Scientific American Brazil Maro 2017

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Março 2017 | www.sciam.com.br

ANO 15 | R$ 19,90 | 4,90 €

O EXERCÍCIO DIMINUI O PESO? MAI

S

ADEUS À INFLAÇÃO? Observações colocam teoria cosmológica sob contestação

O NOVO QUILOGRAMA Sai um objeto de metal, entra uma constante fundamental

LÍNGUAS ASSOBIADAS Comunicação por sons assoprados sobrevive em várias culturas

M A R Ç O 2 0 17 ANO 15

E VO L U Ç ÃO

20 O paradoxo do exercício Estudos de como a máquina humana queima calorias explicam por que a atividade física faz pouco para controlar o peso — e como nossa espécie adquiriu alguns de seus traços mais característicos. Herman Pontzer C O S M O LO G I A

26 Puft! Lá se vai o Universo As últimas medidas astrofísicas combinadas com problemas teóricos põem em dúvida a teoria da inflação no princípio do Cosmos, há tanto tempo apreciada, e sugere que precisamos de novas ideias. Anna Ijjas, Paul J. Steinhardt e Abraham Loeb

Fotografia de Richard Barnes

LINGUÍSTIC A

34 A palavra assobiada Antes do smartphone ou do código Morse, povos rurais “conversavam” a longa distância ao assobiarem — um meio de comunicação que ainda fascina linguistas. Julien Meyer M E T R O LO G I A

42 Histeria em massa O longo esforço para abandonar o objeto decadente do século 19 que define o quilograma está perto do fim. Tim Folger

C A PA Nós nos acostumamos a pensar que pessoas ‰äž_C­x³îxCîžþCäÔøxž­C­­Cžä_C§¸ßžCäl¸ ÔøxCääxlx³îDߞCäÍ#Cäxäîøl¸ä­¸äîßC­Ôøx ¸äCäî¸äx³xߐyîž_¸äîx³lx­CäxßÇCßx_žl¸äi ³S¸ž­Ç¸ßîCÔøC§äx¥C¸³Ÿþx§lxCîžþžlClx…Ÿäž_CÍ Ilustração de Bryan Christie.

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5 Carta do editor

FÓRUM

7 O clima é um trunfo para tudo O novo governo poderia reduzir gases do efeito estufa e atingir seus objetivos econômicos de uma só vez. Michael E. Mann e Susan Joy Hassol 7 C IÊNC IA DA S A ÚD E

8 Indisposição estomacal Uso crônico de remédios para azia pode ser mais arriscado do que se pensava. Karen Weintraub

10 Avanços -

Soluções criadas pelo homem para abalos sísmicos gerados por ele

10

-

Frutas para os congelados Para tratar primatas mais humanamente: transparência

-

Sigam para o Oeste, alérgicos

-

Retração fria

-

O trauma de salvar animais

12 D ES A FIOS D O COS MOS E C ÉU DO MÊS

16 O elo perdido na família dos buracos negros Observações em aglomerado globular podem significar fim de antiga busca. Salvador Nogueira

C IÊNC IA EM GRÁ FICO

50 Matemática dos romances A grande literatura é surpreendentemente aritmética. 15

4 Scientific American Brasil, Março 2017

Mark Fischetti

CARTA DO EDITOR

Pablo Nogueira é editor da IY_[dj_ÒY 7c[h_YWd 8hWi_b$

Um olhar para os mistérios da evolução Foi há cerca de 10 mil anos que a humanidade experimentou sua primeira grande explosão tecnológica: a revolução agrícola. A domesticação das primeiras espécies de plantas e o desenvolvimento de técnicas de cultivo permitiram ao homem romper a dependência da caça, da pesca e da coleta de frutos. No rastro da mudança vieram a domesticação dos animais e o abandono do modo de vida nômade. Fixada definitivamente à terra, de onde tirava o sustento para si e seus rebanhos, a humanidade começou a formar comunidades cada vez mais numerosas e estáveis. Na sequência vieram os fundamentos do que compreendemos como vida civilizada: centralização política, estratificação social, escrita, núcleos urbanos... Mas nem todos os povos do planeta seguiram esse roteiro. Em algumas áreas mais retiradas, ainda subsistem comunidades que vivem da caça e da coleta. Estudando estes grupos, os antropólogos podem obter preciosas informações sobre nossa evolução e nosso desenvolvimento, tanto como seres biológicos quanto culturais. Um desses estudos é o tema de “O paradoxo do exercício”, nosso artigo de capa desta edição. O antropólogo Herman Pontzer, do Hunter College, em Nova York, nos EUA, foi viver em meio aos hadza, um povo da Tanzânia, para mensurar o desgaste calórico exigido por um estilo de vida baseado na caça e coleta. Surpresa: o total ficava na casa das 2.600 calorias diárias para os homens hadza, e 1.900 para as mulheres. Um valor semelhante ao que queimam os habitantes de civilizadíssimas nações da Europa e da América do Norte. Como compreender tal uniformidade de gasto calórico, tendo como pano de fundo tamanhas diferencas de estilo de vida? É aí que entra o raciocínio biológico de Pontzer e de seus

colegas. A resposta, ao que parece, tem a ver com os elementos que nos fazem únicos em meio aos primatas, e que foram moldados pela evolução: nossa expectativa de vida mais longa, nossa maior taxa de reprodução, nosso cérebro maior. Evolução também é uma palavra-chave para outro artigo desta edição: “Puft! Lá se vai o Universo”. Trata do debate em torno da inflação, uma das teorias cosmológicas mais bem-sucedidas dos anos 1980 para cá. Junto com o modelo do Big Bang, a inflação nos ajudou a montar um referencial teórico capaz de dar conta das observações de que dispúnhamos até então. Ocorre, porém, que a continuidade das observações está levando alguns cosmólogos a repensar não apenas a ocorrência da inflação, mas também a redefinir o que pode ter sido o Big Bang. E se, em vez do início de tudo, ele marcou uma transição de uma fase anterior do Cosmos para o atual momento de expansão? Seria melhor talvez chamá-lo de grande rebote, em vez de Big Bang? Outro artigo que merece destaque desta edição é “A palavra assobiada”, que também mergulha no passado da humanidade para tratar de um tema presente: a capacidade humana de conversar por assobios. A prática é antiquíssima, e, ainda é usada por cerca de 70 povos. Muitos deles vivem em recantos isolados do planeta, tais como a Amazônia brasileira, as ilhas Canárias, as florestas do Sudeste asiático e da África e o norte da Sibéria. A pesquisa científica tem feito vários desses povos voltar a valorizar esse modo tão tradicional de comunicação, e já há países onde a conversa por assobios é matéria obrigatória na escola. Essas e outras pesquisas instigantes você encontra nesta edição de Scientific American Brasil. Boa leitura!

ALGUNS COLABORADORES

Herman Pontzer é antropólogo no Hunter College. Ele estuda gasto de energia em humanos e grandes primatas para testar hipóteses sobre a evolução da anatomia e Ҕ«›«†”Dæ¡D§D» Anna Ijjas é pesquisadora de pósdoutorado no Centro de Ciências Teóricas de Princeton. Ela estuda a origem, evolução e o futuro do Universo e a natureza da matéria escura e da energia escura.

Paul J. Steinhardt é professor de ciências da Universidade de Princeton e diretor do Centro de Ciências Teóricas da mesma universidade. Sua pesquisa abrange problemas de física de partículas, astrofísica, cosmologia e física da matéria condensada. Abraham Loeb é chefe do departamento de astronomia da Universidade Harvard, diretor fundador da Iniciativa do Buraco

Negro de Harvard e diretor do Instituto de Teoria e Computação do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian.

também é cofundador da Associação de Pesquisa Assobios do Mundo, que documenta e protege línguas assobiadas.

Julien Meyer é linguista e bioacústico no Centro Nacional ÍD§ZùÒµDÍD0rÒÂæ”ÒD ”r§ÜûZDr no GIPSA-lab em Grenoble, França. Sua pesquisa se concentra em fonética, cognição de linguagem, e língua e comunidades rurais. Ele dirige o projeto Icon-Eco-Speech e

Tim Folger escreve para a DWj_edWb =[e]hWf^_Y, :_iYel[h e outras publicações nacionais. Ele também é editor de séries de J^[8[ij 7c[h_YWdIY_[dY[ e DWjkh[Mh_j_d], uma antologia anual publicada pela «æ†Ü«§$”~”§DÍZ«æÍÜ

Salvador Nogueira é jornalista de ciência especializado em astronomia e astronáutica. É autor de oito livros, dentre eles HkceWe_dÒd_je0fWiiWZe[\kjkhe ZWWl[djkhW^kcWdWdWYedgk_ijW Ze[ifW‚e e ;njhWj[hh[ijh[i0edZ[ [b[i[ij€e[YeceWY_…dY_Wj[djW [dYedjh|#bei.

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ASSINATURAS SUPERVISORA Cláudia Santos EVENTOS ASSINATURAS Ana Lúcia Souza VENDAS TELEMARKETING ATIVO Cleide Orlandoni PRESIDENTE Edimilson Cardial DIRETORIA Carolina Martinez, Marcio Cardial e Rita Martinez ANO 15 – MARÇO DE 2017 ISSN 1676979-1   EDITOR Pablo Nogueira EDITOR DE ARTE  Cleber Estevam ESTAGIÁRIA  Isabela Augusto (web) PRODUÇÃO GRÁFICA Sidney Luiz dos Santos PROCESSAMENTO DE IMAGEM Paulo Cesar Salgado COLABORADORES Luiz Roberto Malta e Maria Stella Valli (revisão); Aracy Mendes da Costa, Laura Knapp, Regina Cardeal, Suzana Schindler (tradução)   PUBLICIDADE GERENTE Almir Lopes [email protected] ESCRITÓRIOS REGIONAIS: BRASÍLIA – Sonia Brandão (61) 3321-4304/ 9973-4304 [email protected] TECNOLOGIA GERENTE Paulo Cordeiro ANALISTA PROGRAMADOR  Diego de Andrade ANALISTA DE SUPORTE  Antonio Nilson Matias MARKETING/WEB DIRETORA Carolina Martinez GERENTE MARKETING DIGITAL Ana Carolina Madrid GERENTE MARKETING DE ASSINATURA Mariana Monné EVENTOS Lila Muniz COORDENADOR DE CRIAÇÃO E DESIGNER Gabriel Andrade DESENVOLVEDORES  Giovanni Coutinho, Lucas Carlos Lacerda e Lucas Alberto da Silva EDITOR DE VÍDEO  Gabriel Pucci

OPERAÇÕES SUPERVISORA ADM. FINANCEIRA Tamires R. Santos FATURAMENTO/CONTAS A RECEBER Karen Frias CONTAS A PAGAR Siumara Celeste PLANEJAMENTO/CONTROLLER  Fabiana Higashi RECURSOS HUMANOS/DEPTO. PESSOAL Tatiane Cavalieri SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL é uma publicação mensal da Editora Segmento, sob licença de Scientific American, Inc. SCIENTIFIC AMERICAN INTERNATIONAL EDITOR IN CHIEF: Mariette DiChristina EXECUTIVE EDITOR: Fred Guterl MANAGING EDITOR: Ricki L. Rusting SENIOR EDITORS: Mark Fischetti, Josch Fischman, Seth Fletcher, Christine Gorman, Clara Moskowitz, Gary Stix, Kate Wong DESIGN DIRECTOR: Michael Mrak PHOTOGRAPHY EDITOR: Monica Bradley PRESIDENT: Steven Inchcoombe EXECUTIVE VICE-PRESIDENT: Michael Florek SCIENTIFIC AMERICAN ON-LINE Visite nosso site e participe de nossas redes sociais digitais. www.sciam.com.br www.facebook.com/sciambrasil www.twitter.com/sciambrasil REDAÇÃO Comentários sobre o conteúdo editorial, sugestões, críticas às matérias e [email protected] tel.: 11 3039-5600 - fax: 11 3039-5610

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Michael E. Mann é professor de ciência atmosférica da Universidade Estadual da Pensilvânia. Susan Joy Hassol é diretora da Climate Communication, æ¡D«Í†D§”îD]õ«Òr¡§Ò›æZÍDܔè«Ò»

O clima é um trunfo para tudo O novo governo poderia reduzir gases do efeito de estufa e atingir seus objetivos econômicos de uma só vez Michael E. Mann e Susan Joy Hassol

estão chegando aos bilhões de dólares. O que é mais assustador são os pontos de ruptura do sistema climático, limiares além dos quais as desenfreadas reações começam a existir. Não sabemos exatamente onde tais pontos sem retorno estão até que os tenhamos ultrapassado. Todos os anos nos quais atrasamos o trabalho, aumentamos o risco de cruzar esses limiares perigosos, e comprometemos tanto nossa geração quanto a de nossos filhos a sofrer consequências mais devastadoras. Em segundo lugar, uma vez que as emissões de qualquer lugar resultam em mudanças climáticas em todos os lugares, somos parte de uma comunidade de nações que precisam trabalhar juntas para enfrentar esse problema global. Os EUA sempre se orgulharam de ser um líder, não um retardatário. Nós fomos uma das primeiras nações, juntamente com a China, a ratificar o Acordo de Paris, que é parte de um tratado internacional maior assinado por George H. W. Bush em 1992 (Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudança do Clima). O Acordo de Paris tem regras, com as quais concordamos, incluindo que, uma vez que ela esteja em vigor, nenhum país pode se retirar do acordo durante pelo menos quatro anos. Se nosso novo presidente optar por se retirar, nosso país se tornará um fora da lei internacional, com consequências para nosso status entre as nações. Nós também estaríamos renunciando à liderança que leva a China e outros países a alcançar reduções de emissões mais ambiciosas. Em vez disso, os Estados Unidos se tornariam um empecilho para o progresso. Por fim, e talvez seja aqui que todos os americanos possam encontrar um ponto comum, a revolução da energia limpa está bem encaminhada. O resto do mundo não mais debate a mudança climática; está avançando rápido em direção à transição para uma energia sem carbono. Queremos ficar para trás na grande revolução econômica do século 21? Ou queremos competir na corrida da energia limpa, melhorando nossa competitividade e tornando nossa nação ainda mais grandiosa? Queremos comprar painéis solares e turbinas eólicas da China ou fabricá-los e vendê-los para a China, assim como para outros lugares? Se os EUA tiverem de cumprir o que Trump diz que quer para nossa nação — crescimento econômico, criação de empregos, infraestrutura melhorada e respeito internacional — precisamos liderar o mundo em relação à pesquisa, ao desenvolvimento e à implantação de energia limpa. Ao fazê-lo, também manteríamos o ar e a água limpos, tornando nossos negócios mais eficientes, melhorando nossa saúde e protegendo o futuro de nossos filhos. Certamente, trata-se de valores com os quais todos podemos concordar.

PONGSAKORN JUN Getty Images

De todas as ações potenciais do futuro da presidência de Donald Trump, nenhuma terá efeitos mais duradouros do que as relacionadas às alterações climáticas. Apenas quatro dias após o acordo climático de Paris ter entrado em vigor — o primeiro acordo mundial abrangente para reduzir a poluição por calor — os EUA elegeram um presidente que já definiu a mudança climática como uma farsa e prometeu “cancelar” o acordo de Paris. Trump disse que iria bloquear o Plano de Energia Limpa, que reduziria as emissões de gases do efeito estufa dos serviços públicos e está no cerne do compromisso dos EUA com o acordo. E promete revigorar o setor de combustíveis fósseis, justo quando a produção de energia mundial caminha rapidamente no sentido oposto, em direção a fontes limpas, baratas e renováveis. Não só essa agenda seria desastrosa para o clima, como prejudicaria a capacidade de Trump de atingir seus próprios objetivos principais. Em primeiro lugar, as alterações climáticas não são como outras questões que podem ser adiadas. Os EUA e o mundo já estão atrasados. Velocidade é essencial, porque a mudança climática e seus impactos estão chegando mais rápido e mais ferozmente do que o antecipado: 2016 foi o ano mais quente já registrado por uma ampla margem, e em 2015 e 2014 ocorreram os recordes anteriores. Eventos climáticos extremos, como ondas de calor e chuvas fortes, estão se tornando mais frequentes e severos, assim como incêndios, secas e inundações relacionados a eles. O aquecimento também está fazendo com que o nível do mar aumente a um ritmo mais rápido. Na maré alta, a água do oceano invade as ruas de cidades costeiras como Miami, e prejudica as águas subterrâneas. A ameaça costeira de furacões mais fortes e mais destrutivos também cresce. Os custos desses eventos cada vez mais comuns

FÓRUM

F R O N T E IR A S DA C IÊ N C I A C OM E N TA DA S P O R E S PE C I A LI S TA S

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CIÊNCIA DA SAÚDE

Indisposição estomacal Uso crônico de remédios para azia pode ser mais arriscado do que se pensava Karen Weintraub Medicamentos que não exigem prescrição como Nexium, Lansoprazol e Omeprazol trazem a recomendação para que as pílulas — conhecidas pelos médicos como inibidores da bomba de prótons (IBPs) — sejam administradas por apenas duas semanas, a menos que o médico oriente de outra forma. Mas essas drogas muito vendidas evitam a azia e aliviam outros sintomas correlatos tão bem, particularmente para os que sofrem da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), que costumam ser receitadas por anos. Reduzindo a produção de ácido no estômago, os agentes evitam o refluxo do líquido cáustico para o esôfago, onde pode causar dor e danificar o revestimento do tubo digestivo. Mas nos últimos anos, a segurança do uso prolongado dessas drogas tem sido questionada. (As medicações parecem ser seguras quando tomadas por um curto período, conforme o indicado.) Alguns estudos relacionaram, por exemplo, o tratamento contínuo com IBPs a infecções graves causadas pela bactéria Clostridium difficile. Provavelmente algo que reduz o ambiente ácido do estômago permite que o patógeno sobreviva. Outras investigações sugerem que mudanças de longo prazo no conteúdo ácido do estômago podem levar à absorção inadequada de várias vitaminas e minerais, gerando efeitos nocivos como a perda de massa óssea. Talvez a maior surpresa tenha surgido no ano passado, quando dois estudos ligaram o uso regular de IBPs a condições que aparentemente não têm qualquer relação com os níveis de ácido do estômago. Um dos estudos, publicado em JAMA Neurology, descobriu que as drogas aumentaram o risco de desenvolver demência, incluindo mal de Alzheimer; o outro, publicado em JAMA Internal Medicine, sugeriu um risco maior de problemas nos rins. Os estudos não provaram que os IBPs causem os problemas. Mas alguns estudiosos, contudo, sugeriram possíveis mecanismos pelos quais o uso de longo prazo possa desencadear demência ou problemas renais. Uma redução em vitamina B12, por exemplo, pode deixar o cérebro mais vul-

8 Scientific American Brasil, Março 2017

nerável a danos, diz Britta Haenish, que está entre os autores do estudo e é neurofarmacologista do Centro Alemão para Doenças Neurodegenerativas. Na primavera passada, clínicos do Instituto de Pesquisa Metodista de Houston apresentaram outra explicação plausível sobre como os IBPs podem levar a inesperados transtornos de saúde: eles coletaram sinais de que as drogas agem não só no estômago, mas em todo o corpo também. Tais achados levaram pacientes e médicos a se perguntar quem deve ou não usar inibidores de bomba de prótons por períodos longos. “Nesse ponto, não há dados suficientes para avaliar um risco em comparação com outro”, diz Kyle Staller, gastroenterologista do Hospital Geral de Massachusetts. Mas ele e outros acham que estão no caminho certo. BOMBAS DE PRÓTONS

É claro que certa quantidade de ácido é crucial para o estômago processar o alimento. Células especializadas espalhadas pelo revestimento interno do estômago bombeiam íons de hidrogênio, ou prótons, que, do ponto de vista químico, são o que torna os sucos estomacais tão ácidos. Como o nome indica, IBPs reduzem o ácido no estômago — e, assim, o refluxo para o esôfago — ao fecharem muitas dessas bombas celulares. O fechamento é permanente, mas as drogas não curam, porque as células repõem as bombas perdidas. Outro tipo popular de

Ilustração de Augusto Zambonato

Karen Weintraub é jornalista frilancer de saúde e ciência e escreve regularmente para J^[D[mOehaJ_c[i, STAT (www.statnews.com) e KI7JeZWo, entre outros.

drogas conhecido como bloqueadores H2 (Tagamet entre eles) também limitam a produção de ácido, mas de forma diversa, menos poderosa. Antiácidos, como Tums, neutralizam os ácidos do estômago, mas são ainda menos potentes, úteis apenas para desconfortos leves e ocasionais. A eficácia dos IBPs estimulou um aumento significativo no uso desde seu lançamento nos anos 1980. Hoje, estão disponíveis com ou sem prescrição e o Nexium continua entre as medicações mais receitadas no mundo. Os estudos divulgados em 2016 partiram de pistas anteriores de que o uso crônico poderia afetar o cérebro e os rins. Um estudo de 2013, por exemplo, descobriu que IBPs podem aumentar a produção de proteínas beta-amiloides, um marcador de Alzheimer. Três anos mais tarde, um estudo em JAMA Neurology, que incluiu 74 mil alemães com mais de 75 anos, constatou que usuários regulares de IBPs apresentavam risco 44% maior de demência que os que não tomavam a droga. Da mesma forma, temores em relação aos rins surgiram a partir de evidências de que pessoas com dano renal súbito tinham mais probabilidade de ter tomado IBPs. Num estudo de 2013 publicado em BMC Nephrology, por exemplo, constatou-se que pacientes com diagnóstico de doença renal tinham o dobro de chances da população em geral de terem recebido prescrição de um IBP. O estudo de 2016 sobre os IBPs e a insuficiência renal, que acompanhou 10.482 pessoas dos anos 1990 até 2011, mostrou que os que tomaram o medicamento tiveram risco 20% a 50% maior de doença renal crônica que os que não o tomaram. E quem ingeriu uma dose dupla por dia apresentou um risco muito mais alto do que os que tomaram dose única. O estudo de 2016 da Metodista de Houston que sugeriu uma nova explicação para uma relação entre IBPs e o Alzheimer ou problemas nos rins pesquisou células desenvolvidas em cultura. Mostrou que, além de agir nas células no estômago, as drogas também afetam células que revestem vasos sanguíneos. Como muitas células, as paredes dos vasos sanguíneos fabricam ácido para quebrar e se livrar de proteínas anormais ou danificadas. As células armazenam com segurança o ácido em compartimentos especiais internos, que servem como depósitos de lixo molecular. Se, porém, o dejeto interno de uma célula não é degradado, como ocorre quando os níveis de ácido estão muito baixos, pedaços microscópicos de detritos se acumulam. Uma célula sobrecarregada com seus resíduos não consegue funcionar bem e logo fica danificada. “Nós mostramos esse monte de lixo se acumulando nas células”, diz John Cooke, pesquisador da Metodista de Houston e um dos autores do estudo. Os problemas resultantes podem se tornar particularmente graves sempre que muitos vasos sanguíneos são encontrados — como no caso do cérebro e dos rins. Estudos recentes também apontaram para uma possível conexão entre o uso de longo prazo dos IBPs e danos em outro órgão com muitos vasos sanguíneos, o coração. Embora razoável, a conclusão de Cooke não é definitiva. A prova exige mais estudos dos efeitos dos IBPs sobre a vasculari-

zação em animais ou humanos, em contraposição à cultura de células. Pesquisadores também precisam explorar outros fatores que possam responder pela relação entre IBPs e demência, doença cardíaca e problemas nos rins. Afinal, alguns dos mais conhecidos riscos para essas condições são o fumo, a obesidade e dieta com alto teor de gordura. Nesse caso, o uso de drogas poderia ser um marcador para determinados hábitos pouco saudáveis — versus uma nova causa adicional para essas condições. DECISÕES, DECISÕES

Sem dados conclusivos, médicos e pacientes devem equilibrar a necessidade de evitar os efeitos do excesso de ácido estomacal e do refluxo com o desejo de evitar efeitos colaterais potencialmente graves, mesmo que hipotéticos, do uso prolongado dos IBPs. Muitos médicos temem que relatos de potenciais efeitos colaterais assustem quem realmente precisa do medicamento. Algumas pessoas com doença do refluxo gastroesofágico,

Reúna e avalie o máximo de informação – e esteja preparado para mudar de rumo. por exemplo, sofrem tanto sem IBPs que têm dificuldades para enfrentar atividades cotidianas. Refluxo ácido não tratado também carrega o risco de dores agudas. Estudos mostraram que ele pode, com o tempo, alterar o revestimento do esôfago de forma a aumentar o risco de uma condição chamada esôfago de Barrett, que pode, por sua vez, ser um precursor para o câncer. Acredita-se que a redução do ácido ajude a reduzir o risco. (Também é possível ter esôfago de Barrett ou câncer sem ter tido qualquer sintoma de refluxo, no entanto.) Quando um dos pacientes de Staller quer parar de tomar um IBP, ele faz um teste simples. Pede que a pessoa pare com a medicação por uma semana e a substitui por Tagamet ou outro bloqueador H2. (A abstinência de IBP, sem a adição de outra droga, costuma causar uma reação que faz o estômago produzir ainda mais ácido.) Ele recomenda a redução de alimentos ácidos ou picantes durante o teste. Daí verifica se o paciente ainda está preocupado com a azia após uma semana, especialmente de dia, quando a gravidade ajuda a evitar que o ácido suba para a garganta. A persistência da azia indica um problema mais grave, diz Staller. Nesse caso, o beneficio de tomar IBP diariamente supera os riscos. O cálculo, obviamente, varia para cada pessoa. Para Vicki Scott Burns, autora de livros infantis, os IBPs são “o menor entre dois males”. Ela diz que sua qualidade de vida é muito melhor com as drogas. Outros podem chegar a uma conclusão alternativa. No fim, Staller e outros especialistas em saúde aconselham pacientes e médicos a reunir e avaliarem o máximo de informação possível antes de tomarem uma decisão, e se prepararem para mudar de rumo se novas evidências vierem à tona.

