnadas pelas medidas das caracteristicas estereotfpicas atribuidas ao seu grupo e ao grupo dos outros durante e apos 0 conflito: a percentagem de caracteristicas de negatividade (exemplo, «grupo de fedorentos))) passou, num dos grupos, de 21 para 1,5 por cento e, no outro, de 36 para 6 por cento do total de avalia~oes desfavoniveis. Os resultados obtidos por Sherif e a sua equipa na redu~ao dos conflitos intergrupais radicados na oposi~ao de interesses suscitaram, por Parte do proprio autor, urn conjunto de reflexoes sobre os metod os altemativos, tais como a comunica~a~ e 0 contacto, utilizados na redu9ao dos conflitos: parece ser, de facto, importante abrir canais de comunica9ao entre os grupos, para facilitar a redu9ao subsequente da hostilidade; lIlas se 0 contacto entre os grupos nao estiver

enquadrado em actividades regidas por objectivos superordenados, os canais de comunica~ao que se abrem tendem a servir de vefculos para maiores recrimina~oes mutuas. Pelo contnirio, quando enquadrada em actividades que contem objectivos superordenados, a comunica9ao, ao centrar-se nesses objectivos comuns, serve para reduzir a hostilidade (caixa programa de interven~iio Ilum conflito entre grupos).

II - A resolu~ao dos conflitos 1. A hipotese do contacto «Afinal, agora que os conhe~o, acho que nao somos tao diferentes como julgavamos.)) No quadro historico em que a hipotese do contacto se desenhou - os EVA da decada de 50 - era saliente uma grande c1asse de conflitos - os de natureza racial. Vimos ja como e, tambem, a partir deste problema social candente que surgiram as primeiras microteorias psicossociologicas para explicar a fonna~ao de preconceitos e os comportamentos de discrimina9ao que originam. A hipotese da importancia do contacto entre grupos em conflito ou entre os seus membros apoiou-se, originalmente, num pressuposto teorico simples, enunciado no quadro do estudo das rela~oes interpessoais (Newcomb, 1956, 1961; Heider, 1958) e da atrac~iio interpessoal (e. g. Byrne, 1969): a atrac~ao decorre do grau de semelhan~a percebido entre dois individuos (ver capitulo «Atrac~ao interpessoal, sexualidade e rela~oes intimas))). 0 contacto entre membros de grupos diferentes permitiria aos individuos descobrirem que, aflnal, tern entre si mais semeIhan~as - nos sentimentos, nos valores ou nas atitudes, por exemplo - do que inicialmente julgavam. Essa descoberta, segundo a teoria de



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atrac~ao interpessoal, facilitari~ ~ co~preensa~ 'tua e poderia mesmo permltlr, apos repeUmu , . - d dos contactos bem sucedidos, a cna~ao e condi~oes favonlveis a interac~ao cooperan~e. Na sua obra A Natureza do Preconcel~o (1954), Gordon Allport foi, no, :ntanto, .mats longe ao afirmar que era necess~~ es~eclficar em que condi~oes 0 contacto faclhtarla a per-

cep~ao de semelhan~a entre os ~emb~os dessas grupos. Para preparar a avengua~ao dessas condi~oes, Allport elaborou uma especie de taxonomia dos factores a estudar para viabilizar a hip6tese do contacto (ver caixa Hipotese do contacto e n(veis das varitiveis em estudo). Sumarizando os resultados dos estudos efec_ tuados no quadro dessa taxonomia, Allpon

1DP6TESE DO CONTACTO E NiVEIS DAS vARIA VEIS EM ESTUDO

onta treS factores que, no nivel de analise que apui importa - 0 das rela~oes intergrupais -, a Q .. i " d 0 contacto na ri8Jl1 declSIVOS para a eflcaCla sedUyao da tensao - 'mtergrupa: 1 a pan'ddd a e e re totuto dos grupos, a comunalidade de objece~ OS a atingir e 0 apoio sociallinstitucional ttV . volvente. Vejamos, com pormenor, como se ::fine cada urn destes factores e 0 grau de valida~iio empirica de que dis poem.

1.1. A paridade de estatuto dos grupos

(ALLPORT, 1954) ]V, t eza do Preconceito concebeu a taxonomia dos factores a ter em Foi assim que Allport, na sua 0 bra A a U11 ' consider~~o nos estudos a desenvolver no quadro da hip6tese do contacto. d) 0 contacto e percebido em termos de rel~aes interFactores relativos ao contacto: grupais ou nio e percebido como tal? e) 0 contacto e visto como t£pico ou como excep-

Aspectos quantitativos a) Frequ!ncia; b) Dura~ii.o;

c) Numero de pessoas envolvidas; d) Diversidade.

clonal? J) 0 contacto e visto como importante e {ntimo, ou como trivial e transit6rio?

Personalidade dos indiv{duos a) 0 nivel de preconceito inicial

Aspectos de estatuto a) 0 membro da minoria tern estatuto ~nferior; b) 0 membro da minoria tern estatuto 19Ual;. c) 0 membro da minoria tern estatuto supenor;

d) (... ) 0 grupo, no seu conjunto, pode ter estatuto relativo superior (exemplo: os Judeus), ou estatuto relativo inferior (exemplo: os Negros).

Aspectos de papel 0) A relac;ao consiste numa actividade competitiva

ou cooperativa? b) Esta impl{cita uma relac;io de papeis de subor-

dina~1io ou de dominllncia (exemp)o: senhor-servo, patriio-empregado, professor-aluno)?

Atmosfera social envolvente a) Prevalecem pmticas de segregac;~o ou htl expec-

tativas de igualitarismo ? e voluntario ou involuntario? c) 0 contacto e «real» ou «artificial»?

b) 0 contacto

e elevado, m6dio au

baixo? b) 0 preconceito e de tipo superficial, pa.~sivo, au estt profundamente enraizado na su~ estrutura: c) Tern seguranc;a basica na sua vtda ou e timorato e desconfiado? d) Qual a experi8ncia previa com 0 grupo em questlo e qual a intensidade dos preconceitos actuais? e) Idade e mvel de educac;io escolar; J) Outros factores de personolidade.

e

Areas de contacto a) Casual; b) Residencial;

c) Profissianal; d) Recreativa; e) Religiosa;

J) Civica e associativa; g) poHtica; al h) Actividades de benemer!ncia intergrup

(Gordon Allport. ob.

. 1954-1979)

CIt.,

A questao que se torna mais saliente neste factor e a do contexto da paridade: os grupos devem ter estatuto semelhante no contexto social alargado ou apenas na situa~ao bem delimitada do contacto? Allport (1954), Krammer (1950) e Pettigrew (1971) acentuaram a import8ncia da igualdade de estatuto dos membros dos grupos no quadro especffico do contacto, sustentando que e nesse que a percep~ao de igualdade (de pader, de prestfgio, de recursos) entre os grupos pode facilitar a atrac~ao entre os seus membros e reduzir os preconceitos mutuos negativos. Outros autores, no entanto, defendem a importfutcia da igualdade de estatuto nao s6, evidentemente, no quadro explfcito da rela~ao, como no contexto social mais vasto. Riordan (1 978), por exemplo, referindo-se aos conflitos inter-raciais afirma que, numa sociedade em que 0 racismo seja dorninante, as disParidades sociais entre os grupos sao tao intensas que interferem em qualquer manipula~ao experimental restrita, anulando os seus efeitos; isto e, se a representa~ao do estatuto dos grupos for assimetrica, tornar-se-a mais diffcil induzir ?traves do contacto a percep~ao de semelhan~a tndispensllvel, de acordo com a teoria de atrac~o interpessoal, a redu~ao dos preconceitos negativos e da hostilidade entre os grupos.

No entanto, Clore e Byrne (1974) referem que, mesmo num quadro de rela~oes interetnicas conflituosas, conseguiram obter atitudes raciais mais positivas entre crian~as negras e brancas igualmente pobres, ao fim de uma semana de contacto e de interac~ao num campo de ferias . Vma hip6tese complementar, sugerida por Cohen (1982, 1984), e a de que 0 impacto da igualdade de estatuto no contexto do contacto restrito nao depende apenas dos val ores e representa~oes dominantes do contexto alargado, mas pode ser conseguida mediante uma interven~ao pr6xima sobre as expectativas mutuas em rela~ao

a interac~ao.

Esta hip6tese apoia-se na teoria das expectativas (Berger, Cohen e Zelditch, 1972), segundo a qual 0 estatuto social de urn grupo se constitui, sobretudo, como uma fonte de expectativas sobre 0 comportamento dos seus membros num quadro de interac~ao com membros de outros grupos. De acordo com este pressuposto, tornar-se-ia mais compreensfvel 0 modo como os membros de grupos dominantes e dominados se posicion am numa interac~ao. Katz (1964, 1970), por exemplo, \lerificou que, numa interac~ao entre norte-americanos brancos e negros, os primeiros se mostraram mais activos, influentes e bern sucedidos do que os ultimos em tarefas intelectuais. No ambito da teoria das expectativas, estes resultados ficariam a dever-se, nao a quaisquer competencias intrlnsecas dos parceiros da interac~ao, mas as expectativas mutuas que os membros dos dois grupos desenvolveram sobre 0 seu pr6prio comportamento e o comportamento dos outros, por for~a da rela~ao que os grupos mantem na sociedade em que se inserem. Estas expectativas refor~ariam 0 desempenho positivo para uns e 0 desempenho negativo para outros, condicionariam 0 grau de esfor~o envolvido nas tarefas e, finalmente, saldar-se-iam por uma confirma~ao das expectativas e por urn refor~o dos estatutos assimetricos



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dos grupos (fenomeno identico, no fundo, ao das profecias que se auto-realizam, tal como foi enunciado por Snyder e Swann, em 1979). Para verificar esta hipotese, Cohen desenvolveu 0 metoda do «treino de expectativas», que utilizou num quadro de investiga~ao experimental, atribuindo urn nivel especialmente elevado de competencias a crian~as negras antes de as por em contacto com brancas. Os resultados mostraram que, nessa situa~ao, a indu~ao de competencia e a eleva~ao de expectativas junto dos membros do grupo de baixo estatuto nao foi, por si so, suficiente para modificar 0 desempenho; tornou-se necessano intervir, simultaneamente, nas expectativas que 0 grupo de estatuto elevado tinha em rela~ao ao desempenho do outro grupo. Resumindo, poderia dizer-se que nao chega fazer crer aos dominados que eles sao capazes de ser tao bons como os dominantes; e preciso que os dominantes tambem acreditem e esperem isso, 0 que torna a prepara~ao do contacto bastante mais complexa e mostra, sobretudo, que 0 mero contacto entre grupos, sem a garantia de igualdade de estatutos (real ou induzida) nao facilitara, muito provavelmente, a atenua~ao dos conflitos que os op6em. Vma segunda area de estudos diz respeito aos efeitos do contacto entre grupos quando 0 estatuto destes e claramente assimetrico no contexto social envoi vente mas e identico na situ a~ao do contacto. Tradicionalmente, a questao e assim enunciada: qual e 0 efeito do contacto entre membros de uma maioria (grupo dominante/estatuto elevado) com membros de estatuto igualmente elevado de uma minoria (grupo dominado/estatuto elevado)? (Para uma revisao completa, consultar Amir, 1976; Katz, 1970; Riordan, 1978.) Tanto Allport (1979) como Cook (1962, 1978) e Pettigrew (1971) estao de acordo, a partir da revisao da investiga~ao anterior e dos seus proprios trabalhos, sobre a positividade destes efeitos. A explica~ao para este

facto estaria, para estes autores, uma vez n. . ·"aIS no pressuposto da semelhan~a-atrac~ao: a ' , . d Ih percep~ao proxima e seme an~a entre os indo , , . .I al . IVI_ duos num dorrumo socia mente v onzado (eXe _ plo: identico nivel de estudos) sObrepor-se_i~ percep~ao de dissemelhan~a entre eles por cau . I Sa da sua perten~a a urn grupo socia mente des Valorizado (exemplo: filhos de camponeses ou de operanos), facilitando 0 aumento da atrac~ao e a redu~ao das atitudes preconceituosas. Social mente, a importancia desta questao esta na hipotese de tentar reduzir 0 grau de conflito ou de tensao entre dois grupos pondo em contacto membros protot(picos da maioria, ou grupo dominante, com alguns membros especificos, niio protot(picos, da minoria - os que apresentam urn estatuto mais elevado, semelhante ao dos membros da maioria. Mackenzie (1948) verificou, ainda no ambito dos conflitos interetnicos, que 0 contacto entre norte-americanos brancos veteranos da Segunda Guerra Mundial com norte-americanos negros de diferentes estatutos sociais so foi eficaz na redu9ao de atitudes preconceituosas quando os membros do grupo negro eram de estatuto igual ou superior ao dos membros do grupo branco.

1.2. A comunalidade de objectivos a atingir pelos grupos

439

pas naquela situa~ao. A verifica~ao empfrica no entanto, linear. Sherif (1966), como atras ficou referido, te stDU D efeito do contacto cooperante na reduaD do conflito entre grupos de estatuto identico, ~ o quadro das suas 1ongas mvestlga~oes . . - neste ~omfnio, verificando a sua ineficacia na altera~aD dos estereotipos negativos e do comportarnento de discrirr.ina~ao intergrupal. A hipotese de que, quer a natureza dos contactoS previos (cooperativos ou competitivos) entre OS grupos, quer 0 desfecho (sucesso ou insucesso) das ac~6es orientadas para os objectivos que se pretendiam a1can~ar podiam completar e clarificar os resultados obtidos por Sherif, fomentou urna serie de investiga~6es laboratoriais concebidas de forma a isolar e manipular cuidadosamente variaveis tais como a natureza dos cantactos previos entre os grupos (Worchel, Andreoli e Folger, 1977), a hist6ria do conflito entre grupos (Lima, Monteiro e Val a, 1996) ou a

~ta condi~ao nao tern sido,

FIGURA

3

Natureza do contacto previo, desfecho da coopera~ao e gran de atrac~iio (Worchel, Andreoli e Folger, 1977) 2l

&.

21

~~

Esta variavel situacional foi, desde a sua formula~ao (Allport, 1954), aceite como urn corolano dos pressupostos teoricos da hipotese do contacto: da importancia da percep~ao de semelhan~a para facilitar a atrac~ao decorria que, do ponto de vista substantivo, 0 contacto s.e traduzisse numa tarefa de coopera~ao para atingtr urn objectivo, dado ou percebido como deseja: para ambos os grupos. Colaborar com outr~~ P atingir uma mesma finalidade deveria faclbtar a _ ntre as aumento de percep~ao de semelhan~as e

amea~a a identidade do grupo dorninante (e.g., Monteiro, 1995). Relataremos aqui uma, retirada do conjunto de estudos de Worchel e dos seus colaboradores (1977). Estes investigadores conceberam a seguinte situa~ao: dois grupos de estudantes trabalhavam em conjunto em duas tarefas (por exemplo, conseguir uma boa frase publicitaria para uma pasta de dentes). Numa condi~ao experimental conseguiram atingir 0 objectivo (a frase era aceite e positivamente valorizada) e noutra nao (a frase nao era aceite, sendo negativamente valorizada). Numa fase anterior, os mesmos grupos tinham trabalhado juntos numa outra tarefa (de que nao chegaram a saber 0 grau de sucesso, que foi tornado irrelevante) em que, experimentalmente, se fizera variar a natureza do contacto: cooperante, competitivo ou independente. A questao era esta: a positividade das percep~6es mutuas apos urn contacto cooperante, com vista a atingir urn mesmo objectivo, nao seria influenciada pel a

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Uoha ioteira = =sucesso na fase Linha quebrada = = insucesso on fase

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440

natureza do contacto previo entre os grupos (conflito, coopera~ao ou independencia), bern como pelo grau de sucesso na pr6pria situa~ao actual de coopera~ao? Os resultados mostraram, como se pode ver na Figura 3, que 0 efeito da natureza do contacto durante a primeira fase (cooperativo, competitivo ou independente) era relevante: as atitudes mais favonlveis em rela~ao ao exogrupo vieram da condi~ao coopera~ao, seguindo-se-Ihe de perto a da condi~ao independencia, sendo as da competi~ao significativamente mais desfavonlveis, 0 mesmo se verificando com 0 grau de atrac~ao (isto e, «quanto» se gosta de alguem). Ap6s a segunda fase, em que todos os contactos entre os grupos se desenrolaram num quadro de coopera~ao, 0 sucesso ou insucesso da tarefa nao teve qualquer efeito sobre a atrac~ao entre os membros dos grupos se estes, na primeira fase, tinham tido ja uma experiencia de cooperar;iio ou, pelo menos, de independencia: todos aumentaram significativamente a atrac~ao pelos outros. 0 efeito do grau de sucesso ou de insucesso na realiza~ao da tarefa durante a segunda fase tomou-se, no entanto, bern claro na condi~ao em que os grupos, na primeira fase, haviam estado em interac~ao competitiva: no caso da tarefa bern sucedida, a atrac~ao aumentou; no caso de insucesso, a atrac~ao baixou. Daqui puderam os autores concluir que, se a interac~ao cooperante ocorre numa sequencia de outras interac~Oes cooperantes, 0 grau de atrac~ao cooperante mantem-se ou eleva-se, independentemente do sucesso das tarefas. Se, pelo contrario, a interac~ao cooperante ocorre subsequentemente a uma interac~ao competitiva (em que 0 grau de atrac~ao se tomou relativamente baixo), o sucesso ou insucesso da tarefa realizada conjuntamente toma-se decisivo: 0 sucesso eleva a atrac~ao (<
hostilidade (<
1.3. Apoio social-institucional envolvente

o preconceito (a nao ser que esteja profundamente enraizado no can'icter das pessoas) pode ser reduzido atraves do contacto, em condi~oes de igual estatuto entre grupos maioritarios e minoritlirios que perseguem objectivos comuns. 0 efeito e altamente potencializado se este contacto for sancionado institucionalmente (isto e, pela lei, pelos costumes ou pelo clima ambiental (Gordon Allport, 1954, p. 267). Se a equivalencia do estatuto na situa~ao de interac~ao corresponde a uma regula~ao social de n(vel situacional (as caracteristicas dos mem-

bros dos grupos) e a comunalidade de objectivos a uma regula~ao social de n(vel intergrupal (0 que vao os grupos fazer durante a interac~ao), 0 apoio social corresponde, claramente, a uma regula~ao social (Monteiro, 1995; Doise, 1993) de . ,. hip6n(vel institucional que, desde 0 seu lntClO, a - do tese do contacto entre grupos para redu~ao preconceito e da hostilidade nao pOde deixar de considerar. Parecia evidente, pela simples obser'ais nOS va~ao e reflexao sobre os problemas raCl . d - sobre a ldeologla . ' da supre macla _a EVA (se nao ra~a ariana que conduziu ao desastre da entaO

ente Segunda Guerra Mundial e atentativa de rec . enocfdio dos Jd u eus e de outros grupos mmo~tariOs europeus), que as cren~as e os valores o rninantes, bern como as leis que normalmente do f ' s legitimam, eram urn actor cruCIal no enuno'ado de uma teoria da redu~ao do preconceito e C1 do conflito entre grupos. A percep~ao de semeJhan~a necessaria a emergencia da atrac~ao ficaria, como afirma Allport (1954) e subsequentemente outros autores (e.g. Cook, 1962, 1978, 1984; Pettigrew, 1971; Amir, 1969, 1976, 1988), basicarnente comprometida se, apesar da equivalencia de estatuto ou dos papeis sociais na situayao, e da existencia de urn objectivo comum a alcanyar, as normas sociais extemas reguladoras dos valores e das atitudes em rela~ao ao outro grupo fossem contrarias a redu~ao do preconceito. , A institucionaliza~ao do apartheid na Africa do SuI, por exemplo, dificultou durante quarenta anos qualquer efeito positivo do contacto quotidiano, nomeadamente na area laboral, entre membros dos dois principais grupos raciais que habitam aquele pais. Este contacto foi, alias, cuidadosamente programado e restringido, como afirmava, em 1950, 0 ministro C. R. Stewart, mais tarde primeiro presidente da Republica da Africa do SuI.

o nosso ponto de partida e separar, tanto quanta posslvel, a popula~ao branca da de cor, de modo a que nao haja uma mistura de sangue que viria exacerbar, de futuro, os nossos problemas (citado em Foster e Finchilescu, 1986, p. 120). Em contraste com este pressuposto de que, se nao estivessem separadas, as ra~as se atrairiam mutuamente (0 que corresponde a hip6tese do Contacto), outra dimensao de ideologia domiDante (texto oficial assinado pelo ministro do Interior, em 1950), afirmava que: fri Os pontos de contacto produzem, inevitavelmente, c~io, e a fric~ao gera 0 calor que pode levar aexplosao.

441

E nosso dever,

por isso, reduzir estes pontos de contacto ao minima absoluto que a opiniao publica esta preparada para aceitar. A supremacia do homem branco e da civiIiza~ao ocidental na Africa do SuI tern de ser assegurada no interese do desenvolvimento material, cultural e espiritual de todas as ra~as (citado por Kuper, Watts e Davies, 1958, p. 21).

Recentemente, no entanto, no quadro de urn forte apoio institucional e ideol6gico antiapartheid e em condi~oes de participa~ao voluntaria, Mynart (1982) realizou urn estudo quase experimental para examinar os efeitos do contacto na redu~ao do preconceito racial: 970 brancas de lingua inglesa, oriundas de 21 escolas cat6licas privadas, foram divididas em dois grupos de acordo com 0 seu grau de contacto (presente ou ausente) com jovens sul-africanas de outras ra~as mas de identico estatuto socioeconamico, respondendo depois a urn questionario de atitudes raciais. As jovens que tinham mantido contacto racial mostraram nfveis mais elevados de preconceito em rela~ao a indianos e africanderes do que as que nao haviam mantido contacto. No entanto, em re1a~ao aos negros, a variavel contacto nao se mostrou relevante, sendo identic os e elevados os nfveis de preconceito nos dois grupos. 0 apoio institucional nao mostrou, aqui, ser uma condi~ao suficiente, a par com a igualdade de estatuto na situa~ao, para reduzir as atitudes preconceituosas do grupo social ideologicamente maioritario. Quando, porem, a estas duas condi~oes para 0 efeito positivo do contacto se adicionou a terceira, ou seja, 0 contacto em tarefas de coopera~ao, como fizeram Luiz e Krige (1981), no quadro de urn grande program a que integrava brancas e negras, as atitudes preconceituosas reduziram-se. Permanece, no entanto, alguma duvida sobre a importancia decisiva do apoio institucional explicito, como e, por exemplo, uma norma legal, na diminui~ao dos conflitos entre grupos com uma longa hist6ria de oposi~ao politic a,

,

443

442

etnica, social ou religiosa. Nos EVA, por exemplo, persiste aquilo a que 0 sociologo Gunner Myrdal (1944) descreveu como «0 dilema americano», ou seja, 0 facto de uma sociedade que publicamente se baseia e apregoa valores e ideais de justicra, liberdade e igualdade entre pessoas, grupos, racras e povos, aceite, proteja, ou mesmo patrocine atitudes e pniticas incompativeis com esses val ores. A persistencia do «dilema americano» encontra-se, por exemplo, a nivel interno, na tendencia, apesar da legislacrao anti-racista de proteccrao aos direitos cfvicos, em vigor desde a dec ada de 60, a recorrencia do fenomeno da ressegrega~iio racial. Assim, embora a proporcrao de norte-americanos brancos favoniveis, de acordo com sondagens de opiniao, a dessegregacrao racial nas escolas aumentasse de trinta por cento em 1942, para noventa por cento em 1980 (Myers, 1983), a resistencia a essa dessegregacrao parece subsistir, manifestando-se tanto ao nivel de confrontos violentos directos em grande numero de cidades, como Los Angeles e Chicago (Schofield, 1988) como ao nivel das pniticas que provocam clivagens nos contactos entre brancos e negros no proprio quadro institucional dessegregado. Schofield (1982) realizou urn estudo sobre este problema numa escola secundaria com jovens brancos e negros. No oitavo ano, mais de oitenta por cento dos estudantes atribuidos pelos professores ao grupo dos mais avancrados eram brancos, do mesmo modo que oitenta por cento dos considerados regulares eram negros. No sexto e setimo anos de escolaridade, apesar de nao existir, formalmente, este tipo de classifi-

cacrao dos estudantes, alguns professores maram, para efeitos de eficacia pedagogi f~r_ ca, nao . d OlS, mas tres subgrupos: 0 dos «avanl'ad ~ as» dos «regulares» e 0 dos «lentos». Infonnal '0 . " lllente aSSlm, e apesar do apOlo legal a dess egre ~ , total, ressurgiu uma nova forma de segre ga~ao , . ga~ao' urn professor de Matemattca, por exemplo t . , eVe urn grupo «avancrado» total mente compost a par estudantes brancos e urn grupo «lento» q UaSe totalmente compos to por estudantes negros. Schofi~ld (1979) e Schofiel~ e Sagar (1977) relatam amda que, mesmo em sltuayoes que d'ISpoem, aparentemente, de forte apoio institucional a dessegregacrao e a igualdade de oportunidades e de tratamento, 0 fenomeno de ressegrega~ao inexplicavelmente, reaparece: estes autores estu~ daram os padroes de posicionamento de estudantes, ao longo de dois anos, durante a hora do almoyo, na cantina da escola (0 corpo estudantil era composto, sensivelmente, por metade de negros e metade brancos). Verificaram que, em media, menos de quinze por cento estavam sentados ao lado de urn estudante de racra diferente, nao havendo, no entanto, quaisquer outros sinais de friccrao inter-racial. A este respeito, Pettigrew (1969, 1971) tinha ja referido a importancia da distincrao entre dessegregacrao, enquanto mera criacrao de condicroes e regras institucionais de prevencrao a discriminacrao, e integra~iio, enquanto implantacrao de uma dessegregacrao em condicroes tais que aumente a qualidade da relacrao entre os membros dos grupos. A integracrao, neste sentido, devera associar a igualdade de estatuto e a cooperacrao a norma de apoio as relacroes positivas entre os grupoS4. A

4 A reintrodu~fio de form as subtis, ou institucionalmente nfio controladas, de dicrimina~fio entre grupos nfio parece ser. no entanto, urn problema, ou mesmo urn dilema, apenas para os EUA ou a Africa do SuI, para apenas citar alguns casoS em que a evidencia empfrica e mais consciente. Em Portugal , com enquadramento legal anti-racista. a instala~fio maci~a de novos g.rupos etnicos, nomeadamente em Lisboa e arredores, na sequencia da descoloniza~iio dos territ6rios africanos. tern dado ongem a problemas semelhantes aos referidos nos estudos de Janet Schofield.

A integracr ao , por contraste com a dessegre'0 aparece nos estudos da hipotese do con' . gacr a "a par com outro problema: 0 d a «aSSlmltaC to , 'o rel="nofollow">} versus «pluralismo» (Sagar e Schofield, a lacr 98 4 ; Steinfield, 1970; e.g., Schofield, 1988). ~pSta dicotomia questiona nao so a norma. eticolitica do igualitarismo e a consequencla pre_po tendida - a semelhanya entre os grupos - como a oducr ao unilateral das normas que a suportam. pr . d .' Ern termOS concretos, na perspec~IVa a ass~mllacr ao , a maioria pretende consegUlr que as mmorias se Ihe assemelhem, criando normas tendentes a facilitar ou obrigar a essa semelhanya. A perspectiva pluralista reconhece, pelo conO, a diversidade cultural e admite a validade das identidades diferentes dos grupos em contacto, aceitando, consequentemente, normas, atitudes e comportamentos diferentes, para uma mesma situacrao, por parte de grupos diferentes. o que esta, pois, em causa, sao os proprios objectivos/efeitos do contacto - a reduqiio das diferen~as ou a sua marca~iio - em funcrao do objectivo final a atingir: a reduyao do preconceito, do conflito e da discriminacrao intergrupal. A existencia de normas ou de apoio social favoravel ao contacto e a cooperacrao parece, entretanto, ser uma condicrao, se nao necessaria, pelo menos, em condicroes ainda nao total mente estudadas, facilitadora da reducrao do preconceito e da discriminacrao intergrupal; de qualquer modo, nunca e suficiente para a garantir.

tran

1.4. Limites e problemas da hipotese

do contacto Vejamos agora, para alem das questoes que foram surgindo a proposito da apresentacrao das tres condicroes classicas dos efeitos positivos do contacto, alguns limites e problemas especfficos desta pequena teoria, que se mantem, problematizando O,seu alcance e aplicacroes.

Qual 0 nivel necessario do contacto _ interpessoal ou intergrupal? Apesar da clara proposta de Allport sobre a importancia desta distincrao - «0 contacto e ou nao percebido em termos de relayoes intergrupais'?» (Allport, 1954, p. 263) -, a investigacr ao empfrica ate aos nossoS dias e as conclusoes formuladas nesse contexto mantem grande «instabilidade», quando nao ambiguidade, a este respeito. Isto significa, em nosso entender, que - apesar dos trabalhos e preocupacroes de varios autores sobre a importancia da distincrao entre estes niveis de analise (Sherif, 1966; Doise, 1982; Doise, 1993; Monteiro, 1995) e da distincrao proposta por Tajfel (e.g., 1978) entre comportamento interpessoal e intergrupal enquanto polos de urn continuum, com caractensticas e consequencias cognitivas e comportamentais espedficas - a hipotese do contacto tern relegado para segundo plano esta questao. Miller e Brewer (1984), por exemplo, sintetizam os efeitos da hipotese do contacto afirmando que «0 nosso comportamento e as nossas atitudes para com membros de uma categoria social que rejeitamos tornar-se-ao mais positivos apos a interac~iio pessoal directa com eles». No prefacio da mesma obra, Groups in Contact: the Psychology of Desegregation, Miller e Brewer tinham, entretanto, afirmado que «0 preconceito e a hostilidade em relacrao a membros de grupos segregados podem ser reduzidos se se incentivar a frequencia e a intensidade do COllfacto intergrupal» (1984) . Em que ficamos entao? Estamos de acordo com Hewstone e Brown quando, a este prop6sito, dizem que «esta imprecisao terminolog ica e, na melhor das hipoteses, urn descuido e, na pior, urn elemento de confusao para quem queira decidir qual a melhor maneira de implementar urn programa de contacto intergrupal. E~t~ de!cuido, para alem do mais, esbate a dlstmcr ao

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teoricamente importante entre os proprios conceitos de comportamento interpessoal e comportamento intergrupal» (1988, p. 13). A questao reside em que, se 0 contacto cooperante se estabelecer, os processos psicologicos envolvidos serao diferentes: 0 contacto com base na categorizafiio grupal acentua a identifica'i=ao grupal, a evoca~ao estereotfpica, a distintividade grupal e, em condi~oes de estatuto igual ou superior, 0 favoritismo em rela'i=ao ao seu grupo, enquanta 0 contacto com base na categorizafiio individual acentua as caractensticas individuais, a identidade pessoal e a distintividade individual nas rela~oes interpessoais (Sherif, 1966; Tajfel e Turner, 1979). Assim, de acordo com os pressupostos da hipotese do contacto, podemos esperar que os indivfduos de dois grupos em conflito, numa dada situa~ao favonivel a coopera~ao, se sentem a mesma mesa, face a face, para executarem uma tarefa e que, por is so mesmo, aumentem a percep~ao de semelhan~a entre si e reduzam os sentimentos de hostilidade anteriores: mas is so nao quer necessariamente dizer que essa percep~ao e esses sentimentos persistam e se fixem em rela~ao ao seu grupo e ao outro quando se mantern 0 objecto do diferendo que os opoe.

Os efeitos positivos do contacto sao restritos e localizados it interac~ao on sao generaliz3veis a ontras situa~oes? Harding e Hogrefe (1952) fizeram uma invessobre esta questao numa empresa norte-americana, em que perguntaram aos empregados brancos dos armazens, que tinham sido colocados lado a lado com empregados negros com identica situa~ao profissional, em que medida desejavam continuar a trabalhar com colegas negros. A resposta foi positiva, mas tomou-se negativa quando as perguntas se referiam a tiga~ao

entrar noutros tipos de proximidade (exeIll passar a comer a mesma mesa na cantina). plo: Este estudo, tal como muitos outros (M 1952; Reed, 1947; Saenger e Gilbert, 1950) Ynan, trou que a redu~ao da hostilidade entre me' Illbos· Illros de d01S grupos pode ser conseguida atrav'es do contacto, para uma dada situa~ao (por exeIll I - de trabalh0, ) mas nao se generaliza p 0, a SI'tu a~ao . automatlcamente a outras situa~oes. A expIica de genera I'lZafiio dos e.f. ~ao para es t a ausenCla . • ,. :feuOS do contacto mteretnico pode, segundo AllPOrt (1954), estar na falta de apoio institucional adessegrega~ao ness as outras situa~oes. Se existe leis. de nao discrimina'i=ao ao nivel profissional,se m eXlste ~m apertado controlo sindical sobre 0 seu cumpnmento, podemos verificar a diminuirao de . T atntos e a redu~ao de atitudes preconceituosas nesse dominio, mas ninguem e «obrigado» a almo~ar na cantina num lugar previamente flxado, predominando enta~, neste sector da vida quotidiana, a categoriza~ao grupal previa, com 0 seu cortejo de estereotipos mutuos. Vma segunda questao refere-se, nao a generaliza~ao dos efeitos do contacto intersituafoes, mas intersujeitos: ate que ponto as atitudes positivas decorrentes de uma experiencia de contacto entre membros de dois grupos se generalizarao, de modo a inc1uir outros membros dos grupos para alem dos presentes? As demonstra~oes empfricas desta questlio (e.g., Amir, 1976) sao, ate ao presente, contraditorias, predominando urn certo pessimismo a este respeito. Cook (1978), por exemplo, encontrou ao longo dos seus trabalhos, seguindo a hipotese do contacto, resultados consistentes de redu~ao de preconceitos interetnicos em membros dos grupos que integravam 0 seu programa de investiga~ao, em contraste com uma ausencia completa de mudan~a em rela~ao aos grupOS propriamente ditos. Daf a sua proposta de que «a mudan~a de atitudes pode resultar do contacto inter-racial cooperante desde que, a par dele, A'

. ta uma influencia suplementar que fomente e~s .. rocesso de generalizafiio do contacto POSltIVO o Pm alguns indivfduos as atitudes positivas em CD • d"d ) re1ayao ao grupo (a que 0 m lVI uo p~rten~e» (cook, 1978, p. 103). Para operacl~~ahzar ta especifica'i=ao a hipotese, Cook unhzou 0 eS ,. drd poio explicito dos pares, no propno qua 0 e ~terac~ao, com uma fun~ao de «amortecedor ognitivo»: de cada vez que se manifestava uma ~titude ou urn comportamento de discrimina~lio racial a nivel interindividual, intervinha imediatafilente urn outro membro do mesmo grupo que enunciava e defendia 0 valor igualitario a n(vel ;ntergrupal. Muito antes de Cook, porem, Deutsch e Collins (1951) tinham ja referido as atitudes roais positivas, geradas pela politica de integrayao racial no sector da habita~ao, por contraste com a manuten~lio dos preconceitos inter-raciais em zonas habitacionais segregadas. Mas 0 que e mais interessante para 0 problema da generalizayao e que as donas de casa de bairros integrados nlio s6 tinham desenvolvido, ao longo do tempo, mais contactos interetnicos «intimos» com alguem da sua zona como apresentavam atitudes mais favoraveis em rela~lio aos negros dali e aos negros «em geral». Teriam tido urn forte apoio social, nos seus pares, para passarem dos julgamentos interindividuais aos intergrupais? Teriam «sofrido» uma pressao normativa da maioria proxima (Asch, 1952)?, ou Festinger resolve-nos este problema com a necessidade de «redu~ao de dissonancia cognitiva» (ver capitulo «Atitudes») que 0 «facto consumado» da integra~ao, inevitavelmente, gera? Esta especu1a~ao serve apenas para nos mostrar a diversidade de hipoteses que pode suportar 0 processo da generaliza~ao. No dominio da psicologia cognitiva estaria em causa, sobretudo, 0 conceito de prototipicalidade dos membros dos grupos em contacto. De facto, segundo urn principio basico da psicologia (Ascbmore,

1970), quanto mais sinais estiverem presentes de que deterrninado individuo pertence a um grupo, maior sera a generaliza~ao do seu comportamento ao presumivel comportamento do proprio grupo, porque mais t(pico parece 0 individuo em rela~ao ao seu grupo. Wilder (1984) estudou este fenomeno fazendo variar 0 grau de prototipicalidade de urn membro do «grupo dos outros» (tipico ou atipico), bern como 0 seu estilo de comportamento (simpatico e afavel ou antipatico e «cntico»), no quadro de uma interac~ao de natureza cooperativa. Os resultados demonstraram que somente na condi~ao «contacto agradavel-tipicalidade do membro do outro grupo» e que as avalia~Oes se tomam mais positivas, quer para 0 pr6prio parceiro da interac~ao, quer para 0 grupo a que ele pertence. o problema da generaliza~ao parece, assim, envolver urn conjunto de condi~oes que neutralizem ou contrariem 0 modo oposto de processamento de informa~ao: 0 da particularizafiio. Nas rela~oes entre grupos em confiito, quais as variaveis que facilitam a emergencia preferencial de urn destes processos em rela~ao ao outro quando se fomenta 0 contacto entre eles? As tres condi~Oes basicas da hipotese do contacto nao sao suficientes para responder a esta pergunta que, como vimos, nos remete para urn outro problema: 0 do nivel, interindividual ou intergrupal, em que 0 contacto e percebido pelos actores que nele participam. As contribui~oes recentes da psicologia cognitiva relevantes para este problema centram-se, precisamente, no tipo de processamento de informafiio que ocorre nos contactos intergrupais (e.g. Stephan, 1987). Ao nivel do processo de codifica~ao, os julgamentos sobre 0 outro grupo podem ser afectados pela tendencia a dar demasiada enfase, no quadro da forma~ao de impressoes sobre urn grupo, a informa~ao process ada sobre um indiv(duo desse grupo

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(Hamilton, Wilson e Nisbett, 1980). Este enviesamento po de ser particularmente «perigoso» para os grupos minoritarios, uma vez que: a) esta generaliza9ao e, sobretudo, persistente em rela9ao a comportamentos negativos (antinormativos ou nao expectaveis); b) os comportamentos negativos sao mais salientes do que os que confirmam as expectativas, e, c) os comportamentos negativos e salientes sao facilmente associados a membros dos grupos minoritarios (Hamilton e Gifford, 1976; Hamilton et aI., 1985).

o contacto deve fomentar a percep~ao de semelhan~as 00 a percep~ao de diferen~as entre grupos? Como vimos pelo pressuposto fundamental da teoria da atrac9ao interpessoal, que sustenta a hipotese do contacto, a percep9ao de semelhan9as e fulcral para gerar ou aumentar a atrac9ao entre as pessoas. Mas sera que 0 mesmo se passa com os grupos, mesmo quando estes apresentam valores, atitudes ou praticas inequivocamente diferentes? Sera possivel, desejavel e eficaz reduzir a percep9ao da diferen9a a percep9ao da semelhan9a? Esta pergunta esta associada a uma outra que tern acompanhado a hipotese do contacto ao longo do seu percurso: ada importancia da informar;iio sobre 0 outro grupo, de modo a diminuir a ignorancia que origina 0 preconceito negativo (Myrdal, 1944; Williams, 1947; Stephan e Stephan 1984; Allen, 1986). 0 conteudo desta informar;iio como forma priviJegiada de contacto, de semelhanr;a ou dimensoes de diferenr;a entre os grupos e que esta em discussao. No dominio dos conflitos interetnicos, por exemplo, Schofield (1988) critica precisamente a poiftica de dessegrega9ao nas escolas que uti5

liza apenas informa9ao para acentuar a s ellle Ihan9a entre brancos e negros, anulando • & _ & & qUal_ quer 1010rma9ao que la9 a relerenCla a ra9as. D seu ponto de vista, esta perspectiva, «ceg 0 . 'be a so1u9ao - construhva . de problellla it cor», 1m que beneficiaria do reconhecimento de d' heren9as reais dos val ores ou das praticas dos d . . OIS grupos, sendo, por ISSO, duplamente irrea1ist Por outro lado, como ja vimos, Wilder 098:) mostrou como a avalia9ao do outro grupo s6 melhorava depois de urn contacto agradavel Com urn membro t(pico desse grupo, ou seja, com um membro em que estivessem bern salientes as diferenr;as que opoem os grupos. Tanto as semelhan9as como as diferen9as parecem, assim, ser importantes para compreen_ der os efeitos do contacto. A preocupa9ao reside em que: a) parece muito faci} passar da constatar;iio da diferen9a, de uma maneira negativa (Levine e Campbell, 1972; Peabody, 1970), para a discrimina9ao do outro grupo, com base na mera diferen9a categorial (Tajfel et aI., 1971); b) 0 sucesso do contacto parece passar pel a receptividade da informa9ao que permite uma reaprendizagem da rela9ao, mas existem processos cognitivos que limitam esta recep9ao. Urn dos processos mais bern identificados e 0 da categorizar;iio social (Tajfel et aI., 1961), que acentua em nos a tendencia para perceber como mais semelhantes entre si os elementos de urna mesma categoria e como mais diferentes entre si os elementos de duas categorias nao sobreponfveis 5. A escolha da acentua9ao das diferen9as ou das seme1han9as entre grupos pode, portanto, ter efeitos diferentes consoante va «a favor» ou «contra» este enviesamento cog ni tivo; c) a informa9ao que incide, sobretudo, nas diferen9as entre os grupos, parece ser mais eficaz quando se assume que sao essas mesrnas diferen9as que estao na base do conflito entre os

Para aprofundamento, ver capftulo (
A.

!S,

flIpos (Brislin et al., 1986; Triandis, 1975), :nquanto a informa9ao que incide, sobretudo, nas semelhan9as parece ser mais eficaz quando pode contribuir para desfazer mitos e falsas diferen9as entre os grupos. De qualquer modo, pensa-se que a questao da informar;iio sobre 0 outro grupo (mesmo contendo as semelhan9as e diferen9as) d~ve ser relativizada, porque muita investiga9ao tern vindo a mostrar que 0 conflito e a discrimina9ao entre grupos tern frequentem ente outras causas, de natureza cognitiva e emocional, sobre as quais 0 contacto nao tern qualquer influencia: a categoriza9ao social (Brewer e Miller, 1984), a manuten9ao de uma identidade social positiva (Tajfel, 1978) e 0 confJito real de interesses (Sherif, 1966).

2. A negociat;ao dos conflitos Para alem do contacto social mente apoiado e da constru9ao de objectivos superordenados (que ficaram descritos nos paragrafos anteriores), existern outras formas de tentar resolver as situa90es de conflito que se geram entre dois grupos: a dominar;iio (imposi9ao unilateral da solu9ao), a submissiio (cedencia de uma das partes as exigencias da outra), a inacr;iio (uma ou ambas as partes decidem nada fazer, na cren9a de que 0 tempo trabalhara a seu favor), a mediar;iio por lima terceira parte (alguem nao envolvido no conflito e aceite como urn modo de auxflio a clarifica9ao da disputa e a abertura de canais de comunica9ao entre as partes em conflito) e, final mente, a negociar;iio, sobre a qual nos deteremos agora. Na negocia9ao, dois ou mais grupos com urn conflito de interesses (0 que e verdadeiramente irnportante e a percepr;iio de existencia de um conjlito e nao a situa9ao «real» em que os grupos se afrontam) procuram encontrar uma plataforma de acordo que evite a confronta9ao directa e, eventual mente, violenta atraves de uma sequen-

cia de exigencias e de cedencias acerca daquilo que as opoe.

2.l. Fases da negociafiio de conflitos Grande parte da resolu9ao de conflitos entre grupos, quer ocorra em rneio empresarial, educacional, da administra9ao publica ou das rela90es intemacionais, passa por urn processo negocial entre as partes, que se desenrola no tempo. Varios autores tentaram compreender e identificar os momentos e fases significativos desse processo, em term os do seu impacto para o desfecho do conflito. Douglas (1957, 1962) tomou como variavel central para a compreensao do processo negocial o posicionamento dos negociadores na dimensao que Tajfel (Tajfel, 1982) refere como continuum interpessoal-intergrupal. As fases da negocia9ao seriam, assim, marcadas pela natureza das exigencias em presen9a, que obrigam os negociadores a colocarem-se, ora na area intergrupal, ora na area interpessoal dessa dimensao. Poderiam, de acordo com este criterio, identificar-se tres fases; na primeira, designada como distributiva, os negociadores estariam centrados no desempenho do seu papel de representantes de urn grupo (posicionamento intergrupal), de modo a tomar visivel a extensao do desacordo e a estabelecer claramente os parametros negociais; na segunda, os negociadores estariam ocupados com a explorar;iio e reconhecimento dos diversos pontos negociais, para 0 que progressivamente adoptariam urn posicionamento mais interpessoal. A terceira fase, destinada a precipitar a crise de tom ada de posic;ao, seria caracterizada pela centra9ao em aC90es de coopera9ao e de coordena9ao, de caracter integrativo, visando assegurar a operacionaliza9ao dos acordos conseguidos, e exigiria assim uma desloca9ao ainda maior para 0 posicionamento interpessoal.

449 448

A medida proposta por Douglas para verificar a existencia destas fases e 0 grau de identificabilidade dos negociadores visto por observadores extemos. Isto e, quando se apresentam a esses observadores extractos gravados das sessoes de negocia~ao sem identifica~ao dos seus actores, ate que ponto e que as interven~oes dos negociadores permitem identifica-los como representantes do seu pr6prio grupo? Os estudos apresentados por Douglas confrrmam a sua hip6tese de que a identificabilidade dos negociadores e mais alta na primeira fase e mais baixa nas ultimas, em que, uma vez assegurada a «fidelidade» ao grupo atraves da acentuada exibi~ao de uma identidade grupal s6lida, os negociadores podem entrar num clima mais interpessoal, sem qualquer sentimento de estarem a trair os interesses do grupo, e adoptar urn posicionamento mais adequado as tarefas explorat6rias e integrativas que estas fases exigem. o grau de identificabilidade dos negociadores foi posteriormente utilizado como medida de orientar;iio grupal no decurso de sessoes negociais em empresas por outros autores (Morley e Stephenson, 1977; Stephenson e Kniveton, 1977; Stephenson, 1981), que encontraram, como Douglas preconizava, numa primeira fase, urn elevado myel de conflito, em que 0 comportamento dos negociadores era dominado pela aflfma~ao do seu estatuto de representantes grupais. Nestas sessoes a identificabilidade dos negociadores atingia 0 seu maximo, decrescendo depois, progressivamente, ate atingir 0 ponto inicial, em que se caracterizava pelo elevado grau de intercambio ou indiferenciar;iio de papeis dos representantes dos grupos em conflito.

