Sobre A Obra De Lenin'

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A fo ra as obras originais de K. M a rx F. Engels e V . I. Léníne, Edições Progres­ so publica livros destinados a fa c ilita r o estudo dos clássicos do m arxism o-leninism o. A presente brochura do filósofo sovié­ tico A. S ternine faz uma exposição sucinpostulados fundam entais da obra filosófica de V . I. Léníne Materialismo e Empiriocriticismo. O a u to r chama a a te n ­ ção dos leitores para os problemas filo s ó ­ ficos mais im portantes tratad os por y . 1. Lénine e os novos elem entos por ele introduzidos na filo so fia m arxista. Esta obra m antém grande actualidade.

@n Edições Progresso ISBN 5-01-000640-5

Tradução de G. Mélnikov Revisão de Hermlnio Fernandes

A. CxepHHH O PABOTE B. H. JIEHHHA «MATEPHAJIH3M H 3MnHPHOKPHTHU,H3M» Ha nopmyzajibCKoM nsbme

© Edições Progresso, 1988 ^ 0102020000-458 jg2.g8 014(01)-88 ISBN 5-01-000640-5

A cada livro a sua sorte. Muitos — provavelmente, uma grande maioria — não re­ sistem à prova do tempo, têm existência efémera e rapidamente são pertença do passado, deixam de ser lidos ou caem no esquecimento. Há, po­ rém, livros que são sempre actuais, não obstante os tempos e os leitores mudarem, não obstante a uma época histórica se suceder outra, em tudo diferente. Está nesse caso o livro de V. I. Lénine Materialismo e Empiriocriticismo, que responde îerfeitamente a todos os atributos que tornam ongeva uma obra clássica do pensamento filo­ sófico. Tal como em 1909, esta obra é uma seta apontada a todas as interpretações e alterações do velho machismo (leia-se, idealismo), a todas as correntes idealistas da filosofia contemporâ­ nea. Desde então nos últimos três quartos de sé­ culo, a física tem conseguido grandes avanços. No entanto, a obra de V. I. Lénine mantém ac­ tualidade também neste dominio. Não, eviden­ temente, no que se refere ás questões concretas da física daquele tempo, mas aos problemas fulcrais da metodologia desta disciplina no sé­ culo XX. Ora, estes têm muito a ver com as con-

clusões leninistas da inesgotabilidade do elec­ trão e da infinidade interna da matéria, que constituem de facto a base do desenvolvimento da física contemporânea e, sobretudo, da física das partículas elementares. E certo que algumas asserções da obra se en­ contram desactualizadas, nem doutro modo po­ deria ser, mas o espírito materialista dialéctico criador que a perpassa continua historicamente transcendental e eternamente vivo. Por isso se recomenda o seu estudo, vendo nela o essencial, o transcendental. Esta é, aliás, a ideia de Lènine, que, no prefácio à sua segunda edição (Setem­ bro, 1920), 12 anos depois de a ter escrito, dizia: “Espero que ela não será inútil, independente­ mente da polémica com os “machistas” russos, como ajuda para travar conhecimento com a fi­ losofia do marxismo, o materialismo dialéctico e igualmente com as conclusões filosóficas das descobertas recentes das ciências da nature­ za” 1.

* V. I. Léníne. Materialismo e Empiriocriticismo, Edi­ ções “Avante!”, Lisboa — Edições Progresso, Moscovo, 1982, p. 15.

I C O N DIÇÕ ES HISTÓRICAS EM QUE NASCEU A OBRA DE V . I. Lé n ín e

O Materialismo e Empiriocriticismo foi escri­ to entre Fevereiro e Outubro de 1908 e publi­ cado em Moscovo no ano seguinte. Houve con­ dições históricas que determinaram o apareci­ mento desta obra. Na passagem do século XIX para o século XX, a humanidade entrou na época do imperia­ lismo e das revoluções proletárias. Nesse perío­ do, a burguesia de todos os países inverteu, se­ gundo Lénine, o rumo da democracia envere­ dando pela “reacção em todas as direcções”: económica, política e ideológica. Tomada de pâ­ nico pelo movimento revolucionário ascendente do proletariado, a burguesia começou a propa­ gandear e divulgar as mais diversas formas de idealismo e de religião, considerando-os como um meio de influência espiritual sobre as massas capaz de as pôr a salvo da acção das ideias revo­ lucionárias. Foi precisamente no final do século XIX e início do XX que começou a propagar-se na Europa uma corrente filosófica chamada filoso­ fia da “experiência crítica”: empiriocriticismo ou machismo. Emergindo como uma variante do positivismo, apresentava-se como a “única filosofia científica”, como a única que superava os extremos do materialismo e do idealismo.

embora de facto a sua forma não passasse de um disfarce de uma essência filosófica reaccionária, subjectivista e idealista. Alguns sociais-democratas, que se diziam “discípulos de Marx”, sustentavam que o machismo era “a úl­ tima palavra na ciência”, e que estava em con­ dições de “substituir” a filosofia dialéctica e ma­ terialista do marxismo. Mesmo alguns cientistas ilustres não escaparam à influência do empirio­ criticismo. Houve, por exemplo, muitos dirigentes do movimento operário internacional e da II Inter­ nacional que não se opuseram como deviam à divulgação das teorias idealistas. Mais. Um dos líderes da social-democracia alemã e da II Internacional, Karl Kautsky, afir­ mava que a doutrina marxista não estava em contradição com a teoria do conhecimento do filósofo idealista austríaco Ernst Mach. K. Kautsky negava, na prática, a importância da teoria filosófica para o movimento operário. Outros dirigentes da II Internacional houve que nutriam simpatias pelas concepções idealis­ tas. “Para eles — escreve V. I. Lénine em Feve­ reiro de 1908—, o materialismo como filosofia está em último plano; o “Neue Zeit”, o órgão mais sereno e melhor informado, é indiferente á filosofia: nunca foi partidário acérrimo do ma­ terialismo filosófico, mas ultimamente tem pu­ blicado, sem qualquer comentário, os empiriocriticistas... Hoje, mais que nunca, não há ten­ dência pequeno-burguesa que não ataque o ma­ terialismo filosófico, gravitando em torno de Kant, do neokantismo, da filosofia crítica” ^ 1 V. I. Lénine. Obras Completas, 5“ edição em rus­ so, t. 47, p. 47,

V. I. Lénine traça assim a ligação directa que existe entre o oportunismo e o idealismo filosó­ fico. Estas atitudes dos lideres sociais-democratas deixavam o proletariado ideologi­ camente desarmado e afectavam negativamente, sem dúvida, a luta de classe dos operários de to­ dos os paises. Neste contexto, havia uma necessidade im­ perativa de repor a filosofia materiahsta marxis­ ta. Esta luta ideológica tornou-se inevitável na Rússia, sobretudo após a derrota da primeira revolução democrático-burguesa de 1905-1907. O proletariado foi a força motriz desta revolu­ ção, manifestada através das insurreições arma­ das de Moscovo e outras cidades. A maré revo­ lucionária alastrou ao Exército, á Marinha, ás massas camponesas e aos povos oprimidos das periferias nacionais do país. Assustada com a envergadura da revolução, a burguesia pôs-se ao lado da contra-revolução, apoiando o gover­ no tsarista nas suas ferozes represálias contra os revoltosos. A revolução de 1905-1907 foi esma­ gada e instaurado no pais um terror policial inaudito: dezenas de milhares de combatentes revolucionários foram condenados á prisão per­ pétua, executaram-se milhares de lutadores, proibiram-se a imprensa operária e as organiza­ ções de massas operárias e camponesas. O go­ verno tsarista desencadeou uma repressão espe­ cialmente feroz contra o partido revolucionário da classe operária, que não teve outra alternati­ va que não fosse passar á clandestinidade. No meio intelectual burguês, foram muitos os que tendo simpatizado com a revolução, na fase de ascenso revolucionário, se deixaram cair no desânimo, no pessimismo, na desconfiança

quanto às forças da revolução. Interpretaram o fracasso da revolução como o malogro de to­ da a ideologia revolucionária, como a queda do marxismo e do materialismo em geral. O mate­ rialismo dialéctico foi declarado desactualizado, fora de moda, enquanto a religião era tida como a “realização suprema” do espírito humano. Começaram a ser formadas diversas sociedades, seitas e correntes mistico-ideahstas. Em 1909, veio a luz uma Colectânea de Arti­ gos sobre a Intelectualidade Russa— Vekhi (Marcos), editada por publicistas e filósofos de tendência mística e idealista. Dizíam-se aberta­ mente contra as tradições revolucionárias e de­ mocráticas, bem como contra o marxismo. Se­ gundo V. I. Lénine, os artigos da colectânea aludida eram “uma tachada de lavaduras reac­ cionárias sobre a democracia” K Passou a ser divulgada a bogoiskatelstvo (a procura de Deus), corrente filosófica de matiz religioso gue apre­ goava o abandono da problemática social. Os bogoiskateli afirmavam que o povo russo “tinha perdido a fé em Deus” e, por conseguin­ te, era dever de todos “encontrá-lo”; que a luta de classes e a revolução não tinham sentido; que a salvação da sociedade pressupunha a sua re­ construção através de um Cristianismo refor­ mado. A justificação ideológica da contra-revolução e a revitalização da mística religiosa surtiram os seus efeitos na ciência, na literatura e na arte. “Anos de reacção (1907-1910). O tsarismo venceu. Foram esmagados todos os parti­ dos revolucionários e de oposição. Abatimento, desmoralização, cisões, divergências, renegação, pornografia em vez de política. Reforço da ten' V. I. Lénine. Obras Completas, t. 19, p. 173.

dência para o idealismo filosófico; misticis­ mo como disfarce de um estado de espirito contra-revolucionário” ^— assim caracteriza V. I. Lénine a convergência da reacção politica e da ideológica que se operou após a derrota da revolução. Como fenómeno especialmente perigoso pa­ ra o movimento revolucionário russo, há de re­ gistar o facto de alguns sociais-democratas rus­ sos pertencentes á ala bolchevique ^ (Bogdanov, Bazarov, Lunatcharski e outros) e à ala menchevique (Valentinov, luchkevitch, etc.) se terem deixado arrastar por tendências religiosas e idealistas. Nas suas obras, tentaram “unir” a filosofia marxista ao machismo, variante confusa do idealismo subjectivo, ou pelo menos “substi­ tuir” a doutrina filosófica de Marx e Engels por conceitos de Mach, que, no seu conjunto, ti­ nham a designação de empiriocriticismo, ou empiriomonismo, ou empírio-simbolismo, ou qual-quer outra palavra rebuscada. Diziam lutar con­ tra os dogmas obsoletos do marxismo, pelo de­ senvolvimento criador da filosofia marxista. “De facto — uma renúncia total ao materialis­ mo dialéctico, isto é, ao marxismo. Em pala^ V. I. Lénine. Obras Escolhidas em Três Tomos, Edi­ ções “Avante!”, Lisboa — Edições Progresso, Mosco vo, 1977, t. 3, p. 283. ^ “O bolchevismo como corrente de pensamento politi­ co e como partido político existe desde 1903” (Lénine) Em 1903, no II Congresso do POSDR, nas eleições para os órgãos centrais do partido, os sociais-democratas parti­ dários de Lénine obtiveram a maioria (bolchinstvo), cha­ mando-se portanto bolcheviques, e os oportunistas — a mi­ noria {menchinstvó), sendo consequentemente denominados menchevigues.

vras, intermináveis subterfúgios, tentativas de eludir o fundo do problema, de encobrir o seu recuo, ...recusa decidida a analisar directamente as incontáveis declarações materialistas de Marx e Engels... É um típico revisionismo filo­ sófico, porque só os revisionistas adquiriram uma triste fama pelo seu temor ou pela sua inca­ pacidade de “ajustar contas” aberta, directa, de­ cidida e claramente com as ideias que abando­ naram” \ é assim que V. I. Lénine caracteriza as posições teóricas dos adeptos da doutrina idealista de Mach. A revisão da doutrina marxista por Mach constituía perigo sério para o movimento revo­ lucionário, porque minava os fundamentos teó­ ricos do partido proletário. Este perigo tornava-se maior, pelo facto de alguns sociais-democratas (caso de Lunatcharski) terem ten­ tado fazer do socialismo uma espécie de nova religião, chamada bogostroitelstvo (á letra, ’“construção de Deus”), alegando que o socia­ lismo sob a forma religiosa seria mais “acessí­ vel e compreensível” para o povo russo. Por “construção de Deus”, entendiam eles a edifica­ ção duma nova sociedade, baseada numa nova fé criada por eles próprios. Os machistas russos entregavam-se com afã ao seu mister de divulgar conceitos antimarxistas. Como sublinhou V. L Lénine no prefá­ cio á primeira edição da sua obra, “em menos de seis meses apareceram quatro livros dedicados, principal e quase inteiramente, a atacar o mate­ rialismo dialéctico” ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 14. ^ V. L Lènine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 13.

Não eram menos perigosas para o movimen­ to revolucionário as atitudes de conciliação com o machismo reveladas por alguns marxistas ideologicamente vacilantes. Havia mesmo al­ guns sociais-democratas russos que não com­ partilhavam a doutrina de Mach, mas não com­ preendiam a interligação entre a polémica filo­ sófica daquele período e os problemas palpitan­ tes da política e da luta de classes. Parecia a estes homens politicamente míopes que a luta de V. I. Lénine contra o machismo não passava duma controvérsia em torno de questões secun­ dárias, afirmando mesmo tratar-se duma “tem­ pestade num copo de água”. Chegou até a ser sugerido que se juntassem os “componentes po­ sitivos” do empiriocriticismo ao materialismo dialéctico. É importante, por fim, que nos detenhamos num outro aspecto relativo às condições históri­ cas em que foi escrita a obra de Lénine. Nos fins do século XIX e inicio do XX, desencadeou-se uma verdadeira revolução nas ciências naturais (Vede capítulo V deste livro). O desenvolvimen­ to impetuoso da física fez com que fossem modi­ ficados muitos conceitos anteriores relativamen­ te à estrutura da matéria e às suas propriedades. Foram radicalmente revistos muitos conceitos físicos, teorias e fórmulas, outrora incontestá­ veis. Tomando a revolução na física como ponto de partida, os filósofos idealistas tentaram tirar proveito da revisão dos velhos conceitos, teorias e doutrinas físicas, interpretando-a como uma “contestação”do materialismo e como a “vitó­ ria” do idealismo. V. I. Lénine observou a este propósito: “...não se pode pegar na literatura

machista ou sobre o machismo sem encontrar referências pretensiosas à nova física, que teria refutado o materiaUsmo, etc., etc.” ^ São aqui patentes, como sublinhou V. I. Lénine, as ten­ tativas dos idealistas de “adaptar” os seus con­ ceitos à nova física, de pôr as suas realizações e dificuldades ao serviço da filosofia reaccioná­ ria. Impunha-se, portanto, refutar todas estas especulações. Neste contexto, novas prioridades se coloca­ vam aos mapxistas verdadeiros, a saber:defender dos revisionistas a teoria marxista, e em pri­ meiro lugar, a filosofia do marxismo, salvaguar­ dar a pureza e integridade da filosofia marxista como arma ideológica da classe operária e do seu partido, pôr termo ás tentativas de deturpar e conspurcar esta doutrina com conceitos subjectivistas do machismo, interpretar à luz do materialismo dialéctico as novas descobertas das ciências da natureza. Sem combater o revi­ sionismo filosófico, era impossível travar uma luta consequente com o revisionismo político no Ocidente e na Rússia. V. I. Lénine lançou mãos á solução desta tarefa urgente. “Lénine tinha consciência que, naquele momento, a luta na frente filosófica era precisamente aquele elo, ao qual era preciso agarrar-se para dar combate ao oportunismo”, escreveu Nadejda Konstantinovna Krupskaia, esposa e companheira de luta ao recordar aquele período de actividade de V. I. Lénine Foi assim que se definiu a direc* V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 19L ^ N. K. Krupskaia. Para o 25 Aniversário da Publica­ ção do Livro de V. I. Lénine "Materialismo e Empiriocriticis­ mo”— Rev. “Sob a Bandeira do Marxismo”, 1934, >ís 4, p. 4.

ção da luta do partido na esfera ideológica, luta que teve enorme importância para todo o traba­ lho posterior do partido revolucionário da clas­ se operária russa, para o futuro da revolução russa e para todo o movimento operário inter­ nacional. Para escrever Materialismo e Empiriocriticis­ mo, V. I. Lénine utilizou vasto material literá­ rio, histórico e filosófico; ao todo, mais de 200 livros e artigos. Não foi fácil coligir todos estes materiais. Teve necessidode de ir a Londres fa­ zer consultas na bibliateca do Museu Britânico. Trabalhando com afinco, V. I. Lénine escreveu a obra num periodo extraordinariamente curto: 8 meses, de Fevereiro a Setembro de 1908. Em Abril de 1908, observava em carta a A. L Ulianova-Ielizarova: “...é importante que o livro ve­ nha a luz o mais rapidamente possível. Tenho com esta obra não só compromissos literários, como também deveres políticos sérios” É conveniente notar que também o insigne marxista russo Gueorgui Valentinovitch Plekhánov se pronunciou contra a revisão machista do marxismo. Foi aliás o único social-democrata que, a nível internacional, “...criti­ cou, do ponto de vista do materialismo dialécti­ co consequente, aquelas incríveis banalidades acumuladas pelos revisionistas” escrevia V. L Lénine, em 1908, no seu artigo Marxismo e Revisionismo. Todavia, a crítica ao machismo feita por * V. I. Lénine. Obras Completas, t. 55, p. 289. ^ V. L Lénine. Obras Escolhidas em Seis Tomos, Edi­ ções “Avante!”, Lisboa — Edições Progresso, Moscovo, 1984, t. 1, p. 340.

Plekhánov enfermava de uma série de deficiên­ cias em questões essenciais, não estando, por is­ so, em condições de desferir um golpe decisivo na revisão machista do marxismo. Plekhánov menospresou na sua crítica a flagrante hgação entre o machismo e a crise da física, não com­ preendeu a necessidade de analisar à luz do ma­ terialismo dialéctico, as modernas descobertas das ciências da natureza e não soube revelar com precisão o papel ideológico do idealismo como instrumento da luta das classes dominan­ tes contra a revolução. “Plekhánov manteve-se um iluminista, um esclarecedor e um polemista brilhante contra o machismo” — assim caracterizou, acertadamente, o papel de Plekhánov na luta com o ma­ chismo o destacado cientista soviético Mitine, para acrescentar: “Uma nova etapa de desenvol­ vimento do materialismo dialéctico começa com a publicação de ‘Materialismo e Empiriocriticis­ mo’ ” 1. Materialismo e Empiriocriticismo desempe­ nhou enorme papel tanto na defesa e desenvol­ vimento do pensamento teórico marxista, como no enquadramento filosófico das novíssimas aquisições das ciências da natureza, como ainda no trabalho prático do partido revolucionário. Em Junho de 1909, portanto pouco depois da publicação da obra, realizou-se em Paris uma reunião alargada da redacção do jornal Proletá­ rio que constituía então o centro das actividades bolcheviques. Esta reunião discorreu sobre o pe­ so de tendências do tipo “construção de Deus” no seio da social-democracia, tendo frisado que Sob a Bandeira do Marxismo, 1934, JNs 4, p. 22.

a “construção de Deus” e o machismo eram pre­ judiciais ao movimento revolucionário da classe operária e que os bolcheviques nada tinham a ver com as deturpações machistas e da “cons­ trução de Deus” do socialismo cientifico. O par­ tido desembaraçou-se dos elementos ideologica­ mente vacilantes e consolidou as suas fileiras. “O combate na frente ideológica — sublinhava N. K. Krupskaia — teve enorme importância para a definição clara, pelos bolcheviques, das tarefas da Revolução de Outubro, possibilitando-lhes uma antevisão correcta do desenvolvi­ mento dos acontecimentos e uma escolha acer­ tada do caminho de luta” Chegou, agora, a altura de expormos os pos­ tulados fundamentais desta obra de Lénine.

* N. K. Krapskaia. Para o 25 Aniversário da Publica­ ção do Livro de V. I. Lénine “Materialismo e Empiriocriticis­ mo"— Rev. “Sob a Bandeira do Marxismo”, 1934, JVs 4, p. 6.

li C RiTICA DE V . I. LÈNINE AO ID E A LIS M O SUBJECTIVO

A tarefa a que o autor se propôs adivinha-se claramente no titulo da o b r a ^ Materialismo e Empiriocriticismo: mostrar a oposição inconci­ liável entre as duas tendências filosóficas; o ma­ terialismo e o idealismo, na sua variante do em­ piriocriticismo. O que é o materialismo e o que é o idealis­ mo? Na sua obra Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, Friedrich Engels dá resposta cabal a esta pergunta;“A grande ques­ tão fundamental de toda a filosofia, especial­ mente da moderna, é de relação de pensar e ser ...Conforme esta questão era respondida desta ou daquela maneira, os filósofos cindiamse em dois grandes campos. Aqueles que afirma­ vam a originariedade do espirito face á Nature­ za, que admitiam, portanto, em última instân­ cia, uma criação do mundo...formavam o cam­ po do ideahsmo. Os outros, que viam a Nature­ za como o originário, pertencem ás diversas es­ colas do materialismo” * K. Marx, F. Engels. Obras Escolhidas em Três To­ mos, Edições “Avante!”, Lisboa — Edições Progresso, Mos­ covo, 1985, t. III, pp. 387 e 388. 16

Dentro da corrente idealista é preciso distin­ guir duas formas principais: o idealismo objecti­ vo q o subjectivo. O idealismo objectivo reconhece a existência dum principio espiritual que existe fora do homem, independentemente do homem, fora da Natureza e que determina e cria tudo que existe no mundo. O idealismo subjectivo nega qualquer realida­ de fora da consciência do homem, fora do sujei­ to. Segundo os idealistas subjectivistas, a reali­ dade não é senão uma criação da consciência do indivíduo. Em última instância, o idealismo subjectivo leva inevitavelmente ao solipsismo, que afirma que só o sujeito pensante existe na realidade. Do ponto de vista dum solipsista con­ sequente, o mundo objectivo incluindo as outras pessoas só existe na sua consciência individual. (A palavra solipsismo vem da expressão latina solus ipse sum, “só existo eu”). As duas formas do idealismo, apesar das di­ vergências sobre questões particulares, estão li­ gadas entre si por uma tese fundamental: a ori­ ginariedade do ideal face ao material, o que leva inevitavelmente ao fídeísmo, ao reconhecimento da religião Na obra leninista acentua-se mais de uma vez esta identidade das duas formas de idealismo e o seu servilismo à Igreja. O livro de V. I. Lénine ocupa-se essencial­ mente da crítica ao machismo (leia-se, empirio­ criticismo), que, em última instância, como de1 O fideísmo, segundo V. I. Lénine, representa uma doutrina que substitui o conhecimento pela fé ou que, dum modo geral, dá prioridade à fé. Na carta que V. I. Lénine (■scneveu à sua irmã A. L Ulianova-Ieüzarova é dito que, na sua obra ele usou a p a l a v r a n u m sentido mais lato, Clrtendendo por ela todo o apago á religião. >

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monstrou o autor, é uma mera inflexão do idea­ lismo subjectivo. V. I. Lénine propôs, em primeiro lugar, des­ mascarar a pretensa novidade dos diversos siste­ mas filosóficos dos revisionistas, dos machistas, que não eram parcos nos qualitativos que da­ vam à sua doutrina filosófica: “moderna”, “contemporânea”, “súmula das ciências da na­ tureza”, “positivismo moderno”, etc. Na intro­ dução a Materialismo e Empiriocriticismo, inti­ tulada “Como certos ‘marxistas’ refutavam o materiaHsmo em 190^ e certos ideahstas em 1710” e bem assim na primeira parte do capitulo quarto “A critica do kantismo de esquerda e de direita”, Lénine aborda, com profundidade, as origens ideológicas do machismo. Prova com ar­ gumentos que as bases filosóficas do machismo são, no fundo, a repetição das velhas doutrinas filosóficas do agnosticismo e do idealismo subjec­ tivo. É o próprio Mach quem diz: “Devo reco­ nhecer com a maior gratidão...que o seu (de Kant) idealismo crítico foi precisamente o pon­ to de partida de todo o meu pensamento critico. Mas não me foi possível permanecer-lhe fiel. Depressa voltei de novo às concepções de Berkeley e, depois, cheguei a concepções próximas das concepções de Hume...Ainda hoje considero Berkeley e Hume pensadores muito mais conse­ quentes do que Kant” Ora, é um fundador do empiriocriticismo a reconhecer que, começando pela filosofia kantiana (agnosticismo), voltou às concepções dos filósofos ideahstas ingleses do século XVIII, Berkeley e Hume. * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 147.

Como se caracterizam os sistemas filosóficos de Berkeley e Hume? 1. Precursores ideológicos do machismo

O filósofo inglês George Berkeley (1685-1753), que tinha a dignidade de bispo, era ini­ migo do materialismo e do ateismo. Propôs-se combater o materiahsmo com uma arma ante­ riormente empregada sobretudo pelos materia­ listas, o sensismo. O sensismo preconiza que todo o conhecimento provém das sensações. To­ davia, o sensismo, que, em certas ocasiões, con­ duz ao materialismo (como, por exemplo, nas doutrinas de Locke, Holbach, Helvetius e Feuerbach), no sistema filosófico de Berkeley é interpretado dentro do espirito idealista. Para Berkeley, as sensações não eram apenas a pri­ meira fonte do conhecimento, mas também a única realidade que o homem abarca. A obra fundamental de Berkeley — Tratado dos Conhecimentos Humanos — foi publicada em 1710. V. I. Lénine demonstra que 200 anos mais tarde, muitos dos postulados deste filósofo eclesiástico foram repetidos pelos machistas-positivistas russos e estrangeiros com o rótulo de filosofia “moderna”. Os machistas russos Bogdanov e Bazarov, na esteira de Mach, seu mestre, criticaram os materialistas, porque estes reconhecem a matéria e afirmam que as coisas existem fora de nós e independentemente de nós. Foi do mesmo ponto de vista, exactamente, que Berkeley combateu o materialismo. V. L Lénine cita vastos extractos da sua obra, onde é dito claramente que Berkeley negava a tese fundamental do materialismo e das ciên­

cias da naííureza: a realidade do mundo que nos rodeia. Qualquer pessoa lúcida sabe que os objectos do nosso conhecimento, das nossas sensações, são coisas, fenômenos e processos que se ope­ ram na realidade. Berkeley, pelo contrário, afir­ ma que o objecto do nosso conhecimento não é a realidade objectiva, mas as nossas ideias, sen­ timentos, sensações, etc. Não podemos conhecer as coisas, mas unicamente as nossas sensações ou “ideias”, como Berkeley dizia. Esta afirma­ ção do filósofo inglês tinha origens gnosiológicas. V. I. Lénine em Os Cadernos Filosóficos na parte intitulada Sobre a Questão da Dialéctica mostrou que, apesar de toda a falsidade dos seus postulados, o idealismo não é um disparate qualquer, como o consideravam os adeptos do materialismo metafísico. O idealismo mergulha as suas raízes numa análise unifacética, exagera­ da, empolada dum dos aspectos ou dum dos tra­ ços do conhecimento, elevando, no fim de con­ tas, esse aspecto, esse traço, ao absoluto, à sua separação completa da matéria, da realidade objectiva. Evidentemente que conhecemos as coisas através das nossas sensações e que fora delas o conhecimento se torna impossível. Deste facto incontestável, Berkeley e outros idealistas subjectivos concluíram que, sem sensações, o mundo como tal não existe e que as sensações constituem o mundo existente e unicamente real. Segundo Berkeley, o que os homens chamam coisas não são objectos reais, mas aglomerados de ideias associadas. Coisa, sustenta o filósofo, é um simples aglomerado de ideias, uma combina­ ção de sensações. Por exemplo, observando que

uma certa cor, gosto, cheiro, forma e consistên­ cia constituem um conjunto — afirma Berke­ ley —, os homens formam a noção duma deter­ minada coisa, designando-a pela palavra maçã, pedra, árvore, etc. “Existir significa ser percebi­ do...” assim formula Berfcley o postulado fundamental da sua filosofia. Mais adiante vere­ mos como, no fundo, os machistas defendem a mesma tese. Se levássemos a sério a fórmula de Berkeley, teriamos de admitir que o mundo não existiu antes do aparecimento de seres capa­ zes de o perceber: aliás, não existiriam, digamos, particulas elementares até que as descobrísse­ mos; como também não existiriam alguns conti­ nentes antes de os navegadores lá chegarem. A teoria de Berkeley conduz necessariamente ao solipsismo, segundo o qual só o ser pensante — o homem — existe no mundo. O resto são sen­ sações e representações suas. O filósofo negava categoricamente que as sensações, sentimentos, noções, isto é, tudo o que cabe na sua designa­ ção de “ideias”, fossem pura e simplesmente re­ flexos das coisas e dos fenómenos objectivamen­ te existentes. “Mas direis — escreve Berkeley, dirigindo-se aos materialistas — que as ideias podem ser cópias ou reflexos (resemblances) das coisas existentes fora da mente, numa substân­ cia desprovida de pensamento. Eu respondo que uma ideia não pode assemelhar-se senão a uma ideia...” ^ O materialismo afirma que se as sen^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 19. G. Berkeley. A Treatise concerning the Principles o f Human Knowledge., London, Tonson, 1734. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 19. The Work ofG. Berkeley, Vol. 1, Oxford, 1871, pp. 131-238, §8.

sações não proporcionassem um reflexo fiel das coisas, se não fossem “semelhantes” a elas, os homens não poderiam ter êxito nas- actividades práticas, nem criar novas coisas, necessárias pa­ ra eles, nem empregá-las para a satisfação das suas necessidades, nem sequer produzi-las. A negação da matéria constitui um dos as­ pectos centrais do sistema filosófico berkeleyano. O filósofo propôs mesmo que este conceito fosse expurgado da filosofia. Na sua crítica á matéria, Berkeley partiu duma deturpação dum postulado do sensismo; dado que não estamos em condições de ver, apalpar ou sentir a “maté­ ria em geral”, a “matéria como tal”, mas apenas podemos ver e conhecer nas nossas sensações as suas manifestações particulares, singulares, só o singular existe, conclui Berkeley, e mais nada, só existem coisas singulares, percebidas sensorialmente, que, como afirma o filósofo, repre­ sentam apenas complexos de sensações. A maté­ ria, segundo Berkeley, é nada, é uma abstracção vazia e nociva. A nocividade da matéria, toma­ da como uma noção, é vista por Berkeley sob dois aspectos fundamentais. Primeiro, é precisa­ mente neste conceito que se baseiam as noções de materiaUsmo e de ateísmo que, para ele, são detestáveis e inaceitáveis, assim como as mais diversas teorias “absurdas” que negam a fé em Deus. Segundo, este conceito engendra, segun­ do Berkeley, inúmeras controvérsias e questões complicadas. Por conseguinte, é absolutamente necessário erradicar este conceito da filosofia para facilitar o pensamento. V. I. Lénine obser­ va a este propósito que, na questão da matéria, Berkeley foi, sem dúvida, precursor directo dos machistas. A negação da matéria e o princípio

da “economia do pensamento” preconizados no empiriocriticismo são, nos seus traços essen­ ciais, mero eco da ideia berkeleyana de que é mais “conveniente” pensar o mundo sem maté­ ria. Os positivistas “modernos”, isto é, os ma­ chistas, proclamaram a sua teoria de “empírio-simbolismo”como uma descoberta sem par. Se­ gundo esta teoria, as nossas sensações não são a cópia da realidade, mas apenas signos , deno­ minações, simples simbolos das coisas. V. I. Lé­ nine demonstrou como as raizes desta teoria machista mergulham em Berkeley. Por exemplo, Berkeley defendia que a noção de causa não era reflexo duma causa real, mas apenas uma “mar­ ca” ou um “signo”, e esta marca ou este signo podem ser dissímeis das coisas que designam. A prática mostra porém, que a noção de causa, assim como os outros conceitos científicos, não é simples questão de denominações, mas o refle­ xo das conexões reais e lógicas da realidade ob­ jectiva. Foi igualmente no sistema berkeleyano que os machistas se inspiraram no que tange á inter­ pretação da verdade. Assim, o machista Bogda­ nov sustenta que verdadeiro é aquilo que é comummente reconhecido, aceite por um colectivo (vede, a propósito, o capítulo VII da presente publicação). Algo de análogo pode ser encon­ trado na doutrina berkeleyana. Ora, a negação da real existência do mundo material, a tese de que as nossas sensações não são reflexo dos objectos do mundo exterior, o princípio da “economia do pensamento”, o “empírio-simbolismo”, a alegação ao univer­ salismo das sensações tomadas como critério da

Werdade e alguns outros postulados da “filosofia moderna” não são senão uma cópia que a dou­ trina machista fez da filosofia ideaUsta berkele­ yana, já com mais de 200 anos. O facto de ser bispo impediu Berkeley de ser um idealista subjectivo consequente, pois o idealismo subjectivo nega todo e qualquer ob­ jecto fora de nós, fora do homem. Mas, então, como é com Deus, com o Criador do Universo, sem o qual toda a filosofia do bispo seria incon­ cebível? V. I. Léníne prova que, na questão da criação do mundo, Berkeley abandona as posi­ ções do idealismo subjectivo para passar para as do idealismo objectivo, segundo o qual o mun­ do foi criado por uma ideia existindo indepen­ dentemente do indivíduo. Da negação da substância material (das coi­ sas realmente existentes), Berkeley evolui, neste ponto, para a afirmação duma substância espiri­ tual eterna. Segundo a doutrina berkeleyana, o mundo exterior, a natureza, são combinações de sensa­ ções humanas (o que é inerente ao idealismo subjectivo), mas essas combinações são determi­ nadas por uma divindade, no que se prefigura, desde logo, um conceito de religião como moda­ lidade de idealismo objectivo. Aliás, para a confusa teoria berkeleyana, as coisas na realidade não existem fora do homem, mas ao mesmo tempo alega existirem como a soma de ideias na mente duma divindade. Deste modo, o predecessor dos machistas russos, que se autoproclamavam marxistas, era um filósofo que preconizava abertamente a reli­ gião, a forma mais primária e grosseira do idea­ lismo objectivo.