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1

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Nos EUA, atividade sísmica e produção de petróleo e gás (1) aumentaram lado a lado ao longo da última década. Embora a maioria dos tremores produzidos pelo homem seja pequena, a frequência dos terremotos — e os danos que provocaram — abalaram emocionalmente os habitantes de vários estados. Pesquisadores, inclusive da Universidade do Colorado em Boulder (2), estão procurando maneiras de silenciar os roncos abafados, que lembram o barulho de trovões.

PRAGUE, OKLAHOMA, março de 2015

10 Scientific American Brasil, Março 2017

COYLE, OKLAHOMA, janeiro de 2016

PAWNEE, OKLAHOMA, setembro de 2016

C O N Q U I S TA S E M C IÊ N C I A , T E C N O LO G I A E M E D I C IN A

N ÃO D E I X E D E L E R

• Pesquisa médica baseada em primatas atende ao movimento em prol da transparência de dados

E NE RGI A

• Ácaros fogem das regiões secas

Soluções criadas pelo homem para abalos sísmicos gerados por ele

• Como colher morangos no gelado Polo Sul • O psicólogo que trata de guardas‹¸ßxäîDžä³D§ž³šDlx…ßx³îxl¸äx䅸ßc¸ä de combate à caça clandestina

PÁGINAS ANTERIORES: J PAT CARTER Getty Images (unidade de bombeamento, Coyle, McLoud); RJ SANGOSTI Getty Images (pesquisador de campo); NICK OXFORD Redux Pictures (Prague); DAVID BITTON AP Photo (Pawnee)

Num períoro relativamente curto, cientistas desenvolveram meios para administrar os terremotos causados pelo homem Em Oklahoma, no Texas, em Kansas e alguns outros estados americanos, a produção de petróleo e gás provocou uma onda de terremotos como os cientistas nunca viram. No passado, Oklahoma tinha uma média de um ou dois abalos por ano, mas em 2015 registrou quase 900. Enquanto isso, a taxa nas regiões central e oriental dos EUA, há muito consideradas partes sismicamente mais calmas do país, disparou de 29 tremores por ano para mais de mil. Os terremotos causaram ferimentos, lD³ž‰`DßD­ `DäDä x ßxäø§îDßD­ x­ DcÆxä judiciais coletivas. Mas, dado que não se espera que a produção de petróleo e gás pare no futuro próximo, esses eventos sísmicos também não cessarão. Em resposta, a academia, o governo federal, empresas de energia e agências reguladoras se mobilizaram para tentar reduzir a frequência e a força de terremotos induzidos — e ø­D äyߞx lx ßx`x³îxä Dß¸ä `žx³îŸ‰`¸ä x ¸øîßDä lxä`¸UxßîDä ­¸äîßD­ Ôøx x§xä ‰ąxram rápidos progressos, embora muitas questões ainda permaneçam em aberto. Cientistas sabem, desde os anos 1960, Ôøx ž³¥xîDß ‹øžl¸ ³¸ 丧¸ D D§îD Çßxäsão pode causar tremores. Na maioria dos casos, não é o fraturamento hidráulico (ou fracking) de rochas que contêm e produzem petróleo e gás que gera o tremor, mas o processo associado de injetar águas residuais no solo. Poços em Oklahoma, por exemplo, independentemente de serem fraturados hidraulicamente ou não, produzem 10 ou mais barris de água subterrânea para cada barril de petróleo. As companhias exploradoras separam a água e outros subprodutos do petróleo e os reinjetam no solo via poços de águas residuais (medida que proîxx EøDä äøUîxßßF³xDä x äøÇx߉`žDžäÊÍ Mas essas injeções podem gerar pressões que induzem tremores ao neutrali-

zarem ou interferirem no atrito que mantém as falhas geológicas unidas. Quando Oklahoma e muitos outros estados entraram no mais recente boom de energia, a ÔøD³îžlDlx lx ‹øžl¸ U¸­UxDl¸ x­ Ǹc¸ä de águas residuais aumentou rapidamente. No atual quadro econômico, discutir se as injeções de águas residuais devem continuar não é mais uma opção. Em vez disso, pesquisadores na Universidade Stanford voltaram-se para a pergunta de onde as injeções devem ocorrer. Até agora, eles mapearam tensões geológicas naturais por todo o Oklahoma e Texas (estados com as maiores populações em risco de sofrerem terremotos induzidos pelo homem) e descobriram que somente uma fração das falhas tem o potencial de deslizar na presença de aumentos moderados de pressão. A equipe constatou que as falhas orientadas numa dada direção em relação a tensões tectônicas naturais no solo são as mais predispostas a se tornarem ativas. Falhas criticamente estressadas — aque§Dä Ôøx xäîT¸ ä¸U äø‰`žx³îx …¸ßcD ³Dîøral proveniente das direções certas — podem precisar de muito pouca força adicional para se romper. Essa pressão pode ser de apenas poucas libras por polegada quadrada, diz Jens Erik Lund Snee, de Stanford, principal autor de um mapa de estresse do Texas, publicado em outubro de 2016 em Geophysical Research Letters. Ele espera que empresas e reguladores combinem esses mapas de tensão com mapas de falhas para entender onde injeções de águas residuais mais provavelmente causarão terremotos, para então evitarem essas áreas. Uma limitação do estudo é que muitos abalos no Texas e em Oklahoma ocorreram em falhas antes não mapeadas. Companhias de energia, porém, podem ser capazes de usar os dados da equipe de

Stanford, porque muitas vezes têm uma compreensão melhor do subsolo. “Isso não resolve o problema, mas com certeza é um grande passo rumo à solução”, diz Heather DeShon, sismóloga na Universidade Metodista Meridional, que estuda terremotos induzidos pelo homem. Cientistas também investigam os benefícios de instalar densas redes de monitores sísmicos que poderiam detectar diminutos tremores de terra perto de poços. Isso poderia permitir que empresas ou reguladores tomassem medidas rápidas para reduzir quaisquer volumes injetados antes que os tremores aumentassem em intensidade, e o Texas está instalando uma rede desse tipo. Enquanto isso, alguns cientistas sugerem injetar resíduos líquidos apenas em camadas do solo naturalmente isoladas de falhas profundas. Outros avançam em determinar exatamente quanta pressão de injeção áreas diferentes podem tolerar antes de induzirem atividades sísmicas. Enquanto cientistas estudam soluções pragmáticas, Oklahoma ainda treme. O sismólogo estadual Jake Walter diz que as várias descobertas ajudarão no longo prazo, mas ele busca respostas mais imediatas. Desde 2015, Oklahoma reduziu os volumes de injeção e, em alguns casos, suspendeu o descarte de águas residuais perto de zonas sísmicas, buscando atenuar os tremores. Embora a taxa de terremotos do estado tenha caído em 2016, os eventos cresceram em magnitude. Por quê? Uma explicação pode ser que, à medida que bolsões de alta pressão criados por injeções de águas residuais continuam a se esparramar sob a terra, como uma gota de água em um papel-toalha, eles encontram falhas novas, às vezes maiores. Então, mesmo que tenha havido progresso, “ainda não saímos de uma situação difícil”, diz Walter. —Anna Kuchment

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AVANÇOS E N GE N H A R I A

Frutas para os congelados Uma nova estufa à prova do clima da Antártida está sendo enviada ao Sul para cientistas polares No interminável inverno que é a Antártida, a imagem do mais absoluto luxo é um suculento morango. Cientistas de pesquisa na estação polar Neumayer III em breve poderão ser tão sortudos a ponto de contarem a iguaria — e outras frutas e vegetais frescos — como partes de suas dietas: engenheiros no Centro Aeroespacial Alemão atualmente estão construindo uma estufa que funcionará o ano todo para eles. Chamado Eden ISS, o sistema fechado, um contêiner de transporte de cerca de seis metros de comprimento, será enviado à Antártida em outubro. O projeto está em äøD …Däx ‰³D§ç xäîx ­zäj 0Dø§ BDUx§j ¸ …øîø߸ encarregado da estufa, e seus colegas iniciarão um ensaio com o jardim em Bremen. Numa simulação do isolamento antártico, planejam cultivar entre 30 e 50 espécies diferentes, incluindo tomates, pimentões, alfaces e morangos, assim como ervas

como manjericão e salsinha, que poderiam adicionar sabores frescos aos alimentos embalados que compõem a típica dieta de um cientista antártico. “Estamos concentrados em culturas [do tipo] colher-e-comer — plantas que não precisam de qualquer Ç߸`xääD­x³î¸Ǹäîxߞ¸ßÚjxĀǧž`DBDUx§Í Cultivar hortaliças nas condições hostis da Antártida requer medidas extremas — as temperaturas na plataforma de gelo de Ekström podem despencar para cerca de -30o jx¸丧lxäDÇDßx`xǸß­xäxäD‰¸Í 0DßDäøÇxßD߸älxäD‰¸äxîxßzĀžî¸`¸³îßD

î¸lDäDäÇ߸UDUž§žlDlxäjBDUx§ßx`¸ßreu à técnica de cultivo conhecida como aeroponia, que elimina a necessidade de solo (estufas nas estações de pesquisa americana e australiana também usam esse método). Em vez de criarem raízes na terra, as plantas ‰`DßT¸DǸžDlDäx­xäîßøturas especiais com suas raízes penduradas no ar, onde recebem uma borrifada de névoa rica em nutrientes a cada poucos minutos. Dióxido de carbono extra será injetado por bomba no interior da estufa mantida a 23,8oC para enriquecimento, e 42 lâmpadas LED serão reguladas nos comprimentos de onda vermelho e azul nos quais plantas prosperam, conferindo à estrutura um brilho púrpura. Morder uma fruta ou um vegetal maduro pode melhorar o moral da equipe de 10 integrantes pronta para passar o inverno em Neumayer III na próxima temporada de pesquisa. Mas o jardim é mais que um agrado para cientistas polares, lžąBDUx§Í Däž`D­x³îxj¸Ç߸¥xßEîxäîDßîy`³ž`DäÇDßD¸`ø§îžþ¸x‰`žx³îxlxD§žmentos vegetais em ambientes ainda mais extremos, como na Estação Espacial Internacional ou em Marte. —Megan Gannon

AMB IENTE

“Isso me diz que não precisamos simplesmente nos afligir por causa do alto nível de mercúrio nesses peixes. Existe algo que podemos fazer a respeito e obter resultados bastante rápidos.”

GETTY IMAGES

Atum-rabilho do Atlântico

—Nicholas Fisher, biogeoquímico marinho na Universidade Stony Brook e coautor de um recente estudo que constatou que os níveis de mercúrio em atuns-rabilhos do Atlântico diminuíram em 19% entre 2004 e 2012. Fisher e seus colegas associaram o declínio diretamente a uma redução das emissões de mercúrio na América do Norte — maior parte da qual é atribuível a um afastamento industrial do carvão como fonte de energia.

12 Scientific American Brasil, Março 2017

AVANÇOS S A ÚDE

Sigam para o Oeste, alérgicos Ácaros não gostam de regiões áridas Em 2015, o NIH decidiu encerrar todas as pesquisas biomédicas com chimpanzés. Muitos animais aposentados foram mandados para o santuário de Chimp Haven, em Keithville, Louisiana. ÉTICA

Para tratar primatas mais humanamente: transparência

MELANIE STETSON FREEMAN Getty Images

Cientistas se voltam para iniciativas de dados abertos para diminuir a pressão de pesquisas sobre nossos parentes animais mais próximos Ano passado, o Congresso americano fez um apelo à ação quando ordenou aos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, em inglês) que reavaliassem a supervisão ética de pesÔøžäDälxÇߞ­DîD䉳D³`žDlDäÇx§¸¸þxß³¸Í ­U¸ßDD`¸­ø³žlDlx`žx³îŸ‰`D`¸³äžlxßx primatas não humanos como essenciais para avanços em biomedicina, pesquisadores concordam que mais pode ser feito para tratá-los com humanidade, e para conduzir pesquisas de forma menos perdulária. Com xääx‰­j¸%ßxø³žøx­äxîx­U߸ÇDääDdo cientistas e especialistas em ética para discutir o futuro da pesquisa baseada em primatas, e eles concordaram que repartir dados é o caminho. Pesquisadores poderiam reduzir o número de experimentos estudando dados já coletados para responder a novas perguntas, diz David O’Connor, patologista na Universidade de Wisconsin-Madison. E ele faz o que recomenda: seu §DU¸ßDî¹ßž¸xäîølD¸þŸßøäBž¦Dx­Çߞmatas, e O’Connor posta imediatamente todos os resultados on-line. O objetiþ¸ylxä`¸Uߞß…¸ß­Dälx`¸­UDîx߸Bž¦D o mais rápido possível sem colocar um ônus indevido nos primatas de pesquisa. O Instituto Allen para a Ciência do Cérebro, com sede em Seattle, que usa macacos Resus para estudar as bases mole-

culares do desenvolvimento cerebral, também divulga publicamente todos os resultados. O’Connor diz que essa prática deveria ser mais difundida para que “pesquisadores que usem esse recurso escasso, mas vital, possam aprender o máximo com o mínimo de animais”. Ainda assim, ele não crê que a partilha de dados vá se ‰ß­DßjǸßÔøxžää¸xĀžžßžDø­D­ølD³cD no “comportamento normativo” — a forte cultura de sigilo na ciência, em que dados ‰`D­x­äxßxl¸DîyDÇøU§ž`DcT¸³ø­ Çxߞ¹lž`¸`žx³îŸ‰`¸ßxþžäDl¸ǸßÇDßxäÍ Um passo rumo à plena transparência é seguir o exemplo de ensaios clínicos humanos, diz Christine Grady, bioeticista no NIH. A legislação dos EUA exige que a maioria dos ensaios clínicos seja registrada on-line e seus resultados tornados públicos, mesmo se o estudo falhar ou for inconclusivo. Isso garante que outros cientistas possam aprender, não importa quais os resultados. Nancy Haigwood, diretora do centro Nacional de Pesquisa de Primatas de Oregon, também diz que o compartilhamento é “o caminho do futuro”. Seu centro abriga 4.800 primatas para estudar diversas doenças humanas. Hoje ela contribui com resultados de seu centro no site de O’Connor. “Não vejo prejuízo. Temos de repartir dados mais rapidamente.”—Monique Brouillette

É possível escapar de alergias causadas por árvores e ervas daninhas mudando-se para outra cidade ou região, e o mesmo pode ser real para quem sofre de alergias a ácaros da poeira. Os microscópicos aracnídeos, que deixam para trás fezes e cadáveres que podem provocar respostas alérgicas e asma, são escassos em grandes faixas das Grandes Planícies e dos estados a oeste das Montanhas Rochosas, segundo um novo levantamento dos artrópodes que habitam nossas casas. Com a ajuda de cidadãos cientistas, pesquisadores da Universidade Estadual da Carolina do Norte e da Universidade do Colorado analisaram DNA de artrópodes encontrado em 732 amostras de poeira coletadas de batentes de portas de interiores ao redor dos EUA. Em meio aos dados, os cientistas constataram que o leste dos EUA e a costa Oeste são utopias de ácaros da poeira, enquanto grande parte do interior ocidental pode ser um deserto. Por quê? Porque ácaros precisam de umidade elevada para sobreviver. (Eles são incaÇDąxä lx UxUxß EøDç x­ þxą lžää¸j DUä¸ßþx­ umidade do ar para se manterem hidratados.) A autora principal do artigo, Anne Madden, adverte que só porque amostras de partes da região Oeste não apresentaram áca߸ä lD ǸxžßDj žää¸ ³T¸ 䞐³ž‰`D Ôøx xääDä Eßxas estejam desprovidas deles. Mesmo em regiões secas, colchões e tapetes, assim como móveis trazidos de áreas úmidas, podem abrigar colônias de ácaros da poeira, diz David Miller, que estuda as ligações entre habitações úmidas e saúde na Universidade Carleton, no Canadá, não envolvido neste estudo. Estima-se que 20 milhões de americanos sofram de alergias a essas diminutas criaturas. “Se você é alérgico a ácaros da poeira, viver em [áreas de] terras secas nos EUA e no Canadá e em altas elevações é decididamente uma coisa boa”, recomenda Miller. Mas você não precisa se mudar através do país para escapar: revestir colchões e travesseiros com capas protetoras antialérgicas, à prova de alérgenos, lavar lençóis uma vez por semana e aspirar o pó frequentemente com uma máquina equiÇDlD `¸­ ø­ ‰§î߸ 0 Z䞐§Dj x­ ž³§zäj lx §îD ‰`žz³`žD lx 2xîx³cT¸ lx 0DßîŸ`ø§Dä[ D¥ødará a banir as criaturas. —Jennifer Frazer

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AVANÇOS

Notas rápidas

UCRÂNIA Um hangar de aço e concreto de 110 metros de altura agora cobre o reator 4 de Chernobyl, local do acidente de fusão nuclear de 1986. A estrutura substituiu um escudo mal vedado, instalado imediatamente após o desastre, que deveria Ÿ®ÈymŸà ¹ ÿDĆD®y´ï¹ my ®DŸå myïàŸï¹å àDmŸ¹DïŸÿ¹åÎ

MÉXICO Arqueólogos descobriram que o famoso templo de Kukulcán, em ›Ÿ`›z´ïĆEj z †¹à®Dm¹ ȹà três estruturas piramidais aninhadas umas nas outras. Eles ïy¹àŸĆD®Õùy¹ymŸ† `Ÿ¹†¹Ÿ construído em três fases: a pirâmide mais interna durante os anos de 550 a 800 d.C., a estrutura intermediária de 800 a 1000 d.C., e a mais externa de 1050 a 1300 d.C.

ESPANHA Cientistas nas Ilhas Canárias tiveram de suspender projetos de pesquisa por dois meses enquanto esperavam por um carregamento de 29 camundongos transgênicos. Linhas aéreas comerciais para as ilhas haviam decidido parar de transportar animais de laboratório, citando preocupações de segurança. 7®DÿŸT¹®Ÿ¨ŸïDàŠ´D¨®y´ïyD`DU¹ù¨yÿD´m¹¹åD´Ÿ®DŸĆŸ´›¹åÎ

Retração fria

27.153 24.097 22.458

1980 1990

11.084

2000

4.742

2010 2016

4.529 Gráfico de Amanda Montañez

14 Scientific American Brasil, Março 2017

INDONÉSIA A poluição por partículas causada por uma série de Ÿ´`{´mŸ¹åŒ¹àyåïDŸå incontroláveis em 2015 pode ter causado até 17.270 mortes prematuras decorrentes de doenças respiratórias em todo o Sudeste Asiático, de acordo com um novo relatório. As queimadas foram ateadas intencionalmente para limpar terras agrícolas, mas saíram de controle e incineraram pelo menos 2, 58 milhões de hectares. Os incêndios provavelmente foram exacerbados pelo clima mais seco do que o habitual provocado pelo fenômeno El Niño.