2.2. Climas negociais A importancia da dimensao intergrupal-interpessoal, tanto no processo de negocia~ao como

no pr6prio comportamento dos negociadores marc ado 0 estudo, nao s6 da identifica~a~ tell} fases, como da descri~ao dos dimas negOClQl8 .~ Grande parte da investiga~ao empfrica . ,. & . • neste domlmo 101 onentada pel a hip6tese de quanta maior e a saliencia da rela~ao interpque , es. soa1 malS provavel se toma que a op~ao I "fl' peo con l UlO III uenCle os resultados da negocia l' . ~ao. · O con1UIO, ou cump lCldade activa , c.( uma alian~a ou urn entendimento entre os negoCla. dores em que estes perseguem os mesmos fin utilizando trocas de favores no quadro de uO:'a «doce rela~ao» (Walton e Mckersie, 1965 p. 186), e representa 0 ponto extremo de um' dimensao em que se inclui, com 0 mesmo senti~ do, embora de forma menos extremada, a COoperar;iio. 0 que as caracteriza, segundo os seus autores, e 0 posicionamento interpessoal dos negociadores do conflito e 0 impacto desse posicionamento sobre as decisoes que tomam. No outro extremo da polaridade estariam 0 conflito e a agressiio, caracterizados pelo posicionamento intergrupal de desconfian~a e hostilidade mutua dos grupos e dos pr6prios negociadores. Esta perspectiva unidimensional dos climas negociais nao parece, no entanto, ser suficiente para descrever 0 posicionamento dos negociadores. Num estudo sobre as negocia~oes que os grupos administrativos e da produ~ao estabeleceram com 0 respectivo patronato, verificou-se (Batstone et aI., 1977) que, enquanto os primeiros nao utilizavam claramente nem urn posicionamento de tipo interpessoal nem urn posicionamento de tipo intergrupal, os segundos usavam tanto urn como outro, nas diversas fases do processo negocial: 0 posicionamento intergrupal, tendo subjacente uma ideologia de classes sociais, assegurava a diferencia~ao em rela~ao ao grupo do patronato, enquanto 0 posicionamento interpessoal garantia a cria~ao e manuten~ao de urn clima positivo para a resolu~ao do conflito.

o

modelo proposto por Stephenson (1984) (Figura 4) a partir destes estudos sugere que, de cordo com as circunstancias, as exigencias de ;osicionamento intergrupal (eixo horizontal) e interpessoal (eixo vertical) se fazem sentir com diferentes intensidades, e independentemente uma da outra, possibilitando nao dois mas quatro dimas negociais-tipo: 0 compromisso, que traduz a elevada presen~a dos dois tipos de exigencia; 0 conflito, em que se mantem elevadas exigencias intergrupais, sendo reduzidas as de nivel interpessoal ; 0 coniuio, em que prevalece a rela~ao inversa, dominando agora as exigencias de nivel interpessoal; e a apatia, em que ambos os niveis de exigencia sao fracos. As circunstancias em que decorre a negocia~ao e os interesses em jogo, mas tambem a aten~ao a intensidade das exigencias de myel interpessoal e de myel intergrupal nos contextos concretos, seriam uma das chaves de compreensao dos dimas negociais e, sobretudo, das suas consequencias para 0 desfecho do pr6prio processo. FIGURA

4

Climas negociais definidos pelos eixos de posicionamento intergrupal e interpessoal (Stephenson, 1984) Alto I - Exigencias interpessoais Con\uio

Baixo

Compromisso

-----4---------

Alto

II - Exigencias intergrupais

Apatia

Conflito Baixo

2.3.0 processo negocial Retomemos, agora, 0 pr6prio processo negocial. A abordagem mais persistente, ate ao presente, para a compreensao deste processo incide sobre a distin~ao entre a negocia~ao distributiva e a negocia~ao integrativa (Walton e Mckenzie, 1965; Susskind e Guiksdank, 1987; Raiffa, 1982). A orienta~ao distributiva esrn associada a cren~a das partes em conflito de que os ganhos da outra parte corresponderao a perdas suas, ou seja, de que se trata de urn jogo de soma nula. Pelo contrano, a orienta~ao integrativa esrn associada a cren~a de que ha uma forma de conceder beneficios a outra parte sem que isso constitua uma perda para a sua, mas antes urn beneficio, ou seja, que se trata de umjogo de soma positiva. Tomemos como exemplo 0 conflito entre duas pessoas por causa de uma laranja que ambas pretendem (Follett, 1940; Fisher e Ury, 1981): a solu~ao ideal poderia parecer, a primeira vista, ser a salom6nica: metade para cada uma. Corresponde a uma orienta~ao distributiva da negocia~ao, porque cada uma acha que a metade que a outra obteve a perdeu ela, e vice-versa. Mas uma negocia~ao mais cuidada teria permitido as partes exprimirem as suas necessidades, chegando, por exemplo, a concIusao de que uma delas s6 pretendia a laranja para lhe beber 0 sumo, enquanto a outra s6 a desejava para Ihe raspar a casca para fazer urn bolo. A orienta~ao integrativa seria entao aquela que maximizaria os beneficios de ambos os contendores: todo 0 sumo para urn e toda a casca para 0 outro. Na orienta~ao distributiva. os grupos «recIamam», tentam captar valor, enquanto na orienta~ao integrativa «criam» valor (Lax e Sebenius, 1986). Os estudos sobre negocia~ao mostram, desde ha muito, que os negociadores tendem, na maioria das situa~oes, a perceber os conflitos como urn processo de soma nula (Follet, 1940; Bazerman, 1983; Pruitt e Rubin, 1986), 0 que tern como



450

consequencia a adopc;:ao de posicionamentos mais necessidade de desempenharem a p , ar corn rigidos, 0 desprezo ou desperdfcio de oportunipapel formal, urn papel informal que fa 0 '. 'vorece dades de alargar 0 «bolo», ou 0 abandono premaprocesso mtegratlvo (alargamento do Ie 0 I . . qUe de turo do processo negocial em curso. Recordemos so uc;:oes e maxlmlzac;:ao de beneffcios e 'd COntra como tam bern ja Sherif (Sherif et al., 1961) mos~ partl as para os dois grupos em contlito). trava, nas suas investigac;:oes em campos de Mas em que condic;:oes e possivel aos . d d nego ferias de pre-adolescentes, que a percepc;:ao da cIa ores esempenharem este papel? situac;:ao como lima interdependencia negativa A saliencia de uma identidade grupal comum . (conflito de soma nul a) favorecia a coesao gru. d nos neg Cia ores depende da possihilidade de diminuir a _ o· pal, a competic;:ao e a discriminac;:ao intergrupal. d esempen h 0 de papeis formais, que Ihes vem d~~~ . . . os respec Na negociac;:ao distributiva, a comunicac;:ao llvoS constltumtes (Friedman e Gal, 1991, p. 9). • entre as partes e a compreensao do ponto de vista Existe, assim, segundo estes autores do outro nao sao percebidas como necessarias - . ' uma I re ac;:ao causal (FIgura 5) inversa entre a & mrs como prejudiciais a estrategia de maximi~ lorc;:a zac;:ao dos beneffcios. Pelo contrano, na negociaque se exerce sobre os negociadores para que -' / . c;:ao mt~gratlva, a focalizac;:ao incide nos interesdesempenhem. ~o~ectamente 0 seu papel formal ses ~m presenc;:a (e nao na posic;:ao dos grupos), e a grande sahencla da sua identidade enquanto a onentac;:ao centra-se nos problemas (e nao nas membro do grupo de negociac;:ao. A qualidade pessoas), a resoluc;:ao dos diferendos apoia-se dos resultados da negociac;:ao seria uma func;:ao em regras fixadas por mutuo acordo (e nao no dos processos negociais utilizados, mas estes . .. poder) e 0 metodo utilizado favorece 0 apareciconstHumam, em grande medida, urn efeito da relac;:ao causal anterior. mento de novas Meias, de novas propostas e do maximo de informQ(;iio disponivel (Fisher e o estudo comparativo entre os processos Ury, 1981). de negociac;:ao uti11izados nas duas mesas da Friedman (1991) relacionou estes dois tipos editora New Bell (caixa Dois processos de negode process os negociais com os papeis dos ciac;:ao) sugere, de acordo com 0 modelo pronegociadores profissionais nos cOliflitos laboposto pelos autores, que 0 processo negocial rais: por urn lado, os constituintes (a administrap~d: desempenhar urn papel decisivo nas negot;ao da .empresa e a direcc;:ao sindical) reforc;:an clac;:o~s e ser afectado pela medida em que os normatlvamente 0 papel formal dos negocianegoctadores sao capazes de superar a estrutura dores enquanto seus representantes no contlito de papeis formais e criar, de forma temporaria, contribuindo para a emergencia do processo dis~ uma identidade grupal nova, facilitadora da orientac;:ao integrativa. tributiv~ ~a negociac;:ao, sustentado pela crenc;:a na 0poslc;:ao: «ou nos, ou eles»; por outro lado as propdas equipas de negociac;:ao, de ambas a~ partes, formam uma categoria e mesmo no sen2.4. A negociarii.o como processo tido mais forte (Alderfer, 1988), urn g~PO com de decisii.o caracteristicas de forte interdependencia intema e. externa, com exigencias de comunicac;:ao Dis~emos no infcio que, na negociac;:ao, duas dlrecta, face a face, e com identidades cruzadas ou mats partes em conflito procuram encontrar (Deschamps e Doise, 1978; Merton, 1957). Esta uma plataforma de acordo que evite a condupla pertenc;:a dos negociadores reforc;:a a frontac;:ao directa. Procurar urn acordo significa, r:-~~--_

Centro de lecuna PrlorVelho

451

FIGURA

5

Qualidade dos resultados da negocia~ao como fun~ao da pressao para 0 desempenho de papeis dos negociadores, mediada pelo tipo de identidade grupal dominante e pelo processo de negocia~ao a ele associado (Friedman e Gal, 1991) Identidade grupal

Papel dos negociadores

Estrutura formal forte

Processo de

Resultados

negocia~ao

--3> Saliencia da identidade do grupo --3>

Distributivo

--7 Piores

Integrativo

--3> Melhores

representado Estrutura formal fraca

--3>

Saliencia da identidade do grupo dos negociadores

no entanto, e antes de mais, tomar decisoes conjuntas a partir de urn leque de decisoes alternativas parciais (Pruitt, 1980; Bazerman e Carroll, 1987). Adoptar para 0 estudo da negociac;:ao de conflitos a perspectiva de que se trata de urn processo de tamada de decisoes significa: a) que cada parte negodal e urn orgao de decisao; b) que os comportamentos sao analisados enquanto escolhas decisionais apoiadas em julgamentos e avaliac;:oes sobre a propria situac;:ao negocial; c) que cada uma das partes toma em considerac;:ao a informac;:ao disponivel sobre essa situac;:ao, analisa 0 comportamento da outra parte, prediz o que ini acontecer em seguida e avalia as suas potenciais consequencias; e d) que existem padroes cognitivos «criados» pela propria situac;:ao e contextos negociais. Esta posi~ao, que tenta compatibilizar e articular os conhecimentos oriundos dos estudos dos processos de decisiio e da cogniriio social, constitui uma orientac;:ao actual de demarcac;:ao e

---3>

superac;:ao dos modelos de matriz economIc a (Nash, 1950; Raiffa, 1982) que descrevem como e que as pessoas tomariam decisoes nas situa~oes negociais se 0 seu comportamento fosse puramente racional. Estes model os assumem 0 pressuposto da total racionalidade das decisoes e centram-se na analise de duas variaveis dependentes: 0 grau de acordo conseguido e a sua eficdcia. Segundo eles, 0 acordo so pode ser obtido se existir para ambas as partes uma zona de acordo que seja preferivel a urn impasse. Se essa zona de acordo nao existir, a negociac;:ao nao conduzira a qualquer acordo. Ora, precisamente urn grande numero de estudos empiricos efectuados por psicologos sociais mostrou como, apesar da existencia de uma zona de acordo, esse acordo nao foi conseguido (e.g., Pruitt e Rubin, 1986; Rubin e Brown, 1985). Quanto a eficacia do acordo (definida como optima quando nao existe para ambas as partes qualquer outra decisao conjunta alternativa para a questiio), os modelos economicos postulam que os negocia-

, 453

452

DOIS PROCESSOS DE NEGOCIA<;AO Do longo estudo apresentado por Friedman e Gal (1991) acerca dos processos de . negocia~lio distributivo e integrativo, e da sua hipotetica rela~ao com 0 grau de formalidade do desempenho de papiis dos negociadoTes, extrafmos as passagens que se seguem como exemplo desse mesmo desempenho. «Normalmente encontrar-nos-famos a volta da mesa das negocia~5es. TrocarIamos propostas e discuti-Ias-famos. E0 que se costuma fazer. A empresa explicaria a sua proposta e 0 sindicato exporia a sua; e depois possivelmente no dia seguinte, voltavamos e dizlamos: "posso aceitar isto, mas nlio posso aceitar aquilo. Por es~ razres". Mas nunca chegamos a este ponto. Nio chegou a haver uma verdadeira troca. Foi "aqui esta a ideia, e isto que vamos fazer e, se nlio gostam da ideia, vlio para a greve" . Donna (a chefe da equipa de negociadores por Parte da adminis~lio da empresa) e muito rigida, nilo cedeu em nada, nlio era capaz de ver 0 problema. S6 tinha urn ponto de mira. Eu compreendo que se esteja voltado para a empresa, compreendo que se receberam ordens, dos de cima, mas quando ela esta a negociar com os empregados devia ser capaz de ver 0 problema, quer esteja ou nlio de acordo com eles, devia haver urn encontro de perspectivas» (testemunho de Nancy Phil ton, da equipa de negoci~lio por parte do Sindicato dos Trabalhadores dos Telefones, com os representantes da editora New Bell, Nebrasca, EUA). «Come~avamos todos os dias de manhli, entre as oito e meia e as nove horas. Fazfamos uma curta meia hora social com cafe e donuts. Quero dizer, era mesmo urn ambiente leve e nao hostil. Passavamos urn tempo agradavel. E, em geral, lamos alm~ar todos juntos duas vezes por semana, os do sindicato e n6s. Nas negocia~5es ela (a chefe da equipa de negociadores por parte da administra~lio) adoptava uma posi~ao muito aberta, mesmo quando estavamos a discutir as coisas, e is so tinha sentido, e ela compreendia e concordava. Fazia avan~ar as coisas. Dizia: "Bern, esta bern; vamos entlio avan~ar para outro ponto» (testemunho de Jim Lynch, director comercial da editora New Bell, Minnesota, EUA, membro da equipa de negocia~ao, por parte da admillistra~iio da empresa, com 0 Sindicato dos Trabalhadores dos Telefones).

dores maximizam a utilidade das resolueroes, sendo 0 seu resultado, neste sentido, sempre eficaz (Nash, 1959; Cross, 1969; Farber, 1981). No entanto, a evidencia empiric a da investigaerao em psicologia nao vai nesse sentido, mostrando, muito pelo contrario, que os negociadores decidem frequentemente acordos pouco eficazes. Kelley e Thibaut (1980) mostraram, por exemplo, urn dos ingredientes dessa eficacia, ligado as exigencias contradit6rias que se exercem sobre os negociadores, de tal modo que 0 comportamento 6ptimo para obter cedencias do opositor e, muito provavelmente, menos 6ptimo para criar ganhos para ambos, e 0 comportamento 6ptimo para criar ganhos para ambos e menos 6ptimo para obter cedencias do opositor (<<jogos de objectivos mistos»). Veremos, em seguida, em que medida os estudos sobre a negociaerao derivados da teoria

do comportamento de decisao que adoptam a perspectiva da cognierao social (Simon, 1947; March e Simon, 1958; Kahneman e Tversky, 1979) tern vindo a mostrar cardcter relativo da racionalidade da decisiio, assim como as variaveis que afectam 0 processo e, consequentemente, 0 seu grau de eficacia.

°

o excesso

de

confian~a

dos negociadores

Uma das variaveis que pode comprometer 0 sucesso dos negociadores em relaerao a urn acordo e 0 que, descritivamente, se designa como 0 seu excesso de confianera na avaliaerao da probabilidade do sucesso negocial (Bazerman e Neale, 1982). Estes autores estudaram as estimativas de sucesso feitas por negociadores quando as decisoes sao tomadas por arbitragem, verificando que elas sao de 68 por cento quando, em rigor,

olio deveriam ultrapassar os 50. 0 efeito deste e){ces so de confianera e visivel: inibe 0 acordo, apes ar da potencial existencia de uma zona de acordo , ou remete a instancia de decisao para uma terceira parte (0 cirbitro), com a expectativa de que este venha a ser-lhe mais favoravel do que ao seu opositor. Ainda no quadro da negociaerao, Neale e Bazerman (1985) verificaram que os negociadores correctamente confiantes faziam mais concess oes e, simultaneamente, conseguiam maior oum ero de acordos do que os negociadores e){cessivamente confiantes.

A escalada na negocia~ao Varios autores verificaram a existencia dessa distorerao da racionalidade que consiste num comportamento de persistencia dos negociadores numa linha predeterminada, nao contingencial com as circunstancias presentes no desenrolar da situaerao (Staw e Ross, 1987; Teger, 1980). Este comportamento parece desempenhar prioritariamente uma funerao de autojustifica~ao cognitiva (Staw, 1976): ambas as partes fazem uma escalada nas suas posieroes, de modo a justificar a existencia do conflito e a evitar que admita os erros ja cometidos. Segundo Bazerman (1986), sao quatro as causas da escalada na situaerao negocial: 1. Uma vez seleccionada uma linha de acer ao e marc ada uma posierao, da-se urn enviesamento da perceperao no sentido de privilegiar a informaerao que confirma a justeza dessa posierao. Os enviesamentos de natureza confirmatoria. correspondendo mais a urn percurso de verificaerao de hip6teses do 6

que a uma orientaerao indutiva, podem mesmo produzir «profecias que se auto-realizam». ou seja, as estrategias confirmat6rias nao s6 enganam os negociadores sobre a natureza dos problemas e das situ aer oes que enfrentam, como «mudam» a natureza da situaerao de modo a que ela se tome conforme as hip6teses iniciais (Darley e Fazio, 1980; Jones, 1977). Os resultados dos enviesamentos confmnat6rios ao longo do tempo sao, precisamente, 0 excesso de confianera no seu pr6prio julgamento (Einhorn, 1980) e a dificuldade de aprender atraves da experiencia, mediadas pela activaer ao de teorias implfcitas explicativas da situaerao e dos comportamentos (Bazerman e Carroll, 1987). 2. 0 julgamento do negociador sofre uma distorer ao no sentido de justificar a posier ao inicial, que ja defendeu face ao opositor. Nesta distorerao, facilitadora da escalada, pode entrever-se 0 «erro fundamental da atribui~ao» (Ross, 1977), na medida em que 0 negociador nao e capaz de perceber e de admitir ate que ponto a sua posier ao esta condicionada pelo pr6prio contexto negocial em que se encontra e prefere atribui-Ia as caracteristicas disposicionais (suas e do opositor)6. 3. A escalada da negociaerao e, frequentemente, gerada para «salvar a face» do negociador perante 0 grupo que represent a, isto e, para demonstrar ao grupo a sua capacidade para adoptar uma postura forte. A con sequencia desta «irracionalidade» e, por vezes, Ie siva dos interesses do pr6prio grupo, correspondendo a urn erro de avaliaerao das exigencias de nivel intergrupal em presenera.

Para aprofundamento dos fen6menos da explica~iio da realidade, ver

aestrategia de comportamento».

0

capitulo «Atribui'rao: da inferencia

t

454

4. A quarta causa apontada e 0 contexto competitivo da negocia9ao, ilustrado pela experiencia do «leilao do d6lan> (Shubik, 1971 ; Teger, 1980). Leiloa-se urn d6lar pel a maior licita9ao, 0 que tern como consequencia natural que 0 maior licitante ganha 0 respectivo d6lar; mas, de acordo com as regras do leilao, 0 segundo maior licitante tambem paga 0 valor do seu lance e nada recebe. 0 cesultado obtido e urn pal:riio de escalada em que os sujeitos acabam por licitar quantias muito elevadas, aparentemente por causa do puro contexto competitivo, uma vez que a recompensa (urn d6lar) <} nao justifica (Rubin, 1980).

A saliencia da informa~ao na negocia~ao

o facto de 0 negociador utilizar a informa9ao mais saliente no contexto e nao a que, objectivamente, e mais contingente com as drcunstancias, constitui uma outra fonte de distor9ao cognitiva que parece afectar as decisoes tomadas no decurso'~a negocia9ao. A informa9ao mais saliente tern mais impacto no processo de decisao, possivelmente por causa da sua maior acessibilidade (Bruner, 1957; Tversky e Kahlleman, 1973). Para testar esta hip6tese, Neale (1984) fez variar experimentalmente a saliencia dos custos percebidos de duas altemativas - a negocia9ao e a arbitragem -, mantendo constantes os outros objectivos. Os resultados foram claros, tanto ao nivel do processamento da informa9ao como ao das solu90es: quando se tomaram salientes os custos associados a op~iio negocia~iio, os negociadores diminufram 0 numero de cedencias e aproximaram-se mais da solU9ao impasse. Pelo contrano, quando se tomaram especificamente salientes os custos associados a op~iio arbitragem, os negociadores fizeram mais cedencias, tornando menor a probabilidade da solU9ao impasse.

455

o mito das vantagens da solu~ao distributiva na

negocia~ao

Correspondendo muito possivelmente a urn norma cultural de long a implanta9ao, a hiP6tes: do «bolo ante nas estrategias de . _ fixo», _ do min .. negocla9 ao , nao constItUl, em grande Parte dos casos, uma solu9ao «racional» para 0 conflito: nao maximiza os beneffcios conjuntos, nao recon_ cilia os interesses das partes e acentua a proba_ bilidade de reemergencia do conflito. A ' xistencia desta hip6tese do «bolo fixo» parece derivar de uma orienta9ao para a simplifica~ao da realidade complex a de modu a toma-la mais operacional (Simon, 1957; Heider, 1958; Newel1 e Simon. 1972; Tajfel, 1959). o motivo do (,Dolo fixo» foi utilhado (Bazerman, 1983) para testar a dinamica do mercado imobiliario nos EVA: quando, em 1979, as tax as de juro ultrapassaram os doze por cento, 0 movimento de mercado parou. Enquanto os vendedores continuaram a espera de uma valoriza9iio progress iva dos im6veis, os compradores deixaram de ter capacidade para satisfazer os val ores mensais exigidos em rela9ao ao tipo de habita~ao a que aspiravam. Em termos de uma 16gica distributiva, 0 pressuposto do «bolo fixo» fazia preyer que nao se efectuariam mais transac90es ate que os vendedores cedessem nos valores que exigiam e que, pelo seu lado, os compradores baixassem os seus niveis de aspira~ao e/ou as taxas de juro fossem reduzidas. Foi 0 que aconteceu durante urn certo perfodo. Verificado 0 impasse, a solu~ao integrativa acabou por surgir, atraves da cria9ao de uma ampla gama de pIanos de financiamento a habita~ao, criados pela industria imobiliana, que compatibilizou os niveis de lucro pretendidos pelos vendedores com urn nivel aceitavel de modalidades de pagamento para os compradores. Mas quando e que se pode preyer a passagem da 16gica distributiva para a 16gica integra-

tiva? Apenas quando as perdas come9am a ser diD elevadas para ambas as partes que a situa9ao se toma insustentavel, gerando novos problemas, como no caso do mercado imobiliario? Tern sido estudada a hip6tese de que os pr6prios negociadores, com a experiencia, aprendem a passar mais rapidamente de uma para a Dutra 16gica, embora se verifique que, mesmo nos negociadores experientes, 0 primeiro movimento tenha uma orienta9ao distributiva (Bazerman et al., 1985). Nao esta, porem, ainda suficientemente estudado, aos vanos niveis, como se processa ou 0 que causa esta mudan~a ou a resistencia, por '/ezes dramatic a, a ela, estando mesmo em analise a hip6tese de que 0 factor experiencia pode, contrariamente ao que se encontrou no ec;tudo acima referido, contribuir para a repetida adoP9ao de estrategias distributivas, por causa da dificuldade de transferencia da aprendizagcln de umas situa~oes para as outras (Neale e Northcraft, 1988).

o enquadramento da negocia~ao De acordo com os modelos econ6micos classicos da decisao, a solu9ao de urn problema nao devera ser afectada pe10 enquadra!llento do pr6prio problema, uma vez que dominam as regras da racionalidade. Mas, na sequencia da defini9iio do conceito de enquadramento por Kahneman e Tversky (1979), integrado na sua «teoria da previsao», foi possivel verificar que, numa situa9ao de decisao, os resultados sao avaliados como ganhos ou perdas a partir de urn ponto de referencia que integra 0 enquadramento do problema, podendo dar origem a comportamentos de aversiio ao risco face a situa90es em que se configurem potenciais ganhos e, pelo contrario, de procura de risco face a situa~oes em que se configurem potenciais perdas. Que importancia tera este tipo de heurfstica nos comportamentos de negocia9ao? Podera por-

-se a hip6tese de que os negociadores que percebem os resultados num quadro de ganhos ou lucros deveriam apresentar mais comportamentos de cedencia por forma a garantir, com seguran~a (aversao ao risco), 0 acesso a esses ganhos. Pelo contrano, os negociadores que percebem os resultados num quadro de perdas ou custos deveriam apresentar menos comportamentos de cedencia e provoca-Ios mesmo no seu opositor (procura de risco), arriscando mesmo urn impasse de modo a tentar garantir a redu~ao dessas perdas a custa do outro. Para verificar esta hip6tese, Bazerman e col. (1985) criaram uma situa9ao simulada de negocia9ao entre vendedores e compradores num contexto de mercado livre. Numa condi~ao experimental, os negociadores receberam a instru9ao de tentarem m'lXimizar 0 lucro liquidu do neg6cio (enquadramento positivo), ao passo que na outra foi-lhes dada a instru~ao de tentarem minimizar os custos desse neg6cio, que teriam de ser deduzidos do lucro final (enquadramento negativo). Procuraram depois saber a quantidade de acordos, bern como 0 volume de ganhos, conseguidos pelos diferentes grupos, uniformizando a dura~ao das interac~oes: 0 numero de acordos foi, real mente, superior na condi~ao de enquadramento positivo, 0 mesmo se passando com 0 nivel de lucros conseguidos. Parece, assim, ter importancia - apesar de ser uma area de investigayao relativamente inexplorada - 0 processo de enquadramento global de uma situa~ao negocial por parte dos negociadores, enquanto individuos e enquanto representantes de grupos em conflito, levando-nos a pensar como e relevante a maneira como as diversas propostas e argumenta~oes vao sendo verbalmente formuladas: 0 copo esta meio cheio ou meio vazio? A guerra esta meio perdida ou meio ganha? E 0 que os psic610gos sociais procuram entender neste capitulo, para 0 que adoptam como



456

matriz te6rica de referencia 0 modelo epistemo16gico de «cognic;:ao social».

R('sumo

o conflito e a cooperac;:ao entre grupos foram abordados neste capitulo de fonna a sublinhar os seguintes aspectos: 1. 0 significado do preconceito e 0 seu enquadramento te6rico e empirico nas decadas de 40 e 50 (Allport, 1954). 2. A articula~ao entre 0 preconceito e as respostas de discrimina~iio intergrupal no quadro de algumas pequenas teorias de nivel intra-individual: a hip6tese da personalidade autoritana (Adorno et al., 1950) e a hip6tese do espirito fechado (Rokeach, 1960). 3. A importancia da dimensiio cognitiva na

comple~ificac;:ao dos modelos sobre a ge · · tal como se enconeSe dos con fl· ItoS mtergrupaIs, . d a f:rustra~ao-agressao, ntra na teona «revisitad por Berkowitz (1962), e na teoria da Priva ~» · (R uncI·man, 1966). 'rao re IatIva

4. 0 reposicionamento te6rico da Problema_ tica das rela~oes intergrupais num n(vel de and_ lise mais posicional, a partir da aplical'ao pOr T , parte de Sherif (1961, 1966), do modelo dos conjlitos realistas as situac;:oes de cooperal'ao . T e de competI~ao entre grupos.

CAPiTULO XIV

Representac;oes sociais e psicologia social do conhecimento quotidiano

5. A confronta~ao te6rica entre os modelos da oposi~ao de interesses (Sherif, 1966) e da atraccr ao interpessoal (Byrne, 1969) na proposta de resolu~iio de conflitos e de obtencrao de respostas de coopera~iio entre grupos. 6. Vma introducrao a negocia~iio, enquanto paradigma da coopera~ao entre grupos em busca da resolucrao dos seus conflitos.

457

Jorge Vola A ideia de que os individuos e os grupos pensam, e de que as instituicroes e as sociedades sao ambientes pensantes, representa uma fonna nova de olhar para a constitui~ao das institui~6es sociais e para os comportamentos individuais e colectivos. Os individuos nlio se limitam a receber e processar infonnacrlio, slio tambem construtores de significados e teorizam a realidade social. A psicologia cognitiva, a psicologia social cognitiva, ou coggicrlio social, e a psicologia social das representa~oes sociais vern procurando responder a questoes como estas, ainda que de fonna diferente. A cogni~ao social estuda a fonna como as pes so as pensam e a forma como as pessoas pensam que pensam (Fiske e Taylor, 1991), a partir da hip6tese geral de que os julgamentos e 0 comportamento social nao podem ser entendidos se ignorarmos os processos cognitivos basicos. A psicologia social das representa~oes sociais tern vindo a ser construida a partir do questionamento das teorias que ignoram que os individuos pensam, ou que ignoram 0 peso do pensamento dos individuos na constitui~ao da sociedade; e, simultaneamente, a partir do questionamento das teorias que ignoram 0 contexto social no qual os indivf-

duos pensam e 0 peso desse contexto na constru~lio do pensamento (Billig et aI., 1988). Lembremos 0 ambiente em que nasceu 0 interesse novo da psicologia social pelas representa~Oes sociais. Na dec ada de 50, urn longo debate em torno da psicanalise mobilizou, em Paris, intelectuais e estudantes universitanos. Este debate, nascido em tertUlias relativamente fechadas, repercutiu-se na imprensa e penetrou o tecido social. Em tres anos (1953-1956), 230 jomais e revistas nlio especializados publicaram cerca de 1600 artigos sobre a Psicanalise. Em 1961, Moscovici publicava urn trabalho sobre a apropria~lio da teoria psicanalftica por parte de diferentes grupos sociais. Com base em estudos realizados atraves de questionano e da analise de conteudo da imprensa, Moscovici lan~ava uma problematic a especifica: como e apropriada, transformada e utilizada pelo homem comum uma teoria cientffica; e uma problematic a mais geral: como se constr6i urn mundo significante. E no quadro da analise destas questOes que aquele autor propoe o conceito de representa~ao social. Logo no come~o, 0 projecto de Moscovici se revelou, a urn tempo, geral e especifico. Espe-

458

cifico, no sentido em que visa a compreensao de urn fenomeno particular I dos nossos dias - a difusao e apropria~ao do conhecimento cientffico, das suas teorias e conceitos, pelo homem com urn. Estarfamos em presen~a de uma nova imagem do homem enquanto cientista amador (Moscovici, 1976). Urn prototipo desta imagem sera Woody Allen, ao utilizar nos dialogos dos seus filmes toda a panopJia de conceitos psicanalfticos. E urn prototipo da pesquisa sobre as representa~oes sociais, nesta primeira perspectiva, sera a obra de Moscovici acerca da representa~ao da psicanalise. Mas 0 projecto de Moscovici envolve urn problema de ambito mais geral ou universal, no senti do em que propoe a analise dos processos atraves dos quais os indivfduos, em interac~ao social, constroem teorias sobre os objectos sociais, que tom am viavel a comunica~ao e a organiza~ao dos comportamentos (Moscovici, 1969). Neste outro senti do, mais amplo, as representa~oes sociais alimentam-se nao so das teorias cientfficas, mas tambem dos grandes eixos culturais, das ideologias formalizadas, das experiencias e das comunica~oes quotidianas. Podera entao definir-se uma representa~ao social como uma modalidade de conhecimento, social mente elabomda e partilhada, com urn objectiv~ pnitico e contribuindo pam a constru~lio de uma realidade comum a urn conjunto social (Jodelet, 1989 a, p. 36).

Nesta acep~ao, as representa~oes sociais referem urn fenomeno comum a todas as sociedades - a produ~ao de sentido. As representa~oes sociais sao urn conjunto de conceitos, proposi~oes e explica~oes criado na vida quotidiana no decurso da comunica~lio interindividual. Slio 0 equivalente, na nossa sociedade, dos

459 mito~ e sistemas de cren~as das sociedades trad' . ' . IClon ' podem amda ser vIstas como avers; 0 contempor-
1. 0 campo do conceito de representa~ao social

Mas ainda nesta mesma acep~ao 0 con . ceUo , reveste elementos de particularizariio ' na me dI'd a em que assume que as represental'.. h' yOes SOCIalS, 0je, sao apenas os equivalentes d . d ' d mltos ou os SIstemas e cren~as proprios dOs outras sociedades ou tempos historicos: e

por abordar os nfveis de analise do conceito de represe;-}ta~ao, para depois descrevermos a especificidade das representa~oes sociais.

As representa~6es sociais de que me ocupo nlio slio das sociedades primitivas, nem 0 que delas resta no sUbso~ da nossa cultura. Slio as da nossa sociedade actual d ~osso solo politico, cientifico e humano, e que nem se~pr: tlveram 0 tempo suficiente para permitir a sedimenta~ao que as tomaria tmdi96es imutaveis (Moscovici, 1984 a p. 181). '

1.1 . A representafiio como construfiio

Algumas representa~6es slio calmamente transmitidas de gera9lio em gem~lio; slio 0 que os antrop61ogos cham am tradi~6es e slio companiveis a urn fen6meno endemico' outras representa~oes, tfpicas das culturas modemas' difundem-se rapidamente a toda uma popula~lio mas te~ urn curto perfodo de vida; slio 0 que cham amos modas e slio comparaveis a epidemias (Sperber, 1989, p. 127).

Estas referencias, de Moscovici e de Sperber, qualificam 0 tipo de representa~oes que sao estudadas pelo conceito de representa~ao social. Exemplos prototfpicos da investiga~ao das representa~oes sociais nesta segunda acep~ao sao as pesquisas de Herzlich (1969) sobre a saude e a doen~a e as de J odelet (1989 b) sobre a doen~a mental. Este duplo alcance do conceito de representa~ao social, enquanto conceito particular e lIniversal, tom a problematica a sua utiliza~ao corrente. E na sua acep~ao universal, embora envolvendo elementos de particulariZQ(;iio, que dele aqui se tratara.

I A distin~lio entre a acep~lio particular e universal do conceito de representa~lio social e proposta por Billig (1988). Uma ve~ ~ue 0 conceito nlio e aqui abordado na sua acep~lio particular, remete-se 0 lei tor interessado pam urn texto de Moscovlcl e Hewstone (1984) sobre a transforma~lio das teorias cientificas em saber comum.

Come~amos

de um objecto e expressiio de um sujeito Toda a psicologia de raiz nao estritamente comportamentalista utiliza, de forma mais ou menos saliente, e muito embora com diferencia~oes nao desprezfveis, 0 conceito de representa~ao. Ainda- que correndo 0 risco de uma exagerada simplifica~ao, dir-se-a que as representa~oes podem ser entendidas a partir de duas perspectivas. Numa primeira perspectiva, elas serao «0 reflexo interno de uma realidade externa, reproducrao conforme no espfrito do que se encontra fora do espfrito» (Moscovici, 1969, p. 9). Estas reprodur;oes mentais do mundo e dos outros que estiio af serao 0 produto de processos psicol6gicos e revestirao alguma incorreccrao, na medida em que estao sujeitas a enviesamentos decorrentes do funcionamento do sistema cognitivo. Numa outra perspectiva, considera-se que «nao ha corte entre 0 universo interior e 0 universo exterior do indivfduo, que 0 sujeito e 0 objecto nao sao essencialmente distintos» (Moscovici, 1969, p. 9). Nesta segunda acep~ao, a representacrao nao e entendida como reproducrao, mas como construr;iio. E este 0 estatuto epistemologico e teorico que Moscovici atribui ao conceito de representa~ao e no quadro do qual desenvolveu 0 conceito de representacrao social. Enunciemos ainda outra questao. Qual 0 lugar da representacrao, assim entendida, face

aos estfmulos e as respostas, para tomarmos dois conceitos tradicionais em psicologia. Nos modelos S-O-R pressupoe-se que as representacroes constituem media~oes entre os estfmulos e as respostas. Esta posi~ao foi durante muitos anos largamente consensual, mas os avan~os da psicoJogia cognitiva (Markus e Zajonc, 1985) conduziram ao pressuposto do primado das representacroes, expresso nos modelos O-S-O-R. Ou seja, as representa~oes nao sao ja, ou nao sao apenas, media~oes, sao factores constituintes do estfmulo e model adores da resposta, na medida em que «dominam todo 0 processo» (Markus e Zajonc, 1985, p. 138). Eesta posi~ao que Moscovici vern formulando desde 1961 e que ilustrou de forma simples e exemplar, como se ve na Figura 1. Enquanto no modelo precedente a representa~ao assume 0 estatuto de uma variavel mediadora, ela recebe agora 0 estatuto de variavel independente. Recorramos a duas experiencias para ilustrar esta concep~ao da representa~ao.

FIGURA 1 (Moscovici, 1984 a, p. 62)

Concep~iio

Representa<;iio

Concep~iio

corrente

k:"

Estimulo

~

Resposta

proposta ~ Estfmulo

Representa<;ao

~

~

t

Resposta



460

Farina, Fisher, Getter e Fisher (1978) realizaram uma serie de estudos sobre as implica~oes comportamentais das concep~oes sobre a doen~a mental. Dois grupos distintos de estudantes eram confrontados com duas concep~oes diferentes sobre a doen~a mental, qualquer delas, contudo, saliente na nossa cultura. Segundo uma dessas teorias, a doen~a mental deve ser considerada como orgaruca. A outra eoneep~ao da doen~a mental apresentada associa-a a perturba~oes na aprendizagem. Os autores puderam verifiear que os sujeitos a quem foi induzida a concep~ao orgaruea da doen~a mental inferiram, contrariamente aos da eoneep~ao dinfunica, que os doentes mentais poueo ou nada podiam fazer para ultrapassar a doen~a. Num outro estudo, os autores eoncluiram, atraves da analise dos diarios dos sujeitos, que aqueles que aprenderam a eonee~ao orgaruca manifestavam urn menor eontrolo sobre os seus proprios problemas pessoais. Estes resultados poem em evidencia como as representa~oes sao faetores produtores de reaHdade, com repereussoes na fonna como interpretamos 0 que nos aconteee e aeontece a nossa volta, bern como sobre as respostas que eneontramos para fazer face ao que julgamos ter acontecido. Uma vez constituida uma representa~ao, os individuos procurarao eriar uma realidade que valide as previsoes e expliea~6es decorrentes dessa representa~ao (Moseovici e Hewstone, 1984). o estudo anterior nao foi reaHzado no quadro do eoneeito de representa~ao social, mas os resultados apresentados sao claramente legiveis a luz deste eoneeito. Vejamos agora uma outra experieneia em que uma representa~ao e espeeifieamente manipulada. Abric, Faucheux, Moseovici e PIon (1967) estudaram 0 efeito do comportarnento da representa~ao sobre 0 parceiro numa situa~ao de jogo. A experiencia realizada foi pensada no quadro de uma interac~ao que tinha por base matrizes

do dilema do prisioneiro, sendo induzido s " tIpos de representa~oes sobre 0 nos . . dOlS sUJeltos . Numa con d'l~ao ' celfO. expenmental, os SUie'Par. . ~ ltos pensavarn mteraglr com uma maquina pro gra· rnada, noutra condl~ao supunharn que 0 parceiro era urn estudante tal como eles. Com base e estudos anteriores, era possivel saber que a ide~ de mdquina como parceiro sugeria incontr~~ labilidade e impossibilidade de influenciar direc~ao das suas respostas, enquanto a ideia da . " e parcerro como urn outro sugena reclprocidade e possibilidade de uma interac~ao humanizada. Assim, embora as respostas efectivas, do parceiro-maquina ou do parceiro-outro, fossem as mesmas, supunha-se que a primeira condi~ao experimental suscitaria estrategias mais defensivas e menos cooperativas, enquanto na segunda as respostas cooperativas seriam as mais frequentes. Os resultados sao apresentados oa Figura 2.

FIGURA 2 (Abric, 1987, p. 129)

50 40

Percent8gem de 30 rcspostas cooperativ8s 20

/X~ Outro

X_____.. X

X~

X

Programa

10 1-10 11-20 21-30 Numero de cnsaios

De acordo com a hip6tese fonnulada, nao e a resposta efectiva do parceiro que orienta a estrategia dos sujeitos, mas a representa~ao que estes constroem do tipo de parceiro com quem estao a interagir.

Entendida desta fonna, a representa~Qo e sempre a representa~Qo de qualquer eoisa. Ela exprime a rela~ao de urn sujeito com urn objecto, rela~ao que envolve uma actividade de constru~ao e de simboliza~ao. Simultaneamente, esta concep~ao da representa~ao envolve a ideia de urn sujeito autor e actor (Piaget, 1926-1976) - a representa~Qo e a expressQo de um sujeito. Dito de outra fonna, a representa~ao nao e urn reflexo de urn objecto, mas urn produto do confronto da aetividade mental de urn sujeito e das rela~oes complexas que mantem com 0 objecto (Abric, 1987). o estudo da actividade representativa tern side apreendida atraves de diferentes niveis de analise e perspectivas: - estudo dos mecanismos motivacionais e sociais que orientam a dinfunica da actividade cognitiva e a dinfunica das rela~6es entre estruturas cognitivas, perspectiva que orientou 0 New Look (Bruner, 1951); - estudo das estruturas e processos cognitivos em sentido restrito, e enquanto processos intra-individuais, ou seja, os que se reportarn as actividades de pereep~ao, categoriza~ao, organiza-;ao da infonna-;ao, inferencia, recupera-;ao e julgamento (ver Fiedler, 1996; Leyens e Dardenne, 1996); - estudo dos investimentos pulsionais e fantasmaticos presentes na actividade cognitiva e simb6lica, perspectiva desenvolvida pelas correntes de orienta-;ao freudiana (e.g., Kaes, 1976); . - estudo da actividade representativa dos individuos enquanto reprodu tore s das ideologias dominantes e reflexo dos seus posicionarnentos sociais (e.g., Bourdieu, 1980). - no caso do estudo das representa~oes socia is, 0 nivel de analise que se salienta e aquele que reenvia 0 sujeito para as suas pertel'l-;as sociais e para as actividades de

461

comunica-;ao, e a representa-;ao para a sua funcionalidade e eficacia sociais. E no quadro desta perspectiva que no ponto seguinte desenvolveremos a especificidade do conceito de representa-;ao social.

1.2 A representafiio como representafiio social Em que sentido se fala, pois, de uma representa-;ao social? E em que medida tal sentido oferece bases para a constru-;ao de urn conceito especifico, no quadro dos conceitos ja produzidos para enunciar diferentes tipos de estruturas cognitivas? Se utilizarmos urn criterio quantitativo, dir-se-a que uma representa-;ao e social na medida em que e partilbada por urn eonjunto de individuos. Quer dizer, nao estao em causa representa-;6es idiossincraticas, que tomam urn individuo diferente e unico relativarnente a outros individuos, como, por exemplo, as representa-;oes de que Kelly (1955), em contexto clinico, se ocupou, mas representa-;oes partilhadas, comuns a diferentes individuos. Este criterio e, contudo, insuficiente para dar conta do conceito de representa-;ao social porque nada diz sobre 0 seu modo de constru-;ao. Utilizando urn criterio genetico, entende-se que uma representa-;ao e social no sentido em que e colectivamente produzida: as representa-;oes sociais sao urn produto das interac-;6es e dos fenomenos de comunica-;ao no interior de urn grupo social, reflectindo a situa-;ao desse grupo, os seus projectos, problemas e estrategias e as suas rela-;oes com outros grupos. Este segundo criterio p6e, assim, em evidencia os fenomenos de constitui-;ao social das representa-;oes, e entende-as como resultado da actividade cognitiva e simbOlica de urn grupo social. Finalmente, as representa-;oes sociais revestern uma funcionalidade especifica:



462 Contribuir para os processos formadores e para os processos de orienta"ao das comunica"oes e dos comportamentos (Moscovici, 1961, p. 307). Resolver problemas, dar forma as rela"oes sociais. oferecer urn instrumento de orienta"ao dos comportamentos, sao razoes poderosas para edificar uma representa"ao social (Moscovici, 1961, p. 309).

Este terceiro criterio, 0 da fun ciona lidade. contribui de forma decisiva para a diferencia~ao das representa~oes sociais. Elas ofere cern programas para a comunica~ao e a ac~ao, relativamente aos objectos que constituem interroga~oes para urn grupo. Dito de outra forma, as representa~oes sociais sao teorias sociais pniticas. Ou, como refere Jodelet (1984), sao urn saber pnitico. Ou ainda, na expressao de Doise (1990), sao os organizadores das rela~oes simbolicas entre actores sociais. E no quadro definido por uma partilha colectiva, mas sobretudo por urn modo de produ~ao socialmente regulado e por uma funcionalidade comunicacional e comportamental, que as representa~oes sociais devem ser entendidas como fenomeno e como conceito. McGuire (1986) inventariou na literatura psicossociologica seis usos correntes do termo social para caracterizar as representa~oes: a) 0 social e usado para delimitar as representa~oes sobre pessoas ou institui~oes sociais, em contraste com as representa~oes sobre objectos nao sociais; b) para referir representa~oes colectivas, no sentido de Durkheim (1898), em oposi~ao a representa~oes individuais; c) para referir representa~oes criadas pela interac9ao social, no sentido de Mead (1934) e Blumer (1969), em contraste com as representa~oes que decorrem apenas da experiencia individual; d) no sentido de delimitar 0 que e comunicavel na interac9ao pessoal, por oposi9ao a estruturas profundas que guiam as experiencias pessoais;

e) uma quinta acep~ao do termo social r c -' e1ere as representa~oes que visam assegurar a 0 d . r e.•....., social ;

1) a ultima acep9ao do termo social, refe . · I"Imlta a sua ap I'Ica9ao as re oda por M _cGUlre, presenta~oes que remetem para algo que tr ans_ . d' 'd cende os In IVI uos, como as estruturas d lingua, para algo que existe fora das «cabe a . d'IVI'd uos». ~as dos In o conceito de representa~ao social na remete para 0 primeiro dos entendimentos SObro o social, na medida em que nao se considera per~ tinente a distin9ao entre objectos sociais e nao sociais (Moscovici, 1970); esta c1aramente proximo dos entendimentos c) e d); e mantem uma rela9ao ambfgua com os entendimentos b), e) e 1). E no contexto desta polissemia do conceito de social aplicado as representa90es que importa apresentar a tipologia das representa90es sociais proposta por Moscovici (1988b). Moscovici distingue as representa90es sociais hegerilonicas ou -colectivas, as representa90es sociais emancipadas e as representa90es sociais polemicas. As representar;oes sociais hegemonicas sao equivalentes do conceito de representa9ao colectiva proposto por Durkheim (1898). Designam formas de entendimento e significados largamente partilhados por urn grupo fortemente estruturado (uma na9ao, urn partido, uma igreja), e que estruturam 0 grupo. Estas representa90es sao uniformes, indiscutfveis e coercivas (por exemplo, a representa9ao do indivfduo como uma entidade autonoma e livre). As representar;oes sociais emancipadas reflectern a coopera9ao entre grupos, resultarn da troca de significados diferentes sobre urn mesmo objecto. Sao modalidades de conhecimento sobre urn objecto com alguma autonomia relativamente aos grupos sociais que estao na sua origem (par exemplo, a representa9ao de doen9a mental, tal como foi estudada por Jodelet, 1989 b).

As representar;oes sociais po/emicas sao gerada s no decurso dos conflitos sociais, sao deterJllinadas pelas rela90es antagonistas ou de diferencia9ao entre grupos sociais e refiectem pontos de vista exc1usivos sobre urn mesmo objecto (por exemplo, a representa9ao sobre as propinas no ensino superior). Estas distin90es analiticas entre diferentes tipos de representa~oes sociais real~am a transi9ao das representa~oes como uniformidades para a apreensao da sua diversidade, e mostram como 0 contraste entre diferentes tipos de rela~oes sociais e a sua repercussao no pensamento social sera mais pertinente do que 0 contraste entre 0 pensamento individual e 0 pensamento colectivo. A psicologia cognitiva e a psicologia social cognitiva estudam 0 processamento da informa~ao e os julgamentos ou a tomada de decisao a partir do que se podera designar como 0 «sistema operatorio»; a perspectiva das representa~oes sociais acentua a «coerencia social» dos julgamentos ou dos raciocfnios e a sua articula~ao com as opera90es cognitivas basicas (Doise, 1993a). Ao analisar os resultados do estudo sobre a representa~ao social da psicanalise, Moscovici sugere que nas respostas obtidas intervem dois sistemas cognitivos: - vemos em actividade dois sistemas cognitivos, urn que procede a associa"oes, incIusoes, discrimina"oes, dedu"oes, quer dizer, 0 sistema operat6rio, e outro que controIa, verifica, selecciona, com 0 apoio de regras, 16gicas ou nao; trata-se de uma especie de metassistema que retrabalha a materia produzida pelo primeiro (Moscovici, 1976, p. 254).

Este metassistema sao as regula90es sociais que se actualizam em contextos especfficos e cuja interven9ao tern sido ilustrada experimentalmente, por exemplo, nos processos de atribui9ao (ver capitulo VII) ou nos processos de categoriza9ao e re1a~oes intergrupais (ver capftu10s XI, ~II e XII).

463

1.3 As representafoes SOClalS como problema social e objecto de investigafiio De ha trinta anos a esta parte, 0 conceito de representa9ao social interessou urn vasto mlmero de psico10gos sociais, sociologos e antrop610gos . Tomando este conceito mais como urn estfmulo heurfstico do que como urn espa~o conceptual bern de1imitado e inserido numa teoria com contomos bern definidos, tem-se procedido a interroga9ao das teorias do hom em comum sobre problemas tao salientes como a saude/doen~a (Herzlich, 1969), a doen~a mental (De Rosa, 1987; Jodelet, 1989b; Belleli, 1994), a violencia (Vala, 1981), a sida (Comby, Devos e Deschamps, 1996; Basabe et al. . 1996), a droga e a toxicodependencia (Echebarria et af. . 1992; Valentim, 1998), 0 grupo e a amizade (Flament,1982; Moliner, 1989), a inteligencia (Mugny e Carugatti, 1985; Poeschl, 1998; Faria e Fontaine, 1993; Snellman e Raty, 1995; Amaral, 1997), a morte (Oliveira e Amancio, 1998), 0 suicfdio (Ordaz e Va1a, 1997). Urn outro domfnio de pesquisa inc ide sobre as concep~oes da ciencia no senso comum (Sa, Souto e Moller, 1996; Roqueplo, 1974) enos cientistas (Jesuino e Avila, 1995) ou ainda sobre teorias especfficas como a teoria psicanalitica (Moscovici, 1961) ou a teoria do desenvo1vimento de Piaget (Bidarra, 1994). Tern tambem sido objecto de pesquisa problemas sociais como 0 trabalho (Duveen e Shields, 1985), 0 desemprego (Marques, 1983), os sistemas tecno1ogicos (Grize et al.. 1988; Elejabarrieta, 1987), os sistemas econ6micos e as rela~oes econ6micas (Emler e Dickinson, 1985; Belleli et af.. 1983; Verges, 1987), os conflitos sociais (DiGiacomo, 1980; Litton e Potter, 1985) e 0 poder social (Val a, 1990). Urn outro domfnio de pesquisa deve ainda ser salientado: 0 estudo de grupos ou categorias sociais como a crian~a (Chombart de



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Lauwe, 1971), 0 genero (Aebisher, 1985; Amfulcio, 1995, Duveen e Lloyd, 1993), os quadros (Bolstanski, 1982), os psic610gos e a psicologia (Soczka,1988; Palmonari et al., 1987), os enfermeiros (Milward, 1995), etc. Ao apresentar esta longa e incompleta lista de dominios 2, objectos ou problemas para a compreensao dos quais 0 conceito de representa~ao social foi julgado util, visa-se mostrar como se esta em presen~a de urn campo de investiga~ao vivo e orientado para a interroga~ao das interroga~oes do nosso tempo. Mas urn segundo objectivo presidiu a selec~ao das obras refe~das: mostrar a pluralidade metodol6gica, tematIca e conceptual deste campo de pesquisa. Q~anto ao pluralismo metodol6gico, importa refenr que 0 conceito de representa~ao social nao se confunde com urn metodo ou uma tecnica de investiga~ao e, sobretudo, que se encontra a margem do debate entre os «qualifrenicos» e os «quantifrenicos». Entre os estudos referidos 0 leitor encontra trabalhos construidos a partir'da observa~ao de tipo antropol6gico, estudos atraves de entrevistas qualitativas e de analise de ~onteudo, estudos com base na analise quantitatIva de questionanos ou entrevistas e estudos experimentais ou quase-experimentais. Duas obras podem, no entanto, servir de orienta~ao metodol6gica, obras ligadas, alias, a duas perspec~:as diferentes na analise das representa~Oes SOCI
dominio das representa~oes sociais, mostram o conceito de representa~ao social reme qUe & ' . . . te Par lenomenos PSICOSSOCI
Esta

posi~ao

de Moscovici, mais tard refor~ada pela ideia de que as definiroes opera-e • . l' clOnrus do conceito de representa~ao social podem bloquear a sua capacidade heunstica . . (MOSCOVICl, 1988b), nao tern constituido urn obst~c~lo ~ investiga~ao te6rica e empiric a neste dOffilnlO. E verdade que 0 lei tor se confrontara hoje, nao com uma no~ao imprecisa, mas co~ uma multiplicidade de defini~oes polissemicas do conceito. Exactamente 0 que aconteceu com os conceitos de cultura (e.g., Kroeber e Kluckhohn, 1952) e atitude (e.g., Campbell, 1950), relativamente aos quais, desde muito cedo, foram recenseadas dezenas de defmi~oes. No dominio das representa~Oes sociais, 0 que tern ocorrido e a produ~ao de defini~oes conceptuais que recortam dimensoes e aspectos especificos, tendo presente os prop6sitos tambern especificos de cada investiga~ao. E de salientar, contudo, 0 facto de tais defini~oes inc1uirem, na maioria dos casos, conceitos de medio aJcance (por exemplo, atribui~ao, cren~a, atitude, esquema, opiniao, etc.) de ambito psicol6gico ou psicossociol6gico, cuja articula~ao o campo de problemas enunciado pelo conceito

2 Para uma bibliografia muito com p let a so bre as representa.. oes -' " veJa-se 10delet (I 989a). Ver ainda Wagner (1994). SOCialS,

de representa~ao permite e, simultaneamente, reIlleterem para conceitos de ambito sociol6gico au antropol6gico tao ou mais vastos do que 0 proprio conceito de representa~ao social (ideologia, cultura, habitus, sistema de valores, etc.), relativamente aos quais 0 conceito de representa~ao confere novas acuidades e suscita a procura de novas pontes articuladoras do velho bin6mio individuo-sociedade. No tocante as rela~oes entre este ultimo grupo de conceitos e 0 conceito de representa~ao social, uIll aspecto deve ser notado - as representa~oes sociais remetem sempre para urn objecto especifico, posicionado num conjunto de dimensOes tendencialmente relacionadas, e para urn sujeito social produtor da representa~ao; enquanto aqueles conceitos, e especificamente 0 conceito de ideologia, se referem ao pensamento sobre diferentes objectos inter-relacionados sobre urn conjunto de dimensoes tambem elas inter-relacionadas, fazendo muitas vezes abstrac~ao sobre o tipo de sujeito social que esta na sua origem. As ideologias situam-se a urn Divel de abstrac~ao mais elevado do que as representa~Oes sociais. Sao elas que permitem compreender «a coexistencia e, mais profundamente, a correspondencia de vanas representa~Oes sobre diferentes objectos aparentemente nao relacionados nos mesmos individuos ou grupos» (Rouquette, 1996, p. 170).