Os machistas tiveram igualmente como mes­ tres os filósofos agnósticos do século XVIII Hu­ me e Kant. Embora mais novo que Berkeley, o filósofo inglês David Hume (1711-1776) foi ainda seu contemporâneo. As suas obras fundamentais fo­ ram o Tratado sobre a Natureza Humana e a In­ vestigação sobre a Razão Humana. Diferentemente de Berkeley, Hume evita uma resposta univoca ao problema das origens das sensações e percepções. Se Berkeley atribui as sensações humanas a Deus, Hume revela cep­ ticismo quanto a afirmações desta natureza; “Recorrer à veracidade do Ser Supremo para demonstrar a veracidade dos nossos sentidos é iludir a questão de maneira absolutamente im­ prevista...” 1 Hume postula que, se é a existên­ cia do mundo exterior que questionamos, não podemos admitir a existência de um Ser Supre­ mo fora de nós. Afirma que a experiência não possibilita o esclarecirnento da causa das sensa­ ções, percepções, etc. É impossível demonstrar, diz Hume, que as sensações são provocadas na nossa mente por objectos exteriores (ou seja, é impossível provar este postulado básico do ma­ terialismo). Ao mesmo tempo, também não se pode demonstrar, afirma o filósofo, que as per­ cepções provêm da energia emitida pelo intelec­ to, ou da acção dum espírito invisível e des­ conhecido, ou são devidas a uma outra causa ainda mais enigmática. Desta maneira, Hume considera improváveis todas as explicações exis­ ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 26. D. Hume. An Enquiry concerning Human Understanding, Essays and Treatises, vol. II, London, 1822, pp. 150-153.

tentes (tanto materialistas como idealistas) so­ bre a origem dos nossos conhecimentos. Esta questão, segundo ele, não tem solução, pois a fonte dos conhecimentos é incognoscivel. A realidade, como afirma o filósofo, é um fluxo das "impressões”, cujas causas são desconheci­ das e inacessíveis. As origens ideológicas do machismo remon­ tam igualmente ao sistema filosófico do pai do idealismo clássico alemão, Emmanuel Kant (1724-1804). Foi pela doutrina kantiana que começaram os mestres do machismo — Mach e Avenarius V. I. Lénine caracterizou o sistema filosófico de Kant nos seguintes termos; “O traço funda­ mental da filosofia de Kant é a conciliação do materialismo com o idealismo, o compromisso entre um e outro, a combinação num só sistema de correntes filosóficas heterogéneas e opostas. Quando Kant admite que às nossas representa­ ções corresponde algo fora de nós, uma certa coisa em si — então Kant é materialista. Quan­ do declara esta coisa em si incognoscivel, trans­ cendente, pertencente ao além, Kant fala como idealista. Reconhecendo a experiência, as sensa­ ções, como fonte única dos nossos conhecimen­ tos, Kant orienta a sua filosofia pela linha do sensualismo, e, através do sensuahsmo, em cer­ tas condições, também do materialismo. Recon­ hecendo o apriorismo do espaço, do tempo, da causahdade, etc., Kant orienta a sua filosofia para o lado do idealismo. Esta indecisão valeu ^ Vede: § I do Cap. IV da obra de V. I. Lénine Mate­ rialismo e Empiriocriticismo “A crítica do kantismo feita da esquerda e da direita”.

a Kant ser implacavelmente combatido tanto pelos materialistas consequentes como pelos idealistas consequentes...” ^ Kant admite que fora de nós existem objec­ tos reais, os “númenos” ou “coisas em si” (co­ mo lhes chama), independentemente do ser pen­ sante, no que se revela a tendência materialista do seu sistema filosófico. O estudo das formas de conhecimento e dos limites das nossas capa­ cidades cognoscitivas leva Kant ao agnosticis­ mo, à afirmação de que a natureza das coisas tal qual elas existem (“coisas em si”) é, em prin­ cípio, inacessível ao nosso conhecimento: este último só é possível quando se trata dos fenóme­ nos, isto é, do modo mediante o qual as coisas se revelam na nossa experiência. Do agnosticismo Kant evolui para o idealismo que, na sua doutri­ na, toma a forma de apriorismo, segundo o qual os postulados básicos de todo o conhecimento são formas a priori, pré-empíricas e independen­ tes da experiência da consciência humana. Se­ gundo Kant, o espaço e o tempo não são formas objectivas de existência da matéria, mas apenas formas de consciência humana introduzidas ne­ la antes da experiência. Para ele, a causahdade também não era uma conexão objectiva, imia lei da natureza, mas uma forma a priori da razão humana. Os materialistas criticaram em Kant a teoria da incognoscibihdade da essência das coisas (ag­ nosticismo), o apriorismo, a negação da objecti­ vidade do tempo, do espaço, da causahdade, da necessidade, etc., enfim, o seu idealismo. Ao ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 149-150.

mesmo tempo, os idealistas — e entre eles Mach e Avenarius, acusaram Kant de cedências ao materialismo e de admitir a existência de “coisas em si” ou “númenos”. Os agnósticos con­ sequentes responsabilizaram o filósofo pelo fac­ to de reconhecer a necessidade e a causalida­ de, embora dadas só na consciência do individuo. “Os machistas — sublinha V. I. Lénine — criticam Kant por ele ser demasiado materia­ lista, e nós (materialistas — Nota da Redacção) criticamo-lo por ele ser insuficientemente mate­ rialista. Os machistas criticam Kant da direita e nós da esquerda” V. L Lénine conclui a sua análise das teorias de Berkeley, de Hume e de Kant, desses “magistri” da filosofia “moderna”, “contemporâ­ nea”, com as seguintes palavras: “Limitemo-nos por ora a uma conclusão: os machistas ‘moder­ nos’ não aduziram contra os materiahstas ne­ nhum, literalmente nem um único argumento que não existisse no bispo Berkeley” E conti­ nuou: “Assim, toda a escola de Feuerbach, de Marx e de Engels foi de Kant para a esquerda, para a negação completa de qualquer idealismo e de qualquer agnosticismo. Mas, os nossos machistas seguiram a corrente reaccionária em filosofia, seguiram Mach e Avenarius, que criti­ caram Kant do ponto de vista humista e berke­ leyano” 3. ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, pp. 150-15L ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 29. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 155.

2. A crítica leninista das teses principais de filosofia de M ach e Avenarius

A par da demonstração da essência idealista da filosofia dos precursores de Mach e Avena­ rius, V. I. Lénine faz ainda no primeiro capítulo da sua obra a análise do carácter anticientifico e idealista da doutrina dos fundadores do empi­ riocriticismo. V. I. Lénine atribui bastante atenção à críti­ ca da filosofia do fisico e filósofo austríaco Ernst Mach (1838-1916). Mach teve méritos no domínio da física. Há, todavia, que referir que como cientista era limitado e conservador, o que resulta, em grande medida, da sua visão ideahsta. Por exemplo, Mach e W. Ostwald, outro cientista alemão, a quem V. L Lénine define co­ mo “...muito grande químico e muito confuso filósofo” 1, negavam a existência do átomo. A. Einstein atribuiu esta aversão dos dois cien­ tistas pela teoria atômica á sua orientação filo­ sófica positivista. Mach formulou a ideia duma “ciência pura­ mente descritiva” que, em vez de fornecer expli­ cações, se limita a descrever os dados da expe­ riência sensorial. Mach considerava como “pa­ rasitária” a função explicativa de toda a ciência, incluindo a física, e defendia que essa função de­ via ser retirada da ciência por contrariar o prin­ cipio de “economia do pensamento”. Entre ou­ tros elementos “parasitários” da ciência aponta­ va as noções de causahdade, de matéria, de sub­ stância, etc. ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 127.

Os machistas russos não foram capazes de descortinar uma certa contribuição positiva pa­ ra a física da filosofia anticientifica e reaccioná­ ria, como o fez V. I. Lénine ao anaUsar as obras de Mach, Ostwald e de outros investigadores das ciências da natureza. Em 1908, Bogdanov afirmava que a filosofia de Mach “era necessá­ ria e útil para o proletariado que trava uma luta consciente” e tinha portanto que aprender ba­ stante com este sábio filósofo. Mach, segundo ele, “destrói sem piedade todos os ídolos do sa­ ber, luta implacavelmente contra todos os fei­ tiços do conhecimento científico e filosófico, contra todos os conceitos anquilosados” *. Ao afirmar que Mach combate “todos os conceitos anquilosados”, Bogdanov omite reite­ rados enunciados do próprio filósofo em que re­ conhece que o seu sistema filosófico se inspirava nos precursores de Kant, Berkeley e Hume. Isto significa que Mach opera com conceitos “anquílosados”, antiquados, dos velhos filósofos idea­ listas do século XVIII e está longe de combater os conceitos vetustos. Assim, os seguidores rus­ sos do filósofo austríaco revelaram uma ceguei­ ra surpreendente na análise da filosofia dos seus mestres. V. I. Lénine critica Mach como representan­ te da escola filosófica do positivismo. Esta corrente emergiu nos anos 30 do século passado, tendo como fundador o filósofo francês Auguste Comte (1798-1857). Os filósofos ingleses Mill ^ A. Bogdanov. Que Deve Buscar o Leitor Russo em Ernst Mach?— no livro: E. Mach. A Análise das Sensações, segunda edição, Sampetersburgo, 1908.

e Spencer deram a sua contribuição para a ela­ boração das concepções positivistas daquela época. Ao chamarem “positivismo” à sua filosofia, Comte e os seus seguidores queriam com esse termo dizer que o seu sistema filosófico se apoiava no conhecimento positivo, isto é, na ex­ periência cientifica. Declaravam que a única ta­ refa da filosofia consistia em generalizar os da­ dos proporcionados pelas ciências. Os positi­ vistas afirmavam que todos os mais importantes problemas de que a filosofia se ocupou durante séculos (por exemplo, a relação entre o ser e a razão e outros), eram inventados e sem senti­ do. O positivismo negava, no fundo, a cognoscibilidade do mundo, pois, segundo os seus sequa­ zes, a essência das coisas é inacessivel á ciência, à experiência humana. As ciências só estão em condições de descrever as conexões externas en­ tre os fenómenos. Negavam igualmente quais-quer raciocínios “metafisicos”, que ultrapassem os Umites da experiência, qualificando-os como sensações do homem. Designavam de “metafisicas” todas as afirmações sobre a existência do mundo real fora dos nossos sentidos. V. I. Léníne escreve a este respeito; “Argu­ mento conhecido! Chama-se metafísica ao re­ conhecimento da realidade objectiva fora do ho­ mem; os espiritualistas concordam com os kan­ tianos e os humistas nestas censuras ao materia­ lismo” *. Caracteriza todo o positivismo do seu tempo da maneira seguinte; “...este positivismo ' V. I. 'Lénine.MaierialismoeEmpiriocriticismo,p.210.

contemporâneo é agnosticismo que nega a ne­ cessidade objectiva da natureza, necessidade existente antes e fora de qualquer ‘conhecimen­ to’ e de qualquer homem...” ^ V. I. Lénine põe a nu o carácter anticientifíco do positivismo filosófico de Mach. No inicio do primeiro capitulo (na parte “As sensações e os complexos de sensações”), V. L Lénine pe­ ga na afirmação de Mach em que este diz que o objecto da fisica é estabelecer conexões entre as sensações de que se compõe o mundo. Em 1883, Mach escreveu na sua Mecânica que as sensações não são simbolo das coisas, antes uma coisa é um simbolo mental para um conjunto de sensações que possui estabilidade relativa. Não são coisas (corpos), são antes cores, sons, pres­ são, espaço, tempo, etc. (o que habitualmente designamos por sensações) constituem, segundo Mach, “os verdadeiros elementos do mundo” A teoria machista repete, nos seus traços essen­ ciais, a já referida doutrina berkeleyana sobre as coisas concebidas como complexos de sensa­ ções. Dado que os corpos são “complexos de sensações”, como diz Mach, ou “combinações de sensações”, como afirmava Berkeley, a dedu­ ção a tirar só pode ser a de que todo o mundo é representação minha. “Partindo desta premissa, esclarece V. I. Lénine, não se pode chegar à exis­ tência de outros homens além de si próprio: isto é o mais puro solipsismo” No entanto, Mach introduz algo “novo” em ' V. I. Lbcíme. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 121. ^ V. I. 'Ltnme. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 31. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 32.

relação a Berkeley: é precisamente esta palavri­ nha “elemento”. O mundo não é senão um co­ njunto de “elementos”, sustenta Mach. Estes elementos são diversos: físicos e psiquicos. Os “elementos físicos” são aqueles que não depen­ dem do sistema nervoso e do organismo huma­ no em geral, e “psíquicos” aqueles que depen­ dem dos nervos do homem. V. I. Lénine prova toda a inconsistência da teoria machista dos elementos. Se o elemento é sensação (e é, precisamente, assim que Mach in­ terpreta qualquer elemento, incluindo o “físi­ co”), não se pode admitir a existência dos ele­ mentos (sensações) independentemente dos nos­ sos nervos, da nossa consciência. Efectivamente, como pode existir a sensação da luz fora do olho e dos nervos ópticos? Ou a sensação de cheiro sem nervos olfactives? Assim, os “elementos fí­ sicos” postulados por Mach são pura e simples­ mente uma futilidade, sem nenhum con­ teúdo real. O facto de Mach introduzir o termo “elemento físico”, não signifíca que a sua teoria ficou mais próxima duma doutrina científica, materialista. “Seria efectivamente pueril, obser­ va V. I. Lénine, pensar que com a invenção de uma palavrinha é possível livrar-se das princi­ pais correntes da filosofia” Quanto à invencionice machista dos “elemen­ tos psíquicos”, isto é, das sensações que criam o mundo circundante, isso leva directamente ao idealismo puro, nem sequer disfarçado com as palavrinhas usuais “fisico” ou “independente do homem”. * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 42. 3-1253

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Mach, assim como Avenarius, declara pre­ tensiosamente que a sua luta era tanto com o idealismo como com o materiahsmo, conside­ rando as duas correntes “unilaterais”. Para os machistas e os empiriocriticistas, a unilateraUdade era ser consequente na solução da questão fundamental da filosofia, interpretando-a ou dentro do espirito materialista ou dentro do es­ pírito idealista. É sabido que esta “unilaterahdade” é condição necessária para qualquer dou­ trina filosófica consequente. Todas as tentativas de romper com esta “unilateralidade” levam ao eclectismo, que reúne numa só doutrina opi­ niões diversas e até opostas. Foi precisamente esse o vício de Mach e de Avenarius. V. I. Lénine põe a descoberto a confusão e a indefinição de Mach em muitas questões sé­ rias. Na sua obra A Análise das Sensações, o fi­ lósofo austríaco escreve: “... O mundo con­ siste apenas das nossas sensações... Nós co­ nhecemos somente as nossas sensações...” ^ V. L Lénine observa que a palavra “nossas” é usada aqui contra a lei e a lógica do ponto de vista da filosofia machista. Do ponto de vista do ideahsmo subjectivo consequente, só existem “Eu” e as “minhas sensações”, pois, segundo Mach, os outros homens não podiam ser senão simples sensações do indivíduo. Todavia, o filó­ sofo reconhece que outros homens existem fora das nossas sensações, ficando por isso claro que os raciocínios de Mach são confusos e contradi­ tórios. Outro exemplo. Na sua última obra filosófi­ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 32.

ca Conhecimento e Erro, Mach afirma que “...não há nenhuma dificuldade em construir qualquer elemento físico com sensações, isto é, com elementos psiquicos” ^ A afirmação de que é possível “construir” o mundo objectivo de sensações não passa dum postulado ideahsta. Porém, no mesmo livro, o filósofo reconhece que existem elementos físicos além dos “elemen­ tos psíquicos”, ou seja, fora das sensações, fora e independentemente do homem. E assim, “cai” de novo no materialismo. Estas contradições exphcam-se particularmente pelo facto de que, além de filósofo, Mach também era físico. V. I. Lénine subhnha que, ao falar das diversas questões da física, “Mach esquece a sua própria teoria” e “raciocina com simplicidade sem flo­ reios ideahstas, isto é, de modo materiahsta. To­ dos os “complexos de sensações” e toda esta sa­ bedoria berkeleyana desaparecem” V. I. Lénine mostra mais adiante como o eclectismo também era típico de Avenarius. Simultaneamente, mas independentemente de Mach, o filósofo alemão Richard Avenarius (1843-1896), elaborou vários postulados princi­ pais de teoria do ideahsmo subjectivo, por ele denominada de empiriocriticismo (à letra, “filo­ sofia da experiência crítica”). O conceito central da sua filosofia é o da experiência que, segundo o autor, elimina a contraposição entre a cons­ ciência e a matéria, entre o psíquico e o físico. Os sistemas filosóficos de Mach e Avenarius ^ V. I. hènine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. E. Mach. Erkenntnis und Irrtum, Leipzig, Barth, 1906, XII, p. 474. ^ V .l. hénme. Materialismo e Empiriocriticismo,

coincidem nas suas ideias essenciais de tal modo que V. I. Lénine empregou os conceitos de “machismo” e de “empiriocriticismo” como idênticos. Com a sua doutrina filosófica, Avenarius propunha-se depurar a noção de experiência dos conceitos de matéria (substância), de necessida­ de, de causalidade, artificialmente enquadrados na experiência e improváveis em principio. Por experiência, Avenarius, como todos os positivis­ tas, não entendia outra coisa senão as sensações humanas. V. L Lénine observa com justeza que “...todo o machismo não é senão a deturpação, por meio de nuances imperceptíveis, do sentido real da palavra “experiência” Esta interpretação ideahsta da experiência conduziu Avenarius á conclusão de que todo o mundo era apenas um conjunto de sensações. Ao estimar que a tarefa fundamental da filo­ sofia era a investigação das sensações, Avena­ rius circunscreveu esta disciplina no estreito âm­ bito da anáhse do mundo subjectivo do homem, indicando assim um rumo falso para estudos fi­ losóficos. Todavia, a tarefa central da filosofia é a de estudar as tendências mais gerais do desen­ volvimento, da evolução do mundo (da nature­ za e da sociedade) e seu reflexo na consciência humana (pensamento), bem como determinar as leis objectivas do conhecimento da realidade pe­ lo homem. A chamada “coordenação de principio” constitui a espinha dorsal da filosofia de Avena* V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 222.

rius. A sua teoria reconhece a existência do “Eu”, isto é, do indivíduo que observa, mas também a existência do meio que ele habita, de­ signado pelo “não Eu”. Ao enunciar este postu­ lado razoável (ao menos, reconheceu um tal meio real, exterior), Avenarius diz algo estra­ nho. Afirma que o “Eu” e o “não Eu”, isto é, o homem e o meio, se encontram numa “coor­ denação de princípio”, leia-se, numa coordena­ ção indissolúvel correlativa. O meio não existe sem este tal “Eu”. O nosso “Eu” e o meio estão sempre juntos. Esta hgação indissolúvel do “Eu” e do “não Eu” é por Avenarius caracteri­ zada da seguinte maneira: “Eu” é o termo cen­ tral da coordenação e o meio é o contratermo. A parte principal, central, deste binómio cons­ tante é o “Eu”, o indivíduo; e o secundário, o derivado, é o “não Eu”, o meio. Sem o “Eu”, segundo Avenarius, não pode haver o “não Eu”: sem indivíduo consciente não existe mun­ do circundante. Como vemos, a doutrina de Avenarius não difere, no essencial, da afirmação berkeleyana de que o mundo é a minha sen­ sação, é o produto da minha consciência. Ao criticar Avenarius, Léníne chama a aten­ ção para a contradição existente entre os postu­ lados do filósofo e certos factos evidentes esta­ belecidos pelas ciências da natureza, para a ügação ao fideísmo das opiniões por ele defendidas. Segundo V. L Lénine, a questão de saber se a Natureza existiu antes do Homem é “particu­ larmente venenosa” para a filosofia de Ave­ narius e de Mach. As ciências naturais estabele­ ceram há muito tempo que a Terra existiu antes do Homem e, dum modo geral, antes de qual­ quer ser vivo. Nem Mach nem Avenarius se 37

atreveram a negar este postulado. Mas que será, então, da tese da ligação indissolúvel entre o “Eu” e o “não Eu”, tendo em conta que o “não Eu” (isto é, a Terra, o meio) existiu antes de o “Eu” (isto é, o individuo, “o membro central da coordenção”) ter aparecido? Para sal­ var todo o seu sistema filosófico, Avenarius ten­ tou eliminar esta contradição flagrante com os postulados científicos comummente aceites. In­ troduziu, para esse efeito, noção de “termo cen­ tral potencial”. Segundo Avenarius, o homem, ou seja, “o termo central da coordenação”, não é igual a zero, mesmo antes de ter nascido. Ele já existe, embora potencialmente, e, por conse­ guinte, já determina a existência de todo o mun­ do, isto é, do “não Eu”, do meio. V. I. Lénine prova que a teoria do “termo potencial”, no fundo, anda próxima da doutrina rehgiosa da vida no além-túmulo. Segundo Ave­ narius, “o termo central potencial” existiu sem­ pre, aliás, como o homem existiu antes de nas­ cer. Daqui até afirmar que o homem pode exis­ tir depois da morte, isto é, até afirmar a imortahdade da alma, é um passo. “E não será isto mística — contrapõe V. I. Lénine — , a antecâ­ mara imediata do fideísmo? Se é possível pensar num termo central potencial em relação ao meio futuro, por que não pensar nele em relação ao meio passado, isto é, após a morte do homem? Direis; Avenarius não tirou esta conclusão da sua teoria. Sim, mas com isso a sua teoria absur­ da e reaccionária tornou-se apenas cobarde, mas não se tornou melhor” ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 57. 38

Avenarius não conseguiu eliminar a contra­ dição da sua teoria com os dados das ciências. “O termo central potencial” com a sua cons­ ciência potencial, pura invenção de Avenarius, está necessariamente em contradição flagrante com os dados proporcionados pelas ciências na­ turais que afirmam que a natureza existiu antes do homem, antes da sua consciência. Não exis­ te, portanto, nenhuma hgação indissolúvel entre o “Eu” e o “não Eu”. Bogdanov, luchkevitch e outros machistas russos acharam que a teoria de Avenarius era “nova”, “actual”, “reahsta”, isto é, materiahs­ ta. Agrada-lhes que Avenarius reconheça a exis­ tência do “não Eu”, embora, como vimos, este conceito dependa sempre do “Eu”, do indivi­ duo. Comparando a teoria de Avenarius com as concepções do idealista subjectivo alemão Jo­ hann Gottlieb Fichte (1762-1814), V. I. Léni­ ne desmascara a alegada novidade desta teoria e a sua pretensa proximidade do materiahsmo. Para o efeito, socorre-se do diálogo (retirado duma obra de Fichte, editada em 1801) entre as figuras imaginárias do “filósofo” e do “leitor”. O filósofo (ou seja, o próprio Fichte) pergunta ao leitor: “Diz-me e pensa bem antes de respon­ deres: aparece dentro de ti ou diante de ti algu­ ma coisa a não ser juntamente com a consci­ ência desta coisa ou através da consciência de­ la?..” 1 O leitor, naturalmente, concorda com ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 64. J. G. Fichte. Sonnenklarer Bericht an das größere Publikum über das eigentliche Wesen der neuesten Philosophie, Berlin, 1801, S. 232. 39

o que é óbvio: é impossivel conhecer uma coisa sem sensações, sem as impressões que ela pro­ duz no cérebro humano. E desta conclusão cor­ recta de que cada coisa “se apresenta” diante de nós, quer dizer, é cognoscivel através da cons­ ciência, Fichte e os demais ideahstas subjectivos fazem uma dedução absolutamente falsa: uma coisa não existe sem a consciência. Fichte acon­ selha o interlocutor: “Não te esforces, pois, por sair de ti mesmo, por abarcar mais do que podes abarcar...” ^ Por outras palavras, não penses que há algo que exista fora de ti, que fora de ti exista a fonte das tuas sensações, quaisquer ob­ jectos reais: na realidade, só existe algo de parti­ cular e indissolúvel, “a consciência e a coisa” e “a coisa e a consciência”, “o subjectivo e o ob­ jectivo e o objectivo e o subjectivo”. Todo este palavreado fichteano, demonstra V. I. Lénine, condensa (muito antes de Avenarius) a essência da teoria empiriocritica “moderna” de “coorde­ nação de principio”. Assim, a teoria de Avena­ rius não passa duma paráfrase da doutrina idea­ lista de Fichte. Tanto Fichte como Avenarius afirmam de­ fender pura e simplesmente pontos de vista hu­ manos, não maculados pela sabedoria filosófica deturpada, dizem propugnar pelo “realismo in­ génuo”. V. L Lénine refuta dum modo convin­ cente estas afirmações sofisticas, demonstrando que as convicções “ingénuas”, “espontâneas”,

* V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 6 J. G. Fichte. Sonnenklarer Bericht an das größere Publikum über das eigentliche Wesen der neusten Philosophie, Beriin, 1801, S. 232. 40

dos homens não correspondem obriga­ toriamente às teorias dos ideahstas. “O ‘realis­ mo ingénuo’ de todo o homem, que não esteve no manicômio nem foi aluno dos filósofos, diz Lénine, consiste em admitir que as coisas, o meio, o mundo, existem independentemente da nossa sensação, da nossa consciência, do nosso Eu e do homem em geral. A mesma experiência (não no sentido machista, mas no sentido huma­ no da palavra) que criou em nós a firme convic­ ção de que independentemente de nós exis­ tem outros homens e não simples complexos das minhas sensações de alto, de baixo, de amarelo, de sóhdo, etc., esta mesma experiência cria em nós a convicção de que as coisas, o mundo, o meio, existem independentemente de nós. As nossas sensações, a nossa consciência, são ape­ nas a imagem do mundo exterior, e é evidente que o reflexo não pode existir sem o reflectido, mas o reflectido existe independentemente da­ quilo que o reflecte. A convicção ‘ingénua’ da humanidade é conscientemente colocada pelo materialismo na base da sua teoria do conheci­ mento” Afigura-se-nos necessário determo-nos na crí­ tica que V. L Lénine faz à “teoria” de Avena­ rius da chamada introjecção. Avenarius acusa os cientistas que afirmam que o pensamento é a função do cérebro de cometerem uma “intro­ jecção” inadmissível, isto é, por introduzirem “o pensamento no cérebro ou as sensações em nós” Avenarius sustenta que o cérebro não é ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 52. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 66. 41

o órgão do pensamento e que o pensamento não é função do cérebro. “Tomemos, por exemplo, Engels — escreve V. I. Lénine — e veremos lo­ go fórmulas materialistas claras, opostas a este postulado: ‘o pensamento e a consciência, diz Engels em Anti-Dühring, são produtos do cére­ bro humano’. E esta ideia é repetida mais de uma vez na obra citada. Em Ludwig Feuerbach, podemos acompanhar os pontos de vista de Feuerbach e de Engels: ‘este mundo material e percebido sensorialmente por nós, ao qual to­ dos nós pertencemos, é o único mundo objecti­ vo’; ‘... a nossa consciência e pensamento, por muito sobre-sensoriais que pareçam, são produ­ to de um órgão material, corpóreo, o cérebro. A matéria não é produto do espirito, mas o espi­ rito é apenas o produto superior da matéria. Istoé, evidentemente, puro materiahsmo” ^ “...O nosso cérebro — enuncia Avenarius em O Con­ ceito Humano do Mundo — , não é a morada, o assento, o criador, não é o instrumento ou o órgão, o portador ou o substrato, etc., do pen­ samento” A afirmação de que o pensamento reside no cérebro é, segundo Avenarius, uma “introjecção” inadmissivel, quer dizer, uma in­ trodução inadmissivel no cérebro duma coisa que lá não se encontra. Para arrasar o materia­ hsmo, Avenarius está disposto a negar a verda­ de mais elementar da fisiologia, há muito tempo provada e absolutamente incontestável, de que o pensamento é produto do cérebro. * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 66. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 65. 42

Avenarius afirma que a “introjecção” é radi­ calmente oposta à “concepção natural do mun­ do” e consequentemente cai no idealismo, em­ bora dizendo-se inimigo do idealismo, por re­ conhecer igualmente a realidade do “Eu” e do meio. Mas, de facto, o filósofo combate “a con­ cepção natural do mundo” (leia-se, materiahs­ mo) e afirma-se como idealista, porque tanto o “Eu” como o meio são, para ele, complexos de sensações. “Como não conhecemos ainda todas as condições da ligação por nós observada a ca­ da minuto entre a sensação e a matéria organi­ zada de determinada maneira — admitimos co­ mo existente apenas a sensação: eis a que se re­ duz o sofisma de Avenarius” ^ A análise das teorias confusas de Avenarius é necessária para, em primeiro lugar, esclarecer a essência do empiriocriticismo e, segundo, ter ideia de quem é que os machistas russos que se diziam materiahstas seguiram e em que filosofia absurda se fiaram estes “quase” marxistas, co­ mo lhes chamou V. I. Lénine. V. L Lénine situa Bogdanov no campo dos empiriocriticos e machistas, embora este tivesse dito que não se podia reconhecer como machis­ ta. Deu à sua doutrina o nome de empiriomonismo, chamando ser diferente do empiriocriticis­ mo. Na sua obra Empiriomonismo, Bogdanov sustenta ter aproveitado da concepção filosófica de Mach uma só tese: a neutrahdade dos ele­ mentos da experiência (isto é, das sensações) re­ lativamente aos elementos “fisico” e “psiqui co”, a dependência destas características da rela' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 39. 43

ção empírica. Não se deu conta que tinha retira­ do de Mach o essencial: a identidade do físico e do psíquico, o postulado de que o físico e o psíquico são, no fundo , a mesma coisa, são apenas características do mesmo fenómeno. On­ de é que está aqui a originariedade do fisico face ao psíquico que Bogdanov reconhece verbal­ mente? V. I. Lénine diz dos arrozoados de Bogda­ nov: “É como se um homem rehgioso dissesse; não me posso considerar partidário da religião, porque tomei destes partidários “só uma coisa”; a fé em Deus. A “só uma coisa” tomada de Mach por Bogdanov é precisamente o erro fun­ damental do machismo, a incorrecção funda­ mental de toda esta filosofia” ^ A crítica leninista ao ideahsmo subjectivo de Mach e Avenarius mostra dum modo convin­ cente a inconsistência das suas doutrinas filosó­ ficas, põe a nu a improbabilidade absoluta das afirmações dos machistas russos, de que a filo­ sofia apregoada por Mach e por Avenarius re­ presenta uma “terceira direcção” na filosofia, sendo “uma verdade fora do materialismo e do ideaUsmo”^. Na realidade, ela não é senão “uma embrulhada incoerente de materiahsmo e ideahsmo”^. A crítica leninista ao idealismo subjectivo da época passada é igualmente actual nos nossos V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 43. V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 68. V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 68. 44

dias. Na filosofia burguesa contemporânea um lugar importante é reservado ao idealismo sub­ jectivo, no quadro do qual continuam a ser fo­ mentadas as ideias anticientifícas e reaccioná­ rias desmascaradas por V. I. Lénine em Mate­ rialismo e Empiriocriticismo. A tese berkeleyana de que o mundo é o con­ junto de sensações humanas alimenta o neoposi­ tivismo, a moderna forma do positivismo. Estas ideias reviveram nos anos 20 e 30 do nosso sécu­ lo no chamado Círculo de Viena, sociedade de fi­ lósofos que esteve na origem do neopositivismo contemporâneo. A filosofia contemporânea recuperou certos postulados agnósticos de Hume, criticados por V. I. Lénine. As suas ideias inspiraram a maior parte das doutrinas positivistas dos séculos XIX e XX, que aprovietaram do filósofo inglês a ne­ gação da substância (matéria), conclusões ag­ nósticas sensualistas e a negação do conceito objectivo de causalidade. Os chefes do neoposi­ tivismo — Shhsk e Russel — reconheceram sem equívocos Hume como seu pai espiritual. O filósofo inglês Bertrand Russel recorda embebecidamente os postulados fundamentais de Hume, declarando que não vê modo de se Uvrar deles. Russel tece especiais elogios a Hume por este negar a substância, isto é, a matéria. Se­ gundo Russel, este facto alimentou discussões e controvérsias frutiferas. Estão igualmente vivas na filosofia contem­ porânea burguesa as concepções idealistas kan­ tianas, criticadas por V. L Lénine. O subjecti­ vismo neokantiano, o agnosticismo e o aprioris­ mo estão na origem de uma série de escolas filo­ sóficas modernas. No seio da social45

-democracia, são amplamente divulgadas as ideias neokantianas em que se baseia o “socia­ lismo ético”, que pretende sebstituir a teoria marxista da luta de classes pela prédica da re­ educação moral da sociedade. No existencialis­ mo, que se identifica com as posições do agnosticismo, notam-se vestigios evidentes do idea­ lismo. Falta acrescentar que, frequentemente, a fi­ losofia contemporânea faz a apologia dos pon­ tos mais débeis do sistema filosófico kantiano, critica esta doutrina da direita e nega os seus as­ pectos materialistas e dialécticos. Os principios fundamentais do neopositivis­ mo denotam uma clara influência das doutrinas de Mach e Avenarius. Uma das ideias cardeais do neopositivismo é a negação de toda a filoso­ fia precedente sob o falso pretexto de ela não ter sentido cientifico, pura e simplesmente porque esta filosofia tinha a pretensão de falar do mun­ do objectivo. Segundo os neopositivistas, esta disciplina não pode acrescer nenhum postulado novo acerca do mundo além do que dizem as outras ciências. Pos isso, a missão da filosofia consiste em analisar a lógica do pensamento ou a linguagem da ciência. Assim, Russel afirma que a essência da filosofia é a lógica. O neopositivista R. Carnap restringiu ainda mais o objec­ to da filosofia, sustentando que a sua função se reduz à análise lógica e sintáctica da língua. A questão fundamental da filosofia, dizem os neopositivistas, é uma questão falsa, uma pseudoquestão; a solução do problema da correla­ ção entre o ser e a consciência não tem sentido, pois a única coisa que é dada ao homem é a sua consciência. A única coisa que nos é dada e que

pode ser, portanto, objecto de discussão e análi­ se são os nossos pensamentos, construções lógi­ cas, sensações e dados sensoriais. Todas as esco­ las do neopositivismo — positivismo lógico, empirismo lógico, filosofia linguística, filosofia analítica, etc.— expurgam a filosofia, como, na sua altura, fizeram Mach e Avenarius, da “me­ tafísica”, pela qual entendiam toda e qualquer alegação à objectividade do mundo, ã sua reali­ dade. Certas ideias de Avenarius permanecem na filosofia contemporânea. Por exemplo, a “coor­ denação de princípio” preconizada por Avena­ rius foi desenvolvida nalguns postulados do existêncialismo. Para esta filosofia, a existência humana está no centro do Universo, donde todo o mundo è resultado do homem. Karl Jaspers, uma das figuras proeminentes do existenciahsmo alemão, repetiu quase hteralmente certas fórmulas de Avenarius. Dizia, entre outras coi­ sas, que, quando falamos do “não Eu”, conce­ bemo-lo inseparavelmente do “Eu”. Deste mo­ do, tentou demonstrar que a existência do “não Eu”, isto é, do mundo objectivo, é inconcebível sem o “Eu”, sem o homem pensante. É absolutamente evidente que a essência ideológica do ideahsmo subjectivo contemporâ­ neo continua a mesma que nos tempos de V. I. Lénine. Igualmente invariável é a sua es­ sência de classe. Independentemente dos desejos e das aspirações pessoais e subjectivas de cada filósofo ideahsta (e entre eles encontramos ás vezes homens progressistas nas suas aspirações sociais, como é o caso do filósofo inglês B. Russel), a filosofia ideahsta está objectiva­ mente ao serviço do fideísmo e contra a doutri-

-democracia, são amplamente divulgadas as ideias neokantianas em que se baseia o “socia­ lismo ético”, que pretende sebstituir a teoria marxista da luta de classes pela prédica da re­ educação moral da sociedade. No existencialis­ mo, que se identifica com as posições do agno­ sticismo, notam-se vestigios evidentes do idea­ lismo. Falta acrescentar que, frequentemente, a fi­ losofia contemporânea faz a apologia dos pon­ tos mais débeis do sistema filosófico kantiano, critica esta doutrina da direita e nega os seus as­ pectos materialistas e dialécticos. Os princípios fundamentais do neopositivis­ mo denotam uma clara influência das doutrinas de Mach e Avenarius. Uma das ideias cardeais do neopositivismo é a negação de toda a filoso­ fia precedente sob o falso pretexto de ela não ter sentido cientifico, pura e simplesmente porque esta filosofia tinha a pretensão de falar do mun­ do objectivo. Segundo os neopositivistas, esta disciplina não pode acrescer nenhum postulado novo acerca do mundo além do que dizem as outras ciências. Pos isso, a missão da filosofia consiste em analisar a lógica do pensamento ou a linguagem da ciência. Assim, Russel afirma que a essência da filosofia é a lógica. O neopositivista R. Carnap restringiu ainda mais o objec­ to da filosofia, sustentando que a sua função se reduz à análise lógica e sintáctica da língua. A questão fundamental da filosofia, dizem os neopositivistas, é uma questão falsa, uma pseudoquestão; a solução do problema da correla­ ção entre o ser e a consciência não tem sentido, pois a única coisa que é dada ao homem é a sua consciência. A íinica coisa que nos é dada e que

pode ser, portanto, objecto de discussão e análi­ se são os nossos pensamentos, construções lógi­ cas, sensações e dados sensoriais. Todas as esco­ las do neopositivismo — positivismo lógico, empirismo lógico, filosofia linguística, filosofia analítica, etc.— expurgam a filosofia, como, na sua altura, fizeram Mach e Avenarius, da “me­ tafísica”, pela qual entendiam toda e qualquer alegação à objectividade do mundo, ã sua reali­ dade. Certas ideias de Avenarius permanecem na filosofia contemporânea. Por exemplo, a “coor­ denação de princípio” preconizada por Avena­ rius foi desenvolvida nalguns postulados do existêncialismo. Para esta filosofia, a existência humana está no centro do Universo, donde todo o mundo é resultado do homem. Karl Jaspers, uma das figuras proeminentes do existencialis­ mo alemão, repetiu quase literalmente certas fórmulas de Avenarius. Dizia, entre outras coi­ sas, que, quando falamos do “não Eu”, conce­ bemo-lo inseparavelmente do “Eu”. Deste mo­ do, tentou demonstrar que a existência do “não Eu”, isto é, do mundo objectivo, é inconcebível sem^o “Eu”, sem o homem pensante. É absolutamente evidente que a essência ideológica do idealismo subjectivo contemporâ­ neo continua a mesma que nos tempos de V. I. Lènine. Igualmente invariável è a sua es­ sência de classe. Independentemente dos desejos e das aspirações pessoais e subjectivas de cada filósofo idealista (e entre eles encontramos ás vezes homens progressistas nas suas aspirações sociais, como ê o caso do filósofo inglês B. Russel), a filosofia idealista está objectiva­ mente ao serviço do fideísmo e contra a doutri­

na revolucionária marxista. A argumentação le­ ninista, que torna clara a orientação reaccionaria da escolástica gnosiológica do idealismo, mantém-se actual e vigorosa na luta contra o idealismo contemporâneo.