MUDA NÇ A C L IMÁ TIC A

16.316 quilômetros 32.235 cúbicos Abril 29.907 Setembro

13.815

CHINA O primeiro ensaio clínico a empregar células editadas pela ferramenta genética CRISPR/Cas9 está em curso na China. Outros três estavam programados para começar em fevereiro. Em todos os quatro, humanos recebem injeções de `z¨ù¨D埮ù´y容mŸŠ`DmDåÕùyjyåÈyàDžåyj `¹®UDïyàT¹`F´`yàyåžD¨ÿ¹åyåÈy` Š`¹åÎ

A extensão da perda de gelo no topo do mundo, como vista por satélites, é literalmente a ponta do iceberg. Embora a redução da calota de gelo polar do Ártico seja muitas vezes expressa em termos de área, a mudança em volume é impressionante. De 1980 a 2016, a quantidade de gelo de verão em quilômetros cúbicos diminuiu estimados 72%. Os dados para 2016 só reforçaram a tendência: o gelo atingiu níveis baixos recordes para outubro e novembro. O Ártico pode estar livre de gelo até meados do século se continuarmos a emitir gases de efeito estufa às taxas atuais, diz Julienne Stroeve, pesquisadora no Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo dos EUA. — Ryan F. Mandelbaum

FONTE: PIOMAS MONTHLY ICE VOLUME DATA, 1979–PRESENTE, CENTRO DE CIÊNCIA POLAR, UNIVERSIDADE DE WASHINGTON http://psc.apl.uw.edu/research/projects/arctic-sea-ice-volume-anomaly/data

FAZENDO NOTÍCIAS

AVANÇOS

Esforços cada vez mais militaristas contra a caça clandestina na África muitas vezes `¸§¸`D­øDßlD䝋¸ßxäîDžäx­äžîøDcÆxä arriscadas ou até de ameaça à vida. P& R

O trauma de salvar animais

EM SENTIDO HORÁRIO: TONY KARUMBA Getty Images; GETTY IMAGES; MICHAEL GOTTSCHALK Getty Images

Um psicólogo clínico trata de øDßlD䝋¸ßxäîDžä`¸­îßD³äî¸ß³¸ do estresse pós-traumático envolvidos nas guerras contra a caça ilegal da África Caçadores clandestinos por toda a África mataram mais de 24 mil elefantes e 1.300 rinocerontes só em 2015 —, mas animais não são as únicas vítimas do comércio ilegal de animais selvagens. Estima-se que `xß`Dlx­ž§øDßlD䝋¸ßxäîDžäîx³šD­äžl¸ mortos no cumprimento do dever ao longo da última década, e esse número provavelmente aumentará: 82% dos 570 guardas que o Fundo Mundial para a Vida Selvagem entrevistou recentemente em 12 países africanos disseram que já tinham enfrentado circunstâncias de ameaça à vida. A chamada guerra contra a caça clandestina também tem um efeito psicológico negativo — que os especialistas só estão começando a reconhecer agora. Susanna Fincham, psicóloga clínica em Sabie, África do Sul, é uma das primeiras a investigar os problemas de äDùlx­x³îD§ÔøxD‹žx­¸äøDßlD䝋¸restais — e a conceber maneiras de como tratá-los. Ela falou recentemente com a SCIENTIFIC AMERICAN ä¸Ußx ¸ä lxäD‰¸ä xäÇx`Ÿ‰`¸äÔøxþz³žää¸Í äxøžßj îßx`š¸ä xlžîDdos da entrevista. —Rachel Nuwer

SCIENTIFIC AMERICAN: Por que guardas‹¸ßxäîDžääT¸îT¸Ç߸Çx³ä¸äD ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático? Susanna Fincham: Eles são treinados para conservar vida selvagem e, no passado, o uso de armas de fogo era limitado ao controle de animais problemas. Mas começando por volta de 2006, a caça clandestina passou a escalar a tal ponto que guardas agora precisam apontar suas armas de fogo contra outros humanos. No Parque Nacional Kruger, um dos lugares em que trabalho, ocorrem insurgências diárias de cartéis de caça ilegal estruturados, organizados e bem equipados. É um caso de guerra de guerrilha, e o perigo é muito alto. Como resultado, os guardas são expostos a muitos traumas. Como a senhora atenua essas questões? Uso técnicas de aconselhamento para tentar ajudar os guardas a evitar se tornarem vítimas de transtornos de estresse pós-traumático, ou TEPT. Isso implica uma cuidadosa avaliação clínica de seus estados emocionais. Um passo é a psicoeducação, ou a transmissão de conhecimentos sobre a resposta do corpo a traumas, inclusive explicar por que eles suam, tremem, lutam para cair no sono e têm mais ßx‹xĀ¸älxä¸UßxääD§î¸Íø¸äîßxž³¸ÇDßD se sentirem menos estressados ao controlarem sua respiração e tensão muscular. Também adoto uma abordagem narrativa, pedindo-lhes, por exemplo, que me contem uma história sobre a pior coisa que lhes aconteceu. Pergunto como aquilo os

fez se sentir e então saliento que esses sintomas estressantes são normais e que eles sobreviveram ao incidente. Para proporcionar alívio de ansiedade, você tem de fazer com que entendam que eles realmente estão vivos, que conseguiram sobreviver.

Existem muitos trabalhos similares? Não, de modo algum. Antes, as pessoas se concentravam mais no papel de soldal¸l¸äøDßlD䝋¸ßxäîDžäl¸Ôøxx­äxø bem-estar. A necessidade só está sendo reconhecida agora. Também existe ainda um forte estigma na África do Sul em relação a visitar um psicólogo, especialmenîxÇDßDš¸­x³äÍ$DäD¸ßDjøDßlD䝋¸restais mais seniores estão procurando assistência, então estamos desmantelando devagarzinho esse obstáculo. Atendi aproximadamente 120 guardas desde 2011, e também converso com membros da família sobre suas preocupações. Existem aproximadamente 25 mil guarlD䋸ßxäîDžäxäÇD§šDl¸äÇx§D…ßž`DÍ Qual é o próximo passo para a senhora e os guardas? Estou desenvolvendo uma estratégia teraÇzøîž`D`ø§îøßD§­x³îxäx³äŸþx§xäÇx`ž‰`D­x³îxÇDßDøDßlD䝋¸ßxäîDžäjx¸ätaria de cotejar e publicar todas as informações que encontrei para que estejam disponíveis para qualquer pessoa que queira usá-las. Em longo prazo, eu também adoraria ver a criação de uma unidade especial independente de psicólogos e Dääžäîx³îxää¸`žDžäÇDßDøDßlD䝋¸ßxäîDžäÍ

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DESAFIOS DO COSMOS

Salvador Nogueira é jornalista de ciência especializado em astronomia e astronáutica. É autor de oito livros, dentre eles HkceWe _dÒd_je0FWiiWZe[\kjkheZWWl[djkhW^kcWdWdWYedgk_ijWZe[ifW‚e e ;njhWj[hh[ijh[i0EdZ[[b[i[ij€e[YeceWY_…dY_Wj[djW[dYedjh|#bei.

O elo perdido na família dos buracos negros 'UäxßþDcÆxäx­D§¸­xßDl¸§¸Uø§DßǸlx­䞐³ž‰`D߉­lxD³îžDUøä`D tar diretamente esse hipotético buraco negro, usando sonA astronomia hoje conhece dois tipos de buracos negros. O dagens em rádio e em raios X, fracassaram. Por quê? De mais comum é aquele que tem massa dita estelar, resultanacordo com os pesquisadores, porque não há mais gás no te do colapso de estrelas de grande porte, muito maiores que interior do aglomerado para alimentar o buraco negro. É o Sol, depois que seu combustível se esgota e suas camadas justamente o mergulho desse material para dentro dele, exteriores explodem como uma supernova. Além deles, há acelerado a velocidades próximas à da luz, que produz um também os supermassivos, que moram no coração da galásinal eletromagnético detectável, seja em rádio ou em raios xias e têm massa equivalente à de vários milhões de sóis. X. O buraco negro no interior de 47 Tucanae, apesar de Os astrônomos, contudo, sempre desconfiaram que tamgrande, seria silencioso. bém deve haver uma categoria entre A exemplo de outros aglomeraesses dois extremos — os buracos dos globulares, 47 Tucanae é bem antinegros de massa intermediária. E agora go — estima-se sua idade em quase 12 um estudo realizado por um trio de pesbilhões de anos. Levando-se em conquisadores do Harvard-Smithsonian ta que o Universo tem 13,8 bilhões de Center for Astrophysics, em Massachuanos, ele é realmente um velhote. E setts, EUA, e da University of Queensessa é uma peça importante do queland, na Austrália, parece ter encontrabra-cabeça, porque os cientistas acredo evidências desse “elo perdido”. ditam que os buracos negros de masEm artigo publicado na revista sa intermediária seriam os precursores Nature, eles sugerem que existe um de seus equivalentes supermassivos buraco negro de massa intermediária que existem no coração de praticamenno coração de 47 Tucanae, objeto tamte todas as galáxias de médio e granbém conhecido como NGC 104. Trata-se de porte. A nossa Via Láctea tem o seu, de um aglomerado globular localizado localizado na constelação de Sagitário a cerca de 16.700 anos-luz da Terra, na a cerca de 26 mil anos-luz. Ali, um úniconstelação do Tucano. Ele é o segundo Imagem do Telescópio Espacial Hubble co buraco negro reúne o equivalente a mostra o aglomerado globular 47 Tucanae. aglomerado globular mais brilhante do 4 milhões de massas solares. céu noturno e pode ser visto a olho nu. Os pesquisadores alegam que os buracos negros interEstudos anteriores, confirmados pelo novo trabalho, sugemediários, nascidos de aglomerados compactos como rem que ele reúne em seu interior uma massa total cerca de 47 Tucanae, poderiam ter servido como sementes para o 700 mil vezes maior que a solar. A maior parte dessa massa, desenvolvimento dos gigantes no coração das galáxias. Eles claro, está distribuída nas estrelas que o compõem, espaçaapontam que alguns aglomerados poderiam ser atirados das numa região com diâmetro de cerca de 120 anos-luz. para o centro da galáxia e ali se acumular e colidir. Contudo, de acordo com Bülent Kiziltan, Holger BaumNem todos eles passariam por isso, contudo, e 47 Tucagardt e Abraham Loeb, há evidências suficientes de que nae é uma prova desse fato. Residente da periferia da galáuma parte significativa do total — cerca de 2.200 massas xia há bilhões de anos, ele pode trazer dentro de si, em meio solares — esteja reunida no centro, na forma de um buraco a um enxame de estrelas brilhantes, o segredo silencioso da negro de massa intermediária. evolução da Via Láctea em torno de seu gigantesco buraco Eles chegaram a essa conclusão ao estudar a dinâmica negro central. Ainda é cedo, contudo, para proclamar vitódo aglomerado globular a partir do movimento de pulsares ria. As evidências trazidas pelo novo estudo são indiretas e — estrelas de nêutrons resultantes da detonação de supernão conclusivas – como o tempo que levou entre a submisnovas que deixaram massa insuficiente para que elas tivessão e a publicação do artigo demonstram. Enviado à Nature sem um colapso completo e se tornassem um buraco negro. em agosto de 2015, ele só foi aceito em janeiro deste ano. Ainda assim, estudos anteriores que tentaram detec16 Scientific American Brasil | Março 2017

NASA/ESA/STSCI

Salvador Nogueira

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CÉU DO MÊS MARÇO

ĉä…¸î¸äÇßx_žäC­äxßx­C§îCßx丧øbS¸i_¸­³¸­Ÿ³ž­¸ðććlǞiÇCßCäxßx­ÇøT§ž_ClCäÍ

A nebulosa de Eta Carinae é registrada pelo astrofotógrafo Michael Willians em Rio Grande da Serra (SP), com um telescópio newtoniano com abertura de 180 mm. A imagem é resultado de `xß`Dlxð慸ßD‰Dä com tempo de exposição total de 35 minutos.

Um tour pelo céu com a Lua Enquanto planetas Mercúrio e Vênus se escondem, nosso satélite natural nos leva a diversos destinos interessantes no céu. O mês de março, que marca o início do outono no Hemisfério Sul, verá Mercúrio e Vênus se escondendo de nossa vista em meio ao brilho do Sol: o primeiro planeta passa por trás da nossa estrela-mãe no dia 6 e o segundo se coloca entre ela e nós no dia 25, sem no entanto transitar à frente do disco solar — infelizmente, diga-se de passagem. Os assim chamados trânsitos venusianos, que ocorrem quando se pode ver o disco de Vênus se sobrepondo ao do Sol num minieclipse, são fenômenos belíssimos e raros. Eles acontecem aos pares, uma vez por século. No atual, já se foram as duas oportunidades, em 2004 e 2012. E os próximos trânsitos de Vênus, por sua vez, só acontecerão em 2117 e 2125. Agora, se os planetas interiores não estão exatamente fáceis nesse mês de março (embora seja possível vê-los, Mercúrio mais para o fim do mês, e Vênus mais para o começo), a Lua nos leva a um grand tour pelo céu. Acompanhe. No dia 1º, num fino crescente, ela passa a 3,7 graus de Marte, o Planeta Vermelho, na direção do poente. Três dias depois, no dia 4, ela passa 9,3 graus ao sul do aglomerado estelar das Plêiades, um ponto de parada obrigatório para os amantes da observação celeste. Também conhecidas como as Sete Irmãs, ou Messier 45, trata-se de um aglomerado aberto com estrelas maduras do tipo B — astros azuis bem maiores que o Sol. Estima-se que elas tenham se formado cerca de 100 milhões de anos atrás, no que devia ter sido um ambiente similar ao que vemos hoje

na nebulosa de Órion (Messier 42), que por sinal é visível a olho nu na constelação de mesmo nome. No dia 5, ainda transitando por Touro, a Lua visita Aldebarã, a estrela mais brilhante dessa constelação, passando a apenas 0,6 grau dela. Trata-se de uma gigante laranja — um astro no fim de sua vida, que esgotou seu hidrogênio combustível e inchou imensamente. Hoje ela tem um diâmetro 44 vezes maior que o do Sol, embora possua apenas 50% mais massa. A sonda americana Pioneer 10 deixou o Sistema Solar e segue na direção dela, mas só deve chegar às suas imediações em cerca de 2 milhões de anos. No dia 9, a Lua passa a 3,5 graus do aglomerado estelar do Presépio, também conhecido como Colmeia, um agrupamento mais antigo que o das Plêiades, com cerca de 600 milhões de anos. E no dia seguinte ela estará a apenas 0,2 grau de Regulus, a estrela mais brilhante da constelação de Leão — em realidade um sistema com quatro estrelas. No dia 14, nosso satélite natural faz uma visita a Júpiter, passando a apenas 3 graus do maior dos planetas do Sistema Solar. E no dia 20, já em quarto minguante, ela passa 3,5 graus ao norte de Saturno, tornando facílima a identificação no céu do planeta dos anéis. E no dia 30 ela termina onde começou o mês, fazendo nova visita a Marte. Bons céus a todos! (S.N.) www.sciam.com.br 17

VISIBILIDADE DOS PLANETAS

N

MERCÚRIO Em Aquário e depois em Peixes. Inicialmente, muito próximo do Sol para ser observado, começa a ser visível na segunda metade do mês ao anoitecer, na direção do pôr do sol. Em conjunção superior com o Sol em 6. Em conjunção com Vênus em 16. Em conjunção com Urano em 27. Próximo da Lua em 29.

VÊNUS Em Peixes. Visível ao anoitecer na direção do pôr do sol. Estacionário em 1º. Em conjunção com Mercúrio em 16.

MARTE Em Peixes. Visível ao anoitecer na direção do pôr do sol. Próximo da Lua em 1º e 30.

JÚPITER Visível durante toda a noite em Virgem. Ultrapassado pela Lua em 14.

SATURNO Em Sagitário. Visível durante a madrugada. Próximo da Lua em 20.

URANO Visível ao anoitecer na direção do pôr do sol. Próximo da Lua em 1º e 29. Em conjunção com Mercúrio em 27. Em Peixes.

NETUNO Em Aquário. Muito próximo do Sol para ser observado no Z«¡r]«f«¡ùÒ»¡Z«§™æ§]õ«Z«¡«3«›r¡ä»%«§D›f« mês, pode ser observado ao amanhecer, na direção do nascer do sol. Próximo da Lua em 26. Haverá ocultação de Netuno pela Lua, mas não será visível no Brasil.

L

DESTAQUES DO MÊS - Conjunção superior de Mercúrio. - Início do outono no Hemisfério Sul. - Conjunção inferior de Vênus.

S 18 Scientific American Brasil | Fevereiro 2017

CARTA CELESTE PARA O MÊS A carta celeste anexa corresponde à projeção das estrelas visíveis na latitude de 23°27’ Sul (Trópico de Capricórnio) às 21h do dia 15 de Março Exceto pela posição dos planetas, Ela também corresponde à projeção do céu aproximadamente às 22h no início f«¡ùÒròÒäð«ÍDÒD«§D›f«¡ùÒ»

O

PASSAGEM DO SOL PELAS CONSTELAÇÕES * - Aquário de 17/02/2017 a 13/03/2017

DIA 1 1 1 1

HORA(*) 11h56 12h06 16h41 18h35

2 3

08h27 03h06

4 4

02h26 03h52

5

01h08

5 6

08h33 21h14

9

05h36

10

17h46

12 14 14

11h54 16h09 18h00

15

---

16 18

20h09 14h38

20

07h30

20 20 24

08h26 14h00 02h39

25

07h12

26

03h50

27 27 29 29 30 30

02h56 23h59 00h23 03h23 08h26 09h18

30

18h07

31

08h35

- Peixes de 13/03/2017 a 19/04/2017 (*) O limite das constelações foi estabelecido pela União Astronômica Internacional em 1930, o que permite estabelecer, com grande precisão, o instante de entrada e saída do Sol por cada uma das 13 constelações que são atravessadas pela trajetória anual aparente do Sol, a eclíptica.

EVENTO Vênus estacionário. Lua passa a 3,3°S de Urano. "æDµDÒÒDÞdÖ3fr$DÍÜr» Melhor ocasião para visualizar o brilho fD5rÍÍDÍrrܔf«§D{DZrrÒZæÍDfD"æD crescente falcada (luz cinérea). O horário refere-se ao pôr do sol em São Paulo. Netuno em conjunção com o Sol. Lua no perigeu, máxima aproximação com a Terra (369.210 km). Diâmetro = 31,8’. Mercúrio em conjunção com Netuno. Lua passa a 9,3°S do aglomerado estelar de Plêiades (Messier 45), em Touro. Lua passa a 0,6°N da estrela Aldebarã (alfa de Touro). Lua em quarto crescente. Conjunção superior de Mercúrio. Sol entre o planeta e a Terra. Lua passa a 3,5°S do aglomerado estelar de Praesepe (Messier 44), em Câncer. Lua passa a 0,2°S de Regulus (alfa de Leão). Ocultação visível ao nascer da Lua. Lua cheia. Lua passa a 3,0°N de Júpiter. Lua passa a 7,1°N da estrela Spica (alfa de Virgem). Máximo da chuva de meteoros Gamma Normídeos (estimativa de 6 meteoros por hora). Mercúrio a 9,6°S de Vênus (conjunção). Lua no Apogeu, máximo afastamento com a Terra (404.555 km). Diâmetro = 29,2’. Equinócio de março. Início do outono no Hemisfério Sul. "æDµDÒÒDDÞd€%fr3DÜæͧ«» Lua em quarto minguante. Melhor ocasião para visualizar o brilho fD5rÍÍDÍrrܔf«§D{DZrrÒZæÍDfD"æD minguante falcada (luz cinérea). O horário refere-se ao nascer da Lua em São Paulo. Vênus em conjunção inferior com o Sol. Planeta entre o Sol e a Terra. Lua passa a 0,1°N de Netuno. Ocultação não visível no Brasil. Mercúrio a 2,4°N de Urano. Lua nova. Lua em conjunção com Urano. Lua em conjunção com Mercúrio. Lua passa a 5,3°S de Marte. Lua no perigeu, máxima aproximação com a Terra (363.928 km). Diâmetro = 32,9.’ Melhor ocasião para visualizar o brilho fD5rÍÍDÍrrܔf«§D{DZrrÒZæÍDfD"æD crescente falcada (luz cinérea). O horário refere-se ao pôr do sol em São Paulo. Lua passa a 9,3°S do aglomerado estelar de Plêiades (Messier 45), em Touro.

(*) Some uma hora quando estiver vigorando o Horário de Verão www.sciam.com.br 19

EVO LU Ç Ã O

O pa

Estudos sobre como a máquina humana queima calorias ajudam a explicar por que a atividade física faz pouco para controlar o peso – e sobre como nossa espécie adquiriu alguns de seus traços mais característicos Herman Pontzer

Ainda nada de

‘xàD†DÎ

Nós quatro havíamos caminhado metade do dia em busca da girafa ferida que Mwasad, um hadza de 30 e poucos anos, alvejara na tarde anterior. Ele a atingira na base do pescoço, a uns 20 metros de distância, com uma flecha embebida em um poderoso veneno caseiro. Os hadza são tradicionais caçadores-coletores que vivem na savana do Norte da Tanzânia. Eles conhecem a região e seus habitantes melhor do que você conhece sua mercearia local. Mwasad havia deixado a girafa correr para dar tempo para o veneno funcionar, esperando encontrá-la morta pela manhã. Um animal daquele tamanho poderia alimentar sua família e seu acampamento por uma semana – mas só se ele conseguisse encontrá-lo. EM SÍNTESE

O senso comum mŸĆ Õùy Èyåå¹Då ŠåŸcamente ativas queimam mais calorias que as menos ativas. Mas estudos mostram que tradicio´DŸå `DcDm¹àyåž`¹¨yï¹àyåj `¹® ÿŸmDå Šsicamente árduas, queimam o mesmo

número de calorias que pessoas com acesso às comodidades modernas. A descoberta de que o gasto de energia humana é rigidamente limitado abre questões sobre como nosso grande cérebro e outros traços que exigem

muita energia evoluíram. Comparações com gasto de energia de grandes primatas sugerem que o mecanismo metabólico humano evoluiu para trabalhar mais para sustentar nossas características dispendiosas.