2. Processos sociocognitivos e f'orma~ao das representa~oes sociais

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duos se colocam e que sao expressao das respostas que souberam encontrar, representa uma concep~ao nova sobre 0 homem, as rela~oes sociais e a estrutura social. Comprovado 0 fen6meno, importa colocar novas questoes. Como se formam as representa~oes sociais, que factores as sustentam e estao na sua genese? Ao analisar a forma~ao das representa~oes sociais, Moscovici (1961) explicita dois processos maiores: a objectiva~iio e a ancoragem '\ Estes processos sao processos sociocognitivos no sentido em que, como ja referimos, sao processos cognitivos socialmente regulados, e referem-se a regula~oes normativas que verificam as opera~oes cognitivas (ver Doise, 1993a; Beauvois, Joule e Monteil, 1989). Embora os processos de objectiva~ao e ancoragem estejam intrinsecamente ligados e nao sejam sequenciais, vamos expo-los de forma aut6noma.

2.1. A objectivafiio A objectiva~ao diz respeito a forma como se organizam os elementos constituintes da representa~ao e ao percurso atraves do qual tais elementos adquirem materialidade e se tomam expressoes de uma realidade pensada como natural. Vejamos como Moscovici analisou 0 processo de objectiva~ao no seu estudo sobre a representas:ao social da psicanalise. Este processo desenrola-se num percurso que envolve tres momentos: constru~iio selectiva, esquematiza~iio, naturalizafiio .

a) Construfao selectiva A verifica~ao de que 0 meio envolvente e tambern urn meio te6rico, onde circulam teorias e doutrinas sobre as grandes questoes que os indivi-

Num primeiro momento, as informa~oes, cren~as e ideias acerca do objecto da represen-

3 Uma aprofundada exposi .. lio do processo de ancoragem e apresentada num texto te6rico de Moscovici de 1984a (pp. 28-45). Particulannente interessante e a articula.. llo entre os dois processos, objectiva..llo e ancoragem, proposta por aqueie autor (1988a, cap. VIII) num comentario aos estudos de Simmel sobre 0 dinheiro.



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tar;ao sofrem urn processo de selecr;ao e descontextualizar;ao. 0 que esta em causa e a formar;ao de urn todo relativamente coerente, implicando que apenas uma parte da informar;ao disponivel acerca do objecto seja util. No caso do estudo de Moscovici sobre a representar;ao da psicanalise, urn dos elementos-base desta teoria e esquecido: a libido. De facto, na epoca em que foi realizado 0 estudo, a evocar;ao deste elemento forte da teoria psicanalftica entrava em contradir;ao com as normas sociais dominantes, 0 que quer dizer que 0 processo de selecr;ao e reorganizar;ao dos elementos relativos a urn objecto nao e neutro ou aleatorio mas tern subjacente normas e valores. Neste sentido, as representar;oes podem ser consideradas como uma expressao do que Piaget (1951) enunciou como pensamento sociocentrico - elas exprimem e servem interesses e valores grupais. Em nos so entender, esta primeira etapa do processo de objectivar;ao remete-nos para os estudos de Allport e Postman (1945-1965) sobre os rumores, estudos paradigmatic os do ambiente teorico em que Moscovici iniciou os primeiros trabalhos sobre as representar;oes sociais. Tal como na analise da representar;ao da psicanalise, primeiro estudo neste domfnio, tambern no caso dos rumores se dispoe de urn ponto de partida com 0 qual e possivel confrontar 0 ponto de chegada, 0 que, alias, nao sucede na maioria das representar;oes. Ora, no estudo sobre os rumores, Allport e Postman constatam como os elementos de uma mensa gem sao objecto de redu~iio, por forma a torna-Ia mais breve e aparentemente mais precisa, ou seja, mais comunicavel e util. Contudo, esta redur;ao e acompanhada de uma acentua~iio: se certos elementos sao esquecidos, outros sao desenvolvidos, majorados e tornados nuc1eares na nova mensagem. Se atendermos a natureza dos elementos que sao objecto de acentuar;ao, e tal como observam Allport e Postman, verifica-se

que sao muitas vezes de natureza explicar IVa lornecem 0 porque e olerecem uma conclus- ' A nova mensagem nao e, assim, apenas Obi ao. de uma nova estrutu Jecto . l'fi de sImp 1 Icar;ao, mas capaz de explicar e avaliar. Se a redur;ao era acentuar;ao sao processos de selecr;ao, resta saber quais os criterios que os regem. Nest: caso, Allport e Postman falam do processo de assimila~iio que, como se vera adiante, e de alguma forma equivalente ao processo de anco_ ragem de que fala Moscovici. •

A

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c) Naturalizar iio



b) Esquematizariio Em Allport e Postman a acentuar;ao e um principio organizador da informar;ao. Da mesma forma, para Moscovici, a segunda etapa da objectivar;ao corresponde a organizar;ao dos elementos, a sua esquematiza~iio estruturante. Esquema ou no figurativo sao os conceitos a que recorre este autor para evocar 0 facto de as nor;oes basicas, que constituem uma representar;ao, se encontrarem organizadas por forma a constituirem urn padrao de relar;oes estruturadas. Por exemplo, no caso da representar;ao da psicanaIise sao retidas quatro nor;oes-chave: consciente, inconsciente, recalcamento e complexo. As relar;oes entre 0 inconsciente e 0 consciente sao vistas como conflituais, e e no quadro desse conflito que ganham sentido 0 recalcamento e os complexos, e toma forma uma «nova» teoria psicanalitica. Importa ainda acentuar que as relar;oes entre conceitos, enunciadas peia esquematizar;ao estruturante, revestem uma dimensao imagetica ou figurativa. A cada elemento de sentido corresponde uma imagem, 0 que permite a materializa~ao de urn conceito ou de uma palavra. A figurar;ao dos esquemas ou a sua dimensao iconica e uma das hipoteses mais interessantes desta abordagem do processo de objectivar;ao, e permite compreender a nova etapa deste processo: a naturaliza~ao.

E esta

nova etapa que confere novidade

a

teoriza~ao de Moscovici relativamente a Allport

e postman e a outras reflexoes sobre os processos perceptivos disponiveis no infcio dos anos 60. 0 que agora se acentua e 0 facto de os conceitos retidos no esquema figurativo e as respectivas relar;oes se constitufrem como categorias naturais e adquirirem materialidade. Nao so 0 abstracto se torna concreto atraves da sua expressao em imagens e metaforas, como 0 que era percepr;ao se torna realidade, tornando equivalentes a realidade e os conceitos. 0 senso comum e aqui descrito como antinominalista: a cada palavra corresponde urn objecto e cada imagem tern a sua contrapartida na realidade (Ibanez, 1988). No caso da psicanalise, por exemplo, 0 inconsciente ja nao e uma ideia mas uma entidade inquestionavel. Socorramo-nos de outro exemplo. Lembre-se a velha metafora organica sobre as rela~6es sociais: partilhar tal metafora pennite tornar naturais a ordem social, as divisoes funcionais e hierarquicas. No quadro dessa metafora, e tao aberrante pedir ao estomago que realize as fun~oes do cerebro, como imaginar urn operano investido das funr;oes de patrao. Nao e so aberrante, e antinatural. Note-se ainda como a defesa dos valores sociais passa pela sua naturaliza~ao enquanto categorias descritivas da natureza humana: para os partidarios da livre iniciativa economica, esta e urn atributo da natureza humana; para os partidarios da igualdade, esta e tambem urn atributo da natureza humana. Da mesma forma, as categorias sociais, como a categoria de genero, rar;a, c1asse, etnia, nacionalidade ou outras, sao vistas como c1assificar;6es naturais, que tern subjacentes essencias (Rothbart e Taylor, 1992). No senso comum, como em muitos dos discursos em ciencias sociais, estas categorias encontram-se reificadas e, por isso, sao operativas e resistentes a mudan~a.

FIGURA 3 Esquema figurativo da representa~ao social da psicamilise

(Moscovici, 1961, p. 313)

I"'~rnre ~ Rccalcamento

)

Complcxo

eotnre/ 2.2. 0 estudo do processo de objectivafiio A descri~ao que acabamos de fazer do processo de objectivar;ao apresenta a particularidade de supor urn ponto de partida (a teoria psicanalitica) e urn ponto de chegada (a nova teoria psicanalitica no senso comum). Esta situar;ao nao ocorre, no entanto, na grande maioria dos estudos sobre representar;oes sociais. Quando urn investigador estuda a representar;ao social da doenya, por exemplo, pode confrontar essa representayao com os saberes medicos; mas estes saberes, para alem de diversificados e contraditorios, nao constituem necessariamente 0 ponto de partida das representa~6es sobre a doenya. 0 investigador confronta-se, entao, com a tarefa de reconstruir a estrutura de uma representar;ao dispondo apenas do ponto de chegada. Analisar 0 processo de objectivayao consiste, assim, em identificar os elementos que dao sentido a urn objecto, a sua selec~ao de urn conjunto mais vasto de conceitos, as rela~oes entre esses conceitos (reconstru~ao de urn esquema), a sua figura~ao e as modalidades que assume a



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469

REPRESENTA(:OES SOCIAlS DA MORTE Com 0 objectiv~ de apreender as dimensoes que estruturam as associ""oes de ideias-pensamento senti t' - be . ""T s, emo~oes men os e Imagens-slm . I.os rela~vam~nte it morte, numa popula~ao universitaria, constitufda por 131 es dant~ de enfermagem, medi~l~a e bJOlogla, d~ ambos os sex~s, foi realizado um estudo explorat6rio. Co tuteemca de recolha de dados utihzou-se a «assoclayao livre de palavras» para 0 estfmulo Monefi _ mo . Ii b I . lIZ me pensar no segumt~s s moos e Imagens ... Sobre as palavras recolhidas efectuou-se uma APC"', cujos resultados se S tam ab81XO: represen_

APC das palavras associadas ao estfmulo foice deus

esqueleto escuridao

inferno

caveira preto

diabo

-----------------~L-------ceu

terra

campa

fogo

cemiterio caixao cruz igreja

flores

pel a teoria das representarroes socials na sua dimensao particularista, que definimos no inicio do capitulo), a atribuil;ao de materialidade a uma ideia, ou a sua naturalizarrao, pode processar-se atraves da personificarrao, da figurarrao e da ontologizarrao. A personificarrao refere a associa\=ao de uma teoria sobre urn objecto a urn individuo designado por urn nome (Freud designa a psicamilise, Einstein a relatividade, Darwin a evolurrao). A figurarrao refere 0 processo atraves do qual as imagens e metaforas substituem conceitos complexos. A ontologizarrao corresponde «a atribuir as ideias ou as palavras coisas, qualidades ou forrras; ontologizar 0 que nao passa de uma entidade logica ou mesmo verbal» (Moscovici e Hewstone, 1984, p. 555). Mas a teoria das representarroes SOCIalS prop6e que 0 processo de objectivarrao nao ocorre apenas na passagem das teorias cientfficas para 0 senso comum. A objectivarrao constitui uma caracteristica de todo 0 pensamento social (Berger e Luckmann, 196611973; Lakoff e Johnson, 1980). Embora com base num ainda pequeno mlmero de pesquisas, sistematizamos a seguir algumas propostas para 0 estudo da personificarrao e da figurarrao.

o pr~eiro eixo factorial evidencia a oposi~iio entre imagens concretas (que traduzem processos de objecti-

va~lio), assocladas a palavras como cruz, preto e caveira. e imagens abstractas (ancoradas em cren~as) sugeridas pel~ p~avras .du,. deus,. inferno, diabo e/ogo, 0 que revela, em grande parte, a forte influencia ideoI6gico-religiosa,

de msplra~iio JUd81co-cnsta. que se observa na nossa tradi~ao sociOCUltural, quer ao nfvel dos rituais associados Ii morte, quer de ~utros rit~s relacionados com 0 sagrado ou a escatologia crista. 0 segundo factor opoe palavras como esqueleto, cavezra, ou/ole.e, as palavrasjlores, cruz e igreja, 0 que pode ser interpretado como uma oposi~ao entre o pro~ano, ~ nao-sa~~o, meal, pseudo-real, ou 0 mal e 0 sagrado 0 real ou 0 bem. 0 que, natural mente. se reflecte nas dlmensoes de slgrufica~ao que estruturam as representa~oes da morte. 1998).

Texto extra(do de «Perten~as sociais e formas de percep~ao e representayao da morte» (Amilncio e Oliveira,

sua naturalizarrao. Estudar as relarroes entre os elementos de uma representarrao e ja estudar a sua objectivarrao, como mostram os autores da teoria do mlcleo central das representarroes sociais, que adiante apresentamos (Abric, 1994).

Vejamos agora, especificamente, algumas vias de analise do processo de naturaIizarrao. Moscovici e Hewstone (1984) propuseram que, no caso da apropriarrao das teorias cientfficas pelo senso comum (urn problema estudado

a) A personijicafiio

Lembremos que a personificarrao consiste em materializar num nome ou num rosto uma ideia. Por exemplo, no campo politico, as ideias e as ideologias estao claramente associadas a nomes e a rostos e e mais facil entender as ideias que pros segue urn partido personalizando-o. Quando evocamos a sida, ocorrem-nos exemplos de pessoas que foram contaminadas, mas podem ocorrer-nos, igualmente, grupos sociais, comportamentos, modos de vida que concretizam a doenrra, que permitem visualizar 0 indivfduo com sida, dar sentido e explicar este fenomeno social.

Em nosso entender, a personifica~ao pode assumir duas modalidades, consonantes com duas hip6teses sobre 0 processo de categorizarrao social: a tradurrao de uma ideia em exemplares e a tradurrao de uma ideia num prototipo. Vejamos qual 0 significado de exemplar e de prototipo na analise do processo de categorizarrao (ver Capitulo XI). A perspectiva exemplarista, ou por «instancias», sobre a categorizarrao, supoe que a informarrao e apreendida tal como se apresenta e que uma categoria corresponde a urn conjunto de exemplares. Assim, os atributos de uma dada categoria hao-de variar em funrrao dos exemplares registados nessa categoria (ver Fiske e Taylor, 1991). Por exemplo, quando se sabe que a pessoa x se tentou suicidar, ela e com parada mentalmente a outros suicidas (personagens y, z) registados em memoria. Os atributos mais salientes do suicida variam, deste modo, em funrrao dos atributos das personagens evocadas. Refira-se, contudo, que esta forma de entender 0 processo de categorizarrao so e 6tH se pensarmos que os exemplares de uma categoria nao correspondem a informa~ao bruta, nao tratada, mas sao, desde 0 inicio, registados, ou nao, em fun~ao de teorias sociais. Assim entendida, esta perspectiva sobre a categorizarrao permite compreender a personifica~ao de uma ideia, crenrra ou teoria em personagens que a simbolizam, tal como Moscovici propos. Por exemplo, num estudo sobre a representarrao do suici'dio na imprensa, Ordaz (1995) estudou 0 processo de objectivarrao do suici'dio atraves dos rostos que the dao significado: cada exemplar, personagem ou grupo de personagens evoca determinadas dimensoes da representarrao do suici'dio, das suas causas e efeitos sociais (ver Caixa na pagina seguinte). Tambem num estudo experimental sobre a representarrao da infidelidade conjugal, Elejabarrieta, Valencia e Wagner (1993) mostraram como a personifi-



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OS ROSTOS DO SUlciDIO , , ,Nu~ es~u~o s~bre 0 processo de objectivar;:ao do suicfdio na imprensa, considerou-se como exemplares SUICldio as mdlvlduahdades que se s~icidaram, ou que fizeram tentativas de suicfdio. Nos artigos analisados ide d,o ficararn-se 14. personagens, referencladas em 25 artigos, que foram agrupados em tres categorias: figuras 'Ublintl(M~weIJ e Dla~a Spencer), artistas (Marilyn Monroe, Romy Schneider, Miroslava, EIis Regina, Soares do:R . ~as escntores (Carmlo, Florbela Espanca, Mano Sa Carneiro, Hemingway, Jack London, Sylvia Plath e Cesare pels e Para c,onhecer a representar;:ao do suicfdio que estes tipos de exemplares objectivam roi realizada uma ~~~). Factonal de Correspondencias, ' Ise

1,5 escritor deprinldo

••

apaixonado famoso





0,5

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lindo

-1

-0,5

0,5

~

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1,5



• artista

• instavel suicidario -0,5

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desiludido



-1,5

pressioiado fig.publica

Atributos e tra~os das categorias de exemplares _ 1.0 e 2. 0 eixos da AFC

o ~ri~eiro eix~ desta AFC opoe os artistas, quaIificados pelos atributos jamoso, jasciname e lindo, as figuras pubhcas, quahficadas pelos atributos desesperado e pressionado 0 segundo elX ' 0 opoefi 'bJi (d 'I d' . . agora as 19uras pu. ,c.as eSI U ,Ido e presslOllado) aos escritores (deprimido e apaixonado), Estamos, assim, perante tres tipos de sUlcldlo caractenza~os por diniimicas diferentes: a depressao e a paixao como expressOes de uma dinamica interna perturb~da; a pressao externa que faz do suicida urna vftima; e 0 sucesso que, como sugerem outros resultados e a expressao de alguem que se excede e e vftima desse excesso. ' Texto e/aborado por Olga Ordaz. a partir do sell estudo sobre a representar;iio social do slliddio na impre/lSa (Ordaz, 1995).

ca~ao da infidelidade, nomeadamente quando se trata da infidelidade feminina, e representada e justificada de forma mais complex a, ao passo que a nao personifica~ao da infidelidade suscita uma representa~ao sobretudo avaliativa. Este estudo distingue-se do trabalho de Ordaz (1995) sobre a personaliza~ao do suicidio, na me did a em que esta autora apenas considerou a personifica~ao atraves de personagens publicas, largamente conhecidas. No estudo precedente, as personagens evocadas sao pessoas comuns designadas por urn nome. Os dois estudos oferecern, pois, duas formas complementares de olhar para a personifica~ao, como forma de objectiva~ao, no quadro da abordagem exemplarista do processo de categoriza~ao . Podemos referir, agora, uma segunda forma de entender 0 processo de categoriza~ao - a categoriza~ao prototipica. Nesta segunda perspectiva, entende-se que os saberes sociais sobre urn objecto podem ser representados como organiza~oes de conhecimento sob a forma de prototipos (Cantor e Michel, 1979; Rosch, 1978). Urn prototipo corresponde ao conjunto de caracteristicas que definem os membros de uma categoria. Este ideal tipo, ou caso puro, encontra-se nao so objectivado em palavras e simbolos abstractos mas tambem em representa~oes pictoricas (Brewer, 1988). Esta outra perspectiva sobre a categoriza~ao tambem permite compreender a personifica~ao de uma representa~ao social. A personifica~ao manifestar-se-ia, aqui, pel a constru~ao de urn prototipo que da corpo, que materializa uma ideia abstracta. Por exemplo, no estudo sobre 0 suicidio acima referido, a autora procedeu a reconstru~ao dos prot6tipos de suicida atraves da analise descritiva das suas caracteristicas sociograficas mais tipicas (sexo, idade, meio social, etc.) e atraves da analise dos tra~os e atributos psicologicos que melhor caracterizam 0 suicida-tipo. Assim, nesta perspectiva, quando ~e pensa no suicidio, a personagem que

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se evoca nao e 0 indivfduo x ou Z, mas uma personagem igualmente «real» que reune as caracteristicas mais tfpicas de urn suicida. Ora, assim como e de supor que os dois tipos de processos de constru~ao de categorias que referimos (por instancias ou exemplares, e por prot6tipos) sao pertinentes (Leyens e Fiske, 1994), assim tambern parece adequado pensar a objectiva~ao atraves da personifica~ao no quadro das duas abordagens enunciadas. Mas nao sera 0 processo de categoriza~ao social, ele pr6prio, urn processo de objectiva~ao e naturaliza~ao? Rotbarth e Taylor (1992) propoem que 0 senso comum distingue entre categorias vistas como naturais (por exemplo, as aves), categorias artificiais (urn carro ou outros artefactos) e categorias relativas a humanos (homens e mulheres, por exemplo). As categorias naturais seriam essencializadas pel0 senso comum, e constituiriam urn modelo para pensar as categorias sociais. Sendo assim, as categorias sociais, no senso comum, corresponderiam tambem a essencias, a dados da natureza, e revestiriam urn potencial indutivo elevado como as categorias naturais. Isto e, assim como nao se erra quando se diz que urn pombo tern sangue quente como todas as aves, assim tambem se pensa que nao se erra quando se diz que urn arrumador de carros e urn drogado. Da mesma forma ainda, quando descrevemos 0 suicida-tipo como urn homem, urn individuo socialmente desintegrado ou urn depressivo, essas caracteristicas nao sao vistas como 0 resultado de uma percep~ao contingente, mas como atributos que definem a essencia do suicida e do suicidio, como verdades de facto. Quer a personifica~ao se realize atraves da evoca~ao de exemplares, quer atraves da evoca~ao de prot6tipos, 0 que esta em causa e que «atraves de pessoas concretas nos damos conta de fen6menos que nao sao tangfveis pela experiencia», ou que «a personifica~ao permite projectar a experiencia e a significa~ao atribuida a uma pes-



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soa sobre a ideia ou fenomeno que procuramos entender» (Wagner e Elejabarrieta, 1994, p. 834). b) A metajorizarao

Wagner, Elejabarrieta e Lahnsteiner (1995) propOem que a difusao de uma nova ideia num grupo estaria dependente da sua figura~ao em imagens e metaforas que transmitam 0 essencial do seu conteudo de fonna aceitavel para 0 quadro de valores do grupo. Nem todo 0 pensamento se exprime atraves de metaforas e a simbologia de uma representa~ao nao e apenas metaforica, mas as metaforas sao urn elemento central na produ~ao de conhecimento. Como sustentam Lakoff e 10hnson (1980), as metaforas nao sao meras figuras de estilo ou retorica, mas expressoes do proprio processo de pensamento, pennitindo transferencias de sentido e a naturaliza~ao do que era uma abstrac~ao conceptual. (ver Caixa na p. seguinte) Poucas pesquisas no dominio da analise das representa~oes sociais analisaram a metaforiza~ao. Constituem excep~oes a este panorama, urn estudo quase-experimental de Wagner et al. (1995) sobre a metaforiza~ao da concep~ao, e urn estudo de Ordaz (1995) sobre 0 suicidio na imprensa portuguesa. Os primeiros estudaram a conce~ao, mostrando como 0 papel geralmente atribuido ao homem numa rela~ao sexual e transposto para as propriedades do esperrnatozoide, enquanto que o papel e 0 comportamento da mulher e associado as propriedades do ovulo. De entre as diversas categorias de metaforas propostas por Lakoff e 10nhson (1980), Ordaz (1995) seleccionou dois tipos de metaforas no sentido de estudar 0 processo de objectiva~ao do suicidio: as metaforas estruturais (que organizam 0 conceito de suicidio em fun~ao de outros conceitos mais concretos), e as ontologicas (em que os objectos, substancias e 0 pr6prio fen6menD do suicidio adquirem caracteristicas

humanas ou de outros seres), num tota} d duzentas e quarenta metaforas diferentes. Exe e '& plos de algumas d essas metaloras sao apres mentadas na Caixa da p. 474.

2.3. A ancoragem Com 0 conceito de ancoragem pretende Moscovici referir uma segunda categoria de processos associados a fonna~ao das represen_ ta~oes sociais: a) os process os atraves dos quais o nao-familiar se torna familiar, e b) os proces_ sos atraves dos quais uma representa~ao, uma vez constituida, se torna urn organizador das rela~oes sociais. Numa analogia cronologica, dir-se-a que a ancoragem precede a objectiva~ao, por urn lado, e que, por outro, se situa na sequencia da objectiva~ao. Enquanto processo que precede a objectiva~ao, a ancoragem refere-se ao facto de qualquer constru~ao ou tratamento de infonna~ao exigir pontos de referencia: quando urn sujeito pensa urn objecto, 0 seu universo mental nao e, por defini~ao, tabua rasa. Pelo contrano, e por referencia a experiencias e esquemas de pensamentos ja estabelecidos que urn objecto novo pode ser pensado. No caso da representa~ao da psicanalise, Moscovici verificou que esta se constitui por referencia a tipologias de categorias sociais e de acontecimentos. Se a imagem da psicanci1ise ancora na categoria os ricos, a representa~ao que a partir daf se desenvolve e diferente daquela que ocorre quando essa ancoragem se regista sobre a categoria os intelectuais ou os americanos. Retomemos a ancilise que Allport e postman (1945-1965) fizeram dos rumores. Para designar fen6menos semelhantes aqueles que 0 conceito de ancoragem evoca, estes autores falam do processo de assimilariio, processo que resulta da atrac~ao exercida sobre uma mensagem pelos «Mbitos,

METAFORAS E OBJECTIVA«;AO .' . alvo 0 campo-fonte. e a rela~ao definida Uma metMora. tal como entendida aqui. mclut ~:s elem:~~~n~c~a:~~~cret~. Este campo esUi mnis pr6ximo da entre 0 alvo e a fonte. 0 campo-fonte e urn conteu 0 men ue se retende entender. 0 campo-fonte fomece a experiencia pessoal e e mnis compreensrve~ do que ~ C~~uq urn f:n6meno menos compreensfveis, se tomam imagem mental atra:es da qual urn conce1to, uma eona,. afastado da experlencia, e mais abstracto, menos ic6inteligfveis ~u «explicados». 0 campo-alvo est6 semJ:: :~sassociados atraves de urn mapa que defme urna correnico e, por 1SS0, menos compreensfvel. A. fonte e 0 e cess6rio que sejam percebidas semelhan~as relevantes e la~iio estrutural entre os dois, e, pam que 1SS0 aconte~a, n~ o-alvo abstracto tomam-se inteligfveis a luz da estrUturais dos dois campos. A rel~iio entre os elementos 0 ~~::::te. Nes~e sentido: uma meUifora e uma ilustra~iio experiencia associada as rela~Oes ~ntr~ os eleme.~~os do camp "n. U «proiecta» a estrutura e 0 significado da fonte . . d fi ental nao-1c6ruca. A meuuora «transpo.....,> 0 J • • 1c6ruca e urna gura m. . ,. metMoras (Lakoff 1987) pode ser aplicada ao processo de obJectiva~o. pam 0 alvo ( ... ). A teona Imgu1stica das ., ' 0 de transformar 0 nao-familiar em familiar. Em prirneiro lugar, uma meUifora,. co~o a obJectiva~iio, es:om :1:o;:Oa das representa~Oes sociais, est6 muito pr6Em segundo lugar. 0 pensamento 1c6ruco. tal como p~o~ P 0 ue se disse sobre as metMoras pode ser aplicado ximo do pensamento metaf6rico. 0 nosso argumento 0 e que q todas os exemplos de metaforiza~o sao exem-

~:~:::~:::~~~eaq:~j::~:~!~'aCo~~:~~a~~s:~:n~~ec:~:n se processa atraves da metaforiza~iio. percebido como objectiv~ e real

«e» [L________________ Campo-fonte

projec~ao do realismo percebido

projec~ao

da estrUtura

«e»

\

_ - - - - - - - - - - - - - - - Campo-alvo

conceptual, artificial e abstracto

I

:ama-se»

L

percebido como objectivo e real

,J d How the sperm dominates the ovum» (Wagner, Elejabarrieta, Lahnsteiner, 1995). Texto extra/ao e «

interesses e sentimentoS». E se estes auto res evidenciam, nomeadamente. 0 papel da motiva~ao e dos conteudos ja adquiridos no processo de assimila~ao, nao deixam de referir tambem ~ papel de mecanismos mais estritamente cogmtivos como 0 principio gestaltista da boa forma.

Numa segunda acep~ao, e enquanto processo que segue a objectiva~ao, 0 conceito de ar:coragem refere a fun~ao social das representa~oes. a sua eficacia social: Se a objectiva~lio explica como os elementos representados de uma teoria se integram enquanto termos da



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bora~ao do velho tomando-o novo. Desta forma,

AS METAFORAS DO SUICIDIO Para analisar as metMoras associadas ao suiddio na imprensa, procedeu-se a sua inventaria\=lio, seguida da SUa em metaforas estruturais e ontol6gicas, as unicas retidas na analise. Apresentamos dois dos conjuntos temtlticos organizados a partir de metaforas estruturais. o primeiro grande conjunto tematico representa 0 suicfdio como a resultado de uma desistencia da vida e apela para tres ideias fundamentais: a ~, a separa~iio, e a remlncia. A ~ remete para os conceitos metaf6ricos de fuga (ex.: «Jugir aJalta de projectos»). saito (ex.: «saltar fora da vida») e sarda (ex.: «sail'deste horrend(ssimo mUlldo»), onde 0 suicfdio surge como forma de resolver problemas, como expressiio do desejo de acabar com uma situa~iio insuportavel para a pessoa. A separ~iio e uma tematica presente nos conceitos metaf6ricos de partida (ex.: «derradeil'o camilllto») e despedida (ex.: «incrfvel adeus a vida»), quase sempre associados Ii ideia do inesperado, e onde 0 suicida e alguem que se des pede para sempre, que parte para nlio mais voltar. A renuncia remete para a imagem do exflio (ex.:«abdical' da hip6tese de IIIIl Juturo risonho»), como urn rei que abdica do trono ' sugerindo a op~iio por urn caminho mais curto para a morte, 0 atalho (ex.: «abrevial' 0 illevitavelfim»). o suicfdio e ainda representado atraves de uma dimensiio interactiva muito forte. Esta interac~iio traduz-se num conjunto de conceitos metaf6ricos, que ora se opoem, ora se refor~am, salientando uma forma de rela&:iio com o mundo. Assim, por urn lado, 0 suicfdio sera urn apelo ao contacto (ex.: «um grito do fimdo do po~o»); sera urn modo de expressar a revolta (ex.: «queixul1Ie que chega a rebeliiio final») ou, antes, uma forma de vingan~a (ex.: «infligir lima pellaliza~iio a sociedade») atraves de uma exibi~iio publica, de uma morte representada em cena por urn actor que procura incomodar os espectadores - especuiclIlo (ex.: «demonstl'a~iio publica da existencia»). Texto elaborado a partir de Ordaz e Vala, 1997. classifica~lio

realidade. a ancoragem permite compreender a forma como eles contribuem para exprimir e constituir as rela~oes sociais (Moscovici, 1961, p. 318).

De facto, as representa~oes sociais oferecern uma rede de significados que permitem a ancoragem da ac~ao e a atribui~ao de sentido a acontecimentos, comportamentos, pessoas, grupos, factos sociais. Uma representa~ao social e urn codigo de interpreta~ao no qual ancora 0 nao familiar, 0 desconhecido, 0 imprevisto. Nesta segunda modalidade, a ancoragem refere-se a instrumentaliza~ao social do objecto representado. Quando se diz que a sida e a peste do seculo xx, esta-se a usar uma metafora que evoca algo de conhecido, para descrever urn novo fenomeno ainda desconhecido (primeira modalidade da ancoragem); mas, ao mesmo tempo, esta-se a propor, relativamente a sida, comportamentos e formas de tratamento semelhantes aos que foram utilizados em tempo de peste (segunda

modalidade da ancoragem) (Elejabarrieta, 1996). Em qualquer dos dois sentidos, a ancoragem parece funcionar como estabilizador do meio, como redutor de novas aprendizagens e de comportamentos inovadores. 0 processo e, contudo, mais complexo. A ancoragem leva a produ~ao de transforma~oes nas representa~oes ja constitufdas. Tomemos urn exemplo. Ao estudar a representa~ao da psicanalise, Moscovici pOde verificar como, para alguns dos inquiridos, se registava uma associa~ao entre a psicanalise e a confissao. A confissao, enquanto representa~ao ja constituida, pOde assim servir de ancoragem a elabora~ao de uma nova representa~ao. Contudo, a propria representa~ao da confissao sofrera mudan~as decorrentes da nova representa~ao cuja forma~ao permitiu. E neste sentido que 0 processo de ancoragem e, a urn tempo, um processo de redu~ao do novo ao velho e reel a-

475

2.4. 0 estudo da ancoragem

reencontramos 0 modelo genetico de Piaget Como se referiu, numa primeira acep~ao, 0 (1976): num primeiro momento, verificam-se processo de ancoragem refere-se a assimila~ao reac~oes de assimila~ao tendentes a incorporar 0 de urn objecto novo por objectos ja presentes no novO objecto numa representa~ao ja existente; sistema cognitivo. Este objectos sao as ancoras num segundo momento, verificam-se reac~oes de que vao permitir construir a representa~ao do acomoda~ao nas representa~oes estabelecidas. novo objecto. Entao, estudar 0 processo de Os fenomenos descritos atraves do conceito ancoragem significa inventariar as ancoras que de ancoragem sao proximos dos que alimentam sustentam uma representa~ao e, por isso, modeo conceito de categoriza~ao. Lembre-se que as lam os seus conteudos semanticos. A selec~ao teorias sobre 0 processo de categoriza~ao 4, entre destas ancoras, porem, nao e neutra. Importa, as quais a teoria de Rosch (1978), partem de urn entao, entender quais os mecanismos a que obepressuposto comum - a gestao do fluxo de infordece essa selec~ao. Com vista a esse entendima~oes que atravessa 0 nosso quotidiano faz-se mento, apresentamos duas perspectivas sobre a atraves da mobiliza~ao de uma estrutura semananalise do processo de ancoragem. tica organizada em categorias. Conhecer e, A primeira perspectiva foi proposta por Doise entao, classificar e dar urn nome - rotulos e urn (1992). Segundo este autor, podemos considerar conjunto de classes e 0 que oferece urn sistema tres grandes tipos de ancoragens das represende categorias. Ora, como faz notar Moscovici ta~oes sociais: ancoragens psicol6gicas, socio(1984a), urn sistema de classifica~ao nao e urn logic as e psicossociologicas. Dito de outra produto do acaso, e 0 produto de uma teoria. As forma, esta perspectiva propoe que se estude as representa~oes sociais serao, assim, 0 quadro no 16gicas individuais, sociologic as e psicossociointerior do qual adquirem sentido os sistemas de 16gicas que regulam 0 processo de ancoragem. categoriza~ao. Classificar uma pessoa como As ancoragens psicologicas referem-se as neur6tica, pobre ou liberal nao e constatar urn modela~oes de uma representa~ao que decorrem facto, e atribuir uma posi~ao num sistema de do nivel de analise individual ou interindividual. categorias que decorre de representa~oes sobre a De certa forma, este tipo de ancoragens remete doen~a mental, a natureza humana ou a natureza para uma perspectiva diferencialista ou para das rela~oes sociais. Por outro lado, a partir de processos intra-individuais basicos. Por exemTajfel (1972), e comum distinguir os aspectos indutivos da categoriza~ao (processos relativos a plo, no estudo de Mugny e Carugati (1985) sobre a representa~ao da inteligencia, ou no constru~ao das categorias e a inclusao de urn estudo de Molinari (1991) sobre 0 desenvolviobjecto numa categoria) e os seus aspectos dedumento infantil, urn dos organizadores invocados tivos ou as consequencias da categoriza~ao: os para explicar as diferen~as entre maes que traaspectos indutivos reportam-se ao primeiro senbalham e maes que nao trabalham, na saliencia tido da ancoragem; os aspectos dedutivos, ao as diferentes dimensoes das repreque conferem segundo sentido deste mesmo processo.

4

0 papel das representa~oes sociais no processo de configura~iio da categoriza~iio social foi discutido por varios

autores (e.g .• Moscovici, 1981; Leyens, 1985; Semin, 1989).



476 senta~oes estudadas, e a protec~ao de uma identidade pessoal positiva, ou de auto-estima positiva, no quadro do sistema de normas dominantes sobre 0 papel da mulher. Uma outra forma de estudar a ancoragem, neste nivel de analise, consiste em examinar como diferen~as individuais, no que se refere a valores ou principios ideol6gicos, se repercutem na estrutura~ao ou na saliencia de determinadas representa~oes. Por exemplo, num estudo sobre as causas da pobreza, realizado em Inglaterra, Furnham (1982) verificou que os individuos que partilham uma ideologia de direita dao mais importlincia a causas de natureza individual (p.ex., falta de esfor~o) do que aqueles que partilham principios ideol6gicos ditos de esquerda. o estudo da ancoragem, numa perspectiva sociol6gica, analisa a rela~ao entre as perten~as sociais e os conteudos de uma representa~ao, a partir da hip6tese de que as experiencias comuns aos membros de urn mesmo grupo, decorrentes de uma mesma inser~ao no campo das rela~oes sociais, suscitam representa~oes semelhantes. Por exemplo, num estudo sobre a representa~ao social do poder, Vala (1988/1990) mostrou como a representa~ao fatalista sobre 0 poder e mais saliente nos assalariados rurais ou no campesinato. Num outro estudo, recorrendo a analise discriminante, mostrou-se como era possivel predizer 0 grupo de perten~a, ou a posi~ao social dos respondentes, a partir do tipo de representa~ao da violencia que sustentavam (Vala, 1981). Se no nivel de analise anterior se remetia a ancoragem para diferen~as individuais, ela e aqui articulada com 0 sistema de rela~oes sociais. E, tambem, no campo das rela~oes sociais que se inscrevem as ancoragens psicossociol6gicas, embora a partir de uma outra perspectiva analitica. A analise psicossociol6gica da ancoragem «inscreve os conteudos das representa~oes sociais na maneira como os individuos se situam simbolicamente relativamente as rela~oes

sociais e as divisoes posicionais e categOriai ~e urn dado campo social» (Doise, 1992, p. 191)s E neste nivel de analise da ancoragem que deve~ mos incluir a rela~ao entre as identidades sociais e as representa~oes sociais, problema que analisamos adiante (ponto 6). Uma segunda perspectiva na analise das ancoragens das representa~oes sociais consiste em estudar os efeitos dos contextos de comuoi_ ca~ao, em que uma representa~ao sobre um objecto e produzida ou activada, sobre os s}gnificados nucleares atribuidos a esse objecto. E esta perspectiva que passamos a descrever. No estudo sobre a representa~ao social da psicanalise, Moscovici analisou as rela~oes entre os sistemas de comunica~ao social e as representa~oes sociais. Sera que 0 discurso sobre a psicanalise podera assumir a mesma forma numa revista como a Elle, num jomal cristao como 0 La Croix e num jornal comurusta como 0 L'Humanite? E evidente que nao. Mas, entao, como sistematizar as diferen~as encontradas entre os discursos destes tres' jornais? Moscovici sistematiza essas diferen~as reenviando para tres sistemas de comunica~ao: a propagafiio, a difusiio e a propaganda (Moscovici, 1961; Rouquette, 1984). Como propoe Doise (1990, 1993), estes sistemas de comunica~ao sao sistemas de rela~oes sociais e, como tal, podem ser incluidos no nivel de analise psicossociol6gico da ancoragem. A propaga~ao e uma modalidade de comunica~ao em que as mensagens produzidas por membros de urn grupo se dirigem ao seu pr6prio grupo; e que visa harmonizar 0 objecto da comunica~ao com os principios que fundam a especificidade do grupo. A sua finalidade e integrar uma informa~ao nova, ou urn problema novo e perturbante, no sistema de valores do grupo. Neste senti do, a imprensa cat6lica fala da psicanalise por forma a identificar principios desta teoria que sao negativos (a no¥ao de

libido) e a construir uma visao dessa mesma teoria compativel com 0 cristianismo (compreensao mais integrada do homem, simbolismo, valores espirituais). A difusao nao se dirige a urn publico, mas a uma pluralidade de pUblicos. As mensagens sobre urn objecto organizam-se de forma indiferenciada, na medida em que ignoram as diferencia~oes sociais. A difusao visa exactamente 0 nivel de indiferencia~ao onde os membros dos divers os grupos sociais se tornam intermutaveis. A Elle ou o France-Soir falam da psicanalise de forma aherta, difundindo pontos de vista contradit6rios sobre esta teoria, e mostrando que se trata de urn objecto sobre 0 qual as opinioes podem divergir. A comunica~ao no sistema de propaganda oferece uma visao do mundo claramente clivada e conflitual. Contribui para a afirma~ao da identidade de urn grupo, ao mesmo tempo que constr6i uma imagem negativa do outro, dos seus valores e cren~as. Os objectos sao representados no quadro da acentua~ao das diferencia~oes sociais, e por forma a servirem as c1ivagens entre «eles e n6s». Cada representa~ao sobre urn objecto e evocada por oposi~ao a uma outra representa~ao . Por exemplo, a imprensa comunista analisada por Moscovici desenvolve urn discurso sobre a psicanalise no quadro das oposi~oes Uniao SovieticalEstados Unidos: de urn lado a paz, do outro a guerra; de urn lado 0 capitalismo, do outro o comunismo; de urn lado a psicologia cientifica, do outro a psicanalise americana, doutrina mistificante e ideologia irracional. Tambem no estudo ja citado sobre a representa~ao do suicidio na imprensa, a sua autora (Ordaz, 1995) categorizou os jornais que estudou de acordo com esta taxonomia sobre os sistemas de comunica~ao, procedimento que nao s6 the perrnitiu estudar a ancoragem como articula-Ia com a objectiva~ao (Ordaz e Val a, 1997). Podera esta forma de olhar 0 processo de ancoragem ser relevante, para alem da analise

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da ancoragem das representa~oes veiculadas pelos meios de comunica¥ao social? Terao os sistemas de comunica~ao referidos pertinencia para a compreensao da comunica~ao interpessoal, intragrupal e intergrupal associada a constru~ao das representa~oes sociais? Comecemos por lembrar a tipologia das representa~oes sociais que enunciamos atras: representa¥Oes hegem6nicas, emancipadas e polemicas. A nossa hip6tese e a de que e possivel estabelecer alguma rela~ao entre esta tipologia e as modalidades de comunica¥ao que alimentam os diferentes tipos de representa~oes, desde que se considere que estas tipologias sao formas de categoriza~ao difusas, imprecisas e que nao devem ser objectivadas sob pena de perderem 0 seu caracter heuristico. No quadro da hip6tese que formulamos, as representa~oes sociais hegem6nicas alimentar-se-iam da comunica~ao de tipo propaga~ao. Esta modalidade de comunica¥ao caracteriza-se por vigiar a manuten~ao das representa~oes ja existentes, e integrar as novas representa¥oes num quadro de pensamento que nao afecte as primeiras. A sua fun~ao e regular a ortodoxia do grupo. 0 grau de coercividade das representa~oes hegem6nicas esta inscrito no seu pr6prio conteudo e por isso a comunica~ao de que se alimentam nao necessita de ser imperativa - basta-lhe fazer apelo a mem6ria do grupo, as suas normas, e reler 0 novo nessa evoca¥ao. Porem, quando a ortodoxia e claramente questionada, 0 sistema de comunica~ao a que se recorrera sera o da propaganda, hip6tese que importaria articular com a analise do funcionamento dos sistemas ortodoxos proposta por Deconchy (1984). No caso das representa~Oes sociais polemicas, elas constituem-se na conflitualidade intergrupal. Equando a representa~ao de urn grupo sobre urn objecto e percebida como uma amea~a para urn outro grupo, que as representa~oes poiemicas se organizam. A propaganda, como modalidade



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de comunica~ao, servini entao «fun~oes de regula~ao, organiza~ao, e mobiliza~ao do grupo» (Rouquette, 1984): atraves da primeira produz a afirma~ao da identidade do grupo, fundada na oposi~ao a urn outro grupo; pela segunda, as representa~oes do grupo sao reinvestidas de valor, vistas como verdades inquestiomiveis, sendo as representa~oes do outro grupo apresentadas de forma a serem vistas como representa~oes susceptiveis de por em causa a identidade do grupo e como falsas; a terceira prepara 0 grupo para a ac~ao, prescrevendo comportamentos e identificando os objectivos do grupo. Quanto as representa~oes sociais emancipadas, lembremos que elas sao construidas nas rela~oes cooperativas entre os grupos e caracterizam as representa~oes que nao questionam as diferencia~oes sociais. Supoem pontes entre os saberes dos grupos, e as diferen~as entre grupos a proposito da conceptualiza~ao de urn objecto sao consideradas possiveis, aceitaveis, enquanto nao questionarem as identidades grupais. A comunica~ao, no interior dos grupos e entre os grupos, que serve a constru~ao deste tipo de representa~oes, e a comunica~ao de difusao. A ambiguidade e a incerteza serao mais elevadas neste tipo de representa~oes, e a comunica~ao sobre elas pode, por isso, aceitar pontos de vista contraditorios. Concluindo, as representa~oes sociais hegemonic as estruturam-se a partir de val ores basicos considerados indiscutiveis como, por exemplo, 0 valor da vida, ou, hoje, a ideia de democracia representativa ou a ideologia liberal. A propaga~ao sera 0 sistema de comunica~ao que orientara a constru~ao de novas representa~oes neste quadro de pensamento coercivo, servindo a ortodoxia dominante de forma nao imperativa. Quando, em nome de urn valor basico, como 0 valor da vida, se estruturam posi~oes conflituais como as posi~oes pro ou antidespenaliza~ao do aborto, assistimos a

constru~ao de representa~oes polemicas anco_ radas em comunica~oes inte!grupais de tipo propaganda. As representa~oes emancipadas assentam nas experiencias pessoais e grupais diferenciadas, mas activamente partilhadas atrayes da comunica~ao de tipo difusao, assumindo urn caracter plural e sobretudo nao coercivo. Por exemplo, a historia do pensamento ocidental produziu uma ideia do que e uma crian~a, mas essa ideia e todos os dias questionada por pais, maes e professores, reflectindo 0 conceito de crian~a experiencias diferenciadas, mas tambem partilhadas (e.g., Monteiro e Castro, 1997). Assim, estudar as representa~oes a partir da sua ancoragem em sistemas de comunica~ao diferentes podera ajudar-nos, por urn lado, a identificar 0 seu caracter hegemonico, consensual ou poIemico, e permitira, por outro lado, associar a constru~ao das representa~oes a processos de comunica~ao diferenciados, a diferentes sistemas de regula~ao social e a diferentes tipos de rela~oes intra e intergrupais. Os dois tipos de analise do processo de ancoragem que apresentamos apenas consideram uma das dimensoes deste processo, aquele que se refere a constru~ao de uma representa~ao no quadro de urn sistema de pensamento ja constituido. A segunda perspectiva analftica sobre 0 processo de ancoragem, a instrumentaliza~ao social do objecto representado, sera discutida adiante, quando abordarrnos a diferencia~ ao social das representa~oes sociais (ponto 6), embora seja ja esse 0 problema que orienta a analise das fun~oes sociais das representa~oes sociais, que passamos a apresentar .

3. As fun«;oes das representa'.;oes sociais Falamos das representa~oes sociais como urn saber funcional ou teorias sociais praticas.

Eesta a questao de que agora nos vamos ocupar. De uma forma geral, pode dizer-se que as representa~oes sociais tern como fun~ao a atribui~ao de sentido ou a organiza~ao significante do real. Esta fun~ao pode ser decomposta de diferentes formas. Lembremos que Tajfel (1982) definiu as seguintes tres fun~6es sociais dos estereotipos: causalidade social ou explica~ao de acontecimentos sociais; justifica~ao dos comportamentos; e diferencia~ao social. Estas mesmas fun~oes podem, com propriedade, ser aplicadas as representa~6es sociais.