Ill

o D ES E N V O LV IM EN TO POR V . I. LÊNINE DA TEORIA M A R X IS T A DO C O N H E C IM E N TO

Em Materialismo e Empiriocriticismo, V. I. Lénine concentrou o principal da sua atenção nos problemas da teoria do conheci­ mento, na gnosiologia. Os títulos dos primeros três capítulos da obra acusam incontestavel­ mente a sua orientação gnosioló^ca; “A teoria do conhecimento do empiriocriticismo e do ma­ teriaUsmo dialéctico”. Os problemas gnosiológicos são igualmente focalizados noutros capítu­ los da obra leninista. OIV capítulo é dedicado à teoria do conhecimento kantiana e crítica a “teoria dos símbolos” de Helmholtz. O capítu­ lo seguinte trata das questões da relatividade, do conhecimento relativo e ainda das raízes gnosiológicas do ideahsmo “físico”. O VI capítulo sub­ mete ã crítica a gnosiologia dos machistas que fornece uma visão deturpada dos fenómenos so­ ciais. V. I. Lénine destaca, entre outros proble­ mas filosóficos, a gnosiologia, em virtude das condições históricas do seu tempo. A teoria do conhecimento teve significado primordial para a filosofia em função da importância crescente das ciências na vida social. A revolução cientifi­ ca que se desenrolava, exigia uma reelaboração filosófica tanto dos métodos científicos como 4— 1253

das novas descobertas. Além disso, esta atenção especial à reponderação das questões alusivas à teoria do conhecimento era ditada pela necessi­ dade de combater as especulações idealistas dos problemas gnosiológicos, as teorias machistas e o idealismo “físico” que se divulgava cada vez mais. V. I. Lénine desenvolve a doutrina marxis­ ta, tomando como ponto de partida a teoria dia­ léctica materialista do reflexo que constitui a medula da teoria do conhecimento. Recordan­ do a refutação feita por F. Engels ao agnosticismo, V. I. Lénine escreve:“...a teoria materialis­ ta, a teoria do reflexo dos objectos pelo pensa­ mento, está aqui exposta com toda a clareza: fo­ ra de nós existem coisas. As nossas percepções e representações são imagens delas” ^ A teoria do reflexr está intimamente ligada à solução da questão fundamental da filosofia. A questão fundamental da filosofia, mais concretamente, a da relação do pensar e do ser, do pensamento e da matéria, da natureza, é abordada segundo dois aspectos: primeiro, que é o mais primá­ rio — o espírito ou a natureza, a matéria ou a consciência — e, segundo, qual a pelação en­ tre o conhecimento do mundo e o mundo, ou por outras palavras, corresponderá a consciên­ cia ao ser? Será aquela capaz de reflectir correc­ tamente o mundo? O materialismo defende que o mundo existe objectivamente, independente­ mente da consciência, e os homens fazem parte da natureza, reflectindo-a na sua consciência. Daí segue uma conclusão: o mundo e as suas leis são cognoscíveis. Todos os ideahstas, ou seja. V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 82.

todos os que crêem que o espírito existiu antes da matéria, coincidem numa tese: negam o con­ hecimento como reflexo da reaUdade objectiva. A teoria do reflexo estuda as particularida­ des comuns a todas as formas de reflexo. Anali­ sa o reflexo na natureza não viva, nas formas mais simples da matéria viva e estuda a forma­ ção e fl essência da forma psíquica superior do re­ flexo da realidade, a formação e a essência do conhecimento da realidade pelo homem. A gnosíologia e a teoria do reflexo estão interligadas, mas^não são uma e a mesma coisa. É precisamente esta estreita interligação dos problemas gnosíológícos e da teoria do reflexo que explica por que V. I. Lénine, nos capítulos consagrados à teoria do conhecimento, se de­ bruça sobre certas questões não relacionadas imediatamente com a gnosiologia. Assim, no II capítulo, V. I. Lénine examina com pormenor o problema da “coisa em si”, que tem mais a ver com a questão fundamental da filosofia. No III capítulo, discorre sobre os conceitos de matéria, causalidade, necessidade, tempo e espaço que são mais do domínio das categorias ontológicas, isto é, das que entram na caracterização do ser material. A análise leninísta destas categorias obedece ã mesma lógica da crítica à gnosiologia dos idealistas, que apresentam os referidos con­ ceitos como puros produtos da razão humana. Dos três capítulos dedicados à gnosiologia, o segundo é o mais abundante em material gnosiológico propriamente dito. Afora a questão da “coisa em si”, neste capítulo são analisados em profundidade o problema da dialéctica do sub­ jectivo e objectivo no conhecimento, assim co­ mo os diversos aspectos da verdade — 4*

objectiva, absoluta e relativa - e os critérios da prática no processo de conhecimento; são igual­ mente esboçadas as questões da dialéctica do conhecimento, mais tarde aprofundadas em Os Cadernos Filosóficos de V. I. Lénine. Passemos, pois, ao exame dos postulados fundamentais do II capítulo da obra de Lénine. 1. Sobre a "coisa em si". Três im portantes conclusões gnosiológicas

‘'Coisa em s f’ é o termo filosófico que serve para designar as coisas que existem por si pró­ prias, independentemente de nós e do nosso conhecimento. Interpretado desta maneira, o termo incomoda os idealistas subjectivos, que negam a existência das coisas fora da nossa consciência. A noção de “coisa em si” figura portanto em todas as obras dos machistas russos. “Os nossos machistas — constata V. I. Lénine — escreveram tanto sobre a ‘coisa em si’ que, se se reunisse tudo, se obteriam mon­ tanhas inteiras de papel impresso”^ A “coisa em si”, segundo uma observação irônica de V. I. Lénine, é uma verdadeira “'bête noire', uma besta negra, um monstro, o objecto mais detes­ tável para os machistas russos Bogdanov e Va­ lentinov, Bazarov e Tchernov, Bermann e luch­ kevitch. É neste combate á “coisa em si” que se revela a incompreensão do marxismo por parte dos machistas e a sua tendência ideahsta. Por is­ so, V. I. Lénine dedica uma parte especial do segundo capítulo à essa questão. Bogdanov menospreza o facto de Marx ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 74. 52

e Engels reconhecerem a realidade das “coisas em si”, qualificando-as como “ídolo”, como “feitiço”, e elogia Mach por este as classificar de ilusão e abandonar, portanto, o ponto de vista kantiano nesta questão. V. I. Lénine traz a ter­ reiro a posição de Engels nesta matéria. Na sua obra Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, F. Engels sublinha que o mate­ rialismo toma a natureza como originária e o es­ pírito como derivado. A natureza, as coisas con­ cretas, existem antes de qualquer espírito, antes de qualquer conhecimento acerca delas. As “coisas em si” existem realmente e, no processo do conhecimento e da prática, são percebidas e transformadas em ^‘coisas para nós”. Engels prova a justeza deste postulado, tomando como exemplo a aUzarina, a matéria corante da riuvados-tintureiros. A alizarina foi “coisa em si” até as pessoas terem descoberto a sua composição química e começado a prepará-la. Este corante tornou-se uma “coisa para nós”, isto é, uma coi­ sa conhecida, depois de a química orgânica ter começado a prepará-lo dum modo artificial. E assim chegou o fim desta “coisa em si”, im­ perceptível e incognoscível, postulada por Kant, pois, ao fim e ao cabo, cada coisa pode ser co­ nhecida pelo intelecto e pela prática humanos. Evidentemente, trata-se aqui do “fim” da incognoscíbilidade da “coisa em si”, do “fim” do seu desconhecimento para nós, mas não do “fim” da sua existência real. Segundo F. Engels, as “coisas em si” existem na realidade e, neste ponto, as opiniões dos mar­ xistas e os postulados de Kant coincidem perfei­ tamente. Mas, há uma diferença profunda, substancial, entre o marxismo e Kant no que

respeita à interpretação da “coisa em si”. No sistema filosófico kantiano a noção de “coisa em si”, objectivamente existente, está intima­ mente ligada ao agnosticismo, pois o filósofo defende que a essência das coisas é inacessível ao nosso conhecimento e que este último está sempre “além” da essência, na esfera do “fe­ nómeno”, isto é, do aspecto exterior, sensorial, dos objectos. Segundo Kant, a “coisa em si” nunca pode tornar-se a“coisa para nós”, a coisa conhecida. E è precisamente este aspecto da doutrina kantiana da “coisa em si” que não po­ de ser reconhecido por nenhum materialismo e muito menos o dialéctico. Para o marxismo a “coisa em si” é uma coisa objectiva mas ainda não conhecida que pode ser conhecida na sua essência, transformando-se assim em “coisa pa­ ra nós”. O marxismo não reconhece nenhum “abismo intransponível” entre o fenómeno e a essência, entre a “coisa em si” e a “coisa para nós”^ Os enunciados de F. Engels acerca da “coi­ sa em si” levam V. I. Lénine a tirar três conclu­ sões gnosiológicas, que constituem preciosa contribuição para a teoria do conhecimento de­ fendida pelo materialismo dialéctico. A primeira conclusão concerne à objectivida­ de das coisas, à sua independência da nossa consciência. Valendo-se do exemplo da alazarina de F. Engels, V. L Léníne extraí a conclusão seguínte:“As coisas existem independentemente da nossa consciência, independentemente da nossa sensação, fora de nós, porque é indubítá* V. I. lÁnine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. i9.

vel que a alazarina existia ontem no alcatrão da hulha, e é igualmente indubitável que ontem nós não sabíamos nada desta existência, que não re­ cebíamos nenhumas sensações desta alazarina”^ A segunda conclusão diz respeito à cognoscibihdade das coisas, á refutação do agnosticis­ mo. “Não há nem pode haver absolutamente nenhuma diferença de principio entre o fenóme­ no e a coisa em si — escreve V. I. Lénine.— Â diferença existe simplesmente entre o que é co­ nhecido e aquilo que não é ainda conhecido, e as invenções filosóficas acerca da existência de li­ mites especiais entre iraia coisa e outra, acerca de que a coisa em si se encontra “além” dos fe­ nómenos (Kant), ou de que podemos e devemos separar-nos com uma barreira filosófica da questão do mundo ainda não conhecido numa ou outra parte, mas existente fora de nós (Hu­ me)— tudo isto é absurdo, Schrulle, fantasias, invenções.”^ E, por ílm, na terceira conclusão, V. I. Léníne coloca as questões da ligação da teoria do co­ nhecimento à dialéctica como doutrina sobre o desenvolvimento, da unidade e da luta dos contrários. Sem a dialéctica, é impossível com­ preender correctamente a essência do conheci­ mento humano, identificar-se com as posições do materiahsmo. O materiahsmo sem a dialécti­ ca é um materialismo menoscabado, não cienti­ fico, metafísico. Ao formular esta conclusão V. L Lénine escreve: “Na teoria do conheci­ mento, como em todos outros domínios da ciên­ ’ V. I. lÁmne. Materialismo e Empiriocriticismo, p. n . ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 77.

cia, deve-se raciocinar dialecticamente, isto é, não supor o nosso conhecimento acabado e imutável, mas analisar de que modo da igno­ rância nasce o conhecimento, de que modo o conhecimento incompleto, impreciso, se torna mais completo e mais preciso. Uma vez adoptado o ponto de vista de que o conhecimento humano se desenvolve a partir da ignorância, vereis que milhões de exemplos, tão simples como a descoberta da alazarina no alcatrão da hulha, milhões de observações ex­ traídas não só da história da ciência e da técni­ ca, mas da vida quotidiana de todos e de cada um, mostram ao homem a transformação das ‘coisas em sí’ em ‘coisas para nós’ ...A única e inevitável conclusão daí — que tiram todos os homens na prática humana viva e que o mate­ rialismo põe conscientemente na base da sua gnosiologia — consiste em que fora de nós e in­ dependentemente de nós existem objectos, coi­ sas, corpos, em que as nossas sensações são ima­ gens do mundo exterior” ^ A teoria marxista do conhecimento arrasa oor completo o postulado do agnostícismo so?re a incognoscíbilidade da essência dos objec­ tos. Na segunda parte do II capítulo da obra (“Sobre o ‘transcensus’, ou V. Bazarov ‘ajeita’ Engels”), V. I. Lénine demora-se na análise da questão do chamado “transcensus”. O machista Bazarov acusou os materialistas por terem operado a partir do “transcensus”, o que era inadmissível. O autor afirma que, em Engels, não encontramos o conceito de “trans* V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 87.

census”, não obstante, outros materialistas o preconizarem. Por “transcensus” Bazarov, assim como Kant e Hume, entendia a transição das sensa­ ções para o juizo das coisas em si, da realidade (la, transcensus, transição, passagem). Para os partidários de Kant e de Hume, a afirmação de que as sensações nos proporcionam a visão do que existe fora das sensações é um “transcen­ sus” (passagem) incorrecto de um dominio para o outro, substancialmente diferente do primei­ ro. “... A própria ideia de ‘transcensus’ — explica V. I. Lénine —, isto é, de uma linha de demarcação de princípio entre o fenômeno e a coisa em si, é uma ideia absurda dos agnósti­ cos (incluindo humistas e kantianos) e dos idea­ listas” ^ Bazarov tenta, assim, fazer passar F. Engels por um agnóstico e idealista subjectivo. V. L Lénine insurge-se contra esta tentativa: F. Engels sustenta que a prática nos dá provas da correspondência, da identidade, das nossas percepções e representações sensoriais com a natureza objectiva das coisas percebidas. Des­ ta afirmação de Engels, Bazarov faz uma extra­ polação hedionda: F. Engels teria afirmado que “a representação sensorial é precisamente a rea­ lidade que existe fora de nós”. Bazarov interpre­ ta a palavra “coincidir” não como “correspon­ der”, “traduzir acertadamente”, mas como “ser idêntico”. F. Engels diz que a sensação repro­ duz acertadamente, representa a realidade, ao passo que Bazarov afirma que Engels identifica ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 87.

a sensação com a realidade. Assim, “Engels é ajeitado à moda de Mach, assado e servido com molho machista”, observa causticamente V. I. Lénine Por conseguinte, todo o postula­ do de Bazarov assenta numa deturpação do sen­ tido do enunciado de Engels. 2. A sensação com o reflexo da realidade, como "um a im agem subjectiva do mundo o b jectivo”

Da anáhse da questão da “coisa em si” e da crítica da teoria do “transcensus”, V. I. Lénine prova o postulado fundamental da teoria materiahsta do reflexo: as nossas sensações (e os nos­ sos conhecimentos) são um reflexo, uma ima­ gem da reahdade. A seguir, V. I. Lénine trata o problema da complexidade desta imagem, desta cópia da reahdade, fundamentando, ao mesmo tempo, o ponto de vista dialéctico e materiahsta sobre essa questão. A teoria do conhe­ cimento do materiahsmo pré-marxista conside­ rava as sensações como uma espécie de cópia morta, de espelho, da reahdade circundante. Nesta teoria, á consciência era reservada apenas uma função de reflexo passivo da reahdade e es­ tas concepções correspondiam perfeitamente ao carácter contemplativo do velho materiahsmo. É sabido que as revisionistas contemporâ­ neos, em matéria de filosofia, tendem a trans­ plantar os “vícios” da teoria do conhecimento V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 85.

preconizada pelo materialismo metafísico para a teoria leninista do reflexo, afírmando que a úl­ tima também parte da passividade do homem e nega a actividade da consciência humana. To­ davia, quem estudou com atenção o II capítulo do Materialismo e Empiriocriticismo e, em espe­ cial, a sua terceira parte, onde se trata funda­ mentalmente do aspecto subjectivo das sensa­ ções, compreenderá facilmente a inconsistência destes ataques contra a teoria leninista. Além disso, o autor volta ao problema da actividade do homem na sexta parte do dito capitulo, que dedica ao papel desempenhado pela prática no conhecimento. A ideia principal de V. I. Lénine é a seguin­ te: os nossos sentidos e representações reflectem a realidade, proporcionando-nos dela uma ima­ gem mais ou menos correcta. Ao mesmo tempo, “os objectos das nossas representações diferem das nossas representações, a coisa em si difere da coisa para nós...” ^ Nas sensações, assim co­ mo na consciência do homem, há sempre pre­ sente um elemento subjectivo. V. I. Lénine fun­ damenta esta proposição com as palavras de L. Feuerbach a este propósito: “O meu nervo gustativo é um produto da natureza, tal como o sal, mas não se segue dai que o gosto do sal se­ ja directamente, como tal, uma propriedade ob­ jectiva deste; que aquilo que o sal é {ist) na qua­ lidade de objecto da sensação, ele o seja também em si mesmo {an undfür sich); que a sensação do sal na língua seja uma propriedade do sal tal co­ mo o pensamos sem experimentar a sensação... * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 89.

A salinidade, como sabor, é uma expressão sub­ jectiva de uma propriedade objectiva do sal” ^ A ideia de Feuerbach deve interpretar-se as­ sim: qualquer sensação, por exemplo, a do gos­ to, é uma impressão do homem. Mas a sensação expressa igualmente as propriedades objectivas das coisas que estão fora do homem e sem sen­ sação alguma. O gosto do sal é o reflexo subjec­ tivo das qualidades objectivas do sal. V. I. Lénine formula a concepção materia­ lista das sensações como a unidade dos elemen­ tos objectivo e subjectivo. Diz ele que “as sensa­ ções são uma imagem subjectiva do mundo ob­ jectivo...” 2 Esta fórmula exprime exactamente a contradição dialéctica da essência da sensa­ ção. Se omitirmos o elemento objectivo, a sensa­ ção será puramente subjectiva, não podendo re­ flectir, por conseguinte, o mundo exterior. Se ig­ norarmos a subjectividade da sensação, dare­ mos margem para uma grosseira interpretação mecânica da sensação como um reflexo morto, de espelho, da realidade. De facto, as proprieda­ des das coisas manifestam-se através da energia flsica (mecânica, calorífera, etc.) ou quimica so­ bre os órgãos receptores do homem, sobre as partes receptoras das fibras nervosas, transfor­ mando-se em influxo nervoso de que nasce uma sensação que não é uma cópia morta e simples das propriedades dos objectos. A sensação é, portanto, uma cópia, uma reprodução dos ob­ jectos, sendo uma cópia psíquica, singular, uma ‘ L. Feuerbach. Sämtliche Werke, Bd. VII, Stuttgail, 1903, S. 514. — Ver: V .l. Lénine. Materialismo e Empirio­ criticismo, p. 89. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. !W.

imagem subjectiva do objecto. Existe uma série de factores que determinam a subjectividade da sensação. Uma sensação é sempre o efeito da interacção entre o objecto e o homem, é o resultado da acção conjunta dos dois factores. A sensação não é uma reprodução passiva do objecto. A imagem que se forma na consciência depende tanto das propriedades ine­ rentes ao objecto que a fazem aparecer, como da textura em que essa imagem se forma, por assim dizer, do quadro em que se projecta a imagem do objecto. A sensação depende em boa medida das particularidades do analisador e das leis fi­ siológicas do seu funcionamento. A subjectividade das sensações manifesta-se também no facto de as informações vindas do mundo circundante serem percebidas em parâ­ metros determinados, limitados. Por exemplo, o som resultante das vibrações dos corpos mate­ riais, é percebido pelo homem na onda de fre­ quência de 16 a 20 000 Hz. As sensações da luz ou da cor são efeito da acção sobre a retina das radiações electromagnéticas no espectro de 380 a 760 milimicrons. Fora destes Umites a lumino­ sidade e o som deixam de ser percebidos pelos órgãos dos sentidos do homen. A acção do analisador (do órgão dos senti­ dos) sobre as sensações e representações pode ser significativa. O facto de que as percepções e sensações do homen são diferentes das dos animais exemplifica a subjectividade da visão humana do mundo. Está determinado que os órgãos visuais de certos animais (peixes, tarta­ rugas, lagartas) não são capazes de perceber as cores azul claro e azul-marinho; estas tonalida­ des não existem também na percepção visual da

maior parte dos pássaros. As abelhas não vêem as cores vermelha e laranja; por isso, percebem o mundo pelo prisma da cor violeta. É sabido que as formigas vêem raios químicos, invisíveis para o homem. Dai, a percepção visual das for­ migas é diferente da visão do homem. F. Engels dizia, a este propósito, que não se pode valer a quem quer ver o mundo com olhos de formi­ ga. A experiência e as sensações repetidas de­ sempenham um papel extraordinariamente im­ portante na formação da imagem. Há psicólo­ gos que defendem que as impressões “puras” do objecto só podem surgir uma vez. Depois, a imagem dum objecto concreto é formada não tanto pela acção directa deste objecto e mais por influência dos reflexos condicionados que se adquirem, por influência da experiência anterior e com uma certa “dose” dos vestígios desta ex­ periência. Vemos, por exemplo, os objectos de determinado comprimento, altura e volume co­ mo constantes, sempre mais ou menos iguais, embora a sua percepção visual seja variável con­ forme a distância. Na nossa retina, a imagem duma casa da qual nos afastamos diminui, ao passo que a sua imagem psíquica e as caracterís­ ticas das suas dimensões na nossa consciência fi­ cam invariáveis. Assim comandada pela expe­ riência, a consciência introduz correcções no re­ flexo imediato. É igualmente importante o facto de a forma­ ção da imagem ser sujeita a determinadas neces­ sidades e objectivos materiais e práticos. Por is­ so, este processo inclui tanto o que já sabemos do objecto, como também o que esperamos des­ te, isto é, o seu futuro, as tendências de evolução

deste objecto. Nesse caso, a imagem do objecto contém sempre certos elementos de criação, an­ tevisão e descoberta. Como resultado, temos em cada imagem uma interligação complicada de passado, presente e futuro. A subjectividade das sensações advém tam­ bém do facto de uma sensação nunca ser com­ pleta, não reflectir o objecto sob todos os aspec­ tos que lhe são inerentes e, por conseguinte, ser o objecto sempre mais rico do que a sua cópia. Neste aspecto, o problema da subjectividade da imagem prende-se com a relatividade do conhe­ cimento. No fim de contas, as sensações são sempre subjectivas no sentido de serem impres­ sões do homem; “Não há outros sentidos além dos humanos, isto é, ‘subjectivos’...”, sublinha V. I. Lénine ^ As qualidades pessoais do ho­ mem, assim como o meio que o rodeia influem também no carácter da sensação. A fisiologia e a psicologia contemporâneas têm registado progressos apreciáveis no estudo das origens das sensações. Todavia, não existe ainda uma teoria única e completa do apareci­ mento das sensações, do mecanismo da criação da imagem subjectiva. Mas, uma verdade é ab­ solutamente indiscutível: em consequência da acção em nós das coisas do mundo objectivo, dá-se uma excitação nervosa e, em seguida, a sensação. A subjectividade do reflexo gera na consciên­ cia certos factos negativos, ilusões, pode produ­ zir imagens que deturpam o objecto. A cons­ ciência pode, por vezes, gerar imagens que não têm um protótipo adequado e são, portanto. V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 84.

fantásticas: anjos, espiritos, etc. Em Os Cader­ nos Filosóficos, V. I. Lénine diz o seguinte: “A abordagem do intelecto do homen duma coisa, a tomada da forma ( = conceito) dela não éu m acto simples, imediato, morto, de espelho, mas um acto complexo, duplicado, ziguezagueante, que inclui a possibilidade da separação da fanta­ sia da vida...” ^ Ao mesmo tempo, o elemento subjectivo da consciência está na origem de mui­ tas e frutuosas qualidades da consciência. Este papel positivo do elemento subjectivo foi cor­ rectamente posto pelo filósofo marxista Todor Pavlov, cientista búlgaro e acadêmico, quando disse: “...o elemento subjectivo da consciência não signifíca unicamente o seu ponto fraco ou defeito; ele traduz ao mesmo tempo a sua força e vantagem perante a informação puramente objectiva, mas insensivel e automática” É gra­ ças ã subjectividade, ã hgação não absolutizada da ideia ao objecto, que se torna possível a ante­ cipação relativamente á reahdade, a antevisão, a criação artística e cientifica. V. L Lénine tinha em alto apreço a capaci­ dade do homem de se separar, em certo sentido, da realidade, de se antecipar, de prefigurar men­ talmente um panorama futuro, e atribuía papel positivo á antevisão cientifica e aos sonhos plau­ síveis sobre o futuro. Recordámos apenas alguns aspectos carac­ terísticos da subjectividade das sensações, as­ pectos que não podem ser ignorados na anáhse da teoria leninista das sensações. Mas é preciso ' V. I. Lénine. Obras Completas, t. 29, p. 330. ^ T. Pavlov. Os Problemas Actuais da Teoria Leninista do Reßexo,— Rev. “Kommunist”, 1968, JVTs 5, p. 32. 64

ter sempre em conta que o postulado da objecti­ vidade das sensações constitui a medula da sua doutrina. Pelo seu conteúdo, a sensação é objec­ tivamente o reflexo do mundo objectivo; ela é também, objectiva quanto à sua origem, pois aparece por efeito da acção dos objectos exterio­ res nos órgãos dos sentidos; ela é objectiva pela sua função de instrumento do conhecimento do mundo, da realidade que existe fora de nós. A objectividade das sensações resulta tam­ bém do facto de os órgãos dos sentidos que criam a imagem das coisas serem determinados pela realidade. No processo de evolução, a es­ trutura dos analisadores (auditivos, visuais, olfactivos, etc.) vai-se adaptando progressivamen­ te ao reflexo dos objectos. Não é de somenos importância a crítica leni­ nista à interpretação agnóstica das sensações, concebidas como sinais convencionais, símbo­ los, hieróglifos, dissemelhantes dos objectos re­ flectidos. A “teoria dos símbolos” {ou hierógli­ fos) exagera, dá primazia ao elemento subjectivo das sensações. V. I. Lénine critica o materialista G. V. Plekhánov, destacado teórico do marxis­ mo na Rússia, por, numa das suas obras, ter qualificado as sensações como uma espécie de hieróglifos, dissemelhantes dos factos que desig­ nam. O logro de Plekhánov era de carácter ter­ minológico, mas constituía sem dúvida uma concessão ã teoria do agnostícismo. O machista Bazarov pôs a ridículo o “materiaUsmo hieroglí­ fico” de Plekhánov, porém, em vez de corrigi-lo, se afundou no mesmo erro. Declarou ele que as sensações não são símbolos das coisas, mas “a realidade que existe fora de nós”. Segundo Bazarov, a sensação existe fora do homem que 5— Í253

percebe, que sente a sua impressão. No fundo, ele repetiu a teoria absurda de Mach sobre os “elementos físicos” (sensações), existentes fora do organismo do homem e do seu sistema ner­ voso. Para explicar o erro de Plekhánov e lançar luz sobre a confusão de Bazarov, V. I. Lénine analisa em pormenor a “teoria dos símbolos” (ou hieróglifos) formulada pelo célebre físico alemão H. Helmholtz (1821-1894) . Esta análise é exposta na sexta parte do IV capítulo da obra leninísta “A “teoria dos símbolos” (ou hierógli­ fos) e a crítica de Helmholtz”. Na área da fílosofía, Helmholtz era um ma­ terialista inconsequente, espontâneo. Reconhe­ cia a existência da realidade objectiva, atribuía bastante importância ao conhecimento empíri­ co, considerava que as sensações e representa­ ções eram o resultado da acção da realidade ob­ jectiva sobre os órgãos dos sentidos do homem, mas ao mesmo tempo tendia para o kantismo. Elaborou a teoria dos hieróglifos, segundo a qual a sensação é apenas o signo, o símbolo das coisas, mas sem ser a representação da coi­ sa. Helmholtz sustentava que “a ideia e o objec­ to por ela representado são duas coisas que per­ tencem, evidentemente, a dois mundos comple­ tamente diferentes”^ e por isso negava “qual­ quer analogia” entre as sensações e as coisas. Assiste-se aqui ã repetição do postulado da teo­ ria kantiana sobre o abismo entre o “fenóme­ no” e a “coisa em si”. À maneira kantiana, Helmholtz opinava que as sensações não podem reproduzir correctamente o mundo das coisas ' V. I. lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 177. 66

reais por lhes ser “alheio”. Afirmava com razão que a quahdade das sensações depende essen­ cialmente do mecanismo que as produz sob a acção das causas externas. Helmholtz não punha em dúvida a realidade das coisas, mas exagerava a importância do elemento subjecti­ vo, negando o facto de que o sistema nervoso humano está em condições de produzir uma imagem psiquica condizente em linhas gerais com o objecto. “Se as sensações não são ima­ gens das coisas mas apenas sinais ou símbolos que não têm “nenhuma semelhança” com elas, então a premissa materiahsta de que parte Helmholtz é minada, submete-se a uma certa dúvida a existência dos objectos exteriores, pois os sinais ou símbolos são plenamente possíveis em relação a objectos imaginários...” ^ V. I. Lénine refuta decididamente a afirma­ ção de que as sensações são simples sinais convencionais, meros símbolos dos objectos. É importante sublinhar, neste contexto, que V. I. Léníne de modo algum nega a importân­ cia e a possibíhdade de usar sinais em diversas etapas do conhecimento. Nos últimos decénios, tem aumentado a importância da semiologia e da representação simbólica em todos os domí­ nios da ciência, assim como de diversas línguas convencionais e códigos criados para o proces­ samento da informação por meio de máquinas electrónicas. Sem algoritmos e linguagens artifi­ ciais é igualmente impensável o desenvolvimen­ to da cibernética. Sem sinais é impossível codifi­ car e fixar os resultados de pesquisas, registar informações provenientes do conhecimen1 V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. n&. 67

to e permutar informações. Todavia, seja de que sinais e símbolos for que a ciência se sirva, o que se fixa são os dados proporcionados pelas sensa­ ções, representações e noções que não são senão a cópia, a fotografia, o reflexo relativamente fiel da realidade. Esta interpretação do papel que desempenham os sinais e os símbolos não con­ tradiz o materiahsmo. V. I. Lénine insurge-se apenas contra as teorias dos sinais e símbolos que neguem a objectividade das sensações e no­ ções, que neguem a cognoscibilidade do mundo e reduzam o conhecimento humano a puras re­ presentações subjectivas. A doutrina leninista das sensações avança uma compreensão profunda da unidade dialéc­ tica dos dois aspectos contrários do conheci­ mento: do objectivo e do subjectivo. V. I. Lénine aborda, a partir de posições consequentemente dialécticas, outra questão importantíssima da gnosiologia, a da verdade. 3. A questão da verdade. Sobre a verdade objectiva, absoluta e relativa

“Existe a verdade objectiva?”— assim inti­ tulou V. I. Lénine uma das partes do II capítulo da sua obra. Nela, V. I. Lénine expõe a essência da compreensão marxista da verdade. O machista Bogdanov, ao mesmo tempo que afirmava que o marxismo nega a objectividade incondicional de qualquer verdade, reconhecia a verdade objectiva “...só nos limites de uma época determinada” ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 92.