Ilustração de Bomboland

yà®D´0¹´ïĆyàé antropólogo no Hunter Collegee. Ele estuda o gasto de energia em humanos e grandees primatas para testar hipóteses sobre a evolução da D§DÜ«¡”DrҔ«›«†”Dæ¡D§DÒ»

Mwasad levou nosso grupo — Dave Raichlen, da Universidade de Arizona, um garoto hadza de 12 anos chamado Neje e eu — para fora do acampamento assim que amanheceu. Dave e eu pouco podíamos ajudar. Mwasad nos convidara como um gesto de amizade e como apoio adicional para carregar o animal esquartejado ao acampamento se a busca desse resultado. Como estudiosos da ecologia humana e da evolução, ficamos animados com a oportunidade — a destreza dos hadza como rastreadores é lendária. Isso era melhor que a perspectiva de passar um longo dia no acampamento mexendo em equipamento de pesquisa. Caminhamos sem qualquer trilha por uma hora por um mato dourado que chegava à cintura, pontuado por árvores de acácias espinhosas, direto até as manchas de sangue onde a girafa fora atingida. Essa parte do caminho foi curiosa, como se alguém tivesse nos levado até o meio de um campo de trigo de 4 km² para mostrar onde havia derrubado um palito de dente e, então, se abaixasse com displicência para recuperá-lo. Seguiram-se horas em busca do animal ferido sob um sol inclemente, enquanto encontrávamos sinais cada vez mais tênues. Ainda nada de girafa. Pelo menos eu tinha água. Sentamos à sombra de alguns arbustos logo depois do meio-dia, fazendo uma pausa enquanto Mwasad pensava para onde a criatura ferida poderia ter ido. Eu tinha um quarto de água — suficiente, achei, para atravessar o calor da tarde. Mwasad, no entanto, não tinha levado água com ele, como é típico dos hadza. Enquanto empacotávamos tudo para reiniciar a busca, eu ofereci a bebida a ele. Mwasad me olhou meio de lado, sorriu e tomou todo o líquido da garrafa de um longo gole. Ao terminar, devolveu-me sem cerimônia a garrafa vazia. Isso era karma. Dave e eu, junto com Brian Wood, da Universidade Yale, vivêramos o mês anterior com os hadza, conduzindo as primeiras medições diretas do gasto diário de energia de um grupo caçador-coletor. Recrutamos duas dezenas de homens e mulheres hadza, entre eles Mwasad, para beberem pequenas garrafas incrivelmente caras de água enriquecida com dois isótopos raros, deutério e oxigênio 18. Analisar a concentração desses isótopos em amostras de urina de cada participante nos permitiria calcular a taxa diária de produção de dióxido de carbono de seu corpo e, assim, de seu gasto diário de energia. Esse método, conhecido como água duplamente marcada, é o padrão ouro em saúde pública para medir as calorias queimadas por dia durante a vida cotidiana normal. É simples, seguro e preciso, mas exige que os participantes tomem até a última gota da água enriquecida. Nós havíamos nos esforçado para deixar claro que eles não podiam desperdiçar, tinham de consumir a dose inteira. Mwasad parecia ter levado a mensagem a sério. Brincadeiras à parte, meus colegas e eu havíamos aprendido com os hadza muito sobre como o corpo humano queima calorias. Somado às descobertas de pesquisadores que estudam outros povos, nosso trabalho revelou alguns fatos surpreenden-

22 Scientific American Brasil, Março 2017

tes sobre o metabolismo humano. Os dados indicam que, ao contrário da noção convencional, humanos tendem a queimar o mesmo número de calorias independentemente de seu grau de atividade física. Mas nós evoluímos para queimar consideravelmente mais calorias que nossos primos antepassados. Esses resultados ajudam a explicar dois enigmas que à primeira vista parecem discrepantes, mas que estão, de fato, relacionados: primeiro, por que praticar exercícios em geral não ajuda a eliminar peso e, segundo, como alguns dos traços exclusivos da humanidade surgiram. A ECONOMIA DE CALORIAS

Pesquisadores interessados em ecologia e evolução humanas costumam se concentrar em gasto de energia porque energia é fundamental para tudo em biologia. Pode-se aprender muito sobre qualquer espécie ao medir seu metabolismo: a vida é essencialmente um jogo de transformar energia em crianças, e cada traço é adaptado por seleção natural para maximizar o retorno evolucionário de cada caloria gasta. Idealmente, a população estudada deve viver no mesmo ambiente no qual a espécie originalmente evoluiu, onde as mesmas pressões ecológicas que formaram sua biologia ainda estão atuando. Isso é difícil de conseguir com sujeitos humanos porque a maioria das pessoas está distante do trabalho diário de conseguir comida em um ambiente selvagem. Por quase todos os últimos dois milhões de anos, humanos e nossos ancestrais viveram e evoluíram como caçadores-coletores. A agricultura só surgiu há cerca de 10 mil anos; as cidades industrializadas e a tecnologia moderna apareceram há poucas gerações. Povos como os hadza, dos últimos caçadores-coletores que restam no mundo, são chave para entender como nossos corpos evoluíram e funcionaram antes das vacas, dos carros e dos computadores. A vida para os hadza é fisicamente árdua. De manhã as mulheres deixam o acampamento em pequenos grupos, algumas com crianças numa trouxa às costas, em busca de frutos silvestres e outros comestíveis. Tubérculos são um alimento básico para os hadza, e elas podem gastar horas desenterrando-os do solo com gravetos. Os homens andam quilômetros caçando com arcos e flechas que fabricam. Quando a caça está escassa, usam machadinhas para cortar galhos de árvores, em geral a uns 10 metros do chão, para colher mel silvestre. Até as crianças ajudam, carregando baldes de água do poço mais próximo. No fim da tarde, voltam ao acampamento e sentam no chão para conversar junto a pequenas fogueiras, partilham os ganhos do dia e cuidam das crianças. Os dias passam assim nas estações secas e chuvosas há milênios. Mas esqueça qualquer ideia romântica de paraíso perdido. Caça e coleta é um jogo cerebral e arriscado, no qual a moeda são as calorias e a falência é a morte. Homens como Mwasad gastam centenas de calorias por dia caçando e rastreando, apostando que serão recompensados. Inteligência é tão vital quanto resistência. Enquanto outros predadores só podem confiar em sua velocida-

de e força para conseguir uma presa, humanos precisam ser mais espertos que suas vítimas, avaliar suas tendências de comportamento e esquadrinhar o ambiente em busca de sinais da caça. Mesmo assim, os hadza só obtêm presas grandes como girafas cerca de uma vez por mês. Eles passariam fome se as mulheres não executassem uma estratégia igualmente sofisticada e complementar, usando seu conhecimento enciclopédico da vida vegetal local para levar para casa um prêmio confiável todos os dias. Essa busca de comida complexa e cooperativa tornou os humanos tão bem-sucedidos, e está no centro do que nos faz únicos. Faz tempo que pesquisadores de saúde pública e evolução humana pressupõem que nossos ancestrais caçadores-coletores queimavam mais calorias que as pessoas nas cidades de hoje. Considerando-se como é árduo o trabalho físico de povos como os hadza, parece impossível imaginar algo diferente. Muitas pessoas que atuam em saúde pública chegam a argumentar que essa redução no gasto diário de energia está por trás da pandemia global de obesidade no mundo desenvolvido, com todas essas calorias não queimadas se acumulando como gordura. Uma de nossas motivações para medir o metabolismo hadza foi determinar o tamanho deste déficit de energia e ver o nível de deficiência que nós, ocidentais, apresentamos em nosso gasto diário. De volta aos EUA após uma estação em campo, empacotei os frascos de urina hadza com gelo seco e os enviei para o Colégio de Medicina Baylor, sede de um dos melhores laboratórios de água duplamente marcada do país, imaginando os números gritantes de calorias que eles revelariam. Mas aconteceu uma coisa curiosa a caminho do espectrômetro de massa de relações isotrópicas. Quando as análises voltaram, os hadza se pareciam com todo mundo. Os homens hadza comiam e queimavam cerca de 2.600 calorias por dia e as mulheres hadza, cerca de 1.900 calorias por dia, o mesmo que adultos nos EUA ou na Europa. Examinamos os dados de todas as formas, considerando os efeitos do tamanho do corpo, porcentual de gordura, idade e sexo. Nenhuma diferença. Como

isso era possível? O que estava faltando? O que mais estávamos entendendo errado sobre evolução e biologia humanas? MENTIRAS DA MINHA PULSEIRA FITBIT

Parece óbvio e inquestionável que pessoas fisicamente ativas queimem mais calorias. Por isso aceitamos esse paradigma sem muita reflexão crítica ou evidência experimental. Mas, desde os anos 1980 e 1990, com o advento do método da água duplamente marcada, os dados empíricos com frequência desafiaram o senso comum sobre saúde pública e nutrição. O resultado dos hadza, por estranho que pudesse parecer, não era uma inesperada trovoada, mas a primeira gota fria escorrendo pelo pescoço de uma chuva que se formava, sem ser notada, há anos. Os primeiros estudos de água duplamente marcada entre agricultores tradicionais na Guatemala, Gâmbia e Bolívia mostraram que o gasto de energia deles era em grande medida semelhante ao dos moradores das cidades. Em estudo publicado em 2008, Amy Luke, da Universidade Loyola de Chicago, deu mais um passo ao comparar o gasto de energia e a atividade física de mulheres da área rural da Nigéria com os de mulheres afro-americanas em Chicago. Como no estudo com os hadza, o trabalho dela não encontrou diferenças no gasto diário de energia entre as populações, apesar de grandes diferenças nos níveis de atividades. Dando prosseguimento a esse estudo, Lara Dugas, também da Loyola, juntamente com Luke e outros, analisou dados de 98 estudos em torno do mundo e mostrou que populações mimadas pelas conveniências modernas do mundo desenvolvido têm gastos de energia semelhantes aos dos países menos desenvolvidos, onde a vida é fisicamente mais árdua. Os humanos não são a única espécie com uma taxa fixa de gasto de energia. Na esteira do estudo sobre os hadza, eu pilotei um grande esforço colaborativo para medir o dispêndio diário de energia entre primatas, um grupo de mamíferos que inclui macacos, símios, lêmures e nós. Descobrimos que primatas cativos vivendo em laboratórios e zoológicos gastam o mesmo

Bebedores de combustível Cientistas criam que pessoas mais ativas queimavam mais calorias que as menos ativas. Mas dados do gasto de energia de caçadores-coletores e de populações sedentárias de EUA e Europa revelaram resultados próximos a . Se o metabolismo humano é tão restrito, como nosso cérebro, nossa expectativa de vida longa e outros traços energeticamente custosos que nos distinguem de nossos parentes primatas evoluíram? Humanos consomem e gastam por dia centenas de calorias a mais que grandes primatas b , sugerindo que nosso mecanismo metabólico mudou para queimar energia mais rápido, suprindo os traços onerosos.





*Para levar em conta as diferenças em gasto de energia decorrentes do tamanho do corpo, as médias ocidentais são calculadas pelo porte corporal dos hadza e as médias dos grandes primatas são calculadas pela média do tamanho do corpo humano.

Gráfico de Jen Christiansen

a Populações humanas ●

5 Gasto total de energia (milhares de calorias por dia)

FONTES: “HUNTER-GATHERER ENERGETICS AND HUMAN OBESITY,” DE HERMAN PONTZER ET AL., EM PLOS ONE, VOL. 7, NO 7, ARTIGO Nº E40503; 25 DE JULHO DE 2012 (à esq.); “METABOLIC ACCELERATION AND THE EVOLUTION OF HUMAN BRAIN SIZE AND LIFE HISTORY,” DE HERMAN PONTZER ET AL., EM NATURE, VOL. 533; 19 DE MAIO DE 2016 (à dir.)

D E S C O B E R TA S

Mulheres ocidentais Homens ocidentais Mulheres hadza Homens hadza

4

b Humanos x primatas ●

Humanos Grandes Chimpanzés primatas e bonobos Gorilas Orangotangos

Média de gasto de energia*

Média de gasto de energia*

3

2

1

0 0

25 50 75 Massa corporal magra (kg)

100

0

25 50 75 Massa corporal magra (kg)

100

www.sciam.com.br 23

24 Scientific American Brasil, Março 2017

CAÇADORES-COLETORES HADZA na Tanzânia gastam centenas de calorias por dia em atividades, mas queimam o mesmo total de calorias que moradores de cidades nos EUA.

gastam. Se o dispêndio diário de energia não mudou no decorrer da história humana, as principais culpadas pela moderna obesidade pandêmica devem ser as calorias consumidas. Isso não deve ser novidade. Um velho ditado em saúde pública diz que é impossível vencer uma dieta ruim, e estudiosos sabem por experiência pessoal e montes de dados que apenas ir à academia para perder peso é ineficaz. Mas a nova ciência ajuda a explicar por que o exercício é essa ferramenta tão fraca para a perda de peso. Não é que não estejamos nos esforçando o suficiente. Nossos corpos armaram um complô contra nós desde o início. Ainda é preciso fazer exercícios. Este artigo não é um bilhete da sua mãe para livrá-lo da aula de ginástica. Exercícios geram benefícios bem documentados, desde melhorar a saúde do coração e do sistema imunológico até aprimorar o funcionamento do cérebro e contribuir para o envelhecimento saudável. De fato, suspeito que a adaptação metabólica à atividade é uma das razões para que os exercícios nos mantenham saudáveis, desviando energia de ações como a inflamação, que têm consequências negativas se durarem muito. A inflamação crônica tem sido ligada, por exemplo, à doença cardiovascular e distúrbios autoimunes. Os alimentos que ingerimos certamente afetam nossa saúde, e exercícios acompanhados de mudanças na dieta podem ajudar a afastar quilos indesejáveis uma vez que o peso saudável for atingido, mas as evidências indicam que é melhor pensar em dieta e exercício como ferramentas diferentes com forças diferentes. Faça exercício para se manter saudável e com vitalidade; concentre-se na dieta para cuidar do peso. ORÇAMENTO DE ENERGIA E EVOLUÇÃO

Mesmo que a recente ciência da adaptação metabólica ajude a esclarecer a relação entre exercício e obesidade, um metabolismo limitado deixa os pesquisadores com questões existenciais maiores. Se o gasto diário de energia é virtualmente imóvel, como os humanos evoluíram de forma tão diferente de seus parentes primatas? Nada na vida é de graça. Recursos limitados e mais investimento maior numa característica inevitavelmente significam menos investimento em outra. Não é coincidência que coelhos se reproduzam muito, mas morram jovens; toda aquela energia colocada em filhotes significa menos para a manutenção do corpo e longevidade. O Tyrannosaurus rex pode agradecer por sua grande cabeça com temíveis dentes e poderosos membros posteriores aos seus insignificantes braços

HARRY HOOK Getty Images

número de calorias por dia que aqueles que vivem na natureza, apesar das óbvias diferenças em atividade física. Em 2013, pesquisadores australianos descobriram gastos de energia semelhantes em ovelhas e cangurus confinados ou livres. E, em 2015, uma equipe chinesa relatou dispêndio de energia parecido de pandas gigantes em zoológicos e na natureza. Para um olhar mais detalhado, comparando indivíduos em vez de médias de populações, me uni a Luke e sua equipe, incluindo Dugas, para examinar atividade e gasto de energia em uma grande análise plurianual conhecida como Modeling the Epidemiological Transition Study (Mets). Mais de 300 participantes usaram acelerômetros parecidos com uma pulseira Fitbit ou outros monitores de condicionamento físico 24 horas por dia por uma semana enquanto o gasto de energia diário era medido por água duplamente marcada. Descobrimos que a atividade física cotidiana, medida pelos acelerômetros, tinha uma fraca relação com metabolismo. Na média, espectadores passivos tendem a gastar cerca de 200 calorias a menos que pessoas moderadamente ativas: o tipo de gente que faz algum exercício durante a semana e faz questão de ir pelas escadas. Mas, mais importante, o dispêndio de energia se estabilizou em níveis mais altos de atividade: pessoas com vida cotidiana mais intensamente ativa queimaram o mesmo número de calorias por dia que as de vida moderadamente ativa. O mesmo fenômeno que mantém o gasto de energia dos hadza em linha com o de outras populações ficou claro entre os indivíduos do estudo. Como o corpo se ajusta a níveis mais altos de atividade para controlar o gasto diário de energia? Como os hadza podem gastar centenas de calorias por dia em atividades e ainda queimar o mesmo total de calorias por dia na comparação com pessoas sedentárias nos EUA e na Europa? Ainda não temos certeza, mas o custo da atividade em si não está mudando: sabemos, por exemplo, que hadza adultos queimam o mesmo número de calorias que ocidentais para andar um quilômetro. Pode ser que pessoas com níveis altos de atividade mudem seu comportamento de formas sutis para economizar energia, como sentando-se mais que ficando em pé ou dormindo mais tranquilamente. Mas nossas análises dos dados do Mets sugerem que, embora essas mudanças possam contribuir, não são suficientes para responder pela constância vista no gasto de energia diário. Outra possibilidade intrigante é que o corpo crie espaço para o custo da atividade adicional reduzindo as calorias gastas nas muitas tarefas ocultas que usam a maior parte de nosso orçamento diário de energia: o trabalho doméstico que nossas células e órgãos fazem para manter-nos vivos. Economizar energia nesses processos pode abrir espaço em nosso orçamento de energia diário, permitindo que gastemos mais em atividade física sem aumentar o total de calorias gastas por dia. Por exemplo, os exercícios costumam reduzir a atividade inflamatória que o sistema imunológico arma assim como os níveis de hormônios reprodutivos como estrogênio. Em animais de laboratório, o aumento do exercício diário não tem efeito sobre o dispêndio de energia diário, mas resulta em menos ciclos ovulatórios e em reparação mais lenta de tecidos. E extremos podem levar alguns animais a comerem seus próprios filhotes em amamentação. Humanos e outras criaturas parecem ter várias estratégias evoluídas para manter o gasto de energia diário limitado. Todas essas evidências apontam para a obesidade como sendo a doença da gula e não da preguiça. As pessoas ganham peso quando as calorias que eles comem superam as calorias que elas

e mãos. Mesmo os dinossauros não podem ter tudo. Humanos zombam desse princípio de austeridade, fundamental para a evolução. Nosso cérebro é tão grande que, enquanto você lê esse artigo sentado, o oxigênio de cada quarta respiração que você faz é necessário só para alimentar seu cérebro. Ainda assim os humanos têm bebês maiores, se reproduzem com mais frequência, vivem mais tempo e são fisicamente mais ativos que quaisquer de nossos parentes primatas. Os acampamentos hadza estão repletos da alegria caótica das crianças e de saudáveis e vigorosos homens e mulheres em seus 60 e 70 anos. Nossa extravagância energética é um enigma evolutivo. Humanos são tão genética e biologicamente semelhantes a outros primatas que os cientistas há muito pressupõem que o metabolismo seja parecido também. Mas se o gasto de energia é limitado como nosso estudo e outros sugerem, como um inflexível metabolismo semelhante ao de macacos pode processar todas as calorias necessárias para sustentar nossos onerosos traços humanos? Na sequência de nosso estudo comparativo do gasto energético dos primatas, meus colegas e eu indagamos se o conjunto de traços adaptativos energeticamente custosos foi alimentado por uma mudança evolucionária geral da fisiologia metabólica. Descobrimos nesse estudo que primatas queimam por dia só metade das calorias que outros mamíferos queimam. As taxas metabólicas reduzidas dos primatas coincidem com suas taxas lentas de crescimento e reprodução. Talvez, inversamente, a reprodução mais rápida e outros traços dispendiosos dos humanos estejam relacionados à evolução de uma taxa metabólica aumentada. Tudo o que precisávamos para testar essa ideia era pegar um grupo de frenéticos chimpanzés, astutos bonobos, fleugmáticos orangotangos e instáveis gorilas de dorso prateado para tomarem rigorosamente doses de água duplamente marcada sem qualquer desperdício e nos fornecessem umas poucas amostras de urina. Em um tour de force científico, meus colegas Steve Ross e Mary Brown, ambos do Parque Zoológico Lincoln, em Chicago, trabalharam com cuidadores e veterinários de mais de uma dúzia de zoológicos nos EUA para executarem a tarefa. Levou um par de anos, mas eles acumularam dados suficientes sobre o gasto de energia de grandes primatas para que fosse feita uma sólida comparação com humanos. Decerto, humanos queimam mais calorias por dia que qualquer de nossos parentes grandes primatas. Mesmo depois de descontados os efeitos de tamanho do corpo, nível de atividade e outros fatores, os humanos consomem e gastam cerca de 400 calorias a mais por dia que chimpanzés e bonobos; a diferença com gorilas e orangotangos é ainda maior. Essas calorias extras representam o trabalho extra que nossos corpos fazem para sustentar cérebros maiores, produzir mais bebês e manter nossos corpos para que vivamos mais tempo. Não é só que comemos mais que outros macacos (embora façamos isso também); como bem sabemos, acumular calorias extras num corpo não equipado para usá-las apenas resulta em obesidade. Nossos corpos, até o nível celular, têm evoluído para queimar calorias mais rápido e fazer mais coisas. A evolução humana não aconteceu sem concessões: nosso trato digestivo é menor e menos dispendioso que o de outros primatas, que necessitam de um tubo digestivo maior e energeticamente dispendioso para digerir suas dietas fibrosas baseadas em plantas. Mas as mudanças fundamentais que nos tornam humanos foram alimentadas por uma mudança evolucionária em nosso motor metabólico.

SORTE PARTILHADA

Em algum ponto naquele fim de tarde, nosso caminho se voltou para o acampamento, Mwasad olhando adiante em vez de escrutinar o chão. Estávamos retornando para casa sem girafa. Ali estava o risco fundamental na estratégia de alta energia humana: ir para casa de mãos abanando era ao mesmo tempo mais provável e mais consequente. Muitos dos alimentos ricos em energia de que precisamos para alimentar nossos metabolismos mais rápidos são inerentemente difíceis de obter na natureza selvagem, aumentando o custo em energia de encontrar alimento e elevando o risco de fome para os homens e mulheres que buscam alimentos e suas crianças no acampamento. Felizmente para Mwasad, os humanos desenvolveram alguns truques para evitar a inanição. Somos a única espécie que aprendeu a cozinhar, o que aumenta o valor calórico de muitos alimentos e torna sua digestão mais eficiente. Nosso domínio do fogo converte raízes vegetais que não seriam comestíveis — do inhame da cadeia de mercearias Trader Joe aos tubérculos silvestres dos hadza — em verdadeiras bombas de amido e fécula. Também evoluímos para sermos gordos. Sabemos bem disso pela crise de obesidade no Ocidente, mas mesmo adultos hadza, esbeltos por qualquer padrão humano, dispõem do dobro da gordura de chimpanzés ociosos em zoológicos. Embora problemático na nossa era moderna, nossa propensão a acumular gordura provavelmente evoluiu em conjunto com nosso metabolismo mais rápido como uma reserva crítica de energia para sobrevivermos em tempos de escassez. Enquanto o sol laranja se punha pesadamente acima das árvores, nós retornávamos ao acampamento, Dave e eu em direção às nossas barracas, Mwasad e Neje para as cabanas de suas famílias, cada um de nós feliz por estarmos em casa. Apesar da perda da girafa, ninguém sentiu fome naquela tarde. Em vez disso, com pouco alarde ou esforço consciente, o acampamento utilizou nossa mais poderosa e engenhosa arma contra a inanição: a partilha. Compartilhar alimento é tão fundamental para a experiência humana, a trama comum de todo churrasco, aniversário, bar mitzvá, que consideramos uma coisa natural, mas que é uma parte única e essencial de nossa herança evolutiva. Outros primatas não compartilham. Além de nossas necessidades nutricionais e obsessão com gordura, talvez o mais profundo impacto de nosso gasto de energia aumentado seja este imperativo humano de trabalhar em conjunto. A evolução de um metabolismo mais rápido interligou nossa sina, exigindo que cooperemos ou morramos. Sentado com Dave e Brian, contando as aventuras do dia, comendo sardinhas em lata e batatas chips, percebi que não poderia ser diferente. Não tem girafa, não tem problema.

PA R A C O N H E C E R M A I S

$yïDU¹¨Ÿ` D``y¨yàD´ D´m ï›y yÿ¹¨ù´ ¹† ›ù®D´ UàDŸ´ åŸĆy D´m ¨Ÿ†y ›Ÿåï¹àĂÎ Herman Pontzer et al. em Nature, vol. 533, págs. 390–392; 19 de maio de 2016. Constrained total energy expenditure and metabolic adaptation to physical activity in adult humans. Herman Pontzer et al. em Current Biology, vol. 26, nº 3, págs. 410–417; 8 de fevereiro de 2016. Hunter-gatherer energetics and human obesity. Herman Pontzer et al. em PLOS ONE, vol. 7, nº 7, artigo nº e40503; 25 de julho de 2012. D E N OSSOS A RQU I VOS

Alimentos e evolução humana. William R. Leonard; janeiro de 2003.

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COSMOLOGIA

Puft! Lá se vai o Universo

AS ÚLTIMAS MEDIDAS ASTROFÍSICAS COMBINADAS COM PROBLEMAS TEÓRICOS PÕEM EM DÚVIDA A TEORIA DA INFLAÇÃO NO PRINCÍPIO DO COSMOS, HÁ TANTO TEMPO APRECIADA, E SUGERE QUE PRECISAMOS DE NOVAS IDEIAS Anna Ijjas, Paul J. Steinhardt e Abraham Loeb

EM SÍNTESE

As últimas medidas da radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB), a radiação mais antiga do Universo, levantam dúvidas sobre a teoria inflacionaria do Cosmos — a

ideia de que o espaço se expandiu exponencialmente em seus instantes iniciais. Ÿ´†¨DcT¹ ´¹à®D¨®y´ïy Èà¹mùĆ um padrão diferente de variação

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de temperatura na CMB (embora ela possa prever praticamente qualquer resultado). Ela também seria responsável pelas ondas gravitacionais primordiais, que não

foram encontradas. Os dados sugerem que os cosmólogos devem reavaliar esse paradigma e considerar novas ideias sobre a origem do Universo.