3.1 Representafoes sociais, explicafiio dos comportamentos e das relafoes sociais As teorias, hoje c1assicas, sobre a atribui~ao ou os processos de explica~ao na vida quotidiana sao apresentadas num capitulo especifico deste manual (Capitulo VII). Mas, no quadro dos problemas que estamos a analisar, cabe agora perguntar se, e em que medida, os processos de atribui~ao podem ser lidos a luz das representa~oes sociais. Desde muito cedo, vanos autores europeus procuraram conferir ao estudo da atribui~ao uma dimensao mais social (Deschamps, 1973), associando este fenomeno, nomeadamente, aos processos de categoriza~ao social e as rela~oes intergrupais, 0 que era facilitado por alguns dos primeiros estudos neste dorninio (Taylor e Jaggi, 1974; Duncan, 1976; Thibaut e Riecken, 1955; Deaux e Emswiller, 1974), que desde logo se afastaram de uma perspectiva estritamente cognitiva. Mais tarde, Jaspars e Hewstone (1984) viriam a referir as representa~Oes sociais no contexto de uma analise das dimensOes sociais da atribui~ao. Consideremos dois caminhos atraves dos quais podem ser estudadas as rela~oes entre a atribui~ao causal e as representa~oes sociais.

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Num primeiro, as atribui~oes sao vistas no quadro de meta-representa~oes sobre 0 homem. Num segundo, considera-se que as atribui~oes sobre urn comportamento ou fenomeno social de vern ser estudadas no quadro das representa~oes especfficas sobre 0 comportamento ou 0 fenomeno social em causa. Para i1ustrar 0 primeiro caminho, considere-se 0 chamado erro fundamental na atribui~ao. Segundo Ross (1977), os individuos, ao explicarem urn comportamento, cometem muitas vezes urn erro fundamental, isto e, privilegiam as causas intemas (disposi~oes, tra~os de personalidade, atributos pessoais, etc.) em detrimento das causas extemas ou de factores situacionais. Esta modalidade de explica~ao ocorre quer a nivel das explica~oes do comportamento proprio (e.g., Joule e Beauvois, 1977), quer do comportamento dos outros (e.g., Jones e Harris, 1967), embora seja mais provavel neste ultimo caso (Jones e Nisbett, 1972). Se bern que muitas excep~oes, que contrariam a regularidade deste principio organizador das explica~oes, tenham ja sido identificadas (e.g., Vala, Monteiro e Leyens, 1988), foi igualmente possivel verificar que sao social mente mais valorizados os individuos que preferem recorrer as explica~oes internas do que aqueles que escolhem as explica~oes extemas (Beauvois e Dubois, 1988; Dubois, 1994). Quer dizer, independentemente do facto de 0 chamado erro fundamental ser ou nao urn principio explicativo largamente utilizado, ele parece obedecer a uma norma social, a norma da intemalidade (Beauvois, 1984). Assim, e a valoriza~ao social das explica~oes intemas, mais do que a sua efectiva ocorrencia, que esta aqui em causa. Qual sera a origem desta norma de intemalidade? Em nosso entender, ela deve ser procurada numa teoria implfcita sobre a pessoa. Examinando a historia das ideias acerca da no~ao de pessoa, Sampson (1989) estabelece



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uma distin~ao entre uma concep~ao pre-modema do individuo, enquanto definido pelos seus papeis no interior da comunidade e pelas rela~oes entre esses papeis (a pessoa heteronoma), e uma concep~ao modema do individuo, enquanto independente e antecedente a comunidade (a pessoa autonoma). Esta ultima concep~ao sobre a pessoa, de raiz iluminista e liberal, atribui ao homem liberdade de escolha e faz dele urn ser autonomo, responsavel e independente dos constrangimentos que 0 cercam. Como propoe Moscovici (1982), e a luz desta concep~ao da pessoa que podem ser interpretados os resultados das pesquisas sobre 0 erro fundamental ou 0 caracter dominante das atribui~oes disposicionais. Mas ha outras teorias implfcitas acerca da pessoa que nao apenas as duas acima referidas. Consideremos uma terceira teoria, que veicula uma imagem do homem enquanto indiv{duo dominado. Nesta outra teoria, de inspira~ao nao liberal mas marxista, 0 individuo e considerado como usurpado da sua capacidade de autodetermina~ao, a qual podera reencontrar num novo modelo de sociedade atraves da ac~ao colectiva e da sua absor~ao no seio de uma comunidade de pessoas iguais e interdependentes. Partindo desta representa~ao da pessoa, os comportamentos individuais e os fenomenos sociais serao, sobretudo, associados a factores situacionais ou socioestruturais. Muito embora, pois, as explica~oes de orienta~ao disposicional ou intemas possam ser maioritarias e possam mesmo revestir 0 caracter de uma norma dominante, elas nao correspondem senao a urn dos tipos de representa~ao sobre a pessoa, conduzindo a partilha da representa~ao do individuo, enquanto ser dominado, a produ~ao de uma causalidade situacional e a partilha da representa~ao do individuo heteronomo, a produ~ao de uma causalidade de tipo fatalista, cujas expressoes mais correntes sao a sorte, 0 azar, Deus ou 0 destino. Qualquer

destas modalidades de explica~ao parece ob d e e. cer, contu d 0, a urn mesmo hpo de funcion I' dade - conferir aos individuos urn controlo ~ 1ilusao de controlo) sobre os acontecimentos ~u vida quotidiana. No quadro da representa~iio d a individuo enquanto autonomo, trata-se de u~ controlo directo; no caso das duas restantes representa~oes, a percepyao de controlo pode nao se verificar, ou pode assumir a forma de controlo indirecto ou secundario (Rothbaum e Weisz, 1982). A adopyao desta perspectiva de analise do discurso causal quotidiano, embora util na compreensao das explicayoes sobre os comporta_ mentos individuais, e particularmente adequada quando estao em causa fenomenos sociais. Numa pesquisa sobre opinioes e imagens dos jovens, foi possivel verificar (Vala, 1986) 0 recurso a dois tipos de modalidades de explica~ao da realidade portuguesa: uma, a que chamamos moralJpsicologica, representada pelo recurso a categorias como os bons/os maus, os honestos/os desonestos, etc.; e outra, a que chamamos socioeconomica, representada por categorias como os ricos/os pobres, os capitalistas/os proletarios, etc. Embora a primeira seja partilhada por urn maior numero de inquiridos do que a segunda (0 que esta de acordo com a saliencia da norma da intemalidade e das explica~oes disposicionais), ela e, significativamente, mais utilizada pelos individuos que se identificam com a direita, enquanto a segunda e mais utilizada pelos que se identificam com a esquerda. Sao dois modelos de explica~ao da sociedade que estao em causa e que sao, finalmente, paralelos da representa~ao da pessoa como autonoma e da representa~ao da pessoa enquanto ser dominado. Compreende-se, assim, que os individuos que se movem num quadro ideologico, que podemos apelidar de direita, e no contexto do qual se foi desenvolvendo a representa~ao da autonomia individual, recorram

sobretudo a explica~oes intemas, e que os individuoS ditos de esquerda utilizem uma grelha causal para 0 mesmo fenomeno de natureza socioestrutural. Resultados semelhantes foram obtidos, por exemplo, por Furham (1982) e pandey et af. (1982) em estudos sobre a pobreza. Ate agora procuramos ancorar os processos de atribui~ao no quadro de quase meta-representa~oes sobre 0 homem e a sociedade. Dito de outra forma, procuramos mostrar como, a partir de uma ideia do hom em (da sua entidade ontologica, comportamental, interacional...), o homem e conduzido a filtrar a produyao de urn conhecimento sobre si proprio (Deconchy, 1987, p. 153), sobre 0 seu comportamento e o que acontece na sociedade dos homens. Este e urn primeiro nivel de analise da forma como as representa~oes sociais podem ser convocadas na explicayao dos processos de atribui~ao. Mas, tambem noutro registo analftico, as representayoes sao funcionais neste mesmo processo. Entendendo as representa~oes sociais como teorias praticas sobre objectos sociais particulares, mostramos como, enquanto teorias, elas envolvem uma dimensao de explicayao e argumentayao. Ora, quando os individuos se questionam sobre fenomenos sociais como a pobreza, 0 desemprego, a saude, a violencia ou o insucesso escolar, accionam as teorias que colectivamente construiram sobre estes mesmos fenomenos, e e no quadro dessas teorias que procuram e estruturam as explica~oes. Numa obra sobre a articula~ao de niveis de analise e a atribuiyao causal, Hewstone (1989) procedeu a uma vasta revisao de literatura sobre as explica~oes de senso comum relativamente a uma serie de problemas sociais, entre os quais a pobreza e 0 desemprego. Sao bastantes os estudos realizados sobre as explicayoes produzidas relativamente a estes fenomenos sociais; mas, para la da diversidade dos metodos e das

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amostras, parece ser possive} conduir que, no caso do desemprego, existe urn predominio das explica~oes de tipo social sobre as explicayoes de tipo individual, enquanto 0 contrario parece ocorrer, pelo menos tendencialmente, no caso das explica~oes sobre a pobreza. Em nosso entender, estes resultados podem ser compreendidos como a manifesta~ao de representayoes sociais relativamente consensuais sobre estes dois fenomenos, embora organizadas em tomo de crenyas diferentes, e conduzindo, por isso, a explica~oes maioritarias de natureza tambem diferente. Esta hipotese poderia ser eventualmente confirmada, caso os estudos realizados nao se tivessem limitado a analisar modalidades de explica~oes, mas antes, feito ancorar as explica~oes estudadas no quadro da representa~ao sobre 0 desemprego e a pobreza, permitindo, assim, conduir sobre quais os factores responsaveis por explicayoes de natureza tao diferente para fenomenos sociais aparentemente tao proximos. Exemplo paradigmatico deste tipo de abordagem e 0 estudo de Herzlich (1969) sobre a representa~ao da saude e da doenya. Sao at analisadas as dimensoes da significayao dos conceitos de saude e de doen~a e as suas rela~oes. Ora, as categorias que permitem a apreensao da saude e da doen~a sao ja categorias explicativas: 0 intem% extemo, 0 sa% doente, o naturallo artificial, 0 individuo/a sociedade. A doenya e exogena, extema, associ ada ao nao natural e a sociedade. A saude e end6gena ao homem. As explicayoes da doenya e do individuo doente sao, consequentemente, extemas: e 0 modo de vida, a invasao do natural pela artificialidade urbana que criam a doenya. Outros exemplos desta mesma perspectiva sao-nos oferecidos por Kelly e Breinlinger (1996), nos seus estudos sobre a nao-participayao das mulheres na actividade sindical; e por Camino et af. (1997), em estudos sobre 0 comportamento polftico.



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Propoe-se, assim, uma analise da causalidade no senso comum, nao so por referencia a meta-representa~oes sobre 0 homem e a sociedade, mas tam bern por referencia a representa~oes especificamente construidas sobre 0 objecto relativamente ao qual 0 discurso causal e produzido.

3.2 Representafoes sociais e comportamentos Na obra apaixonante de Jodelet (1 989b) sobre a constru~ao da representa~ao da doen~a mental numa comunidade onde, desde h3. dezenas de anos, os doentes mentais vivem com as familias de uma aldeia, a autora pade observar dois comportamentos diferenciados face a dois tipos de sujidade: a urina e as fezes, por urn lado; e a saliva e a transpira~ao, por outro. De facto, as maes de familia ocupam-se da roupa dos doentes mentais que sofrem de enurese e encoprese como de qualquer outra roupa. Contudo, todos os objectos que podem ter sido tocados pela saliva do doente mental sao separados e lavados a parte. Cada familia dispoe mesmo de urn talher e de urn prato que sao do doente e de mais ninguem: Ele acabou de beber agua e depois quis dar de beber a pequena pelo mesmo copo (... ). Poi preciso que eu me zangasse para 0 impedir de fazer isso. A doen~a nao e contagiosa, mas ha quem de beijos a uma crian~a com grande facilidade e isso eu nao posso permitir. Sempre fiz assim, lavo a lou~a deles a parte. Quando a tarde estao a trabalhar e vern beber, tenho os cop os deles. Nao bebem nos mesmos copos que nos (Jodelet, I 989b, p.326).

A compreensao daquelas duas modalidades de resposta toma-se possivel no quadro de anti-

gas concep~oes sobre 0 corpo e sobre as s . (I' d eere_ foes vIvas a sa Iva, nomea amente) e as exere_ foes mortas (urina e fezes). Estas ultimas _ . . d I . Sao rejelta as pe 0 corpo depots de terem sid assimilados os seus principios activos. E 0 quanta as primeiras podem ser pemiciosas nsegundas sao inocuas ou tem mesmo p' roas priedades curativas. Estariamos aqui em presen~a de um born exemplo de como uma representa~ao sobre 0 corpo que os entrevistados nao sao capazes de verbalizar, 0 que indicia tratar-se de uma representa~ao nao consciente, orienta os seus comportamentos. Como mostraram Nisbett e Wilson (1977), nao somos, muitas vezes, bons relatores dos nossos comportamentos e das suas causas. Contudo, nos estudos experimentais sobre a rela~ao entre representa~oes e comportamentos realizados nos inicios dos anos 70 (e.g., Codol, 1972; Abric, 1987), estao em causa representa~oes que os proprios sujeitos controlam e na base das quais seleccionam as respostas que julgam mais adequadas. De forma control ada ou automatic a, e consciente ou nao consciente, urn grande numero dos nossos comportamentos corresponde as nossas representa~oes. Avancemos urn pouco mais na discussao deste problema. Comecemos por uma distin~ao analftica, proposta por Nuttin (1972), entre comportamentos situacionais. em que 0 papel das media~6es cognitivo-avaliativas e minimo e 0 papel dos factores situacionais se encontra maximizado; e comportamentos representacionais, determinados, no minimo, pela situa~ao concreta na qual ocorrem e, no maximo, por factores pre-situacionais, que relevam do nivel das atitudes e das representa~oes. Quando se fala da funcionalidade das representa~oes enquanto orientadoras dos comportamentos, estamos a referir-nos aoS comportamentos representacionais . Especi-

ficamente, referimo-nos ao nivel de analise da ac~ao que poe em evidencia 0 facto de as repre-

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3.3. Representafoes sociais e dijerenciafiio social

senta~oes:

_ inc1uirem modos desejaveis de ac~ao; _ proporcionarem a constitui~ao do significado do objecto estimulo e da situa~ao no seu conjunto; _ permitirem dar sentido e justificar os comportamentos. No quadro destes parametros, tem-se acentuado, sobretudo, que as representa~oes sociais constituem uma orienta~ao para a ac~ao na medida em que modelam e constituem os elementos do contexto em que urn comportamento ocorre (Moscovici, 1976). Ou seja, a ac~ao envolve urn sistema representacional, uma rede de representa~oes que ligam 0 objecto e 0 seu contexto. Algumas das experiencias de Codol (1972), sobre as rela~oes entre representa~oes e comportamentos, incidem exactamente sobre 0 papel da representa~ao da tarefa, do outro e do grupo, enquanto elementos da situa~ao, e das interdependencias entre estas representa~oes, na organiza~ao dos comportamentos. Neste primeiro nivel, a relayao entre as representa~oes e a ac~ao supoe a concep~ao do sujeito como actor. Ora, em certas situa~oes, a ac~ao e menos 0 resultado de urn projecto do que de factores extemos e pressoes situacionais. Nestes casos, enquanto analista e nao enquanto actor (Beauvois e Joule, 1981), 0 sujeito faz corresponder, a posteriori, a ac~ao uma representa~ao que the permite dar sentido ao comportamento observado. As experiencias sobre a dissonancia cognitiva (veja-se 0 capitulo sobre as atitudes) podem constituir urn born exemplo de como, atraves de uma actividade cognitiva pos-comportamental, os sujeitos atribuem uma base atitudinal ao seu comportamento, quando na verdade, em tais situa~oes. nao e esse 0 caso.

Como se tern assinalado. de diversas formas, se a especificidade da situa~ao de cada grupo social contribui para a especificidade das suas representa~oes, a especificidade das representa~oes contribui, por sua vez, para a diferencia~ao dos grupos sociais (Moscovici, 1961). Este posicionamento situa as representa~oes sociais no contexto dos fenomenos de diferencia~ao social e identidade social, como adiante desenvolveremos (ver os capitulos sobre a identidade social e as rela~oes intergrupais). Comecemos por salientar como as rela~oes intergrupais modelam as representa~oes. Socorrendo-se de estudos dos anos 50 e 60, Doise (1973) il ustrou como a dinamica das rela~oes entre grupos conduz a modifica~oes adaptativas nas representa~oes e a atribui~ao ao outro grupo de caracterfsticas que permitem 0 desencadeamento de comportamentos discriminatorios, ao mesmo tempo que justificam esses comportamentos. Por exemplo, se os alunos brancos subestimam os resultados escolares dos negros e os policias brancos sobrestimam a criminalidade negra, tais opinioes justificam comportamentos de segrega~ao. Mas, por outro lado, as representa~oes imprimem direc~ao as rela~oes intergrupais: previamente a interac~ao, cada grupo dispoe ja de urn sistema de representa~oes que the permite antecipar os comport amentos do outro e programar a sua propria estrategia de ac~ao.

3.4. Representafoes sociais e comunicafiio Urn sistema de categoriza~ao e de interpreta~ao comuns, e uma linguagem partilhada, sao



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condiyoes para que a comunicayao se possa processar. As representayoes sociais sao, assim, o suporte basico dos actos comunicativos (e.g., Rime, 1984). Eo que fazemos quando comunicamos? Descrevemos, avaliamos, explicamos. Mas 0 que caracteriza 0 modo de funcionamento de uma representayao social e a transformayao da avaliayao em descriyao e da descriyao em explicayao (Moscovici e Hewstone, 1984). Situando a funyao das representayoes sociais nas actividades comunicativas, descobrimos a sua centralidade na orientayao das actividades avaliativas e explicativas. Sera ainda importante fazer, a este prop6sito, uma outra observayao: os actos de comunicayao nao sao sempre, ou nao sao s6, actos de partilha de consensos; sao, muitas vezes, actos de debate, de discussao e argumentayao no interior dos grupos ou entre grupos. Imaginem-se dois membros de grupos sociais diferentes com diferentes posiyoes face Ii justiya; ou dois membros de urn mesmo grupo social conversando sobre a justiya e a paz: em qualquer dos dois casos, assistir-se-a ao desenrolar de uma argumentayao que envolve a negayao dos pontos de vista do outro e a gestao de dilemas decorrentes de pontos de vista antag6nicos sobre urn mesmo objecto ou da tensao entre representayoes - por exemplo, justiya e paz (Billig, 1988). Comunicar argumentando e activar e discutir representayoes. Mas a pr6pria orientayao da argumentayao sera model ada pelos sistemas de comunicayao descritos atras. Os problemas levantados por esta nova questao sao uma nova forma de situar a genese das representayoes nos diferentes contextos de comunicayao (Doise, 1993b); mas sao, igualmente, uma maneira de situar 0 papel da argumentayao (Billig et al., 1988) e da linguagem (Rommetveit, 1984) na dinamica das representayoes.

4. A teo ria do nucleo central das representa~oes sociais A orientayao que ate agora demos Ii apresen_ tayao do conceito de representayao Social fo 1,' sobretudo, estruturada pelas questoes colocadaS por Moscovici e lodelet. Importa, Contudo situar a especificidade da linha de pesquis~ aberta por Abric e Flament (e.g., Abric, 1987 1994; Flament, 1982, 1994; Guimelli, 1989: Moliner, 1994; Sa, 1996). ' o que e urn grupo ideal? As respostas dos sujeitos inquiridos por Moliner (1989), na sequencia de trabalhos de Flament (1982), mostram que 0 grupo ideal e associ ado a igualdade ou ausencia de hierarquia, bern como a convergencia de opinioes. Mas, podera 0 grupo ideal ter uma hierarquia? Podera haver divergencia de opinioes num grupo ideal? A resposta Ii primeira pergunta e niio, e Ii segunda e sim. Se quantitativamente os dois elementos da representayao do grupo tern urn peso equivalente, eles diferem quanta Ii sua posiyao na estrutura da representayao: a ausencia de hierarquia e urn elemento do nucleo central da representayao de grupo ideal, enquanto que a convergencia de opini6es e urn elemento peri/erico. Segundo Abric (1994), as representayoes sociais ineluem dois sistemas de significados: 0 sistema central e 0 sistema periferico. 0 sistema central, ou nueleo central, e rigido, coerente e estavel, e consensual, define a homogeneidade do grupo e esta ligado Ii sua hist6ria colectiva. Eao sistema central que cabe determinar a organizayao da representayao e gerar a significayao dos elementos da representayao. Por sua vez, os elementos perifericos sao mais flexiveis, mudam, sao sensiveis ao contexto, integram as experiencias individuais e e neles que se manifesta a heterogeneidade do grupo. As suas funyoes sao a adaptayao contextual da representayao e a protecyao do mleleo central. As repre-

sentayoes sociais podem, desta forma, ineluir divergencias individuais, ao mesmo tempo que se encontram organizadas em torno de urn n6 central colectivamente partilhado. Uma das linhas de investigayao, desenvolvidas pelos autores referidos, tern consistido na descriyao dos principios estruturais das representayoes, com recurso Ii analise experimental (e.g., Moliner, 1994) e atraves do desenvolvimento de tecnicas de analise multivariada especificas (ver Pereira, 1997). De par com tecnicas de analise de dados complexas, tecnicas simples de identificayao do nueleo central e dos elementos perifericos de uma representayao foram propostas por Moliner (1994) e Verges (1992). Urn exemplo de apJicayao destas tecnicas e-nos oferecido por Sa et al. (1996) num estudo sobre a representa~ao social da ciencia. Urn outro estudo deste mesmo autor e apresentado na Caixa da p. seguinte. Este ultimo estudo tern a vanta gem de colocar urn outro problema: a analise da transformayao das representayoes sociais. A pesquisa mostra que as praticas sociais sao geralmente coerentes com as representayoes sociais. Quando se regista uma contradiyao entre a representayao e as praticas, estas dao origem a novos elementos perifericos, continuando protegido 0 nueleo central da representayao. Mas quando praticas contradit6rias ocorrem em situayoes irreversiveis, pode verificar-se uma transformayao do nueleo central da representayao (Abric, 1994, Flament, 1987).

5. A ascendencia das representa~oes sociais Como mostram Vala, Lima e Caetano (1996) com base numa analise de trezentas comunicayoes apresentadas no Congresso trianual da

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Associayao Europeia de Psicologia Social Experimental, realizado em Lisboa em 1993, 0 conceito de representayao social e hoje urn conceito central em Psicologia Social. Se hoje se fala numa psicologia social europeia (ver Capitulo ill), isso em muito se deve ao estudo das representayoes sociais. A perspectiva psicossociol6gica que anima este conceito nao e, porem, nova: as suas rafzes confundem-se com as rafzes da sociologia e da psicologia. De forma breve. e com a arbitrariedade suficiente, apresentamos a seguir alguns dos ascendentes do conceito de representa~ao social.

5.J. Durkheim e 0 conceito de representafiio colectiva Em 1898, Durkheim publicava urn artigo sobre as representayoes colectivas e individuais, retomando e sistematizando ideias que ja formulara no Suicfdio (1897-1977) e nas Regras do Metodo Socio16gico (1895-1984). Nestes textos de Durkheim uma das preocupayoes centrais consiste em justificar a especificidade e a autonomia dos fen6menos sociol6gicos. Esta preocupayao, que hoje nao constitui problema, era, a epoca, objecto de grande empenhamento intelectual. Nessa altura, a sociologia era uma disciplina minoritaria e em construyao. As critic as de Durkheim a Tarde sao urn born exemplo da efervescencia do combate intelectual em torno dos primados do psicol6gico e do sociol6gico. Para Durkheim (1897-1977), a vida social e «essencialmente formada de representayoes» (p. 366), de representa90es colectivas que, apesar de comparaveis as individuais, sao radicalmente distintas e exteriores a elas (Durkheim, 1898, p. 274). Embora com toda a prudencia, a leitura das obras referidas leva-nos a dizer que, para Durkheim, as representayoes colectivas sao produyoes sociais que se impoem aos individuos



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TRANSFORMA<;OES NA REPRESENTA<;AO SOCIAL DA ECONOMIA BRASILElRA Num estudo sobre a representa~iio da economia, junto de estudantes de Psicologia e Engenharia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, realizado em 1993 (antes do Plano Real) e em 1996 (ap6s 0 Plano Real) uma das perguntas abertas colocadas era seguinte: «Quem, no seu en tender, exerce ou tern urn papel importante n~ economia?». As respostas foram organizadas, para cada ano, segundo a frequ8ncia de evoca~ao e segundo a ordem de evoca~ao. Os actores referidos no quadrante superior esquerdo dos quadros a seguir apresentados constituem 0 m1cleo central da representa~ao da economia. Os actores situados no quadrante inferior direito representam evoca~oes menos frequentes e menos imediatas. Estes actores sao elementos perifericos na representa~ao. 0 papel representado pelos actores situados nos restantes quadrantes e menos nftido. Alguns deles constituem ou podem vir a constituir elementos centrais da representa~ao. Amostra 1993 Ordem media de eVDCBcao Inferior II 1.85 Frequ!ncilt

Superiora 2,84

inferior 0 2,B4

Superior a 2,85

S6

Governo

20

Popul~

Produ\'io

36

EmplCSiries

17

Anriculrura

IS

Popul~

29

Estldo

13

Consumldor

28

Ind~.1ria

22

CoI1ll!n:Io

S4

GoYCfllO

22

DiSirib. reoda

47

Empreslirios

IS

32

Esla
27

Prcsidente

Prcquencia ftClmade 13

BCimadc 12

Prequencia

Amostra 1996 Ordem media de evocacilo

20

Inn"flo

19

Indtlstria

22

Polflico.s

19

Ministm Economla

21

Emprosas

18

Tr>b:Ilhadorcs

20

Pre.sidenlc

20

Polllica

16

Emprcsas

14

C~cio

12

PoIldeos

II

Povo

9

BoneD

II

Impostos

dc6 a 12

FtequEnc:ia de 6 al3

IS

Produ~1o

IS

Modi.

14

Banquciroa

13

MullJDaCionais

9

Bmu:os

II

Men:ado

9

Impastos BduclI~1o

9

Empresnriado

9

Invcsdtnento

II

ConsurnidCK'eS

9

8

Multinacionall

8

PMI

10

Ministro &onamia

8

In~e

7

Mlnistros

8

AerJeulrura

9

DiSlrib. ronda

7

Investimcnto

7

Ministl!rio &onomia

7

Banquciros

8

D1nbeiro

6

Sociedade

801.. de valo<es

Pader aquisitivo

6

PoilU..

7

6

Mlo-de-obra

6

Os resultados obtidos em 1993 e 1996 nao sao muito diferentes, apesar das transforma~oes radicais entretanto ocorridas. Mas algumas diferen~as podem ser salientadas. Desde logo, a lnflaryao que, de elemento central, passa a periferico, enquanto que, com os Banqueiros, ocorre 0 inverso. Em 1996, nota-se uma maior valoriza~iio dos Polfticos e da Pol(tica; e e nesse ano que e referida uma interfer8ncia dos Meios de Comunicarylio Social na economia, que anteriormente nao era assinalada. Finalmente, Educarylio, Sociedade e Poder aquisitivo entram, timidamente, no novo cenario representacional de 1996. Texto elaborado por Celso de Sd, a partir das pesquisas de Sd et al. (1997) sobre a representarylio social da economia brasileira.

como for~as exteriores, servem a coesao social e constituem fen6menos tao diversos como a religiao, a ciencia, os mitos e 0 senso comum. Ora, este conceito de Durkheim, longamente esquecido pela Sociologia, constituiu 0 ponto de partida para uma abordagem psicossociol6gica do pensamento social. 0 desenvolvimento deste objectivo conduziu, contudo, a reformula~oes considenlveis daquele conceito. Aceite a ideia de que as representa~oes colectivas se geram na interac~ao social, a abordagem psicossocio16gica importa mostrar atraves de que processos (cognitivos e sociais), e atraves de que modalidades de articula~ao entre processos, tais representa~oes se constituem. Em segundo lugar, no estudo das representa~oes enquanto objecto da Psicologia Social, a autonomiza~ao das representa~oes colectivas relativamente as individuais nao constitui urn problema; o problema a estudar e outro: como se transformam as representa~oes individuais em colectivas e as representa~oes colectivas em individuais (Moscovici, 1984b). No quadro desta dinamica de articula~ao, os processos comunicacionais ocupam urn lugar central e as representa~oes colectivas perdem 0 seu caracter de exterioridade face aos indivfduos. Por outro lado, 0 problema da coesao e da integra~ao social nao e, para a Psicologia Social, neste contexto, urn problema base. De facto, as representa~oes de que se ocupa maioritariamente esta disciplina nao sao entendidas como indiscutfveis mas como objecto de controversia e de conflito na comunica~ao quotidiana. E, pois, no quadro do conflito e da dissen~ao que se podera compreender como as representa~oes «se aproximam e se excluem, se fundem umas nas outras

ou se distinguem», problema que ja Durkheim (1895-1984, p. 19) definia como importante. Finalmente, no contexto da sociedade de hoje e das suas particularidades, a compreensao do fen6meno das representa~oes colectivas aconselha restri~oes no ambito do conceito. Trata-se de reconhecer a especificidade de diferentes modalidades de conhecimento, como 0 cientffico, 0 religioso, 0 magico, 0 ideol6gico, reservando-se a utiliza~ao do conceito de representa~ao co1ectiva para referir 0 conhecimento produzido e accionado na comunica~ao quotidiana e que se poderia designar por senso comum 5. Mas esta restri~ao do ambito do conceito abre a formula~ao de urn novo problema - como se transforma uma modalidade de conhecimento numa outra -, problema que apenas se encontra esbo~ado no que toca a transforma~ao do conhecimento cientffico em senso comum (Moscovici e Hewstone, 1984). o abandono da designa~ao «representa~ao colectiva» e a sua substitui~ao pela designa~ao «representa~ao social» pretende servir 0 enunciado das problematicas referidas. Como refere Moscovici: «0 nosso prop6sito e compreender a inova~ao mais do que a tradi~ao, a vida social em constru~ao mais do que a vida social preestabelecida» (1988, p. 219).

5.2. Representafoes sociais e sociologia

do conhecimento quotidiano A pro posta de Durkheim no senti do do estudo das representa~oes, tal como 0 fez para 0 caso da religiao (Durkheim, 1912-1979), foi longamente esquecida 6. Provavelmente, is so dever-se-a ao

5 Varias vezes, ao longo do capitulo, se utiliza a expressao senso COli/lim. Dados os multiplos significados atribuidos na literatura a esta expressao, remete-se 0 leitor para urn texto de Fletcher (1984). 6 A importancia do simb61ico na obra de Durkheim e analisada num interessante texto de Deutcher (1984) sobre as cpnfiuencias entre aquele autor e 0 interaccionismo simb6lico.



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peso que assumiu progressivamente 0 conceito de ideologia no conjunto das ciencias sociais. Mas devera sublinhar-se que foi tambem a emergencia do conceito de ideologia e a sua teoriza~ao que permitiram a associa~ao entre as condi~oes sociais de existencia e a dinamica da produ~ao intelectual, ideol6gica e institucional: «Nao e a consciencia do homem que determina a sua existencia, pelo contrario, e a sua existencia social que determina a sua consciencia» (Marx, 1859- 1973, p. 28). Este pressuposto de Marx, alargado e reformulado, viria a marcar longamente a sociologia do conhecimento, disciplina cujo objecto «consiste em explorar a dependencia funcional de cada posi~ao intelectual da realidade diferenciada do grupo social que the esta subjacente, e que se coloca a tarefa de tra~ar a evolu~ao das varias posi~oes» (Mannheim, 1925-1967, p. 80). E e tambem urn pressuposto importante na analise das representa~oes sociais enquanto «principios geradores de tomadas de posi~ao ligadas a inser~oes especfficas no conjunto das rela~oes sociais» (Doise, 1990). Contudo, uma analise do conhecimento na vida quotidiana nao se esgota no estabelecimento de rela~oes, mais ou menos deterministas, entre esse conhecimento e as inser~oes socioestruturais. Hip6teses para uma formula~ao mais ampla do problema sao formuladas por Gurvitch (1966) e, particularmente, por Merton, para quem 0 projecto de uma sociologia do conhecimento e indissocilivel da compreensao dos mecanismos sociopsicol6gicos que subjazem a produyao do conhecimento: «Estudar as varia~oes (do pensamento) em publicos concretos, explorar os seus criterios distintos de conhecimento valido e significativo, relacionando-os com a sua posi~ao no contexto social, e examinar os process os sociopsicol6gicos de obten~ao de determinados modos de pensar constituem 0 percurso que fara a pesquisa em sociologia do conhecimento passar do plano da imputa~ao geral

ao de analises empfricas verificaveis» (Merto 1945-1967, p. 118). Ora, como exemplo de um ~ trajecto, Merton aponta a obra de Mead (1934-1963), marco na constituitrao da perspec_ tiva hermeneutica nas ciencias sociais, no quadro da qual a realidade age atraves da interpreta~ao que dela produzem os actores sociais. A redescoberta da obra de Mead permitiu, de facto, novos avan~os na sociologia do cOnheci_ mento de que sao expressao, entre outros, Berger e Luckman (1966/1973). Segundo estes autores a realidade e socialmente construida e a sociol~ gia do conhecimento deve analisar nao so os processos atraves dos quais ocorre a constru~iio da realidade social, como tambem os processos atraves dos quais 0 conhecimento se objectiva, institucionaliza e legitima. Podemos dizer que 0 conceito de representa'rao social serve, exactamente, estes propositos, articulando dinamicamente instiiocias sociol6gicas e psico16gicas. Na primeira edi~ao da Imagem da Psicandlise. Moscovici nao poderia, como e evidente, referir-se a uma obra, a de Berger e Luckman, que apareceria cinco anos depois, mas fa-Io na edi~ao de 1976. Elejabarrieta (1990) sintetiza bastante bern os aspectos em que se entrecruzam as obras de Moscovici, de Berger e Luckman: a) 0 caracter generativo e construtivo do conhecimento quotidiano; b) a natureza social do conhecimento enquanto constru~ao, 0 que passa por uma analise dos actos de comunica'rao e da interac'rao entre individuos, grupos e institui~oes; c) a importancia da linguagem e da comunica~ao como mecanismos atraves dos quais se transmite, cria e objectiva a realidade.

5.3. De Wundt e McDougall aarticuiafao psicossociai Se atendermos a historia da psicologia Social de Allport (1954), encontramos 0 conceito de

representa'rao colectiva de Durkheim e a psicologia dos povos de Wundt agrupados num rnesmo capitulo dedicado ao «espirito do grupo». problema enunciado numa obra com 0 rnesmo titulo por McDougall. McDougall e-nos familiar atraves da sua Introdu~iio a Psicologia Social (1908), obra de inspira~ao darwinista, mas e pouco conhecido 0 seu trabalho sobre 0 «espirito do grupo» (1920), conceito com base no qual analisa problemas como a moral, 0 nacionalismo e 0 caracter nacional. Este conceito designa a ideia segundo a qual a interac~ao entre os indivfduos produz formas de pensamento e ac~ao diferentes daquelas que se obteriam se produzidas por individuos isolados. Esta hipotese, que orientou estudos mais recentes sobre a orienta~iio para 0 risco e a polariza~iio (ver capitulo sobre os processos intragrupais), pressupoe 0 reconhecimento de urn myel analftico que a Psicologia Social ignoraria durante muito tempo e que cedo foi combatido por F. Allport: «A nacionalidade, a ma~onaria, 0 catolicismo, etc., nao sao espiritos colectivos. sao conjuntos de ideias, pensamentos e habitos repetidos no espirito de cada individuo e que existem apenas nestes espiritos» (citado por G. Allport, 1954). Nao foi, assim, sem razao que Durkheim repetiu, longamente, argumentos em favor de outro tipo de representa~oes que nao apenas as representa~oes individuais, argumentos que a redu~ao psicologizante da Psicologia Social ignorou, apesar de bastante cedo a mesma ideia ter sido formulada no seu proprio interior (McDougall, 1920; Fouillee, 1908; Thomas e Thomas, 1928). Independentemente da discus sao em tomo do estatuto epistemologico do conceito de group mind, 0 que importa aqui reter e a possibilidade de se considerar urn myel analitico das representa~oes que nao se esgota na actividade cognitiva individual. Por outro lado, assim como, habitualmente, nao associamos 0 conceito de group mind a

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McDougall, tambem nao associamos Wundt a Psicologia Social. Na nossa memoria, Wundt e apenas 0 fundador do primeiro laborat6rio de psicologia experimental em Leipzig e nao 0 autor da Volkerpsychologie (psicologia dos povos ou psicologia social). Wundt, urn contemporaneo de Durkheim, que 0 visitou em Leipzig, entendia que a psicologia tinha dois grandes dorninios - a psicologia fisiol6gica e a psicologia social e, a esta ultima, dedicou os ultimos anos da sua vida. 0 objecto da psicologia social ou dos povos seria 0 estudo da origem do pensamento social nas suas multiplas manifesta~oes, problema de que a psicologia fisiologica nao poderia dar conta devido a natureza colectiva do pensamento social e a sua liga~ao a linguagem e as institui~oes sociais. o que surpreende em McDougall e Wundt e o facto de ambos dividirem claramente a sua obra em objectos psicologicos e psicossocio16gicos que consideram dissociados. Se em Durkheim as representa~oes colectivas constituem urn sinal da irredutibilidade do social ao individual, para McDougall e Wundt 0 pensamento colectivo constitui 0 fundamento para uma psicologia social, aut6noma da psicologia. Seria necessario esperar mais uma dec ada para que os primeiros ensaios de articula~ao psicossociol6gica emergissem: Bartlett (1932) e os seus estudos sobre a mem6ria, que relacionam estruturas cognitivas e quadros sociais; Piaget (1932), que liga as estruturas de desenvolvimento intelectual e as concep~oes dominantes do born e do mau, na sua obra sobre 0 Ju(zo Moral na Crian~a; Mead (1934/1963), que articula simbolos, representa~oes e interac~Oes comunicativas. E, tambem, nesta tradi~ao de analise do pensamento social no interior da psicologia, que procede primeiro por distin~ao de niveis analfticos, e depois por articula~ao, que se inscreve 0 conceito de representatrao social.

490

5.4. 0 New Look e a percepfoo social Bruner (1951, 1957) e nonnalmente apontado como 0 pai do New Look no estudo da percep~ao. Segundo este autor, a percep~ao deve ser entendida como 0 resultado da ac~ao de dois tipos de factores - Jactores autoctones. relativos as caracteristicas do estfmulo e a estrutura da informa~ao; e Jactores comportamentais. rei ativos aos aspectos motivacionais, emocionais e sociais do indivfduo. Contrariamente as orienta~oes precedentes no estudo da percep~ao, 0 New Look acentuani a relevancia da amilise do segundo tipo de factores, salientando a dimensao social do sujeito cognoscente e conferindo aten~ao nao so aos processos mas tarn bern aos conteudos cognitivos. Por outro lado, para Bruner (1957) a categorizac;ao constitui urn dos processos atraves dos quais se manifesta a actividade estruturante do sujeito na percep~ao. Quando urn organismo e estimulado por urn objecto exterior, reage associando-o a uma categoria de estfmulos, ao mesmo tempo que Ihe atribui as caracteristicas da categoria na qual 0 inclui. Para Allport e Postman (1945-1965), os processos de reduc;ao e assimilac;ao constituem, tambem, uma expressao da actividade do sujeito na percepc;ao. A abordagem da percepc;ao pel0 New Look representa, desta fonna, uma primeira analise sistematizada do papel dos sujeitos e das variaveis intra-individuais e sociais na reconstruc;ao dos objectos, mas no quadro de urn paradigma que e ainda de tipo S-O-R, ou seja, que considera a existencia de uma realidade objectiva e independente da actividade cognitiva dos indivfduos. o corte corn 0 paradigma do New Look, e a sua progressiva substitui~ao por modelos de tipo O-S-O-R, far-se-a num duplo contexto: no infcio da decada de 60, nos Estados Unidos, corn a obra de Jones e Davis (1965) sobre a atribuic;ao e a inferencia, que marca 0 infcio da cogni~iio

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social; e na mesma decada, na Europa, com a obra de Moscovici (1961) sobre as represen_ tac;oes sociais, obra que marca a abertura do paradigma da sociedade pensante. Curios a_ mente, urn e outro destes dois nov os movimen_ tos podem apresentar como raiz comum as investigac;oes de Heider (1944, 1958) sobre a psic%gia ingenua.

5.5. Heider e Ichheiser Relativamente ao New Look, a obra de Heider difere fortemente no tocante a concep~ao dos indivfduos enquanto produtores de conhecimento. Naquele movimento, 0 sujeito cognoscente produz urn conhecimento quente, distorcido e cuja logica nao Ihe e transparente. Em Heider (1944, 1958), 0 homem comum constroi uma teoria psicologica, largamente inferencial e explicativa e que, independentemente da sua correcc;ao, deve ser entendida como urn elemento importante na detennina~ao do seu comportamento e das rela~oes interpessoais. Segundo Heider, a psicologia cientffica deveria, alias, aprender corn a psicologia do senso comum. Mas a produc;ao desta «psicologia ingenua» faz-se, para este autor, no quadro das relac;oes interindividuais, sem que os quadros sociais ern que tais rela~oes ocorrem sejam tornados em considerac;ao. Para Heider, a psicologia ingenua decorre sobretudo de mecanismos motivacionais - a necessidade de 0 homem crer na sua capacidade para dominar 0 meio e a necessidade de tomar 0 meio coerente e estavel. Ichheiser (e.g., Rudminetal et aJ., 1987), urn colega de Heider ern Oraz e, tal como ele, posteriormente emigrante nos Estados Unidos, propoe outras bases para 0 entendimento da psicologia no senso comum: ela releva de processos de interpretac;ao social mente regulados e a sua compreensao imp6e que se ultrapasse 0

nfvel dos processos cognitivos e motivacionais intra-individuais. Comparemos as reflexoes de Ichheiser (1949) e Heider (1958) sobre a saliencia dos factores disposicionais nas explicac;oes causais quotidianas. Para Heider (1958), a conclusao de que urn comportamento se deve a causas intemas ou disposicionais e, no senso comum, 0 resultado da explorac;ao activa de hipoteses de associa~ao progressivamente mais fortes entre a ac~ao e 0 actor, no tenno da qual se toma patente a intencionalidade do actor e a ausencia de pressoes situacionais. Ern Ichheiser, a atribuic;ao de causas internas, e, sobretudo, a sua pre valencia sobre os factores situacionais mais tarde confirmada experimental mente (Ross, 1977), e uma consequencia de uma matriz de pensarnento liberal, segundo a qual e 0 que somos enquanto indivfduos, e nao os factores sociais, que explica os nossos comportarnentos. Da mesma forma, para Ichheiser, a atribui~ao do sucesso a aptidoes individuais deve ser compreendida no quadro de urn discurso social que visa justificar as desigualdades sociais. A procura da logica do raciocfnio causal no senso comum, Ichheiser contrapoe a funcionalidade do pensamento desse senso comum na justifica~ao da ordem social. A teoria das representa~oes sociais retoma de Heider a ideia de que os indivfduos pensam, e de Ichheiser a ideia de que 0 pensamento dos indivfduos deve ser compreendido num contexto que e social e no quadro de uma funcionalidade que e tambem social.

toma pertinente a obra de Vygotsky para a psicologia das representac;oes sociais? A ideia de que os processos cognitivos nao sao processos exclusivamente individuais, de que a genese do pensamento se encontra na interacc;ao social e de que 0 pensamento e uma forma de interac~ao social. A proposito do desenvolvimento infantil, escreve este autor: «Todas as fun~oes do des envolvimento da crianc;a aparecem duas vezes: primeiro, no nfvel social, e, depois, no nfvel individual; primeiro entre pessoas (interpsico/ogica) e, depois, no interior da crianc;a (intrapsico16gica). Isso aplica-se, igualmente, para a atenc;ao voluntana, para a memoria logica e para fonna~ao de conceitos. Todas as fun~oes superiores se originam nas rela~oes reais entre indivfduos humanos» (Vygotsky, 1991, p. 64). De par corn a sua teoria da internaliza~ao, da qual extrafmos a citac;ao anterior, uma outra contribuic;ao de Vygotsky deve ser sublinhada: 0 seu entendimento sobre 0 metoda experimental. Contrariamente a Wundt, para quem os processos psicologicos superiores, como a linguagem e o pensamento, nao podiam ser estudados experimentalmente, aquele autor estudou estes mesmos processo de forma experimental. Lembrando que os modelos experimentais classicos sao desenhados por forma a verificar ern que condic;oes ocorre urn certo desempenho, Vygotsky propoe tecnicas experimentais que permitam estudar «0 curso do desenvolvimento de urn processo» ou «substituir a analise do objecto pela analise do processo» (1991, p. 71), proposta que sera util no estudo experimental da sociogenese das representa~oes sociais.

5.6. A contribuifOO de Vygotsky Na linha de Ichheiser, Vygotsky, psicologo russo falecido em 1934, e desconhecido pela psicologia ocidental ate aos anos oitenta, deve ser tambem evocado como urn dos precursores da psicol0gia das representac;oes sociais. 0 que

6. A construc;ao social das representac;oes sociais Quando falamos da ancoragem e quando nos referimos a fun~ao das representa~oes na dife-



492 rencia~lio

dos grupos sociais, enunClamos as bases para a analise do processo de constru~ao social das representa~oes sociais numa perspectiva psicossociologica. E esta a questlio que vamos retomar.

6.1. As pressoes para a hegemonia A perspectiva teorica que orienta a conceptuadas representa~oes sociais sublinha 0 papel activo dos actores sociais na sua produ~ao. Mas esta orienta~lio nlio pode fazer esquecer a rela~ao entre as representa~oes sociais e as configura~oes culturais dominantes, por urn lado, e a dinamica social no seu conjunto, por outro. Da conjuga~lio destes factores decorrem linhas de for~a que ajudam a compreender 0 que podemos designar como pressoes para a hegemonia e homogeneiza~ao de certas representa~oes sociais que, finalmente, estlio proximas do conceito de representa~lio colectiva de Durkheim. Verifica-se, assim, uma larga permanencia temporal de algumas representa~oes como, por exemplo, a representa~ao sobre 0 trabalho como urn dever, geralmente associada a etica protestante, mas que penetrou noutros padroes culturais e se mantem relativamente consistente desde ha seculos (e.g., Giorgi e Marsh, 1990). Assiste-se, por outro lado, a transforma~oes profundas em certas representa~oes, que so slio inteligiveis no quadro de transforma~oes culturais mais vastas, como foi mostrado em estudos sobre a representa~lio da crian~a e sobre a representa~ao do corpo. Chombart de Lauwe (1971) pOde verificar que o pensamento social sobre a crian~a se constitui como contraponto a este mundo e simboliza um outro mundo, simboliza os parafsos perdidos de cada tempo historico. Neste caso, as mudan~as na representa~lio da crian~a estarao associadas a transforma~oes no imaginano social, transforliza~ao

ma~oes

essas ligadas a altera~oes na estrutu .l ' ra socla no seu conJunto. No que se refere it repre_ senta~ao do corpo, 10delet (1976) identificou mudan~as, entre 1960 e 1975, em dois dos eixo organizadores dessa representa~ao - 0 corp~ vivido e 0 corpo pensado. Ao nivel do vivido operou-se uma extenslio da consciencia corporal a prevalencia do corpo-prazer sobre 0 corp~ morbido e 0 dec1inio da introspec~ao orgfutica em favor de uma orienta~lio para 0 meio natural e social. Ao nivel do corpo pensado, verificou-se uma diminui~ao do interesse pela analise biol6gica do corpo e urn apelo crescente as ciencias humanas, perrnitindo uma leitura do corpo como lugar psicologico e objecto social. Ora, a propria autora deste estudo associa estas mudan~as altera~oes socioculturais que, entretanto, ocorreram e que se expressaram nos movimentos sociais de 68. Estes dois exemplos ajudam-nos a compreender a inscri~lio das representa~oes sociais como reflexos de uma ordem social e cultural dominantes. Insistamos, ainda urn pouco mais, sobre a compreenslio dos factores responsaveis pel a consensualidade alargada de algumas representa~oes ou pelo caracter hegemonico de algumas delas. Vamos referir 0 papel dos meios de comunica~ao social. A partir dos anos 80, a investiga~ao sobre os meios de comunica~lio social come~ou a relativizar os resultados das pesquisas que haviam solidificado a hip6tese dos efeitos m(nimos (e.g., Klapper, 1960), para acentuar 0 papel da televislio na organiza~lio dos ritmos de vida, na activa~lio da saliencia de deterrninados acontecimentos sociais, na produ~ao do esquecimento de outros e, ainda, na constru~lio de atitudes e representa~oes. Os estudos de Gerbner e colaboradores (e.g., 1980; Morgan, 1990) neste dorninio slio particularrnente elucidativos, tendo mostrado como 0 mlmero de horas de exposi~lio a televislio esta correlacionado com uma repre-

as

senta~lio

paranoide do mundo. Esta constata~ao de Gerbner, apoiada em estudos longitudinais e refor~ada por estudos experimentais (Vala, 1984; Monteiro,1984), parte de uma reflexlio no quadro da qual os meios de comunica~lio social, e, especificamente, a televislio, sao representados como produtores da hegemonia de certas representa~oes sociais, substituindo-se ao papel tradicional das institui~oes religiosas e de outros aparelhos de controlo social. E e neste mesmo contexto que Noelle-Neumann (1984) fala da espiral do silencio, para referir a dificuldade das pessoas em expressarem outros pontos de vista que nao os dominantes, sendo que a televisao e representada como correspondendo aos gostos, op~oes e pontos de vista da maioria. Alguns factores de natureza psicossociologica podem ajudar a compreender 0 papel da televislio na constru~lio de representa~oes hegem6nicas. Sabemos que uma representa~lio so adquire foros de verdade e de realidade quando e partilhada. Pois bern, as imagens e as representa~oes veiculadas atraves do ecrli tern ja em si a ideia de consenso, de partilha por uma larga comunidade, 0 que facilita a adeslio conformista. Em segundo lugar, as representa~oes vivern de metaforas, de figura~oes, de imagens: o caracter «tecnico-formal» da televisao, enquanto meio de comunica~ao, perrnite fazer corresponder a cada palavra urn rosto, a cada conceito e ideia uma imagem. A expanslio do audiovisual mergulhou-nos num mundo de rostos, imagens e simbolos, nos quais se inscrevem as ideias mais abstractas, conferindo-lhes a materialidade de que necessitam para viver, reproduzir-se e tomar-se realidade. Lembremos, ainda, que a constru~ao de uma representa~lio e urn processo que, entre outros aspectos, reenvia para as experiencias da vida quotidiana e para a actividade cognitiva que os individuos, a partir daf, desenvolvem: 0 audiovisual e urn espa~o de vivencia de experiencias vicariantes. Atraves do

493

visionamento da ac~lio de urn outro, 0 espectador tern acesso a emo~oes, experiencias e cornportamentos que, em certas condi~oes, tern 0 mesrno impacto que a experiencia directa (Bandura e Walters, 1963), e que podem, por isso, validar, refor~ar ou mudar representa~oes. Embora numa proposta muito discutivel, ja MacLuhan (1968) mostrara como a televislio, enquanto meio frio, engloba 0 espectador, faz dele urn actor presente no ecra. Fenomeno tanto mais importante quanto, a verificar-se, perrnite a partilha de urn mesmo tipo de experiencias a milhoes de individuos simultaneamente. Por fim, convocar para a analise deste problema 0 conforrnismo, enquanto modalidade de influencia social (veja-se 0 capitulo sobre a influencia social), perrnitira nlio so uma melhor compreensao das raizes do fenomeno como, tambern, 0 seu questionamento atraves da formula~lio de hipoteses especificas e falsificaveis.