V. L Lénine mostra a confusão que reina nos raciocínios de Bogdanov. Este último con­ fundia duas questões alusivas à verdade. A pri­ meira questão: existe a verdade objectiva? Por verdade objectiva, o marxismo entende o se­ guinte; o conteúdo do nosso conhecimento é o reflexo do mundo objectivo, existente fora de nós. V. L Lénine sublinha que a verdade objec­ tiva é um conteúdo das representações huma­ nas que não depende nem do homem, nem da humanidade. E neste aspecto, a objectividade da verdade não depende da época, como afirma Bogdanov. Também não se pode falar de objec­ tividade da verdade “só nos limites de uma épo­ ca determinada”. A verdade é sempre objectiva pela sua origem, pois a sua fonte é o mundo ex­ terior. O que depende da época é apenas o grau de penetração nesta verdade, o grau do conheci­ mento do mundo circundante; o que é condicio­ nal são apenas os limites da aproximação dos nossos conhecimentos do quadro real do uni­ verso. A segunda questão diz: “...podem as repre­ sentações humanas que exprimem a verdade ob­ jectiva exprími-Ia de uma vez, integralmente, in­ condicionalmente, absolutamente, ou apenas de maneira aproximada, relativa?” ^ Ao negar a objectividade da verdade, Bog­ danov definia-a como “forma ideológica, ...for­ ma organizadora da experiência humana” V. I. Lénine prova o carácter anticientífico, o subjectivismo tosco deste postulado de Bogda* V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 92. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 92. 69

nov. Se se admitir que a verdade é forma organi­ zadora da experiência humana, não pode haver nenhuma verdade que não dependa da humani­ dade e, consequentemente, não pode haver ver­ dade objectiva em geral. Neste caso, põem-se em dúvida mesmo os axiomas estabelecidos com exactidão pela ciência. Se a verdade é a forma organizadora da experiência humana, não é ver­ dadeira, do ponto de vista dos machistas, a pro­ posição de que a Terra existia antes do apareci­ mento do Homem, antes de qualquer experiên­ cia humana. Do enunciado de Bogdanov acerca da ver­ dade entendida como forma organizadora da experiência humana decorre a possibilidade de aceitar como verdadeiros quaisquer postulados por mais absurdos que sejam, com a condição de que tenham “importância organizadora”. “Se a verdade é apenas uma forma organizado­ ra da experiência, quer dizer que também é uma verdade a doutrina, digamos, do catolicismo”, observa V. I. Lénine Tentando contestar a afirmação leninista de que o catolicismo, não obstante o seu papel indubitavelmente organiza­ dor, não é verdade, Bogdanov escreveu: “O ca­ tolicismo era a verdade para aquele tempo, cuja experiência ele soubera organizar com êxito e integralmente” Bogdanov, é certo, está de acordo em não considerar o catolicismo como verdade no sécu­ lo XX, comparando neste contexto a veracidade da doutrina católica com a da Newton sobre * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 93. ^ A. Bogdanov. A Queda do Grande Feiticismo. A Fé e a Ciência, Moscovo, 1910, p. 183.

o tempo e o espaço, cujos postulados também se tornaram incompatíveis com as concepções do século presente. Na sua objecção a V. I. Lénine, Bogdanov confunde de modo pouco curial a mentira religiosa com a relatividade das verda­ des científicas estabelecidas pelo ilustre físico in­ glês. As verdades relativas da mecânica clássica continuam, mesmo agora, ao serviço do pro­ gresso técnico-científico, ao passo que “a verda­ de organizadora” do catolicismo foi sempre uma mistificação, um erro, embora útil para a élite da classe exploradora, á qual serviu e conti­ nua a servir. Do ponto de vista científico, a verdade não é aquilo que muitas ou mesmo todas as pessoas supõem ser verdadeiro, mas aquilo que corres­ ponde à essência objectiva das coisas. No entan­ to, os machistas negam a existência objectiva das coisas, dai derivando toda a falsidade da sua doutrina sobre a verdade. Da análise da questão da verdade objectiva, V. L Lénine passa ao estudo do problema das verdades absoluta e relativa, dedicando especial­ mente a este tema a quinta parte do II capítulo a que deu o título “A verdade absoluta e relati­ va, ou acerca do eclectismo de Engels descober­ to por A. Bogdanov”. O marxismo, ao postular a relatividade do co­ nhecimento humano tomado no seu conjunto, reconhece ao mesmo tempo a verdade absoluta. Por verdade absoluta entende-se uma asserção que não pode ser contestada no desenvolvimen­ to ulterior do conhecimento. Neste sentido, a verdade absoluta pode classifícar-se como ver­ dade eterna. Por exemplo, a definição da maté­ ria como realidade objectiva existente fora de

nós e independentemente de nós pode caber neste tipo de verdade. “...Dizer que este concei­ to pode ‘envelhecer’ é um balbucio infantil, é uma repetição sem sentido dos argumentos da filosofia reaccionária que está na moda” \ ob­ serva V. I. Lénine a este propósito. Pertence igualmente a esse tipo de postulados a teoria marxista de que a matéria vem primeiro e a con­ sciência depois e de que a consciência social é condicionada pelo ser social. Existem também outras verdades evidentes que cabem na defini­ ção da verdade absoluta, como por exemplo: “Napoleão morreu a 5 de Maio de 1821” ou “Paris está em França”. Por verdade absoluta entende-se ainda o co­ nhecimento cabal do mundo, de todos os proces­ sos que se dão nele, assim como os limites, o objectivo que pretende o conhecimentoN. L Lé­ nine concorda com F. Engels que, no Anti-Dühring, defende que o pensamento humano é soberano e ilimitado quanto á sua natureza, vo­ cação, capacidade e objectivo histórico final” O reconhecimento da verdade absoluta, do pen­ samento soberano e do objectivo histórico final faz idênticos os pontos de vista de F. Engels e de V. L Lénine. É entendimento de ambos que o conhecimento completo do mundo objectivo não pode ser atingido em nenhuma etapa final do conhecimento. O mundo é infinito e, por conseguinte, o conhecimento é também um pro­ cesso sem fim, sempre em evolução e que nunca alcança o limite final. Os conceitos de verdade absoluta e verdade ' V. I. Lénine, Materialismo e Empiriocriticismo, p. 97. ^ K. Marx, F. Engels. Obras, t. 20, p. 88.

relativa estão intimamente ligados na filosofia marxista. “...O pensamento humano, escreve V. I. Lénine, é, pela sua natureza, capaz de nos dar, e dá, a verdade absoluta, que se compõe da soma de verdades relativas. ...Os limites da ver­ dade de cada tese científica são relativos, sendo ora alargados ora restringidos á medida que cresce o conhecimento” ^ Bogdanov objecta á teoria marxista da ver­ dade: “Se estes (conceitos) são efémeros e relati­ vos, a sua combinação não pode produzir uma ideia absoluta e eterna” Todavia, a história da ciência dá razão à teo­ ria marxista. A presença do elemento absoluto no relativo confirma-se, por exemplo, pelo facto de certas proposições científicas velhas, inapli­ cáveis nas novas condições e relações, continua­ rem a estar certas e em vigor para uma determi­ nada parte dos fenómenos investigados, ou, co­ mo dizia V. L Lénine, passarem a ter mais res­ tritos limites de aphcação. O caso da fisica clás­ sica de Newton pode exemplificar este postula­ do. É certo que algumas das suas teses, tais co­ mo a constância da massa, as concepções de tempo e espaço, etc.— se tornaram inaphcáveis no estudo do movimento das pequenas partícu­ las de matéria que se deslocam a grandes veloci­ dades. No século XX, foi criada a nova mecâ­ nica dos quanta que estabeleceu as leis do movi­ mento das micropartículas. Porém, os postula­ dos da física clássica não perderam actualidade ‘ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. lOL ^ A. Bogdanov. A Queda do Grande Feiticismo. A Fé e a Ciência, Moscovo, 1910, p. 152.

no que se refere aos movimentos relativamente lentos. A construção dos aviões, navios, grandes edifícios, os cálculos das órbitas dos satélites e naves espaciais, tudo isto se baseia nos dados da mecânica “velha”. As suas leis aplicam-se, ainda hoje, em muitas realizações técnicas céle­ bres. A dialéctica do conhecimento, do desenvolvi­ mento das ciências através da evolução de uma verdade relativa para outra, para uma verdade cada vez mais profunda, exprime-se no princípio da correspondência formulado por N. Bohr em 1913. Segundo o princípio aludido, quando se descobrem novas leis, mais amplas, as leis em vi­ gor em determinadas áreas dos fenómenos físi­ cos passam a ser particulares em relação às no­ vas. As novas leis e as velhas leis complemen­ tam-se mutuamente, proporcionando-nos uma visão correcta dos objectos, mas em diferentes parâmetros do seu movimento. Os teoremas da geometria não euclidiana, como estabeleceu o matemático russo N. I. Lobatchevsky, remetem, em determinadas condi­ ções, para os da geometria euclidiana, que fica sendo, portanto, uma particularidade da “ge­ ometria imaginária” e conserva a sua veracida­ de em certos limites mais estreitos. O cientista e académico soviético A. M. Prókhorov estabe­ lece acertadamente a correlação entre o novo e o velho no conhecimento científico. “A revolu­ ção nas ciências da natureza — escreve ele—, e em especial na Física, não significa de modo algum o desmantelamento das teorias anterior­ mente dominantes, nem dá o direito de interpre­ tá-las como erros lamentáveis. Ela implica, co­ mo regra, que se estabeleçam os limites da apli­

cação duma ou outra teoria à luz das novas pesquisas” \ Cada degrau no ascenso da ciência acrescen­ ta novos “grãos” ao total das verdades relativas, fazendo-nos aproximar da verdade absoluta. Is­ to confirma o postulado leninista de que “... pa­ ra o materialismo dialéctico não existe uma fronteira intransponível entre a verdade relativa e a verdade absoluta...” ^ V. I. Lénine estabelece uma conexão intima entre a questão da verdade absoluta e a da ver­ dade objectiva. “Ser materialista, escreve, signi­ fica reconhecer a verdade objectiva que nos é re­ velada pelos órgãos dos sentidos. Reconhecer a verdade objectiva, isto é, não dependente do homem e da humanidade, significa reconhecer duma maneira ou outra, a verdade absoluta” Sem o reconhecimento da verdade objectiva perde sentido a questão da verdade absoluta, pois a verdade absoluta, pressupõe o conheci­ mento completo e perfeito do objecto. Se se ne­ gam a existência do objecto e a objectividade dos nossos conhecimentos, a verdade absoluta fica destituida de conteúdo, transformando-se num “conhecimento completo”, num “conheci­ mento eterno”, de uma coisa irreal, inexistente. V. ï. Lénine faz uma delimitação nitida en­ tre o materialismo dialéctico e o relativismo ab­ soluto, isto é, a teoria que preconiza a relatividaA Ciência e a Teologia no Século XX, Moscovo, 1972, p. 207. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 102. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 100.

de dos nossos conhecimentos, negando ao mes­ mo tempo a sua objectividade e a existência ne­ les do elemento absoluto. V. I. Lénine insiste em que o relativismo não pode construir base da teoria do conhecimento. “O relativismo, como base da teoria do conhecimento, é não somente o reconhecimento da relatividade dos nossos conhecimentos, mas é também a negação de qualquer medida ou modelo objectivo, existente independentemente da humanidade, do qual se aproxima o nosso conhecimento relativo” \ V. I. Lénine define o relativismo, que absolutiza a relatividade dos nossos conhecimentos, co­ mo relativismo cru e conducente ao subjectivis­ mo. Este relativismo facihta a justificação de qualquer sofistica, o “convencionahsmo”, a re­ latividade duma verdade incontestável como, por exemplo, que Napoleão morreu a 5 de Maio de 1821. Segundo este relativismo, são relativas em igual medida a ideologia cientifica e a ideolo­ gia rehgiosa. V. I. Lénine explica o absurdo da negação de certas verdades simples, irrefutáveis e eter­ nas. “Se não se pode afirmar que a proposição “Napoleão morreu a 5 de Maio de 1821” é erra­ da ou inexacta, reconhece-se como verdadeira. Se não se afirma que ela poderia ser refutada no futuro, reconhece-se esta verdade como eterna... E que é absurdo considerar esta verdade suscep­ tível de refutação no futuro”^. (Vede nota). * V. I. 'LénineMaterialismo eEmpiriocriticismo, p. IQQ. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 99. Nota: Apesar da explicação sumamente clara e convin­ cente feita por V. L Lénine, o machista Bogdanov, em livro seu publicado em 1910, depois de ter saído o Materialismo e Empiriocriticismo, opôs-se ao postulado de Engels e de

V. I. Lénine diz que este exemplo é bastante ele­ mentar e “...cada qual encontrará sem dificuldaV. I. Lénine de que existem verdades irrefutáveis. Na sua exposição tentou demonstrar que mesmo a proposição da morte de Napoleão citada no Materialismo e Empiriocriticis­ mo como postulado irrefutável, não pode ser uma verdade absoluta. (Ver: A. Bogdanov. A Queda do Grande Feiticismo. A Fé e a Ciência, Moscovo, 1910, p. 152). Segundo Bogdanov, este raciocínio não é verdade abso­ luta, porque é “inaplicável na prática”. Todavia, o critério de absoluto duma verdade não é a sua importância para a prática, mas a sua irrefutabilidade. O segundo argumento que Bogdanov aduz é o seguinte: este raciocínio não é absoluto, pois actualmente “é inacessí­ vel à verifição”. Seguindo a lógica do autor, nas ciências hi­ stóricas, que estudam os tempos antigos não pode, em geral, haver verdade — nem absoluta, nem relativa —, pois os fac­ tos passados não podem ser verificados através da observa­ ção imediata e actual. Terceiro sofisma de Bogdanov: esta proposição é inde­ finida quanto ao sujeito e ao predicado. O sujeito, “Napo­ leão”, refere-se, segundo Bogdanov, a uma personalidade destacada, ao passo que o predicado “morreu” se aplica a uma figura desprezível. O corpo do Napoleão morto, diz Bogdanov, até à sua ultima molécula é diferente do corpo daquele que comandou a batalha de Austerlitz, do mesmo modo que o seu “Eu” psíquico. Portanto, conclui Bogda­ nov, o sujeito e o predicado referem-se a dois objectos dife­ rentes e, dai, a proposição não poder ser verdadeira. Bogdanov comporta-se aqui como um típico relativista. Realçando e acentuando a mutabilidade do objecto, um re­ lativista nega a sua constância e definição. Evidentemente, Napoleão em 1821 era diferente de Napoleão dos tempos da batalha de Austerlitz (1805). Mas, apesar disso, permaneceu a mesma personalidade eminente, não obstante as modifica­ ções, e é, precisamente, esta figura histórica — grande chefe militar em 1805 e uma “nulidade histórica” em 1821 — que morreu na data indicada. Como vemos, todos os argumentos de Bogdanov não resistem à critica e as tentativas de demonstrar, com base no exemplo aludido, a impossibilidade da existência das verda­ des absolutas, irrefutáveis, são completamente inconsisten­ tes.

des dezenas de exemplos semelhantes de verda­ des eternas, absolutas, das quais só loucos po­ dem duvidar...” ^ A dialéctica materialista não ignora o relati­ vismo, mas não se reduz exclusivamente a este. O reconhecimento da relatividade dos conheci­ mentos previne contra a transformação da ciên­ cia numa disciplina dogmática, morta, anquilosada, estagnada; o reconhecimento do elemento absoluto nos nossos conhecimentos relativos livra a ciência do agnosticismo e afirma a con­ fiança nos nossos conhecimentos tomados como reflexo fiel da realidade. A luta que V. I. Lénine travou contra o rela­ tivismo e o dogmatismo tem muita importância para a ciência e a pirática.O combate ao revisio­ nismo e ao dogmatismo no movimento operário internacional, particularmente, exige uma inter­ pretação lúcida desta questão. Tanto os dogmá­ ticos como os revisionistas são metafísicos. Os dogmáticos afirmam a veracidade absoluta de máximas desactualizadas. Os revisionistas, por sua vez, negam o conteúdo absoluto dos postu­ lados fundamentais do marxismo. A visão meta­ física dos dogmáticos e dos revisionistas leva a erros políticos crassos e lesa o movimento ope­ rário internacional. Nem o relativismo cru, nem o dogmatismo morto e anquilosado são compa­ tíveis com a ciência, com a actividade política. Somente a compreensão correcta da correlação entre o absoluto e o relativo pode assegurar o êxito das actividades científica e política dos homens. p. 100. 78

V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo,

Nos nossos dias, não perdeu nada da sua ac­ tualidade a doutrina dialéctica e materialista da verdade desenvolvida por V. I. Lénine a partir da generalização das conquistas cientificas oco­ rridas entre os séculos XIX e XX. Tem-se man­ tido acesa a luta entre o materialismo e o idealis­ mo em torno da questão da verdade. Conti­ nuam a ser típicas da maior parte dos sistemas idealistas contemporâneos a negação da objecti­ vidade da verdade, a interpretação da verdade como categoria meramente lógica ou linguística (neopositivistas) ou como forma de estado psí­ quico do homem (existencialistas). 4. O c ritério da prática na teoria do conhecim ento

Na filosofia marxista, é atribuído ao critério da prática um papel relevante.O materialismo pré-marxista concebia a prática como a obser­ vação ou, na melhor das hipóteses, como as ex­ periências conduzidas pelo homem. Este mate­ riahsmo, segundo a definição dos clássicos, ti­ nha carácter contemplativo. O marxismo enten­ de por prática a actividade material orientada para um determinado objectivo dos homens que transformam a natureza e a sociedade. Para o velho materiahsmo, as coisas, a reahdade, eram apenas objectos de contemplação; para o materialismo marxista, a reahdade é alvo da acção transformadora e criadora do homem. O marxismo considera a prática como a activi­ dade dos homens susceptível de assegurar o pro­ cesso objectivo de produção material. A prática pressupõe também a luta de classes, ã qual cabe 79

um papel importante na transformação da reali­ dade social. O mérito científico indiscutível dos clássicos do marxismo consiste em incluírem a prática na teoria do conhecimento. Não é por acaso que V. I. Lénine conclui o II capítulo da obra com a análise do problema da prática, com a critica das deturpações ma­ chistas no tocante a esta questão (Vede: “O cri­ tério da prática na teoria do conhecimento”). Segundo a expressão de V. I. Lénine, a prática humana “irrompe” na teoria do conhecimento, desempenhando nela o papel de critério da ver­ dade, de estímulo e de fonte de todo o conheci­ mento humano. “O ponto de vista da vida, da prática — sublinha V. I. Lénine —, deve ser o ponto de vista primeiro e fundamental da teo­ ria do conhecimento. E ele conduz inevitavel­ mente ao materialismo, afastando desde o prin­ cípio as invencionices intermináveis da escolásti­ ca professoral” ^ Neste contexto, V. I. Lénine frisa especialmente a importância teórica da se­ gunda tese de K. Marx sobre L. Feuerbach: “A questão de saber se ao pensamento humano per­ tence a verdade objectiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não-realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica” A prática, opina F. Engels, é a mais percuciente ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 107. ^ K. Marx, F. Engels. Obras Escolhidas em Três To­ mos, t. I, p. 3. 80

refutação do agnosticismo kantiano e humista, como de todas tinetas filosóficas Somente ao materialismo que reconhece o papel da prática no conhecimento da realida­ de se pode chamar contemporâneo, isto é, mate­ rialismo dialéctico. Logo no Prefácio à sua ob­ ra, em que submete á anáUse as ideias do in­ signe materialista francês D. Diderot, V. L Lé­ nine atribui enorme importância ao reconheci­ mento do papel da prática. Ele aduz os enuncia­ dos de Diderot alusivos ás teorias dos idealistas subjectivos que afirmavam a existência das suas sensações a se negavam a reconhecer a existên­ cia do mundo exterior. Qualificando o sistema filosófico daqueles como extravagante, isto é, estranho, monstruoso, só podendo ser obra de cegos, D. Diderot exclama:“Sistema que, para vergonha da inteUgência humana e da filosofia é o mais difícil de combater, embora seja o mais absurdo de todos” ^ V. L Lénine louvou a ob­ servação de Diderot, segundo a qual a razão, is­ to é, o conhecimento teórico, não pode ser, por si próprio, critério da verdade. Nesta observa­ ção, diz V. L Lénine, Diderot aproxima-se do postulado do materialismo contemporâneo que diz que “...os argumentos e os silogismos são in­ suficientes para refutar o idealismo, que aqui não se trata de argumentos teóricos...” ^ V. L Lénine acrescenta ainda a dado trecho: “E ' Ver: K. Marx, F. Engels. Obras Escolhidas em Três Tomos, t. m, p. 389. ^ Oeuvres Complètes de Diderot, Ed. par J. Assézat, Paris, 1875, t._l, p. 304. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 27. 6— 1253

nenhumas provas, silogismos, definições podem refutar o solipsista, se ele aplicar consequente­ mente a sua concepção” quer dizer, se este re­ conhece a sensação como a única fonte do co­ nhecimento e o único critério incontestável da verdade. Para confirmar o seu ponto de vista, V. I. Lénine recorre a um enunciado de F. En­ gels contra os agnósticos que afirmam que não se pode constatar a veracidade das impressões das coisas, pois só estamos em condições de conhecer as sensações e mais nada. “Não restam dúvidas—sustenta F. Engels — de que este ponto de vista provavelmente não pode ser refu­ tado apenas com argumentos. Mas antes de ar­ gumentar, os homens agiam” E subhnha, em seguida, que a prática submete a provas certei­ ras a veracidade ou a falsidade das nossas percepcões sensoriais. V. I. Lénine demonstra que a prática é o primeiro e fundamental elemento da teoria marxista do conhecimento. A prática é o ponto de partida do conhecimento, pois este último existe para a prática e propõe-se tarefas práticas de dominar as forças da natureza, de modificar ou transformar a realidade. Para mais, a prática fornece ao conhecimento condições materiais e técnicas para investigações, para experiências. E, neste sentido, a prática é a base do conheci­ mento. A prática é o indicador decisivo da certeza de uns ou outros postulados, sendo portanto critério da verdade. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 202. ^ K. Marx, F. Engels. Obras, t. 22, p. 303.

Os idealistas negam o papel da prática no processo de conhecimento, defendendo que a prática é uma coisa e a teoria outra, completa­ mente distinta, não relacionada nem condicio­ nada pela prática. É de notar que os idealistas se vêem obrigados a reconhecer a existência das coisas reais nos li­ mites da prática quotidiana, assim como a vera­ cidade dos nossos conhecimentos sobre as pro­ priedades mais simples dos objectos. V. I. Léni­ ne cita o filosófo alemão e idealista subjectivo J. G. Fichte que admite que “...quando chega­ mos á acção”, mesmo o idealista mais ferrenho “reconhece que os objectos existem de modo completamente independente de nós, fora de nós” ^ Todavia, os idealistas põem, com porfia, determinação e constância, o critério da prática ã margem da teoria do conhecimento. Assim, Mach na sua obra capital A Análise das Sensa­ ções reconhece que na vida prática é preciso par­ tir da objectividade das coisas, afirmando ao mesmo tempo que “...teoricamente não deve­ mos de modo nenhum ater-nos a esta con­ cepção” 2. Este filósofo nega que a prática seja critério da veracidade dos conhecimentos cientí­ ficos. Teoricamente, todos os nossos raciocínios e sensações são iguais e têm a mesma importân­ cia, não importa se são confirmados ou refuta­ dos pela prática. Mach tenta fundamentar este parecer contraditório e estranho com um racio' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 106. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 105. 6*

cínio que V. I. Lénine submete a uma critica im­ placável. Eis o que Mach diz: O lápis é direito, mas basta mergulhá-lo na água e já se nos apre­ senta torto, embora de facto seja rectilineo. Quando vemos o lápis direito, dizemos que este facto é realidade, e, quando o vemos refracto, classificamos este facto como ilusão. Mach afir­ ma que não há razões para distinguir neste exemplo a realidade e a ilusão, pois tanto o lápis direito como o partido são “factos”, sensações, absolutamente iguais quanto a seu valor. Segun­ do Mach, admite-se neste caso a ilusão unica­ mente do ponto de vista prático, mas não teóri­ co e cientifico. Na sua tentativa de separar a prática da teo­ ria, Mach chega á negação completa da diferen­ ça entre a ilusão e a realidade. Segundo Mach, qualquer opinião, qualquer proposição, é um “facto” de valor igual. Mesmo no que concerne á questão da realidade do mundo em que vive­ mos, lutamos, sofremos e amamos, este, afirma o filósofo, não tem nenhum sentido “do ponto de vista cientifico”. V. L Lénine cita palavras de Mach, surpreendentes pelo seu absurdo para qualquer homem normal: “...Não tem qualquer sentido, do ponto de vista científico, a questão frequentemente discutida de se o mundo existirá realmente ou é apenas uma ilusão nossa, mais nada do que um sonho” ^ O ponto de vista científico, diz Mach, não concerne de modo nenhum á vida, á realidade, á prática. Admite-se que este faça a ciência mais sublime, mas de fac^ V. I. Lénine. MateriaUsmo e Empiriocriticismo, p. 105.

to ele avilta a ciência, convertendo-a numa futi­ lidade, num complexo de representações subjec­ tivas divorciadas da vida. Os machistas russos pretendiam “fazer apro­ ximar” a doutrina machista do marxismo no que tange aos raciocinios de Mach de que so­ mente o êxito é capaz de ajudar a destrinçar 0 conhecimento verdadeiro do erro. Mas Mach entende por “êxito” o que ê indispensável ao in­ divíduo na prática, considerando esta separada da teoria do conhecimento. Por isso, o seu con­ ceito de êxito tem carácter subjectivo e não es­ clarece nem a essência da verdade nem a essên­ cia do erro. O materiahsmo aborda o conceito de “êxi­ to” dum modo diferente. Para o materialista, subhnha V. I. Léníne, o “êxito” da prática hu­ mana prova a correspondência entre as nossas representações e a natureza objectiva que nós percebemos. Se os nossos conhecimentos servem para concretizarmos determinadas acções e atingirmos o objectivo pretendido, quer dizer, têm êxito, isto significa que estes estão certos, reflectem adequadamente certos processos e tra­ duzem correctamente a verdade objectiva. Os revisionistas contemporâneos em matéria de filosofia interpretam deturpadamente o con­ ceito de prática. Contrapõem o conceito de prá­ tica, tomada como actividade no processo de conhecimento, ao conceito de reflexo, declaran­ do que a teoria marxista do conhecimento não pode ser teoria do reflexo. A noção de “refle­ xo”, segundo eles, exclui qualquer actividade do homem, exclui o elemento criador da consciên­ cia e contradiz, portanto, a liberdade do indiví­ duo. Contudo, a interpretação dialéctica e mate­

rialista do processo de reflexo da realidade não exclui de modo nenhum o papel criador da consciência, e, em especial, a capacidade do pen­ samento humano de se antecipar à realidade. Is­ so é claramente testemunhado pelo postulado leninista do elemento subjectivo na consciência do homem, assim como pela apreciação, feita pela filosofia marxista, do importante papel da prática concebida como uma interacção dinâmi­ ca entre o homem e o meio natural e social que o rodeia. Qualquer que seja o domínio do conheci­ mento científico que tomemos, apresenta-se-nos o mesmo quadro: tudo que è realmente reflecti­ do pela consciência humana é o resultado da ac­ tividade prática criadora do homem, em que a consciência cumpre o papel orientador, e de mo­ do algum o resultado duma contemplação sim­ ples e passiva do objecto, isto é, o estudo sem a interferência na natureza íntima do objecto, nos processos que lhe são inerentes. Isto é tanto é assim quanto é certo que a filo­ sofia marxista concebe o reflexo não como um simples registo das propriedades e manifesta­ ções exteriores do objecto do conhecimento, mas como a revelação dos elementos íntimos, ocultos à observação imediata, da sua essência, das suas leis, das relações e ligações invisíveis a olho nu, e tomados como uma partícula da co­ nexão universal dos fenómenos do mundo, da relação desse objecto com os outros objectos. Ao mesmo tempo que destaca o enorme pa­ pel da prática como critério da verdade, V. I. Lénine chama a atenção para o carácter complexo e multifacetado deste critério. Indica ele que este critério é simultaneamente absoluto

e relativo, definido e indefinido. “Este critério é também suficientemente ‘indeterminado’ para não permitir que os conhecimentos do homem se transformem num ‘absoluto’, e, ao mesmo tempo, suficientemente determinado para con­ duzir uma luta implacável contra todas as varie­ dades de idealismo e de agnosticismo” ^ O carácter absoluto da prática como critério da verdade passa pela demonstração de alguns postulados, cuja veracidade não poderá ser refu­ tada no futuro, quer dizer, por postulados que têm carácter de verdades absolutas. Não se trata apenas das “verdades-factos” como, por exem­ plo, a data e o lugar da morte de Napoleão, mas também de proposições que traduzam as teses fundamentais duma ou outra teoria científica. Estão neste caso, por exemplo, as teses da primordialidade da matéria e da secundariedade da consciência, do movimento universal como for­ ma da existência da matéria, da inevitabilidade do triunfo do sociahsmo, etc., etc. Todos estes casos se relacionam com o carácter absoluto da prática como critério da verdade. Não é menos evidente a relatividade da prá­ tica compreendida como critério da verdade. Esta relatividade exprime-se, pelo menos, em dois aspectos. Assim, não se desactualizará nun­ ca o dilema da primordialidade da matéria e da secundariedade da consciência, mas uma coisa é certa: futuramente será cada vez mais profundo o nosso saber de como a matéria gera a cons­ ciência. À medida que se desenvolva o conheci* V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 107.

mento científico da conexão recíproca das for­ mas do movimento, teremos informações cada vez mais completas sobre o mecanismo do automovimento da matéria. A prática do movimen­ to revolucionário revelará novas formas de luta pelo socialismo, dando ao mesmo tempo um no­ vo conteúdo às formas já conhecidas de edifica­ ção do socialismo e do comunismo. O segundo aspecto da relatividade da prática como critério da verdade tem a ver com o facto de a prática, concebida como actividade mate­ rial e sensorial dos homens, não estagnar, antes se desenvolver. Por isso, o que é estabelecido co­ mo verdadeiro na prática de hoje, amanhã pode ser refutado ou precisado na prática futura. A fisica do século XIX, por exemplo, estava li­ mitada quanto aos meios práticos do conheci­ mento e, por isso, sustentava que o átomo era indivisível, integral. A prática do início do sécu­ lo XX demonstrou que o átomo pode ser de­ composto, desintegrado, e que os átomos se compõem de núcleo e electrões que gravitam em torno dele. A prática contemporânea descobriu nos átomos muitas partículas elementares, com propriedades mais diversas e assim por diante. Tais exemplos confirmam que a prática nos pro­ porciona um conhecimento ao mesmo tempo certo e relativo e descobre o absoluto através do relativo. A doutrina leninista da prática tem um valor inestimável para a filosofia do marxismo, dando-nos uma fundamentação segura para a solu­ ção materialista da questão gnosiológica funda­ mental. Refutando o idealismo e o agnosticismo na teoria do conhecimento, V. I. Lénine constata

que “a inteligência humana descobriu muitas coisas singulares e descobrirá ainda mais...” ^ Estas palavras são proféticas mesmo nos nossos dias, mesmo quase 80 anos depois da sua publi­ cação, em plena época de revolução técnico-cientifica.

^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 213.

!V V . I. LÉNINE SOBRE AS CATEGORIAS DE M A TÉR IA , ESPAÇO E TEM PO , CAU SA LID AD E E NECESSIDADE

No III capítulo da obra, V. I. Lénine debru­ ça-se sobre uma série de conceitos mais gerais, a saber, as categorias do materialismo dialécti­ co: matéria, tempo, espaço, causalidade e neces­ sidade. Ao mesmo tempo que revela o conteúdo desses conceitos, V. I. Lénine resolve igualmente um problema gnosiológico: demonstra a incon­ sistência das afirmações dos idealistas subjecti­ vos de que uma noção é puro produto do inte­ lecto do homem, uma construção mental arbi­ trária. Aborda as categorias da matéria, do es­ paço, do tempo, da necessidade e da causalidade como reflexos de determinadas propriedades da realidade material e objectiva. 1. Que é a m atéria? Que é a experiência?