Fotografias de The Voorhes

EM 21 DE MARÇO DE 2013, a Agência Espacial Europeia reuniu a imprensa internacional para anunciar os novos resultados do satélite Planck. A espaçonave havia mapeado em detalhes sem precedentes a radiação cósmica de fundo em microondas (CMB, na sigla em inglês) — a luz emitida há mais de 13 bilhões de anos logo após o Big Bang. Os cientistas explicaram que o novo mapa confirmava uma teoria cultivada por 35 anos: o Universo começou com uma explosão seguida de um curto período de expansão hiperacelerada conhecido como inflação. Essa expansão uniformizou o Universo de tal forma que, mesmo após bilhões de anos, ele permanecia praticamente homogêneo em todo o espaço, em qualquer direção, e achatado, em vez de curvo como uma esfera, exceto por mínimas variações na concentração da matéria que explicariam a hierarquia extremamente detalhada de estrelas, galáxias e aglomerados que nos rodeiam. A principal mensagem da entrevista foi que os dados do satélite Planck se ajustavam à perfeição às previsões dos modelos inflacionários mais simples, reforçando a impressão de que a teoria está solidamente sedimentada. Segundo a equipe, a pesquisa em cosmologia já estaria concluída. Após o anúncio, nós três discutimos suas ramificações no Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian. Ijjas, na época, era aluna de pós-graduação. Steinhardt, um dos arquitetos originais da teoria inflacionária há três décadas, mas cujos trabalhos recentes revelam problemas com suas fundamentações teóricas, aproveitava seu ano sabático em Harvard. E Loeb era nosso anfitrião como chefe do departamento de astronomia. Todos nós entendemos as observações meticulosamente precisas da equipe do Planck. Mas discordamos da interpretação. Talvez os dados do Planck não favorecessem os modelos mais simples da inflação e exagerassem nos problemas da fundamentação da teoria, que forneciam novas razões para fomentar a discussão sobre a origem e evolução do Universo. Desde então, dados mais precisos obtidos pelo satélite Planck e outros instrumentos só serviram para reforçar ainda mais essa posição. No entanto, até agora a comunidade da cosmologia não analisou fria e honestamente a teoria inflacionária do Big Bang ou prestou a devida atenção aos críticos que questionam se a inflação realmente ocorreu. Por outro lado, os cosmólogos parecem aceitar, sem questionar, a alegação dos defensores da inflação de que precisamos acreditar na teoria inflacionária porque ela é a única explicação simples para as características que observamos no Universo. Mas, como expli-

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Anna Ijjas é pesquisadora de pós-doutorado no Centro de Ciências Teóricas de Princeton. Ela estudaa a origem, evolução e o futuro do Universo e a naturezza da matéria escura e da energia escura.

Paul J. Steinhardt é professor de ciências da Universidade de Princeton e diretor do Centro de Ciências Teóricas da mesma universidade. Sua pesquisa abrange problemas de física de partículas, astrofísica, cosmologia e física da matéria condensada. Abraham Loeb é chefe do departamento de astronomia da Universidade Harvard, diretor fundador da Iniciativa do Buracoo Negro de Harvard e diretor do Instituto de Teoria e Computaçãão do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian.

caremos mais adiante, os dados do satélite Planck, somados aos problemas teóricos, abalaram as bases dessa alegação. SEGUINDO O ORÁCULO

Para mostrar os dilemas da inflação, vamos começar seguindo as regras de seus defensores: assumir, sem discutir, que a inflação seja verdadeira. Vamos imaginar que um reconhecido oráculo profetiza que, definitivamente, a inflação ocorreu logo depois do Big Bang, Se aceitamos a afirmação como um fato consumado, o que ela nos diria sobre a evolução do Universo? Se a inflação fornece uma explicação simples para o Universo, esperaríamos que a afirmação do oráculo nos desse uma boa ideia do que esperar dos dados do satélite Planck. Entre outras coisas, eles nos diriam que em algum momento, logo após o Big Bang, um pedaço minúsculo do espaço deveria estar preenchido com uma forma exótica de energia que deu origem a um período de rápida expansão acelerada (“inflação”) daquela região. As formas de energia mais familiares, como a contida na matéria e na radiação, resistem e desaceleram a expansão do Universo por causa da autoatração gravitacional. Para haver inflação, o Universo deve conter uma alta densidade de energia gravitacional autorrepulsiva, aumentando assim a expansão e provocando sua aceleração. Porém, é importante observar, esse ingrediente crítico chamado energia inflacionária é puramente hipotético. Não há evidências diretas de sua existência. Além disso, nos últimos 35 anos surgiram centenas de propostas especulando sobre a natureza da energia inflacionária, cada uma com taxas de inflação muito diferentes e quantidades muito diferentes de distensão. Assim, está claro que a inflação não é uma teoria precisa, mas uma estrutura muito flexível que engloba várias possibilidades. Mas o que o oráculo afirma que possa ser verdadeiro para todos os modelos, independentemente do tipo específico de energia inflacionária? Em primeiro lugar, poderíamos ter certeza, com base em nosso conhecimento básico da física quântica, que a temperatura e a densidade da matéria de todo o Universo depois de a inflação terminar deve variar ligeiramente de um local para outro. Durante a inflação, flutuações quânti-

DA D O S C O S M O L Ó G I C O S cas aleatórias em escalas subatômicas na concentração da energia inflacionária seriam distendidas até regiões de dimensões cósmicas com diferentes quantidades de energia inflacionária. De acordo com a teoria, a expansão acelerada termina quando a energia inflacionária decai em matéria e radiação comuns. Em locais onde a densidade de enerO mapa gerado com dados do satélite Planck lançado pela Agência gia inflacionária (a quantidade de energia inflacioEspacial Europeia mostra a radiação cósmica de fundo em micro-ondas nária num metro cúbico do espaço) é ligeiramente (CMB) — a luz observável mais antiga do Universo —, que ainda oferece maior, a expansão acelerada é ligeiramente mais a melhor imagem da infância do Cosmos. As áreas azuis do céu lenta, e a densidade e a temperatura do Universo representam spots onde a temperatura da CMB, e consequentemente do devem ser ligeiramente mais altas quando a ener7³žþxßä¸Çߞ­¸ßlžD§jxßD­Džä…ßžDjxDäßxžÆxäþxß­x§šDäßx‹xîx­Ǹ³î¸ä gia inflacionária finalmente decair. As variações ­DžäÔøx³îxäÍ'älx…x³ä¸ßxälDž³‹DcT¸jîx¸ßžDÔøxäøxßxÔøx¸ ¸ä­¸ä quânticas assim induzidas na energia inflacionáse expandiu rapidamente nos primeiros instantes, alegam que o padrão ria devem se refletir num padrão de spots ligeirade spots quentes e frios é consistente com essa hipótese. No entanto, a mente mais quentes e mais frios na radiação cósteoria pode, na verdade, reproduzir qualquer padrão, e normalmente mica de fundo em micro-ondas, que preserva um gera uma variação de temperatura maior do que mostra este mapa. Além registro dessas épocas remotas. Ao longo dos 13,7 lžää¸jäxDž³‹DcT¸lx…D`¸ßßxøjD $ lxþx`¸³îxßxþžlz³`žDälx bilhões de anos seguintes, as minúsculas variações ondas gravitacionais cósmicas — oscilações do espaço-tempo causadas de densidade e temperatura do Cosmos teriam se pela distensão primordial — no entanto, essas evidências não são condensado sob o efeito da gravidade para formar observadas. Ao contrário, os dados do Planck revelam que a verdadeira um padrão de galáxias e estruturas de larga escala. história do Universo ainda está completamente em aberto. Esse é um bom começo, embora um tanto vago. Poderíamos prever o número e a distribuição de Spots quentes galáxias pelo espaço todo? O grau de curvatura e (vermelho) Spots frios distorção do espaço? Ou a quantidade de matété (azul) ria, ou de outras formas de energia, que form mam o Universo atual? A resposta é não. A inflação é uma ideia tão flexível que qualquer resultado é possíp nvel. A inflação explica por que o Big Bang acon teceu ou como foram criados os padrões iniciais do espaço, que acabaram evoluindo no Universo observado atualmente? A resposta, novamente, é não. Mesmo sabendo que a inflação teria ocorrido, de fato, ainda não seríamos capazes de prever os spots quentes e frios observados pelo Planck. O mapa gerado pelo satélite e estu-dos anteriores da CMB indicam que o padrão de o, indespots frios e quentes é praticamente o mesmo pendentemente do grau de aproximação com que q o obserhamam “invariânvarmos — uma propriedade que os cientistas chamam invariân cia de escala”. Os últimos dados do Planck mostram que o desvio da invariância de escala perfeita é mínimo, somente alguns por cento, simples de energia inflacionária, incluindo as descritas nos e que a variação média da temperatura de todos os spots é de cerca livros-texto. Ao mesmo tempo que as flutuações quânticas prode 0,01%. Os defensores da inflação com frequência enfatizam que duzem variações aleatórias na energia inflacionária, elas tamé possível produzir um padrão com essas propriedades. No entan- bém produzem distorções aleatórias no espaço que se propato, esse argumento exclui um ponto importante: a inflação permi- gam como ondas de perturbação espacial, quando a inflação te vários outros padrões de spots quentes e frios que não são qua- termina. Essas perturbações, conhecidas como ondas de gravise invariantes de escala e normalmente têm uma variação de tem- tação, são outra fonte de spots quentes e frios da radiação cósperatura muito maior que o valor observado. Em outras palavras, mica de fundo em micro-ondas, embora tenham um efeito de tanto a invariância de escala é possível, como também pode haver polarização diferente (isto é, ondas de gravitação polarizam o um grande desvio da invariância de escala, ou seja, tudo é possível, campo elétrico da luz obrigando-o a se orientar numa direção dependendo das características de densidade da energia inflacio- preferencial, dependendo se a luz provém de um spot quente nária assumida. Por isso, a distribuição observada pelo Planck não ou de um spot frio, ou de algum ponto intermediário). pode ser considerada uma confirmação da inflação. Infelizmente, a busca por ondas gravitacionais inflacioEm particular, se soubéssemos que a inflação de fato ocor- nárias não foi bem-sucedida. Embora os cosmólogos tenham reu, existe um aspecto que deveria ser encontrado nas observa- observado spots quentes e frios pela primeira vez com o satéções do satélite Planck, porque ele é comum a todas as formas lite COBE, em 1992, e com vários experimentos subsequentes,

CORTESIA DE ESA E COLABORAÇÃO PLANCK

Um instantâneo do Universo primitivo

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não se viu, até agora, qualquer sinal das ondas gravitacionais cósmicas que teriam resultado da inflação. (Em 17 de março de 2014, os cientistas do experimento BICEP2, no Polo Sul, comunicaram ter detectado ondas gravitacionais cósmicas, mas depois se retrataram.) Note que essas esperadas ondas gravitacionais cósmicas não têm nada a ver com as ondas gravitacionais criadas pela fusão de buracos negros no Universo moderno, detectadas pelo Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria Laser em 2015. Os resultados do satélite Planck — uma combinação de um desvio muito pequeno (poucos por cento) de invariância de escala perfeita no padrão de spots quentes e frios na CMB e o fracasso em detectar ondas gravitacionais cósmicas — impressionam. Pela primeira vez, em mais de 30 anos, os modelos inflacionários mais simples, incluindo os descritos nos livros -texto, são muito contrariados pelas observações. Obviamente, os teóricos logo se apressaram em reformular o quadro inflacionário, mas ao custo de tornar complexos demais os modelos da energia inflacionária, e revelar ainda mais problemas.

depararam com uma situação semelhante ao seguinte cenário: imagine que você vive numa cidade isolada num vale cercado por montanhas. As únicas pessoas você já viu na cidade são os moradores locais, até que um dia surge um forasteiro. Todos querem saber como o estranho chegou à cidade. Você consulta o sabe-tudo da cidade (também conhecido como o oráculo local) que afirma que ele chegou esquiando. Você acredita nessa afirmação, e constata que existem apenas duas encostas que conduzem ao vale. Qualquer pessoa que lesse um guia local para pràtica de esqui saberia que a primeira encosta pode ser facilmente acessada usando um teleférico. Todas as pistas têm uma inclinação constante e, em geral, a visibilidade e as condições da neve são boas. A segunda encosta é completamente diferente. Ela não é mencionada nos guias de esqui. E não é de admirar, pois seu topo é conhecido pelas avalanches. O único caminho para descer até a cidade é desafiador porque ele começa num cume plano que, de repente, termina num penhasco íngreme. Além disso, não há teleférico. O único modo concebível de começar a descer a encosta é primeiro saltar de um avião e, usando um paraquedas, pousar num determinado local do cume (com centímetros de precisão) e atingi-lo com a velocidade certa. O menor erro levaria o esquiador para um vale longe do caminho ou ele poderia ficar preso no topo. No pior caso, uma avalanche poderia se formar antes de o esquiador atingir o cume e ele não sobreviveria. Se o sabe-tudo da cidade estiver certo, isto é, se o forasteiro chegou mesmo esquiando, só é possível concluir que ele desceu pela primeira encosta. Seria loucura acreditar que alguém escolheria a segunda encosta porque as chances de chegar à cidade de forma bem-sucedida são infinitamente pequenas se comparadas com o trajeto da outra encosta. Mas então você observa que o bilhete do teleférico não está preso à jaqueta do estranho. Baseado nessa observação e na informação do sabe-tudo que insiste que o estranho chegou lá esquiando, você conclui que o forasteiro necessariamente desceu pela segunda encosta. Ou talvez que ele não tenha vindo esquiando, e aí você põe em dúvida a confiabilidade do sabe-tudo da cidade. Da mesma forma, se um reconhecido oráculo afirma que o Universo evoluiu até sua condição atual via inflação, esperaríamos uma curva de densidade de energia inflacionária como a montanha descrita no guia porque ela tem uma forma simples desde cima até embaixo, tem a menor quantidade de parâmetros ajustáveis e as condições mais propícias necessárias para começar a inflação. De fato, até agora, praticamente todos os livros sobre cosmologia inflacionária apresentaram curvas de energia dessa forma simples e uniforme. Em particular, a densidade de energia ao longo dessas curvas simples aumenta continuamente à medida que a intensidade do cam-

'ä­¸lx§¸äž³‹D`ž¸³Eߞ¸ä­Džä simples, incluindo os descritos em livros-texto, são fortemente desfavorecidos pelas observações. Obviamente, os teóricos se DÇßxääDßD­x­ßxlx‰³žß¸ÔøDl߸ ž³‹D`ž¸³Eߞ¸j­DäD¸`øäî¸lxî¸ß³Dß os modelos extremamente complexos. DESCER A MONTANHA

Para apreciar o impacto das medidas do Planck, é importante analisar os modelos que os defensores da inflação propõem, apesar de todas as falhas. Acredita-se que a energia inflacionária resulte de um campo hipotético, chamado inflaton, análogo ao campo elétrico, que permeia o espaço, e cuja intensidade (ou valor) varia em cada ponto do espaço. Como o inflaton é hipotético, ele pode ser imaginado como um campo gravitacionalmente autorrepulsivo que acelera a expansão do Universo. A intensidade desse campo num dado ponto do espaço determina a densidade de energia inflacionária ali. A relação entre a intensidade do campo e a densidade de energia pode ser representada por uma curva num gráfico que se assemelha à encosta de uma montanha (ver quadro na pág. oposta). Cada um das centenas de modelos de energia inflacionária já propostos assume uma forma precisa para essa encosta, que determina as propriedades do Universo depois que a inflação termina — por exemplo, se o Universo é plano e uniforme ou se mostra variações de temperatura e densidade aproximadamente invariantes de escala, ou não. Desde a liberação dos dados do Planck, os cosmólogos se

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D UA S V E R S Õ E S D A T E O R I A po varia de modo que é possível ter um valor inicial do campo inflaton para o qual a densidade de energia inflacionária é igual a um número chamado densi3xDž³‹DcT¸¸`¸ßßxøjx§Dlxþxîxßäžl¸lžäÇDßDlDǸßø­DÙx³xߐžDž³‹D`ž¸³EߞDÚ dade de Planck (10120 vezes maior que a šžÇ¸îyîž`DjÇ߸løąžlDǸßø­`D­Ç¸`šD­Dl¸ٞ³‹DÚÔøxlxþxîxßÇxß­xDl¸¸ densidade atual) — a densidade de enerxäÇDc¸Í<xßäÆxälž…xßx³îxälDîx¸ßžDlDž³‹DcT¸Ç߸ÇÆx­lž…xßx³îxäßx§DcÆxäx³îßxD gia total disponível quando o Universo ž³îx³äžlDlxl¸`D­Ç¸ž³‹DxDlx³äžlDlxlxx³xߐžDž³‹D`ž¸³EߞDÍøDälxääDä surgiu a partir do Big Bang. Com essa ßx§DcÆxäxäîT¸xäÔøx­DDlDä³D‰øßDÍ7­DÉazul, à esquerda) se assemelha aos condição inicial favorável na qual a únimodelos apresentados nos livros-texto tradicionais. A outra (roxa, à direita) requer ca forma de energia é a inflacionária, a condições iniciais muito especiais e, portanto, aparentemente inviáveis. Essa analogia expansão acelerada teria iniciado imecom as duas encostas tenta explicar por que a segunda classe de modelos — o tipo de diatamente. Durante a inflação, a intenž³‹DcT¸Ôøx³T¸…¸žßx¥xžîDl¸Çx§¸älDl¸äßx`x³îxäylž…Ÿ`ž§lxD`xžîDßÍ sidade do campo inflaton teria evoluído naturalmente fazendo com que a densi'my`¨ŸÿyŸ´`¨Ÿ´Dm¹j Õùy àyŒyïy ù® Dù®y´ï¹ D`y´ïùDm¹ mD dade de energia diminuísse lenta e unidensidade de energia e corresponde aos modelos tradicionais formemente e seguisse a curva descenmyŸ´ŒDcT¹jz¹D´E¨¹‘¹ my ù®D y´`¹åïD ¹´my åy ȹmy yåÕùŸDà Essas versões da teoria, dente até o fundo do vale, o que corresfacilmente. Esses modelos descrevem um cenário plausível para chamadas modelos de platô, requerem yāȨŸ`D๟´ `Ÿ¹mDŸ´ŒDcT¹ ȹàÕùy ÈDàïy® my ù®D mŸåïàŸUùŸcT¹ condições altamente improváveis para ponderia ao Universo atual. (Podemos myy´yà‘ŸDŸ´ŒD`Ÿ¹´EàŸD `¹® ù® ¨Ÿ®ŸDà àDĆ¹Eÿy¨ Ê埮Ÿ¨Dà D ù® ¹Ÿ´ `Ÿ¹mDŸ´ŒDcT¹€¹`D®È¹Ÿ´ŒDï¹´ imaginar essa situação como se o camȹ´ï¹myÈDàïŸmD`DàD`ïyàŸĆDm¹ Èy¨¹ ïy¨y†zàŸ`¹Ë y yÿ¹¨ùy® my teria de assumir exatamente o valor po inflaton “esquiasse” pela curva abaiforma contínua e previsível (como um declive uniforme), correto, no momento certo para xo.) Essa é a história clássica da inflação ®DååT¹`¹´ŒŸïD´ïyå `¹® ¹å ú¨ïŸ®¹å mDm¹å Dåïๆ åŸ`¹åÎ mŸåÈDàDàDŸ´ŒDcT¹Îååy容my¨¹ååT¹¹ apresentada nos livros de cosmologia. análogo de uma encosta sujeita a avalanches e exigiria que o esquiador Mas as observações do Planck mossaltasse de um helicóptero e pousasse tram que essa história não pode estar num ponto de partida muito preciso. certa. As curvas inflacionárias simples produzem spots quentes e frios com um desvio maior de invariância de escala que o observado, e ondas gravitacionais suficientemente fortes para terem sido detectadas. Se continuarmos insistindo em que a inflação de fato ocorreu, os resultados do satélite Planck impõem que o campo inflaton necessariamente “esquiou” por uma forma de curva de densidade de energia mais complicada, mais parecida com a segunda encosta, aquela com mais riscos de avalanche e um cume mais baixo e plano terminando por uma abrupta encosta íngreme que chega até o fundo do vale. Em vez de uma forma simples, continuamente crescente, essa curva de energia teria uma inclinação ascendente acentuada (formando uma escarpa) distante de seu ponto mínimo, até repentinamente aplainar num platô (formando um cume) com Alta Baixa Alta uma densidade de energia que é um tri´ïy´åŸmDmy m¹ `D®È¹ Ÿ´ŒDï¹´ lhão de vezes menor que a densidade de Planck disponível imediatamente após o Big Bang. Nesse caso, a densidade de energia inflacionária seria uma fração infinitésima da densida- certo do cume plano, com a velocidade certa, para esquiar suavede de energia total pós-Big Bang, extremamente pequena para mente até a base da montanha, também é praticamente impossível para o inflaton reduzir sua velocidade com a taxa certa e com provocar a inflação imediata do Universo. Como o Universo não está inflando, o valor inicial do cam- o valor certo do campo para iniciar a inflação. Para piorar as coipo inflaton pode variar a uma velocidade muito rápida, como o sas, como o Universo não está inflando durante esse período pósesquiador ao saltar do helicóptero. Mas a inflação só pode come- -Big Bang, quando o inflaton está desacelerando, quaisquer disçar se o campo inflaton atingir um valor correspondente a um torções ou irregularidades iniciais na distribuição de energia no ponto do platô e se o campo variar muito devagar. Assim como é Universo seriam ampliadas. Quando elas crescem, impedem o difícil para o esquiador que salta do helicóptero pousar no ponto início da inflação, independentemente de como a inflação evo-

Baixa

Densidade de energia

Alta

Inflação como uma encosta para esquiar

Ilustração de Brown Bird Design

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lua, assim como uma avalanche pode impedir que o esquiador deslize suavemente montanha abaixo, independentemente das dificuldades na trajetória do helicóptero para chegar ao cume. Em outras palavras, se você aceitar a previsão do oráculo e insistir que a inflação de fato ocorreu, os dados do Planck o levarão a uma conclusão perturbadora, que a inflação começou com uma curva de densidade de energia semelhante a um platô, apesar de todos os problemas. Ou talvez, a essa altura, você esteja pondo em dúvida a credibilidade do oráculo. “MULTIMESSENGER”

Obviamente, não há oráculo. Não devemos apenas aceitar a hipótese de que a inflação ocorreu, em especial porque ela não explica de forma simples os aspectos observados do Universo. Os cosmólogos deveriam avaliar a teoria adotando métodos padronizados para estimar as probabilidades de que a inflação tenha ocorrido baseando-se em observações. Nesse sentido, o fato de que os dados atuais não corroborem os modelos inflacionários mais simples e favoreçam modelos mais complexos são más notícias. Mas, na verdade, as observações mais recentes não são o primeiro problema que a inflação enfrenta. Ao contrário, esses resultados suscitam e trazem uma nova guinada a questões existentes. Deveríamos pensar, por exemplo, se é razoável que o Universo tenha tido as condições iniciais necessárias para qualquer tipo de energia inflacionária, fosse qual fosse. Dois critérios improváveis devem ser satisfeitos para a inflação ter início. Primeiro, logo depois do Big Bang, é preciso haver um pedaço do espaço onde as flutuações quânticas do espaço-tempo tenham desaparecido devagar e o espaço seja bem descrito pelas equações clássicas da relatividade geral de Einstein. Segundo, o pedaço do espaço precisa ser plano o suficiente, e ter uma distribuição de energia uniforme o suficiente, para que a energia inflacionária possa crescer até dominar todas as outras formas de energia. Várias estimativas teóricas sobre as chances de encontrar um padrão com esses traços logo após o Big Bang sugerem que isso é mais difícil que encontrar uma montanha nevada, equipada com teleférico e pistas de esqui bem conservadas no meio do deserto. Mais importante, se fosse fácil encontrar um padrão plano e suficientemente uniforme formado pelo Big Bang para iniciar a inflação, então ela não seria necessária. Lembre-se de que a motivação para introduzi-la foi explicar como essas propriedades surgiram no Universo visível. Se para iniciar a inflação são necessárias essas mesmas propriedades, com a única diferença de que seja necessário um pedaço menor de espaço, isso não é avanço. Entretanto, essas questões são apenas o começo de nossos problemas. A inflação não só requer condições iniciais difíceis de obter, mas também é impossível interromper a inflação, uma vez começada. Esse obstáculo remete às flutuações quânticas no espaço-tempo. Elas fazem a intensidade do campo inflaton variar de um local para outro, e fazem com que em alguns pontos do espaço a inflação termine antes de outros. Há uma tendência de pensarmos nas flutuações quânticas como objetos minúsculos, mas desde 1983 os teóricos, incluindo Steinhardt, chegaram à conclusão de que grandes saltos quânticos no campo inflaton, embora raros, podem mudar completamente a história da inflação. Grandes saltos podem aumentar muito os valores da intensidade do campo inflaton acima da média, tornando a inflação muito mais lenta. Embora grandes saltos sejam raros, as regiões onde eles ocorrem sofrem uma grande