6.2. Diferenciafiio social e diferenciafiio das representafoes sociais Num estudo diacronico, realizado por Maisonneuve (1979), sobre a representa~lio da pessoa, verifica-se a ocorrencia de fortes mudan~as, entre 1957 e 1977, nessa representa~lio. Contudo, estas mudan~as nlio ocorrem de igual forma nos diferentes grupos sociais, sendo particularrnente salientes as diferen~as entre as representa~oes dos quadros e profissoes liberais e as dos operanos e agricultores. No ponto anterior, salientou-se urn certo mlmero de mecanismos que podem ajudar a compreender a hegemonia de algumas representa~Oes sociais. Sublinha-se, agora, a diferencia~ao das representa~oes enquanto expressao das diferencia~oes no tecido social, das assimetrias e da conflitualidade social.



494

Numa primeira perspectiva, a diferencia~ao das representa~oes sociais tern sido associada a diferentes inser~oes dos individuos nos campos das estruturas socioeconomicas e socioculturais. Sem por em causa as virtualidades desta primeira perspectiva, discute-se a sua capacidade para, por si so, dar conta da complexidade do processo em causa. Alias, sera diffcil escapar, nesse quadro analftico, a imagem do homem como «homem-reflexo», no contexto da qual os grupos e os indivfduos estao sempre e completamente sob 0 domfnio de uma ideologia dominante, que e produzida e imposta pela sua classe social, pelo Estado, pela Igreja ou pela Escola (Moscovici. 1984. p. 15).

o paradigma da sociedade pensante (Moscovici, 1984a) parte de outros pressupostos: Os indivfduos. longe de serem receptores passivos. pensam por eles pr6prios, produzem e comunicam incessantemente as suas pr6prias representa~oes e as solu~oes para as questoes que eles pr6prios colocam ( ... ). Os acontecimentos, as ideologias e as ciencias ofere cern simplesmente "urn alimento para pensar" (Moscovici, 1984a,p.16).

Numa reflexao metateorica de orienta~ao semelhante, propusemos num outro texto (Vala, 1993) que a genese da representa~oes sociais poderia ser situada no quadro da orienta~ao paradigmatica da Psicologia Social decorrente da metafora da orquestra de jazz, tal como a descreveu Varela (1984), metafora que da forma ao homem-reflexivo, em oposi~ao a metafora do sonambulismo social, que nos legou Tarde (1890), e que da forma ao homem-reflexo. Mas nao sao apenas razoes conceptuais e teoricas que lev am a questionar 0 entendimento da diferencia~ao das representa~oes sociais no quadro da imagem do homem-reflexo ou do

sonambulismo social. Sao tam bern razoes empi_ ricas. As investiga~oes sobre os grupos de refe_ rencia (Hyman, 1942, Newcomb, 1963, Merton 1957), ou sobre a rela~ao entre a priva~ao rela~ tiva (Runciman, 1966) e as atitudes sociais e polfticas, sao dois exemplos que mostram Como desde os anos cinquenta, se entende que as cren~ ~as, valores e representa~oes sao menos deter_ minadas pelas «inser~oes sociais», tal como tradicionalmente descritas pelos paradigmas das classes sociais e da estratifica~ao social, do que pelas representa~oes que os indivfduos constroem sobre as posi~oes que ocupam no sistema de rela~oes sociais, tal como e por eles representado. Ainda que se reconhe~a 0 papel activo dos individuos e das redes de interac~ao na cria~ao das representa~Oes sociais, fica em aberto 0 problema relativo a conceptualiza~ao das perten~as sociais que configuram essas redes de interac~ao. Ou seja, trata-se de saber como teorizar a natureza dos grupos sociais e a sua articula~ao com a constru~ao das representa~oes sociais. Avan~amos, entao, uma segunda perspectiva, no quadro da qual se podera compreender a diferencia~ao das representa~oes sociais. Esta segunda perspectiva assenta na articula~ao das identidades sociais e das representa~oes sociais.

a)

Coloca~ao

do problema

A analise das rela~oes entre as identidades sociais e as representa~oes sociais pode ser estudada a partir de uma dupla perspectiva: - estudo da hipotese segundo a qual as representa~oes sociais sobre diferentes dominios da vida social e sobre as rela~oes sociais geram os grupos ou as categoriais sociais com as quais os individuos se identificam; - estudo da hipotese de que as categorias e os grupos sociais com os quais os individuos se

identificam constituem as espa~os sociais de e aprendizagem de representa~oes sociais. Entende-se, desta forma, que os individuos constroem representa~oes sobre a propria estrutura social e as clivagens sociais, e e no quadro das categorias oferecidas por essas representa\=oes que se autoposicionam e desenvolvem redes de rela~oes, no interior das quais se produzem e transformam as representa~oes sociais: por urn lado, as representa~oes sobre a estrutura social, enquanto variavel independente, criam formas de categoriza~ao social ou grupos sociais; mas, por outro, as representa~oes sociais, enquanto variavel dependente, sao construidas no interior dessas categorias ou grupos sociais. Esta articula~ao dialectica foi objecto de reflexao original por parte de Breakwell (1993), e Wagner e Elejabarrieta (1994), e pode ser incluida na analise da ancoragem das representa~oes sociais. Lembremos que, num primeiro nivel de analise, a ancoragem das representa~oes sociais refere-se ao seu papel enquanto ancoras que apoiam a constru~ao de categorias identitarias, de clivagens sociais e de posi~oes sociais, ou seja, as suas consequencias ou funcionalidade social. As representa~oes sociais constituem urn dos factores que intervem nos processos indutivos subjacentes a categoriza~ao. Neste primeiro senti do da ancoragem, as RS encontram-se a montante das identidades sociais e das rela~oes entre grupos. De facto, algumas pesquisas sobre a constru~ao de categorias sociais nao tern ignorado 0 papel que as representa~oes sociais desempenham na sua produ~ao, assim como na sua saliencia em contextos sociais especificos (e.g., para uma revisao, Corneille e Leyens, 1994). 0 estudo de Moscovici (1961), sobre a representa~ao da psicanalise, oferece diversos exemplos a este respeito, e 0 trabalho seminal de Bruner (1957) sobre a categoriza~ao e a percria~ao, transforma~ao

495 cep~ao seria, avant la lettre, urn trabalho sobre os «metassistemas de pensamento e regulacrao social» (Doise, 1993a; Moscovici, 1976) na constru~ao das categorias sociais. No quadro deste primeiro nivel de amllise do processo de ancoragem, podemos, entao, formular a hipotese de que as representa~oes sobre a estrutura social (e.g., Augoustinus, 1991), ou a estrutura social na consciencia social (Ossowski, 1962) ou ainda «as cartas mentais sobre a cena social» (Martin, 1954), sao produtoras de categorias identitarias e dos seus conteudos (e.g., Amancio, 1995; Milward, 1995). o segundo nivel de analise da ancoragem, recorde-se, reporta as ancoras necessarias ao processo de constru~ao das RS. Se adoptarmos a linguagem de Doise (1992), entre estas ancoras incluem-se os posicionamentos simbolicos dos individuos na estrutura social, problema que reenvia para os processos de categoriza~ao as identidades sociais e as rela~oes intergrupais. Neste outro nivel de analise da ancoragem das representa~oes sociais, estas constituem urn dos aspectos dedutivos, uma das manifesta~oes das consequencias da categoriza~ao social. E no contexto deste outro entendimento sobre o processo de ancoragem que vamos desenvolver a nossa perspectiva sobre a diferencia~ao social das representa~oes sociais. No estudo, ja citado, de Val a et al. (1996), sobre as orienta~oes da psicologia social na Europa, verifica-se que muitas investiga~oes assentam na trfade conceptual formada pelas rela~oes intergrupais, as identidades sociais e as representa~oes sociais ...A sistematiza~ao teorica desta articula~ao e, porem, ainda incipiente. As ideias que a seguir propomos sao apenas hipoteses, embora organizadas a partir de teorias ou dados empiric os solidos, e referem-se tao-so a compreensao de genese das representa~oes sociais a partir das identidades sociais. Antes de apresentarmos essas hipoteses, interessa justi-



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ficar a pertinencia te6rica da articula~ao que se propoe. A articula~ao entre 0 conceito de identidade, tal como pensado pel a teoria da identidade social (Tajfel e Turner, 1979), e 0 conceito de representa~ao social traz vantagens para ambos os conceitos. A teoria das representa~oes sociais oferece, ao conceito de identidade social, uma forma de entendimento da genese das categorias sociais e hip6teses sobre a organiza~ao dos conteudos identitarios, nao apenas no que se refere aos estere6tipos, mas no que se refere a todos os conteudos atraves dos quais os grupos sao objectivados como realidades diferenciadas. A teoria da identidade social oferece ao conceito de representa~ao s~cial hip6teses sobre a organiza~ao dos espa~os sociais de constru~ao e aprendizagem de representa~oes, e hip6teses sobre os mecanismos cognitivos e motivacionais que gerem a contextualiza~ao e a funcionalidade das representa~oes sociais.

b) Categorizafiio social e identitkules sociais A articula~ao que se propoe mobiliza dois processos basicos - a categoriza~ao social e a compara~ao social. 0 primeiro (ver Capitulo X) permite uma abordagem sociocognitiva dos conceitos de grupo e identidade social; 0 segundo permite compreender como se estruturam as representa~oes no interior dos grupos sociais. Tomemos como ponto de partida 0 processo de categoriza~ao social. Como se sabe, este processo refere-se a percep~ao e organiza~ao do meio ambiente em classes de objectos, acontecimentos e grupos de pessoas. A rela~ao entre a categoriza~ao social e a identidade social, ou a identifica~ao com grupos sociais, foi proposta por Tajfel (1972). E e no quadro dessa rela~ao que esse autor define a identidade social como 0 reconhecimento da perten~a a certos grupos ou categorias sociais, reconhecimento esse que e

acompanhado de significa~oes emocionais e avaliativas. E, ainda, no quadro dessa rela~ao que Turner (1982) propoe que «urn grupo existe quando dois ou mais individuos se percebem como membros de uma mesma categoria Social» (p. 15). Contudo, esta defini~ao de grupo e de natureza estritamente cognitiva, e e redutora, na medida em que nao considera que urn grupo e tambem construido a partir do exterior, ou seja, das rela~oes que estabelece com outros grupos (Tajfel, 1972; Deschamps e Clemence, 1990). Corrigindo, numa perspectiva sociocognitiva, aquela defini~ao de grupo, Brown (1989) propoe que «urn grupo existe quando duas ou mais pessoas se definem como membros de uma categoria, e quando a existencia dessa categoria e reconhecida por, pelo menos, urn outro» (p. 2). Esta defini~ao corresponde melhor a posi~ao de Tajfel, para quem urn grupo s6 existe em rela~ao a outros grupos. Numa perspectiva sociocognitiva, entao, urn grupo existe quando os individuos integram na sua autodefini~ao a perten~a a uma categoria social, sendo que esse processo e regulado pela interdependencia entre os grupos, pelas assimetrias sociais e por rela~oes de poder. A compreensao dos grupos sociais e dos processos de identifica~ao social, na acep~ao que aqui Ihe atribuimos, implica alguns desenvolvimentos. No que respeita ao tipo de categorias em causa, havera a tendencia para considerar apenas, como observa Mugny (1981), as categorias «realmente existentes» (as mulheres, os negros, os emigrantes, as classes medias, etc.). Trata-se de uma limita~ao a ultrapassar, na medida em que as virtualidades da hip6tese exposta permitem considerar todo 0 tipo de categorias sociais que os individuos considerem relevantes para a sua identidade, ou para a sua diferencia~ao social, e as quais atribuem urn estatuto igual-

mente «real». Referimo-nos, nomeadamente, a categorias que sao, elas pr6prias, recortadas na ordem do simb6lico, do cultural ou do religioso como, por exemplo, os religiosos, os de esquerda, etc. Vanos estudos (e.g., Hooper, 1985) tern mostrado como 0 entrecruzamento das linguagens quotidianas, econ6micas, religiosas, administrativas, jornalisticas, etc., produzem uma diversidade imensa de formas de categoriza~ao social relevantes para a cria~ao de grupos sociais e de identidades. Entendidos desta forma, os grupos sao 0 resultado de uma ac~ao discursiva, sao forma~oes simb6licas (Scott, 1988), que os individuos essencializam e objectivam, e que nao correspondem necessariamente as suas chamadas «posi~oes objectivas» na estrutura social (p. ex., classe, idade, genero, etc.). Contudo, esta diversidade de formas de categoriza~ao nao devera conduzir ao entendimento da identidade social como uma colec~ao de categorias, mas a hip6tese da sua organiza~ao dimensional. Neste sentido, nao s6 nao sera neutro 0 recurso, por parte dos actores sociais, a urn tipo de categorias e nao a outro, como tambem nao 0 sera a organiza~ao dimensional das categorias de perten~a, produto de diferentes representa~oes sobre a ordem social e as rela~oes sociais. Se entendermos os grupos sociais e as identidades sociais como representa~oes sociais, torna-se claro 0 caracter processual daqueles conceitos. As identidades e os grupos nao sao essencias ou entidades, sao constru~oes sociais essencializadas e objectivadas, no processo de constru~ao social do conhecimento sobre os fen6menos sociais e os grupos humanos (Allport, 1954; Rotbarth e Taylor, 1992; Corneille e Leyens, 1994). A pr6pria ideia de continuidade das categorias sociais e 0 resultado do processo de essencializa~ao e objectiva~ao pr6prio do senso comum. A dimensao processual dos grupos, e das identidades que deles

497

decorrem, torna-se ainda saliente se considerarmos a pesquisa sobre a actualiza~ao contextual das categorias sociais realizada no quadro da teoria da autocategoriza~ao social (ver Oakes et aI., 1994 e 0 capitulo sobre os estere6tipos). Note-se, contudo, e mais uma vez, que essa teoria apenas tern mostrado urn conjunto de factores cognitivos e motivacionais que regulam a saliencia contextual das categorias de identifica~ao. Uma leitura mais sociocognitiva, e processual, deste mesmo fen6meno, construida, alias, na teoriza~ao sobre as representa~oes sociais, e proposta por Elejebarrieta (1994). Uma outra leitura, tambem mais social, deste fen6meno pode ser feita a partir do conceito de campo de Lewin (1951), ou da sua reformula~ao sociol6gica proposta por Bourdieu (e.g., 1979).

c) Identitkules sociais, comparafiio social e construfiio de normas e crenfas grupais Se 0 processo de categoriza~ao social permite compreender a constru~ao dos grupos sociais e a identifica~ao com esses grupos, e atraves do processo de compara~ao social (Festinger, 1954) que os individuos aprendem, integram e avaliam as representa~oes sociais que torn am distinta uma categoria de outra categoria, ou que dao sentido a uma dimensao da identidade social (Tajfel e Turner, 1979). Na sequencia de Festinger, 0 papel da compara~ao com outros relevantes no processo de constru~ao das opinioes pessoais tern sido teorizado e ilustrado empiricamente por diferentes autores (e.g., Fishbein e Ajzen, 1975; Levine e Moreland, 1987). A teoria da autocategoriza~ao (Turner et aI., 1987) propoe que a saliencia de uma dimensao da identidade social esta associ ada a percep~ao de partilha de normas grupais (valores, representa~oes, comportamentos), e que a saliencia dessas normas para urn individuo sera tanto maior quanta mais saliente for uma identifi-

498 ca~ao

categorial. Podemos, entao, dizer que os individuos quando respondem a pergunta «quem sou eu?», nao so se definem em termos de perten~as categoriais como, tambem, e simultaneamente, se atribuem normas, val ores e representa~oes percebidas como distintivas dessas perten~as. Isto e, a resposta a pergunta «quem sou eu?» encerra a resposta a uma outra pergunta: «Que significa ser membro deste grupo?». A cren~a de que urn grupo existe, e de que se e membro de urn grupo surge, assim, associada com cren~as sobre as representa~oes normativas desse grupo (Bar-Tal, 1990). Embora 0 corpo central das ideias expostas tenha sido desenvolvido pela teoria da autocategoriza~ao (Turner et ai. , 1987), enquanto extensao da teoria da identidade social (Tajfel e Turner, 1979), ele esta ja presente em velhas pesquisas da psicologia social e em pressupostos teoricos que con vern nao esquecer. Vejamos alguns exemplos. Num estudo realizado, nos Estados Unidos, junto de protestantes metodistas e baptistas sobre a atitude face ao baptismo por aspersao (caracteristico dos metodistas) ou por imersao (caracterfstico dos baptistas), os inquiridos foram ouvidos em duas situa~oes experimentais: a metade dos inquiridos pedia-se, pura e simplesmente, a sua opinHio pessoal (a favor da aspersao, a favor da imersao, indiferen~a); aos restantes pedia-se a sua opiniao, enquanto fieis de cada uma daquelas confissoes religiosas. No primeiro caso, a maioria dos membros de ambos os grupos manifestou indiferen~a por qualquer das formas de baptismo. No segundo caso, 90 por cento dos metodistas e 67 por cento dos baptistas deram respostas de acordo com a representa~ao normativa do seu grupo religioso (Schank, 1932, citado por Stoetzel, 1943). Activando tambem a identidade religiosa, Charters e Newcomb (1952) obtiveram respostas mais ortodoxas do que aquelas que deram

499

sujeitos em que essa dimensao da identidade nao foi experimental mente tornada saliente. Na mesma linha de argumenta~ao, urn estudo de Allen e Wilder (1975) pode tambem ser evo_ cado. Estes autores, numa pesquisa laboratorial criaram dois grupos com base em suposta~ preferencias artisticas . Pediram depois aos sujeitos que respondessem a urn questionano no qual deveriam exprimir as suas proprias opinioes, as opinioes de urn membro do seu grupo e as de urn me'mbro do outro grupo. Os resultados mostram que os sujeitos atribuem aos membros do seu grupo opinioes similares as suas e se diferenciam dos membros do outro grupo, mesmo em questoes nao relativas a aspectos artisticos, factor com base no qual os grupos haviam sido constituidos. Verificamos, assim, como os processos de categoriza~ao se articulam com a compara~ao social no sentido de produzir percep~oes de semelhan~a de cren~as e normas grupais de referencia. De igual modo, estes mesmos processos estao presentes na valida~ao social das opinioes, das cren~as e das representa~oes sociais polemic as (Vala, Garcia-Marques, Pereira eLopes, 1998). Olhemos agora a outra face desta mesma moeda. Ate agora consideramos que, quando uma pessoa se atribui uma dada perten~a categorial, faz decorrer dessa perten~a determinadas visoes do mundo. Da mesma forma, quando a alguem e atribufda, por outrem, uma determinada posi~ao categorial, espera-se dessa pessoa atributos e cren~as concordantes com a posi~ao em que foi categorizada. Neste caso, estariamos em presen~a do efeito das profecias que se autoconfl1111am (Merton, 1957), com dois tipos de consequencias, sublinhadas por Levine, Resnik e Higgins (1993): por urn lado, atribuir a uma pessoa uma dada perten~a categorial, cria a expectativa de que essa pessoa possui, de facto, determinadas cren~as; e, por outro lado, quando uma pessoa ve ser-Ihe atribuida uma posi~li.o

o QUE E A INTELIGENCIA? Todos nos temos uma defini~ao de inteligencia que consideramos mais correcta. No entanto. alguns estudos sugerem (Poeschl, 1992) que estamos peontos a reestruturar essa detinil;ao cad a vez que. ao evocar esta propriedade dos indivfduos, somos levados a identificar-nos com um grupo e a comparar-nos com urn exogrupo. Enquanto seres humanos. opomos a logica rigorosa da inteligencia da maquina a natureza criativa de nossa inteligencia. Mas quando comparamos a inteligencia do homem com a do animal, revalorizamos as nossas capacidades cognitivas, que contrastamos com os instintos das «criaturas inferiores». De propriedade unica e definicional do ser humano, a inteligencia torna-s'e propriedade multipla, quantitativa e qualitativamente diferente, quando associ ada a diferentes grupos sociais. Por exemplo. a inteligencia masculina teria uma dimensao especffica, 0 sucesso social, enquanto que a inteligencia fern in ina integr.lfia uma dimensao muito particular, 0 channe e a feminilidade. Sao as mulheres que mais valorizam as dimensoes tfpicas dos dois grupos sexuais. possivelmente numa tentativa de justificar a sua posi~1Io na hierarquia social. sem prejufzo pel a sua identidade social. Dentro da institui~1io escolar. diferentes gropos veiculam diferentes definic;Ocs da inteligencia, e atribuem con· cep~oes sobre a inteligencia aos especialistas com quem, nesse contexto, interagem. De forma geral, considera-se que os psicologos, na sua defini~1io de inteligencia, vaJorizam particularmente 0 conhecimento de si proprio, enquanto que os pedagogos d1l0 mais importiincia as competencias escolares. Uma comparac;1io entre representac;oes proprias e representac;oes atribufdas revela que todos. incJusivamente as docentes. procuram diferenciar-se dos pedagogos, dando uma importancia muito menor as competencias escoJares na definic;iio da inteligencia. Existem. contudo. algu. mas varia~oes nas concep~oes atribufdas aos psicologos. Por exemplo, os "aprendizes" acentuam a importiincia das actividades socioculturais na defini~1Io dos psicologos, tal como na sua propria concep~iio, sugerindo que se sentem algo proximos destes profissionais. Pelo contrano, os docentes consideram que os psicologos vaJorizam pouco os estudos e as aquisi~oes escolares, evidenciando as rela~oes conflituais que existem entre os do is grupos.

Texto elaborado por Gabrielle Poeschl, illteligellcia (Poeschl, 1998) .

COlli

base lias SIlas pesqllisas sobre a

social, e levada a questionar a imagem propria e tende a criar expectativas sobre si, de acordo com a identidade hetero-atribuida. Estas observa~oes evidenciam 0 fenomeno que ja sublinhamos - as identidades de urn individuo, 0 seu valor e as representa~oes a elas associadas nao resultam apenas de processos de autocategoriza~ao, mas tambem de processos de hetero-categoriza~ao.

d) Identidades sociais

e representafoes sociais polimicas As hip6teses teoricas, anteriormente avan~adas, constituem as bases para 0 entendimento

da

articula~ao

represell/a~'iio

social do

entre as identidades sociais e as representa~oes sociais. Esta articula~li.o e, contudo, particularmente importante no caso das representa~oes sociais polernicas. Lembremos que/estas representa~oes se constituem nas rela~oes conflituais entre os grupos sociais, na polernica social em torno de problemas estabelecidos a partir de urn universo de significados e valores comuns. A polemica social requer que os membros de urn grupo saibam, ou julguem saber, 0 que e normativo 0 seu grupo pensar, e 0 que e normativo os outros grupos pensarem sobre 0 mesmo objecto. Assim, as representa~oes polemic as podem ser pensadas como envolvendo meta-informat;iio



500

acerca do grupo que as partilha, 0 que Wagner (1995) designa como a caracteristica holom6rfica destas representa~oes. As rela~oes entre autocategoriza~oes, identidades e ancoragem das representa~oes sociais, nomeadamente as representa~oes polemicas, podem ser estudadas de forma topogrdfica, ou taxon6mica, e a partir de urna perspectiva processual. Na sua dimensao topognlfica ou taxon6mica, as questoes a estudar serao orientadas pel a hip6tese segundo a qual uma dimensao, ou urn conjunto de dimensoes, da identidade social orienta a estrutura~ao da representa~ao de urn objecto. Na dimensao mais processual, trata-se de analisar a hip6tese de que sao as rela~oes entre grupos, ou dimensoes da identidade, tal como se organizam num determinado contexto, que orientam a reconstru~ao contextual e a mudan~a das representa~oes sociais. Vejamos algumas ilustra~oes empiricas da perspectiva topognlfica. Num estudo sobre a representa~ao social do poder, realizado junto de uma amostra representativa da popula~ao portuguesa, identificaram-se diferentes representa~oes (igualitaria, meritocratica, fatalista e conflitual) deste objecto; e mostrou-se, por exemplo, como a representa~ao igualitana do poder se encontra fortemente associada a uma dimensao da identidade social que foi designada por identidade de empenhamento social, dimensao da identidade que agrega a perten~a subjectivamente saliente aos grupos sociais que apoiam os sindicatos, se interessam pel a politic a, tern preocupa~oes sociais e rejeitam a perten~a a direita politica (Vala, 1990). Num estudo sobre a representa~ao da inteligencia, Amaral (1997) confrontou 0 poder preditivo da ancoragens sociol6gicas e das ancoragens psicossociol6gicas, e encontrou uma associa~ao significativa entre a teoria do dom e a identidade politic a de direita. Outros estudos, tambem realizados em Portugal, tern contribuido para 0

estudo da topografia das identidades e das representa~oes sociais como, por exemplo, a pesquisa de Lima (1995) sobre a percep~ao dos terramotos nos A~ores, ou a pesquisa de Vala e Amancio (1995) sobre as representa~oes da ciencia entre os investigadores portugueses. Esta perspectiva pode, porem, conduzir a homologias simplistas entre identidades e representa~oes, tal como, no passado, se estabelece_ ram homologias, tam bern simplistas, entre, por exemplo, posi~oes de classe e posi~oes ideol6gicas. Ao mesmo tempo, se considerarmos a multiplicidade de identidades sociais de Urn mesmo individuo, temos que adrnitir que Urn mesmo individuo possa ter diferentes representa~oes sobre urn mesmo objecto. Ora, a perspectiva taxon6rnica nao permite entender quais as representa~oes, entre 0 leque de representa~oes que se tern sobre urn mesmo objecto, serao activadas num dado contexto. Finalmente, a perspectiva taxon6mica pode conduzir a ideia de urn report6rio de identifica~oes fortes e estaveis, e de representa~oes, tambem fortes e estaveis, sobre urn mesmo objecto, ideia que nao da conta das mudan~as nipidas e das contradi~oes no sistema individual de identifica~oes. Para ultrapassar estas dificuldades, sera necessano olhar para a rela~ao entre identidades sociais e representa~oes sociais numa perspectiva processual. Esta nova perspectiva assenta no principio te6rico de acordo com 0 qual a rela~ao entre urn sujeito, individuo ou grupo, e urn objecto de representa~ao e contextual, e sempre mediada pel a rela~ao entre esse sujeito e urn outro sujeito, individual ou colectivo (Moscovici, 1970). No caso das representa~oes sociais polernicas, aquele em que a articula~ao proposta se torna mais imperativa, considera-se que e a representa~ao sobre 0 sistema de rela~oes intergrupais que determina a representa~ao sobre urn qualquer objecto implicado nessa rela~ao.

Ilustremos este ponto de vista com alguns dos resultados de uma pesquisa de Doise (196911984). Este autor pediu a estudantes de uma Escola de Arquitectura privada, em Paris, que respondessem a urn questionano de opiniao sobre a sua Escola, e sobre a Escola de Belas-Artes, uma escola publica, com mais prestigio do que aquela. Estas opini6es foram recolhidas em duas condi~oes experimentais: numa, os estudantes exprimiam simplesmente a sua opiniao sobre as duas escolas; na outra, exprimiam a sua opinHio pessoal e tambem a opiniao que atribufam, sobre as mesmas questoes, aos estudantes da Escola de Belas-Artes. Nos dois casos, a imagem da escola privada e mais negativa, mas e rnuito mais negativa no segundo caso do que no primeiro. Ou seja, a activa~ao da rela~ao assirnetrica entre os dois grupos conduz a polariza~ao da imagern negativa do grupo dominado. Neste caso, assistimos a polariza~ao de uma representa~ao decorrente da acentua~ao contextual de rela~oes de dornina~ao entre grupos. Este mesmo processo pode conduzir, mais do que a polariza~ao de representa~oes, a sua transforma~ao contextual. Por exemplo, Poeschl (1992) oferece-nos vanos exemplos de pesquisa sobre as representa~oes da inteligencia, em que mostra como estas representa~oes sao transformadas em fun~ao dos atributos tipicos das categorias sociais contextual mente tornadas salientes, e das rela~oes sociais entre essas categorias: nao e a mesma coisa pensar a inteligencia como uma propriedade dos humanos e pensar a inteligencia num contexto em que se torna saliente a assimetria masculino-ferninino (ver Caixa da p. 499). Tambem num estudo sobre as representa~oes dos grupos sobre os grupos se mostrou como a percep~ao da interdependencia negativa entre urn exogrupo e urn endogrupo, comparativamente com contextos de percep~ao de interdependencia positiva, conduz a constru~ao de representa~oes

501

mais negativas nao s6 sobre os estere6tipos do exogrupo, 0 que, a partir de Sherif (1966), ja havia sido mostrado muitas vezes, mas tambem sobre os valores do exogrupo (Vala, 1997). Estes estudos, entre outros (e.g. , Echebarria et a/., 1992; 1994; Di Giacomo, 1980; Poeschl, 1998), constituem exernplos de como varia~oes nos contextos de compara~ao e categoriza~ao sociais, e nas rela~oes intergrupais, se reflectem na reconstru~ao contextual das representa~oes sociais, hip6tese que Doise (1973) enunciou ha cerca de duas decadas. Concluindo: ba representa~oes que se impoem aos indivfduos, que sao hegem6nicas e, em larga medida, indiscutfveis. Mas ha tambem representa~oes discutiveis, e discutidas pelos diferentes grupos sociais, e cuja consensualidade, no interior dos grupos e entre grupos, se vai construindo e desconstruindo, a par com a conflitualidade, contextual ou estrutural, que atravessa as rela~oes sociais e a actividade cognitiva e estrategica dos actores sociais. Sao estes ultimos fen6menos que as hip6teses formuladas sobre a diferencia~ao social e a diferencia~ao das representa~oes sociais pretendem elucidar.

Resumo A par do desenvolvimento da Psicologia Social cognitiva nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa, 0 conceito de representa~ao social e a sua progressiva teoriza~ao, reactivando uma velha tradi~ao em Psicologia Social, abriu espa~o a urn novo tipo de entendimentos sobre a actividade cognitiva e simb6lica dos individuos nas suas interac~oes quotidianas. A forma~ao e 0 funcionamento das representa~oes sociais, enquanto teorias sociais pniticas acerca de objectos sociais particulares, tern subjacente dois processos maiores: a objectivar;iio e a ancoragem.



502

A objectiva~ao pennite compreender como, no sen so com urn, as palavras e os conceitos sao transformados em coisas, em realidades exteriores aos indivfduos. A ancoragem refere a transforma~ao do nao familiar em familiar, urn processo que remete para a sociogenese das representa~oes sociais e para a sua funcionalidade. Esta dimensao funcional e pnitica das representa~oes sociais manifesta-se na organiza~ao dos comportamentos, das actividades comunicativas, na argumenta~ao e na explica~ao quotidianas, e na diferencia~ao dos grupos sociais.

Na nossa epoca, de par com as pressoes par a hegemonia e a homogeneiza~ao de algumaa representa~oes, verifica-se que muitas dela: assumem, cada vez mais, urn caracter de tranSI-. toriedade, discutibilidade e polemica. As teoti psicossociologicas sobre a constru~ao e 0 fu:~ cionamento dos grupos socia is e sobre as feno_ ~enos da identidade social constituem um Importante factor na compreensao da diferenciariio social e da dinamica das representa~oes sociais, conceito nuclear na Psicologia Social do conhecimento quotidiano.

CAPITULO XV

Contextos territoriais e a perspectiva ecologica em Psicologia Social Luis Soczka 1. A necessidade de uma nova Psicologia Social

E frequentemente afirmado que a Psicologia Social vive hoje em dia uma crise de identidade. o que emerge um pouco por todo 0 lado e fundamentalmente a necessidade de uma nova maneira de abordar e olhar 0 objecto da psicologia, isto e: de urn novo paradigma. Numerosos autores acentuaram, no decorrer da decada de 80, a falencia dos modelos psicologicos tradicionais e ainda dominantes, nomeadamente no domfnio especffico da Psicologia Social, que vive hoje uma crise paradigmatica sem precedentes apesar das resistencias ainda solidas dos seus modelos mais tradicionais. Mas sem deter, e certo, 0 monopolio desta «crise de crescimento», a qual abrange a propria psicologia como urn todo (Harre e Secord, 1971; Bronfrenbrenner, 1979; Harre, 1979, 1980; Koch, 1981; Reason e Rowan, 1981; Secord, 1982; Gergen, 1982, 1985; Manicas e Secord, 1983; Faulconer e Williams, 1985; Lincoln e Guba, 1985; Altman e Rogoff, 1987; Valsiner, 1987; Reason, 1988; Moen et aI, 1995; Kindermann e Val siner, 1995).

o

que esta fundamental mente em jogo e a crftica dos model os herdados do paradigma positivista, dominante desde 0 seculo XIX e que presidiu ao proprio nascimento da psicologia enquanto ciencia autonoma, mas hoje moribundo - ainda que espemeando, como 0 demonstra a reac~ao agreste de urn dos mais representativos e radicais positivistas, F. B. Skinner (1987). Apos urn seculo de dominancia positivista, em que posturas a-temporais e a-contextuais viciaram profundamente a investiga~ao psicologica, entramos hoje numa era em que cada vez mais se compreende 0 fraco valor heurfstico dos modelos tradicionais, tantas vezes alien ados da realidade concreta e isolados em torres de marfim. Reclama-se uma psicologia compreensiva e dotada de validade ecologic a, isto e: que assegure que 0 desenho da pesquisa, 0 sistema conceptual aplicado ao fenomeno estudado e os procedimentos usados sejam capazes de proporcionar informariio relevante ace rca da variariio sistematica (no tempo, no espar;o e no contexto) das componentes do cenario que afecta 0 fenomeno em questiio (Winkel, 1987). Procura-se, pois, uma psicologia das pessoas nos seus cenarios de vida reais, capaz de res-

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504

ponder as interrogayoes acerca das transacyoes entre os processos psicologicos e as aCyoes humanas, e os contextos e cemirios quotidianos em que elas se desenrolam (cf. Soczka, 1989). Na sua perspectiva crftica da evoluyao dos modelos ao longo da historia da psicologia, Altman e Rogoff (1987) distinguem quatro grandes «visoes do mundo» que marcaram os pressupostos epistemologicos e metodologicos da investigayao psicologica: a perspectiva dos trar;os, a perspectiva interaccionista, a perspectiva organ(smico-sistemica Ua pos-positivista) e a perspectiva transaccional (ver caixa na p. seguinte). Na perspectiva dos trar;os, os esforyos centram-se no estudo do indivfduo e dos seus processos intrapsfquicos, mas isolados dos seus contextos extemos e da sua temporalidade, que nesta perspectiva sao ou ignorados ou considerados de caracter secundano. Filosoficamente, acredita-se na causalidade intema dos fenomenos psicologicos, e os psicologos operam como observadores extemos em busca de uma «realidade objectiva» na qual nao estao implicados. Implica~ao esta, alias, que e vista como «rufdo» a elirninar atraves de «correctas» posturas metodologicas, e nao como informa~ao relevante para a propria investiga~ao. Esta visao do mundo aposta ainda na existencia de leis psicologicas universais, cuja descoberta e 0 proprio objectivo da psicologia, de forma a poder preyer cientificamente os comportamentos. E uma perspectiva tfpica de teorias da personalidade como as de Eysenck (1970) ou de Cattell (1945, 1950, 1977), para citar apenas estes exemplos, ou ainda de todas as tipologias caracterologicas como as de Heysman-Wiersma-Le Senne que fizeram moda na primeira metade do sec. xx. E uma perspectiva ainda reconhecfvel nas classifica~oes de quadros psicopatologicos de caracter nao-dinarnico, onde listas de tra~os comportamentais constituem a base de decisao diagn6stica,

como se de estruturas sem genese, sem contexto e sem hist6ria se tratasse. Rotulagens, dirfamos, sem processos psicologicos a elas subjacentes. A perspectiva interaccionista pertence ainda ao paradigma positivista, e sob este ponto de vista a psicologia e encarada como a busca de leis que permitam a previsao e 0 controlo dos comportamentos e processos psicologicos, vistos nao como intrapsfquicos e autogerados, mas como respostas de sujeitos passivos a estfmulos e situa~Oes extemos condicionantes das suas respostas e comportamentos. E a psicologia de que 0 behaviourismo, nas suas variadas formula~oes, e a expressao mais pura e definida. Pode afmnar-se certamente ser este 0 modelo de maior sucesso e a visao mais dorninante na psicologia do seculo xx. A sua visao do mundo corresponderia, em ffsica, a urn modelo newtoniano, em que se estudariam os impactes de umas bolas (estfmulos) sobre outras (sujeitos), extraindo daf leis estruturais capazes de preyer for~as e movimentos (respostas), sempre os mesmos dadas nas mesmas circunstancias. Nesta perspectiva, procuram-se ainda as «causas das coisas», encaradas de urn ponto de vista de causalidade linear, as mesmas causas produzindo os mesmos efeitos nas mesmas situa~Oes. Nas expressoes mais simplistas do modelo estfmulo-resposta do behaviourismo classico (Watson, 1919; Skinner, 1938, 1969), ate as suas versOes estfmulo-(organismo )-resposta dos actuais modelos do comportamentalismo, reencontramos sempre como pano de fundo epistemologico 0 positivismo. Tal e qual como no modelo precedente, os psicologos desempenham 0 papel de observadores extemos de uma realidade supostamente objectiva, cuja descoberta e a sua missao cientffica (tanto mais cientffica quanto a independencia entre 0 observador e 0 observado estiver assegurada metodologicamente, e os fen6menos observados forem replicaveis por observadores independentes dadas as mesmas circunstancias). E nesta

AS VISOES POSITIVISTA E p6S-POSITIVISTA DA CIENCIA Axioma 1: .lObre a natl/rew cia realidade - ontologia

- Positivi.WI/(): pres~uposto ontologicll de que M uma realidade simples e «exterior» que pode dividir-se em partes susceptfveis de serem estud,ldas em separado; 0 !Odo nao e mais do que a sOInn das partes. A investignrrao pode convergir ate que sejn prevista e controilidn. - Pos-posilil'isl//o: hii muhiplas realidades construfdas que podem ser estudadas de forma holfstica; a investigarrao dessas multiplus realidades necessariamente conduz a divergencias (cada investigarrao levanta mais questoes do que fornece respostas) de tal forma que a previsao e 0 controlo sao resultados improvuveis, se bem que algum nfvel de compreensao (Verslelu!II) possa ser alcanrrndo. Axioma 2: sobre a.{ re/afiie.\· emre 0 cOllllecellle e 0 conllecido - epistemologia.

- Posilivisl//o: pressuposto epistemologico da separa<;ao entre observador e observado - 0 conhecente e 0 conhecido constituem uma dualidade discreta. - Pe)S-pOSilivisl//o: 0 investigador e 0 «objecto» da sun investigarrao interagem e influenciam-se reciprocamente: conhecente e conhecido sao inseparuveis. Axioms 3: .mbre liS pm'sibilidades de gelleralizar;iio.

- Positil'iSlIlo: pressuposto da independencia temporal e contextual das observarroes, de tal fonna que 0 que

e verdadeiro num dado tempo e lugar pode, em circunstancias apropriadas (tais como a amostrageml. !>er tambem verdadeiro noutro tempo e noutro lugar. 0 objectivo da investiga~ao e desenvolver um corpo nomotetico de conhecimentos sob a fomla de generaliza~oes que constituem asser~Oes livres do contexto e do tempo, aplicuveis para ~empre em qualquer lugar. - Pos-positil'islllo: 0 objectivo da investigarriio e desenvolver um corpo ideogrdfico de conhecimentos sob a fomla de «hipoteses de trabalho» que descrevem 0 casu singular. Axioma 4: sobre as possibilidades de cOllexoes ca/l.mis.

- Positil'iSlllo: pressuposto de causalidade linear; nao hll efeitos sem causa.~ nem callsa.~ sem efeitos; cada acrriio pode ser explicada como resultado (efeito) de uma causa real que precede no tempo 0 efeito. - P6s-positivislllo: todas a.~ entidades se encontram num estado de moldagem recfproca e simult5nea. de tal fonna que e impossfvel distinguir entre causa.~ e efeito~. Axioms 5: sobre

0

papel dos va/ores IICl illl'esligafiio - axiologia.

- Positivi.fllm: pressuposto axiologico da independencia em relac;ao aos valores, ou seja, a metodologia garante que os resultados de um estudo sao essencialmente independentes das intluencias dos valores do observador, vistos como enviesamentos. - P6s-positivislllo: a investigarriio nao e separavel dos valores do investigador pelo menos em cinco aspectos, a seguir apresentados como corohirios: Comlcirio I: a investig:lI;lio c innuenciada pclos valores do investigudor. expressos na propria cseolha dos problemas a investigar, avaliar;iio. enquadramcnto C op(,:oes de acrrao. Com/cirio 2: a invesligarriio c innuenciada pela escolha do paradigma que orienta 0 proccsso de invcstigarrao. CClmftirio 3: a invcsligar;ao e innuenciada pelu tcorill substuntiva utilizada para orientar u pesquisa. colher os dados. nnalisa-Ios c interprelar os resultado~. Corofcirio 4: l! investigarriio e innucnciada pcll1S valores incrcntes ao contexto. Coro/tirio 5: Em funrriio dos corohirios I a 4. l! invcsliga"iio ou C ressonantc dos val orcs Crcforrr;mte e congntenle) ou dis~on;tnte em rel:tr;ao aos valorcs (conOituosa). Problem;l. avaliarrao. p;\Tudigma. tcoril! e eontexto tem de ser congntentes para a invesligm;ao apre~entar resultados com scntido.