V. I. Lénine desenvolve, á luz da ciência e do marxismo, a interpretação de matéria que se opõe às deturpações ideahstas deste conceito constantes nas obras de Avenarius, de Mach, de Pearson, de J . S. Mill e de Bogdanov. O fundador do empiriocriticismo, Avena­ rius, define a matéria como “...o total dos contratermos, abstraindo de qualquer termo ge-

rai” ^ V. I. Lénine explica que, segundo a teoria da “experiência completa”, ou da “coordenação de princípio” apregoada por Avenarius, o meio, isto é, o contratermo, é inseparável do termo central, isto é, o ser pensante. A realidade, como a concebe Avenarius, seria a “experiência com­ pleta”, isto é, a fusão do “Eu” e do “não Eu”. O elemento físico, isto é, a matéria sem “Eu”, sem o homem, é uma abstracção nula, uma “coisa sem sentido”. Conclui-se dai que a maté­ ria não existe sem o homem, que ela é secundá­ ria, ao passo que o pensamento e a consciência são originais. V. L Lénine demonstra que todos os fílósofos idealistas como Mach, Pearson, Mill e os seus seguidores, “...uns francamente, outros dis­ farçadamente, substituem a linha filosófica fun­ damental do materiahsmo pela linha oposta do ideahsmo” e negam a matéria como fonte objec­ tiva e exterior das nossas sensações. Assim, Mach afírma: “Aquilo a que chamamos matéria não é mais do que uma certa ligação regular dos elementos (‘sensações’)” O machista inglês Pearson diz que a matéria é constituída por de­ terminados grupos de percepções sensoriais. Em Pearson, nem sequer se tem a folha de parreira dos “elementos”, observa V. I. Lénine, com que Mach encobria a sua concepção idealista de ma­ téria. Pearson falava abertamente de matéria co­ mo dum conjunto de percepções. Para outro fi­ lósofo inglês, J. S. Mill, “...a matéria é uma pos* R. Avenarius. Bemerkungen zum Begriff des Zegenstandes der Psiychologie, Leipzig, 1894, S. 2 — Ver: V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 109. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 110.

sibilidade permanente de sensações...” ^ Na doutrina deste filósofo também não encontra­ mos a interpretação da matéria como uma reali­ dade objectiva, fora de quaisquer sensações e percepções. J. S. Mill é agnóstico e defende que o homem não está em condições de conhe­ cer o mundo objectivo, mas unicamente os seus próprios sentidos. Qual a definição cientifica de matéria? No fundo, esta questão perpassa toda a obra de V. I. Lénine. No II capítulo, onde se debruça sobre a questão da verdade objectiva, V. I. Léni­ ne dá a primeira definição filosófica de matéria que, no plano gnosiológico, resume todos os as­ pectos fundamentais da abordagem materialista desta questão filosófica capital: “A matéria é uma categoria filosófica para designar a realida­ de objectiva, que é dada ao homem nas suas sen­ sações, que é copiada, fotografada, reflectida pelas nossas sensações, existindo independente­ mente delas” No III capítulo, dedicado à aná­ lise da luta das principais correntes da filosofia na questão das categorias filosóficas capitais, na definição de matéria é posta em destaque a sua propriedade de ser a origem, a causa objectiva das nossas sensações. “...A matéria — escreve y. I. Lénine — é o que, agindo sobre os nossos órgãos dos sentidos, produz a sensação; a maté­ ria é uma realidade objectiva que nos é dada na sensação...” ^ No V capítulo, que trata os pro^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 110. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 97. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 100.

blemas filosóficos das ciências da natureza, V. I. Lénine defende ser inadmissivel confundir as concepções físicas da matéria com o seu con­ ceito filosófico: “...o conceito de matéria... não significa em gnosiologia senão isto: a realidade objectiva que existe indepen­ dentemente da consciência humana e que é re­ flectida por ela” ^ Concatenando os enunciados leninistas so­ bre a matéria, temos uma definição tão rica que com ela se poderia generalizar toda a história da luta do materialismo com o ideaUsmo tomado como corrente filosófica geral e com algumas das suas escolas e variantes. Primeiro, o reconhecimento de que existe uma realidade objectiva que nos é dada nas sen­ sações e que consequentemente não há nem po­ de haver nenhuma outra, refuta por completo qualquer idealismo, seja subjectivo, seja objecti­ vo, e qualquer fideísmo. Do mesmo modo, 0 postulado da originariedade da matéria, consi­ derada como característica primordial deste conceito, face ao espírito estabelece uma fron­ teira essencial entre materialismo, por um lado, e todas as inflexões de idealismo, de teologia e de dualismo, por outro. Segundo, a constatação de que a matéria sig­ nifica a realidade objectiva, existente fora de nós e independentemente de nós, das nossas sensa­ ções, aponta, antes de tudo, contra os mais di­ versos tipos de idealismo subjectivo, incluindo 0 machismo, com a sua interpretação das coisas como complexos de sensações (leia-se, negação ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 198,

da existência do mundo exterior) e com a sua ideia de ligação indissolúvel (de “coordenação de princípio”) entre o homem e o objecto (por outras palavras, negação da independência do objecto relativamente ao homem). Terceiro, o enunciado de que a matéria nos é dada nas sensações e de que estas são a fonte do conhecimento é dirigido contra o racionalismo, incluindo o apriorismo kantiano, que subestima o papel das sensações, do conhecimento senso­ rial, e admite o conhecimento a priori, isto é, fo­ ra e antes da experiência. Quarto, o postulado de que a matéria (a rea­ lidade objectiva) é reflectida, copiada pelas nos­ sas sensações, pela nossa consciência, e de que as nossas sensações e conceitos são reproduções da realidade objectiva, imagens suas, está em oposição às diversas correntes do agnosticismo e do cepticismo, que negam a possibilidade de conhecer por completo o mundo e sustentam que existem hmites bem marcados invencíveis e intransponíveis para o nosso conhecimento. Os agnósticos divorciam o fenómeno da essên­ cia, convertendo a última numa “coisa em si” incognoscível e interpretando os conceitos e as sensações como sinais convencionais, como sím­ bolos ou hieróglifos, dissemelhantes das pró­ prias coisas. O conceito leninista de matéria difere subs­ tancialmente da definição de matéria sugerida pelos materialistas pré-marxistas, que enten­ diam por ela ou uma substância ponderável, ou a massa, a dimensão, ou qualquer manifestação concreta da matéria como, por exemplo, os áto­ mos. A definição leninista de matéria não se de­ ve confundir com o conceito com que operam as

ciências da natureza. V. I. Lénine diz a este pro­ pósito: “Mas é perfeitamente inadmissivel con­ fundir, como fazem os machistas, a doutrina so­ bre tal ou tal estrutura da matéria com uma ca­ tegoria gnosiológica; confundir a questão das novas propriedades, das novas formas da maté­ ria (os electrões, por exemplo) com a velha ques­ tão da teoria do conhecimento, a questão das fontes do nosso conhecimento, da existência da verdade objectiva, etc.” ^ Nenhuma informação nova sobre a estrutura da matéria e seus atribu­ tos, que seja obtida graças ao aperfeiçoamento dos meios de observação e experimentação, po­ derá refutar a interpretação dialéctica e materia­ lista da matéria, pois a sua definição inclui, no fundo, uma das suas constantes — a de ser a realidade objectiva. E esta propriedade não po­ de “envelhecer” ou desactualizar-se, já que a matéria é eterna e indestrutível. V. L Lénine critica o machista Bogdanov por ter afirmado que a definição marxista de matéria é pura e simplesmente a repetição da posição materiahsta quanto á questão funda­ mental da filosofia: a originariedade da matéria e da secundariedade do espírito. Os machistas russos apenas repetiam a “refutação” feita por Bogdanov da definição científica marxista de matéria. V. I. Lénine mostra a inconsistência absoluta da crítica feita por Bogdanov e Mach á definição marxista de matéria. O ser social e o pensamento, a matéria e a consciência, o fisico e o psíquico são conceitos mais amplos e exigem por isso abordagens e definições distintas das dos conceitos particulares, de sentido mais res­ ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 97.

trito. Apresentar uma definição comum, parti­ cular, significa resumir o conceito que queremos especificar num outro, mais vasto. Mas os con­ ceitos de matéria e de consciência não podem caber noutros, ainda mais amplos, pois a gno­ siologia não os elaborou nem os conhece. Com efeito, os conceitos de “matéria” e de “consciên­ cia” compreendem todos os objectos materiais e processos espirituais que existem no mundo. Por conseguinte, não se pode definir a matéria senão através do postulado de que a matéria, a natureza, o ser social, o físico são a realidade objectiva, elementos primários, ao passo que o espírito, a consciência, a sensação, o psíquico são o reflexo da matéria, elementos secundários. Num dos seus discursos, Avenarius declara­ va que não admitia a existência nem do elemen­ to físico nem do psíquico e que apenas reconhe­ cia um “terceiro”. Mas não soube determinar ou defínir o que significa esse fenômeno. Por is­ so, este “terceiro” não era senão um subterfúgio com que o autor pretendia dissimular o seu ideahsmo. Na realidade, somente podem existir o físico e o psíquico e não pode haver nenhum “terceiro” elemento. Ao criticar a teoria do “terceiro”, V. I. Lé­ nine esclarece a questão sumamente importante da contraposição relativa entre matéria e cons­ ciência. O facto de não existir um “terceiro”, um termo intermédio, entre a matéria e a consciên­ cia não signifíca a contraposição absoluta entre os dois fenômenos ou a falta da interligação en­ tre matéria e consciência. “...A oposição entre a matéria e a consciência — escreve V. L Léni­ ne — sô tem um significado absoluto dentro dos limites de um domínio muito restrito: neste ca­

so, exclusivamente dentro dos limites da ques­ tão gnosiológica fundamental do que considerar como primário e do que considerar como secun­ dário. Para além destes limites a relatividade desta oposição é indubitável” No contexto da questão fundamental da fi­ losofia, a oposição entre a matéria e a consciên­ cia tem um significado absoluto. Isto significa que, do ponto de vista científico, é impossível admitir a existência dum “terceiro” elemento que não seja nem físico nem psíquico. A matéria (quer dizer, o físico) é toda a realidade objectiva que existe fora de nós e independentemente de nós. A consciência (isto é, o psíquico) representa o aspecto ideal do homem e é o reflexo da com­ ponente objectiva. A primeira é primária e a outra é secundária. Vistas por este prisma, elas são opostas, uma exclui outra e, por conseguin­ te, não pode existir um “terceiro” termo, um terrno intermédio, entre elas. É incorrecto tomar o secundário, isto é, o elemento espiritual, a consciência, por matéria pela simples razão de que os dois fenómenos existem realmente. A consciência e o espírito existem sem dúvida, mas não são a realidade ob­ jectiva, não existem fora de nós e independente­ mente de nós; por isso, não podem identificar-se no conceito de matéria. V. I. Lénine critica também a confusa defi­ nição de matéria sugerida pelo fílósofo materia­ lista alemão, J. Dietzgen. “O conceito de maté­ ria, sustentava o cientista, deve ser alargado. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 112. 7— 1253

Compreende todos os fenómenos da realidade e, por conseguinte, a nossa faculdade de conhecer, de explicar” ^ V. I. Lénine aponta o erro de Dietzgen e subhnha que, se o pensamento é a matéria, espírito e matéria são conceitos idên­ ticos. É precisamente o que afirmam os ideahs­ tas, defendendo o seu postulado fundamental: o mundo e a ideia do mundo são as mesmas coi­ sas Na crítica à proposta de Dietzgen de in­ cluir a consciência no conceito de matéria, V. L Lénine observa: “...Qualificar o pensa­ mento de material é dar um passo errado em di­ recção á confusão do materiahsmo e do ideahs­ mo... Com tal inclusão perde o sentido a opo­ sição gnosiológica da matéria e do espirito, do materiahsmo e do ideahsmo, oposição em que o próprio Dietzgen insiste” O pensamento é ideal, não material: este é o ponto de vista de V. I. Léníne. Esta é, ao mesmo tempo, a essên­ cia da contraposição gnosiológica do espírito e da matéria. Simultaneamente, V. I. Lénine fri­ sa que “operar para além destes limites com a antítese da matéria e do espírito, do físico e do psíquico, como uma antítese absoluta, seria um erro enorme” 1 J. Dietzgen. Kleinere Philosophische Schriften, 1903, S. 141.— Ver: V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticis­ mo, p. 186. ^ Para compreender melhor a questão de que se trata, recomenda-se que se leia, além do III capítulo, o § 8 do IV capitulo — “Como pôde J. Dietzgen agradar aos filósofos reaccionários?”. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 186. * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 186.

A tese leninista da oposição relativa do espíri­ to e da matéria é corroborada pela interligação íntima que existe entre pensamento e matéria. O espírito tem relação com a matéria como seu produto, como seu derivado. O espírito, a cons­ ciência, reflecte a matéria. As cópias mentais, as imagens, são semelhantes aos seus protótipos materiais e têm correspondência gnosiológica com eles. Daí, não poder haver antítese absoluta entre eles. Outras razões existem que impedem que se estabeleça uma oposição absoluta entre cons­ ciência e matéria. A consciência do homem, é certo, reflecte a realidade, mas este reflexo não é propriedade exclusiva do ser humano. Também os animais, as plantas e até mesmo a natureza inanimada (quer dizer, toda a matéria) reflec­ tem, cada um à sua maneira, a realidade. V. I. Lénine subhnha que toda a matéria “...tem uma propriedade no fundo afim da sensação, a propriedade do reflexo...” ^ Esta asserção leni­ nista é de grande importância para a teoria mar­ xista do reflexo. No sentido mais geral da pala­ vra, entende-se por reflexo interligação dos dois processos materiais no quadro da qual a modifi­ cação dos processos num sistema leva a modifi­ cações específicas noutro, deixando no sistema reflectido uma impressão, um vestígio, em certa medida semelhante a um dos aspectos da coisa agente. Este reflexo pode dar-se em toda a natu­ reza. Na natureza inanimada, encontramos prin­ ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 69, assim como pp. 28, 33—34.

cipalmente as formas fisica e química de reflexo da realidade. Na natureza viva, existe uma for­ ma específica de reflexo: a excitação. Esta dá origem à sensibilidade. Entre os animais, no processo de evolução, foram surgindo formas de reflexo cada vez mais complexas — as sen­ sações; no homem, o processo da sua actividade laborai levou à consciência, ao pensamento. O reflexo como propriedade da natureza não vi­ va foi premissa para o desenvolvimento na natu­ reza viva de níveis mais acabados de reflexo. A consciência apareceu e foi evoluindo no processo de autodesenvolvimento da natureza. E este facto confirma, uma vez mais, a oposição relativa entre espírito e matéria. O “espírito” não é algo absolutamente alheio à matéria; o “espírito” é apenas a forma superior de refle­ xo da realidade, uma das propriedades univer­ sais da matéria. É sabido, além disso, que a consciência do homem está estreitamente ligada a um determi­ nado sinal, ã palavra, que constitui a manifes­ tação material do conceito. O carácter material da palavra, esse atributo obrigatório do pensa­ mento, da consciência, comprova, também ele, a ligação indissolúvel de matéria e consciência. Pela sua função, a consciência está, ao fim e ao cabo, intimamente relacionada com a maté­ ria. Dado que a consciência surgiu no processo de adaptação ao meio material, a sua função consiste em orientar o homem na natureza e aju­ dá-lo a utilizá-la e a transformá-la. Condição in­ dispensável para a práxis humana, a consciência não só reflecte o ser, como também influi nele, transformando-o. Por isso, o conhecimento cor­ recto das leis da natureza e do desenvolvimento

social constitui condição para o avanço progres­ sivo da sociedade. V. I. Lénine desenvolveu o seu postulado da contraposição relativa entre matéria e consciên­ cia em Os Cadernos Filosóficos, realçando a pro­ fundidade da ideia da transformação do ideal em material. Isto é muito importante tanto para a história universal como para a vida das pes­ soas. “A diferença entre o ideal e o material também não é absoluta, não é überschwenglich” ^ (excessiva — Nota da Redacção). B. M. Ke­ drov, cientista soviético e académico, observa que, além dos hmites gnosiológicos da questão, encontramos em cada momento processos comphcados de passagem do material para o ideal (por exemplo, quando descobrimos novas leis da natureza por força do imperativo tecnológico e as exprimimos em conceitos cientificos) e, vice versa, de passagem do ideal para o material (quando materializamos na tecnologia as leis das ciências naturais). Estas passagens com­ plexas, reciprocas e contraditórias do material para o ideal e do ideal para o material apenas vêm confirmar a relatividade da oposição entre matéria e espírito. A interpretação leninista de matéria liga-se estreitamente com o princípio dialéctico e mate­ riahsta de desenvolvimento. “...O quadro do mundo é um quadro de como a matéria se mo­ ve...” ^ V. I. Lénine refuta a doutrina do mate­ riahsmo metafísico que define matéria como a essência constante das coisas, como o conglo' V. I. Lénine. Obras Completas, t. 29, p. 104. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 267. 101

merado das partículas invariáveis. V. I. Lénine considera que o postulado dos machistas — de Bogdanov, de Valentinov, de luchkevitch — sobre as essências invariáveis, que constituem o ahcerce do mundo, não é senão fruto de igno­ rância em matéria de dialéctica. “A ‘essência’ das coisas ou a ‘substância’ são também relati­ vas”, sublinha o autor ^ O movimento, a modi­ ficação, são atributos da matéria, sua proprie­ dade universal e transcendental. O grande mérito de V. I. Lénine foi o de ter descoberto estas propriedades universais e fun­ damentais da matéria. Gnosiologicamente foi muito importante ele ter aprofundado a questão do reflexo enquanto propriedade universal da matéria de que nascem as sensações. Para a filo­ sofia, tomada como disciplina, são de alto valor as considerações leninistas acerca da inesgotabi­ lidade da matéria e da sua infinidade, que anali­ saremos mais pormenorizadamente no V capí­ tulo da presente publicação. A definição leninista de matéria e a critica às concepções machistas sobre a matéria conti­ nuam, hoje, a ser actuais, porque erros velhos são, a cada passo, repetidos por certos filósofos. É o caso do filósofo inglês B. Russel, que, no seu livro Conhecimento Humano: sua Esfera e Limites, afirma que o espírito e a matéria são tipos distintos de emoções psíquicas do homem. Na sua doutrina filosófica, o objecto material é identificado com a ideia sobre este objecto. A argumentação leninista refuta por completo semelhantes enunciados. ^ V. I. Lénine. MateriaUsmo e Empiriocriticismo, p. 199. Î02

Examinada a questão da matéria, V. I. Lé­ nine passa ao conceito de “experiência”. Este conceito constitui, no fundo, a medula do siste­ ma positivista, incluindo o empiriocriticismo. Os positivistas negam a realidade da matéria. Para eles, a única realidade é a experiência con­ cebida como sentidos e sensações humanas. Com este vocábulo, os empiriocriticistas pretendem conferir cientificidade á sua doutrina, já que é sobejamente sabido que toda a ciência se baseia nos dados fornecidos pela experiência. Fazendo uma interpretação idealista do conceito de “ex­ periência”, os machistas procuraram substituir o conceito filosófico de matéria como realidade objectiva existente fora de nós. V. L Lénine demonstra que a concepção machista de experiência é confusa, ecléctica e deturpada. Assim, num caso, Avenarius define a expe­ riência como uma “afirmação”, cujas premissas são as “partes do meio”. Temos aqui uma ter­ minologia confusa: as sensações são a “afirma­ ção” e os objectos a “parte do meio”. No entan­ to, esta definição faz uma certa alusão ao materiaUsmo: as sensações são geradas pelos objec­ tos. Todavia, noutra ocasião, o mesmo Avena­ rius define a experiência como uma “afirmação” apenas dependente da experiência. Aqui, já não se faz qualquer alusão á existência da fonte ob­ jectiva das sensações. É também confusa a definição de experiên­ cia sugerida pelo machista Bogdanov. Ora a in­ terpreta como o reflexo da natureza na cons­ ciência dos homens, ora — e mais frequente103

mente — como as sensações que fazem a nature­ za, o mundo objectivo. Nem sequer um marxista tão ilustre como foi G. V. Plekhánov admitiu ser errada esta in­ terpretação do conceito de “experiência”. V. I. Lénine descobre e destrinça esta imperfei­ ção teórica no § 2 do III capítulo: “O erro de Plekhánov em relação ao conceito de ‘experiên­ cia’ ”. No prefácio que G. V. Plekhánov fez ao livro de F. Engels Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã ele sublinha que “para o empiriocriticismo a experiência é apenas ob­ jecto de estudo e de modo nenhum um meio de conhecimento”. Daí, Plekhánov extrai a seguin­ te conclusão: “... a oposição do empiriocriticis­ mo ao materiahsmo carece de sentido...” ^ V. I. Lénine escreve que “...nem a definição da experiência como objecto de estudo, nem a sua definição como meio de conhecimento re­ solvem alguma coisa” ^ no sentido de ajudar a estabelecer o carácter duma escola filosófica. Tudo depende de como é concebida a experiên­ cia, pois o vocábulo “experiência” pode servir tanto para a tendência materiahsta como tam­ bém ideahsta na filosofia. “...A palavra ‘expe­ riência’, sobre a qual os machistas constroem os seus sistemas — sustenta V. I. Léníne — , tem desde há muito tempo servido para encobrir os sísternas ideahstas e serve agora a Avenarius e C.“ para uma passagem ecléctica do ideahsmo ao materiahsmo e inversamente. As '■ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 115. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 116. 104

diferentes ‘definições’ deste conceito exprimem apenas as duas linhas fundamentais em filosofia que Engels tão claramente revelou” ^ O materialismo entende por experiência o reflexo da reaUdade objectiva na consciência dos homens, reflexo em que o homem estabelece com o objecto uma relação sensorial, empírica. A experiência pressupõe a ligação imediata do homem ao objecto, do homem à realidade. No decurso da experiência, o homem estabelece um contacto directo como o objecto, expresso atra­ vés de sensações e reflectido pelas sensações. A interpretação científica da experiência está in­ timamente relacionada com o conceito de maté­ ria como realidade objectiva existente fora e in­ dependentemente do homem. A abordagem e a maneira idealista de resolver o problema da experiência excluem o reconhecimento da maté­ ria e reduzem a experiência a sensações e repre­ sentações. Os idealistas não reconhecem a fonte objectiva da experiência. Quando se fala da objectividade da experiên­ cia, não se deve ignorar que a experiência pres­ supõe não somente a existência do objecto, mas também do sujeito material, cuja consciência re­ flecte as propriedades do objecto; por outras pa­ lavras, temos na experiência uma determinada relação material entre o homem e o objecto. A experiência exprime, portanto, a relação entre o homem e o objecto, a interacção entre o ho­ mem e o objecto e constitui um componente do conhecimento. Não existe experiência sem a ac­ ção da natureza sobre o homem e, inversamen' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 114. 105

te, não existe experiência sem agente, indepen­ dentemente da consciência e da actividade dos homens. A palavra “experiência” serve comummente para designar uma experiência científica como, por exemplo, a famosa “demonstração de Michelson”, que prova que a velocidade da luz não depende do movimento da Terra. Este vocábulo ê também frequentemente usado para designar certos métodos, processos e maneiras de acção sobre a realidade, de solução de determinadas tarefas práticas. Nas ciências sociais, fala-se da experiência na luta de classes, na construção do sociahsmo, etc. E neste caso, a experiência é en­ tendida como equivalente a certas conclusões para nortear as actividades práticas ulteriores. Em todos os exemplos citados, o que é invariá­ vel é a essência do conceito de “experiência” tomado como conhecimento pelo homem dum objecto que existe fora dele. Sem o reconheci­ mento da existência dum objecto real na expe­ riência, este conceito torna-se idealista e não po­ de, portanto, servir ao conhecimento científico. E precisamente isto que ensinam a crítica leninis­ ta á concepção idealista de experiência e a defi­ nição deste conceito avançada por V. I. Lénine. 2. O espaço e o tem po

É ainda no III capítulo da obra que V. I. Lénine examina tão importantes catego­ rias do materiahsmo dialéctico como são o espa­ ço e o tempo. “Reconhecendo a existência da realidade objectiva, isto é, da matéria em movi­ mento, independentemente da nossa consciên­ cia — escreve V. I. Lénine —, o materiahsmo i06

tem inevitavelmente de reconhecer também a realidade objectiva do tempo e do espaço...”^ V. I. Lénine mostra a profunda divergência que existe entre as duas correntes fundamentais da filosofia quanto às concepções de tempo e es­ paço. Os materiahstas sustentam que o tempo e o espaço são formas objectivas e reais da ma­ téria. “No mundo não há senão matéria em mo­ vimento — observa ele — , e a matéria em movi­ mento não pode mover-se senão no espaço e no tempo” Convém notar que neste contexto F. Engels tinha criticado o filósofo alemão Dühring por ter admitido certas afirmações inconsequentes e metafísicas quanto ã essência dalgumas cate­ gorias e ter negado a objectividade do espaço e do tempo, afirmando que estes não passam de puros conceitos. Se assim é, Dühring “...privou-se a si mesmo do critério objectivo que impede que se saia dos hmites do tempo e do espaço — escreve V. I. Lénine.— Se o tempo e o espaço são apenas conceitos, a humanidade, que os criou, tem o direito de sair dos seus limites...” ^ Sair fora dos limites do tempo e do espaço reais, quer dizer, afirmar que existe algo fora do tempo e do espaço, significa reconhecer duma forma ou doutra Deus, Criador do mundo. Foi para este ponto que resvalou Dühring ao admi­ tir “a causa final do mundo”, “o primeiro im­ pulso”, e, de facto, a existência do criador do ’ V. I. Lénine.MaterialismoeEmpiriocriticismo,p. 132. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 133. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 134. 107

Universo. “As formas fundamentais de todo o ser — explica Engels a Dühring — são o espa­ ço e o tempo; um ser fora do tempo é um absur­ do tão grande como um ser fora do espa­ ço” ^ Na sua obra Mecânica, E. Mach sustenta que “o espaço e o tempo são sistemas ordenados (ou harmonizados) de séries de sensações” Se­ gundo Mach e Kant, o espaço e o tempo são produtos da consciência do homem: em Kant, da razão humana e, em Mach, das sensações hu­ manas. Estes dois sistemas filosóficos são idea­ listas, porque negam a objectividade do tempo e do espaço. Recuperando as concepções de Mach, Baza­ rov entende que os postulados de Engels sobre a objectividade do espaço e do tempo se desac­ tualizaram, não obstante “o ponto de partida da concepção do mundo” preconizado por F. En­ gels continuar válido e correcto. V. I. Lénine apoda esta afirmação de clamaroso absurdo, pois só se pode ser materialista fazendo uma abordagem materiaUsta da questão do tempo e do espaço. E esta questão não é especiosa, an­ tes constitui a pedra angular da filosofia. O mar­ xismo é uma doutrina filosófica integra, da qual não se pode omitir parte alguma sem des­ truir toda a estrutura. O machista Bogdanov, do mesmo modo que Bazarov, que declarou “envelhecidas” as con­ cepções do materialismo, define o tempo e o es­ paço como “formas de concordância social da ' K. Marx, F. Engels. Obras, t. 20, p. 51. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 134. 108

experiência de diferentes indivíduos”. Segundo Bogdanov, a objectividade do tempo e do espa­ ço reside no seu “significado universal”. V. I. Lénine prova que os raciocínios de Baza­ rov e de Bogdanov são mera falsidade, pois tem­ po e espaço existiam antes da experiência, antes do aparecimento do homem. Fazendo referência ao aspecto gnosiológico destes conceitos, V. L Léníne frisa que o que há de absoluto nas concepções do tempo e do espa­ ço é a sua objectividade, isto é, a sua exis­ tência fora e independentemente de nós. É certo que as concepções concretas sobre estas formas de existência da matéria mudam. À medida que as ciências se desenvolvem, a humanidade pene­ tra cada vez mais na essência do tempo e do es­ paço. E a história da ciência vem em apoio desta conclusão leninista. Até ao século XIX, a ciência considerou que o espaço e o tempo não dependem das proprie­ dades da matéria movente, que são fenómenos invariáveis e não relacionados um com o outro. O matemático russo N. I. Lobatchevsky adian­ tou uma ideia audaz: as propriedades do espaço, a sua métrica, não são imutáveis. “Certas forças da natureza são sujeitas a uma geometria e as outras à sua geometria particular”, escreveu o cientista ^. Deste modo, Lobatchevsky abalou os alicerces da metafísica, introduziu na dialécti­ ca o conceito de espaço e estabeleceu a sua rela­ ção com as propriedades da matéria. Criou uma nova geometria, diferente da de Euclides, que ao longo de milénios foi considerada como * N. I. Lobatchevsky. Obras Completas, Mosco­ v o — Leninegrado, 1949, t. 11, pp. 158-159.

a única descrição correcta do espaço. Este tra­ balho foi posteriormente desenvolvido pelo ma­ temático alemão B. Riemann, que criou, por sua vez, uma geometria distinta da de Euclides e da de Lobatchevsky. Na geometria de Riemann, por exemplo, a soma dos ângulos do triângulo esférico é superior a 180°, ao passo que na geo­ metria euclidiana ela é exactamente igual a 180° e na de Lobatchevsky é sempre inferior a 180°. A física contemporânea aprofundou consi­ deravelmente os nossos conhecimentos sobre o espaço e o tempo. Na sua teoria da relativida­ de, A. Einstein aproveitou a ideia de Lobatchev­ sky de que as propriedades do espaço não são iguais sempre e em todas as partes. Esta teoria descobriu novas formas concretas de conexão do espaço e do tempo com a matéria em movi­ mento. Segundo ela, o tempo e o espaço sofrem variações em função da velocidade do movi­ mento. Assim, a grandes velocidades, próximas da da luz, o comprimento dos objectos reduz-se no sentido do movimento e o tempo diminui. A teoria geral da relatividade estabeleceu igual­ mente a interdependência entre o tempo e o es­ paço, por um lado, e a distribuição da massa e a intensidade do campo de gravitação, por ou­ tro. Em caso de grande intensidade do campo de gravitação, o espaço “encurva-se” e o curso do tempo diminui. A física contemporânea confir­ ma esta profunda hgação que existe entre tempo e espaço, os quais são concebidos como uma forma única do ser, um continuum de espaçç‘ e tempo, um binómio único “espaço-tempo”. É ponto assente que certas propriedades do tempo e do espaço se revelam de maneira substancial­ mente diferente no micromundo e no

macromundo. Ora, a física contemporânea alar­ gou os horizontes dos nossos conhecimentos nesta matéria relativamente ao inicio do século. As novas descobertas de nenhum modo con­ testaram os postulados fundamentais do mate­ rialismo, antes corroboraram a objectividade da existência destas formas de matéria, a sua de­ pendência do estado do substrato material, sen­ do uma das formas da sua existência. Na sua al­ tura, V. I. Lénine observou de uma maneira profética: “A mutabihdade das noções humanas do espaço e do tempo não refuta mais a realida­ de objectiva de um e de outro do que a mutabili­ dade dos conhecimentos cientifícos sobre a es­ trutura e as formas de movimento da matéria refuta a realidade objectiva do mundo exte3. S o b re a c a u s a lid a d e e a n e c e s s id a d e n a n a tu re z a

Para determinar as posições dum ou outro filósofo, importa que tenhamos presente a sua abordagem da questão da causalidade. Por isso, V. L Lénine, ao estudar as concepções filosófi­ cas dos machistas, detém-se nesta questão: “O reconhecimento das leis objectivas da natureza e do reflexo aproximadamente exacto destas leis na cabeça do homem é materiahsmo”^. Por causalidade entende-se a relação genéti­ ca necessária dos fenómenos, dos quais um (a * V. I. Lénine. MateriaUsmo e Empiriocriticismo, p. 133. ^ V. L Lénine. MateriaUsmo e Empiriocriticismo, p. 108.

causa) determina inevitavelmente, em determi­ nadas condições, outro — o efeito (ou acção). V. I. Lénine recorda Engels, que, com o seu es­ pirito penetrante, fundamentou a objectividade da causalidade. F. Engels atribui grande impor­ tância à abordagem dialéctica da causa e do efeito, a qual consiste, antes de tudo, no reveza­ mento, na alternância, dos dois fenómenos quer dizer, o que num caso se manifesta, aqui e ago­ ra, como causa, numa outra situação transfor­ ma-se em efeito e vice versa. A dialéctica da conexão causa-efeito consiste igualmente em que o efeito produzido por uma causa pode influir na causa geradora. Este fenó­ meno constitui a mais importante particularida­ de da conexão causa-efeito. Por exemplo, o principio da ligação reciproca de causa e efeito vigora em toda a natureza viva e sem ele a exis­ tência dos organismos e a sua adaptação ao meio seriam simplesmente inconcebíveis. Causa e efeito, de per si, apenas têm signifi­ cado em relação a cada caso particular, sendo uma partícula da “conexão geral”, mas uma partícula tão importante que determina um dos aspectos essenciais da evolução dos processos do mundo material. A negação da sua existência objectiva na natureza conduz necessariamente ao reconhecimento dum princípio espiritual no mundo que nos rodeia. Apresentada a visão materialista da questão da causalidade, V. I. Lénine passa à crítica aos ídeaHstas. Começa por analisar as concepções de Ave­ narius, que sustentava que fora e independente­ mente de nós não existem nem causalidade nem necessidade. O que se designa por causa não é

senão a sensação de que um fenómeno sucede o outro e, consequentemente, não há razão ne­ nhuma para afirmar que um fenómeno é gerado por outro e que este fenómeno será sucedido por um seguinte. Não existe na natureza nenhuma necessidade objectiva. Assim, Avenarius repete quase literalmente as concepções do filósofo idealista Hume. Mach declara abertamente ser adepto do ponto de vista humista nesta questão. O filósofo considera que, além da necessidade lógica, não existe nenhuma outra espécie de necessidade, di­ gamos, física. “Na natureza não existe nem a causa nem o efeito”, defende Mach^ Todas as leis que se atribuem à natureza resultam de fac­ to, segundo Mach, dos “impulsos subjectivos”. ”...A doutrina da causalidade de Mach e de Avenarius é, na sua própria base, uma mentira idealista — conclui V. I. Lénine — , quaisquer que sejam as frases altissonantes sobre o “positi­ vismo” com que se encubra”^. Na Inglaterra, o machista Karl Pearson de­ fendia sem rodeios o subjectivismo na questão da causalidade. Segundo ele, as leis da natureza são mais o produto do intelecto humano do que factos do mundo exterior: “O homem é o criador das leis da natureza”^. O positivista russo Bogdanov afirmava que as leis da ciência não resultam do estudo da na­ tureza, mas são criadas pela consciência. Segun' E. Mach. Die Mechanik.., Leipzig, Brockaus, 1897, XII, 3 Auflage, S. 474. ^ V . I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 124. ^ K. Pearson. The Grammar o f Science, London, Black, 1900, XVIII, § 4. I 13 B- 1253

do Bogdanov, com estas leis o homem “har­ moniza a experiência”, ordena o mundo caótico dos “elementos”. Este autor está completamen­ te de acordo com o positivismo contemporâneo, segundo o qual a lei da causalidade não é a co­ nexão objectiva dos fenómenos que o homem pretende conhecer, mas apenas um modo de li­ gar os fenómenos psíquicos numa série contí­ nua, uma forma de coordenação da experiên­ cia concebida como os sentidos humanos. Na caracterização que faz da essência do “positivis­ mo contemporâneo” apregoado por Mach, Bogdanov e outros filósofos, V. I. Lénine su­ blinha que “...os nossos machistas, confiando cegamente nos professores reaccionários ‘mo­ dernos’, repetem os erros do agnosticismo kan­ tiano e humista na questão da causalidade, sem se aperceberem nem de que estas teorias estão em contradição absoluta com o marxismo, isto é, com o materialismo, nem de que elas resvalam por um plano inclinado para o ideahsmo.“...0 positivismo contemporâneo é agnosticismo que nega a necessidade objectiva da natureza, neces­ sidade existente antes e fora de qualquer ‘conhe­ cimento’ e de qualquer homem...” Esta caracterização leninista da interpreta­ ção positivista da causalidade feita pelos ma­ chistas é válida igualmente para o positivismo de hoje. Todas as tendências “em voga” do neo­ positivismo preconizam, de facto, o indetermi­ nismo, isto é, negam a relação causal (e, em ge­ ral, lógica) objectiva entre os fenómenos natu­ rais e sociais. Alguns físicos modernos falam se' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 127. ! (4

gundo o espírito indeterminisía. Entre estes, o célebre fisico inglês A. S. Eddington, que na sua obra peculiar se propõe demonstrar a ban­ carrota inevitável do determinismo na ciência, isto é, a doutrina sobre a relação mútua, lógica e objectiva dos fenómenos. Os idealistas con­ temporâneos postulam que no micromundo do­ mina o indeterminismo: as micropartículas, e, em particular, o electrão, podem deslocar-se sem qualquer causa, por orbitas livres. Com ba­ se neste postulado, foi criada a teoria estranha, pseudocientífica, do “livre arbítrio” do electrão que preconiza a ausência de causa, de determi­ nação, do movimento dos electrões nas órbitas e da modificação do seu estado. Os adeptos do indeterminismo apoiam-se no princípio da indeterminação do ilustre físico alemão W. Heisen­ berg, um dos fundadores da mecânica dos quan­ ta. Este princípio diz que é impossível estabele­ cer simu taneamente e com a máxima exactidão as coordenadas da partícula e o seu impulso (ve­ locidade). Uma vez que a localização e a veloci­ dade são desconhecidas em dado momento, será impossível determinar a órbita da partícula, o trajecto do seu movimento. A propriedade das partículas descoberta por Heisenberg é explica­ da pela sua complexidade, peio facto de as partí­ culas terem simultaneamente características cor­ pusculares e ondulares. Isto signifíca que as fór­ mulas do determinismo mecânico (o chamado determinismo de Laplace) que implicam o co­ nhecimento simultâneo das coordenadas e da ve­ locidade são inaphcáveis neste caso. Portanto, a causahdade no micromundo está sujeita a ou­ tras normas, às leis da mecânica dos quanta e es­ tatísticas e não às da mecânica tradicional de 8*