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expansão de volume em comparação com regiões onde eles não ocorrem e acabam dominando o espaço rapidamente. Em instantes, uma área que para de inflar torna-se rodeada e comprimida por regiões que ainda estão inflando. O processo então se repete. Na maioria das regiões inchadas, a intensidade do inflaton varia de modo a diminuir a densidade de energia e a inflação termina, mas raros saltos quânticos grandes permitem que a inflação continue em alguns locais e formem um volume ainda mais inflado. E esse processo continua indefinidamente. Dessa forma, a inflação continua eternamente, gerando um número infinito de regiões onde a inflação terminou — cada uma encerrando em si mesma um universo. Apenas nas áreas onde a inflação cessou a taxa de expansão do espaço é lenta o bastante para que se formem galáxias, estrelas, planetas e vida. A implicação que preocupa é que as propriedades cosmológi-

cas de cada região são diferentes devido à aleatoriedade inerente às flutuações quânticas. De forma geral, a maioria dos universos não se tornará plano, ou livre de distorções. A distribuição de matéria não será quase uniforme, e os padrões de spots quentes e frios da radiação CMB nesses locais não terão invariância de escala. Os padrões se estendem por um número infinito de diferentes resultados possíveis, sem que nenhum deles, incluindo o do nosso Universo visível, seja mais provável que outro. O resultado é o que os cosmólogos chamam multiversos. Como cada padrão pode ter quaisquer propriedades imagináveis, o multiverso não explica por que nosso Universo desenvolveu condições tão especiais como as que observamos — aspectos puramente acidentais de nossa região específica. E talvez até esse cenário seja muito róseo. Alguns cientistas duvidam se alguma região do espaço poderia evoluir para adquirir características semelhantes ao nosso Universo observável. E por outro lado, se a inflação eterna poderia degene-

rar num mundo puramente quântico de flutuações incertas e aleatórias em qualquer lugar, até mesmo onde a inflação acaba. Gostaríamos de sugerir o termo “multimess” (de teoria multimessenger search) como uma forma mais adequada para descrever os resultados não resolvidos da inflação eterna, sejam eles formados por uma quantidade infinita de padrões com propriedades aleatoriamente distribuídas ou uma confusão quântica. De nosso ponto de vista, não faz diferença qual descrição está correta. Seja como for, a teoria multimess não prevê as propriedades de nosso Universo observável como um resultado provável. Espera-se que uma boa teoria científica possa explicar por que acontece o que observamos, e não qualquer outra coisa. A teoria multimess é reprovada nesse teste fundamental. MUDANÇA DE PARADIGMA

Com tudo isso em vista, a ideia de que não houve inflação merece um sério exame. Se voltarmos um pouco, parece haver duas alternativas. Ou o Universo teve um início, que chamamos “Big Bang”, ou não houve início, e o Big Bang foi, na verdade, um “Grande Rebote”, uma transição de alguma fase cosmológica anterior para a fase de expansão atual. Embora muitos cosmólogos aceitem a explosão inicial, não há evidências — zero — que confirmem se o evento ocorrido há 13,7 bilhões de anos foi uma explosão ou um rebote. Porém, um rebote, ao contrário de uma explosão, não exigiria um período inflacionário posterior para criar um universo como o que conhecemos. Por isso as teorias do rebote representam um desvio radical do paradigma da inflação. Um rebote pode chegar ao mesmo final que explosão mais inflação, porque, antes do rebote, um período de lenta contração estendendo-se por bilhões de anos poderia uniformizar e aplainar o Universo. Pode parecer contraintuitivo que uma lenta contração tenha o mesmo efeito que uma rápida expansão, mas existe um argumento simples que mostra que deve ser assim. Lembre que sem inflação, um universo em lenta expansão se tornaria cada vez mais curvo, distorcido e irregular com o passar do tempo por causa dos efeitos da gravidade sobre o espaço e a matéria. Imagine que você está assistindo a um filme desse processo, mas no sentido inverso, de trás para a frente: um universo grande, extremamente curvo, distorcido e não uniforme gradualmente se contrai e torna-se plano e uniforme. Isto é, a gravidade funciona ao contrário, como um agente uniformizador num universo que se contrai lentamente. Como no caso da inflação, a física quântica também contempla a história da uniformização simples nas teorias do rebote. As flutuações quânticas alteram a velocidade de contração de um local para outro, de modo que algumas regiões “rebotam” e começam a se expandir e esfriam antes de outras. Os cientistas podem construir modelos nos quais a taxa de contração produz, depois do rebote, variações de temperatura consistentes com a estrutura de spots quentes e frios observados pelo Planck. Em outras palavras, a contração antes do rebote produz o mesmo efeito que a inflação produziria ao ser proposta pela primeira vez. Ao mesmo tempo, as teorias do rebote têm uma vantagem importante em comparação com a inflação: elas não reproduzem a multimess. Quando a fase da contração tem início, o Universo já está grande e clássico (isto é, é descrito pela teoria da relatividade geral de Einstein) e o rebote acontece antes que ele consiga encolher até um tamanho onde os efeitos quânticos passem a ser importantes. Como resultado, nunca se forma um estágio como

o Big Bang, em que todo o universo é dominado pela física quântica, e não há necessidade de idealizar uma transição do quântico para o clássico. E como durante a uniformização não há inflação para aumentar rapidamente o volume de regiões que sofrem raras, mas grandes flutuações quânticas, a uniformização via contração não produz universos múltiplos. Um trabalho recente forneceu as primeiras propostas detalhadas para descrever como o Universo pode ter feito a transição da contração para a expansão, permitindo a construção de cosmologias puramente “de rebote”. CIÊNCIA NÃO EMPÍRICA?

Tendo em vista os problemas com a inflação e o potencial das cosmologias de rebote, seria de esperar um debate acirrado entre os cientistas que hoje buscam diferenciar essas teorias por meio da observação. Porém, há um senão: a cosmologia inflacionária, como hoje a entendemos, não pode ser avaliada usando o método científico. Como foi discutido, o resultado esperado da inflação pode mudar facilmente se variarmos as condições iniciais, se mudarmos a forma da curva da densidade de energia inflacionária, ou se simplesmente notarmos que ela leva a uma inflação eterna e à multimess. Individual e coletivamente, esses aspectos tornam a inflação tão flexível que nenhum experimento jamais poderá contestá-la. Alguns cientistas admitem que a inflação não é testável, mas se recusam a abandoná-la. Eles propõem que, ao invés, a ciência mude, eliminando uma de suas propriedades mais importantes: a testabilidade empírica. Essa noção tem provocado uma avalanche de discussões sobre a natureza da ciência e sua possível redefinição, promovendo a ideia de algum tipo de ciência não empírica. Um equívoco comum é que os experimentos podem ser usados para falsear uma teoria. Na prática, uma teoria em declínio torna-se cada vez mais imune à experimentação pelas tentativas de consertá-la. A teoria torna-se mais perfeitamente sintonizada e impenetrável para se inserir novas observações, até atingir um estado onde seu poder explanatório diminui ao ponto de ela não ser mais aceita. O poder explanatório de uma teoria é medido pelo conjunto de possibilidades que ela exclui. Mais imunidade significa menos exclusão e menos poder. Uma teoria como a multimess não exclui nada e, portanto, tem poder zero. Declarar uma teoria vazia como uma visão padrão indiscutível, requer algum tipo de garantia fora da ciência. Na falta de um oráculo reconhecido, a única alternativa é convocar as autoridades. A história ensina que esse não é o caminho certo. Hoje somos afortunados porque as observações suscitam questões fundamentais definidas com precisão. O fato de que nossas melhores ideias não funcionaram é uma oportunidade histórica para um avanço teórico. Em vez de fechar o livro sobre o Universo primordial, deveríamos reconhecer que a cosmologia ainda está completamente aberta.

PA R A C O N H E C E R M A I S

´ŒD´DàĂ 0DàDmŸ‘® Ÿ´ 5à¹ùU¨y D†ïyà 0¨D´`§ ÷ĈÀñÎ Anna Ijjas et al. em Physics Letters B, vol. 723, no 4–5, págs. 261–266; 25 de junho de 2013. D E N OSSOS A RQU I VOS

Alternativas para o Universo ser como é. Paul J. Steinhardt; ed. 108, maio de 2011.

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L I N G U Í SST I C A

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COMUNICAÇÃO SEM FIO: No vilarejo grego de Antia, Kiria Koula Yiannakari demonstra como assobiar uma mensagem para vizinhos.

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Fotografias de Eirini Vourloumis

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Julien Meyer é linguista e bioacústico no Centro Nacional ÍD§ZùÒµDÍD0rÒÂæ”ÒD ”r§ÜûZDr§«03 “›DOr¡Ír§«O›rd França. Sua pesquisa se concentra em fonética, cognição de linguagem, e língua e comunidades rurais. Ele dirige o projeto Icon-Eco-Speech e é cofundador da Associação de Pesquisa Assobios do Mundo, que documenta e protege línguas assobiadas.

Certa manhã de primavera Panagiotis Kefalas estava em sua taverna no pequeno vilarejo grego de Antia quando recebeu uma chamada de sua amiga Kyria Koula. Kefalas estava planejando tomar café da manhã em sua casa, a cerca de 200 metros de seu estabelecimento. A chamada não começou com o som do toque de um celular. Em vez disso, ela se estendeu diretamente da boca de Koula até os ouvidos de Kefalas, chegando na forma de uma série de assobios agudos. “Bem-vindo, o que você quer?”, silvou Koula. Kefalas franziu os lábios e assobiou de volta: “Por favor, eu gostaria de comer.” “Está bem”, respondeu Koula. “Eu gostaria de ovos mexidos”, Kefalas acrescentou. Um visitante de Antia teria ficado perplexo. O início da primeira frase, “bem-vindo” (kalós irthate, em grego romanizado), soava como um assobio lascivo — “fiu fiiuu” — exceto que a segunda sílaba prolongada subia acentuadamente em intensidade tônica. Alguns relatos sustentam que a tradição agora moribunda da fala assobiada, ainda mantida pelas poucas dezenas de moradores de Antia, serviu por séculos como a melhor maneira para pastores de ovelhas e cabras se comunicarem de uma encosta para outra. Assobios, afinal, repercutem mais longe do que

gritos e poupam as cordas vocais. Mesmo hoje, os aposentados deste vilarejo no extremo sul da segunda maior ilha da Grécia, Eubeia, às vezes usam essa eficiente forma pré-tecnológica de comunicação sem fio de casa para casa para transmitirem notícias, fofocas ou fazer um convite para o café da manhã. Gravei a conversa entre Kefalas e Koula em maio de 2004. Desde o início dos anos 2000, estudo a linguagem assobiada em montanhas remotas e densas florestas ao redor do globo. Nesse tempo, eu e meus colegas de diversas instituições encontramos por acaso muitas línguas assobiadas que ainda não tinham sido descobertas. Também medimos as surpreendentes distâncias que palavras assobiadas podem viajar e adquirimos uma compreensão de como o ato de soprar ar pelos lábios é capaz de

EM SÍNTESE

Antes de as comunicações eletrônicas se tornarem uma parte onipresente da vida das pessoas, aldeões rurais criaram versões assobiadas de suas línguas nativas para se comunicarem de uma encosta montanhosa a outra ou até de casa em casa.

Heródoto mencionou línguas assobiadas no quarto livro de sua obra Histórias, mas até recentemente linguistas haviam feito poucas pesquisas sobre os å¹´å y 埑´ŸŠ`Dm¹å myåïD †¹à®D my `¹municação agora ameaçada de cair em desuso ou no esquecimento.

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Novas pesquisas descobriram a presença de línguas assobiadas espalhadas por todas as partes do mundo. Globalmente, cerca de 70 populações se comunicam dessa maneira, um número muito maior do que os 12 grupos mais ou menos que ›DÿŸD® åŸm¹ Ÿmy´ïŸŠ`Dm¹å D´ïyàŸ¹à®y´ïyÎ

Linguistas tentaram promover o interesse nessas línguas — e escolas nas Ilhas Canárias agora ensinam sua variante local. Uma língua assobiada representa tanto uma herança cultural como uma forma de estudar como o cérebro processa informações.

A PROEZA TÉCNICA exibida por Georgia Yiannakari, de Antia, recebe a aprovação de Maria Kefala (1, em rosa), uma tradutora experiente de grego assobiado. Yiannis Tsipas (2, no meio) espera transmitir a habilidade de assobiar que aprendeu de seus pais — äøD­Tx ߞäîžxäîED¸äxø§Dl¸ÇDßDäxø‰§š¸j
1

transmitir frases completas, e de como os cérebros dos destinatários da mensagem conseguem decodificar as palavras. UM INÍCIO LENTO

Originalmente, fiquei interessado nessas línguas há quase 20 anos, depois de ler um artigo de 1957 na Scientific American sobre uma versão chamada Silbo Gomero, que ainda é falada em La Gomera, uma das Ilhas Canárias da Espanha. Decidi que queria saber mais e fiz disso o foco do meu trabalho de doutoramento a partir de 2003. Na época em que o artigo apareceu, havia muito poucos pesquisadores com qualquer interesse em estudar línguas assobiadas, embora tal forma de comunicação fosse conhecida desde tempos antigos; Heródoto mencionou trogloditas etíopes que “falavam como morcegos” em Melpômene, o quarto livro de sua obra Histórias. Em 2003, o interesse havia aumentado, mas poucos linguistas tinham feito pesquisas, e a maioria dos estudos tinha investigado apenas o Silbo Gomero. O termo “linguagem assobiada” é um tanto inapropriado. A fala assobiada, de fato, não é um idioma ou dialeto separado de uma língua nativa, mas sim uma extensão dela. Em vez de usar a voz para enunciar as palavras gregas Boró na ého omeléta? (“Posso ter ovos mexidos?”), estas mesmas palavras são articuladas como assobios. Os sons das palavras simplesmente passam por uma profunda mudança; elas não são geradas pelas vibra-

2

ções das cordas vocais, mas por um fluxo de ar comprimido da boca que flui em vórtices turbulentos à beira dos lábios. Assim como no discurso comum, a língua e a mandíbula do assobiador se movem para formar palavras diferentes, mas o alcance desses movimentos é mais limitado. Tudo o que muda é a altura do assobio; comparativamente, quando pessoas falam, o timbre (aquilo que distingue um som de outro, além da altura e do volume de cada som) também pode mudar. No fim, as palavras assobiadas no vilarejo de Antia ainda são gregas. Linguistas às vezes comparam um assobio a um sussurro, no sentido em que ambos são formas alternativas de falar a mesma língua sem usar a vibração das cordas vocais. O linguista André Classe, autor do artigo da Scientific American que me inspirou, denominou a conversa assobiada um “esqueleto informacional” natural ao descrever sua natureza elementar. Ele salientou que a inteligibilidade da linguagem assobiada nem sempre corresponde à da linguagem falada, mas se aproxima bastante. Em minhas investigações iniciais, achei documentos intrigantes de viajantes, funcionários coloniais, missionários e antropólogos descrevendo cerca de 12 línguas assobiadas. Tais pistas me fizeram suspeitar que existissem outras formas assobiadas correspondentes a línguas faladas ao redor do mundo. No início dos anos 2000, portanto, me propus a empreender 14 meses de trabalho de campo com minha colega Laure Den-

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B I OAC Ú S T I CA

A física de franzir e soprar A fala assobiada é uma forma alternativa de uma língua nativa — como o grego, o turco ou o espanhol — que transmite palavras usanl¸ ø­ ‹øĀ¸ lx Dß `¸­Çߞ­žl¸ Ôøx žßD x­ ­ž³ùä`ø§¸ä þ¹ßîž`xä K beira dos lábios. Uma linguagem assobiada não tem a tonalidade da voz. No entanto, a faixa estreita, isolada e modulada de frequências para representar vogais e consoantes em uma língua atonal, como o grego, ainda satisfaz as características essenciais de uma língua. Portanto, ela permite a exploração não tradicional das capacidades cognitivas do cérebro humano. Amplitude máxima para fala assobiada: 120 dB Amplitude máxima para fala gritada: 100 dB Amplitude (decibel, dB)

Cordas vocais cansam a entre 90 e 100 dB (amarelo)

16 15

Assobiar tem uma amplitude máxima (volume) de 120 my`ŸUzŸåj y® `¹®ÈDàDcT¹ `¹® ÀĈĈ my`ŸUzŸå ÈDàD D †D¨D ‘àŸïDmDÎ 7® ‘àŸï¹ my ÀĈĈ my`ŸUzŸå `D´åD rapidamente as cordas vocais.

14 13 12

Alcance de assobio Onda Sonora de alta frequência Obstáculo

Dispersão

Propagação

Onda Sonora de baixa frequência

10 9 8 7 6 5 4 3

Alcance da fala

2 1 0 Tempo

Cada tipo de língua assobiada, como o silbo espanhol das Ilhas Canárias, tem um sistema de pronunciar vogais e consoantes que se aproxima da versão falada ao variar a altura assobiada ¹ù Ÿ´ïyà๮Èyà ¹ Œùā¹ my DàÎ yååD †¹à®Dj D ®DŸ¹à ÈDàïy mD Ÿ´†¹à®DcT¹ `¹mŸŠ`DmD y® ÿ¹‘DŸå y `¹´å¹D´ïyå z ïàD´å®ŸïŸmD DïàDÿzå my ÿDàŸDcÇyå y® †àyÕù{´`ŸD y D®È¨ŸïùmyÎ †D¨D ´¹à®D¨ ïD®Uz® myÈy´my my Uày ÈDàD Ÿmy´ïŸŠ`Dà ÿ¹‘DŸå y `¹´å¹D´ïyåj Õùy åy y´†àDÕùy`y® ¹ù åy mŸååŸÈD® D `yàïD mŸåïF´`ŸDÎ ¹®ÈDàDïŸÿD®y´ïyj Dåå¹UŸDm¹àyå ȹmy® y´ù´`ŸDà `¨DàD®y´ïy †àDses como “Passe-me o vinho”e serem ouvidos de bem longe.

Pásame el vino

Fala gritada 500 metros

Fala assobiada 5.000 metros

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Gráfico de Amanda Montañez

FONTE: WHISTLED LANGUAGES: A WORLDWIDE INQUIRY ON HUMAN WHISTLED SPEECH, Julien Meyer. SPRINGER, 2015

Alcance de ruído de fundo natural

Vogal (azul) Consoante (branco)

å`DàD`ïyà åïŸ`DåD`úåïŸ`Då m¹ Dï¹ my assobiar permitem que o som se estenda DïzÀĈÿyĆyå®DŸå¨¹´‘y m¹ Õùy D †D¨D ‘àŸïDmD€ù®DmŸåïF´`ŸD Õùy ȹmy chegar a vários quilômetros em vales e outras áreas que transmitem bem o som.

Alcance ideal para inteligibilidade

Frequência (quilohertz, KHz)

11 Transição da fala normal para a gritada a entre 70 e 80 dB (cinza)

Quando sons se propagam em condições ideais, eles perdem aproximadamente seis my`ŸUzŸåï¹mDÿyĆÕùyD mŸåïF´`ŸD mD †¹´ïy m¹UàDÎ ¨z®mŸåå¹jù® 埴D¨ D`úåïŸ`¹ z àyŒytido por obstáculos, tais como o chão ou troncos de árvores. O discurso falado consiste em um amplo conjunto de frequências, e uma faixa em particular dentro desse intervalo se difunde de maneira diferente de outra quando entra em contato com um objeto físico. Um assobio, por outro ¨Dm¹j`¹mŸŠ`Dï¹mDDŸ´†¹à®DcT¹ ¨Ÿ´‘ù åïŸ`D`¹®ù´Ÿ`DmDy®ù®D ú´Ÿ`D †DŸāD yåïàyŸïDÎ Sons de baixa frequência resistem à dispersão por barreiras físicas, tais como vegetacÇyåmy´åDåjù®DÈà¹ÈàŸymDmy D`úåïŸ`D Õùy ¨›yåÈyடïyåyÈà¹ÈD‘Dày® ȹà mŸåïF´`ŸDå mais longas.