(Y. S. Lincoln e E. G. Gubu. NCltlll'lllislic IIII/Iliry. 1985)

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perspectiva que 0 experimentalismo psicologico encontra 0 seu mais seguro ponto de apoio, mas tambem onde e maior a alienacrao e a invalidade ecologica da pesquisa, dominada pela busca da assepsia metodologica em que 0 experimentalismo laboratorial surge como modelo ideal, 0 que fez que, em psicologia social do desenvolvimento, Bronfenbrenner (1979) caricaturasse esta perspectiva como a ciencia do estranho comportamento das crianras em situaroes estranhas com aduLtos que Ihes siio estranhos. durante os mais breves perfodos poss(veis de tempo. Tire-se «criancras» e ponha-se «sujeitos estudantes universitanos (nol111almente de psicologia)>> e a frase poder-se-ia aplicar, na integra, a uma multidao de estudos experimentais da Psicologia Social contemporanea, cIaramente dominada por esta «visao do mundo». De notar, todavia, que mesmo no seio da perspectiva interaccionista se ergueram vozes reclamando a contextualizacrao da investigacrao psicologica, como e 0 caso de Magnusson (1981) no dominio da Psicologia Social, e no decorrer da dec ada de 90 afil111ou-se com mais vigor uma psicologia social contextualizada (cf. Hurrelman, 1996; Moen et al.. 1995, Kindel111ann e Valsiner, 1995, por ex., no campo da psicologia social do des envolvimento) (ver caixa na p. seguinte). Na perspectiva organ(smico-sistemica assiste-se a urn salto epistemologico em relacrao as perspectivas anteriores, e 0 positivismo nao e ja o paradigma dominante. 0 modelo causal deixa de ser linear para passar a assumir propriedades circulares, isto e: onde causa e efeito se influenciam reciprocamente. Altman e Rogoff (1987) definem, portanto, esta perspectiva como 0 estudo dos sistemas dinamicos e holfsticos onde pessoa e meio exibem reiaroes e influencias recfprocas. Correntemente, sob a forte influencia da teoria geral dos sistemas de Ludwig von Bertalanfy (1956), reconhecemo-la com facilidade no pensamento de Gregory Bateson

~1972, 1979) e de Urie Bronfenbrenner (1979). E uma posicriio prevalecente na modema teoria da famfIia e na correspondente terapia familiar como se sabe (cf. Minuchin, 1974; Sampaio ~ Gameiro, 1985; Vetere e Gale, 1987; Gameiro 1992). Em psicologia social do desenvolvi~ mento, ha que referir a obra de Bronfenbrenner (1979, XXXXX; Bronfenbrenner e Crouter, 1983; cf. Soczka, 1989), que na sua teoria ecolo_ gica do desenvolvimento humano apresenta Urn modelo integrativo das transaccroes pessoa-cemirios (fisicos e sociais) a partir da interconexao entre sistemas progressivamente envolventes - desde os microssistemas (onde se process am padroes de actividades, papeis e relacroes interpessoais em cenanos ambientais dotados de propriedades materiais particulares), os mesossistemas (que interconectam os vanos microssistemas onde a pessoa participa directamente), os exossistemas (que constituem cenarios abrangentes dos mesossistemas e que os influenciam, mas on de a pessoa nao intervem directamente embora por eIes seja envolvida) e os macrossistemas (que conglomeram os sistemas infra-ordenados e se situam ao nivel da cultura, dos grandes sistemas de val ores e crencras, ou dos grandes quadros civilizacionais onde a pessoa se integra). Na perspectiva holfstica que caracteriza esta «visao do mundo» e, portanto, possivel a decomposicrao do sistema em subsistemas integrados entre si e interactuantes, sen do que (tal como na teoria gestaltista e na sua derivada teoria de campo) 0 todo e mais do que a soma das partes, 0 que representa urn corte epistemologico em relacrao as duas perspectivas anteriol111ente referidas, onde sao privilegiados os elementos e as suas interac~oes ou adi~oes, segundo urn modelo de combina~ao linear. Na perspectiva organismico-sistemica e a totalidade nas suas relacroes com as subtotalidades 0 objecto epistemologico em causa, admitindo-se processos de auto-regulacrao dos sis-

AS LIMITA<;OES DO EXPERIMENTALISMO LABORATORIAL EM PSICOLOGIA SOCIAL Au lim e ao cabo. uma experiencia consiste numa interac'fiio entre uma st!rie de pessoa~ em <.Jue instrw,:oes e um acontecimento social. A questfio de saber de que tipo e e~se acontecil11cnto torna-M! prel11ente se nos interrogarl11(Js , e alinal ele e um acontecimento tfpicn. uu seja. se ele e um acollteci mentu que m:orre frequentemente no mundo real da aC'fao social. Se e, entao temu, mziie~ para crer que 0 que acolltece ali tem algul11a reln'fao com ns coisas <.Jue ncontecem na vida real. Mu, ,ucede. todavia. <.Jue ha duas razoes para crer <.Jut! a, experiencias classicas nao sau acontecimentos sociais tfpicos. iJ As experiencias ocorrem em lugares especiais. usual mente chamados laborattSrios de Psicnlogia Social. onde um ambiente simplificado com paredes nfio decoradas. mobflias simples. raramente mais do que duas cadoiras, a face misteriosa de urn espelho de visao unidireccional e ate tal vez 0 nlhar lixo de uma dimara de televisao. Sau essas as cllndi'f0es ambientais em que ocorrem as experiencias sociopsicologicas. Mas na vida real as coisas 'Icontecem em ambiente~ altamente diferenciados. ri cos no que respeita as componente\ visuais e acusticas. recheadas de objectos simb6licos. que dirigem ou determinam os processo, interpretativos e as escolha~ dos sistemas de regnl~ dos actores . 0 ambiente ~impliflcado das experiencia~ sociopsicol(lgicas conduz inevitavelmente a irresoluvel ambiguidade da interprela'fao. Os actores pura e simplesmente nao sabem a que si~tema de regras devem recorrer. Toda a gente Ilea tolhida pela incerteza. No linal. presume-se. sao dad as a, respo~tas mais gerais e inespedficas que e possfvel. tal como seriam dadas nllma , itua'fao altumente ambfgua da vida real, como num encontrn de eSlranhos num sitio publico. Sao con~lruida~ resposlas deliberadamente amb iguas. que poderao ,er depnis reinterpretada:,. Parece que. na ausencia de urn ambiente interpretado. um Ullllrell social. nenhuma conclusao pooe ,er extrafdo acerco de qual tern sido 0 ,istema de regras <.Jue foi utilizado na~ uctividades ocorridas nesses lugares indi~ao dada,. tarefa~ cumpnda~, pessoas apresentada~. reputa'f6es conquiMada, ou perdidas. Ullla experii!ncl3

ferenciados. ( ... J ii) Quem se eneontra numa experiencia sociopsicol(lgica. no ambiguo cemIrio do laborat6rio? Amigos. companheiros de trabalho. c1ientes. rei, e rai nh'I~ . policia~ e violadores do Ctldigo da E:,trada. Olt <.Jue'? A literatura revela que. em qua~e todos os caso:" quem se encnntm ,uo estranhns. Mas us e\tudos ~obre as intemc,
temas que lhes conferem propriedades homeostaticas. As mudan~as sao encaradas como passagens de situa~oes de equilibra~ao para novas situacroes ou niveis de equilibracrao. 0 psicologo, nesta perspectiva, nao deixa de ser urn observador extemo ao sistema, e continua a esperar-se que observadores independentes procedam a observa~oes equivalentes dos mesmos sistemas. Nao e possivel deixar de invocar neste ponto a teoria de Piaget e, entre outros, urn caso

particularmente fecundo para subsequentes desenvolvimentos na Psicologia Social, 0 model0 de equilibrio e das rela~oes interpessoais de Heider (1958), em cuja teoria sociopsicologica se reconhece uma orienta~ao sistemica e hoIfstica. E interessante notar que, a semelhancra do que viria a acontecer com muitas das propostas teoricas de Lewin, Heider veria 0 seu modelo ser apropriado e transcrito para 0 campo da perspectiva interaccionista, gerando-se centenas de tra-



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balhos de canicter laboratorial de validade ecol6gica duvidosa em ordem ao teste das hip6teses lewinianas e heiderianas, mas com a consequente manobra de redu~ao que isso necessariamente implicou, em consequencia da transposi~ao de perspectivas epistemol6gicas. Mais recentemente, 0 pr6prio Bronfrenbrenner (1995) veio a publico denunciar a tresleitura do seu modelo ecol6gico do desenvolvimento humano, muitas vezes desvirtuado pel a redu~ao sistematica da sua perspectiva, inspirada em Lewin, a meros desenhos de pesquisa nao holisticos e puramente interaccionistas. A perspectiva transaccional e, a semelhan~a da sistemica, holistica, isto e: centrada sobre as totalidades, e e definida por Altman e Rogoff (1987) como 0 estudo das rela~oes em mudan~a entre aspectos psicoLOgicos e ambientais de unidades holisticas, envolvendo num movimento compreensivo as pessoas, os seus processos psicol6gicos e os ambientes, encarados como inseparaveis. au seja: ao contrario da perspectiva interacionista, que e analitico-aditiva e se centra sobre a interac~ao entre elementos considerados independentes, eventualmente traduzindo essas rela~oes atraves de modelos matematicos lineares, a perspectiva transaccional nao separa pessoas, processos e contextos, considerando-os totalidades indecomponfveis. Neste sentido, a perspectiva transaccional afasta-se da perspectiva sistemica, que e ainda analitica ao considerar a divisibilidade dos sistemas em subsistemas separados, e que nao se centra necessariamente nas propriedades em mudan~a, podendo mesmo nalguns casos ignoni-Ia ao privilegiar os processos homeostaticos que asseguram a equilibra~ao e, portanto, a resistencia do sistema a mudan~a. Na perspectiva transaccional, a temporalidade dos fen6menos e urn aspecto central, intrfnseco a pr6pria defini~ao dos acontecimentos a abordar. Como Altman e Rogoff (1987) 0 fazem notar, mais

uma vez se verifica urn contraste com as perspectivas interaccionista e sistemica, na medida em que as abordagens interaccionais assurnern que a mudan~a resulta da interac~ao de elementos separados, com algumas entidades tratadas como varitiveis independentes qUe causam a mudan~a em entidades que sao va ridveis dependentes. As abordagens organ(smicas consideram que a mudan~a resulta de complexas interac~oes redprocas entre os elementos do sistema, podendo um dado elemento funcionar como varitivel dependente ou independente em diferentes ocasioes. Enquanto 0 tempo e a mudan~a sao considerados nas perspectivas organ(smicas como desvios ern rela~ao a um estado ideal, ou tentativas de atingir urn objectivo a longo prazo teleologicamente predeterminado, as perspectivas transaccionais nao pressupoem que a mudan~a estti associada a um estado ideal predeterminado. Em vez disso, a mudan~a e considerada uma propriedade intr(nseca das unidades ho/(sticas, sem atender a um movimento em direc~ao a um estado ideal que, uma vez atingido, nao implica mais mudan~as (ver caixa na p. seguinte). Isto nao significa que nas perspectivas transaccionais se negue 0 caracter intencional e dirigido para objectivos da ac~ao humana, mas tao-s6 a recusa de postular mecanismos regulat6rios universais ou programas que predetenninam 0 desenrolar dos acontecimentos. a psic610go, nesta perspectiva, nao e visto como exterior ao observado, fazendo ele pr6prio parte do fen6meno. a que significa que observadores diferentes, em diferentes momentos espa~o-temporais, nao podem deixar de recolher informa~ao diferente acerca dos fen6menos, abandonando-se a exigencia de replicabilidade, sem sentido nesta perspectiva, para se fazer repousar mais a psicologia nos processos hermeneuticos do pr6prio psic6logo, ele mesmo nao separavel da realidade

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A PSICOLOGIA SOCIAL REQUER ANA-USES DOTADAS DE COMPREENSAO, HOUSMO E TEMPORALIDADE, E NAO A BUSCA DA CAUSA DAS COISAS Num quadro de referencia hermeneutico. a verdade e 0 que a~ coisa~ sao. Mas nao devemo~ esquecer que as coisas sao temporai~. Estuo lemporalmente connosco. num mundo temporal. A verdade como lemporalidade e manifesta na forma como a~ coisas sao. nao 110 que elas sao. Este COIIIO e encontrado na tensao. no 1110vimento. no jogo - na articulacrao do mundo. na propria temporalidade. Nessa forma de compreender 0 mundo, podemo~ legitimamente colocar interrogacr6e~. me~mo ~obre que~toes sociais, e ha respostas verdadeim~ e falsas. Mas a verdade de uma resposta nao est a ml sua con'espondenciil a um criterio exterior. Esta, em vez disso, na sua articulacrao particular com 0 todo e e. portanto. em si me~ma temporal. Quando 0 mestre de xadrez pergunta a si mesmo que jogada sera a mais adequada - ou quando um novato pergunta i~so ao me~tre - . a resposta correcta nao e correcta porque corresponde a um jogo de xadrez ideal num ceu situudo algures. A respo~ta correcta a questao «que joguda devo fazer?" e 0 proprio acto de responder. que toma em conta 0 toma-hi-da-d do jogo como um todo. os dados e po~­ sibilidades gemdo~ pelas rel>posta~ :lI1teriores e pela accrao do oponente. dando conta disso u continua articulacrao do todo. o que 0 mestre de xadrez procura e inteligibilidade. Considerando 0 que esta a acontecer. dada a temporalidade do jogo, vieram it mente algumas questoes. e ele deve compreender a situa"ao e formular uma resposta ou previsao no quadro dessa tempomlidade. 0 jogador busca compreensao (inteligibilidade ). nao explicacrao. Nao se preocupa com a questao: Que COtljlll!lO de causas me leva a jogar es/e jogo e me pos lies/a sill/arrao? Se essas causas existem, devem ainda operar. e por conseguinte controlar 0 proximo lance do jogador. Nesse C:lSO. a teia causal poderia ser modificada pelo proprio facto de 0 jogador a tel' em consideracrlio. e a possibilidade de isso acontecer. gerando complexidade e modulacroes inesperada~. poderia muito bem tomar impossivel a previsao das accroes humanas. mas nao deixaria de ser causal. Se essas causas existem. entao 0 jogo e~ta j;i decidido. Nao pode ser jogado, apenas verificado. Portanto, enquanto jogador. e nao como observador. uma pes~oa nao pode colocar eSS;L~ questoes. Coloca-Ias significa abandonar 0 Jogo e situar-se num plano transcendente. indo para n posicrfio de observador e nao de participante. No jogo. questoes tais como dado qlle es/Ou aqlli e es/as coisas aCo/l/eceram e atjueloUlms poderil/m IeI' aeO/lleddo. que t! que ellJafo? ~ao adequadas e legitimas. As ciencias humanas deveriam procllrar compreender e nao explicar. j;1 que sao inve~tiga'ioes temporais de um mundo temporal. Os cientistas sociais estao ja a jogar 0 jogo sobre 0 qual fazem perguntas. nao apenas a observa-Io. E nao podem parar de 0 jogar para passur u observa-Io meramente - pelo menos ~em deixarem de ser humanos. (1. Faulconer cR. N. Williams. Telllpora/;rY;11 H/lIIIIII1 Acr;ol1. 1985)

observada I. Este imperativo de contextualizados dados, em ordem it sustenta~ao de correctas interpreta~oes, e, alias, uma necessidade constante e demasiado ignorada em psicologia. Recorrerei aqui ao exemplo apresentado por Gergen (1982) no sentido de demonstrar 0 ~ao

informa~oes contextuais para a psicol6gica. Suponhamos que estou numa festa em cas a de amigos e observo que 0 meu amigo Pedro e a minha amiga Laura se aproximam urn do outro, digamos ate a uma distancia a que Hall chamaria uma distancia

imperativo das interpreta~ao

I Contrariando desta forma 0 aforismo do astronomo e escritor ingles F. Hoyle, que afirmava que em ciencia nao importa quem fala mas sim 0 que se diz. Na perspectiva transaccional, a implicacrlio do observador no campo total do observado leva a que nao seja importante nao so 0 que se diz mas tambem quem 0 diz, quando, como e em que contexto.



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ESTETICA DA FUGACIDADE DO MUNDO Hu temp()~ pa~~ea\'a pm um estivul campo em !lures na companhlH de lm1<1 amigo taciturno e de um jllvem ju celebl e poeta '" que admirava a belezu da natureza que n()~ rodeava. mas sem a pode. gOlar. porque 0 preocupava a ideia de que todn esse esplendor e~tavu condenado a morrer. dado que no Inverno que ~e avizinhava tudo teria desaparecido. Por i~so. tudo 0 que tinha amudo e admirado parecia- Ihe desprovldo de valor. Tudo Iria perecer nes~e destlno inevit.ivel (. .. ) Esta pretensan a eternidade atrai<,:oa com uma demasiado brutal c1areza a ~ua ralz nos nossos desejos. para que se Ihe possa conceder ll111 valor de realidade. Tambem 0 que nos e doloroso pode ~er certo. E por isso nao pude refutar 0 caracter univer~al da fugaddade das coisas. nem impor uma excep<;ao para 0 que e belo e perfeilO. Em Contrapartida. neguei ao poeta pe~~imbtu que a fugacidade do que e belo implicas~e a ~ua desvaloriz:u;ao. Pelo cOlllrario. aumenta 0 seu valor. Essa fugaddade contem um valor de rara beleza no tempo. As posslbilidade~ Iimitudas de tiralmo~ prazer do que e perecfvel torn am-no ainda lIlai~ precio~o . Manifestei u s~i m a minha incompreensao pelo facto de a c:lduddade do que e belo nos perturbar 0 prazer que ele nos du. 0 que h:\ de belo na natureza renasce apos cada destruir;ao invernal. e esse renasdmento pode considerar-se etemo quando comparado com os tempos Iimitados da~ nossas vidas. Ao longo da nossa existencia. vemos e~gotar- se para sempre a beleza dos roslos e dos c()J"po~ humano\. mas eMa transitoriedade acrescenta ao~ seus encanlo~ ll111 novo encanto. Vma flor nao nos parece meno~ esplendida pm'que as suas petalas so duram uma noile. Assim como nao compreendi porque e que a Iimitw;ao do tempo teria de desvalorizar a perfei<,:ao da obra de arte ou da produr;ao intelectual. Mesmo que chegue um tempo em que ficariio reduzidos a po o~ quadro~ e as eSHItUaS que hoje admiramos. me~mo que nos suceda uma gemrrao de ~ere~ que ja nao compreendam as obra~ dos nossos pocta~ e pen~adores. me~mo que t)corra uma era geologica que emude<;a toda a vida na Terra .... pouco importa. 0 valor de tudo 0 que e belo e perfeito existe \0 lUI ~ua importancia para a nossa percep<,:flo. Nao e nece~~uno que sobrevi va. e e portanto Independente da ~ua perdunlC;ao tempOlal. ma~

>!<

Rainer Maria Rilkc. Freuu.

social proxima (80 cm), e que 0 Pedro toca com a mao nos cabelos de Laura. Poderei interpretar esse gesto como urn gesto de sedu~ao de Pedro em rela~ao a Laura? Digamos que 0 falfo baseado nos codigos implfcitos da minha subcultura. E claro que se 0 Pedro, dias antes, me tivesse confidenciado que estava apaixonado pela Laura, a minha interpretalfao seria ainda mais sol ida. Mas suponhamos que, em vez disso, eu soube que ha dias a Laura tinha dito ao Pedro que achava que ele era uma pessoa fria. Entao, a minha interpretalfao ja poderia ser a de que 0 Pedro estava so a ten tar mostrar a Laura que nao era assim. Ficaria contente com a minha inter-

V('I :~i/llgliclIk('il

. 1915

pretalfao, mas por acaso 0 Joao acabou de chegar e disse-me que a mae da Laura tinha morrido ha tres semanas. Poderia entao mudar a minha interpreta~ao: como amigo de Laura, Pedro estava a consol
proprias interpretalfoes com as dos outros, num processo de permanente retroalimenta~ao da informalfaO interpretada. Trata-se, assim, de urn processo de co-constru~ao que nao pode deixar de ser temporal. A temporalidade do observavel vai a par com a propria temporalidade do observador. No tripleto indissociavel passado-presente-futuro, nao raro os psicologos sociais se cristalizam na observa~ao de urn presente de urn «sujeito» desprovido de passado e sem projecto de futuro. Esse presente, fixado numa especie de eternidade apenas consistente com a pobreza do imaginario do observador, e em rigor urn presente desumano, ja que se alguma coisa distingue a condi~ao humana e precisamente a capacidade de em cada momento presente reconstruir 0 que ja nao existe (0 seu passado), e projectar 0 que ainda nao existe (0 seu futuro). Vma psicologia social a-historica e a-biografica consegue deste modo a proeza de se constituir como uma psicologia social capaz de estudar tudo, menos os seres humanos. Porque ao pretender a etemidade das leis impessoais prescinde no mesmo momenta da temporalidade fugaz das pessoas existentes (ver caixa na p. seguinte). Na Psicologia Social, 0 pensamento de Kurt Lewin (1890-1947) pode ser parcial mente lido a luz da perspectiva transaccional, com cinquenta anos de avan~o em relalfao asua propria epoca 2. Ao longo da sua obra, desenvolvida sobretudo a partir dos anos 30, Lewin (1931, 1935, 1936, 1938, 1943, 1947, 1951) defendeu 0 caracter dinamico da aClfao humana e a interligalfao entre a pessoa e 0 meio como urn campo indecomponfvel, traduzfvel pela sua celebre equalfao B=f (P, E), ou seja, 0 comportamento (B) como

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funlfao simu/taneamente da pessoa (P) e do meio (E). 0 modelo e topologico e nao algebrico, e essa distinlfuo tern sido muito diffcil de apreender pelos psicologos sociais. 0 modelo lewiniano nao representa uma adilfaO ou urn produto reduzfvel a uma equa~uo linear ao gosto behaviourista, tal como B= a)P+a2E ou B=a)P*a2E, por exemplo. Ou seja, meio e sujeito nao sao variaveis independentes nesse sentido, mas partes indecomponfveis de urn todo. Era justamente contra esta tresleitura que Bronfenbrenner protestava, no texto acima referido. Ao estabelecer a sua teoria do campo, Lewin procede tao-somente a uma analogia metateorica com 0 conceito de campo da ffsica pos-newtoniana, enquadrando-o decididamente numa perspectiva teorica gestaltista. Para Lewin (1935), como para toda a escola gestaltista, e essencial a nao-equalfao entre mundo real e mundo fenomenal, 0 qual procede de uma reconstru~ao subjectiva do primeiro, e essa distinlfao e, na teoria lewiniana, 0 eixo da nOlffio de espa~'o de vida. 0 campo psicologico e 0 conjunto dos processos que influem na aClfao del uma pessoa num dado momento, englobando num mesmo movimento a pessoa, 0 meio e a zona fronteirilfa que separa as componentes psicologicas das nao psicologicas, ou seja, como a parcela de real que existe para 0 sujeito, nao em termos de cognilfao mas de efeitos reais. Oreal e aquilo que produz efeitos (Lewin, 1935): os factos devem ser inclufdos na representar;iio do espa~'o de vida psicol6gico apenas na medida e consoante 0 modo como afectam 0 indivfduo num dado momento. 0 que pressupoe que 0 jogo de forlfas num dado campo esta em permanente mudanlfa. Posteriormente, nas obras escritas de 1938 ate a sua morte, em 1947, K.

2 E injusta a acusar;ao de 1. P. Sartre de que Lewin teria sido vltima de um «fetichismo da totalidade». Holfstico. 0 modelo de Lewin nao deixa de ser empirica e experimental mente testavel. e desse modo fertilizou 0 subsequente desenvolvimento cientffico da PSicologia Social.



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Lewin deslocar-se-ia da teoriza~ao da ac~ao individual em termos de campo de for~as para a teoriza~ao da dinamica dos grupos segundo 0 mesmo modelo teorico: A representafiio do grupo e do seu ambiente como um campo social e um instrumento bdsico para a andlise da vida de um grupo. Isto significa que a ocorrencia social e vista como acontecendo e resultando da totalidade das entidades sociais coexistentes como grupos, subgrupos, membros, barreiras, canais de comunicafiio, etc. Uma das caracterfsticas fundamentais desse campo e a posifiio relativa das entidades que siio parte do campo. Esta posifiio relativa representa a estrutura do grupo e 0 seu ambiente ecolOgico. Expressa tambem as possibilidades bdsicas de locomofiio dentro do campo. 0 que ocorre dentro desse campo depende da distribuifiio das forfas em todo 0 campo. Uma previsiio pressupoe a capacidade de determinar a intensidade e a durafiio das forfas resultantes para os vdrios pontos do campo. De acordo com a teo ria geral do campo, a solufiio de um problema de vida do grupo tem de se basear num procedimento ana/(tico desse tipo. So considerando os grupos em questiio no seu ambiente real podemos assegurar que nenhuma conduta essencial poss(vel foi ignorada (Lewin, 1947) (ver caixa da p. seguinte). Nesta obra, Kurt Lewin aborda os processos sociais como estados quase estacionanos, apresentando urn modelo fonnal para o tratamento analftico dos equilfbrios quase estacionanos na vida dos grupos, enquadrados nos seus contextos sociais reais, mas a sua morte no preciso ana de publica~ao da obra citada impediu que desenvolvesse 0 seu modelo. A passagem da teoria a pnltica acentuar-se-ia com os desenvolvimentos da psicologia ecologica brotada da obra dos seus discfpulos e desenvol vida por Roger Barker (Barker e Wright, 1

1949, 1951, 1955; Barker, 1963, 1968, 1978' Barker e Gump, 1964; Barker e Schoggen : 1973) 3, que durante decadas procedeu a analise sistematica dos acontecimentos de vida e processos psicologicos da vida quotidiana das pessoas e grupos nos mais variados cenanos ambientais (igrejas, escolas, barbearias, lojas, restaurantes, escolas, campos de jogos, etc.). 0 pensamento de Barker enquadra-se igualmente numa perspectiva transaccional, 0 conceito de sinomorjia traduzindo a indecomponibilidade da pessoa e do meio, e 0 de cendrio comportamental (behavior setting) constituindo-se como a unidade privilegiada de analise no modelo barkeriano, onde se verifica uma desloca~ao da psicologia do estudo dos processos psicologicos dos indivfduos ou grupos enquanto tais para 0 estudo dos programas de aCfiio inerentes aos vanos cenanos. Individuos ou grupos podendo ser intennutaveis de cenano para cenano e nao interessando como objecto de analise em si mesmos. Ha que admitir a parcialidade do caracter transaccional da teoria de Roger Baker, dado pressupor processos homeostatic os que sao proprios da teoria sistemica, mas nao deixar de ser transaccional na sua faceta de analise dos processos de devir, nas continuidades espa~o-temporais em analise, centrando-se no que Barker (1963) designou como a corrente do comportamento, parafraseando 0 celebre conceito de William James de corrente de consciencia Mas nao so na psicologia lewiniana e nas suas heran~as se encontra em Psicologia Social a perspectiva transaccional. Reencontramo-Ia, de fonna mais pronunciada, no pensamento de Rom Harre e Paul Secord (Harre e Secord, 1971; Harre, 1979; Harre, 1980; Secord, 1982), na sua critica radical da invalidade ecologic a do experimentalismo e na sua proposta de uma psicologia etogenica, onde nao ha lugar para a

Para uma introdu\ao 11 psicologia ecologica, cf. Wicker (1979, 1987).

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A PSICOLOGIA SOCIAL ENQUANTO HERMENEUTICA Considcrc-sc 0 conllilo que exble n pl'llcurar definir con-ectamellle a~ interpreta'ioe~ do aClor. Esta visao. parlilhada pela fellomcllologia. pela teoria da ac~ao e pelas sociologias interprelativas. argumellla que para compreendcr uma pessoa devcmos conseguir captar os ~ignificados e compreensoes dessa pessoa, a~ v i~iics do mllndo do agcntc. os sells pianos. illlen\oes. motivac.:ue~ c ilileresses. o que nao significa qlle, lima vez isso conseguido. se comprccndn IOlalmente 0 comportamento; e~~e conhecimcnto apenas nos da lima pe,.:a do 1'11::'::./('. mas uma pc\a que e necess.iria. (...) Posta em termos simples, a visuo da perspectiva hermeneutica e esl... se 0 no~so objecti vo e expl icar 0 comportamenlo tal como ocorre IHI vida quotidiana. nao e possfvel escapar il descril;ao comum do compoltamento e da experiencia. Alguns mecanismus e estrutunts causais descobel'tas pela psicologia experil11elllal ou ()utra~ ciencias aplicam-se ao comportamento quotidiano, mas pOl' si proprias nao fornecem uma explicn,.:uo suliciellle. e sobretudo certamente nao no~ dispensam do uso da linguagem con-ente como substilutu de umn lingungem puramente cientftica, Acrescente-se que 0 contnirio lnmbem nao e posslvel: a linguagem comum nao se substilui il lingungem dos mecanismos e estruturas callsais. (... ) A questao nao esta em saber se uma ciencia psicologica hermeneutica pllderia subslituir os conhecimentos e compreensoes comuns de nos proprios e dos outros. compreensoe!t essas a que invariavelmente e ainda que de llill modo imperfeito. temos acesso. A questao esta sobretudo em saber 0 que e que esta implicado na obten~ao de uma melhor compreensao, um melhor balan~o do~ nossos actos e do!t actos dos outros. Posto de fo rma mais directa: 0 que e entao uma ciencia hermeneutica? ( ...) Distinguimos entre as ciencias que procuram descobrir as estruturas e os mecanismos que acluam no uni verso, e as ciencias que uplical11 u conhecimento para explicar, preyer e diagnostic;u' os fenomenos. A meteorologia aplica conhecimentos vindos da F1sica. da Astronomia. da Geologia e de outras ciencias para proporcionar explicll\oes e previsoes de fen6menos meteorologicos concretos, tal como a causa de uma seca. Muitos sistemas estau envolvidos nesse processo, incluindo frequentemente as pr6prias lIc~oes humanas, como no caso do Sahel. E reconhecemos que a meteorologia nao e uma ciencia ex acta. A hist6ria, similarmente. procura explicar us acontecimenlos passados como episodios concretos envolvendo pessoas concretas numa dada sociedade, em pmticular tempos e lugares. Recorre a conhecimentos delivados das ciencias sociais. e de uma serie de ciencias auxiliares. como a numismatica. a paleografia e tambem conhecimentos vindos da experi encia comum. Uma ciencia hermeneutica das pessoas e um analogo da hist6ria ou da meteorologia. Procura compreender as pessoas concretas. nas suas histt'irias pe s~oai s. peculiare~ padrfles de comportamento. incluindo a sua autocompreensan. Mas evidentemenle, ainda que a tare fa seja hermeneutica e pr6xima da nos:.a larefa cOlllum como seres sociais, enquanto esfon;o cientff1co requer tambem que 0 investigadol' use todn!t os ~ abel'es especial izados pnssfveis que impliquem us estnllurns e processo!t que opermll nessas biogrdfi "s pessoaih. E. dado que as pessoas nuscem e crescem num mundo social. isso reqlle r. pOllan to. a referencia ilS e~trutura~ sociab que enquadram a~ biografias. {Peter Mal1 ica~ c Paul Secord. Till.' /lIIplicClIIOIIJ (o /' P.I:I(·//O/O.~.I· (1/'1111.'

clivagem observador-observado (a ac~ao social devendo ser interpretada como as actividades das pessoas tal como as conhecemos e experienciamos) e onde os modelos da linguistica sao contrapropostos como pista altemativa a abor-

NI'II'

Pili/o.I·Of'/"· oj SIII'III·" . 19113 )

dagem comportamentalista: A etogenica e uma psicoLogia sociaL conscienciosamente modelada nos quadros de referencia estruturais da lingu(stica. Enquanto psicologia social e da personalidade alternativa, esta abordagem

515

514

inspira-se numa forma elaborada de teoria popular do sen so comum da aq'ao social. A actividade social e assumida como a aa!/io de agentes que tem inten~'oes em ordem a realizafao de actos socia is e se inspiram nas regras e convenfoes para realizar os seus actos-intenfoes em aCfoes publicas e signijicantes (Harre, 1980). 0 metodo privilegiado da etogenica e a analise de epis6dios de vida e a identifica~ao dos significados subjacentes, constituindo tal a base para a explica~ao do comportamento social a que 0 psic6logo e suposto proceder (Harre e Secord, 1972). Na perspectiva transacional, a preocupa~ao de validade ecol6gica, ja total mente afinnada na perspectiva sistemica de Bronfrenbrenner (1979) e Valsiner (1987, 1989,1995) e Lerner (1995), e urn elemento distintivo e imprescindivel, assim como a inerente contextualiza~ao, reelamada insistentemente por Gergen (1982) e Stokols (1983, 1987) e pela psicologia ambiental em geral (cf. Stokols e Altman, 1987; Soczka, 1989). A analise das transac~6es pessoas-ambiente fisico/social, objecto epistemo16gico que constitui 0 «nueleo duro» desta perspectiva (Barker, 1968; Proshansky, Ittelson e Rivlin, 1974; Stokols, 1983; Winkel, 1987), processa-se necessariamente nos contextos quotidianos das pessoas, e e rejeitada liminarmente a perspectiva experimental de laborat6rio, nao pelo metoda enquanto tal, ja que 0 seu racional e igualmente aplicavel em estudos de campo (Cook e Campbell, 1979), mas pelo artificialismo das situa~6es, esvaziadas do seu real conteudo e significado social (cf. Harre e Secord, 1972). Sao em contrapartida privilegiadas as abordagens «naturalistas» (Lincoln e Guba, 1985). Entre os tra~os distintivos da abordagem contextual dos fen6menos psicol6gicos e das ac~6es humanas, Stokols (1987) acentua a preocupa~ao com a compara~ao das varia~6es trans-situacionais, ausente nas teorias e abordagens

nao contextuais que procuram construir mode_ los de previsao baseados em leis universais. Por exemplo, uma hip6tese do genero: As pessoas com personalidades ou comportamentos de tipo A estiio mais sujeitas a acidentes cardia_ vasculares do que as que nao apresentam esses trafos e uma proposi~ao elaramente nao Contex_ tual, na medida em que nao atende as varia~6es ecol6gicas que podem tornar a hip6tese mais ou menos valida consoante as situa~6es e acontecimentos de vida de cada sujeito. Ou seja: independente mente da categoria geral «pessoas com personalidade de tipo A», ha cada pessoa inelufda nessa categoria, com as suas inconfundiveis traject6rias pessoais e contextos da ac~ao, com a traject6ria de qualquer outra pessoa. A validade ecol6gica da pesquisa depende fundamental mente, portanto, do grau em que 0 racional utilizado pelo psic6logo para estudar as ac~6es e processos psicol6gicos, num dado cenario ou conjunto de cenanos, se ajusta realmente as ac~6es e processos psicol6gicos desses mesmos actores em condi~6es e cenarios reais da sua vida quotidiana, 0 que implica necessariamente ter em aten~ao que as propriedades desses cenarios estao em pennanente mudan~a. Isto aponta imediatamente para a limita~ao de todas (e sao a esmagadora maioria) as pesquisas sincr6nicas e limitadas a urn unico cenario, que estao para a vida real como a fotografia esta para o cinema. A pesquisa de campo tern, portanto, de ter em conta as varia~6es intercenarios que penni tern compara~6es sistematicas das ac~6es humanas no tempo, no espa~o e em fun~ao dos significados sociais desses diferentes cenarios (cf. Cook e Campbell, 1979). A perspectiva ecol6gica requer, assim, a formula~ao de urn modelo de analise das ac~6es e processos psicol6gicos humanos suficientemente integrativo e que ultrapasse as limita~6es das abordagens parciais e ecologicamente invalidas que tern marcado a maioria das investi-

ANTIEMPIRISMO, CONTEXTO E TEMPORALIDADE EM PSICOLOGIA SOCIAL Do ponto de vista do empirismo. 0 l:Onhecimento humano e principal mente pmduto de il1pl/ls que advi!m do meio. Como e costume afirmar·se. 0 e~pirito humano a~~emeJha-~e a uma IlIhll/a rasa llJllle os estimulos exteriores inscrevem as suas m
ga~6es

em psicologia. A equa~ao lewiniana B=f (P, E) man tern a sua actualidade, mas 0 facto e que os psic6logos tern centrado bastante mais a sua aten~ao no elemento (P) da equa~ao, desvir-

tuando assim 0 seu sentido, como acima. Inversamente, em Psicologia nao raro encontramos investiga~6es sobre propriedades fisicas do meio

se referiu ambiental centradas de que 0



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sujeito esta ausente, conduzindo a absurdas conclusoes deterrninisticas de uma rela~ao causa-efeito do meio para 0 sujeito. A Figura 1 (p. seguinte) tenta esquematizar 0 que poderia ser urn modelo integrado da acc;ao e dos processos psicol6gicos humanos, em que a equa~ao B=1 (P, E) encontrasse expressao e desenvolvimento numa articula~ao sistematica entre os seus termos. No esquema proposto, decompoem-se as componentes (P) e (E) do sistema, mas mantem-se em aberto as trocas entre ambos os subsistemas, indicando-se as direccionalidades das ac~oes e das rectroac~oes em opera~ao ate se obter 0 produto final, que e a ac~ao humana (B) orientada para objectivos. No que se refere ao elemento (P), distinguem-se processos distais. referentes a experiencia passada da pessoa, e processos proximais. resultantes da permanente transac~ao isom6rfica entre as media~oes cognitivo-emocionais (e) e as infra-estruturas neuroend6crinas e fisiol6gicas (b) que model am os comportamentos (B). Entende-se que os processos distais, estruturados ao longo dos vlirios momentos epigeneticos compostos de transac~oes entre a experiencia ontogenic a e as estruturas biol6gicas, sao eles pr6prios dinamicamente alteraveis pela experiencia actual da pessoa. Consideramos importante manter em aberto, neste modelo, 0 subsistema das media~oes epigenicas, implicando com isso que toda e qualquer mudan~a no campo das media~oes actuais pode ter consequencias no campo das media~oes estruturadas pel a experiencia passada, considerando-as como subsistemas abertos. A inclusao das media~oes distais parece-nos de relevo para definir 0 ponto de partida em que se situa a perspectiva te6rica que aqui se adopta. Diversas correntes da psicologia contemporanea propoem a analise dos fen6menos e processos psicol6gicos como se eles nao tivessem hist6ria, ignorando 0 repetido aforismo de

Jean Piaget: Niio hd genese sem estrutura nenz estrutura sem genese. o elemento (E) de Kurt Lewin e decomposto em factores macrossociais (M), correspondentes aos exo e macros sistemas do modelo de Bron_ fenbrenner (1979), os factores microssociais (rn) correspondentes aos micro e mesossistemas do mesmo modelo te6rico, e as propriedades fisicas dos cenlirios de vida da pessoa (A). o modelo acima proposto implica, portanto, que se acabe com 0 mito da investiga~ao isolada em «disciplinas especializadas» e reciprocamente ignorantes, dada a manifesta impossibilidade de tao complexo sistema ser resoluvel a partir das perspectivas parcelares de cada disciplina. Atingiu-se uma fase em que cada vez mais se percebe que s6 equipas pluridiscipIinares integradas em projectos definidos e com objectivos comuns poderao dar resposta cabal as exigencias da complexidade do real. 0 que significa, em meu entender, que se ha algo que nao existe e essa figura bizarra chamada «psic6logo social», a nao ser como afirmac;ao corporativa. Nao ha processos psicol6gicos que nao sejam ao mesmo tempo sociais e profundamente pessoais. 0 sujeito psicol6gico e muito mais do que urn exemplar de laborat6rio cuja riqueza e complexidade da sua vida, com a carga de experiencias existenciais, afectos, saberes e sistemas de decisao, e covidado a resumir numa escala de 1 a 5. E que quando nos diz perante a curta frase que the e proposta numa escala que «as vezes e assim, outras vezes nao, depende», 0 psic610go responde-Ihe «fac;a la a media das vezes ou diga o que e mais frequente». 0 psic610go social e muitas vezes, assim, aquele que nem ouve nem quer ouvir 0 sujeito, no pr6prio gesto em que 0 reifica como objecto. Ha que ser firme, todavia, na distin~ao entre o reconhecimento da complexidade global dos sistemas em analise (reconhecimento essencial para que a psicologia nao se esgote num psico-

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menos psicossociais por uma vaga divaga~ao sobre esses mesmos fenomenos. Aponta tao-somente para a invalidade extema de uma investiga~ao psicol6gica alienada desse facto espantosamente tao esquecido pelos pesquisadores de laboratorio: as pessoas estao em situac;ao, e a sua ac~ao e produtora de sentidos e interpretadora de outros tantos sentidos. Conhecer e interpretar esses senti dos, situar as ac~oes em espa~os e tempos concretos dotados de significado para as pessoas, e tanto quanta possivel ligar teoricamente tudo isso aos processos e estruturas sociais que enquadram as acc;oes - e contribuir para 0 incremento da validade ecologica na investiga~ao em psicologia. Nos pontos seguintes analisar-se-ao tres temas de investiga~ao profundamente interligados, tentando demonstrar a necessidade da adopc;ao de uma perspectiva integrada e dotada de validade ecologica em Psicologia Social.

logismo) e a paralisia pratica que a armadilha do holismo pode constituir para a pesquisa psicol6gica. 0 conhecimento - e reconhecimento de que a realidade social e uma totalidade serve muitas vezes de justifica~ao para substituir a investigac;ao cientffica do social pelo simples discurso vago acerca dessa mesma realidade. E se parece curial que e fraca a abordagem sem hermeneutic a, em que toda a riqueza do discurso humano e encapsulada na pobreza do preenchimento de escalas ordinais ou da produ~ao de gestos sem sentido, tao falha ainda de urn ponto de vista cientffico poderia ser uma hermeneutic a nao balizada pelo controlo metodol6gico da investiga~ao empirica do real. A enorme confusao esta na reduc;ao desta investigac;ao empirica a urn unico modelo oficialmente validado, o modelo experimentalista. A abordagem ecol6gica nao se constitui como urn discurso que vern substituir a investiga~ao cientffica dos fen6-

FIGURA I

Modelo de decomposif;ao subsistemica da equa~ao B= 1 (P, E) de Kurt Lewin (Soczka, 1989) M - - --

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B=f(E, P)



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2. Contcxtos tcrritoriais. sobredensidade populacional e distancia<;ao intcrpessoal em mcio urbano

2.1 . 0 meio urbano: gerador de patoiogias sociais?

o

meio urbano e particularmente fertil na de estimula~oes e experiencias extremamente diversificadas, constituindo urn desafio crucial as capacidades adaptativas da especie humana. Evolutivamente, as raizes do comportamento social hominideo prolongam-se por miIhoes de anos, entroncando na linha comum dos antropoideos e apresentando com ela divergencias que datam de ha cinco ou seis milhoes de anos. Sem duvida, os caminhos evolutivos para a ultra-socialidade foram tra~ados pelos processos selectivos nessa aventura da hominiza~ao, e com todos os primatas partilhamos as modaIidades de existencia grupal com auto-regula~oes comportamentais que dependeQ'l, em grande medida, das conquistas da capacidade de processamento de informa~ao permitidas pela hipertrofia cortical. Se, todavia, considerarmos o fenomeno urbano, nao encontramos paralelo para essa ultra-sociaIidade senao nas sociedades de insectos. FiIogeneticamente tao longinquas do nosso proprio tronco evolutivo que 0 estabelecimento de correspondencias que ultrapassem o mero campo analogico constitui urn desafio a imagina~ao humana (cf. Campbell, 1983). Historicamente, as cidades sao urn fen6meno muito recente, da ordem dos 5500 a 6000 anos, e dessas primeiras cidades mesopotamicas e niloticas, albergando entre dez mil a trinta mil individuos, e gigantesco 0 saIto para as macro-urbes actuais, como as hipertrofiadas cidades brasileiras, americanas ou japonesas, com dezenas de gera~ao

milhoes de individuos. Nao pode, POrtant deixar de constituir motivo de interroga~ao p 0, a psicologia e para a sociologia 0 desafio ~a Iimites de adaptabilidade do homem que ;s bruscas mudan~as impIicam. Interroga~ao cen~ tral colocada pelo bi610go Rene Dubos: Milho es e milhoes de seres human os esttio ttio bem ajustados ao meio urbano e industrial que jd ntio Se importam com os cheiros dos gases dos escapes dos automoveis, ou com a fealdade gerada pelas irregularidades dasformas urbanas; acham normal cair nas annadilhas dos engarrafamentos de trdfego. passar grande parte dos domingos com sol em auto-estradas de bettio entre a bestiali_ dade dos anonimos e amorfos roncos dos motores dos carros. A vida na moderna cidade tornou-se um sfmbolo do facto de que 0 homem se pode adaptar a ceus sem estrelas, a avenidas sem arvores, a ediffcios disformes. a ptio sem sabor. a festas sem alegria, a prazeres sem espfrito - a uma vida sem referencia ao passado. amor pelo presente e esperam;a no futuro (Dubos, 1968). Mais de metade do caminho evalutivo do Homo sapiens foi percorrido em pequenos grupos primaticos dedicados a ca~a e it pesca, e mesmo a passagem a agricultura nao impIicou transi~ao social para 0 anonimato acarretado pel a coexistencia de milhares (actualmente milh6es) de individuos concentrados em areas relativamente pequenas. Ainda em periodos muito recentes da evolu~ao cultural humana, ridiculamente recentes, mesmo se nos colocarmos numa optica de evolu~ao biol6gica a experiencia urbana era caracteristica de uma reduzida minoria de pessoas, da ordem dos dois por cento da popular;ao mundial em meados do seculo XIX (Davis, 1965). Ca1cula-se que hoje em dia urn quarto da humanidade viva em grandes concentra~oes urbanas (Fisher, 1978) e a tendencia e para 0 aumento nlpido da urbaniza~ao da popula~ao, it escala mundial. Nos Estados Unidos, no inicio da revolu~ao industrial (por volta de 1800),

seis por cento da popularrao viviam em cidades; em 1850, quinze por cento; em 1900, quarenta por cento; e nos fins do seculo xx, mais de setenta por cento (Levi e Anderson, 1975). Em Portugal, pais marcadamente rural, arreigado a modos de produ~ao arcaicos, de economia debil e sociologicamente eivado de tra~os culturais pre-industriais, 0 crescimento urbano e sobretudo urn fen6meno do seculo XX, e profundamente Iigado a macrocefaIia Iisboeta (ainda hoje perto de urn quarto da popula~ao nacional vive na area metropolitana de Lisboa, de acordo com 0 Censo de 1991). No seculo XVI, a popula~ao urbana devia rondar os oito por cento da popula~ao total (Godinho, 1971). Em meados do seculo XIX, viviam onze por cento da popula~ao em aglomerados com mais de quatro mil habitantes, sendo 5,5 por cento em Lisboa (Girao, 1958). Em rela~ao a 1960, Magalhaes Godinho apresenta 18,2 por cento para a popula~ao urbanizada, concentrada em Lisboa (13,3 por cento) e Porto (cinco por cento), contando com os respectivos arrabaldes. Para a mesma data, Oliveira Marques (1976) apresenta urn numero urn pouco superior (22.8 por cento). diferen~a certamente derivada da metodologia do calculo da urbaniza~ao. Recorrendo a tres conceitos muitas vezes utiIizados na aproxima~ao estritamente quantitativa do fen6meno da urbaniza~ao. observa-se que Portugal e (no inicio da decada de 80) urn pais com urn nfvel de urbaniza(Jio 4 baixo (30,4 por cento de popula~ao urbana), mas com urn grau de urbanizarti 0 5 elevado (45.7 por cento). Este indicador traduz uma concentra~ao populacional muito elevada em tomo de tres grandes aglome-

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rados: Lisboa. Porto e Amadora. As duas primeiras cidades foram. ate final da dec ada de 70, as unicas com urn efectivo populacional superior a cern mil habitantes. representando 10,45 por cento (1900); 11.34 por cento (19 I I) ; 13.39 por cento (1960) e 12.15 por cento (1981) do total da popula~ao residente no continente. Tomando em considera~ao a popula~ao residente na Amadora, os tres centros urbanos representavam. em 1981. perto de catorze por cento da popula~ao total do continente (Soczka. Machado e Freitas. 1990). Se atendermos. todavia. as duas grandes aglomera~oes urban as nacionais (a Grande Lisboa e 0 Grande Porto) 6 verificamos que 77,2 por cento da popula~ao urbana se concentra nessas areas (57.6 por cento em Lisboa e 19,6 por cento no Porto). Em rela~ao a popularrao total do Pais, 17.1 por cento vivem na Grande Lisboa e 5.8 por cento viviam em 1980 no Grande Porto. 0 que de nota bern a macrocefaIia nacional. No conjunto. estas duas areas metropolitanas comportavam. em 1981. 48 dos 75 nucIeos populacionais com mais de dez mil habitantes que existem em Portugal. A cidade e urn mosaico cultural. com a sua justaposi~ao de estratos sociais e fun~oes diferenciadas. conotadas com especfficas formas de viver 0 quotidiano. nos matizes das suas cren~as. ideologias. valores. costumes e representa~oes sociais. Na cidade estamos longe da relativa homogeneidade cultural e funcional que sao apamlgio das comunidades rurais. onde a mobilidade social e muito men or e as estratifica~oes tradicionais mais acentuadas. Nao existe consenso cultural na cidade. Ela e. de algum modo. urn zoo humano. uma exposi~ao amostral

4 Nivel de IIrballizar;iio = percentagem da popula\ao urbana: a que vive em aglomerados populacionais com mais de dez mil habitantes em rela\ao 11 popula\ao geral. 5 Grall de IIrballizar;iio = percentagem de popula\ao urbana vivendo em aglomerados populacionais com mais de cern mil habitantes em rela\ao 11 popula\ao urbana total. (, Seguiu-se 0 criterio utilizado por Jorge Gaspar (1987) na delimita\ao das areas metropolitanas de Lisboa e do Porto.



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das diferenciaeroes subculturais de Homo sapiens. E, tambem por isso, urn espaero de conflitos e de gera~ao de conflitos vividos atraves de urn stress quotidiano. Pela cidade, 0 homem paga urn alto pre~o em troca dos beneffcios que a organiza~ao urbana the proporciona, urn dos quais e justamente a dinamica interpenetra~ao de modelos subculturais que acelera 0 proprio devir historico da especie humana e the rasga os horizontes para alem de limites impossiveis na relativa estagna~ao das sociedades tradicionais. A propria massifica~ao urbana e produtora de dinamicas subculturais: numa sociedade fechada, suponhamos uma aldeia tradicional com duzentos habitantes, urn individuo que, contrariamente aos restantes aldeoes, prefira ouvir Bach a noite a jogar matraquilhos na taberna e urn marginal sem esperan~as de comunica~ao directa com alguem que partilhe da mesma aberra~ao. Numa urbe com urn ou dois mil hoes de habitantes, a probabilidade de esse mesmo individuo se relacionar com mais algumas centenas de amantes nocturnos de fugas de Bach e considenivel. Urn clube de ras de Bach e possivel, uma subcultura bachiana tern possibilidades de florescer na cidade, precisamente devido ao efeito de massa produzido pela concentra~ao urbana. E, no entanto, toda uma linha fecunda da psicossociologia urbana deriva da visao da cidade nao como reguladora e geradora de subculturas activas mas precisamente como produtora de desregulaeroes, insistindo no reverso da moeda. A visao pessimista dos efeitos urbanos sobre os homens remonta pelo menos as amilises oitocentistas subsequentes ao movimento populacional maciero dos campos para as cidades, em consequencia da revolw;ao industrial. Entre nos, A Cidade e as Serras, de E~a de Queiros, e dessa critica exemplo paradigmatico, a que a genialidade do autor emprestou uma for~a ainda hoje sensivel em certas teses ecologistas geradas a partir dos anos 60.

Ao psicologo interessa, sobretudo, separar tanto quanto possivel a vertente ideologica da vertente cientffica da questao. Na amalgama de posturas atitudinais pro e antiurbanas, que fundamentos cientfficos existirao? E evidente que as proprias posturas ideologic as e atitudinais interessam a psicologia, na sua dimensao de representa~oes sociais diferenciadas do espa~o urbano, e e esse urn dos capitulos fundamentais da psicologia social contemporanea (ver capitulo sobre representa~oes sociais). Mas nao e por agora esse 0 problema aqui em debate. Restrinjamo-nos neste momento a questao fundamental da Escola de Chicago e dos seus antecessores: existirao impactos negativos directos da propria experiencia de viver na cidade? A linha dita wirthiana ou deterministica (Fisher, 1976) afirma-o claramente, radicando na tradi~ao de urn dos mais proeminentes fundadores da sociologia, Georg Simmel. Neokantiano confrontado com as duas grandes correntes teoricas da sociologia oitocentista, a atomista (oriunda do seculo XVII) e a organista (pos-hegeliana, configurada nas obras de Stuart Mill e Tonnies), Simmel procede a tentativa de sintese entre os modelos teoricos antagonicos, assente nos conceitos de rela~ao e de fun~ao: a sociedade era, para Simmel, nao urn somatorio de individuos, tam bern nao uma globalidade indecomponivel, mas sim urn sistema de rela~oes e de interac~oes reciprocas. Este conceito de funcionamento social como rede de interac~oes seria sustentado vigorosamente por urn discipulo de Simmel em Beriim, Robert E. Park, que, juntamente com Ernest Burgess, fundou a chamada Escola de Chicago, em cuja universidade ambos ensinaram e investigaram a partir de 1914, fazendo transpor a sociologia do plano de conceptualiza~ao das estruturas globais da sociedade para 0 plano do estudo dos grupos sociais concretos na sua realidade quotidiana: e

essa realidade era, por excelencia, a cidade. Neles predominou a influencia de Georg Simrnel, que, em 1905, atlrmara: A base psico16gica do tipo metropolitano de individualidade consiste na intensificafiio da estimulafiio nervosa que resulta do fluxo e constante mudanfa de estfmulos infernos e externos. A cidade, com a sua complexa massa de estimula~oes sensoriais ininterruptas e em permanente varia~ao, seria geradora de tensao psiquica a que 0 citadino tern de se adaptar cognitiva e emocionalmente, defendendo-se pela habitua~ao e insensibilizaerao, 0 que levaria ao distanciamento emocional. 0 que conduziria, eventualmente, ao que 0 etnopsiquiatra Lap1antine (1978) designou pe1a «esquizofrenizaerao» das sociedades contemporaneas, mergulhadas num «estupor catatonico» contrastante com a vivacidade afectiva das comunidades nao descu1turadas e nao massificadas. Em suma, a teoria da sobrecarga (overload) nos seus matizes, mas apontando para as mesmas des astrosas consequencias. o argumento sociologico de Simmel e a leitura catastrofica de Laplantine, distanciados setenta anos no tempo, foram defendidos nesse intervalo por toda uma corrente de investigadores. Louis Wirth foi urn dos principais. Colaborador de Park e Burgess no lan~amento da Escola de Chicago, com ambos escreveu The City em 1925, uma obra pioneira da sociologia urbana. Na linha de Simmel, Wirth eneara a cidade como produtora de clivagens nas relaeroes interpessoais, por necessidade adaptativa dos citadinos as hiperestimula~oes sensoriais. o homem urbano de Wirth e uma vitima da sobredensificaerao populacional, refugiando-se numa insulaerao cognitivo-emocional protectora. As vinculaeroes afectivas sao destruidas, e a solidao e a marca da vida urbana. Perdem-se os laeros comunitarios, ainda vivos no meio rural, e os processos acelerados de competierao economic a e divisao do trabalho conduzem a dis-

tancia~ao

e ao enfraquecimento das coesoes grupais e dos valores, a anomia. A formalizaerao das relaeroes sociais (<


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talhada filogeneticamente para a interac~ao significativa com os seus congeneres, mas incapaz de processar a hiperestimula~ao resultante das condi~oes ultra-sociais dos espa~os urbanos. lmersos numa massa anonima de estranhos, carregados de conota~oes subculturais que os tornam ate certo ponto alienfgenas, se empregarmos 0 conceito de pseudo-especiar;iio cultural de Erikson (1971), os homens urbanos continuam a necessitar, primaticamente, da sua teia social de suporte 7, feita de rela~oes directas com urn numero limitado de amigos, vizinhos, colegas de trabalho - filtrados como significantes entre milhoes de coexistentes no mesmo espa~o.