Newton. “Com o aparecimento da mecânica dos quanta — constata o cientista soviético, o académico A. M. Prokhorov —, a fídedignidade das nossas antevisões não se tornou me­ nor... Conhecemos o funcionamento dos gera­ dores dos quanta — Laser e Maser — e pode­ mos descrevê-lo de antemão, partindo deste conhecimento, apesar de se basear nas leis da mecânica dos quanta. É certo, que não estamos em condições de determinar a fase de um fotão (devido ao principio do indeterminismo), mas dai não se deduz que não possamos prever e des­ crever o funcionamento dum gerador em geral. O principio do indeterminismo é apenas uma das propriedades da matéria que está patente no reino do micromundo”^. A prática tem-se encar­ regado de confirmar sistematicamente a correc­ ção dos cálculos alusivos ao movimento dos conjuntos de particulas; os êxitos da indústria atómica e na utilização da energia nuclear teste­ munham a verdade e a objectividade da física moderna. Donde podemos concluir que a física moderna não dá razões para negar a causalidade no micromundo. O fílósofo inglês de tendência neopositivista Bertrand Russel mostra-se solidário com as con­ cepções de Hume sobre a causalidade, qualifi­ cando este conceito como “ante-cientifíco” e primitivo. Russel considera que a fé na exis­ tência de causas exteriores é um fenómeno ca­ racterístico do mundo dos animais. Alguns fílósofos idealistas contemporâneos propõem a substituição do conceito de causali­ dade pelo de “conexão funcional”. Ideias deste ' A Ciência e a Teologia no Século XX, p. 208. ! 16

jaez foram formuiadas ainda na época de Léni­ ne e por ele criticadas. Os conceitos de “conexão funcional” e de “conexão causal” não são idênticos. A conexão funcional é válida para certas fórmulas, expri­ mindo a ideia de causal, mas muitas vezes pode traduzir, e traduz de facto, ligações de outra ín­ dole. A conexão funcional pode expressar as re­ lações de coexistência como, por exemplo, a re­ lação entre o raio do círculo e a sua superfície ou entre a pressão e o volume do gás num reci­ piente fechado. Nenhum dos elementos aludi­ dos é a causa do outro, mas a dependência entre eles é evidente: trata-se simplesmente de pro­ priedades coexistentes. Sob a forma de conexões funcionais, podem manifestar-se diferentes li­ gações dos objectos e grupos abstractos criados pelos matemáticos em função das necessidades internas da ciência. As conexões funcionais têm bastante importância para descobrir as causais, mas apenas quando as últimas podem ser tradu­ zidas em termos quantitativos e cálculos mate­ máticos. Neste caso, as Ugações funcionais aju­ dam a penetrar nas conexões causais, nos pro­ cessos objectivos de relacionamento recíproco entre os fenómenos, na essência dos fenómenos submetidos ao estudo. Lénine diz: os machistas russos “acredita­ ram nos professores empiríocriticistas alemães no sentido de que dizer ‘correlação funcional’ era fazer uma descoberta do ‘positivismo mo­ derno’ e desembaraçar-se do ‘feticliismo’ de ex­ pressões como ‘necessidade’, ‘lei’, etc.”’^Segun­ * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 120. Î 17

do V. I. Lénine, uma ou outra fórmula da cau­ salidade não pode substituir a questão da essên­ cia da causalidade, a questão de saber se a cau­ salidade existe objectivamente ou é criada pela nossa consciência, pelos nossos sentidos (como afirmava Hume), ou pela nossa razão (como de­ fendia Kant), ou pelo aparelho lógico do nosso pensamento, de que falam os ideahstas contem­ porâneos. O problema do determinismo é sumamente importante para a actividade prática, para o de­ senvolvimento da ciência e, sobretudo, para a vida social. Os ideahstas negam a determina­ ção objectiva dos fenómenos sociais e afirmam a impossibilidade do conhecimento dos fenóme­ nos sociais. Para eles, é impossivel definir o per­ curso das transformações sociais necessárias, traçar cientificamente o caminho da revolução social. V. L Lénine mostra que é inconcebível qual­ quer ciência que não reconheça a conexão cau­ sal objectiva, o conceito de causahdade elabora­ do pelo homem na prática. Se a causalidade não existisse, a ciência seria incapaz de fazer a ante­ visão científica do futuro e prognosticar as vias de conquista da natureza e transformação da sociedade. Na obra de V. L Léníne, o conceito de cau­ salidade acompanha, a par e passo, o de necessi­ dade. Isto não significa, todavia, que os ditos conceitos sejam idênticos, iguais. V. I. Lénine emprega-os juntos devido ao seu parentesco, mas nunca os identifica. Os materialistas de ten­

dência mecanicista, anterior ao marxismo, iden­ tificavam a causalidade com a necessidade, sus­ tentando que tudo o que existe é necessário; ne­ gavam o carácter objectivo da casualidade, defínindo-a como fenómeno cujas causas nos são desconhecidas. O materiahsmo dialéctico conce­ be a objectividade como necessidade e casuahdade, sem identificação dos conceitos de neces­ sário e causal. Todos os fenómenos que se operam no mun­ do são condicionados causalmente; não há ne­ nhum processo, nenhum acontecimento sem cau­ sa. Porém, nem todos os fenómenos que ocor­ rem na natureza ou na sociedade são necessá­ rios. Além da necessidade, existe no mundo a ca­ sualidade objectiva, real, como forma de necessi­ dade e seu complemento. Considera-se ca­ sual o que pode acontecer ou não, o que pode ser ou não. Esta casualidade concreta tem a sua cau­ sa, mas não é necessária. Por exemplo, a morte é natural, mas o momento da morte é uma casualidade que depende de uma série de causas e circunstâncias não determinadas por uma necessidade. A pressão do gás sobre as pare­ des do recipiente, a determinadas temperaturas, é natural, mas já é casual neste fenómeno quantas e quais moléculas esbarram com o recipiente, exercendo esta pressão. Desde que a análise leninista foi feita, o con­ ceito de causahdade enriqueceu-se e aprofundou-se tanto na filosofia, como nas ciências da natu­ reza e da sociedade. Foi mais aprofundada a questão das relações causais em todo o espectro das ligações universais. Entraram na teoria do determinismo os conceitos de probabilidade, possibihdade, casualidade. No entanto, os pos­

tulados leninistas sobre a universalidade e a ob­ jectividade das conexões de causa e efeito conti­ nuam a ser um vector constante. “...A linha sub­ jectivista na questão da causahdade, a dedução da ordem e da necessidade da natureza não do mundo objectivo exterior, mas da consciência, da razão, da lógica, etc., não só separa a razão humana da natureza, não só opõe a primeira à segunda, como faz da natureza uma parte da ra­ zão, em vez de considerar a razão como uma particula da natureza”, observa V. I. Lénine^ O ponto de vista anticientifico da causahdade desenvolvida pelo ideahsmo, quer da época pas­ sada quer da contemporânea, nunca conseguiu constituir a base do êxito das actividades cienti­ fica e prática dos homens. Somente uma visão cientifica, materiahsta, da causahdade tem sido e continua a ser garantia de novos êxitos da ciência e da prática. O problema da causahdade e da necessidade está intimamente hgado ao da hberdade do ho­ mem. O tema da correlação entre a necessidade e a liberdade será por nos examinado mais adiante quando tratarmos das questões do ma­ teriahsmo histórico.

' V. I, Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 127.

V A ANÁLISE LENINISTA DA REVOLUÇÃO M O D E R N A NAS C IÊNCIAS DA NATUREZA E DA CRISE DA FÍSICA

Em Materialismo e Empiriocriticismo ocupa lugar importante a análise filosófica das ciências da natureza, sobretudo da física, que, a par das matemáticas, se tornou no século XX ciência pi­ loto. No fim do século XIX e início do XX, registou-se na física uma série de descobertas impor­ tantes que minaram as concepções tradicionais concernentes á estrutura da matéria, aos átomos e elementos químicos, ao tempo e ao espaço. As descobertas fundamentais, a revisão profunda e rápida de concepções, teorias e princípios cien­ tíficos tradicionais permitem dizer que neste pe­ ríodo houve uma revolução nas ciências da na­ tureza. É a seguinte a cronologia das grandes desco­ bertas realizadas só numa década: 1895 — descoberta dos raios X (Röntgen). Este facto veio negar o princípio da impenetra­ bilidade da matéria. Foram descobertos pelo fí­ sico austríaco Röntgen e são também conheci­ dos pelo seu nome. 1896 — o físico francês Becquerel descobre o fenómeno das radiações do urânio. Esta des­ coberta impulsionou o estabelecimento da com­ 121

posição complexa do átomo, considerado até então como indivisível e imutável. 1897 — o físico inglês J. Thomson descobre o electrão no átomo. 1898 — o casal M. Sklodowska-Curie e P. Curie descobre um novo elemento químico radiactivo, o rádio. 1899 — o físico russo P. N. Lebedev faz, pe­ la primeira vez, a medição da pressão da luz, de­ monstrando assim a existência da chamada massa electromagnética. 1900 — o físico alemão M. Planck lança os fundamentos da teoria dos quanta (teoria ba­ seada na inconstância das unidades físicas que caracterizam o estado dos micro-objectos, na in­ constância da acção, na inconstância da emissão de energia, etc.). 1903 — os cientistas ingleses E. Rutherford e F. Soddy formulam a teoria da decomposição radiactiva do átomo como processo de transfor­ mação dos elementos 1905 — o físico alemão A. Einstein intro­ duz a noção de fotão ou de quanta concebido como partícula da luz e cria a teoria de relativi­ dade, que o levou á lei da correlação entre a massa e a energia. As grandes descobertas na física levaram a uma revisão radical das velhas concepções acerca dos átomos e dos elementos químicos. Graças a estas descobertas, a ideia da mutabili­ dade universal irrompeu no domínio das ciên­ cias da natureza onde ainda dominavam os con­ ceitos de imutabilidade das propriedades e dos tipos de matéria, de suposta eternidade e inesgo­ tabilidade das suas partículas. Por outras pala­ vras, a nova abordagem revolucionária atingiu

esferas que não tinham sido remodeladas duran­ te a viragem profunda que se operou nas ciên­ cias da natureza nos meados e na segunda meta­ de do século XIX. A revolução nas ciências da natureza ocorrida no limiar dos séculos XIX e XX rompeu com as concepções metafísicas so­ bre a natureza e a matéria e enraizou novos con­ ceitos e pontos de vista, dialécticos quanto ao conteúdo, quer dizer, assistiu-se a uma substi­ tuição revolucionária da metafísica pela dialéc­ tica. V. I. Lénine recorda a este propósito o marxista húngaro J. Diner-Dénes que afir­ mou que a revolução moderna nas ciências da natureza viera confirmar os postulados da dia­ léctica formulados por F. Engels em Anti-Dühring. “A física contemporânea — sublinha V. I. Lénine — está a dar à luz. Está a dar ã luz o materiahsmo dialéctico”^; “... o materialismo dialéctico insiste no carácter aproximativo, relativo, de qualquer proposição científíca sobre a estrutura da matéria e as suas propriedades, na ausência de fronteiras absolu­ tas na natureza, na transformação da matéria em movimento de um estado para outro que, do nosso ponto de vista, parece incompatível com o anterior, etc.”^ “A nova física, ao descobrir novas varieda­ des da matéria e novas formas do seu movimen­ to, colocou, devido á ruína dos velhos conceitos físicos, as velhas questões filosófícas”, escreve V. I. Lénine O materiahsmo dialéctico, frisa p. p. p.

^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 237. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 198. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 211.

o autor, deve apoiar-se nas descobertas moder­ nas da área das ciências naturais, deve conside­ rá-las como uma nova base cientifica e natura­ lista para o materialismo, deve fazer delas as suas conclusões cientificas e materialistas. Esta necessidade era imperativa porque certos fisicos extrairam das suas descobertas conclusões idea­ listas. 1. A c ris e na fís ic a no fim d o s é c u lo X IX e n o in ic io d o X X

Onde reside a crise da fisica? V. I. Lénine dá uma resposta clara á esta questão no V capítulo intitulado “A moderna revolução nas ciências da natureza e o idealismo filosófico”: “...no as­ pecto filosófico a essência da ‘crise da fisica con­ temporânea’ consiste em que a velha fisica via nas suas teorias o ‘conhecimento real do univer­ so material’, isto é, o reflexo da realidade objec­ tiva. A nova corrente da fisica vê na teoria ape­ nas símbolos, sinais, marcas para a prática, isto é, nega a existência da realidade objectiva, inde­ pendente da nossa consciência e reflectida por esta... A teoria materialista do conhecimento, adoptada espontaneamente pela fisica anterior foi substituída por uma teoria do conhecimento ideahsta e agnóstica, do que o fideísmo se apro­ veitou, contra o desejo dos idealistas e dos ag­ nósticos. ... A crise da física contemporânea — sublinha V. L Lénine — consiste em que ela deixou de reconhecer directa, decidida e irrevogavelmente o valor objectivo das suas teorias...”i ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 231. 124

Ao proceder à análise dos postulados mais importantes da nova física, V. I. Lénine consi­ dera necessário acentuar a diferença entre a abordagem fílosófica e a das ciências particu­ lares dos problemas examinados. “...Estamos longe de pensar em tratar de teorias especiais da física. Interessam-nos exclusivamente as conclu­ sões gnosiológicas de algumas proposições de­ terminadas e de descobertas geralmente conhe­ cidas” ^ E a continuação apresenta imia análise ponderada de certas teses dos “ideahstas físi­ cos”. As concepções do físico francês H. Poincaré são exemplo das conclusões incorrectas que fo­ ram extraidas das descobertas da física moder­ na. Diz o cientista que o que restou são ruínas dos velhos princípios da física, a sua derrota to­ tal. “O rádio, esse grande revolucionário”, mi­ nou, segundo ele, o princípio da conservação da energia e a teoria dos electrões pôs termo ao princípio da conservação da massa. Afirmando que a lei da conservação da massa e a da conser­ vação da energia eram incorrectas, Poincaré re­ tira uma conclusão pessimista sobre todo o co­ nhecimento humano. Assim, o cientista pôs em dúvida todas as leis estabelecidas pela ciência. Sustentava que os conceitos físicos do tempo e do espaço não eram cópias, fotografias, da na­ tureza, mas simplesmente produtos da consciên­ cia humana. Não é a natureza que proporciona estes conceitos ao homem, mas é o homem quem os atribui á natureza. A natureza, segun­ do Poincaré, carece de objectividade. “Tudo ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 19L 125

o que não é pensamento, é puro nada”, declara­ va ele Convém notar que os dados da flsica em que se baseia Poincaré, de modo nenhum permitiam semelhantes conclusões. As novas descobertas da física moderna, a que se reporta o cientista, não refutavam nem o principio da conservação da energia nem o da conservação da massa e, por conseguinte, não havia qualquer fundamen­ to para retirar conclusões filosóficas ideahstas. Especulações deste tipo sobre fenômenos insufi­ cientemente conhecidos são, dum modo geral, características de todo o idealismo. O principal obstáculo responsável pela crise na física foi a tese de que “a matéria desapare­ ceu”, formulada e defendida por muitos cientis­ tas, que chegavam a pôr em dúvida a própria existência da matéria. A este tema dedica V. I. Lénine o segundo parágrafo do V capitu­ lo, sob o titulo de “A matéria desapareceu”. Es­ ta asserção encontra-se nas doutrinas de muitos físicos daquele tempo. “O átomo desmaterializa-se, a matéria desaparece” afirmou o físico francês L. Houllevigue. O seu colega italiano A. Righi dizia que no novo sistema a electrici­ dade passa a ocupar o lugar da matéria. Invo­ cando A. Righi, o machista russo Valentinov interroga: “Por que é que Augusto Righi se per­ mite fazer este ultraje á santa matéria? Talvez porque seja solipsista, ideahsta, criticista bur­ guês, empiriomonista ou algo ainda pior?” ^ Pa^ H. Poincaré. La valeur de ia science. Paris, Flamma­ rion, 1905, ch, VIII. ^ L. Houllevigue. í .’evoto/o« íifeí ícíe«ceí. Paris, 1908, pp. 63, 87, 88. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 196.

recia a Valentinov que a sua réplica era um forte argumento contra os materialistas. Se eram os próprios físicos, cuja missão é estudar a matéria, a afirmar que a matéria desapareceu, porque é que haviam os filósofos de contrariar este postu­ lado? V. I. Lénine demonstra que o desapareci­ mento da matéria de que fala Valentinov, pedin­ do ajuda a determinados físicos, nada tem a ver com o conceito fílosófico de matéria. Os físicos dizem que o átomo como última pedra basilar, indivisivel, da matéria “desapareceu”, cedendo lugar a outra particula — o electrão. O que ver­ dadeiramente se dá é a substituição duma con­ cepção física sobre a estrutura da matéria por outra, mais profunda. Mas esta substituição não diz directamente respeito à solução filosófica da dita questão. “O materialismo e o ideahsmo — escreve V. L Lénine — diferenciam-se por uma ou outra solução da questão da fonte do nosso conhecimento, das relações entre o conhecimen­ to (e o ‘psiquico’ em geral) e o mundo /íífco, en­ quanto a questão da estrutura da matéria, dos átomos e dos electrões, é uma questão que diz respeito apenas a este ‘mundo físico’ ” ^ Qual o verdadeiro sentido da expressão “a matéria desaparece”? V. L Lénine dá a explica­ ção seguinte: “A matéria desaparece — isto quer dizer que desaparece o limite até ao qual conheciamos até agora a matéria e que o nosso conhecimento vai mais fundo: desaparecem as ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 197. Nota: Provavelmente, trata-se da massa mecânica, considerada na fisica clássica como propriedade eterna e constante da matéria.

propriedades da matéria que anteriormente pa­ reciam absolutas, imutáveis, primárias (impene­ trabilidade, inércia, massa (vede a Nota do Au­ tor), etc.), e que agora se revelam relativas, inerentes apenas a certos estados da matéria” ^ Todas as “maravilhosas” descobertas desse tempo somente vieram confirmar a correcção do materialismo dialéctico, que preconiza o ca­ rácter aproximativo, relativo, de qualquer co­ nhecimento, assim como a falta de hmites bem demarcados na natureza. Do ponto de vista da “razão sensata”, observa V. I. Lénine, parece estranha a transformação do éter imponderável numa substância ponderável e inversamente. (Em hnguagem actual, caracterizamos o fenó­ meno invocado por V. I. Lénine como a trans­ formação do campo electromagnético em subs­ tância e, vice-versa, da substância em campo.) Estas permutações reciprocas são perfeitamente explicáveis á luz da dialéctica, que reconhece a ausência de hmites intransponíveis na nature­ za. São também dignas de admiração a acção das leis mecânicas do movimento restrita a uma determinada área dos fenómenos da natureza e a subordinação dos fenómenos electromagné­ ticos a outras leis, mais profundas. Do ponto de vista dialéctico, diferentes formas de movimento têm diferentes objectos materiais e é natural que sejam sujeitas a distintas leis do movimento. O conhecimento cada vez mais profundo da ma­ téria e o “desaparecimento” das antigas con­ cepções da matéria não significam de modo al­ gum o desaparecimento da matéria como tal, * p.198. 128

V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo,

“porque a única ‘propriedade’ da matéria a cujo reconhecimento o materiahsmo filosófico está hgado é a propriedade de ser uma realidade objectiva, de existir fora da nossa consciência.., porque o conceito de matéria não significa em gnosiologia senão isto: a reahdade objectiva que existe independentemente da consciência huma­ na e que é reflectida por ela ^ V. I. Lénine fundamenta, em profundidade, o desenvolvimento do conhecimento da estrutu­ ra da matéria. Ontem, diz V. L Lénine, o conhe­ cimento humano não ia além do átomo, hoje não vai além do electrão e do éter, mas todas es­ tas etapas são aproximadas; são apenas deter­ minadas etapas do conhecimento da natureza pela ciência progressiva. “O electrão é tão ines­ gotável como o átomo, a natureza é infinita...” ^ O tempo transcorrido desde que foram escri­ tas ideias veio dar razão e profundidade às con­ clusões leninistas relativas à infinidade da natu­ reza. “A doutrina da ciência sobre a estrutura da matéria, sobre a composição quimica dos ahmentos, sobre o átomo ou sobre o electrão, po­ de tornar-se e torna-se antiquada todos os dias...”, escreveu V. L Lénine A história da ciência confirma cabalmente estas palavras. O electrão era a única partícula elementar co­ nhecida nos tempos de Lénine. Desde então, fo­ ram descobertas cerca de 300 partículas elemen­ tares, estabelecida a existência das partículas hp. p. p.

' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 198. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 199. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 140. i29

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geiras (das quais faz parte o electrão), as partí­ culas de massa média, as pesadas (nucleões) e superpesadas (hiperões). Foram descobertas antipartículas, formações materiais semelhantes pelas suas propriedades aos seus “duplos”, mas de carga contrária. Foi estabelecida a transfor­ mação recíproca das partículas elementares, fe­ nómeno que se revela nitidamente no electrão, cuja inesgotabiUdade foi predita por V. I. Léni­ ne. O electrão, em determinadas condições, fun­ de-se com a sua antiparticula — o positrão, pro­ duzindo fotões, isto é, quantas de luz. Os fotões são possuidores de grande energia e quando pe­ netram num campo positivo forte do núcleo do átomo, formam um “par” de partículas; o elec­ trão e o positrão. Os electrões, também podem aparecer no processo de decomposição radiactiva do núcleo do átomo. Este núcleo é capaz de assimilar os electrões, como que dissolvendo-os em si. Esta assimilação seria, evidentemente, im­ possível se as partículas não tivessem uma estru­ tura complexa. A referência leninista á inesgotabihdade do electrão vale, ao fim e ao cabo, para todas as partículas elementares. Dispõe-se já hoje de da­ dos sobre a existência das chamadas “esferas”, quer dizer, de partículas dentro de outras partí­ culas elementares. Isto não significa, todavia, que a ciência conheça toda a estrutura da maté­ ria, até á “última” partícula. A natureza é ines­ gotável, como o é qualquer das suas partículas. Depois de revelar a inconsistência dos racio­ cínios anticientifícos e ideahstas sobre o “desa­ parecimento da matéria”, V. 1. Lénine passa à critica da afirmação idealista sobre a possibili­ dade de movimento sem matéria.

Na terceira parte do V capítulo, intitulada “É concebível o movimento sem a matéria?” V. I. Lénine mostra a relação existente entre o idealismo filosófico e a teoria que separa a matéria do movimento. Os idealistas não ne­ gam em princípio que o universo é o movimen­ to; no entanto, concebem-no como o movimen­ to das ideias humanas, das concepções e das sensações. V. L Lénine analisa a relação que existe en­ tre a questão do movimento da matéria e a ques­ tão fundamental da filosofia. Afirmar que o mo­ vimento existe sem a matéria significa sus­ tentar que a matéria desapareceu; é nisso que se revela o carácter ideahsta da teoria, segundo a qual o movimento existe separadamente da matéria. A separação da matéria do movimento está intimamente ligada aos postulados ideahs­ tas, segundo os quais o pensamento existe inde­ pendentemente da matéria. V. L Lénine coloca uma série de questões embaraçosas aos machistas russos. Se a matéria desapareceu e ficou somente o movimento, que será do pensamento? Naturalmente, aqui po­ dem pôr-se duas hipóteses: ou o pensamento de­ sapareceu com a matéria ou o pensamento con­ tinua a existir sem a matéria. Se se aceita que o pensamento, as concepções e as sensações de­ sapareceram com a matéria (incluindo o cérebro e o sistema nervoso como substâncias mate­ riais), deixa de existir, diz V. L Lénine, todo o conhecimento, incluindo também os raciocí­ nios dos ideahstas como exemplo do pensamen­ to. Se se admitir que a matéria desaparece e as ideias, as sensações e as concepções se mantêm, isto significa adoptar o ponto de vista do ídeahs-

mo filosófico que reconhece a possibilidade da existência do espirito sem a matéria e, por con­ seguinte, a originariedade do espírito. “O que é essencial é que a tentativa de conceber o movi­ mento sem a matéria introduz furtivamente o pensamento separado da matéria, e isto é preci­ samente idealismo filosófico” Em seguida, V. I. Lénine examina os enun­ ciados filosóficos do cientista alemão Wilhelm Ostwald, cujas concepções deram origem à dou­ trina do “energetismo”. Afirmava ele que a energia pode existir sem o seu vector material. Pode-se assim falar, segundo Ostwald, do movi­ mento sem indicar o que se move. “Será a natu­ reza obrigatoriamente formada por sujeito e predicado?”, interroga o cientista Segundo Ostwald, não é obrigatório que exista na nature­ za o “sujeito”, isto é, a existência dum objec­ to que se move; o que deve haver infahvelmente é o“predicado”, quer dizer, o movimento. V. L Lénine demonstra que todos os raciocínios de Ostwald não passam de sofistica. Na nature­ za existem coisas que se movem sem que nin­ guém obrigue a natureza a isto; esta é proprie­ dade objectiva sua. Se pretendemos raciocinar correctamente, somos “obrigados” a aceitar o que existe realmente no mundo. No nosso pensamento deve haver o que existe na nature­ za, continua V. L Lénine, e na natureza, o movi­ mento não existe sem a matéria. Assim, quando se fala de movimento, é impossível não nomear ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 203. ^ W. Ostwald. Vorlesangen über Naturphilosophie, Leipzig, Veit, 1902, S. 457.— Ver: V. L Lénine. Materialis­ mo e Empiriocriticismo, p. 205. 132

o que se move: electrões, éter, etc., isto é, tanto o“sujeito” como o “predicado” devem estar presentes. Para W. Ostwald “energia” é tudo o que existe no mundo: a matéria e o espírito. Os pro­ cessos do conhecimento, afírma o cientista, são energéticos: a consciência “energética” produz o mundo “energético”. V. I. Lénine rotula este postulado de Ostwald de puro idealismo. W. Ostwald segue o ponto de vista idealista, cometendo, por vezes, “desvios” na direcção da interpretação materialista da energia como pro­ priedade das coisas reais. Por isso foi alvo de crítica por parte do machista Bogdanov, que considera a “energia” como “puro símbolo”, como certo sinal, mas de nenhuma maneira co­ mo realidade, como propriedade da matéria. V. L Lénine estabelece o balanço da relação entre o machismo e a nova física, concluindo que o machismo está indubitavelmente vincula­ do à nova física, mas o carácter dessa relação é interpretado pelos machistas duma maneira profundamente incorrecta. As ideias machistas não decorrem das descobertas físicas, antes de­ turpam essas conclusões, conferindo-lhes um espírito idealista. É pura falsidade a afirmação de que a filosofia de Mach é “...filosofia das ciências da natureza do século XX”, “filosofia moderna... das ciências da natureza contempo­ râneas” S como o diziam Bogdanov, luchke­ vitch, Valentinov e outros. V. L Lénine con­ testa estas pretensões infundadas do machismo. Mostra, primeiro, que o machismo está ideolo­ gicamente ligado a apenas uma escola num dos * V. I. lÂrnsm. MateriaUsmo e Empiriocriticismo,-p. l?!.

ramos das ciências da natureza contemporâ­ neas, isto é, a uma das escolas da física. Depois, e este aspecto é o ftmdamental, o machismo está vinculado á dita escola através de concepções ideahstas idênticas, mais concretamente, através da negação da realidade objectiva. No entanto, as “doutrinas” de Mach sobre os “elementos” ou de Avenarius sobre “a coordenação de princípio” nem sequer eram conhecidas de mui­ tos dos físicos, estando nesse caso físicos idea­ hstas como o francês Poincaré, o belga Duhem, o inglês Pearson. Deste modo, a fílosofía ma­ chista não representava todos os físicos ideahs­ tas e muito menos as ciências da natureza mo­ dernas, como o afirmavam os adeptos de Mach. 2 . R a íz e s g n o s io ló g ic a s e s o c ia is d o id e a lis m o " f ís ic o "

No período de que se tem vindo a falar, b ideahsmo “físico” era uma corrente ideológica internacional. Na sequência da anáhse que fez das concepções dos físicos ideahstas da Grã-Bretanha, de França, da Alemanha, da Rússia (particularmente de N. Chichkine), V. I. Léni­ ne frisa: “...tanto mais instrutivo é observar co­ mo tendências fílosóficas similares se mani­ festam em condições completamente diferentes quanto à cultura e aos costumes” ^ Estas carac­ terísticas comuns do idealismo “físico”, subh­ nha V. L Lénine, têm raízes gnosiológicas (isto é, teóricas e do conhecimento) e sociais comuns. A causa gnosiológica determinante da crise * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 227.

na física e da divulgação rápida do idealismo “físico” reside no atraso da concepção geral do mundo em relação ao conhecimento científico progressivo. Tal fenómeno manifestou-se tanto na incompreensão da correlação entre as verda­ des absoluta e relativa como, tambem, nas con­ clusões incorrectas da “matematização” da físi­ ca e do princípio da relatividade. Passando em exame as conclusões erradas da “matematiza­ ção” da física, V. I. Lénine escreveu: “As velei­ dades reaccionárias são geradas pelo próprio progresso da ciência. Os grandes progressos das ciências da natureza, a aproximação de elemen­ tos da matéria tão homogêneos e simples que as leis do seu movimento permitem um tratamento matemático, geram o esquecimento da matéria pelos matemáticos. ‘A matéria desaparece’, res­ tam as equações” Para esclarecer as causas do ideahsmo “físico”, V. L Lénine aduz notas do filósofo positivista francês A. Rey, que refletem com bastante exactidão o pensamento dos mate­ máticos tendente a uma abstracção cada vez maior. Neste processo de abstracção, eles fazem uma representação puramente lógica dos objec­ tos físicos, como se se tratasse de objectos não materiais. Daí, a confusão que se estabelece nas suas representações: segundo eles, a matéria de­ saparece, restam apenas as equações. V. L Lénine demonstra que as fórmulas ma­ temáticas, sendo gerais e abstractas, estão certas porque traduzem na sua hnguagem específíca conhecidas propriedades objectivas dos objec­ tos. O elemento geral do pensamento é a expres­ * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 233.

são do geral que está presente nos objectos reais. As “equações” não criam objectos, mas somen­ te revelam a sua unidade. “A unidade da nature­ za — escreve V. I. Lénine — revela-se na ‘sur­ preendente analogia’ das equações diferenciais relativas aos diferentes domínios de fenóme­ nos...” * Se com as mesmas equações se pode so­ lucionar os problemas da hidrodinâmica e ex­ primir a teoria dos potenciais, se favorecem a descoberta de uma analogia surpreendente da teoria da turbulência nos líquidos, da teoria da fricção dos gases e da teoria do electromagnetismo, isto signifíca que todos estes fonómenos re­ ais têm de comum algo objectivo. O formaUsmo matemático tem, segundo V. L Lénine, um cer­ to sentido físico demonstrativo e de modo ne­ nhum permite conclusões ideahstas (Vede a No­ ta). V. L Lénine aponta, em seguida, outra cau­ sa gnosiológica relevante que esteve na origem ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 219. Nota: A ideia leninista da uniformidade da natureza, como base objectiva da uniformidade das fórmulas matemá­ ticas aplicáveis a diversos fenómenos, é confirmada por nu­ merosos factos científicos. Exemplo elucidativo disso é a analogia da fórmula em que se encaixa a quantidade de in­ formação descoberta em 1948 pelo matemático americano Claude Shannon e da fórmula anteriormente conhecida que exprime a grandeza da entropia, uma das manifestações de energia nos processos térmicos. A informação é a medida do reflexo tomado como uma das propriedades fundamentais da matéria. A entropia é uma dada expressão de energia, isto é, da medida do movimento concebido igualmente co­ mo uma das propriedades fundamentais da matéria. A uni­ dade das duas fórmulas referidas traduz a unidade de duas propriedades fundamentais e interligadas da matéria, a sa­ ber o movimento e o reflexo.

do idealismo “físico”: o princípio do relativis­ mo, o princípio da relatividade dos conhecimen­ tos, que com particular vigor se afírma durante a revisão radical das velhas teorias. V. I. Lénine sublinha que, sem conhecimento da dialéctica, o relativismo conduz necessariamente ao idealismo. Por isso, para ele, a questão da correla­ ção entre o relativismo e a dialéctica é uma das mais importantes na explicação do idealismo “físico” e dos erros do machismo. Os machistas raciocinam assim: todos os postulados funda­ mentais da física considerados até aí como in­ questionáveis, resultaram relativos e imprecisos; daí não existir nos nossos conhecimentos nada de absoluto, serem as nossas representações me­ ros sinais convencionais, criados para facilitar a identificação, não reflectindo, por conseguinte, o panorama real do mundo. Em geral, o mundo é incognoscível. V. L Lénine mostra como os idealistas “físicos” e os ma­ chistas não fazem ideia nenhuma da teoria do conhecimento verdadeiramente marxista. “Que da soma das verdades relativas no seu desenvol­ vimento se forme a verdade absoluta... — escreve V. L Lénine —, que em cada verdade científica, apesar da sua relatividade, existe um elemento da verdade absoluta — todas estas pro­ posições, evidentes para quem quer tenha reflec­ tido sobre o ‘Anti-Dühring’ de Engels, são chinês para a ‘moderna’ teoria do conhecimento” Os físicos idealistas e os machistas vêem o conhecimento pelo prisma metafísico. O conhe­ cimento, na opinião deles, só pode ser ou abso­ ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 234.