Intensidade/tom

Ondas sonoras geradas pelo ato de assobiar se encaixam na faixa de frequência que engenheiros e psicólogos determinaram ser a ®y¨›¹à ȹåå ÿy¨ ÈDàD åyày® `DÈïDmDå Èy¨¹ ¹ùÿŸm¹Î 7® Dåå¹UŸ¹ z ù®D †DŸāD my †àyÕù{´`ŸD ú´Ÿ`D ´yåïD EàyD my yåÈy`ï๠Õùy z ®DŸå †E`Ÿ¨ de ser detectada pelo ouvido humano do que as complexas ondas produzidas pelo discurso falado comum, que abrangem uma faixa de frequência muito mais ampla

tel, visitando lugares onde evidências indicavam que essa prática ainda ocorria. Depois, me uni a uma rede de colegas para conduzir estudos de campo ao redor do mundo. Como parte desse esforço, documentei a língua assobiada do povo indígena Waiãpi, na floresta amazônica, em colaboração com Elissandra Barros da Silva, no Brasil, e com Damien Davy, na Guiana Francesa. Com Dentel, estudei os Akha e os Hmong, no Sudeste Asiático, e com Rachid Ridouane, os berberes Tamazight, na Cordilheira Atlas do Marrocos. Em 2009, Dentel, Denny Moore e eu iniciamos uma colaboração na divisão de linguística do Museu Emílio Goeldi do Pará, em Belém. O trabalho foi registrar a língua assobiada do povo indígena Gavião, no estado de Rondônia. Nossos esforços aplicaram as mais modernas ferramentas em linguística e acústica, e utilizaram métodos de muitos campos, entre eles da fonética, psicolinguística, bioacústica e sociolinguística. Emprestamos, por exemplo, os métodos de gravação que bioacústicos usam para estudar a comunicação animal na natureza agreste porque são adequados para estudar a comunicação assobiada a grandes distâncias. Nossa pesquisa descobriu várias maneiras como pessoas comunicam palavras com assobios. O assobiador pode franzir os lábios, assobiar com o auxílio de dedos, ou soprar numa folha ou numa simples flauta de madeira. Alguns combinam técnicas diferentes, dependendo do quão longe querem enviar a mensagem. Palavras são construídas a partir desses sons, dependendo de se a linguagem falada da qual a assobiada deriva usa mudanças de tom para transmitir diferenças de significado, como ocorre no mandarim e no cantonês, ou se os tons fazem pouco mais além de permitir que o orador adicione ênfase a uma palavra, como no grego ou no espanhol. Em uma língua tonal, o tom crescente de um assobio reflete a inflexão ascendente do tom falado. Em línguas que não têm entonações distintas, no entanto, a tonalidade inalterada de um assobio representa uma vogal — um “i” pode ser comunicado com um assobio agudo, enquanto um “e” pode soar em um tom mais baixo. O assobiador forma consoantes em qualquer uma das classes de linguagem ao modular o quão brusca é a alteração de um tom para outro. FAZENDO UM CENSO

Nossa pesquisa localizou cerca de 70 populações usuárias de linguagem assobiada, a maioria em lugares montanhosos isolados ou de vegetação densa. Isso é só uma fração das sete mil línguas do mundo, mas excede de longe a contagem anterior. Em todos os lugares, línguas assobiadas são usadas principalmente, como sugerido anteriormente, para projetar mensagens além das distâncias alcançadas por gritos — mas há outras razões. Podem ajudar em rituais de namoro dentro de uma cidade. Podem ser usadas para se comunicar num local barulhento ou trocar segredos na presença de não assobiadores. (“Você tem de se esconder porque a polícia está a caminho.”) E podem ajudar caçadores a capturar/derrubar presas; na floresta amazônica, animais reconhecem a voz humana, mas não assobios. A análise acústica mostra que, em condições climáticas e topográficas favoráveis, um assobio pode percorrer vários quilômetros. A frequência abrange de 0,9 a quatro quilohertz, quase exatamente a amplitude determinada pelos engenheiros de telecomunicações como a melhor para discernir com precisão os sons componentes que formam palavras. Num experimento que realizamos num vale perto dos Alpes franceses, a língua falada chegava a 40

metros e gritos a 200 metros, enquanto um assobio ainda era inteligível a 700 metros. Embora esse não fosse um assobio recorde, a medição demonstrou a vantagem relativa de assobiar em condições médias que incluíam algum ruído de fundo e um vento leve. Para linguistas, o estudo da linguagem assobiada ajudou a demonstrar a capacidade do cérebro humano de reconhecer palavras e frases em um sinal acústico que contém menos informações do que o produzido pela voz humana. A frequência única de um assobio não tem os harmônicos da voz humana. Ainda assim, mesmo essa frequência modulada solitária ainda preenche os requisitos essenciais de uma língua de fato, real, para comunicar claramente qualquer informação. A linguagem assobiada é, portanto, um meio importante para explorar as capacidades cognitivas de nosso cérebro para se comunicar de um jeito não tradicional. Há décadas, o bioacústico René-Guy Busnel, com quem colaborei desde o doutorado, conduziu um estudo sobre a percep-

A análise acústica de assobios indica que, em condições altamente favoráveis, o som se propaga por uma distância de vários quilômetros. ção da língua assobiada entre os aldeões de Kuúköy, na Turquia. Usando a forma assobiada de turco conhecida como “a língua dos pássaros”, aldeões reconheciam palavras individuais a curtas distâncias cerca de 70% das vezes, em comparação com uma taxa de 95% para palavras faladas comuns. Eles podiam até discernir uma sentença inteira cerca de oito em cada 10 vezes nessa situação, quando as pessoas estavam longe o bastante para que não pudessem ver seus rostos de forma clara. Este estudo me inspirou outro, publicado em 2013, no qual junto com meus colegas investiguei a inteligibilidade de palavras faladas à medida que as distâncias entre orador e ouvinte aumentavam. Os resultados mostraram que a uma separação de 17 metros o reconhecimento de palavras cai para 70%. Também descobrimos que as consoantes mais bem reconhecidas (sibilantes que se assemelham a sons parecidos com assobios) ainda são discernidas a taxas acima de 90% até uma distância de 33 metros. Combinados com o trabalho de Busnel sobre a língua turca assobiada, esses resultados sugerem que a linguagem assobiada é mais eficiente do que a falada quando os interlocutores se comunicam a distâncias médias de 20 a 30 metros. Também no domínio da linguística, eu estava curioso quanto à rapidez com que uma pessoa é capaz de aprender alguns dos rudimentos da fala assobiada. Por tradição, ela é ensinada pouco depois que uma criança aprende a falar, mas nós decidimos investigar os passos iniciais do aprendizado em adultos. Pedi a

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CARTO GRAFIA

Onde o mundo conversa por assobios Nos últimos 15 anos, o número de línguas assobiadas conhecidas se xĀÇD³lžølDä`xß`Dlxl¸ąxžlx³îž‰`DlDäž³ž`žD§­x³îxÇ¸ß D³î߸ǹ§¸gos, missionários, viajantes e outros para quase 70. As que foram estulDlDä¸øßDþDlDäxäîT¸žlx³îž‰`DlD䳸­DÇDÍ­xlžlD Ôøx D Çxä-

quisa prosseguir, mais línguas assobiadas serão descobertas, desde que os modos de vida tradicionais de seus usuários não sejam ameaçados pela modernidade. Frequentemente, elas são usadas para se `¸­ø³ž`Dß Ç¸ß §¸³Dä lžäîF³`žDä x­ EßxDä ­¸³îD³š¸äDä x ‹¸ßxäîDlDäÍ

Yupik siberiano

Bearnês Espanhol Kickapoo Tepehua Mixteco

Espanhol

Espanhol Mazateco Chinanteco

Jóola Wayãpi

Pirahã Ashaninka Tupari

Turco Grego

Tamazight Mooré Lele Moba Ewe Banen

Chepang

Bench Aari

Gavião Carajá Suruí Borôro Achê

Bai Yi Hmong Chin Akha

Abau Telefol

Bumbita, $ùŠD´j =D® Abu Narak Folopa

Línguas assobiadas usadas Áreas de densa vegetação

CÉREBRO ESQUERDO E DIREITO

A neurobiologia do assobiar segue pouco explorada. Pesquisadores apenas começaram a observar o que acontece nos centros de linguagem do cérebro quando uma pessoa fala por meio de assobios. Mas houve algum avanço. Um estudo de 2005, publicado em Nature por Manuel Carreiras, então na Universidade de La Laguna, e seus colegas relatou que áreas cerebrais subjacentes à compreensão da linguagem — as regiões temporais do hemisfério esquerdo — são ativadas em assobiadores bem treinados quando eles ouvem o silbo gomero. O achado implicou que, em assobiadores experientes, essas mesmas áreas já associadas à linguagem podiam processar palavras a partir de um input auditivo simples, que consistia em mudanças de altura (como numa melodia musical) , mas não em pessoas não familiarizadas com a fala assobiada. Outro pesquisador queria saber se a concentração de atividade cerebral no hemisfério esquerdo explicava tudo. Onur Gün-

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türkün, da Universidade Ruhr de Bochum, recrutou na Alemanha falantes da língua turca assobiada para testar a noção convencional de que o hemisfério esquerdo do cérebro é onde ocorre a maior parte do processamento da linguagem. Estudos anteriores haviam mostrado que o hemisfério esquerdo é, de fato, o centro dominante de linguagem tanto para línguas tonais como atonais, assim como para as línguas clicadas e de sinal, não vocalizadas. Güntürkün estava interessado em descobrir o quanto

Estudos recentes revelam que línguas assobiadas podem expandir nossa compreensão de como o cérebro processa informações auditivas. Mapa de Mapping Specialists

FONTE: WHISTLED LANGUAGES: A WORLDWIDE INQUIRY ON HUMAN WHISTLED SPEECH, Julien Meyer. SPRINGER, 2015

40 estudantes universitários falantes de francês e espanhol que escutassem a língua silbo gomero. Descobrimos que eles distinguiam prontamente um componente óbvio de qualquer palavra espanhola assobiada — as vogais “a”, “e”, “i” ou “o” (o “u” é assobiado como “o” em silbo gomero) — e que os espanhóis eram um pouco mais precisos do que os franceses. Os dois grupos classificaram as vogais corretamente a uma taxa muito acima do acaso, embora não tão bem quanto um falante treinado de silbo.

ENROLAR a parte traseira da língua permite que Kiriakoula Yiannakari, de Antia, fale com outros aldeões em grego assobiado.

o hemisfério direito — associado ao processamento de melodia e tonalidade/intensidade — também seria recrutado, ou ativado para processar uma linguagem assobiada. Ele e seus colegas relataram em 2015 no periódico Current Biology que as pessoas da cidadezinha de Kuúköy, que foram submetidas a simples testes de audição, usaram os dois hemisférios cerebrais quase igualmente quando escutavam sílabas assobiadas, mas principalmente o esquerdo quando ouviam sílabas faladas. Este resultado precisa de confirmação adicional em outras línguas assobiadas, mas constitui um desafio à ideia predominante de que o hemisfério esquerdo é dominante na compreensão da linguagem. Esses estudos demonstram que línguas assobiadas podem ajudar a expandir o conhecimento de como o cérebro processa informações. Hoje, promovo esses esforços de pesquisa como membro de duas organizações. A Associação de Pesquisa Assobios do Mundo existe desde 2002, e um novo empreendimento que envolve a fala assobiada foi lançado em 2015 por meu laboratório (GIPSA-lab) no Centro Nacional Francês para Pesquisa Científica. Cientistas também podem se beneficiar das nascentes iniciativas para preservar esses modos especiais de comunicação como parte da herança cultural de vários povos. Nesse aspecto, as Ilhas Canárias estavam na vanguarda. Em 1999, essa região autônoma da Espanha tornou o ensino do silbo gomero obrigatório em escolas primárias na ilha de La Gomera. E também criou um programa governamental para formar professores de assobios. O desejo de

revitalizar o silbo inspirou vários esforços desde então — a Associação Cultural e de Pesquisa do Silbo Canario Hautacuperche, por exemplo, uma organização que oferece cursos de fala assobiada, contribuiu até com um aplicativo chamado Yo Silbo, que oferece treinamento ao reproduzir frases assobiadas. Se ações similares prosperarem, a frase “assobiar pelo jantar” poderia tornar-se mais que um ditado. Isso preservaria uma forma de expressão que está trazendo novos insights sobre como simples sons agudos podem ser moldados para comunicar pensamentos complexos.

PA R A C O N H E C E R M A I S

Whistled turkish alters language asymmetries. Onur Güntürkün et al. em Current Biology, vol. 25, nº 16, págs. R706–R708; 17 de agosto de 2015. Whistled languages: a worldwide inquiry on human whistled speech. Julien Meyer. Springer, 2015. 5›y åïùmĂ ¹† ï¹´y D´m ày¨Dïym țy´¹®y´D Ÿ´ D´ ®DĆ¹´ŸD´ ï¹´y ¨D´‘ùD‘yi Gavião of Rondônia. Denny Moore e Julien Meyer em Language Documentation & Conservation, vol. 8, págs. 613–636; 2014. Typology and acoustic strategies of whistled languages: phonetic comparison and perceptual cues of whistled vowels. Julien Meyer em Journal of the International Phonetic Association, vol. 38, nº 1, págs. 69–94; abril de 2008. Associação de Pesquisa Assobios do Mundo: www.theworldwhistles.org D E N OSSOS A RQU I VOS

Salve as línguas que estão morrendo. W. Wayt Gibbs; edição nº 3, agosto de 2002.

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HISTERIA EM MASSA

ME TROLOGIA

O LONGO ESFORÇO PARA ABANDONAR O OBJETO DECADENTE DO SÉCULO 19 QUE DEFINE O QUILOGRAMA ESTÁ PERTO DO FIM

Tim Folger

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Fotografias de Richard Barnes

BALANÇAS DE KIBBLE, tais como as do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA, NIST-4, comparam potência elétrica e mecânica. Elas são minuciosas e fundamentais para o Ç߸`xää¸lxßxlx‰³žcT¸l¸Ôøž§¸ßD­DÍ

Tim Folger escreve para a DWj_edWb=[e]hWf^_Y":_iYel[h e outras publicações nacionais. Ele também é editor de séries de J^[8[ij7c[h_YWdIY_[dY[ e DWjkh[Mh_j_d], uma D§Ü«›«†”DD§æD›µæO›”ZDfDµr›D«æ†Ü«§$”~”§DÍZ«æÍÜ»

QUANDO SE APROXIMAVA DO POSTO DE CONTROLE DE segurança do Aeroporto Internacional Dulles de Washington, numa tarde de abril passado, Jon Pratt ficou apreensivo. Na sacola de sua câmera havia quatro cilindros de metal sólido, o tipo de objeto que tende a atrair o escrutínio da equipe da Agência de Segurança dos Transportes dos Estados Unidos (TSA). Cada um pesava exatamente um quilograma. Um deles, uma brilhante liga de platina-irídio, com cerca de metade do tamanho de uma lata de atum, vale pelo menos US$ 40.000. (O preço da platina atualmente gira em torno de US$ 1.000 por onça troy, uma unidade comum para metais preciosos.) Os outros eram de aço inoxidável finamente usinado.

por um breve período, e alguém pode ter vindo e esfregado as mãos em todos os quilogramas.” Tal manuseio teria estragado muitos meses de trabalho cuidadoso, dedicado a medir os quilogramas para que tenham precisão de algumas partes por bilhão. Pratt levava os cilindros para o Escritório Internacional de Pesos e Medidas (BIPM) em Sèvres, uma cidade do outro lado do Sena. Poucos meses depois, os metrologistas dali os comparariam com cilindros metálicos idênticos de outros três países, junto com uma esfera de um quilograma de silício altamente purificado, fabricado no laboratório nacional de metrologia da Alemanha. Foi o último passo de uma mudança histórica na maneira como o mundo mede a massa. Desde 1889, no mesmo ano em que a Torre Eiffel foi inaugurada, o quilograma foi definido como a massa de um cilindro de platina-irídio que é mantido debaixo de três frascos de vidro aninhados em uma caixa-forte na sede do BIPM. O Protótipo Internacional do Quilograma, também conhecido como IPK ou Le Grand K, é o ur-quilograma de que todos os outros padrões nacionais de massa são derivados. O quilograma é uma anomalia: é a última unidade de medida ainda ligada a um objeto físico — mas não por muito mais tempo. Até o final de 2018, Le Grand K será deposto e o quilograma terá uma nova definição baseada na constante de Planck, uma quantidade fixa da teoria quântica relacionada à quantidade de energia transportada por uma única partícula de luz, ou fóton. Por que forçar Le Grand K a se aposentar? Há anos, os metrologistas vêm querendo a exatidão e a confiabilidade de um padrão de massa internacional ligado a uma constante funda-

A MISSÃO DE PRATT: Entregá-los com segurança – e sem que sejam tocados – a um colega em um subúrbio de Paris. Pratt trazia documentos do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST) para facilitar seu caminho pelos meandros da segurança. A documentação explicava que ele carregava quatro quilogramas oficiais — as massas de referência que servem de base para todas as medições de peso no país — e especificava que os quilogramas não deveriam ser tocados ou removidos dos recipientes de proteção. Pratt dirige a divisão de medição quântica do NIST em Gaithersburg, Maryland. “O cara do TSA estava me dando um pouco de trabalho”, diz ele. “Mas então ele leu a documentação, e então a história tornou-se essa coisa legal que fez valer seu dia.” Depois de alguns minutos, Pratt recebeu licença para seguir adiante e embarcou no voo para a viagem de sete horas a Paris, que lhe trouxe outro dilema: o que fazer com sua mala de mão caso tivesse de se levantar do assento? Deveria mantê-la consigo o tempo todo, como alguns colegas aconselharam? “Confesso que a deixei debaixo do assento à minha frente enquanto fui ao banheiro”, diz Pratt. “Portanto, ficou fora de meu campo de visão

EM SÍNTESE

Desde 1889, ¹ ÕùŸ¨¹‘àD®D z myŠ´Ÿm¹ `¹® ày†yà{´`ŸD D um único cilindro de platina-irídio, mantido em uma caixa-forte secreta em Paris. Trata-se da última unidade de medida ainda relacionada a um artefato físico.

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Mas o ur-quilograma está perdendo massa. Isso, em ÈDàïyj z ¹ ®¹ïŸÿ¹ Èy¨¹ ÕùD¨ D ¹´†yà{´`ŸD yàD¨ å¹Uày 0yå¹å y $ymŸmDå my`ŸmŸùj y® ÷ĈÀÀj àymyŠ´Ÿà ¹ ÕùŸ¨¹‘àD®Dj D¹ ŠāEž¨¹ D ù®D `¹´åïD´ïy ÕùF´ï¹®y`F´Ÿ`DÎ

Este ano, ¹ Èà¹`yåå¹ my àymyŠ´ŸcT¹j Õùy y´ÿ¹¨ÿy ¹å ¨DU¹àDïºàŸ¹å ¹Š`ŸDŸå my ®yï๨¹‘ŸD my `Ÿ´`¹ ´DcÇyå y algumas das medições mais difíceis de serem feitas y® ï¹mD D `Ÿ{´`ŸDj y´ïàD y® åùD †Dåy Š´D¨Î

K20, o quilo nacional dos EUA, é agora calibrado pelo Protótipo Internacional do Quilograma. Após a ßxlx‰³žcT¸j metrologistas usarão o NIST-4.

mental do Universo, ao invés de um pedaço de metal mimado da era vitoriana. Mas há uma razão mais premente: Le Grand K parece estar perdendo massa. Uma vez a cada 30 anos, Le Grand K é removido de sua caixa-forte para limpeza e comparação com seis cópias oficiais, ou témoins (“testemunhas”), que são mantidas no mesmo cofre. Quando os dois primeiros témoins foram comparados a Le Grand K, em 1889, ambos combinavam com o original. Mas as medições feitas pouco depois da Segunda Guerra Mundial e novamente em 1992 detectaram que as cópias superavam ligeiramente Le Grand K. Parece improvável que as cópias de alguma forma tenham ganhado massa, enquanto Le Grand K ficou inalterado. Há, é claro, uma explicação mais provável. “Poderíamos supor”, diz o diretor do BIPM Michael Stock, “que o Protótipo Internacional do Quilograma está perdendo alguma massa.” Essa incerteza é uma das razões pelas quais a Conferência Geral de Pesos e Medidas — o órgão diretor do escritório — decidiu estabelecer, em 2011 , um novo padrão de massa. Ninguém sabe por que Le Grand K poderia estar perdendo peso. Ele é muito valioso para ser submetido a testes que poderiam fornecer respostas. O mistério representa problemas reais. À medida que a tecnologia avançar nas próximas décadas, as medições de precisão de massa na escala molecular e abaixo dela se tornarão rotineiras em uma ampla gama de indústrias. “Queremos ter maneiras de medir massas de microgramas com pelo menos três dígitos de resolução”, diz Pratt. “E, com um quilograma feito de objeto, as coisas ficam muito incertas em pequena escala.”

As deficiências de Le Grand K não se limitam a medições de massa. Unidades de força e energia também derivam dele. “Veríamos valores de constantes fundamentais mudarem porque o IPK muda”, diz Stock. “E isso não faz o menor sentido.” O NOVO PADRÃO

O quilograma é a mais recente das sete unidades básicas do sistema métrico a ser renovada, mas não será a última. Além do quilograma, o Sistema Internacional de Unidades, ou SI, é constituído pelo metro, pelo ampère (da corrente elétrica), pelo segundo, pela candela (medida do brilho intrínseco de uma fonte de luz), pelo mol (que relaciona o peso de uma substância ao número de átomos que contém), e o kelvin (da temperatura). Duas das unidades do SI foram redefinidas há décadas. Em 1983, o metro, antes calibrado pela distância entre duas linhas gravadas em uma sólida barra de platina-irídio armazenada na mesma caixa-forte do Le Grand K, tornou-se, em vez disso, a distância percorrida pela luz em 1/299.792.458 de segundo. E, com o advento dos relógios atômicos aperfeiçoados na década de 1960, o segundo, que tinha sido definido como uma fração de um dia, foi redefinido em termos de uma freqüência específica de radiação de micro-ondas emitida a partir de um átomo de césio. O mol, o kelvin e o ampère estão todos programados para passar por uma reformulação em 2018 também. O estado atual (por assim dizer) do ampère é especialmente estranho. Sua definição oficial, parte da qual envolve dois fios infinitamente longos, unidimensionais e sem massa, é tão abstrata que não pode ser replicada em laboratório. Isso mudará

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F U N DA M E N T O S

Mudanças nas Medições O Sistema Internacional de Unidades (SI), também conhecido como sistema métrico, repousa sobre uma fundação de sete unidades de base. (Outras 22 unidades foram construídas a partir dessas sete.) Em 2018, o Comitê Internacional de Pesos e $xlžlDälxþxßxlx‰³žßD­Dž¸ßžD das unidades de base, na maior revisão relativa ao sistema métrico desde 1960. O movimento irá relacionar as sete unidades-base a constantes naturais invariáveis. O metro, o segundo e a candela permanecerão essencialmente os mesmos, mas as outras quatro serão remodeladas de maneira fundamental.

Definidos atualmente em termos de constantes físicas Unidade: Metro Abreviatura: m Medida: Comprimento

Unidade: Segundo Abreviatura: s Medida: Tempo

yŠ´ŸcT¹ DïùD¨ ÊåïDUy¨y`ŸmD y® Àµ~ñËi

yŠ´ŸcT¹ atual (Estabelecida em 1967):

A distância que a luz percorre no vácuo em 1/299.792.458 de segundo.

%¹ïD ›ŸåïºàŸ`Di Quando a Academia Francesa de Ciências propôs o sistema ®zïàŸ`¹ y® ÀéµÀj myŠ´Ÿù ¹ ®yï๠como um décimo milionésimo de um quarto da circunferência da Terra, que por sua vez foi myŠ´ŸmD `¹®¹ ù® ®yàŸmŸD´¹ que vai do polo norte para o equador através de — onde mais? — Paris.

em 2018, quando o ampère será redefinido em termos da carga de um elétron, um avanço possibilitado pelo desenvolvimento de dispositivos de nanotecnologia capazes de contar partículas individuais carregadas movendo-se por um circuito. “Se olharmos para as próximas redefinições, elas podem incluir uma candela baseada na mecânica quântica para a luz e talvez uma definição óptica do segundo, em vez de uma definição de micro-ondas”, diz Alan Steele, principal metrologista do Canadá. “Mas isso está a pelo menos 15 anos de distância. Talvez mais.” A redefinição do quilograma é a peça central de um esforço para criar um sistema verdadeiramente universal de medição que não esteja ligado a convenções paroquiais. Em princípio, as novas unidades fariam sentido para seres inteligentes em qualquer lugar, daqui até Andrômeda. Para os metrologistas, são tempos inebriantes. “Isso é algo único na vida”, diz Steele. “A última vez que tentamos algo tão fundamental foi quando o metro foi redefinido. Este é o melhor momento para ser um metrologista chefe. Não é como a paz mundial, mas é muito legal.” O COFRE

Le Grand K não foi o primeiro quilo oficial. Existe um predecessor, feito durante a Revolução Francesa, quando todo o sistema métrico nasceu. Antes da revolução, quase todos os pesos e comprimentos da França eram definidos pelo costume local. Os padrões variavam de uma cidade para outra, sobrecarregando o país com mais de 700 unidades de medida diferentes. Um

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O segundo é “a duração de 9.192.631.770 períodos de radiação, correspondendo à transição y´ïày ¹å m¹Ÿå ´ ÿyŸå ›ŸÈyàŠ´¹å do estado fundamental do átomo de césio 133”.

Unidade: Candela Abreviatura: cd Medida: Luminosidade yŠ´ŸcT¹ DïùD¨ ÊåïDUy¨y`ŸmD y® ÀµéµËi Uma candela é a “intensidade luminosa, em uma dada direção, de uma fonte que emite radiação monocromática com freqüência de 540 × 1012 hertz e que tem uma intensidade radiante nessa direção de 1/683 watt por esterradiano “, que é a unidade SI de um ângulo sólido.