Curiosamente, seriam outros expoentes da Escola de Chicago (Gans, 1958, 1962; Oscar Lewis, 1952, 1975) a contrapor os primeiros argumentos em desfavor da leitura pessimista de Wirth, fazendo notar que a massifica~ao anonima e anomica, com os seus riscos de apatia defensiva contra a sobrecarga, a cidade contrapunha ela propria os seus sistemas de adapta~ao, atraves da organiza~ao social em agrupamentos relacionais directos, constituindo-se como urn mosaico de mundos sociais relativamente imunes aos efeitos do gigantismo urbano. A posi~ao de sfntese seria proposta na teoria subcultural de Fisher (1975), que, conciliando as posi~oes, admite que nem os efeitos de massifica~ao conduzem drasticamente a uma existencia individualizada e anonima no seio da cidade, nem os submundos sociais que sao a sua contra-

partida estao imunes aos efeitos da densidade concentra~ao e despersonaliza~ao social da~ grandes urbes. Esses efeitos sao reais e a resposta nao e atomfstica (os pequenos nucleos relacionais de cada qual), mas subcultural, isto e: as forma~oes culturais que se constituem em comunidades de permeabilidade variavel, mas partilhando trar;os distintivos (ulis como etnici_ dade au ocupar;iio), que tendem a interagir especialmente entre si e que manifestam urn conjunto relativamente distinto de crenr;as e comportamentos, hdbitos, interesses e atitudes (Fisher, 1976). Neste sentido, 0 modelo de Fisher e coincidente com as posi~oes de Oscar Lewis, mas delas diverge na medida em que, a semelhan~a de posi~oes mais deterministas, admite os efeitos de massa crftica derivados da sobrepopula~ao e densidades urbanas. Park, 0 fundador da Escola de Chicago, definira 0 processo urbano como urn dinamico mosaico de pequenos mundos que se tocam mas nao se interpenetram. Na perspectiva de Fisher como na de Lewis, 0 fenomeno urbano nao e necessariamente produtor de colapsos psicologicos, anomia ou desordens mentais, na medida em que os citadinos se organizam subculturalmente em mundos sociais estruturados e com valores proprios, internamente vivos e interactuantes, mas sobre os quais nao deixam de se repercutir os fenomenos de larga escala inerentes ao proprio crescimento urbano. Experiencias plurais no mesmo navio, sujeitas todas elas as mesmas tempestades, se assim se pode dizer. Seja

7 Existe muitas vezes uma confusao conceptual entre redes sociais e redes de suporte. 0 conceito de rede de suporte e introduzido por Cobb (1976). que definiu 0 «suporte» como a «ill/ormOl;iio que leva 0 SIIjeito a acreditar que t! amado. I'aloril.ado e qlle Olllros se preocl/pam com ele» . De alguma forma. a rede de suporte e urn subconjunto de pes so as aJtamente significativas da rede social de cada sujeito. Uma rede social referida ao sujeito diz-se rede pessoal. Mais recentemente, 0 significado do conceito de rede de suporte alargou-se do plano exclusivamente afectivo e emocional em que Cobb o situara para outras dimensoes tambem importantes (em bora talvez nao tanto no que respeita as implica90es): aspectos funcionais de ajuda material (apoios econ6micos, por exemplo) ou instrumental (ajuda numa opera9ao como arrumar a casa, preparar uma Festa de an os dos miudos, dar boleia para 0 emprego, etc.) e de apoio as decisoes (conselhos. por exemplo) (cf. Soczka et al.,1985; Crockenberg, 1988; Borges. 1994).

como for, quer a sociologia urbana, quer a psicologia social, partem do pressuposto de que a sociabilidade e urn dado de partida, e que as redes sociais de suporte sao 0 corolario dessa condi~ao de partida. Nao surge nestes dominios conceptuais a questiona~ao deste axioma: Homo sapiens e originariamente social, desenvolve-se historicamente em sociedade, tern intrinsecamente necessidade de viver social mente relacionado, e na ausencia de redes sociais de suporte verificam-se desequilibrios relacionais com eventuais incidencias psicopatologicas. Para la das relatividades culturais de valores, cren~as, visoes do mundo, subjaz essa paradigma de universalidade que e a sociabilidade humana e as redes sociais como expressao dessa sociabilidade intrfnseca. Se atendermos aos caminhos filogeneticos da sociabilidade acima referidos, sem duvida que esse pressuposto tern toda a validade, e estao suficientemente fundamentadas pel a etologia social e pela biologia evolutiva as vantagens adaptativas dessa conquista da sociabilidade. Homo sapiens nao e so filogenese, todavia, e a propria filogenese se encarregou, alias, de que nao 0 Fosse. Com 0 desenvolvimento da hipertrofia cortical, novas capacidades de processamento e recombina~ao da informa~ao adquirida vieram deslocar de uma forma absolutamente revolucionana 0 locus da evolu~ao de Homo sapiens. As modalidades filogeneticas de mudan~a, baseadas nas respostas de sistemas geneticamente determinados, deram lugar a modalidades onto- e sociogenetic as de resposta, e, mais do que isso, a possibilidade, sem par na historia da filogenese, de recombina~oes criativas das informa~oes adquiridas, possibilitadas pelo desenvolvimento de urn neocortex hipertrofiado. E uma dessas possibilidades novas e 0 imaginano, ou seja, 0 deslocamento para 0 locus da subjectividade de representa~oes do mundo e dos outros que sao constru~oes internas e pos-

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sibilitam a ubris. 0 imaginario abre os caminhos de fuga ao eterno presente, e possibilita a ecstase temporal profundamente analisada por Sartre em L 'Etre et Ie Neant: a co-presen~a da trilogia indissociavel passado-presente-futuro no ser para-si, obra por excelencia do imaginario, ja que 0 passado ja nao existe, 0 futuro ainda nao, e 0 presente e uma permanente diaspora entre algo que ja nao existe (a nao nao ser no imagimlrio do meu presente), e algo que ainda nao e (a nao ser tambem no imagimirio do meu presente). 0 meu gato e 0 meu gato e meu Gato. Nao se nega, nem neg a 0 mundo, ja que negar e interrogar pel a constru~ao imaginaria de outras alternativas. Nesse sentido, 0 mundo de possibilidades do meu gato, e 0 mundo das possibilidades do mundo, e a isso nao escapa. Homo sapiens e as suas possibilidades, para la das possibilidades do mundo, e todas as possibilidades sao possfveis no seu imagimirio, construindo ele proprio as suas representa~oes do mundo, de si e dos outros, ainda que tam bern em co-constru~ao com os outros. Ora essa co-constru~ao e urn dado de partida, desde que nascemos, mas as suas resultantes sao a partida indeterminadas. Sabemos hoje, sem margem para duvidas, que os seres humanos nascem relacionais, pre-programados, como todos os animais altriciais, no quadro de urn sistema epimeletico (cf. Soczka, 1976, 1994) de reconhecimento de sinais maternos, busca activa e resposta a esses sinais. Mas sabemos tambem que a constru~ao do seu selfrepousa numa delicada dialectica de jogos intersubjectivos entre dois imaginarios co-presentes a partida: 0 da crian~a em desenvolvimento e 0 da sua FIgura materna, cuja fun~ao continente e de reverie (Bion, 1967) Ihe permite desenvolver-se num espa~o subjectivo de seguran~a e de confian~a em si, nos outros e no mundo. Subsiste em Homo sapiens 0 program a de vincula~ao dos restantes primatas (Bowlby, 1969-1973) e sao

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sem duvida disfuncionais e geradoras de patolocologicos das pOSl~oes depressiva e esquigia as rupturas desse programa, tal como 0 sao zoparanoide primitivas, e no mundo dos posnoutros primatas (cf. Harlow, 1958; Soczka, sfveis humanos existe a possibilidade do recurso 1976). Mas esse sistema de vincula~ao, puraa qualquer desses movimentos em todos os mente comportamental nos restantes primatas, momentos. desdobra-se na crian~a humana, e essa desdobragem impregna 0 seu imagimirio. A sociabilidade e uma dado de partida, e a procura activa 2.2. A sobredensidade populacional da rela~ao com 0 outro, pre-programa 0 objecto materno, tambem. Mas a ruptura com 0 objecto Urn dos efeitos da urbaniza~ao mais evidenmaterna e derivadamente com os outros objecciados foi 0 da sobredensidade populacional. Nao tos subsequentes e tam bern urn risco de partida. e impunemente que trinta por cento dos trabalhos Os cientistas sociais que pressupoem, e bern, publicados numa das principais revistas de psia profunda necessidade das redes sociais para 0 cologia ambiental, Environment & Behavior; equilibrio emocional dos seres humanos, estao a respeitam justamente a este problema, tendo sido pressupor ipso facto a dominancia do que a dedicados ao mesmo tempo mais de duzentos escola de rela~oes de objecto em psicamilise estudos e monografias so na decada de 70. denominou a posi~ao depressiva. Mas ignoram Chandler e Fox (1974) calculam que, ao uma outra possibilidade: 0 da dominancia e fixalongo de tres mil anos de desenvolvimento his~ao na posi~ao alternativa, a posi~ao esquizotori co dos espa~os urbanos, a densidade popu-paranoide, construfda na ruptura da rela~ao lacional tenha oscilado entre cern e duzentos com os outros e na clivagem dos objectos interindividuos por hectare. Em 430 a.c., a Babilonia nos. Vma outra possibilidade, que abre, nas suas conteria trezentos, em 100 a.c., Roma atingia os express6es extremas, os tragicos caminhos das quinhentos e, nos meados do seculo XVIII, rupturas relacionais presentes nas esquizoEdimburgo chegava aos seiscentos. Nos dias de frenias e no autismo infantil. Mas, processos hoje, segundo estatfsticas da ONU (1976), a esquizoides esses que sao parcialmente renmaioria das cidades europeias apresenta uma contraveis na vida quotidiana do comum dos media de 150 habitantes por hectare, sendo este cidadaos, sem a mesma carga patologica porvalor duplicado nalgumas cidades do Terceiro ventura, e tam bern eles subjacentes a muito do Mundo (Hong Kong, 350; Calc uta, trezentos), e que em Psicologia Social se estudou sob 0 libelo Esmer (1977) adianta 192 para Ankara. Harda apatiado espectador a que acima se fez referison (1977) calcula que as principais cidades rencia: 0 corte relacional, 0 isolamento emoaustralianas contenham vinte individuos por cional e dos urbanitas em tantas situa~oes da hectare, e Pickard (1967) estimou para as prinvida de todos os dias, em que a desempatiza~ao cipais cidades americanas quinze, enquanto com os outros predomina. E nesse sentido, as James (1967) avaliou uma densidade de possibilidades de encapsulamento cognitivoquarenta hablha para as newtowns inglesas, cons-emocional pressupostas pel a Escola de Chicago tatando-se urn forte declfnio da concentra~ao existem, sim, mas nao por deterrninismo sociourbana nos pafses desenvolvidos nos ultimos logico do fenomeno urbano mas porque, no unioitenta anos, em parte devido ao alargamento da verso das possfveis resultantes ontogeneticas, se convic~ao, entre projectistas urbanos e autoriconfiguram as oscila~6es entre movimentos psidades municipais, de que as grandes concen-

525 tra~6es populacionais sao patogenicas, 0 que os leva a apoiar a constru~ao de espa~os periurbanos de fraca densidade (Newman e Hogan, 1981). Esta diminui~ao e inversa do que continua a acontecer no Terceiro Mundo onde 0 apinhamento pros segue em aumento acelerado. Mas os calculos para as grandes areas sao enganadores. Numa mesma cidade existem enormes varia~6es de bairro para bairro, que nao sao reconhecfveis quando se lida com medias para 0 conjunto das superffcies urbanas. Lisboa, por exemplo, apresentava urn valor de 92 habitantes por hectare em 1981, mas, enquanto a freguesia do Lumiar registava urn valor quase duas vezes inferior (cinquenta), a Musgueira SuI, bairro de lata sito na mesma freguesia, continha, em 1987, 550 indivfduos por hectare. o estudo dos efeitos da sobrepopula~ao distribui-se por tres tradi~6es historicamente independentes: a sociologica, a etologica e a psicologica. A sociologica, em muito radicada nos citados trabalhos da Escola de Chicago, procura ligar como variavel independente 0 macrofenomenD sociodemografico as variaveis dependentes de ordem microssociologica ou mesmo aos comportamentos individuais. Grosso modo, na perspectiva wirthiana procurava-se deterrninar os efeitos patogenicos das grandes concentra~6es populacionais. Os efeitos psicologicos da densidade populacional, em si mesmos, sao, todavia, dificeis de isolar. E certo que os bairros com altas densidades populacionais apresentam, por exemplo, maiores fndices de criminalidade, desviancia e violencia social (Davidson, 1981), mas a concentra~ao populacional encontra-se af associ ada a outros defices de natureza economica, cultural, social e ambiental, que constituem urn conglomerado complexo de variaveis, 0 qual, em acumulo e interac~ao, sobredeterminam as desregula~6es imputadas por vezes simplistamente a sobredensidade populacional (Socz~a, 1984).

E, no entanto, em domfnios muitos diferentes da sociologia urbana, surgem-nos afirrna~6es sobre os efeitos pemiciosos da sobrepopula~ao humana. Konrad Lorenz, no proprio ana em que era laureado com 0 Nobel de Medicina e Fisiologia, nao hesitava em declarar: 0 apinhamento de massas humanas nas grandes cidades e. em grande parte. responsdvel pelo facto de jd niio sermos capazes de distinguir 0 rosto do nosso proximo nessa fantasmagoria de imagens humanas que mudam. se sobrep6em e se esfumam continuamente. Nessa multidiio prom{scua. o 110SS0 am or pelos outros esvai-se ate [he perdermos 0 rasto. Quem quiser ainda experimentar pelos seus semelhantes sentimentos calorosos e acolhedores e obrigado a concentrar-se num mimero reduzido de amigos ( ....J. Not to get emotionally involved e uma das preocupa~6es dos habitantes das gralldes cidades (. ...). Afalta de amabilidade generalizada que se pode observar em todas as grandes cidades e c1aramente proporcional a densidade das massas humanas aglomeradas nesses locais (Lorenz, 1973). Extraordimiria coincidencia com as teses da sobrecarga defendidas por Simmel e Wirth, na sociologia; nada de novo em rela~ao ao que nos diziam Milgram (1970) e Latane e Darley (1969), na Psicologia Social. Nao tendo aparentemente ido beber a estas fontes, Lorenz socorre-se da bica que Ihe e mais acessfvel: os dados da propria etologia. A etologia proporcionou uma enorrne massa de informa~6es empfricas sobre os efeitos da densidade populacional nas mais variadas especies. A no~ao de territorio foi apresentada por Howard (1920), e desde entao surgiu urn conceito-chave nas analises etologicas, tendo sido estendido ate ao proprio homem, desde leituras de cariz puramente psicossociologico (como Altman, 1975) ate outras que arraigam declaradamente numa interpreta~ao biologica filogenetica (situando os comportamentos

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territoriais humanos num plano de homologias e nao de analogias), como e 0 caso do modelo etopsiquiatrico defendido por Bracinha Vieira (1979, 1983). Evolutivamente, 0 fenomeno da territorialidade e subsequente a diferencia~ao sexual e ao desenvolvimento de urn sistema agonfstico que assegura a apropria~ao de urn espa~o defendido funcionalmente em ordem ao acasalamento, procria~ao e cria~ao, com eventual reserva de recursos e pontos de abrigo. Hediger (1950) foi urn dos primeiros a sugerirem que a territorialidade contribufa para a propaga~ao das especies enquanto mecanismo regulador da densidade populacional, e desenvolveu 0 conceito de disHincia crftica, como a delimita~ao de uma area invisfvel que rodeia 0 indivfduo e cuja viola~ao das fronteiras conduz a reac~6es agonfsticas. As aplica~6es destas conceptualiza~6es ao caso humano e 0 estudo das varia~6es culturais destes espa~os pessoais deram origem a uma nova subdisciplina designada proxemica pelo antropologo Edward T. Hall (1966). A este tema dedicaremos especial aten~ao mais adiante (ponto 3). (Ver caixa na p. seguinte) A etologia cIassica defendeu que existem condicionantes para a dimensao optima dos grupos, independentemente da abundancia ou escassez de recursos. Nas especies sociais existe urn limite que varia de especie para especie (e, no homem, de padrao cultural para padrao cultural) para a proximidade ffsica entre congeneres 8. A infrac~ao da distancia crftica de

Hediger, que delimita invisfveis fronteiras interindividuais, e urn factor de stress; em condi<;6es de sobrepopula~ao verifica-se uma constante viola~ao dessas fronteiras, uma perda de controlo das situa~6es e da qualidade das interac~6es, uma incapacidade de regula~ao e processamento da carga de informa<;6es intra-especificas recebidas. o organismo, incapaz de se adaptar a essa sobrecarga, reage como esta program ado perante situa~6es de perigo, e desencadeiam-se os mecanismos fisiologicos de resposta ao stress socio-ecologico. Mas, ainda do ponto de vista etologico, 0 fenomeno da territorialidade nao po de ser confundido com os efeitos da sobreconcentra~ao populacional, embora esta ultima tenda a acentuar os comportamentos agonfsticos territoriais, em especies que os apresentam e em condi<;6es ecologicas e fisiologicas (receptividade sexual, actividades de protec~ao parental) que 0 propiciem. Ao contrario do que tern sido defendido por alguns autores, a territorialidade nao e urn fenomeno universal nas especies 'an imais, e dentro da mesma especie os comportamentos agonfstico-territoriais podem emergir ou nao, consoante as condi~6es ecologicas (abundancia ou escassez de recursos alimentares ou pontos de abrigo, pressao predatoria intensa ou parca, etc.). Por outro lado, as extrapola~6e s interespecificas devem sempre ser alvo de particulares cuidados e basearem-se na rigorosa distin~ao entre as analogias, as convergencias e as verdadeiras homologias filogeneticas. A nao

R Mas tambem para a dimensao do~ grupos espontaneamente constituidos em meio natural se encontrou uma estreita relar;ao entre essa dimensao e a evolw;:ao do neocortex dos primatas. Baseado num grande numero de dados colhidos em estudos de campo nao so por primatologos mas tambem por antropologos relativamente a culturas primitivas vivendo da car;a, Dunbar (1992) prop6e a seguinte equar;ao de regressao simples: /og( N)=O.o93 +3 389 /og(CR), onde N e a dimensao grupal e CR 0 volume do neocortex relativamente ao volume do resto do cerebro (/,2=.0764, (34=10.35, p
A IMPORTANCIA SOCIAL DA PROXEMICA A capaciuadc para rcconhcccr a ~ v ari a~ I.ona~ dc cn\'ol vi mclllo c H!. m:lI v idadc~. rclm;(ic~ c cl1lot;iic~ a da~ actualmcnlc muito imporlantc. As pOpUl;lt;lks dc lodo 0 mundo c~lii() a apinhar-~c na~ cidadcl>. c o~ conslrulorc~ c o~ c~pcculadorc~ c!.liio a cncafuar a~ pcssoa~ cm caixolc~ \ crlicab - lanto c~criI6rio~ como rCl> idcncia!.. Sc olharmo ~ para o~ !.crc!. hUlllano!> da mancira como 0 fa/ ium o~ cl>da \' agi~la~. conccbcndo a~ ~ua~ nccc!.~idudc~ dc c~pa~o apcna~ cm fun~iio do~ limilc~ corporais . cnliio ~uhc~lilllalllo!. o~ cfcilO~ dC~lC apinhllmcnlo. Ma~ :.c olharlllo~ para as pc!>!>oa~ C011l0 c~lllndo rodcada~ pm uma scric dc glohos il1\ I!>ivcis quc po~),ucm di11lcn!>iic~ 11lcn!>unhcl!>. a artlUilCCIUr:I podc !>cr lamhclIl olhada dc UIllH forllla nO\·a . Scni Clllao pos~i\cl concchcr quc a~ pcs~oa~ podclll !>cr c'lllagada!> pclm c),pa~o~ ondc lrahalham c vi\'cm . Poricm atc ~cr fort;ada!. a comportamcnlos. rclat;iic, c cfcilm, cmocionais quc !>iio glohalmcnlc pnlVocadorc!> dc .1/fL'.I .1 Tal como a g ra\' idadc. a inllucnda dc do h. corpo!> um no oulro c II1\Cr~amCIllC nao apcna!> ao quadmdo da di~liincia cnlrc dc!>. ma!> tamhc m pOl> ~i\'dmcnlc ao cubo dcssa dil>l:lIlcia . QUllndo 0 .I(/,('X.I aumcllla. aumcnla lambcm 1I !.cn~ihilidadc ao apinhamcnto - a' PC!.!.Oll!> tmnam -sc mail> acrim()nio~a~ - dc wi forma quc cada \'et mab c m CSp
(E. T . Hall . 1fI,' H ie/e/ell IJillll'/l\ ioll. l%lJ)

observa~ao

destas regras de inferencia tern variadas vezes conduzido a generaliza~ao de dados colhidos com uma especie em circunstancias particulares para outras especies ou ate para a mesma especie, independentemente das circunstancias (Soczka, 1994). No que toca aos efeitos da sobredensidade populacional, entre os estudos mais citados contam-se os de Calhoun (1962, 1963), que manipulou essa variavel com ratos, em condi~6es laboratoriais engenhosas. Quer os trabalhos de Calhoun, quer outros que se Ihe seguiram, demonstraram que a concentra~ao excess iva de indivfduos numa mesma area tinha por efeitos urn aumento exponencial da mortalidade infantil (que atingia valores de oitenta a noventa e seis por cento, em grande parte como consequencia da drastica diminui~ao dos cuidados parentais), 0 aumento substancial de agress6es entre machos e a diminui~ao das actividades exploratorias e de vigilancia. Estas condi~6es de stress socialmente induzido apresentavam igualmente implica~6es fisiologicas: a sobreprodu~ao adrenaifnica, em parte responsavel nao so

pelo aumento da frequencia das interac~6es agonfsticas como pela subida da taxa de mortalidade da popula~ao. Em condi~6es naturais, 0 aumento da densidade populacional associa-se ainda a diminui~ao dos recursos disponfveis per capita, dando origem a competi~ao intra-especffica por esses recursos, ou a emigra~ao de subpopula~6es, 0 que estava preservado nas condi~6es experimentais de Calhoun. Os trabalhos de Christian (1961) e de Christian e Davis (1964) permitem a compreensao de muitos dos fenomenos verificados nas condi~6es de alta densidade populacional criadas por Calhoun nas experiencias citadas. Tambem estes autores verificaram que, em condi~6es de sobrepopula~ao, os ratos (Mus musculus) apresentavam urn crescimento das supra-renais, uma diminui~ao hipofisaria e dos androgeneos testiculares dos machos. Variados trabalhos posteriores confirmaram estes mesmos resultados (cf. Goeckner et al., 1973). Christian constatou igualmente que, em condi~6es de sobrepopula~ao, se assistia a uma diminui~ao da reprodu~ao e inibi~ao da lacta~ao das



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femeas com crias, acompanhada de hiperplasia da zona fasciculata do cortex adrenal. Nos machos, atrofia testicular e das vesiculas seminais. Ainda nas femeas, Christian relatou uma involuc;ao da zona X do cortex adrenal, a qual e sustentada por uma hormona luteinizante produzida pela glandula pituitaria anterior, que desaparece na puberdade e na gravidez e e inibfvel por androgeneos. A involuc;ao da zona X nas femeas sujeitas a condic;oes de alta densidade populacional sugere que se verifica ou uma sobreproduc;ao de androgeneos reprodutores, ou uma quebra de produc;ao de hormona luteinizante. Os trabalhos de Christian e Davis (1964) demonstraram que, no perfodo pre-pubertario, os ratos segregam elevadas quantidades de hidrocorticoides (particularmente hidrocortisona) em condic;oes de sobrepopulac;ao. Esta produc;ao excessiva de HC e importante no atraso do atingimento da maturidade sexual nos machos, substituindo-se a corticoesterona, cuja producrao e predominante nos machos adultos. Estes resultados laboratoriais sao amplamente confirmados por observac;oes em meios naturais, como 0 demonstraram as investigac;oes de Southwick (1958) com quatro mil Mus musculus selvagens (Inglaterra) e outros citados na cuidadosa revisao da literatura efectuada por Sadleir (1969): altas densidades populacionais sao urn factor de atraso maturacional e inibidoras da procriacrao em roedores e outras especies de mamfferos, independentemente da abundancia de recursos alimentares. Rene Dubos (1965) chamou a atenc;ao de quedas bruscas dos efectivos populacionais, ate a dec ada de 60 atribufdas apenas a causas epidemicas (pasteurelas e salmonelas, sen do os microrganismos mais frequentemente associ ados a essas quebras assim como a vfrus de varios tipos), mas acrescentava: Tornou-se mais obvio, todavia, que a relapl0 entre as quebras populacionais e as doenras mierobianas e muito menos

clara do que dantes se pensava. Por um lado, siio diversos os elementos patogenicos associados as quebras populacionais, de especie para espeeie . Por outro lado, oeon'em quebras para as quais niio existem agentes patogenieos a que se possa atribuir 0 quadro patologieo. Essas observap5es extraordinarias levaram a teoria de que as doenras microbianas associadas as quebras populacionais siio apenas fenomenos seeundarios, e que a causa primaria e uma perturbariio metaboliea . Dubos refere 0 caso das celebres migrac;6es macic;as de lemingues, que se precipitam as centenas de milhares para 0 mar, na Noruega, atribuindo 0 fenomeno a hiperactividade do sistema adenopituitario provocada pela sobredensidade populacional, dado que a anatomo-patologia revela lesoes associadas as supra-renais e ao cerebro, por hiperplasia tecidular. Deewey (1960) encontrou resultados semelhantes em populac;oes de lebres no Minnesota, as quais en tram aos milhares em estado comatoso devido a uma quebra brusca dos glicogenios do ffgado, apresentando sinais de hipoglicemia, hemorragias equimoticas no cerebro, congestao e hemorragia das' glandulas supra-renais, da tiroide e dos rins. Quebras bruscas da populac;ao, com absoluta inibic;ao da reproduc;ao e da lactac;ao, foram igualmente observadas em condic;ao de sobrepopulac;ao de Mus musculus. por Marsden (1972). Por outro lado, Davis (1971) observou que a transferencia de agua de aquarios con tendo altas densidades populacionais de girinos de ra para aquarios contendo urn unico girino provocava inibic;ao do desenvolvimento deste animal isolado, devido a concentrac;ao feromonica. Experiencias de Lloyd e Christian (1969) em Mus musculus. demonstraram, por analise anatomica post mortem das femeas de tres populac;oes em crescimento livre, que - apesar das quebras populacionais observadas - 74,7 por cento ja haviam engravidado, tendo ocorrido reabsorC;ao

fetal em condic;oes de sobrepopulac;ao. As femeas com sucesso reprodutivo eram apenas as que tinham atingido a maturidade antes de se verificar sobredensidade. Lloyd (1975) demonstrou a relac;ao entre a territorialidade e a inibic;ao reprodutiva em duas populac;oes da mesma especie: naquela em que a reorganizac;ao territorial dos grupos se verificou, provou-se apenas urn decrescimo dos nascimentos; na populac;ao onde essa reorganizac;ao social nao foi possfvel, o autor verificou acrescimo dos comportamentos agonfsticos dos machos adultos e consequente mortalidade das crias e juvenis. A sobreproduc;ao de glicorticoides diminui, por seu tumo, a resistencia a doenc;as infecciosas, 0 que explica a vulnerabilidade a epidemias ocasionada pel as altas densidades populacionais. No que toea a componente agonfstica, a serie de experiencias levadas a cabo por Ropartz na Universidade de Estrasburgo (Ropartz, 1966, 1968), permitiu por em evidencia 0 papel das regulac;oes olfactivas no comportamento social dos roedores, os quais desenvolvem odores de grupo que lhes permitem identificar correctamente os membros dos seus proprios grupos de pertenc;a e reagir com agonismo territorial a presenc;a de intrusos. Em condic;oes de sobrepopulac;ao, pode admitir-se a hip6tese de sobrecarga odorffera conducente a incapacidade de discriminaC;ao olfactiva nos machos aduitos, 0 que leva a verdadeiras batalhas campais entre os machos que ja nao se reconhecem como congeneres grupais. Ou seja, 0 efeito de massa surge como anulador das regulac;oes homeostaticas do grupo que existem em condic;oes normais de espaciac;ao intergrupos. Ou entao, dada a constituic;ao de subgrupos verificada por Calhoun, a proximidade forc;ada desses mesmos subgrupos conduziria, inevitavelmente, nao a agressaoindiferenciada mas, pelo contrario, a encontros agonfsticos permanentes entre os machos dos referidos subgrupos.

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Estes resultados de Calhoun e continuadores, apesar da sua ampla incidencia na literatura sociol6gica e psicologica em apoio as teses sobre a nocividade dos efeitos da sobrepopulac;ao, parecem dificilmente extrapolaveis para a especie humana. Os mecanismos reguladores dos comportamentos sociais das especies em questao nao sao, evidentemente, os que controlam os processos sociais humanos. Ao nfvel humano, dificilmente se poderao aplicar esses resultados, apesar de uma certa literatura psicologicizante tender a esvaziar da sua real componente fisiologica 0 conceito de stress. Nao esta em questao neste trabalho negar os aspectos fisiol6gicos do stress derivado da sobreconcentrac;ao populacional, mesmo na especie humana (ver caixa da p. seguinte). o que esta em questao e que no Homo sapiens as mediac;oes cognitivo-emocionais parecem ser 0 factor determinante da suas proprias capacidades de adaptac;ao as situac;oes, 0 que levou a que a psicologia ambiental procedesse a distinc;ao conceptual entre 0 fenomeno de densidade populacional (objectivamente mensuravel, como 0 numero de indivfduos por unidade de superffcie) e 0 fen6meno subjectivo de percepc;ao do apinhamento, para 0 qual a literatura anglo-saxonica reserva a expressao crowding. desde que Stokols (1972) defendeu essa distinc;ao conceptual. A alta densidade populacional e, talvez, uma condicrao necessaria mas manifestamente insuficiente para a eclosao do sentimento subjectivo de apinhamento ou percepc;ao de sobre concentrac;ao populacional. Rapoport (1975) devolve esta distinc;ao ao modelo de sobrecarga: o crowding. no sentido de Stokols, e consequencia da sobrecarga de informac;ao, em que 0 indivfduo se revela incapaz de processar cognitivamente 0 excesso de estimulac;ao social, sendo obviamente essa capacidade dependente das aprendizagens culturais, das atitudes e das idiossincrasias pessoais. Se e verdade que as altas

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A PSICOLOGIA SOCIAL ENQUANTO ESTUDO CONTEXTUALIZADO

DAS DRAMATICAS HUMANAS Um gel.\O que eu 1).\(;0 c um facto p~icologico porl\lIe C um ~eg.menlo uo dram,l que representa a minha vida. A maneiru como ele se insere nesse urama e dada ao pskdlogo pelo rel,llo que Ihe posso fomecer 1I respcito uessc geslo. Ma~ C 0 geslO esclareddo pelo rdalO que con~lillii 11111 facio p~kolllgico. e nan () geslo em si mesmo ncm 0 conleliuo do relulo. 0 gcslo possui evidenlclllenle ummecanislllo tisioI6gko.m:ts esse mccllni~mo nao temllinua Illld:1 de hllmano; nao interessa ao p~ic610go. Por oulro lauo. 0 conleudo do relllto que pos~o produzir ucerclI do meu geslo illlplicll. num ponto de visla da psicologia c\a~sicu. de~crit.iies estaticas ou diniimiclls. m:l~ que tamhcm nao possuelll interesse. Elas impliclllll. com efcilo. 0 lIhandono do sell/it/a, em bcncficio do fOnllUlismo. c ~c 0 mecunismo PUI1lmente li~ioI6gk(J UO meu geslo eSl:i aquclIl ua psicologia. as ue~cric;oes inlmspccliva~ e~tao pur.! 1I1em ucla: 0 pOlliO c/e I'i.lla c/o {J.I'i('(l/ogo ,: 0 ql/e mil/dc/e COlli () c/ral//a. ( ... J A constlllac;ao uo cOlllportamento humane rcsulill. para 0 psicl'llogo. nao de umll simple~ perccpc;ao ma~ II III a percep<;ao cOlllple.rifimc/a pela cOIllpreell.wio. Consequentemellle. o f"CIO psicol6gic() nao e um dado simples: enquanto ohjecto de conhecimento c c~~cncialmclllc ('(II/.vlmfc/o, ( ... J E 0 sentido conectado com um cu que uislinguc radicalmenle 0 facto pskologico tlos faclos natumis: em resumo. a origil/alic/llt/c elO./CIC/(J p.l'icoMgico (; gamla pela pf(ipria exi.whlCia t/e 11/11 piaI/o eS{J('ci/icull/ell/l' 11II/IwI/o (' ell/pit/a dmlllcilica do illC/iI'fell/o que eI(/; c/ecorre . Aeonlecc que 0 drama nao e de formll algunm «interior .. . 0 drama decorre na meuida em que reqller um II/gar. decone no espa<;o como touo 0 movimento e lodos os lenomeno~ nalurais. Pnrque 0 lugar onde cstou actualillentc nan.! simplesmenle 0 lugar ua minIm vida li~iol(igica . .! tmnbcm 0 ccmirio ua minIm vida drmmilica. e t()da~ as ac<;iies. crimes e IOLicuras ocorrclll ncs~e espa<;n. E c veruade. pOl' outro lado. que 0 e~p:\I'o nao cOlIslilui senao Lima verlenle do uram:l: 0 elcmenlo propriamcntc uraillalico nao c espacial ma~ lambcm nao C puramente interior.j:i que coinciue com 0 sigllijil'llt/o. (Gcnrg<:~

densidades populacionais podem apresentar riscos do ponto de vista biologico (epidemias bacterianas, por exemplo, como nas praias sobrepovoadas, em que as areias sao elas mesmo fonte de risco, independentemente das condir;oes das aguas), do ponto de vista urbanfstico (planeamento dos espar;os habitacionais) ou de engenharia (organiza<;ao e planeamento do trMego e transportes, por exemplo) - do ponto de vista psicossociologico sao em si mesmo urn indicador falfvel. E imperativo 0 seu cruzamento com outros indicadores de natureza sociocultural, de modo a ser integrado num mais complexo modelo explicativo dos comportamentos humanos. Aos psicologos interessa, mais do que o fenomeno meramente demogrMico, 0 problema da percep<;ao da densidade popuJacional, o sentimento subjectivo de apinhamento e os seus subsequentes efeitos comportamentais.

Pnlillcr. Crilil/IIC- d,-.\'jlmdc'/IIC'III,\ tI,-11I I'syc/w/IIgi.'. 19211)

Conviria neste momenta frisar que a teoria da sobrecarga, nas suas variantes sociologicas e psicologicas, e ainda, como sublinhou Altman (1978), 0 pano de fundo de todas as pesquisas correntes sobre 0 fenomeno de crowding. Mas essa sobrecarga deve ser entendida no sentido de sobrecarga de iI~formariio, e nao de estimula<;ao. Esta distinr;ao e essencial para se compreender que nao e a profusao de estfmulos sensoriais 0 que sobrecarrega psicologicamente o urbanita, mas a complexidade, intensidade e quantidade de estfmulos sensoriais que se cre transportarem informa<;ao e, como tal, serem descodificados. Wohlwill (1975) propos mesmo, com base nesta distin<;ao, que 0 termo sobrecarga fosse reservado para a informa<;ao, e que no caso contrario nos referfssemos apenas a hiperestimula<;ao, cujos efeitos no comportamento humano estlio ainda por determinar com

precisao. 0 que a cidade impoe, pelo contnirio, nlio e so uma (hiper)estimula<;ao, a que 0 sujeito fosse passivo, mas uma enorme profusao e variedade de estfmulos com valor informativo, desde sinais sonoros, sinaliza<;ao de trMego, montras de lojas, anuncios nas paredes, etc., ate - e este e 0 principal problema - a uma gigantesca quantidade de informa<;oes provindas directamente do contacto de cada pessoa com milhares de outras pessoas, ao longo do dia. Nesse sentido, parece valido falarmos de uma sobrecarga de informa<;ao: filogeneticamente, somos uma especie talhada para a emissao e descodifica<;lio de subtilfssimos sinais verbais e nlio verbais que nos permitem comunicar com os nossos congeneres. De todos os seres vivos deste planeta, somos aqueles cuja musculatura facial e mais complex a e permite uma maior elabora<;ao de informa<;ao comunicativa, que apresenta poucas e ligeiras varia<;oes transculturais (cf. Darwin, 1872; Eibl-Eibesfeldt, 1976; Ekman e Friesen, 1978; Izard, 1980; Bracinha Vieira, 1983). Grande parte desses sinais e inconsciente para 0 proprio emissor, e tao rapidamente integrados eles sao pelo receptor que mesmo este teria dificuldade em expressar cognitiva e verbalmente quais os sinais informativos que detectou noutrem e eventual mente moldaram a sua resposta. Aos extremamente complexos sinais faciais, motoricos, posturais, a cultura acrescenta uma enorme gama de outras nao menos complexas emissoes nao verbais de enorme valor informativo: form as de trajar, emblemas culturalmente distintivos, utiliza<;ao de emblemas contextuais fisicos. As linguagens verbais, com os seus sotaques, pronuncias e

matiz~s. multicol~r~dos, indicadoras de origens geograflcas e SOCIalS, diferenciadoras como elementos de distin<;ao nas mesmas culturas a tudo isto se acrescentam. E neste sentido que ~e po de e deve falar de sobrecarga de informa<;ao agravada no quotidiano do citadino. Poderia falar-se especificamente em sobrecarga social (McCarthy e Saegert, 1978), os efeitos da qual sao relativamente independentes da densidade populacional em si mesma considerada, mas dependentes das adaptar;oes cognitivas e emocionais a essas situa<;oes e da elaborar;ao de respostas adaptativas, 0 evitamento do contacto comunicacional, mesmo nlio verbal (desvio do olhar, por exemplo), e acrescido pela sobrecarga social, e a aceita<;ao da comunica<;ao toma-se fun<;ao dos contextos sociais e ambientais concretos. A territorialidade exerce-se em fun<;lio desses contextos, 0 que leva a compreender a relativa ineficacia dos estudos experimentais de laboratorio acerca do fenomeno de croWding. e as grandes vantagens dos metodos de campo sobre esse contexto artificial. Altman (1975) apresentou a distin<;ao entre territorios primarios. que constituem urn espa<;o limitado de que urn sujeito ou urn grupo limitado de pessoas se apropria e identifica como espar;o proprio (a casa de cada qual, 0 gabinete de trabalho no emprego, etc. 9); territorios secundarios. que sao espa<;os colectivamente apropriados por urn grupo de indivfduos ou grupos (familias de vizinhos, por exemplo) e identificados como espa<;os territoriais de grupo, como nesse espantoso filme que e 0 Patio das Cantigas; e territorios terciario.\'. que sao espar;os abertos, publicos e sem propriedade ou

\I Poderia ainda fazer-se referencia a territorios primarios dentro de territ6rios primarios: numa familia , a sua casa e urn territ6rio primario em rela~ao aos estranhos, mas uma divisao da casa pode ser um territ6rio primario do seu ocupante (0 ' escrit6rio na casa de Jean Piaget, por exemplo. que nao permilia a ninguem que «arrumasse» os papeis e livro, aparentemente em desordem); num quarlo oeupado por dois irmaos, a cama, a estante e a mesa de escrivaninha de cada um podelll constituir 0 seu territ6rio prim:irio. dentro do territ6rio primario que e 0 seu quarto, dentro do territ6rio primario que e a ~ua casa familiar. Numa empresa, urn gabinete mUltiocupado pode apresentar as mesmas caracterlsticas, por exemplo .



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apropria9ao por indivfduos em particular (urna auto-estrada, urn jardirn publico, urna avenida, urn rnonurnento nacional, etc.). 0 sentirnento de sobredensidade ou apinharnento (crowding no sentido psicologico) nao e independente dos contextos territoriais acirna referidos, 0 que 0 toma fun9ao das descodifica~oes cognitivo-ernocionais a que a pessoa procede para identificar 0 contexto arnbiental em termos de apropria9ao territorial. Por sua vez, os efeitos de rnassifica~ao tradicionalmente apontados, como a anomia e apatia citadinas, nao podem tambem ser lidos em independencia desses contextos territoriais, e parecem referir-se sobretudo a espa~os terciarios. Os espa~os primarios, por defini~ao, nao permitem essa «difusao das responsabilidades» inerente a «apatia do espectador» de que a psicologia social pretendeu fazer uma das suas coroas de gloria (Latane e Darley, 1969; Leyens, 1979). As teorias que defendem os efeitos nocivos da densidade populacionaI em si mesma normal mente ignoram as variaveis mediadoras (cognitivo-emocionais e contextuais) que permitem a pessoa controlar as informa~oes, processa-Ias e responder em fun~ao des sa descodifica~ao. Os estudos sociologicos tradicionais quase sempre se basearam em metodos puramente correlacionais entre a densidade populacional de grandes areas, tomada como variavel independente, e urn ou mais indicadores de patologia social (suicfdios, crimes, doen~as mentais, etc.), que seriam supostamente consequencias daquela, como e sugerido no famoso trabalho de Faris e Dunham (1939). Dunstan (1979) procedeu na Australia a urn estudo que leva a crer que a densidade intra-residencial surge muito mais fortemente associ ada a esses indicadores de patologia social do que a densidade populacional extra-residencial, mesmo recorrendo apenas ao metoda correlacional . A Figura 2 mostra os resultados eviden-

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ciados pelo autor, e traduz a correla~ao de ordem zero entre a densidade populacional intra-residencial e varios indicadores de patologia. Mas os resultados de Dunstan apontam para urna ainda mais forte associa~ao entre 0 isolamento social (isto e, pessoas que vivem sozinhas e entregues a si mesmas) e os mesmos indicadores: 0,79 com 0 suicfdio (p<0,05); 0,54 com a esquizofrenia (p<0,05); onze com a delinquencia juvenil (n.s.). Estes resultados, que coincidem, no que toca ao suicfdio e tentativa de suicfdio dos «isolados afectivos», com os encontrados por Sampaio (1985) em adolescentes portugueses, traduzem bern os riscos do isolamento social. Nao podemos, ainda assim, falar de uma rela~ao linear de causa e efeito, mas antes de uma dramatica circularidade: 0 isolamen to social induzindo a patologia e a patologia conduzindo ao isolamento social. Seja como for, o que e espantoso e como em todos estas abordagens se ignoram os factores ontogehicos conducentes a constitui~ao dos processos esquizoides de ruptura da rela~ao afectiva interpessoal, em periodos muito arcaicos das nossas vidas (Guntrip, 1968), como se de estruturas sem genese se tratasse. Se tudo 0 que soubessemos fosse proveniente destas abordagens globais, nunca se saberi a ao certo qual destes factores e 0 ovo ou a galinha, ja que os grandes numeros nao nos con tam as historias da vida de cada qual. E estas, com a sua dramatica pessoal, continuarao a ser uma fonte insubstitufveI de informa~ao psicologica, pese aos experimentalistas de laboratorio e aos que se debatem nos derradeiros estertores do positivismo que herdamos do seculo XIX. Tudo 0 que se podera afirmar com born senso e que isto anda tudo ligado, como dizia 0 poeta, e que os grandes indicadores de patologia social sao mais fortes nas areas urban as on de e fraca a integra~ao social, com fraca coesao e organiza~ao comunitaria, marginaliza~ao em rela~ao a

FIGURA

2

Correla~ao entre varios indicadores de patologia social e a densidade intra-residencial (numero de pessoas a viver no mesmo quarto) (Dunstan, 1979) Corrcla\iuo

0,6

--------------------- __________________ _

0,4

0,2

o

Dcnsidadc inlra-rcsidcndal r--+--~~-,~--+-~--~

2, I

2,2

2,5

-0,2

-0,4

--~-----------------------

-0,6

----------------------------------------

X

-X, Suicidio -Q.

Esquizofrcnia

-ir Dclinqucncia juvcnil ~

Violcndas praticadas por ildultos

vida comum do tecido urbano, habita~oes degradadas, debilidades socioculturais e economicas (Leighton et at., 1963; Timms, 1971). Produzisse 0 espa~o urbano os efeitos drasticos de incomunicabilidade, anomia e clivagern afectiva derivadas da sobredensidade populacional, como 0 pretenderam os deterministas, e sem duvida as taxas de suicfdio e esqui-

zofrenia seriam muito mais elevadas nesse do que 0 sao efectivamente. 0 isolamento social nao e a regra da vida urbana. 0 citadino nao e uma ilha mergulhada num mar de gente que nao se reconhece como tal. A cidade e, para empregar a expressao ja c1assica, urn mosaico de subculturas, uma enorme multiplicidade de mundos sociais, que sao quase como mundos espa~o

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proprios, no sentido tao belo que Jacob von Uexkull (1921) utilizou para caracterizar os un iversos subjectivos de cada especie animal 10. Homo sapiens e uma unica especie, capaz de comunicar com todos os elementos da sua propria especie. Mas e, ao mesmo tempo, uma especie que produz como nenhuma pseudo-especia~6es de natureza cultural e clivagens emocionais, que dificultam essa comunica~ao. A no~ao de pseudo-especie e aqui usada no sentido de Erik Erikson (1971), que nos adverte de que I1ll11ca podemos esquecer que 0 homem desenvolveu (por um qualquer modo de evoIU~'iio ou por razoes adaptativas de uma ordem qualquer) pseudoespecies (tribos, eliis, etc.) que se comportam como especies independentes que uma vontade sobrenatural tivesse gerado na origem dos tempos, e que sobrepoem as realidades geograficas e economicas da sua existencia uma cosmogonia, uma teogonia e uma imagem particular do homem. Cada subespecie adquire assim um sefltimento proprio de identidade, que considera como sendo a tlnica identidade realmente humana, a qual defende contra as restantes subespecies mediante preconceitos que as estigmatizam como extra-especfjicas e que, de facto, se opoem d tlnica via «autenticamente» humana. A Historia demonstra-o: quantas culturas tao ricas como distintas da europeia

nao foram e continuam a ser sistematicamente destrufdas em nome da ocidentaliza~iio que 0 poder economico e tecnologico erigiu em modelo de virtudes? Mas tam bern a microescala urbana 0 problema se pode colocar. Como mosaico de subculturas, a cidade e simultaneamente urn espa~o possfvel de dialogo enriquecedor, de transferencias de val ores entre os multiplos cemlrios urbanos, mas tambem de conflitos de modelos de vida e representa~6es sociais. Longe de ser urn universo de indivfduos atomizados, 0 espa~o urbano e sobretudo urn espa~o de rela~6es intergrupos, que se interpenetram em graus variaveis, mas nao deixam de se mirar como pseudo-especies. Sao esses grupos, com as suas dinamicas e valores proprios, 0 espa~o de vida do citadino, e permitem-Ihe sobreviver sem a anomia preconizada pelos pioneiros da escola de Chicago.

2.3. Proxemica: a espaciariio interpessoai como fen6meno de cultura

E pois impossfvel fazer psicologia sem uma perspectiva de relativismo cultural e contextual. As comunidades chinesas de Hong Kong, por exemplo, apresentam valores muito elevados de

10 Num sentido mais aberto e phistico, Rom Harre (1979) utilizou 0 conceito de mundo proprio, ou VII/welt. na sua analise da ac
VII/welt = meio fisico

+ significados sociais.