luto ou relativo; não reconhecem nenhuma uni­ dade entre o absoluto e o relativo. E uma vez que os nossos conhecimentos não são obsolutos, concluem os machistas, não podem ser verda­ deiros e dar-nos o quadro real do mundo. No entanto, a dialéctica, como é sabido, postula a unidade dos contrários, incluindo a unidade do relativo e do absoluto, a existência do ele­ mento absoluto no conhecimento relativo.Qual­ quer concepção não dialéctica, metafísica, da re­ latividade do conhecimento conduz inevitavel­ mente ao idealismo. V. I. Lénine aponta aqui os exemplos concretos de Duhem, Stallo, Poincaré e outros defensores do ideahsmo “físico”, que, negando verdades absolutas e ignorando a dia­ léctica, chegaram à negação da objectividade dos conhecimentos, à negação da cognoscibihdade do mundo, ao idealismo. V. L Lénine termina o V capitulo com pa­ lavras célebres, que revelam a essência da crise por que a física passava naquela altura e as per­ spectivas da sua superação: “...o ideahsmo ‘físi­ co’ de hoje, exactamente como o idealismo ‘fi­ siológico’ de ontem, signifíca apenas que uma escola de naturalistas num ramo das ciências da natureza caiu numa filosofia reaccionária, por não ter sabido elevar-se directa e imediatamente do materialismo metafísico ao materialismo dia­ léctico. A física contemporânea está a dar e dará este passo, mas ela avança para o único método justo e para a única filosofia justa das ciências da natureza, não directamente mas aos ziguezagues, não conscientemente mas espontaneamen­ te... A física contemporânea está a dar á luz. Está a dar á luz o materiahsmo dialéctico. O parto é doloroso. Além de um ser vivo e sau­

dável, ele produz também inevitavelmente al­ guns produtos mortos, alguns detritos... Do nú­ mero destes detritos fazem parte todo o idealis­ mo ‘físico’, toda a fílosofía empiriocriticista...” ^ As vacilações idealistas entre os cientistas naturalistas não têm apenas raizes gnosioló­ gicas, mas também profundas raizes sociais. V. I. Lénine não se esquece delas: “...Temos diante de nós uma certa corrente ideológica in­ ternacional que não depende de um sistema fílosófíco dado, mas que decorre de certas causas gerais situadas fora da fílosofía” Entre essas causas gerais que estão fora da fílosofía, é de referir a época de imperialismo, geradora de reacção no dominio da ideologia. Não compreendendo o signifícado social das suas concepções idealistas, os professores bur­ gueses, uns voluntaria e outros involuntaria­ mente, cumprem uma tarefa social da burgue­ sia. “...Todo o ambiente em que vivem estes ho­ mens — observa V. L Lénine com respeito aos cientistas burgueses — os afasta de Marx e de Engels, os lança nos braços da trivial fílosofía ofícial” As raizes gnosiológicas apenas criam a possibilidade para o desvio idealista da reah­ dade, o divórcio entre pensamento e realidade objectiva, a deformação do reflexo. E, só em de­ terminadas condições históricas, essas possibili­ dades se transfomiam em realidade, criando sistemas fílosófícos de cariz idealista. Como ob^ V, I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 236. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 229. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 200.

serva V. I. Lénine em Os Cadernos Filosóficos, o interesse de classe das classes dominantes fmca-se em qualquer unilateralidade do pensamen­ to e faz da possibilidade do pensamento idealis­ ta e metafísico uma realidade. Desde que Materialismo e Empiriocriticismo foi escrito, novas descobertas relevantes em to­ dos os domínios do conhecimento humano fo­ ram feitas. Nos meados do século XX, enceta­ ram-se nas ciências da natureza e na tecnologia múltiplos processos a que se chamou revolução técníco-cíentífica contemporânea. Esta revolu­ ção estendeu-se tanto á física, à química, à bio­ logia, como á astronomia, à geologia e a outros ramos das ciências da natureza modernas. Tal como no início do século em curso, são visíveis, na revolução científica contemporânea, tentativas de interpretar as descobertas cientifi­ cas segundo o espírito idealista. Caracterizando as descobertas registadas na física após a publicação da obra de V. I. Lé­ nine, o cientista e académico soviético B. M. Kedrov frisa que a criação da mecânica dos quanta provocou uma profunda reorientação nas concepções dos físicos. Esta nova revi­ são ultrapassou, pela sua escala, o carácter e as consequências, aquela que se registou entre os séculos XIX e XX. Esta revisão não pôde, evi­ dentemente, deixar de originar novas vacilações no pensamento dos físicos que não se identifi­ cam com o materialismo dialéctico. A propósito, B. M. Kedrov considera que não é obrigatório empregar actualmente a pa­

lavra “crise” no tocante à física e às ciências da natureza. O que importa não é o vocábulo, mas o reconhecimento da essência do assunto, que consiste em que, mesmo hoje, se fazem conclu­ sões ideahstas com base em descobertas científi­ cas. A crise na física e o ideahsmo “físico” são actualmente, sem dúvida, muito diferentes de idênticos fenómenos passados na época de V. I. Lénine e por ele descritos. Antes de mais, mudou a sua envergadura. Nas suas pesquisas, os cientistas dos países sociaHstas apoiam-se na única fílosofía certa — o materiahsmo dialécti­ co e histórico. Também nos países capitalistas se estreitou a esfera do idealismo “físico”. Hoje em dia, pode dizer-se que uma parte considerável dos físicos contemporâneos deu passos em di­ recção ao materiahsmo dialéctico, como anteviu V. I. Lénine. M. E. Omehanovski, o fílósofo soviético na área das ciências naturais afírma, com toda a razão, que “a concepção dialéctica do desenvolvimento constitui o fundamento filosófíco da teoria da matéria na física contem­ porânea” Os físicos modernos reconhecem a unidade dos contrários como, por exemplo, a substância e o campo, as propriedades carpusculares e on­ dulares, assim como a transformação recíproca destes contrários. Depois, a física adoptou o princípio de concordância formulado por N. Bohr que, partindo da concordância dos postulados das mecânicas clássica e dos quanta, afírma a harmonia do relativo e do absoluto no ' M. E. Omelianovski. Os Problemas do Elementar e do Complexo,— Rev. Questões da Filosofia, 1965, Ms 10, p. 34.

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conhecimento dos fenómenos físicos. Isto signi­ fica que a fisica segue, no fundo, a acção da lei dialéctica da unidade e da luta dos contrários como fundamento da matéria e força motora do desenvolvimento do conhecimento himiano. A teoria da relatividade confirmou o postulado dialéctico e materiahsta da interligação entre a matéria e o movimento, entre o tempo e o es­ paço, como formas de existência da matéria. Bastantes fisicos, mesmo os que eram adeptos do ideahsmo “físico” e do positivismo filosófi­ co, passaram, em detenninadas questões, para as posições do materialismo dialéctico espontâ­ neo. Entre eles figuram, por exemplo, A. Eins­ tein, N. Bohr, L. de Broglie, M. Born, V. Pauli. Tornaram-se conscientemente parti­ dários do materialismo dialéctico os físicos fran­ ceses J. P. Vigier e F. Joliot-Curie e o cientista inglês John Bernal. Esta vitória do materiahsmo nas ciências da natureza contemporâneas deve-se a uma série de razões. A lógica do desenvolvimento da ciência mostra que a sua evolução não ser bem sucedida sem os próprios cientistas estarem convencidos da existência real dos objectos estudados e da capacidade do homem de os conhecer. Quer di­ zer, é a própria evolução da ciência que impõe aos cientistas uma visão materialista sobre a questão fundamental da fílosofía. A vida real e a prática das realizações técnico-cientifícas e das transformações sociais leva os cientistas a ter confiança no carácter verdadeiro dos postulados materialistas. Todavia, preconceitos ideológicos e de classe de que estão imbuidos os cientistas dos países capitalistas, assim como o meio social em que

vivem, fazem com que eles sintam dificuldades em adoptar conscientemente o materialismo dialéctico, intimamente ligado è doutrina do co­ munismo científico. No período de tempo transcorrido, o idealis­ mo “físico” sofreu mudanças tanto quanto à sua envergadura como à sua problemática. Por isso, há razão para distinguirmos pelo menos três etapas no desenvolvimento desse tipo de idealismo. Numa primeira etapa, os ideahstas tentaram interpretar filosoficamente o electrão e a divisão do átomo, na tentativa de fundamen­ tar o “desaparecimento” da matéria e ao mesmo tempo contestar a reahdade objectiva em geral. Foi precisamente esta etapa que V. I. Lénine caracterizou na sua obra. Numa segunda fase, os filósofos ideahstas tentaram dar uma iterpretação idealista á mecânica dos quanta e a teoria da relatividade. Este período compreende, mais coisa menos coisa, as décadas 30 e 40 do nosso século. Nessa altura, os ideahstas “fisicos” da­ vam uma interpretação ideahsta subjectiva ás noções de causalidade, de lei, de espaço e de tempo. Uma terceira etapa da evolução do idea­ hsmo “fisico”, iniciada em meados do nosso século, caracteriza-se pela divulgação da doutri­ na de “neo-energetismo” que preconiza o desa­ parecimento da matéria e a transformação desta em energia. Interpretou incorrectamente os fe­ nómenos do chamado defeito da massa que se revela nas reacções termonucleares, da “aniqui­ lação” do binómio electrão-positrão para os fo­ tões e vice-versa. Viu na lei da ligação indissolúvel da energia e da massa descoberta por A. Einstein a identidade da matéria e da energia.

Nos nossos dias, os defensores do idealismo objectivo, representado pelo neoíomismo, a “nova ontologia”, etc., assim como os repre­ sentantes do “fideísmo cultural” contemporâ­ neo e da teologia adaptada às realizações cientí­ ficas, especulam cada vez mais com os novíssi­ mos dados proporcionados pelas ciências da na­ tureza. A importância da obra de Lénine no actual período de luta com o idealismo é transcenden­ tal e estamos certos de que essa importância se manterá no futuro. As ciências estão, hoje, ou­ tra vez perante a iminência duma revisão pro­ funda das teorias físicas. Vai ser preciso explicar numerosos fenómenos “misteriosos” do micromundo, a enorme informação cientifica propor­ cionada pela conquista do cósmos, etc. Tudo is­ to exige, de novo, ponderação filosófica. Como dizia V. L Lénine, sem a fundamentação filosó­ fica profunda nenhuma ciência poderá resis­ tir às investidas do idealismo. Uma série de enunciados leninistas definem, a nosso ver, uma importante função da filosofia, que é a de “ajudar” as ciências da natureza nas situações da crise, problemáticas. Em A Dialéc­ tica da Natureza, F. Engels observa que a filo­ sofia conseguiu compreender a originariedade da matéria muito antes das ciências da natureza. Nas obras de F. Engels, encontramos enuncia­ dos muito avançados em relação ás concepções dominantes nas ciências da natureza do seu tem­ po. Em V. L Lénine, temos também algumas hipóteses filosóficas geniais confirmadas pela jrática, e mais concretamente, os postulados re­ ativos á inesgotabihdade do electrão e do refle­ xo como propriedade universal da matéria. Há 144

filósofos que consideram, com toda a razão, que nas situações cruciais, em que os problemas são muitos, as ciências da natureza não podem nem íoderão prescindir das hipóteses e antevisões fiosóficas concernentes ã essência dos fenômenos concretos. A nosso ver, a “intromissão” da filosofia nos problemas concretos das ciências da nature­ za tem razões determinadas. Acaso não “inter­ feriu” V. I. Lénine em questões concretas da fi­ sica, quando avançou a sua suposição de que o electrão, tal como o átomo, era inesgotável? Acaso não “entrou” F. Engels na matéria da biologia, quando avançou a sua definição de vi­ da, ou na matéria da antropologia, quando for­ mulou a sua teoria da antropogénese? Dificil­ mente poderá haver alguém que afirme que esta “interferência” de F. Engels e de V. L Lénine nos assuntos das ciências da natureza foi um re­ torno á filosofia “naturahsta”. Foi, antes, uma inestimável contribuição para as ciências da na­ tureza, necessitadas duma abordagem metodo­ lógica e filosófica profunda, poderem resolver os seus problemas. É muito provável que, de futuro, hipóteses se­ melhantes sejam colocadas não só pelos filóso­ fos, mas por filósofos e naturahstas com uma vi­ são filosófica aberta da sua disciplina, em estrei­ ta união. Quem quer que seja o autor destas hi­ póteses, elas não perdem o seu carácter filosófi­ co e acentuam a importância da filosofia como disciplina que prognostica e antevê as realiza­ ções cientificas. A hipótese filosófica não é possivelmente o único ponto para onde convergem as ciências da natureza e a filosofia, existindo, além disso. ia - i2 S 3

outros pontos tangentes. Primeiro, a fílosofía está à altura de refíitar qualquer hipótese cienti­ fica que contradiga os principios ftzndamentais do materialismo e da dialéctica. Por isso, V. I. Lénine contesta, no Materialismo e Empi­ riocriticismo, as afirmações alusivas ao carácter não material das formas de movimento pouco tempo antes descobertas, ainda que a sua essên­ cia não fosse bastante clara. Segundo, o materialismo é capaz de colocar com clareza uma questão concreta, formular com rigor uma tarefa e definir com nitidez o que a fílosofía espera e exige, em cada caso concreto das ciências da natureza. Um exemplo deste tipo encontra-se na obra de V. L Lénine, quando o autor referiu o problema da relação entre a matéria sensor e não sensor composta dos mesmos átomos. V. L Lénine escreve: “O mate­ riahsmo coloca claramente a questão ainda não resolvida, e deste modo incita à sua resolução, incita a novas investigações experimentais. O machismo, isto é, uma variedade de idealismo embrilhado, obscurece a questão e desvia-a do bom caminho...” ^ O mecanismo concreto da interligação entre a natureza viva e não viva pre­ cisa, segundo V. L Lénine, de ser “investigado e mais investigado”, no entanto o que o mate­ riahsmo se propõe claramente é conhecer o mistério da transmissão da energia dum factor exterior de excitação para a consciência, do nas­ cimento no sistema nervoso material da imagem ideal, não material, da realidade. Esta tarefa bem formulada e gnosiologicamente fundamenV. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 35.

tada favorece as investigações na área das ciên­ cias da natureza, o progresso da ciência. As formas referidas de interligação entre a fílosofía e as ciências da natureza não signifícam, de modo algum, um regresso à fílosofía “naturalista” que, apoiando-se em conclusões meramente especulativas, impunha as suas solu­ ções dos problemas especifícos de cada ciência concreta. Esta hgação pressupõe uma união real dos filósofos e dos naturahstas, o estudo apro­ fundado pelos filósofos da informação cientifica e, inversamente, pelos naturalistas dos funda­ mentos da filosofia. Esta é uma das mais impor­ tantes lições da obra leninista. Outro ensinamento importante para os nos­ sos tempos que decorre do Materialismo e Empi­ riocriticismo é a posição leninista quanto á questão do desenvolvimento do marxismo, ã ne­ cessidade de o materiahsmo modificar a sua for­ ma e se adaptar às grandes descobertas históri­ cas no dominio das ciências naturais, históricas e sociais. No que se refere a esta questão, V. I. Lénine recorre frequentemente aos postu­ lados fundamentais de F. Engels. É sobejamente sabido que, ao determinar as condições cientificas da viragem revolucionária operada no materiahsmo no século XIX, F. En­ gels enunciou postulados básicos, aplicáveis tanto à doutrina materialista das épocas passa­ das, como ao futuro. “...Tal como o ideahsmo passou por uma série de estádios de desenvolvi­ mento, escreve F. Engels, também o materiahs­ mo. Com cada descoberta fazendo época mes­ mo no dominio da ciência da Natureza, ele tem que mudar a sua forma; e, desde que também a história está submetida ao tratamento mate­ 10*

rialista, abre-se também aqui uma nova estrada do desenvolvimento” ^ Para F. Engels, o de­ senvolvimento criador da filosofia marxista é uma lei indiscutivel da sua existência. O autor censura os “divulgadores do materialismo” de pensamento metafísico, os propagadores vulga­ res da doutrina materialista por não serem capa­ zes de abandonar, superar os erros das doutri­ nas dos seus precursores. Eles “...estavam total­ mente fora do seu negócio de desenvolver mais a teoria”, observa F. Engels Aprofundando as concepções de F. Engels e analisando as novas e relevantes descobertas nas ciências da natureza, V. I. Lénine chegou ã conclusão de que era necessário continuar a mo­ dificar as formas do materiahsmo. V. L Lénine não reprova a revisão e a negação dalguns postulados dominantes nas ciências da nature­ za, basilares o materiahsmo, mas o facto de cer­ tos filósofos-machistas, escudando-se na critica de formas do materiahsmo, tentaram alterar a essência do marxismo e adoptarem teses fun­ damentais da fílosofía do ideahsmo subjectivo. O materiahsmo pode modificar a sua forma em termos de amplitude e profundidade. A mo­ dificação das formas do materiahsmo do século XVIII, a que F. Engels se refere, atingiu apenas determinados princípios básicos do velho mate­ rialismo, caracterizou-se sobretudo pela renún­ cia ao materialismo metafísico e pela evolução para as posições do materiahsmo dialéctico. ‘ K. Marx, F. Engels. Obras Escolhidas em Três To­ mos, t. ÍÍI, p. 392. ^ K. Marx, F. Engels. Obras Escolhidas em Três To­ mos, t. III, p. 393.

Esta passagem foi uma revolução em matéria de filosofia. A etapa leninista do desenvolvimento do marxismo não foi a renúncia aos aspectos es­ senciais da doutrina, aos princípios fundamen­ tais do materialismo anterior, antes favoreceu o aperfeiçoamento ulterior das formas de mate­ rialismo. E este processo, hoje, ainda não está terminado. Numa época de desenvolvimento impetuoso da revolução técnico-científica, a filosofia não pode cingir-se a realizações e fórmulas já alcan­ çadas. P. V. Kopnine, membro correspondente da Academia das Ciências da URSS, constatou certeiramente que “o problema da modificação da forma da dialéctica materialista adquire, ho­ je, um significado cada vez maior. Pode-se afir­ mar sem hesitações que esta é uma terefa capital na área do equacionamento filosófico das reahzações das ciências da natureza e sociais... Não se trata apenas dalgumas alterações no sistema das categorias da filosofia marxista..; trata-se duma síntese filosófica fundamental do conheci­ mento cientifico moderno, que tenha como re­ sultado o desenvolvimento e o enriquecimento das leis e categorias da dialéctica materia­ lista” 1. P. N. Fedosseev, insigne cientista e acadé­ mico soviético, sugere uma solução instrutiva a esta questão: “O postulado marxista das ver­ dades absoluta e relativa é, sem dúvida, aplicá­ vel à própria filosofia. Seriamos cegos dogmáti­ cos se não aceitássemos a relatividade de muitos ^ P. V. Kopnine. A Teoria Marxista-Leninista do Co­ nhecimento e a Ciência Moderna.— Rev. Questões da Filoso­ fia, Moscovo, 1971, Ne 3, p. 33. !49

postulados concretos da filosofia e não com­ preendêssemos a necessidade do seu desenvol­ vimento e da sua exactidão. Cairíamos, no en­ tanto, no relativismo e, no fim de contas, no idealismo, se admitíssemos que o desenvolvi­ mento da filosofia pressupõe a negação dos seus fiindamentos, dos seus princípios incon­ testáveis. É indiscutível que a filosofia materia­ lista durante muitos séculos, elaborou uma série de princípios que constituem a base do desen­ volvimento ulterior do conhecimento” O livro de V. I. Lénine ajuda a resolver cor­ rectamente outro aspecto filosófico importan­ te — a crítica às concepções erradas sobre o objecto da filosofia. Há filósofos que, sem fundamento algum, afirmam que a filosofia da época actual é a ciência do pensamento, é a lógi­ ca e a gnosiologia; que o seu objecto de estudo não é o mundo objectivo com todas as suas leis universais. O conteúdo da genial obra filosófica de V. L Lénine contraria esta concepção do objecto da filosofia marxista-leninista. Toda a gama de questões examinadas neste livro está em directa consonância com a concepção leni­ nista do objecto da filosofia. Além da gnosiolo­ gia, à qual é dedicado bastante espaço, encon­ tramos na obra uma profunda anáhse de proble­ mas tradicionalmente do domínio da ontologia, tais como os aspectos filosóficos das ciências da natureza e as questões cabíveis na sociologia e no ateísmo. Por isso, seria profundamente in­ correcto reduzir o objecto da filosofia marxista' p. N. Fedosseev. Ideias de Lénine e a Metodologia da Ciência Moderna.— Col. Lénine e Ciências da Natureza Con­ temporâneas, Mascovo, 1969, p. 12. !50

-leninista à problemática lógica e gnosiológica. Quando a filosofia materialista se cinge á ciência do pensamento, deixa de ser uma doutri­ na universal, afastando-se inevitavelmente dos problemas sociológicos. E, evidentemente, esta filosofia já nada tem a ver com a luta pela trans­ formação do mundo. Sem o estudo do mundo objectivo e das suas leis mais gerais é inconce­ bível a interpretação marxista do objecto da fí­ losofía. A visão leninista do objecto da fílosofía, exposta com clareza na sua obra, defíne o objec­ to da fílosofía como disciplina que não se limita à gnosiologia, como disciplina que concerne tanto ao pensamento como ao mundo objectivo, incluindo as leis universais do desenvolvimento da natureza, da sociedade e do pensamento. Assim, quando hoje se nos colocam certas questões fundamentais da filosofia, tomada co­ mo teoria, temos todas as razões para consultar V. I. Lénine, e mais concretamente Materialis­ mo e Empiriocriticismo. Não são de somenos im­ portância os postulados da obra que dizem res­ peito ao desenvolvimento social e ao materialis­ mo histórico. Mas disso trataremos no capítulo seguinte.

VI QUESTÕES DO M A T E R IA L IS M O HISTÓRICO

O sexto e último capítulo da obra de V. I. Lénine, intitulado “O empiriocriticismo e o materialismo histórico”, é dedicado à crítica do sistema sociológico dos machistas, ao desen­ volvimento e concretização do princípio do par­ tidarismo da filosofia. Entre as questões do ma­ terialismo histórico examinadas no VI capitulo, é de referir novamente o binómio “hberdade-necessidade”, de que V. I. Lénine se ocupa no III capitulo da obra, e alguns outros assuntos. 1. A c r ít ic a le n in is ta da s o c io lo g ia d o e m p ir io c r itic is m o

Os machistas russos afirmavam que a sua fi­ losofia era compatível com os postulados funda­ mentais do materialismo histórico, com a con­ cepção materialista da história. Apreciadas as concepções dos empiriocríticos alemães e rus­ sos, V. I. Lénine prova que, de facto, a gnosio­ logia do machismo leva necessariamente ao idealismo no que toca à interpretação dos fe­ nómenos sociais. Tirou bastos apontamentos do artigo do célebre empiriocriticista alemão F. Blei A Metafísica na Economia Política e des­ montou os seus argumentos contra o marxismo. IS2

F. Blei acusou K. Marx de ser “metafísico”. Esta acusação, diz V. I. Lénine, repete os velhos argumentos ideahstas contra a doutrina mate­ riahsta do conhecimento que é compartilhada pela maior parte dos naturahstas. O machista F. Blei entendia por “metafísica” o reconheci­ mento do carácter objectivo das leis económicas e da realidade de fenómenos como o capital, a economia, o valor, a mais-valia. O autor pu­ nha entre aspas todos os conceitos fundamen­ tais da economia política; economia, leis, capi­ tal, trabalho, renda, lucro, salário. Queria com isso dizer que os conceitos desta ciência são ape­ nas sinais, símbolos, que não reflectem nenhu­ ma reahdade. V. L Lénine traz até nós um enunciado típico de F. Blei; “O socialismo atri­ buiu ao ‘capitalista’ a propriedade de ser ‘ávido de lucro’...” ^ Segundo F. Blei o “capitahsta” é um conceito inventado; a “avidez de lucro” também é uma afírmação infundada dos sociahstas, isto é, dos marxistas. F. Blei sustenta que o marxismo considera a personalidade como “uma grandeza sem va­ lor” e trata o homem como “casualidade” intei­ ramente sujeita às leis económicas. Na realida­ de, é, precisamente, a doutrina marxista que, pe­ la primeira vez, elabora científíca e correcta­ mente o problema da personahdade, reconhe­ cendo a possibihdade do homem se dominar a si próprio, a natureza e o desenvolvimento social. Para o materiahsmo dialéctico, a hberdade não * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 239. Nota: Sobre este assunto, vede mais pormenorizada­ mente § 2 desta parte. 153

é algo absoluto, mas uma categoria intimamente ligada à necessidade (Vede e Nota). Outro argumento de F. Blei contra o mar­ xismo é o partidarismo da teoria de K. Marx. ‘‘Todo o empiriocriticismo — sublinha V. I. Lé­ nine —, e de modo nenhum apenas Blei, preten­ de ser não partidário tanto em fílosofía como nas ciências sociais. ...Não a demarcação das correntes fundamentais e inconciliáveis da fílosofía, o materiahsmo e o ideahsmo, mas a aspi­ ração de se elevar acima deles. Seguimos esta tendência do machismo através de uma longa série de questões de gnosiologia e não nos deve­ mos surpreender ao encontrá-la também em so­ ciologia” V. L Lénine demonstra como, em sociologia, o machismo revela a mesma preocu­ pação reaccionária que lhe é inerente em gnosio­ logia, a preocupação de se colocar acima do ma­ teriahsmo e do ideahsmo, tomando de facto o partido do ideahsmo. Outro ideahsta quanto á interpretação dos fenómenos sociais foi o empiriocriticista alemão J. Petzoldt. Este fílósofo não se deu ao trabalho de polemizar com K. Marx e F. Engels; limi­ tou-se a expor, de forma positiva, os seus pontos de vista empiriocriticistas em sociologia. V. L Lénine submeteu á análise crítica o segun­ do tomo de A Introdução à Filosofia da Expe­ riência Pura por J. Petzoldt intitulado No Ca­ minho da Estabilidade. “O autor, subhnha V. L Lénine, coloca a tendência para a estabilidade na base da sua 1 V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 24L

investigação” J. Petzoldt defende que não são as condições materiais da vida que consti­ tuem a base do desenvolvimento da sociedade (como o postula o marxismo), mas a tendência subjectiva para a estabilidade, própria de cada individuo. Esta tendência, segundo o autor, ex­ plica tanto a ética, a estética e a teoria formal do conhecimento, como ainda o carácter social da sociedade. Segundo a sua teoria, a tendência para o es­ tado de estabilidade assegurará a igualdade eco­ nómica e social, igualdade que se estabelecerá graças á aspiração dos homens á estabilidade. Esta igualdade não será conseguida pela “maio­ ria”, nem pelo “poder dos sociahstas”, mas sim pelo “progresso moral” e pela tendência para a estabilidade, como defende o empiriocriticista. J. Petzoldt contesta com determinação “o ideal social-democrata da organização de todo o tra­ balho pelo Estado”, isto é, a propriedade social dos meios de produção. Ignora por completo a base material da vida da sociedade e não faz a minima das vias reais do movimento da socie­ dade para a instauração da igualdade social. É-Ihe alheia a compreensão científica da evolução da sociedade. A par disso, J. Petzoldt mostra-se hostil ao socialismo e às ideias socialistas. V. I. Lénine observa que o mesmo espírito de hostilidade para com o socialismo está pre­ sente nos enunciados de Mach. Na sua obra O Conhecimento e o Erro, E. Mach escreve que a doutrina dos sociais-democratas, isto é, dos ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 242.

marxistas, “...ameaça com uma escravidão ain­ da mais geral e mais penosa do que num Estado monárquico ou oligárquico” Para este filóso­ fo burguês, a liquidação da propriedade priva­ da, a supressão da exploração, é “escravidão”, restrição ao indivíduo. V. I. Lénine resume os pontos de vista dos empiriocriticistas alemães da maneira seguinte: “A ilimitada estupidez do filisteu satisfeito consigo próprio por apresentar os trastes mais velhos e coberto de uma ‘nova’ terminologia e sistematização ‘empiriocriticista’ — eis a que se reduzem as excursões sociológicas de Blei, Petzoldt e Mach. Trajo pretencioso de subterfú­ gios verbais, alambicados artifícios silogísticos, escolástica refinada — numa palavra, tanto em sociologia como em gnosiologia, o mesmo conteúdo reaccionário sob o mesmo rótulo ber­ rante” 2. Nas suas concepções sociológicas, os ma­ chistas russos eram tão estéreis e reaccionários como os seus colegas alemães. A interligação entre o ideahsmo em sociolo­ gia e o ideahsmo em gnosiologia transparece com particular nitidez na doutrina do machista Bogdanov. Para o seu sistema “empiriomonis­ ta”, a natureza era resultado da representação colectiva da “experiência socialmente organiza­ da”. Esta teoria, com ligeiras modificações, era igualmente aphcada aos fenómenos sociais. Bogdanov afírma que o ser social e a ' E. Mach. Erkenntnis und Irrtum, Leipzig, Barth, 1906, XII, S. 80-81.— Ver: V. I. Lénine. Materialismo e Em­ piriocriticismo, pi. 244. ^ V. I. Lénine. Materialismo eEmpiriocriticismo, p. 244. 156

consciência social são idênticos. V. I. Lénine critica este postulado. “O ser social e a con­ sciência social — frisa ele — não são idênticos, exactamente como não são idênticos o ser em geral e a consciência em geral” A doutrina de K. Marx diz que a consciência social reflecte o ser social que existe independentemente da consciência. O marxismo toma como ponto de partida a tese fundamental do materialismo, se­ gundo a qual a consciência é produto do ser, mas não é o próprio ser material. Bogdanov fundamenta o seu ponto de vista dizendo que não existe ser social sem uma certa consciência social e individual. Com efeito, ao estabelecerem comunicação e ao organizarem a produção social, os homens agem sempre co­ mo seres conscientes. Mas não se deduz dai que a consciência social seja o sinónimo do ser so­ cial. Sobre isto, V. L Lénine escreve: “Cada produtor individual da economia mundial tem consciência de que introduz uma determinada modificação na técnica da produção, cada pro­ prietário tem consciência de que troca determi­ nados produtos por outros, mas estes produto­ res e estes proprietários não têm consciência de que desse modo modificam o ser social ” ^. As modificações no ser social dão-se inde­ pendentemente da vontade, do desejo dos ho­ mens que são autores dessas modificações. O ser social existe independentemente da medida em que a consciência social o reflecte e consegue pe' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, pp. 244-245. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 246.

netrar na sua essência. Este forma-se indepen­ dentemente da consciência dos homens. “O fac­ to de que viveis e exerceis uma actividade econó­ mica, de que procriais e fabricais produtos, de que os trocais, dá origem a uma cadeia objecti­ vamente necessária de acontecimentos, uma ca­ deia de desenvolvimento, independente da vossa consciência social, nunca apreendida por esta na totalidade” ^ V. I. Lénine liga expressamente a questão da correlação entre a consciência social e o ser social e a questão fundamental da filosofia, ao formular, de forma clara, o postulado da unida­ de do materialismo dialéctico e histórico. “O ma­ terialismo em geral — escreve ele — reconhece o ser objectivamente real (a matéria), indepen­ dente da consciência, da sensação, da experiên­ cia, etc., da humanidade, O materialismo histó­ rico reconhece que o ser social é independente da consciência social da humanidade. A cons­ ciência, tanto aqui como ah, é apenas um re­ flexo do ser, no melhor dos casos um seu reflexo aproximadamente fiel (adequado, idealmente preciso). Nesta filosofia do marxismo, fundida de uma só peça de aço, não podemos suprimir nenhuma premissa fundamental, nenhuma par­ te essencial, sem nos afastarmos da verdade objectiva, sem cairmos nos braços da mentira burguesa reaccionária” 2. Pegando em alguns exemplos extraidos de artigos de Bogdanov referentes a questões socio' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 246. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 247.

lógicas, V. I. Lénine mostra como este pensa­ dor baralha os elementos social, biológico e fisi­ co. Segundo Bogdanov, “...as formas sociais pertencem ao vasto gênero das adaptações bio­ lógicas”. Substitui, por exemplo, o conceito de desenvolvimento social pelo conceito sociobiológico de “selecção social”. Estabelecendo uma “ligação fundamental da energética e da selec­ ção social”, Bogdanov afirma; ‘"‘Todo o acto de selecção social representa um aumento ou uma di­ minuição da energia do corpo social a que se refe­ re. No primeiro caso, temos uma ‘selecção positi­ va’, no segundo uma ‘selecção negativa’ ” ^ “E faz-se passar estes disparates indiziveis por marxismo! — insurge-se V. I. Lénine — ...Na­ da mais fácil do que colar uma etiqueta ‘energé­ tica’ ou ‘biológico-sociológica’ a fenômenos co­ mo crises, revoluções, luta de classes, etc., mas também nada mais estéril, escolástico, morto, do que esta ocupação. O essencial, continua V. I. Lénine, não é que Bogdanov ajusta a Marx todos os seus resultados e conclusões, ou ‘quase’ todos.., mas que os processos deste ajustamento desta ‘energética social’ são completamente falsos...” ^ V. I. Lénine resume a teoria sociológica de Bogdanov nos seguintes termos; “Assim como em gnosiologia Mach e Avenarius não desenvol­ veram o idealismo, antes sobrecarregaram os velhos erros ideahstas com pretenciosos dispara­ tes terminológicos (‘elementos’, ‘coordenação ^ A. Bogdanov. Empiriomonismo, Livro III, Sampetersburgo, 1906, p. 15.— Ver: V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, pp. 244, 248. ^ V. I. Lénine. MateriaUsmo e Empiriocriticismo, p. 248.

de princípio’, ‘introjecção’, etc.), também em so­ ciologia o empiriocriticismo conduz, mesmo ha­ vendo iraia simpatia sincera pelas conclusões do marxismo, à deturpação do materiahsmo histó­ rico através de um palavreado biológico-energético vazio e pretencioso” O machista russo S. Suvorov foi outro que se empenhou em falsificar o marxismo. Este pensador fez assentar o desenvolvimento da so­ ciedade no que chamou a lei da “economia das forças”, por ele inventada. V. I. Lénine exphca a essência da dita lei: ‘‘...qualquer sistema de for­ ças é tanto mais capaz de conservação e desenvol­ vimento quanto menor for o gasto, quanto maior for a acumulação e quanto melhor o gasto servir a acumulação” ^. Esta “lei”, segundo Suvorov, é “o princípio unificador e regulador de qualquer desenvolvimento: não orgânico, biológico e so­ cial” Suvorov opinava que a sua lei “univer­ sal” dava uma interpretação materialista ã evo­ lução da sociedade. V. L Lénine demonstra que a lei da “economia das forças” é inaplicável a todos os domínios indicados pelo pensador. Na evolução do mundo não orgânico não existe nenhuma “economia das forças” e seria absur­ do procurar encontrar essa “economia” no mo­ vimento do sistema solar, como Suvorov supõe. Quando se trata da natureza inorgânica, só se pode falar da lei da conservação e da transfor­ mação da energia, da lei da conservação da forp. p. p.