Nota histórica: Nota histórica: myŠ´ŸcT¹ ¹àŸ‘Ÿ´D¨ z D `¹®ù®i um segundo era 1/86.400 do “dia solar médio”, ou o tempo que a Terra leva para girar em relação ao Sol. O comitê deu ao segundo åùD myŠ´ŸcT¹ ÕùF´ï¹®y`F´Ÿ`D atual em 1967.

No início do século 20, os EUA, a àD´cD y ¹ 2yŸ´¹ 7´Ÿm¹ myŠ´ŸàD® D candela ao se referir à luminosimDmy my ù®D ¨F®ÈDmD `¹® Š¨Dmento de carbono. Em 1933, os ®yï๨¹‘ŸåïDå ï¹à´DàD® D myŠ´ŸcT¹ mais precisa, baseando-a na radiação de corpo negro. Tal myŠ´ŸcT¹ †¹Ÿ Dm¹tada em 1948 e posteriormente substituída pela atual.

toise, por exemplo, equivalia a uma fathom inglesa: a distância entre os braços estendidos de um homem. Mas é capaz que um toise parisiense (que equivalia a 72 pouces) não se igualasse a um usado em Marselha. Savants, como os franceses então chamavam seus cientistas, procuraram acabar com o caos, criando um novo sistema “para todas as pessoas, para sempre”, um lema homenageado em uma placa contemporânea. “A ideia deles, em 1791, era que os padrões deveriam ser baseados em fenômenos naturais e invariáveis “, diz Richard Davis, diretor aposentado da divisão de massa do BIPM, responsável pela manutenção de Le Grand K. “Ainda estamos fazendo isso”, diz. A diferença é que agora os metrologistas estão se voltando para constantes naturais que realmente são invariáveis. Estamos sentados no escritório de Stock no Pavillon de Breteuil, um elegante edifício do século 18 em uma colina verdejante no Parque de Saint-Cloud, que já foi uma reserva de caça real. O jardim de rosas de Marie Antoinette ainda é cuidadosamente tratado. Foi a sede da organização internacional desde a Convenção do Metro de 1875, um tratado assinado por 17 nações. “Enquanto caminhava pela ponte para Sèvres nesta manhã você notou a ilha à esquerda?” pergunta Davis. A ilha, diz, já abrigou uma fábrica da Renault que construía tanques para o exército alemão na Segunda Guerra Mundial. Bombardeiros americanos repetidamente a tinham como alvo. Depois que uma bomba abalou o Pavillon de Breteuil, Le Grand K foi colocado num recipiente especial à prova de choque. Embora os témoins tenham sido re-

Ilustração de Nigel Holmes

Ainda a serem redefinidos Unidade: Quilograma Abreviatura: kg Medidas: Massa

Unidade: Ampère Abreviatura: A Medida: Corrente elétrica

yŠ´ŸcT¹ DïùD¨ ÊåïDUy¨y`ŸmD y® À~~µËi

yŠ´ŸcT¹ DïùD¨ (Estabelecida em 1946):

Por enquanto, o quilograma ainda z myŠ´Ÿm¹ y® ày†yà{´`ŸD D Le Grand KKj ¹ `Ÿ¨Ÿ´m๠my ȨDDžŸà mŸ¹ ‘ùDàmDm¹y®ù® `¹†àyy®0DàŸåÎ

myŠ´ŸcT¹ DïùD¨ m¹ D®È}àyj Õùy y´ÿ¹¨ÿyj y´ïày ¹ùïàDå `¹ŸåDåjÚm¹Ÿå `¹´mùï¹àyå ÈDàD¨y¨¹å àyï¹å my `¹®ÈàŸ®y´ï¹ Ÿ´Š´Ÿï¹j my åycT¹ ïàD´åÿyàåD¨ `Ÿà`ù¨Dà myåÈàyĆ ÿy¨ÎÎÎ `¹¨¹`Dm¹å D À ®yï๠my mŸåïF´`ŸD ´¹ ÿE`ù¹Ûj z Ÿ®È¹åå ÿy¨ my åyà àyȨŸ`DmD yāDïD®y´ïy y® ¨DU¹àDïºàŸ¹Î

2ymyŠ´ŸcT¹ Èà¹È¹åïDi

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' D®È}ày åyàŸD 埮ȨŸŠ`Dm¹ D¹ åy ŠāDà åyù ÿD¨¹à ´ù®zàŸ`¹ Èy¨D `Dà‘D ïàD´åȹàïDmD ȹà ù® Èàºï¹´ ÊD `¹´åïD´ïy †ù´mD®y´ïD¨ `¹´›y`ŸmD `¹®¹D`Dà‘Dy¨y®y´ïDàËÎ

3y ¹å y冹àc¹å `¹´ïŸ´ùDày® my´ï๠m¹ `๴¹‘àD®Dj y® ÷ĈÀ~ ¹ ÕùŸ¨¹‘àD®D åyàE ày¨D`Ÿ¹´Dm¹ K `¹´åïD´ïy my 0¨D´`§j ù®D ÕùD´ïŸmDmy ŠāD mD ïy¹àŸD ÕùF´ïŸ`D Õùy yåÈy`ŸŠ`D ¹ montante de energia ïàD´åȹàïDm¹ ȹà ù®D ú´Ÿ`D ÈDàï `ù¨Dmy¨ùĆj¹ù†ºï¹´Î

movidos e mantidos em um cofre subterrâneo no Banco da França durante a maior parte da guerra, a Convenção do Metro especificou que o Le Grand K deveria permanecer sempre no escritório. Quando Le Grand K foi removido de sua caixa-forte após a guerra, em 1946, para ser limpo e comparado às seis cópias, descobriu-se que estava 30 microgramas mais leve do que os témoins. Na época da limpeza seguinte, 45 anos depois, a diferença aumentou para 50 microgramas — o peso da asa de uma mosca. “Cinquenta microgramas em um século”, diz Stock, quando observamos um gráfico com as mudanças em seu computador no escritório. “Pode-se ver que é muito pequena.” Por enquanto, a discrepância não representa dificuldades práticas. “Mas, se continuarmos dessa forma, um dia isso pode acarretar problemas.” No campo da nanotecnologia, 50 microgramas é um número enorme. Além disso, a incerteza relativa à massa do quilograma oscilaria através de uma longa cadeia de unidades fundamentais: a unidade métrica de força — o newton — é definida em termos do quilograma, e o newton, por sua vez, define o joule — uma unidade de energia — e o joule define o watt, e assim por diante. No final, um pequeno ponto de interrogação mancharia quase todas as medições do mundo físico. Limpar e comparar Le Grand K com as massas de teste não é algo rotineiro, em especial porque isso foi feito apenas quatro vezes desde 1889. Primeiro, Le Grand K precisa ser removido de sua caixa-forte, o que requer a presença de três pessoas para abrir três fechaduras dispostas verticalmente. Dentro da caixa-forte há um

Unidade: Mol Abreviatura: mol Medida: Quantidade de substância Unidade: Kelvin Abreviatura: K Medida: Temperatura yŠ´ŸcT¹ DïùD¨ ÊåïDUy¨y`ŸmD y® ÀµêéËi Hoje um kelvin é equivalente a “1/273,16 da temperatura termodinâmica do ponto triplo da água”— a combinação entre temperatura e pressão na qual o gelo, o vapor de água e a água líquida podem coexistir.

2ymyŠ´ŸcT¹ Èà¹È¹åïDi

DåyDà ¹ §y¨ÿŸ´ y® ù® ÿD¨¹à Šā¹ da constante de Boltzmann, que relaciona a energia média cinética das moléculas de um gás com sua temperatura absoluta, melhoraria a precisão de medições de temperaturas extremamente baixas e extremamente altas.

yŠ´ŸcT¹ DïùD¨ (Estabelecida em 1971): “O mol é a quantidade de substância de um sistema que contém tantas entidades elementares quanto a quantidade de átomos em 0,012 quilograma de carbono 12.”

2ymyŠ´ŸcT¹ Èà¹È¹åïDi A ligação do mol com o quilo seria exterminada, e a unidade åyàŸD myŠ´ŸmD D¹ åy ŠāDà ¹ ÿD¨¹à numérico pela constante de ÿ¹‘Dmà¹j Õùy åy ày†yày D¹ número de moléculas, átomos ou quaisquer outras quantidades pequenas e discretas de matéria em um mol de substância.

grande cofre com uma fechadura de combinação que guarda Le Grand K, que repousa sob as três jarras aninhadas. O cofre também abriga as seis cópias. Só três pessoas têm as chaves: o diretor do BIPM, o diretor dos Arquivos Nacionais em Paris e o presidente do Comitê Internacional de Pesos e Medidas (CIPM), que supervisiona o trabalho da agência. Como cada chave é diferente, todos os três funcionários precisam estar presentes. “Eu sou apenas a segunda pessoa fora da Europa, em toda a história da Convenção do Metro de 1875, que foi eleita presidente do CIPM “, diz Barry Inglis, engenheiro elétrico australiano. “Perguntei-lhes o que aconteceria se estivesse viajando de volta para casa, sobrevoando o Oceano Índico, e o avião caísse: ‘O que vocês fariam para lidar com isso?’ Mas tenho certeza de que existe um chaveiro que poderia abrir a velha fechadura sem grandes problemas.” Poucos funcionários da agência já viram Le Grand K, e há rumores de que as fotografias oficiais retratam apenas um dublê de um dublê. “Eu o vi uma vez”, diz Susanne Picard, que trabalha no BIPM desde 1987. Os três detentores de chaves abrem a caixa-forte uma vez por ano para ver — mas não tocar — Le Grand K, a fim de se certificar que ele, bem, ainda está lá. Depois de entrar no santuário de Le Grand K, um técnico pega o cilindro brilhante com pinças acolchoadas com camurça e o carrega para uma estação de limpeza, onde é esfregado com um pano de camurça embebido em álcool e éter, e em seguida é enxaguado com um jato de água duplamente destila-

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da. Um sopro final de gás nitrogênio remove quaisquer gotas de água remanescentes. Todo o processo leva cerca de uma hora. A agência tem feito experiências com diferentes técnicas de limpeza em objetos de teste — usando radiação ultravioleta, por exemplo — mas esses métodos na verdade tornam a liga limpa em demasia. “Essas técnicas parecem remover mais sujeira do que a nossa”, diz Stock. “Mas depois a massa fica instável porque está tão limpa que a superfície se torna altamente reativa.” E isso tornaria Le Grand K ainda menos confiável como padrão, e portanto a agência continua comprometida com seu método de esfregar-com-camurça-e-enxaguar. Depois de seus banhos, Le Grand K e os témoins são levados para uma sala limpa e colocados em um dispositivo chamado comparador de massa, um instrumento de US$ 500 mil capaz de medir diferenças em massas tão pequenas quanto um micrograma. O comparador de massa e dez dos assim chamados quilogramas padrão de trabalho são os burros de carga da divisão de massa do BIPM. Eles são usados na maioria das calibrações do dia a dia, sendo que Le Grand K e os témoins são usados apenas uma vez a cada poucas décadas, para verificar quilogramas protótipos nacionais de diferentes países. À medida que a conversa com Davis e Stock chega ao fim, pergunto se posso ver o exterior do cofre onde está Le Grand K. Sei que não há chance de ver o cilindro régio em questão. Eles começaram a rir, sacudindo a cabeça: “Não, não, não, não!”. “Não é a primeira vez que nos pedem isso”, diz Davis. “Fica aqui neste local, certo?” pergunto. “Sim”, diz Davis. “Pelo menos isso é de conhecimento público.” UMA MEDIÇÃO COMPLICADA

Logo Le Grand K será uma curiosidade histórica, e a nova definição internacional de massa se baseará na constante de Planck. Essa constante inclui unidades tanto de energia quanto de tempo e pode ser expressa em termos de massa ao se manipular a equação E = mc2. Como G, a constante gravitacional, a constante de Planck surge da teoria, mas seu valor numérico só pode ser determinado experimentalmente. E, com melhores instrumentos, as medições estão melhorando sempre. Para fazer a transição para o novo padrão quântico, o BIPM concebeu uma estratégia em duas partes. Primeiro, laboratórios nacionais de metrologia de cinco países fixarão um valor numérico para a constante de Planck, pesarão seus quilogramas nacionais em termos desse valor e então verão quão bem suas medidas combinam. Este é o teste que o escritório realizou no verão passado. Assumindo que os resultados, esperados no início deste ano, serão satisfatórios, os participantes reverterão o processo e usarão seus quilogramas nacionais em suas instalações do-

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OS METROLOGISTAS Stephan Schlamminger e Jon Pratt posam com a balança de Kibble NIST-4, vista aqui com seu domo de vácuo de 450 quilogramas.

mésticas a fim de ajustar suas medições da constante de Planck. O novo valor rigoroso da constante de Planck será então usado para redefinir de forma permanente o quilograma. A maior parte deste trabalho envolverá o uso de um dispositivo complexo chamado balança de Kibble. Até o ano passado, as balanças de Kibble eram conhecidas como balanças de watt. Os metrologistas decidiram renomeá-las após a morte de seu inventor, o físico britânico Bryan Kibble, em 2016. As experiências com a balança de Kibble são tão difíceis que em 2012 a revista Nature as listou entre os cinco empreendimentos em física mais difíceis de serem realizados, ao lado da detecção do bóson de Higgs ou das ondas gravitacionais. Um dia, em maio passado, Stephan Schlamminger, da NIST, me levou ao prédio branco de dois andares no campus de 235 hectares do instituto, que abriga a mais antiga de suas duas balanças de Kibble, agora essencialmente não utilizadas desde a conclusão de um modelo mais novo em 2014. “É como [a série de TV] Os pioneiros”, brinca Schlamminger, quando paramos na frente da estrutura isolada. É aqui que a maioria das medições do NIST relativas à constante de Planck foram feitas, e o

novo modelo trabalhará muito da mesma maneira. Qualquer semelhança com uma casa de fazenda desaparece quando entramos. O interior parece um cenário para um romance steampunk, com paredes revestidas em cobre até o teto do segundo andar. “Percebe todo o hardware de latão?” diz Schlamminger. “Sem ferro.” O cobre e o latão protegem o instrumento de campos magnéticos externos. Mas os campos magnéticos gerados no interior do edifício são fortes o suficiente para apagar cartões de crédito. Numa sala no primeiro andar há uma coluna de suporte alta, que tem um ímã supercondutor em sua base. Ao operar, o ímã é resfriado com hélio líquido. O mecanismo da balança de verdade está no segundo andar. Consiste em uma roda de alumínio de meio metro de largura montada verticalmente, com bandejas de balança suspensas por fios em ambos os lados. Durante as medições, uma bandeja mantém uma massa com um quilograma; uma bobina de

Experiências com a balança de Kibble são tão difíceis que a revista Nature as relacionou entre as cinco empreitadas mais difíceis da física, ao lado da detecção do bóson de Higgs ou das ondas gravitacionais. arame fica suspensa diretamente abaixo dessa mesma bandeja por três hastes de 4 m comprimento. A bandeja no outro lado da balança mantém um contrapeso e um motor elétrico. São necessários dois modos distintos de funcionamento da balança, a fim de que sejam adquiridos todos os valores utilizados nas equações que ligam a massa à constante de Planck. No “modo de pesagem”, a força gravitacional descendente sobre a massa de teste é compensada de modo exato por um campo magnético gerado ao se passar uma corrente através da bobina suspensa abaixo da bandeja. No “modo de velocidade”, a massa de teste é removida da bandeja, e a bobina é levantada pelo motor na bandeja oposta a uma velocidade constante, por um campo magnético criado pelos ímãs supercondutores da balança, o que induz tensão na bobina móvel. A corrente medida no modo de pesagem e a tensão induzida a partir do modo de velocidade são então inseridas em equações da teoria quântica que relacionam corrente, tensão e resistência elétrica à constante de Planck. Em suma, começando com uma massa conhecida de um quilograma, a balança de Kibble pode determinar a constante de Planck. Então, com um valor preciso para a constante de Planck em mãos, a balança pode ser usada para medir massa sem a necessidade de qualquer tipo de artefato físico. A fim de obter resultados precisos, Schlamminger e seus colegas precisam considerar as flutuações locais na pressão do ar e na gravidade. A precessão do eixo da Terra também deve ser incluída, juntamente com as marés. “Se não fizermos ajustes

relativos às marés, há um erro de 100 partes por bilhão”, diz Schlamminger. Apesar de sua complexidade, ele observa, o dispositivo o faz lembrar de algo de outra época. Quando sua equipe estava medindo a constante de Planck, as válvulas tinham de ser abertas e fechadas em uma ordem rigorosa; a pressão dentro dos tanques cheios de hélio líquido tinha de ser verificada constantemente. “Sentíamos como se estivéssemos dirigindo uma máquina a vapor”, acrescenta Schlamminger. “No entanto, estávamos fazendo experimentos medindo quantidades em nível quantomecânico!” AU REVOIR, LE GRAND K

O que acontecerá depois depende dos resultados dos testes feitos em 2016. As medidas do quilograma realizadas por três dos cinco laboratórios nacionais de metrologia participantes devem se corresponder, com variação máxima de 50 microgramas — a atual incerteza na massa de Le Grand K. Depois que os resultados do estudo piloto forem publicados, o trabalho sobre a redefinição começará com seriedade. Se tudo correr bem, o quilograma será então definido em termos da constante de Planck. O BIPM estabeleceu padrões rígidos para a redefinição: não só todas as medições da constante de Planck devem se assimilar dentro de 50 partes por bilhão, mas pelo menos uma deve ter incerteza menor que 20 partes por bilhão — um nível que os canadenses já superaram. Para que a redefinição entre em vigor em 2018, todas as novas medições da constante de Planck devem ser aceitas para publicação até 1º de julho de 2017. E o que dizer de Le Grand K? Permanecerá em seu cofre. Dada a complexidade das balanças de Kibble, provavelmente não deixaremos de ver objetos de quilograma. Em vez de fazer regularmente medições difíceis com balanças de Kibble, os laboratórios de metrologia do mundo irão usar, nas próximas décadas, uma nova geração de protótipos para o trabalho cotidiano. Os novos protótipos já estão tomando forma na agência. Mas eles serão calibrados por balanças de Kibble, não pelo Le Grand K. Então, a história acaba aqui? Temos agora um quilograma para todo o mundo, para todos os tempos? Stock ainda está cauteloso em relação ao julgamento. “Um dos meus antecessores, um Prêmio Nobel chamado Charles Edouard Guillaume, acreditava que o quilograma atual funcionaria por 10 mil anos”, diz ele. “Isso foi obviamente muito otimismo. Não tenho certeza de que esta será a última redefinição, mas deve ser boa por algum tempo. Mas talvez não pelos próximos 10 mil anos.”

PA R A C O N H E C E R M A I S

How to build your NIST D.I.Y. Watt balance. Vídeo. National Institute of Standards and Technology, 26 de agosto de 2015. www.youtube.com/watch?v=oST_krdqLPQ Web Page da Atlas Obscura sobre o último metro original em Paris: www.atlasobscura.com/places/the-last-original-standard-metre Frontier experiments: tough science. Nicola Jones em Nature, Vol. 481, págs. 14–17; 5 de janeiro de 2012. www.nature.com/news/frontier-experimentstough-science-1.9723 The measure of all things: the seven-year odyssey and hidden error that transformed the world. Ken Alder. Free Press, 2002.

www.sciam.com.br 49

Felicidade Acima da média Abaixo da média

CIÊNCIA EM GRÁFICO

Matemática dos romances

Arco: Da miséria à riqu Conto de Inverno

A grande literatura é surpreendentemente aritmética

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Fim

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A leitura de um bom livro evoca uma série de emoções. Acontece, no entanto, que quase todos os romances e peças oferecem uma entre apenas seis “experiências emocionais” do começo ao fim — a exuberante trajetória da miséria à riqueza, por exemplo, ou a ascensão e queda da esperança (à esq.). Pesquisadores da Universidade de Vermont colocaram em gráficos essas histórias de alegrias e tristezas contadas nas páginas de mais de 1.300 obras de ficção para revelar os arcos emocionais e descobriram relativamente poucas variações. Outro estudo coordenado pelo Instituto de Física Nuclear da Polônia constatou que o comprimento das sentenças nos livros frequentemente forma um padrão fractal — objetos que se repetem em escalas pequenas e grandes, como folhinhas triangulares que formam folhas triangulares maiores, que formam a folhagem triangular de uma palmeira (abaixo). Por que analisar a matemática da literatura? Andrew J. Reagan, especialista em matemática aplicada de Vermont, afirma que “toneladas de dados” do projeto genoma humano “nos ensinaram muito mais sobre genes do que sabíamos antes. Talvez os dados possam nos ensinar muito mais sobre as histórias também”. —Mark Fischetti

Arcos emocionais

Arco: Tragédia (descendente) Romeu e Julieta

yà`Dmy~‹ÍmyÀÎñ÷雟åïºàŸDåmyŠ`cT¹´D`¹¨ycT¹mŸ‘ŸïD¨ŸĆDmD Projeto Gutenberg seguem um dos seis arcos emocionais – um ÈDmàT¹myD¨ï¹åyUDŸā¹åy´ïày¹`¹®yc¹y¹Š®Êcurvas escuras). 'åDà`¹ååT¹myŠ´Ÿm¹åÈy¨DD¨y‘àŸD¹ùïàŸåïyĆDmDåÈD¨DÿàDå´¹ ïyāï¹Êlinhas dentadas). Todos os livros eram em inglês e com ®y´¹åmyÀĈĈ®Ÿ¨ÈD¨DÿàDåè ¹å yāy®È¨¹å yåïT¹ yåÈy`ŸŠ`Dm¹å

Finnegans wake

As ondas

Arco: Édipo (descendente, ascendente, descendente) The Evil Guest

Compri ento d s sentenças ras)

Arco: Ícaro (ascendente e descendente) Shadowings 500

Padrão de repetição

150

Cada barra vertical representa uma sentença

Estrutura de sentença fractal A ordem e comprimento das sentenças de 113 famosas obras literárias escritas em diferentes ¨ ´‘ùDåÕùDåy åy®Èày †¹à®D® ÈDmàÇyå †àD`ïDŸåÎ "Ÿÿà¹å my Œùā¹ my `¹´å`Ÿ{´`ŸD `¹®¹ Finnegans wake, de James Joyce, tinham repetições extremas. Livros mais tradicionais como 7i edZWi, de Virginia Woolf, apresentaram repetições mais moderadas. Os dois tipos eram fractais.

50 Scientific American Brasil, Março 2017

Gráficos de Andrew J. Reagan (arcos emocionais) e Jen Christiansen (gráficos fractais)

FONTES: “THE EMOTIONAL ARCS OF STORIES ARE DOMINATED BY SIX BASIC SHAPES”, DE ANDREW J. REAGAN ET AL., EM EPJ DATA SCIENCE, VOL. 5, Nº 1, ARTIGO Nº 31; DEZEMBRO DE 2016 (ARCOS); “QUANTIFYING ORIGIN AND CHARACTER OF LONG-RANGE '22" 5'%3%% 22 5<5>53Ûj35 %3# =2'ĩDĩET AL., EM INFORMATION SCIENCES, VOL. 331; 20 DE FEVEREIRO DE 2016 (FRACTAIS)

Cruzamento A pedido de IY_[dj_ÒY7c[h_YWd, pesquisadores de Vermont analisaram dois livros de um estudo de senïy´cD†àD`ïD¨Êabaixo) e descobriram que as obras se enquadram em dois dos Dà`¹åy®¹`Ÿ¹´DŸå`¹®ù´åÊcurvas coloridas). Livros que têm o mesmo tipo de arco tendem a ter padrões fractais semelhantes também? Ninguém sabe ainda.

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