Esta formula pode ser tomada literalmente como um produto booleano. Assim, se alguem usar dois esquemas interprctativos, A e B, entlio U = F * (A vB) ou seja, U= (p* A) v (P *x B); em resumo, essa pessoa vive em dois VII/welten ».

densidade intra-residencial, sem que sejam verificaveis aumentos substantivos nos indicadores de patologia social acima referidos. Mitchell ( 1971) observou que nessa cidade se veri fica lima ocupa~ao residencial de dez Oll mais pessoas por quatrocentos pes quadrados, ou seja, perto de quatro metros quadrados por indivfduo, acrescentando-se a isso que em 39 por cento dos casos os fogos sao partilhados por varios nucleos familiares e que 28 por cento partilham uma unica cama com duas pessoas e treze por cento com tres ou mais pessoas, sem que indfcios de insanidade fossem detectados por Mitchell. Epstein (1982) chama a aten~ao para urn porrnenor relevante nestes resultados: a interac~ao entre a ocupa~ao multinuclear e 0 andar do prectio na sua rela~ao com a genese de perturba~6es emocionais e hostilidade. Os fenomenos conflituais surgem significativamente associ ados ao facto de a famflia morar em andares mais elevados do que 0 quinto andar do predio. Epstein comenta: Embora Mitchell niio o diga. podemos especular que a capacidade para adoptar estrategias de cooperafiio ligadas as exigencias de coordenafiio de actividades em condifiio de escassez de recursos e reduzida pela presenfa de dois ou mais gruposfamiliares em vez de um unico. 0 piso do pridio afecta a capacidade dos ocupantes para tomar atenfiio as actividades das crianfas e para escapar aos problemas domesticos. Os que vivem em pisos mais perto da rua podem ir dar uma volta, escapando ao calor e congestiio das discussoes domesticas - 0 que niio acontece tanto com os que vivem nos andares superiores. Em termos de controlo do comportamento, tem menos hipoteses de escolha nas suas exposifoes aos aspectos nocivos da sobrepopulafiio nos seus espafos domesticos. A percep~ao da densidade populacional, provocando 0 sentimento desagradavel de apinhamento, liga-s~ sem duvida a correlativa

percep~ao da viola~ao de distancias crfticas, no sentido da proxemica de E. T. Hall. Edesse tema que nos ocuparemos neste ponto 3. Na sua obra fundamental que inaugura esta tematica, The Hidden Dimension (Hall, 1963) e no posterior e mais especializado Handbook of Proxemics Research (Hall, 1974), este antropologo da vida quotidiana define a proxemica como 0 estudo das observafoes inter-relacionadas do uso do espafo pelo homem enquanto elaborafiio especializada da cu/tura (Hall, 1966) ou 0 estudo das transaq:oes do homel1lna medida em que ele percepciona e usa os espafos Intimos. pessoais, socia is e ptlblicos em diversos cenarios Oil sitttafoes. de acordo com regras imp/[citas dos paradigmas culturais (Hall,

1974).

o modelo de Hall assenta na categoriza~ao das distancias interpessoais em quatro grandes tipos: as distiincias Intimas, as distiincias pessoais, as distiincias sociais e as distiincias publicas. Em cada tipo de distancia, Hall distingue ainda duas fases: a proxima e a afastada. A distiincia Intima nao deixa margem para duvidas acerca da presen~a de outrem, e implica enorrnes cargas inforrnativas (tambem visuais, mas sobretudo tacteis e ate olfactivas) acerca da outra pessoa. Na fase proxima (contacto directo entre os corpos), essa massa de informa~6es e maxima. E a distancia dos actos sexuais entre urn casalou do estreito contacto ffsico entre os pais e as crian~as, por exemplo. Os receptores sensoriais mais usados sao os tacteis e os olfactivos, e a visao nao predomina sobre aqueles, em parte devido as proprias distor~6es perceptivas, com excep~ao do contacto muito directo entre olhares. A comunica~ao oral, quando utilizada, situa-se no nfvel do murrnurio. Na fase afastada (ate meio metro), os corpos nao estao apertados entre si. A proximidade ffsica nao permite senao a percep~ao parcial do corpo do outro (cabe~a e om bros) sem desvio do olhar e as aten~6es con-



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centram-se sobretudo na face da outra pessoa, particularmente nos olhos, no nariz e na boca. As vozes sao ainda mantidas em baixos niveis sonoros, as informa~oes olfactivas (odores corporais) podem ainda ser relevantes. As distancias pessoais podem, seguindo a ideia de Hediger acima referida, ser cons ideradas como uma «esfera invisivel» que separa uma pessoa de outra enquanto comunicam. Na fase proxima (de meio metro a oitenta centimetros), as pessoas tern urn sentimento de proximidade, e e possivel 0 toque corporal semiestendendo os bra~os. A percep~ao visual nao se encontra distorcida, e as subtis mudan~as nas mimicas faciais sao directamente percebidas e desempenham urn grande papel nas comunica~oes interpessoais. Na fase afastada (oitenta centlmetros a metro e meio), dita «distancia de urn bra~o», 0 toque corporal continua a ser posslvel, mas encontramo-nos no limite dessa possibilidade. E uma distancia usada em muitas culturas para conversas entre amigos ou conhecidos. A face do outro continua a ser facilmente percebida, e 0 olhar abrange ja a parte superior do tronco. A voz e usada normal mente no nlvel adequado a conversa~ao (aproximadamente 30 a 35 decibeis A). A voz nao e elevada, normalmente, e so os odores corporais mais intensos sao pereepcionados (perfumes, por exemplo). A distancia social representa a passagem de uma importante fronteira social, varilivel de cultura para cultura, de acordo com as normas de cada qual. E uma distancia convencional, e na sua fase proxima (metro e meio a dois metros) a cabe~a e bern percepcionada mas perdem-se ja alguns pormenores mais subtis das expressoes (contrac~Oes da Iris, por exemplo). Os desvios da fixa~ao do olhar para outras partes significativas do rosto de outrem, como a boca, e mais discretamente tolerado. 0 troneo do outro e total mente vislvel, bern como pormenores do seu vestuario. E uma distancia frequentemente

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usada entre colegas de trabalho, ou entre pessoas que falam sobre assuntos impessoais. A fase afastada (dois metros ate tres metros e meio) e ainda mais impessoal: todo 0 corpo do outro e perceptivel, a rela~ao e mais formal, e por vezes existem objectos (mesas de trabalho, por exemplo) entre os interlocutores. Os odores corporais normal mente ja nao sao detectaveis, e a atenr;ao visual ja nao se concentra particularmente no rosto do outro. E uma fase em que comer;a ja a ser elevado 0 papel dos codigos sociais de comunicar;ao formal, completamente arbitrarios con forme as culturas. Esta distancia obriga ja a elevar a voz, urn murmurio ja e dificilmente perceptivel. Hall designou esta distancia por «distancia ecra» (screen distance), justamente porque a separar;ao ffsiea mascara muita da subtil mimica facial que veicula as nossas mensagens interpessoais. A distancia publica representa urn ainda maior saito nos padroes sociais de comunicar;ao. Na fase proxima (tres metros e meio a oito metros e meio) a comunicar;ao oral obriga a elevar bastante a voz, e Hall refere estudos linguisticos que demonstram haver uma cuidadosa selecr;ao das palavras empregues para a comunicar;ao, que se reveste de urn caracter muito formal. A estas distancias,ja e sequer diffcil muitas vezes distinguir as cores dos olhos dos outros, muito menos as subtilezas das suas expressoes. Na fase afastada (mais de oito metros e meio) estamos em situar;ao de distancias protocol ares em muitas culturas, por exemplo, nas cerimonias oficiais. A comunicar;ao interpessoal directa ja nao e possivel, salvo elevando ou amplificando artificial mente a voz, e as paralinguagens gestuais predominam sobre as expres soes faciais como forma de comunicar;ao. Aiello (1987) nao deixa de chamar a atenr;ao para esta categorizar;ao das distancias interpessoais ser, como todas as categorizar;oes, apenas urn modelo de analise, que nao elimina 0 facto

de a realidade espacial ser urn continuum. Mas, como em todas as amilises cientfficas, e imprescindivel recorrer a categorias, e apesar de outras terem sido propostas (cf. Aiello, 1987, para uma cuidadosa revisao metodologica), 0 modelo de analise de Hall continua a figurar como 0 mais rico ate agora proposto, embora nem sempre 0 mais utilizado. A abordagem naturalfstica de Hall, que se reporta a observar;oes directas e nao interferentes dos comportamentos das pessoas nos seus contextos naturais, e exigente e dificil, pelo que solur;oes de comodidade, como estudos de laboratorio com pessoas em situar;ao artificial, tern sido demasiado utilizadas em des favor das observar;oes directas em meio natural. Com a inerente desvalorizar;ao dos resultados, ate por razoes de ordem metodologica que fazem com que mais de metade dos setecentos estudos de proxemica produzidos desde os anos 60 e revistos por Aiello (1987) sejam ou de validade nula ou merer;am uma muito prudente interpretar;ao. Muitos desses estudos de laboratorio recorrem a tecnicas semiprojectivas, por exemplo, onde se pede as pessoas que assinalem atraves de grafismos ou com recurso a figurinhas tridimensionais as distaneias interpessoais e os seus 'significados. Estas tecnicas foram consideradas por Hayduck (1983) como absolutamente irrelevantes, inaceitaveis e inadequadas para os estudos de proxemica, nao so pelo seu artificialismo como tambem pelas distorr;oes de escala que implicam, que podem levar a distorr;Oes perceptivas, em relar;ao as distancias reais, as quais atingem valores tao grandes como duzentos por cento. Urn outro obstaculo metodologico em relar;ao aos estudos laboratoriais e 0 facto de 0 usa destas distancias em cada cultura fazer parte de codigos irilplfcitos, muitas vezes inconscientes para as pessoas. A simples manipular;ao laboratorial das situar;oes leva muitas vezes as pessoas a tomar atenr;ao conscientemente ao que estao ou nao estao a fazer, 0 que desde logo pode

distorcer os comportamentos e invalidar ecologicamente os resultados. 0 metodo ideal para estudos proxemicos continua, pois, a ser a observar;ao directa e nao interferente das distancias que as pessoas usam nas comunicar;oes interpessoais, se possivel com 0 apoio de registos video que permitam rigorosas estimativas dessas distancias a posteriori. Mas nem isso permite, muitas vezes, interpretar;oes directas do que esta a acontecer entre as pessoas, se nao se dispuser de suficiente informar;ao contextual que sustente a interpretar;ao. Distancias Intimas, normal mente reservadas ao contacto entre pessoas muito proximas, podem todos os dias ser observadas nos transportes publicos em horas de ponta. Nessas situar;oes de apinhamento, onde os corpos se tocam totalmente, verifica-se mesmo 0 evitamento da emissao de quaisquer sinais nao verbais que possam gerar uma rna interpretar;ao da situar;ao: as posturas rigidificam-se, urn ar mais formal e adoptado, os olhares sao desviados das pessoas com quem se esta num contacto corporal que noutras circunstancias veicularia urn sinal de grande intimidade, e e emitida assim justamente uma mensagem de sinal contrario: «Por favor, nao me interprete mal, este contacto niio e uma solicitar;ao sexual Intima!» Apesar dos oportunistas, sao esses os codigos sociais em vigor na nossa cultura. A enorme variar;ao cultural e subcultural dos codigos implfcitos, que regem 0 usa das distancias interpessoais, exige muita prudencia nas interpretar;oes e a sua adequada integrar;ao antropologica (nao e por acaso que 0 fundador desta disciplina e antropologo e que as abordagens mais significativas nesta materia sao as que recorrem a procedimentos etnometodologicos de observar;ao directa em contextos naturais). As culturas latinas e mediterranicas usam nas conversas informais entre amigos e conhecidos distancias muito menores do que as cuIturas



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anglo-saxonicas e norte-europeias , e mesmo intoleniveis nas culturas germanicas, por exemplo (Hall, 1966; Aiello e Thompson, 1980). Essas distancias interpessoais parecem ser mfnimas nas culturas arabes, onde as aproxima~oes sao ainda maiores do que nos povos latinos (Watson e Graves, 1966) II . (ver caixa na p. seguinte) . o significado das distancias interpessoais varia nao so de cultura para cultura como ainda dentro da mesma cultura em fun~ao da idade ou do sexo, ou estatuto social das pessoas, por exemplo. 0 corpo fala de nos, 0 corpo tanta vezes fala por nos . 0 corpo significa-nos, e essas significa~oes sao inevitavelmente interpretadas pelos outros significantes e dotadores de significado. As crian~as usam 0 espa~o interpessoal de forma muito diferente dos adultos, e tudo indica que a medida que crescem usam cada vez maiores distancias interpessoais, ate estabilizarem nas que sao codificadas pela sua cultura (Pagan e Aiello, 1982; Willis et al ., 1979). A partir dos cinco anos, essas normas vaG sendo cada vez mais interiorizadas, e nas culturas anglo-saxonicas 0 limite dos dez-doze anos e aquele que e considerado como 0 normal para a interioriza~ao de algumas regras fundamentais de distancia~ao interpessoal (Aiello e Cooper, 1979; Aiello, 1987). E evidente que 0 tamanho do corpo e urn factor relevante, se se quiser utilizar o modelo de Hall, ja que a «distancia de urn bra~o» e uma das importantes fronteiras a considerar, e 0 estudo citado de Aiello e Cooper nao deixou d,e ter esse factor em considera~ao. Da infancia para a adolescencia verifica-se urn aumento das distancias natural mente man tid as para conversas entre amigos: aos sete anos, e frequente as crian~as conversarem a distancias

Intimas (30 cm a 50 cm), mas aos 17 anos essas mesmas conversas ja se processam a distancias sociais proximas (Bass e Weinstein, 1971; Aiello e Aiello, 1974; Thompson e Aiello, 1981; Aiello, 1987). Essas distancias sao, no entanto, dependentes quer das culturas de origem, quer da classe social das pessoas: 0 estudo de Aiello e Jones (1971), usando as categorias de Hall, realizado por observa~ao nao interferente de 210 dlades de crian~as de seis a oito anos num recreio da escola, demonstrou que crian~as brancas de classe media mantinham maiores distancias entre si do que crian~as porto-riquenhas e negras de classes baixas. Resultados similares foram obtidos por Duncan (1978), comparando 96 dfades do mesmo sexo e etnia (crian9as brancas e negras nos recreios de uma escola primaria) . Menores distancias verificaram-se nas meninas do que nos rapazes, mas em fun~ao da etnia: as crian9as negras man tendo maiores proximidades entre si. Isto conduz-nos a questao das diferen9as entre sexos: tam bern neste ponto existem grandes diferen9as nas distancias interpessoais. Em muitas culturas as pessoas do sexo masculino mantem entre si maiores distancias do que as do sexo feminino (Aiello, 1987), embora tal nao possa ser completamente isolado nem da idade nem do grau de conhecimento e proximidade afectiva, nem do sexo do outro interlocutor, bern como do respectivo estatuto social. E muito menos do contexto em que se processa a interac~ao . Isto parece aplicar-se quando que se veri fica igualdade nestas circunstancias, isto e, quando se trata de transac90es entre pessoas do mesmo sexo, com 0 mesmo grau de proximidade afectiva e do mesmo estatuto social. Dito de outra forma: observou-se quase sempre que

II Em relar,:ao a cultura portuguesa , nao sao conhecidos estudos de proxemica, e nest a materia sao excepcrao os textos de Antonio Bracinha Vieira (1983) sobre a "gramatica» das comunicacroes nao verbais. particularmente na relacrao medico-doente, num quadro de referencia fenomenologico.

539

o CORPO DE OUTREM COMO SIGNIFICANTE SITUACIONAL Nunca apreendo outrem enquanto corpo sem cap tar simultaneamente de fonna nao expllcitll 0 meu corpo como 0 centro de referencia indicado por outrem. Mas, portanto , tambem nlio seria posslvel percepcionar 0 corpo de oulrem como came a !ftulo de objecto isolado tendo com os outros uma pum relar,:ao de cxterioridade. Isto so seria verdade para um cadllver. 0 corpo de outrem c-me dado imediatamcnte como centro de refercncia de uma situa<;iio que se organiza sinteticamente em tomo dele e c insepanivel dessa situll<;ao.( ... ) 0 Dutro c-me originariamente dado como C0/1JO I'm silll((Fio.( ...) 0 corpo e a contingcncia objecliva da acr,:ao de outrem. ( ... ) Outrem move-se dentro de Iimites ligados imediatamente aos seus movimentos e que sao os termos com que indico a mim proprio 0 significado desses movimentos. Sao Iimites simullalleamente espaciais e tempomis. Espacialmente. e 0 copo colocado a distlincia de Pedro que d<1 signitica<;ao ao seu gesto actual. Na minha propriil percepcrao yOU do conjunto "mesa-copo-garrafa" ao movimento do bmr,:o de Pedro. que anuncia 0 que ele c. Se 0 brar,:o e vislvel. mas 0 co po nao. apercebo-me do movimento de Pedro a partir da pum ideia de siuwrcio e a partir de termos entrevistos no vazio para 1:1 dos objectos que me escondem 0 copo. como significar,:ao do gesto . Temporalmente. caplo ainda 0 gesto de Pedro enquanto me e presentemente revelado a purtir dos lermos fUluros para que tende. Desta maneira. anuncio a mim mesmo 0 presente do corpo pelo seu futuro. e, de forma ainda mais geral. pelo futuro do mundo. Nunca SCi'll posslvel compreender 0 problema psicol6gico da percep~iio do corpo de outrem se nlio se compreender antes de mais esta verdade fundamental: 0 corpo de outrem e percepcionado de forma diferente dos outros corpos. Porque pam 0 percepcionar vamos sempre do que eSla para alem dele, no espa~o e no tempo, pum ele mesmo. Cuptamos 0 seu gesto por uma especie de inversiio do tempo e do espa~o. Pcrcepcionar outrem e fazcr-~e anunciar pelo mundo aquilo que ele e .( ... ) 0 corpo de Pedro nao se distingue de forma alguma de Pedro-para-mim . (Jean-Paul Sartrc. L i~lrt, elle /Vetlll/. 1943. pg. 384).

mulheres amigas ou conhecidas falam entre si com maior tolerancia de proximidades ffsicas do que homens amigos ou conhecidos, embora isso pare~a ser valido so a partir da adolescencia, quando os codigos culturais estao ja interiorizados (Aiello, 1987). Na pista de Hediger (1950), que em etologia distinguira ja as especies de contacto das especies de nao contacto, E. T. Hall adoptou a distin9ao entre ellituras de contaeto (africanos, latinos, mediterranicos, arabes, por exemplo) e ellituras de mio eontaeto (anglo-saxoes, germanicos,japoneses). As investiga~oes no terreno parecem confirmar a pertinencia desta distin~ao, embora, como afirma Aiello (1987), grande parte dos estudos realizados possam ser invalidados por razoes de ordem metodologica como as que apontamos acima. Alguns estudos existern, todavia, que, atraves da utiliza~ao de meta

dos de observa9ao nao interferentes, demonstram essas diferen9as interculturais (Watson, 1970: 106 pessoas de cada uma das seguintes culturas de contacto: arabes, latino-americanos, europeus do Sui, e de culturas de nao contacto: asiaticos, indo-paquistaneses, norte-europeus, todos do sexo masculino; Baxter, 1970: 860 dfades de anglo-saxonicos, mexicanos e negros de ambos os sexos, adolescentes e adultos; Dennis e Powell, 1972: duzentas dfades de brancos e negros entre os sete e os catorze anos; Noesjirwan, 1977: 32 dfades de autralianos e 22 dfades de indonesios, estes ultimos interagindo a distancias menores do que os primeiros; Valksman e Ellyson, 1979: quinze elementos em cada dos seguintes grupos etnicos: americanos brancos, argentinos, guatemaltecos, hondurenhos, iranianos, Ilbios, arabes sauditas e venezuelanos - os americanos sendo 0 grupo com

541

540

maiores distancias interpessoais; para uma revisao do tema, cf. Aiello, 1987). Finalmente, aspectos ligados a personalidade, nomeadamente defices intelectuais e patologias mentais, influem tambem nas distancias interpessoais informais. Em Portugal, Bracinha Vieira (1974; 1979; 1983) desenvolveu urn modelo etopsiquhitrico em que a territorialidade (e consequentemente a regulaC;ao das distancias interpessoais) surge, com a hierarquizaC;ao, como urn dos grandes organizadores estruturais dos comportamentos humanos, e relacionou, mediante uma metodologia de observaC;ao c1inica de cariz fenomenologico, essas regulac;oes com variados quadros patologicos, nomeadamente a esquizofrenia, a paranoia e a anorexia mental. Observac;oes sistematicas nao interferentes das interacc;oes entre doentes mentais internados em hospitais psiquiatricos confirmam essas relac;oes entre os quadros patologicos e a territorialidade, ainda que nao partindo necessariamente dos mesmos pressupostos teoricos de Bracinha Vieira (1979). Ja na decada de 60, Esser et al. (1965) observaram uma acentuada territorialidade em pacientes esquizofrenicos numa enferrnaria de urn hospital; e Horowitz (1968) verificou que os doentes esquizofrenicos mantinham maiores distancias interpessoais antes do que apos tratamento, e em qualquer caso man tendo maiores distancias do que as pessoas norrnais (Horowitz et ai, 1964; Esser e Deutsch, 1977). Burgess (1981), por seu turno, ao comparar crianc;as norrnais e crianc;as com atrasos mentais (seis a doze anos), verificou que estas ultimas mantinham entre si muito menores distancias do que as norrnais. Hayes e Siders (1977) obtiveram resultados similares, mas utilizando bonecos representando as proprias crianc;as, as quais deviam colocar 0 «seu» boneco a distancia que quisessem de um boneco representando urn professor: as sessenta crianc;as com defices intelectuais colocaram 0 «seu»

bone co mais proximo do «professor» do que as sessenta crianc;as norrnais. Por nao se tratar de urn estudo de observaC;ao directa em reais condic;oes naturais, este resultado deve ser lido com prudencia, apesar de confirmar os obtidos com metodologias mais adequadas. A ausencia de estudos sistematicos de proxemica realizados e~ Portugal impede-nos de adiantar quaisquer conc1usoes que estejam relacionadas com a nossa cultura, embora seja de crer que nao estaremos longe dos padroes encontrados noutras culturas latinas, com as inerentes variac;oes intraculturais respeitantes a idade, ao sexo, a c1asse social, ao grau de relacionamento entre os intervenientes e ao contexto das interacc;oes. E nao so: as variac;oes derivadas da experiencia historica propria de cada cultura. Quer 0 25 de Abril e quer a queda do Muro de Berlim implicaram festa, mas nem sao 0 mesmo fenomenD historico nem as pessoas e as culturas eram as mesmas. Nem as suas consequencias sociais e pessoais. 0 que implica que 0 psicologo ultrapasse os limitados modelos de analise que reduzem 0 real a urn conjunto de variaveis dependentes e independentes, como se de estudar em laboratorio os efeitos da adaptac;ao a meios salinos na zona ventromedial direita do hipotalamo dos sapos se tratasse. Esempre 0 mesmo: a total confusao entre 0 que sao as ciencias naturais e as ciencias humanas, herdada do positivismo. Eis, portanto, aqui um campo aberto a reflexao dos psicologos, ditos sociais. Como remate deste capitulo, direi tao-somente que ele pretende sublinhar que outra psicologia social e possivel que nao a homologada pelas instancias que dela falam oficiosamente . E que essa Psicologia Social, minoritaria mas activa, existe . Este capitulo contracorrente e assumidamente uma critica da psicologia social dominante e a defesa de uma psicologia social alternativa. Creio que ha que recomendar aos estudantes de Psicologia Social (e este e urn

Manual desenhado para os estudantes) que ouc;am as falas das pessoas, interpretem 0 sentido dos seus discursos, escutem as suas historias, antes ou em vez de apressadamente lhes imporem escalas de Lickert que as obriguem a resumir a complexidade do seu pensamento e do seu sentir em quatro, cinco ou sete pontos arbitnirios. A questao sobre qual 0 melhor «instrumen to» para as investigac;oes em psicologia, a res posta e sempre a mesma: 0 melhor instrumento de urn psicologo so pode ser ele proprio, os outros todos sao meras proteses, por mais funcionais e uteis que sejam . Por muito util e sofisticado que seja urn microscopio, nada e sem o cientista que por ele espreita e a interpretartio que faz do que encontra atraves dele. 0 mundo borbulha a nos sa volta e nos com ele, e essa riqueza nao se compadece com a pobreza das reduc;oes psicometricas tantas vezes propostas pelos psicologos. Recordo a velhota que falava de Campo de Ourique, numa bela entrevista feita por uma estudante. Do Campo de Ourique que reencontrara passados quarenta anos de emigrac;ao e do Campo de Ourique da sua infancia e adolescencia. Das festas de outrora, das ruas desapinhadas da carros e ternamente aco-

Ihedoras das corridas e brincadeiras infantis, dos jogos de namoro (porventura jogados a correcta distancia cultural mente admissivel, ou porventura saboreados na infracC;ao dessas normas) e das bandas no Jardim da Parada. E em cada momento do seu discurso esse outro Campo de Ourique era contraposto ao de hoje, as ruas de hoje, as vizinhanc;as e as sociabilidades de hoje, a transfiguraC;ao simbolica dos espac;os limitrofes. Durante uma hora e tal perpassou pelo seu discurso uma Lisboa de hoje, e uma que ja nao e , e esse foi-e-e-agora entrecruzou-se com 0 seu proprio foi-e-ja-nao-e. Dela e de Campo de Ourique ficou a saber-se alguma coisa. E tudo 0 que ela disse nao cabia num numero, porque ela propria era maior do que qualquer numero. Ouc;amos a velhota com a atenc;ao com que Galileu olhava para 0 seu pendulo. Kurt Lewin (1931) tinha razao: Galileu nao precisou de mil pendulos . Urn so pendulo bastou-lhe par~ compreender a lei do pendulo. Do seu pendulo . Sessenta e tal anos depois. a Psicologia Social nao entende Galileu. Tal como 0 Santo Offcio que 0 obrigou a dizer que a Terra nao se movia; a Psicologia Social perrnanece aristotelica. Mas, quem tern medo de Virginia Wolf, salvo a propria Virginia Wolf?

618 Processamento de informa~ao 170, 342, 445 automatico, 107, 112, 114

nUcleo central, 484-485 49 polemicas, 463, 477-478 computing, 362 Self, 397,398, 399 control ado, 112, I 14 Semelhan~a de perspectivas, 169 directo, 114, 122 Sequencias dinamicas, 40 paralelo, III, 112 Sexualidade, 141-146 prestorage, 362 activa~iio fisiol6gica, 146 recupera~ao, 342-344, 349, 353, 355, 357 desejo sexual, 141 selec~ao, 342-344 encena~oes culturais, 142 sequencial,112 fantasias, 146-149 Processos de interac~ao processos informativos, 149 e influencia social, 325 script (guiiio) interpessoal, 142 e mudan~a de normas, 326 script (guiao) sexual, 141, 142 e normas, 325, 326 tecnicas corporais, 148 e sistema de categorias de Bales, 322 Sistema de tensao, 40 Processos distais e proximais, 516 Sociocognitivismo, 26, 60, 293 Procura de coerencia (ver tambem Equillbrio e Princfpio da Sociologia do conhecimento, 487-488 consistencia cognitiva), 338, 344, 349 Subtipos, 349, 355, 356, 360, 363 Prot6tipo, 469 Teoria da ac~ao reflectida, 209-212, 217 Psicoffsica social, 13 Teoria da ac~ao planeada, 211-213 Psicologia da Gestalt, 44 Teoria da complementaridade, 135 Psicologia dos povos, 19,20,489-490 Teoria da elabora~ao do conflito, 285 Psicologia e sociologia, 27 Teoria da gera~ao das emo~oes, 154 Psicologia ecol6gica, 512 Teoria de campo, 511 e grupos sociais, 512 Teoria da organiza~ao cognitiva, 128-129 Psicologia funcionalista, 36 teoria da compara~iio social, 129 Rela~oes de conflito, 390, 394,401 teoria da consistencia cognitiva, 129 Rela~oes de domina~ao, 388, 389,403 teoria da dissonancia cognitiva ,44, 129,206-208,215; modelo das, 403-406 217,293 Rela~oes intergrupos, 388-391 teoria do equillbrio, 128, 204-205 Rela~oes interpessoais, Teoria topol6gica, 39 teoria das, 43 Teorias da troca social e do refor~o, 128, 130-132, 325 Rela~oes intimas, 125, 150 contingencias de resposta, 130 auto revela~ao, 152 modelo dos ganhos e perdas, 130, 131 ciume, 155 princfpio da maximiza~iio minimiza~ao, 131 fun~oes da comunica~ao verbal, 152 teoria da interdependencia social, 132 poder e conflito, 154-156 Tipologia processos emocionais, 153-154 de Hackman (ver tambem Grupo(s», 307 Relevancia hed6nica e personalismo, 164 de Laughlin (ver tambem Grupo(s», 308 Representa~ao social, 25, 26, 55, 391,396,400,401,403, de McGrath (ver tambem Grupo(s», 308-309 406-408,461,462,478 de Shaw (ver tambem Grupo(s», 307 ancoragem, 50, 459-460, 472-475, 481-482, de Steiner (ver tambem Grupo(s», 307-308 e atribui~ao social, 479, 490, 491 Universo simb6lico, 388,403,404,406,407 e comportamentos, 479-482 Valida~iio consensual, 135 e comunica~ao, 483-484 Validade,70 e diferencia~ao social, 483, 493-503 Valores, 338 340,341,351,358,370_372 e representa~oes colectivas, 462, 485, 487 Variabilidade, 351 352, 359-360, 364, 366-367, 369e sistemas de comunica~ao, 483 -370 emancipadas, 462 Variaveis dependentes, 67 fun~oes das, 401-403 conduta e comportamento, 67, 68 hegem6nicas, 462, 492-493 condutas efectivas, 67 metodos,464 condutas simb6licas, 67 nfveis de analise, 459, 460 Variaveis independentes, 65-66 codifica~ao,345-347

objectiva~ao,

indice geral APRESENTA«;;AO DA 4." EDI«;;AO ........................................................................................................................ .

3

A PRIMEIRA EDI«;;AO ...................................................................................................................... ..

5

APRESENTA«;;AO DA PRIMEIRA EDI«;;AO ....................................................................................................... ..

7

AUTORES ................................................................................................................................................................... .

II

PREFAcIO

CAPITULO I - OS PRiMORDIOS DE UMA DISCIPLINA - CURSO E PERCURSO - ALV ARO MlRAND~

n~~~i~f~:::::::::::::::::

5' A terceira possibilidade ou polemica radical ................................................................................................... . Abertura ao futuro .............................................................................................................................................. .

6:

CAPiTULO II - A EMERGENCIA DO PARADIGMA AMERICANO - ORLINDO GOUVEIA PEREIRA .. .

13 14 15 18 19 26 29

l ?f~~;l~~J[J;,f~I:~J.~jjLJtL~:i::::;::;;:

3.3. A interdependencia do comportamento nas relaf'oes tntergrupals ............................ . . ...................... . 4. 0 tempo e os modos ................................................................................................................... .

31 32 36 37 37 39 43 45

SOCIAL EUROPEIA JORGE CORREIA JESUiNO .............................. .. CAPiTULO III - A PSICOLOGIA ................................ . 1. Vma psicologia social europeia ? ...................................................................................... . 2 Orientafoes da psicologia social na Europa e nos EVA ................................................................................. .. 3: Os pontos de debate ........................................................................................................................................... .

49 49 50 54

CAPiTULO IV - ORIENTA«;;OES METODOLOGICAS NA PSICOLOGIA SOCIAL - JORGE DA GL6RI~ I Metodo e teoria ................................................................................................................................................. : . I I 0 problema da reduf'iio da escala .............................................................................................................. . Problemas e teoria ....................................................................................................................... :::::::::::::::. " . dependentes e independentes, hip6teses ............................................................................ . v. 2. anavels ....................... .. 2 2 C nstruriio das varitiveis dependentes ............................................................................. . . . 0 r 23 Comportamentos e condutas ................................................................................................ ..................... .. 2'4' A d ' - das condutas: escalas e medidas .......................................................................................... .. .. ValidarJe escnf'ao .. 2.5. e fidelidade das medidas ............................................................................. ............................. .

61 61 62 64 65 67 67 69 69

I:2:

t

620

621

3. Validarao dos modelos: observariio e experimentarao .................................................................................... . 3.1. Estlldos observacionais ...............................................................................................................................

71 72

3.2. Experimentarao: noroes gerais ................................................................................................................. . 4 . Problemas especiJicos da experimenta"ao em seres hllmanos ......................................................................... .. 4. I. Banalidade e facticidade ........................................................................................................................... .. 4.2. A injluencia do qlladro experimelltal ........................................................................................................ .. 4.3. Indurao de respostas ................................................................................................................................. .. 4.4. Aspectos eticos .......................................................................................................................................... ..

CAPiTULO V - FORMA~AO DE IMPRESSOES - ANTONIO CAETANO ..................................................... . I. Introdurao ......................................................................................................................................................... .. 2. Abordagells da formarao de impressoes ........................................................................................................... .. 2. I. Abordagem configuraciona/ ....................................................................................................................... . 2.2. Abordagem da integra"ao da informarao ................................................................................................ .. 2.3. Abordagem da memoria de pessoas ......................................................................................................... .. 2.4. COnfrontando as abordagens ..................................................................................................................... .. 3. Motivarao e exactidao naformarao de impressoes ......................................................................................... .. 3.1 . Estrategias naformarao de impressoes .................................................................................................... . 3.2. Problemas de exactidao naformarao de impressoes ................................................................................ . 3.3. Ju/gabilidade social .................................................................................................................................. .. 4. Princ(pios daformarao de impressoes ............................................................................................................. .. Resumo ..................................................................................................................................................................... . CAPITULO VI - ATRAq:AO INTERPESSOAL, SEXUALIDADE E RELA(:OES iNTIMAS _ VALENTIM RODRIGUES ALFERES ........................................................................................................................................ . I. Atracriio interpessoal ........................................................................................................................................ .. I. I. Dos problemas cOllceptuais aos mode/os teoricos .................................................................................... . 1.2. A dindmica da atracrao: determinantes da atracrao e genese das relaroes interpessoais .................... .. 1.3. Um caso especial de atracrao interpessoa/: 0 amor passional ................................................................ . 2. A construrao social da sexualidade ................................................................................................................... . 2.1 . Encenaroes culturais, interpessoais e intraps(quicas .............................................................................. .. 2.2. As experiencias sexuais ""."."." ................................................................................................................ .. 3. Estruturas relacionais da sexualidade e modelos de amor ............................................................................... . 3. I. Relaroes (ntimas: aspectos estruturais e dindmicos ................................................................................. . 3.2 . Mode/os de amor ........................................................................................................................................ . CAPITULO vn - ATRIBUI~AO CAUSAL: DA INFERENCIA AESTRATEGIA DE COMPORTAMENTO - ELIZABETH SOUSA ......................................................................................................................................... .. I. Explicaroes causais e percepftio ........................................................................................................................ 2. Heider e a psicologia ingenua .......................................................................................................................... .. 3. Jones e Davis: processamento de informarao e inferencias correspondentes ................................................. .. 3. I. A desejabilidade social ............................................................................................................................. .. 3.2. Os efeitos nao comuns .............................................................................................................................. .. 3.3. Relevdncia hedonica, personalismo e inferencias correspondentes ........................................................ .. 3.4. A teoria revista 4 . Kelley: processamen;;·d;·;~;~;~I~~~~·~·;~:~~;;~;~~·· · ····· ·· ·· ............................................................................ . !II)',

)'"

•••••••••••••••••••••••••• • •••••• •••• • ••• •• ••••• • •• ••••••••• ••• ••••••••••••• ••••• ••• • ••••

4.1. Configurariio, esquemas causais, princfpios do desconto e do aumento ................................................ .. 4 .2. Taxonomia de esquemas causais .............................................................................................................. .. 5. A teoria da autoperceprao .................................................................................................................................. . 6. Jones e Nisbett: diferenra de perspectivas e familiaridade com oobjecto ........................................................ . 6.1.0 processamento de illformarao como causa da divergellcia .................................................................. ..

73 82 83 85 88

89 89 91 91 98 102

113 114 114 115 120 122 123

125 126 126 132 137

141 141 146 150 150 156

159 159 160 162 163 164 164

165 166 167 168 169 170 170

7 . 0 erro fundamental da atribuiriio ...................................................................................................................... . 8. A atribuiriio em contextos de realizarao .......................................................................................................... .. 9. Atribuiroes para 0 sucesso e fracasso: cogllitivas 011 1II0tivacionais? ............................................................. .. 10 . 0 cerne do debate ............................................................................................................................................. .. 10. I. Lilllitaroes das perspectivas tradicionais """""""""""""""""' ............................................................. , 10.2. 0 cientista ingelluo? Procura e'pistemica raciollal «versus» hedonislllo num vlicum social ............... .. 10.3. A dimensao estratigica das atribuiroes ................................................................................................. .. 10.4. A dimellsiio social das atribuiroes ........................................................................................................... . Resumo ..................................................................................................................................................................... .

171 173 173 174 175 178 179 181 184

CAPITULO VIII - ATITUDES: ESTRUTURA E MUDAN~A - LuisA PEDROSO DE LIMA ...................... , Illtrodurao ............................................................................................................................................................... . Perspectivas sobre 0 cOllceito de atill/de ................................................................................................................ . Medida das atitudes ................................................................................................................................................. . Mediriio das atitudes atraves de respostas cognitivas ..................................................................................... .. Mediriio das atitudes atraves de respostas afectivas ........................................................................................ . Mediriio das atitudes atraves de respostas comportamentais """""",,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, A estrutura das atitudes .......................................................................................................................................... .. As funroes das atitudes ........................................................................................................................................... . Funroes 1II0tivacionais das atitudes: Atitudes e necessidades .......................................................................... . Funroes cognitivas das atitudes: atitudes e processalllento da informariio .................................................... .. FUllroes de orientariio para a acrao: atill/des e cOlllportalllento ......................................................................... .. /lIIpacto das atitudes no cOlllportamento .............................................................................. ,............................ . o impacto do comportamento nas atill/des ...................................................................................................... .. Mudanra de atitudes """"''''''''''''''''''''''''''''''''''' '''''''' ''''''' '''''''''''''''''''' '' ................................................................ Propaganda e lIIudanra de atitudes .................................................................................................................. .. o 1II0deio da comunicariio persuasiva ............................. " ............................................................................... . Duas vidas para a lIIudallra de atitudes ............................................................................................................ , Conclusiio ................................................................................................................................................................ .

187 187 187 190 190 198 201 202 203 203 204 208 208 214 217 217 218 220 225

CAPITULO IX - 0 INFERNO SAO OS OUTROS: 0 ESTUDO DA INFLUENCIAL SOCIAL - LEONEL GARCIA-MARQUES .............................................................................................................................................. I. Introduriio ........................................................................................................................................................... . 1.1. 0 que e a injluencia social """"""""""'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' .................. . 1.2. No laboratario as escuras .......................................................................................................................... . 1.3. A influencia social: como tem sido estudada ........................................................................................... .. 2. A injluencia social as escuras: as experiencias de Musafer Sherif.................................................................. .. 2. I. Introduriio ................................................................................................................................ ,................. . 2.2. No laboratorio e as escuras: conclusoes .................................................................................................. .. 3. A influencia social as claras .... " ....................................................................................................................... .. 3.1. Introduriio .................................................................................................................................................. . 3.2. A influencia social as claras: 0 paradigma de Asch ................................................................................. . Introduriio .......................................................................................................................................................... . Os primeiros estudos .......................................................................................................................................... . Caracter(sticas da situarao experimental ......................................................................................................... . Resultados - como reagiria 0 leitor? .................................................................................. """'" '''''' ''''''' ''''' ''' ' Resultados: analise dos erros ............................................................................................................................ . Resultados: variariio individual ........................................................................................................................ . Sujeitos independentes ....................................................................................................................................... . Sujeitos cOllformistas ......................................................................................................................................... . COllclusoes ......................................................................................................................................................... .

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622 Variaroes do paradigma de Asch (I) ................................................................................................................. . A importiincia do objecto de julgamento ........................................................................................................... . Manipulariio das caracterfsticas dos estfmulos usados .................................................................................... . o mimero das alternativas de resposta ............................................................................................................. . A possibilidade de avaliariio objectiva posterior .............................................................................................. . A dimellsiio do grupo ......................................................................................................................................... . A importiincia do contexto de enunciarilo do julgamento: vfcios publicos versus virtudes privadas .............. . Variaroes no paradigma de Asch (/I): e quem nos livra dos outros? Os outros! ............................................. o paradigma ao avesso: comparsa isolado versus grupo de sujeitos crfticos ................................................. . Um grupo de comparsas versus urn grupo de sujeitos c:rfticos ......................................................................... . Entra 0 aliado ... ou da importilncia de se niio ser uma ilha .............................................................................. 3.3 . Conlusiio: a contribuirilo de Asch para 0 estudo da influencia social ...................................................... . 4. 0 respeitinho e muito bonito: as experiencias de Milgram ............................................................................... . 4.1. Introduriio .................................................................................................................................................. . 4.2. A situariio experimental de Milgram ......................................................................................................... . 4.3. Variaroes experimentais ............................................................................................................................ . 4.4. Conc/usoes ................................................................................................................................................. . 5. A influencia social de pernas para 0 ar: 0 paradigma experimental de Moscovici ......................................... . 5.1. Introduriio ............................................................................................................................................... ... . 5.2. A influencia social de pernas para 0 ar: a reinterpretariio das investigaroes de Asch ........................... . 5.3 . A inflllencia social de pernas para 0 ar: 0 paradigma experimental de Moscovici. Os primeiros estudos ........................................................................................................................................................... . 5.4. E quem nos livra da inovariio? Pois e ... Outra vez. os outros! A importiincia do apoio social para a niio inovariio ..................................................................................................................................................... . 5.5. A influencia social de pernas para 0 ar: conc/usiio .................................................................................. . 6. AlgUlIs dos alicerces de uma teoria geral dos fenomenos de influencia social ................................................ . 6.1. A distinriio entre injluencia social informativa e influencia social normativa .......................................... . 6.2. Influencia social e categorizariio social .................................................................................................... . 6 .3. Injluencia social indirecta ......................................................................................................................... . 6.4. Inflllellcia social e normas sociais ............................................................................................................. . 6.5. Injluencia social e a natureza da tarefa crltica ......................................................................................... . 6.6. Influencia social. estrutura e processos grupais ....................................................................................... . 6.7. 0 contexto da recepriio da influencia ....................................................................................................... . 6.8. Influencia social e atribuiriio causal ......................................................................................................... . 6.9. Injluencia social: um unico processo? ...................................................................................................... . 6.10. Injlllellcia social e persuasiio ................................................................................................................... . Conc/usiio .................................................................................................................................................................

CAPiTULO X - ESTRUTURAS E PROCESSOS DE GRUPO - JORGE CORREIA JESUiNO ....................... . I. IlItrodllriio .......................................................................................................................................................... . 2. Tipos de grupos ................................................................................................................................................... 3. Aspectos metodologicos ...................................................................................................................................... . 4. Quadro de referencia para 0 estudo dos grupos ............................................................................................... . 5. Factores antecedentes ......................................................................................................................................... 5.1. Caracterfsticas dos membros ..................................................................................................................... . 5.2. Caracterlsticas do grupo ........................................................................................................................... . 5.3. Caracterfsticas colltextuais ......................................................................................................................... 6 . Processos de interacriio ..................................................................................................................................... . 7. Factores consequentes: influencia social .......................................................................................................... . 7.1. Normas 7 .2. Mudan~·~·d~~·~~·;~~~·::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

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7.3. Polarizariio de grllpo ................................................................................................................................. . 7.4. A teoria do impacto social ......................................................................................................................... .

CAPiTULO XI _ PROCESSOS COGNITIVOS E ESTEREOTIPOS SOCIAlS - JOSE MARQUES e DARIO PAEZ ...................................... ············ ..................................................................................................................... . I. Genese da perspectiva cognitiva no estudo dos estereotipos ............................................................................ . 1.1. Estereotipos. preconceitos e racionalizariio das relaroes sociais ............................................................ . 1.2 . Estereotipos como crenras sociO-CllltlIrais sobre os traros comuns aos membros de um grupo ............ . 1.3. Acellfuariio perceptiva. assimilariio de valores e procura de coerencia ................................................. . 2. 0 que determina a inclusiio de uma pessoa num esrereotipo? .......................................................................... . 2.1. 0 recurso a categorias «primitivas» ......................................................................................................... . 2.2. A dijerenciariio em relariio as normas ..................................................................................................... . 2.3. 0 principio do metacolltraste ..................................................................................................................... 3. Estereotipos e distorroes no processamento de nova informariio .................................................................... . 3.1. Distorroes na selecriio e recuperariio de informGfiio estereoripica ........................................................ . 3.2. Distorroes cognitivas e «procura de coerencia» ...................................................................................... . 3.3. Codijicariio distorcida de illformariio ..................................... ········ .......................................................... . 3.4. Estereotipos e ilus6es de correlariio .......................................................................................................... 4 . Organizariio cognitiva dos estereotipos em termos de «abstracroesJO ou de «exemplares» ............................ . 4.1. Organizariio abstracta e individualizada das crenras estereotfpicas ...................................................... . 4.2 Percepriio de variabilidade e familiaridade com os grupos estereotipados: homogeneidade relativa do exogrupo .................................................................................................. , ................................................... . 4.3. Perspectivas sobre a organizariio cognitiva dos estereotipos ................................................................... . 4.3.1. Organizariio probabi/{stica dos estereotipos: a diagnosticidade dos atributos categoriais ........... . 4.3.2. Metodologias de obtenriio de prototipos grupais e suas implicarOes ............................................. . 4.3.3. Diagnosticidade. organizOfiio hierdrquica e mudanra de estereotipos .......................................... . 4.3.4. Prototipos e perceproes de variabilidade nos grupos ..................................................................... . 4.4. Organizariio exemplar dos estereotipos .................................................................................•.................... 4.4.1. Dois modelos da organizariio dos estereotipos em termos de exemplares ........_............................ . 4.4.2. Crfticas aos modelos exemplares dos estereotipos .......................................................................... . 4.5. Modelos dua/{sticos da organizariio cognitiva dos estere.oripos .............................................................. . 4.5.1. Categorizariio atraves de exemplares e categorizariio atraves de abstracfOes ............................ . 4.5.2. Construriio on-line de impressoes abstractas sobre a variabilidade dos grupos .......................... . 4.5.3. Medidas das representaroes exemplares e abstractas dos grupos ................................................. . 5. Categorizariio social. percePfoes de variabilidade e identijicariio social ............................ ·..... ················ ..•.... 5.1. Estereotipos e categorias naturais ...............................··.············· .............................................................. . 5.2. Auto-estereotipia e percepriio de homogeneidade .................................................................................... . 5.3. Identidade social e perceproes de homogeneidade ................................................................................... . 5.3.1. Percepriio de homogeneidade. procura de coesiio e protecriio da identidade social ................... . 6. Estereotipos. perceproes de homogeneidade ejulgamentosavaliativos ........•.................................................... 6.1. Complexidade cognitiva e extremismo avaliativo .....................................................•................................. 6.1.1. Complexidade cognitiva e extremismo dos julgamentos .................................................................. . 6.1.2. IdentiflCafiio social. variabilidade do endogrupo e extremismo dos julgamentos: glorijiCflndo os herois e puninda os traidores .............................................................................................•............. 6.1.3. Extremismo dos julgamentos: identijicariio social ou maior dijerenciOfiio no endogrupo? ......... . 6.1.4. Extremismo. julgamentos normativos. e coesiio social ....................... ·.. ·.·········•············ ................. . 7. Conclusoes ..................................................................................................................................•........................ CAPiTULO XII-IDENTIDADE SOCIAL E RELA«;OES INTERGRUPAIS - UGlA AMANCIO .............. . 1. Introdufiio .......................................................................................................................................................... . 2. Perspectivas nos modelos das relaroes intergrupos ..................................... ··.···· .............................................. .

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624 2.1. Contextos e tipos de relar(jes intergrupos - 0 conceito de grupo ............................................................ . 2.2. 0 nos e 0 eu nas relarcies intergrupos - 0 conceito de identidade social ................................................ . 3. Categorizariio social. identidade social e comparariio social- 0 modelo da identidade social da escola de Bristol ................................................................................................................................................................. . 3.1. Origens do modelo ..................................................................................................................................... . 3.2. 0 paradigma dos "grupos m/nilllos» ......................................................................................................... . 3.3. Contradiroes e Iimites do modelo de Bristol ............................................................................................. . 4 . Identidade social. representaroes sociais e a nafllreza das relaroes intergrupos - os estudos da escola de Genebra .............................................................................................................................................................. . 4 .1. Identidade socia/ e contetidos categoriais - 0 modelo da dijerenciariio categorial ................................ . 4.2. Identidade dominante e dominada - 0 modelo das relaroes de poder simbolico .................................... . 4.3. Identidade social e representariio de pessoa ............................................................................................ . Resumo ..................................................................................................................................................................... .

CAPITULO XIII - CONFLITO E NEGOCIAC;:AO ENTRE GRUPOS - MARIA BENEDICTA MONTEIRO I. A genese dos conflitos entre grupos ......................................................................................................................... . I. A formariio de preconceitos ............................................................................................................................... . 1.1. A natureza dos preconceitos ..................................................................................................................... .. 1.2. A hipotese da "personalidade autoritciria» .............................................................................................. .. I .3. A hipotese do «esp/rito fechado» ............................................................................................................... . 2. A hipotese da frllstrariio-agressiio ..................................................................................................................... . 3. A procura de justira social: hip6tese da privatizariio relativa ........................................................................ .. 4 . A oposiriio de interesses e a competiriio .......................................................................................................... .. II. A resoillriio dos conflitos ........................................................................................................................................ . I. A hipotese do contacto ...................................................................................................................................... .. I .1. A paridade de estatuto dos grllpos ........................................................................................................... .. 1.2. A comunalidade de objectivos a atingir pelos grupos .............................................................................. .. 1.3. Apoio social-institllcional envolvente ........................................................................................................ . 1.4. Limites e problemas da hip6tese do contacto ............................................................................................ . 2. A negociariio dos conflitos ................................................................................................................................. . 2.1. Fases da negociariio de conflitos .............................................................................................................. . 2.2 . Climas negociais ....................................................................................................................................... .. 2.3. 0 processo negocial .................................................................................................................................... 2.4. A negociariio como processo de decisiio .................................................................................................. ..

CAPiTULO XIV - REPRESENT AC;:OES SOCIAlS E PSICOLOGIA SOCIAL DO CONHECIMENTO QUOTIDIANO - JORGE VALA ........................................................................................................................... I . 0 campo do conceito de representariio social ...................................................................................................

1.1. A representariio como constrllriio de 11m objecto e expressiio de um slljeito ........................................... 1.2. A representariio como representariio social.............................................................................................. 1.3 . As representaroes sociais como problema social e objecto de investigariio ............................................. 2. Processos sociocognitivos e formariio das representaroes sociais ................................................................... 2.1. A objectivariio ............................................................................................................................................. 2.2. 0 esrudo do processo de objectivariio ........................................................................................................ 2.3. A ancoragem ............................................................................................................................................... 2.4. 0 estudo da ancoragem .............................................................................................................................. 3. As fUllroes das represelltapjes socia is ................................................................................................................ 3.1. Representaroes sociais. explicariio dos comportamellfos e das relaroes socia is ..................................... 3.2. Represemaroes sociais e comportamentos ................................................................................................. 3.3. Represelltaroes sociais e dijerenciariio social................................................... ........................................ 3.4. Representaroes socia is e comunicariio .....................................................................................................

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4. A teoria do llIicleo central das representaroes socia is ..................................................................................... ..

5 . A ascendencia das representariJes sociais ............................... · .. ·.... ·· .. ·.... · .. ·.... ·.. ·· .. ·.. ·.... ·................................. . 5.1. Durkheim e 0 conceito de representariiq colectiva ................................................................................... . 5.2. Representaroes socia is e soci%gia do conhecimento quotidiano ........................................................... . 5.3. De Wundt e McDougall a articulariio psicossocial .................................................................................. . 5.4. 0 New Look e a percepriio social .......................................... ·.................................................................. . 5.5. Heider e Iccheiser ...................................................................................................................................... . 5.6. A contribuiriio de Vygotsky ....................................................................................................................... . 6. A construriio social das representariJes sociais ................................................................................................ . 6.1. As pressoes para a hegemonia ................................... · .. · .. · .. · .... · .. ·· .... · .... ··· .. ·.............................................. . 6.2. Dijerenciariio social e diferenciariio das represelltaroes socia is ............................................................ . Resllmo ................ ································ ......................................................................................................................

CAPiTULO XV _ CONTEXTOS TERRITORIAIS E A PERSPECTIV A ECOL6GlCA EM PSICOLOGlA SOCIAL - LUIS SOCZKA ................................................................................................................................... .. I A necessidade de uma nova Psicologia Social .................................................................................................. .

2: Contextos territoriais. sobredensidade populacional e distanciariio interpessoal em meio urbano ............... ..

2.1. 0 meio urbano: gerador de patologias sociais? ....................................................................................... . 2.2. A sobredensidade populacional .................................. · ............ ·.. ·.. ·.. ·.. ·· .. · .. ·............................................. .. 2.3. Proxemica: a espaciariio illterpessoal como fenomeno de cultura .......................................................... .

BIBLIOGRAFIA ...................... ···················· ............................................................................................................... .

INDICE DE AUTORES .............................................................................................................................................. INDICE TEMATICO ................................................................................................................................................. . INDICE GERAL ..........................................................................................................................................................

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Páginas que faltam

Da 542 à 599 – Bibliografia Da 600 à 613 – Índice de autores Da 614 à 618 – Índice temático

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