* V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 248. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 25L ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, 25L

ça, pois não existe ali lei da “economia da for­ ça” alguma. Em biologia, Suvorov tentou esten­ der a sua lei à evolução dos organismos superio­ res a partir dos inferiores. Mas também neste desenvolvimento não se descobriu a acção da “economia das forças”. Por fím, na área social Suvorov sugeria infundadamente que o conceito de “economia das forças” fosse interpretado co­ mo o desenvolvimento das forças produtivas. “A ‘lei universal’ de Suvorov — escreve V. I. Lénine a este propósito — é uma frase em­ polada e vazia, ...porque Suvorov não explicou o que significa a ‘economia das forças’, como medi-la, como aplicar este conceito, que factos precisos e determinados abrange, e não se pode explicar porque é uma embrulhada” Cometendo uma falsificação do marxismo, Suvorov dizia que o principio de “economia das forças” também estava na base da doutrina so­ cial de K. Marx. Esta fundamentação pacere incrivel. K. Marx elaborou uma economia políti­ ca, segundo a qual o desenvolvimento das for­ ças produtivas constitui o princípio de todo o desenvolvimento social. Suvorov substitui a evolução das forças produtivas pelo conceito de “economia das forças”, concluindo daí que é precisamente nesta categoria que se baseia a teo­ ria social marxista. “Não — escreve V. L Léni­ ne — , Marx não pôs na base da sua teoria ne­ nhum princípio da economia das forças... Marx deu uma definição perfeitamente exacta do cres­ cimento das forças produtivas e estudou o pro­ cesso concreto deste crescimento. Mas Suvorov * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 252. 11— 1253

inventou uma palavra nova para designar o conceito analisado por Marx e inventou muito infeliz, apenas confundindo as coisas” V. I. Lénine conclui a sua critica ao sistema sociológico dos empiriocriticistas com as seguin­ tes palavras: “Chega-se inevitavelmente à con­ clusão de que há uma Hgação indissolúvel entre a gnosiologia reaccionária e os esforços reaccio­ nários em sociologia” A critica leninista feita à sociologia do empi­ riocriticismo mantém, ainda hoje, o seu signifi­ cado. A sociologia contemporânea, representada no mundo capitahsta por numerosas escolas e tendências, recorre a todos os meios para mi­ nar a posição central do materialismo histórico sobre a originariedade do material relativamen­ te ao espiritual, sobre o carácter primário do ser social e secundário da consciência social. Os so­ ciólogos burgueses afirmam que a vida social não é determinada por factores materiais, mas por psicológicos e biológicos, por razões morais de “prestígio” de certos indivíduos, etc. Negam conceitos como a formação socioeconómica, modo de produção, relações de produção, for­ ças produtivas e outros, sem os quais não pode existir verdadeira ciência do processo histórico. Em oposição à doutrina marxista das forma* V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 253. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 253.

ções socioeconómicas, foi criada, por exemplo, a teoria da “sociedade industrial única” cujos autores foram o sociólogo americano W. Rostow e o sociólogo francês R. Aron. O primeiro escreveu Os Estádios do Crescimento Económico, dando à sua obra o subtitulo de Um Manifesto Não Comunista para acentuar a sua orientação marcadamente anticomunista. Na análise dos processos de desenvolvimen­ to social, a teoria da “sociedade industrial úni­ ca” ignora por completo as relações de produ­ ção e de classe, não leva em consideração as for­ mas de propriedade dos meios e instrumentos de produção, o que é muito importante para deter­ minar o carácter do regime social em cada etapa do seu desenvolvimento. Algumas etapas ou estádios de desenvolvimento da sociedade são diferentes, na opinião destes sociólogos, quanto ao nivel do desenvolvimento da tecnologia e da indústria em geral, independentemente de quem possua essa tecnologia. Os autores da teoria da “sociedade industrial única” vêem as molas do progresso tecnológico e económico imbuídos do espírito idealista. Exageram a importância de certas circunstâncias casuais, das motivações psicológicas, das emoções pessoais das persona­ lidades políticas no desenvolvimento económi­ co. Assim, o elemento espiritual vem sempre á frente do desenvolvimento económico. Partido desta base, cabem no mesmo tipo de sociedade, no mesmo “estádio”, os países capi­ talistas e socialistas que atingiram um nível de­ terminado, mais ou menos equiparado, de aper­ feiçoamento técnico e tecnológico. Fundamen­ ta-se, deste modo, a ideia anticientífica da “con­ vergência”, isto é, da aproximação, da identida­

de, do regime socialista com o capitalista. A teoria da “sociedade industrial única” não será certamente ultramoderna, mas isso não vem ao caso. Não importa que nomes tenham as inúmeras doutrinas sociológicas burguesas, pois todas elas têm o mesmo objectivo: apresentar o capitahsmo como regime social eterno, como padrão ideal de organização social. A critica leninista do ideaUsmo, a doutrina leninista sobre o papel determinante das rela­ ções materiais na vida da sociedade e a doutrina da formação socioeconómica apontam precisa­ mente para doutrinas sociológicas seme hantes. A fundamentação leninista da unidade orgâ­ nica do materiahsmo dialéctico e histórico é de grande significado na luta contra os revisionis­ tas contemporâneos dispostos a reconhecer, em palavras, o materialismo dialéctico, mas ao mes­ mo tempo proclamando desactuahzados os pos­ tulados fundamentais do materialismo históri­ co. Infere-se dos raciocinios leninistas que as duas jartes da filosofia marxista estão intimamente igadas e se determinam mutuamente. O mate­ rialismo histórico não é um simples derivado do materialismo dialéctico, pois sem materialismo dialéctico não existe materiahsmo histórico. In­ versamente, sem materiahsmo histórico não po­ de haver materiahsmo dialéctico, como fase su­ perior do materialismo. Não se trata de dois materialismos diferentes — histórico e dialécti­ co —, mas dum materialismo monohtico. Quan­ do V. I. Lénine se referia ao materialismo dia­ léctico, tinha presente sempre a sua projecção na sociedade, quer dizer, tinha em mente o ma­ teriahsmo histórico. E quando falava em matei64

rialismo histórico, as suas palavras subenten­ diam sempre o materialismo dialéctico que, pro­ jectado nos fenómenos sociais, dá precisamente o materiahsmo histórico. Os postulados do ma­ terialismo dialéctico relativos á origem e á essên­ cia da consciêcia humana, à hnguagem e ao pen­ samento, como produtos do desenvolvimento social, são também, ao fím e ao cabo, funda­ mentos do materialismo histórico. O mesmo se pode dizer da teoria laborai da antropogênese, da origem do homem, desenvolvida por F. Engels. A noção de prática, sem a qual é in­ concebível a teoria dialéctica e materiahsta do conhecimento, é igualmente uma categoria do materialismo histórico. O conceito das contradi­ ções não antagónicas que complementa a lei da unidade e da luta dos contrários, o conceito da continuidade, muito importante para a lei da negação da negação, são conceitos com que opera o materiahsmo histórico. Apesar de pou­ cos, estes exemplos chegam para concluir que a hgação entre as duas partes da fílosofía mar­ xista não é unilateral, mas recíproca. O conheci­ do fílósofo soviético I. S. Narski conclui correc­ tamente que o materiahsmo histórico e o mate­ rialismo dialéctico “são metaciências, isto é, ciências que fornecem uma á outra fundamentos e exphcações teóricas e que se determinam uma á outra” ^ É inconcebível a compreensão cor­ recta da fílosofía marxista sem o estudo dos dois componentes indissoluvelmente vinculados: o materiahsmo dialéctico e o materiahsmo his­ tórico. ^ I. S. Narski. O Materialismo Histórico Visto no Pla­ no da Sociologia Marxista,— Rev. Questões da Filosofia, Moscovo, 1959, Ns4, p. 119. 165

2. S o b r e a lib e rd a d e e a n e c e s s id a d e

Com o estudo das categorias da liberdade e da necessidade, V. I. Lénine termina o III ca­ pítulo da sua obra “A teoria do conhecimento do materiahsmo dialéctíco e do empiriocriticis­ mo”. Interessa, pois, discorrer sobre as ditas ca­ tegorias. A noção da necessidade é uma catego­ ria filosófica geral, isto é, um conceito gue cabe no materialismo dialéctíco e histórico. É univer­ sal, pois a necessidade é inerente à natureza, à sociedade e ao pensamento. A noção da hber­ dade figura entre as categorias do materiahsmo histórico. A liberdade só se explicita na socieda­ de, através das acções do homem e do colectivo (classe, sociedade), que tomou consciência e age de acordo com a necessidade. Por conseguinte, a hberdade pode ser definida como a compreen­ são da necessidade. A noção da liberdade, tal como as outras cate­ gorias do materialismo histórico, não pode compreender-se correctamente sem a aphcação dos princípios fiindamentais do materialismo dialéctíco. V. I. Lénine observa a este respeito, que “...nem A. Lunatcharski nem a multidão dos outros machistas que se pretendem marxis­ tas ‘notaram’ o significado gnosiológico dos ra­ ciocínios de Engels sobre a hberdade e a necessi­ dade. Ler — leram, e copiar — copiaram, mas não perceberam nada” ^ F. Engels diz: “A hberdade não consiste nu­ ma independência fictícia das leis da natureza, mas no conhecimento dessas leis e na possibih' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 142.

dade, baseada nesse conhecimento, de fazer, de modo programado, com que as leis da natureza ajam em prol de determinados objectivos. Isto é váhdo tanto para as leis da natureza exterior, como para as leis que regem o ser corporal e espiritual do próprio homem — duas classes de leis que, na melhor das hipóteses, apenas po­ demos distinguir uma da outra na nossa imagi­ nação e nunca na vida real. A liberdade da von­ tade signifíca, portanto e só, a capacidade de to­ mar decisões sábias. Aliás, quanto mais livre é o raciocínio do homem sobre determinada ques­ tão, tanto mais necessário é o conteúdo desse ra­ ciocínio... A hberdade consiste, no fundo, no conhecimento das necessidades da natureza, no domínio sobre estas e sobre a natureza exter...” 1 F. Engels especifíca que a liberdade consis­ te, primeiro, no conhecimento das leis da nature­ za pelo homem; segundo, no saber empregar de um modo consciente, com base nestes conheci­ mentos, as leis da natureza a fim de atingir os objectivos que o homem se propõe. Desenvolvendo estes postulados de F. En­ gels, V. I. Lénine dá uma característica clássica da correlação entre as leis da natureza e a liber­ dade do homem. “...Enquanto não conhecemos uma lei da natureza — escreve V. I. Lénine,— ela, existindo e actuando á margem, fora do nosso conhecimento, faz de nós escravos da ‘ne­ cessidade cega’. Depois de tomarmos conheci­ mento desta lei, que actua (como Marx repetiu milhares de vezes) independentemente da nossa ' K. Marx, F. Engels. Obras, t. 20, p. 116.

vontade e da nossa consciência, tornamo-nos senhores da natureza. O domínio sobre a natu­ reza, que se manifesta na prática da humanida­ de, é o resukado de um reflexo objectivamente fíel no espírito do homem dos fenómenos e dos processos da natureza...” ^ Deste modo, o conceito marxista de hberda­ de não a reduz apenas ao conhecimento da ne­ cessidade objectiva, antes a hga à actividade prática dos homens orientada para objectivos determinados. É precisamente neste sentido que a liberdade é acessível ao homem como ser so­ cial. Um indivíduo sozinho, absolutamente iso­ lado, mesmo que esteja em condições de conhe­ cer a necessidade objectiva, dificilmente poderá concretizar uma decisão por muito sábia que seja. A noção de hberdade está intimamente rela­ cionada com a compreensão da essência da hberdade da vontade do indivíduo. O marxismo nega a hberdade absoluta da vontade do homem. A vontade do homem, os seus actos, são determinados, quer dizer, decor­ rem das condições naturais, sociais e de vida quotidiana. Os homens não são livres na escolha das condições objectivas da sua existência e acti­ vidade; rodeia-os necessariamente um meio de­ terminado pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas, de conhecimentos, e, por fim, pelo carácter do regime social e político. Toda­ via, têm uma certa hberdade quanto á escolha dos objectivos da sua actividade, uma vez que se * p. 144. S68

V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo,

apresentam sempre várias possibilidades reais para a actividade do indivíduo. São igualmente livres na escolha dos meios para alcançar o objectivo pretendido, pois é o homem quem traça esse programa, esse plano. Sendo assim, a necessidade objectiva está díalecticamente li­ gada á hberdade de escolha; no entanto, os ho­ mens têm comportamentos diferentes nas mes­ mas circunstâncias e por isso fazem opções distintas. Daí decorre necessariamente a respon­ sabilidade do indivíduo pelo sua opção, pelo seu comportamento. Uma compreensão correcta da essência da hberdade é sumamente importante para o tra­ balho ideológico e educativo. De modo nenhum se pode confundir a hberdade com a arbitrarie­ dade, concebida como o direito e a possibíhdade de cada um agir de acordo com os seus desejos, ignorando as necessidades sociais. Na sua obra Quem São os ‘Amigos do Povo ’ e como Eles Lutam Contra os Sociais-Democratas?, dirigida contra a filosofia de ideahs­ mo subjectivo do populismo russo e escrita em 1894, isto é, 14 anos antes do Materialismo e Empiriocriticismo, V. I. Lénine dá uma defini­ ção clássica da correlação entre a liberdade e a necessidade no comportamento do indivíduo: “...Um dos pontos predilectos dum filósofo sub­ jectivista — escreve V. I. Lénine — é a ideia do conflito entre o determinismo e a moralidade, entre a necessidade histórica e a importância da personalidade... Na realidade, não há aqui ne­ nhum conflito. ...A ideia do determinismo, ao estabelecer a necessidade dos actos humanos e ao contestar a fábula banal da liberdade da vontade, não refuta de modo nenhum a razão, i69

nem a consciência do homem, nem a avahação dos seus actos. Pelo contrário, só com uma abordagem determinista é possivel uma avalia­ ção rigorosa e correcta, excluindo a atribuição arbitrária de qualquer acto à livre vontade. De igual modo, a ideia da necessidade histórica de modo nenhum diminui o papel da personalida­ de na história, pois toda a história é precisamen­ te feita das acções dos indivíduos, que represen­ tam sem dúvida personahdades” ^ Ao negar a necessidade, no fundo, o machis­ mo sobreestima o papel do princípio volitivo na vida social do homem. E. Mach resvala para o voluntarismo, para o idealismo professado pe­ lo filósofo ideahsta alemão A. Schopenhauer, que defendia que no mundo domina uma “von­ tade universal”, cega e inacessível ã razão. O vo­ luntarismo substitui a causa objectiva e determi­ nada dos fenômenos pela acção desta mistica “vontade universal”. A doutrina machista apôs-Ihe o nome de “intenção” e, como tal, apresen­ tou-a como propriedade da natureza. E. Mach compara a natureza com um bom homem de ne­ gócios que nada faz sem intenção. Por exemplo, o iman atrai o ferro e a pedra cai na terra, por­ que a natureza tem a intenção de fazer aproxi­ mar o ferro do iman e a pedra do centro da Ter­ ra. A vontade ou a “intenção”, segundo Mach, está presente em tudo: no homem, na pedra, no iman, no ácido sulfúrico que “procura” fundir-se com o zinco, etc.; numa palavra, a vontade é a força motora de todos os processos. Depois de citar os raciocínios de Mach sobre a “vontade” ‘ V. I. Lénine. Obras Completas, t. 1, pp. 158-159.

e as “intenções” da natureza, V. I. Lénine ob­ serva: “Mach diz banahdades porque, teorica­ mente, a questão da correlação da liberdade e da necessidade não é nada clara para ele... O eclectismo de Mach e a sua inchnação para o ideahsmo são claros para todos, excepto tal­ vez para os machistas russos” ^ O postulado leninista da hberdade e da neces­ sidade é igualmente importante para a teoria do materiahsmo histórico. Sem esclarecer a essên­ cia e a interligação destas categorias, é impossí­ vel compreender a correlação entre a lei históri­ ca e a actividade consciente dos homens, entre as condições objectivas e o factor subjectivo na história, bem como o problema da independên­ cia relativa da consciência social em relação ao ser social. A obra leninista é excepcionalmente impor­ tante para podermos refutar as afirmações in­ fundadas de que o marxismo ignora o homem, despreza a individualidade e por aí adiante. Nos últimos decénios, o problema do homem passou a ser central nos trabalhos dos filósofos e soció­ logos. Em torno deste tema trava-se uma luta ideológica acérrima. V. I. Lénine qualifica de absurdo ideahsta a afirmação, segundo a qual o marxismo ignora o indivíduo e faz subordinar o homem a “leis económicas imanentes”. Ao pôr em destaque a importância da práti­ ca na teoria do conhecimento e ao esclarecer a questão da hberdade e da necessidade. ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 145.

V. í. Lénine valorizou altamente a actividade la­ borai e técnica dos homens, a transformação por eles da natureza e da sociedade, bem como a sua actividade social e política. A teoria leninista do reflexo que preconiza a unidade dos factores subjectivo e objectivo no conhecimen­ to, pressupõe a actividade criativa da personali­ dade, do homem. E, por fim, o princípio do par­ tidarismo da filosofia exige a actividade do ho­ mem e determinadas atitudes na luta social. Co­ mo vimos, o problema do homem ocupa o lugar central na obra de V. L Lénine, não tendo o seu tratamento e solução nada de abstracto, tendo antes uma ligação estreita com a actividade prá­ tica e revolucionária do homem. 3. " O s p a r tid o s e m f ilo s o f ia ..."

No último capítulo da sua obra, na parte “Os partidos em fílosofía e os fílósofos acéfa­ los”, V. I. Lénine examina o problema do parti­ darismo da fílosofía em geral, revela a sua essên­ cia e papel na vida social. O autor do Materialis­ mo e Empiriocriticismo assinala que“ ...em cada uma das questões de gnosiologia que abordá­ mos, em cada questão fílosófíca posta pela nova Física, observamos a luta entre o materialismo e o idealismo, entre as duas linhas, entre os dois partidos em fílosofía. ÍPor detrás do amontoado de novas subtilezas terminológicas, por detrás do hxo de uma escolástica erudita, encontramos sempre sem excepção duas linhas fundamentais, duas correntes fundamentais na resolução das questões fílosófícas. Tomar como primário a natureza, a matéria, o físico, o mundo exte­ Í72

rior, e considerar como secundário a consciên­ cia, e espirito, a sensação, ...o psiquico, etc., tal é a questão capital que de facto continua a dividir os filósofos em dois grandes campos”'^. Como mostra V. I. Lénine, os partidários das diferen­ tes correntes idealistas costumam dissimular 0 seu partidarismo, declarar-se acima de quais­ quer partidos em filosofia. Ao objectivismo bur­ guês, que procura camuflar a essência de classe da sua concepção do mundo com a máscara do pretenso espirito sem partido, V. L Lénine opõe o principio marxista do partidarismo da filoso­ fia. Na visão leninista, este principio signifíca a luta aberta e consequente pelo materialismo, pela explicação verdadeiramente cientifica do mundo, pela sua transformação revolucionária. “Marx e Engels foram, em filosofia, partidaristas do principio ao fim — escreve V. L Léni­ ne,— souberam descobrir os desvios do mate­ rialismo e as condescendências para com o idea­ lismo e o fideismo em todas e quaisquer corren­ tes “modernas”^. O princípio do partidarismo em filosofia toma como ponto de partida a ínconciliação de duas correntes filosóficas capitais, sempre em luta: o materialismo e o idealismo. “O génio de Marx e de Engels — sublinha V. L Lénine — consiste precisamente em que, durante um período mui­ to longo, quase meio século, desenvolveram o materialismo, fizeram avançar uma corrente fundamental da filosofia, ...mostraram como se * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 254. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 257. i73

deve aplicar este mesmo materialismo no domí­ nio das ciências sociais, varrendo impiedosa­ mente, como lixo, os absurdos, o arrozoado en­ fático e pretencioso, as incontáveis tentativas de ‘descobrir’ uma ‘nova’ linha em fílosofía, de in­ ventar uma ‘nova’ tendência, etc.”i É precisa­ mente a inconciliação entre o materiahsmo e o ideahsmo que condena ao malogro todas e quaisquer tentativas de criar algo de intermé­ dio entre eles, algo que retire coisas de uma e de outra corrente filosófica fundamental, fazendo hgar entre si dum modo ecléctico estes extractos. V. I. Lénine nega categoricamente semelhante mistura, porque o materiahsmo e o ideahsmo se excluem absolutamente um a outro. “Os ‘reahstas’ e outros, incluindo os ‘positivistas’, os ma­ chistas, etc., tudo isto é uma miserável papa, o desprezível partido do meio em fílosofía, que confunde, em cada questão, as correntes mate­ riahsta e ideahsta. As tentativas de escapar a es­ tas correntes fundamentais da fílosofía não são mais do que “charlatanismo concihador”^. V. L Lénine mostra que a incapacidade de ver, por detrás de um amontoado de novos vocá­ bulos e subterfúgios escolásticos, duas correntes fundamentais da fílosofía — materiahsta e idea­ hsta — foi a fonte de “milhares e milhares de er­ ros e da confusão” dos machistas russos. Basta uma escola filosófica trocar os conceitos co­ muns de “espírito” e “matéria” por outros, que os cientistas míopes logo declaram que esta se ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 254. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 257.

coloca acima do idealismo e do materialismo. Os machistas russos acreditaram nos professo­ res reaccionários da fílosofía que se diziam apartidários. Esta foi a desgraça dos machistas, pois “não se pode acreditar em nenhuma palavra de nenhum destes professores, capazes de reali­ zar os trabalhos mais valiosos nos domí­ nios especiais da Química, da História e da Físi­ ca, quando se trata da Fílosofía”, escreve V. I. Lénine i. O espirito partidário da fílosofía, a sua per­ tença objectiva e necessária a um determinado partido em fílosofía, a sua essência e papel so­ ciais são postos a nu, segundo V. L Lénine, quando toma posição em relação á religião e às ciências da natureza. A atitude do machismo face à religião e às ciências da natureza prova que “...toda esta confraria”, apesar da sua pretensão de “se colo­ car acima” do materiahsmo e do ideahsmo, de “ultrapassar esta contraposição velha”, “...cai a cada instante no ideahsmo, travando contra o materialismo uma luta incessante e tenaz ”^. Mach, Avenarius e seus sequazes, constata V. L Lénine, fícam-se, quando se ficam, pela neutralidade em relação à religião, mas a neu­ tralidade dum fílósofo nesta questão já é servi­ lismo perante o fídeísmo. Depois de desmonta­ dos os postulados principais da fílosofía machis­ ta o autor conclui que o seu papel objectivo con­ siste em preparar, limpar o caminho ao idealis^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 258. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 257.

mo e fideísmo (sobre este assunto, vede mais pormenorizadamente VII parte deste livro). A atitude do machismo para com as ciências da natureza acusa também características reac­ cionárias. O machismo combatia a “metafísica” das ciências da natureza. Mach, Avenarius e Petzoldt chamavam “metafísica” à visão ma­ terialista histórica nas ciências da natureza, isto é, à convicção espontânea da maior parte dos naturahstas na reahdade objectiva do mundo exterior reflectido pela nossa consciência. O ma­ chista R, Willy preconizava que a filosofia devia libertar-se da autoridade das ciências da nature­ za que semeiam o materialismo. O machista Pet­ zoldt sustentava que não se podia confiar na ciência. Acreditar na realidade dos átomos e das moléculas era, segundo ele, tão absurdo como a fé dos hindus antigos em que a Terra se apoia­ va nas costas dum elefante. Os conceitos de mo­ lécula e de átomo não eram reflexo da realidade, mas simples matáforas, símbolos. O machista H. Kleinpeter criticou as posi­ ções gnosiológicas do cientista americano K. Snyder por este ter exposto, de forma clara e acessível, uma série de novas descobertas da fí­ sica e de outras ciências da natureza. K. Snyder não tinha dúvidas de que “...o quadro do mun­ do é quadro que nos mostra como a matéria se move e como ‘a matéria pensa”^. Segun­ do ele, o progresso da ciência só é viável com base no materiahsmo. K. Snyder mete a ridículo * K. Snyder. Das Weltbild der modernen Naturwis­ senschaft..., Leipzig, Barth, 1905, VII, S. 228.— Ver; V. I. Lénine. MateriaUsmo e Empiriocriticismo, p. 267. 176

o postulado do “bom bispo Berkeley” de que “tudo é sonho”. Por muito atractivos que sejam “os malabarismos do idealismo aéreo”, diz o cientista americano, ninguém se atreverá a du­ vidar da sua própria existência. Sendo assim e uma vez admitidas a veracidade e a objectivi­ dade das sensações acerca da própria existência, o homem já não tem razões para considerar co­ mo sonho, como fictícias, outras sensações e percepções suas relativamente ao mundo exte­ rior. Deste modo, Snyder demonstra que um fi­ lósofo que reconhece pelo menos a sua própria existência, não pode negar a existência do mun­ do exterior. Todavia, o machista H. Kleinpeter que fazia gala do seu apartidarismo em filosofia, qualificou de insatisfatório, de “metafisico”, es­ te ponto de vista claro e científico. V. I. Lénine dá um exemplo elucidativo e convincente de como as diversas correntes da filosofia ideahsta aproveitavam o machismo. Era concretamente o caso da nova, naquela épo­ ca, filosofia americana, o pragmatismo. O prag­ matismo reedita o positivismo ao mesmo tempo que invoca Mach, Pearson, Poincaré, Duhem e Ostwald. A diferença entre o machismo e o pragmatismo é tão minúscula, do ponto de vista do materiahsmo, como a que existe entre empiriocriticismo e empiriomonismo. Exacta­ mente como os machistas, o pragmatismo decla­ ra que não reconhece a lógica nem do materia­ hsmo nem do ideahsmo. No entanto, retira da sua teoria do conhecimento conclusões acentuadamente ideahstas. W. James, um dos apóstolos do pragmatismo, quahfica a idea de Deus de verdadeira só porque ela tem “valor de traba­ lho”. A teoria pragmática da verdade reconhece 177 12— 1253

como verdadeira qualquer proposição que te­ nha utihdade, que possa trazer êxito, prestando assim um bom serviço ao fídeísmo. Para demonstrar o signifícado social de duas linhas, de dois partidos em fílosofía, da luta do materialismo com o idealismo e o agnosticismo, V. I. Lénine toma como exemplo “a tempesta­ de” provocada em todos os países civilizados pelo livro do naturahsta alemão E. Haeckel Os Mistérios Mundiais (Die Weltrãtsel). Na sua obra, o cientista estigmatiza todos os subterfíigios idealistas que reduzem os nossos conheci­ mentos a meros símbolos. E. Haeckel afírma, sem equívocos, a reahdade do mundo e contes­ ta, por serem absurdos, os pontos de vista da “teoria dualista do conhecimento”. Referin­ do-se à obra de Haeckel, V. L Lénine observa: “Este hvrinho popular tornou-se uma arma na luta de classes”^. Ideahstas inveterados de todos os países deram-se conta do espírito materiahsta que perpassa as obras de E. Haeckel, pois este defendia aquela mesma “metafísica” das ciên­ cias da natureza que os ideahstas e os teólogos do mundo inteiro combatem. Com este exem­ plo, V. I. Lénine quis realçar a hgação entre doutrinas e concepções fílosófícas e os interesses das classes e da luta de classes, pois os criadores dos mais diversos sistemas filosóficos (ideahstas ou inclinados ao ideahsmo) sempre tentavam camuflar a sua essência de classe e a orientação ideológica. V. I. Lénine demonstra que o ideahsmo, in‘ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 263.

dependentemente do rótulo que use, serve de su­ porte ideológico às classes dominantes, às cama­ das reaccionárias da sociedade. O materialismo dialéctico pronuncia-se abertamente como doutrina filosófica, cuja mis­ são consiste em fundamentar a concepção do mundo e a ideologia da classe operária e das massas trabalhadoras por ela dirigidas. Afir­ mando a possibihdade do conhecimento e da transformação da reahdade, o materiahsmo ser­ ve o progresso e os interesses das vastas massas trabalhadoras. Aqui, trata-se, naturalmente, do ideaUsmo e do materialismo como grandes correntes filo­ sóficas. Isso não exclui que certos filósofos ideaUstas e até mesmo certas escolas ideaUstas se identifiquem, em determinadas condições, com posições sociais progressistas. Pode haver tam­ bém casos contrários, em que alguns filósofos materialistas deshzam para posições alheias ao progresso. Na prática, na vida, a relação entre llosofia e politica nem sempre é rectilinea, uni­ lateral. No entanto, as possíveis excepções de que se fala atrás, não retiram valor à regra geral. Também não se deve tomar como idênticos o princípio do partidarismo em filosofia e o par­ tidarismo no sentido político, que implica a per­ tença a uma organização partidária, a militância num partido político. O materiaUsmo dialéctico constitui a base filosófica da concepção do mun­ do, da ideologia e da metodologia da actividade dos partidos comunistas e operários. Todavia, isto não exclui uma ampla divulgação do mate­ rialismo dialéctico entre pessoas que, não sendo miUtantes desses partidos, seguem convicções poUticas e sociais progressistas. I2‘

Ora, como vimos, o princípio do partidaris­ mo é um meio importante para determinar as posições sociais de cada filosófo, cientista ou homem político, professando umas ou outras concepções filosóficas e aplicando-as na sua ac­ tividade.

V II A C RÍTICA AO M A C H IS M O C O M O VARIANTE DE F ID E lS M O REFINADO

Como já foi assinalado, a obra de V. I. Lé­ nine foi escrita e publicada num período em que na Rússia dominava a reacção que vingara após a derrota da revolução democrático-burguesa de 1905-1907. Naquela altura, o problema da religião adquiriu um significado político e filo­ sófico especial. “Para os seus objectivos contra-revolucionários — escreve V. L Lénine —, a burguesia russa precisava de revitalizar a reli­ gião, fazer aumentar a procura da religião, inculcar a religião no povo ou revitalizar a sua in­ fluência no seio do povo. A prédica da ‘constru­ ção de Deus’ adquiriu, portanto, um carácter social e político”^ Considerando a importância especial da luta contra as tentações religiosas, V. L Lénine con­ sagra a este tema uma serie de obras célebres de cariz ateísta, que marcam uma nova etapa do desenvolvimento do ateísmo marxista. São elas: Socialismo e Religião (1905), Sobre a Atitude do Partido Operário face à Religião (1909), Classes e Partidos e sua Atitude face à Religião e à Igreja (1909) e ainda as famosas cartas a A. M. Gorki que contêm a crítica da doutrina da “construção 1 V. I. Lénine. Obras Completas, t. 19, p. 90. 18 !

de Deus” e os artigos sobre o grande escritor russo Leão Tolstoi. V. I. Lénine dá uma resposta contundente a todos os que procuravam “harmonizar” mar­ xismo e rehgião. “O marxismo é o materiahs­ mo — declara V. L Lénine. — Como tal, ele é implacavelmente hostil à rehgião...”^ O Materialismo e Empiriocriticismo é uma obra prima sobre o ateísmo desenvolvido por V. L Lénine, Nesta obra, o autor propôs-se re­ solver, e resolveu, a tarefa mais importante: esclarecer a essência rehgiosa e fídeísta dos pos­ tulados ideahstas defendidos pelos empiriocriti­ cistas e mostrar o papel objectivo, de classe, das doutrinas idealistas em geral. O próprio V. I. Lénine considerou que o principal objecti­ vo da sua obra tinha sido o desmasca­ ramento da essência fídeísta da doutrina ma­ chista. Por isso, conclui o seu livro, acentuando a subserviência do empiriocriticismo ao fídeís­ mo: “O papel objectivo, de classe, do empirio­ criticismo reduz-se inteiramente a servir fiel­ mente os fideístas na sua luta contra o materia­ lismo em geral e contra o materialismo histórico em particular”^. V. L Lénine descobre a subserviência do ideahsmo ao fideísmo em vários aspectos; apon­ tando os postulados filosóficos dos machistas que acusam uma essência fídeísta; criticando certas teses do ideahsmo “físico” tendentes ao fídeísmo e pondo a nu a proximidade de pontos ^ V. I. Lénine. Obras Escolhidas em Seis Tomos, t. 1, p. 372. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 27L

de vista do machismo e das escolas marcadamente fideistas; esclarecendo que o machismo leva inevitavelmente ao fideísmo, professado por discípulos e seguidores seus. No prólogo da obra, intitulado “Em lugar de introdução” V. I. Lénine desmascara a essência fideista da negação machista da existência ob­ jectiva da matéria. “A matéria é nada”, declara Berkeley, na tentativa de defender a rehgião. “A matéria é nada”, repetem os machistas, não se dando conta do carácter fideista do seu enuncia­ do e acusando dum modo ridículo os materialis­ tas de idealismo e de misticismo por reconhece­ rem a existência real da matéria. V. L Lénine demonstra que o facto de os machistas negarem a objectividade e a eternidade da matéria equi­ vale a reconhecerem a existência dum Deus eter­ no, criador do mundo. A doutrina de Avenarius, fundador do empíriocriticismo, sobre “o termo central potencial da coordenação”, de que se falou atrás, conduz necessariamente ao reconhecimento da ideia da alma eterna e imortal do homem. Afirma ele que o homem acrescenta mentalmente para si o qua­ dro do mundo, produto da sua representação, o que, segundo ele, prova que o “Eu” e o “não Eu” coabitam lado a lado, sendo indissolúveis. V. L Lénine argumenta que se o homem acres­ centa mentalmente para si certos factos e cir­ cunstâncias, isto não pode ser critério da verda­ de, da objectividade deste raciocínio. “Os ho­ mens podem conceber e ‘acrescentar mental­ mente’ para si toda a espécie de infernos, toda a espécie de duendes. Lunatcharski chegou a ‘acrescentar mentalmente’ para si... bem, use­ mos imia expressão suave, conceitos religiosos;

mas a missão da teoria do conhecimento consis­ te precisamente em demonstrar o carácter irreal, fantástico, reaccionário, destes acrescentos mentais”^. Também a interpretação machista da verda­ de objectiva, definida por Bogdanov como algo que tem significado geral, como experiência so­ cialmente organizada, leva a conclusões fideístas. Por experiência socialmente organizada, os machistas entendem qualquer ideia que “orga­ niza” os homens, que conduz a transformações sociais e que tem “significado geral” para deter­ minado grupo de pessoas. Todavia, a experiên­ cia histórica ensina que, às vezes, ideias falsas, que encerram uma representação deturpada da reahdade objectiva, adquirem em certos perío­ dos “signifícado geral” para alguns grupos de pessoas, norteando, “organizando”, as suas ac­ ções num sentido falso. Daí, o “signifícado ge­ ral” pode facilmente servir o fídeismo. Só a defínição materiahsta da verdade, como conheci­ mento confírmado pela prática, como identida­ de dos nossos conhecimentos e das propriedades e relações da realidade que existe objectivamen­ te e fora de nós, pode ser uma arma contra o fídeísmo. Daí, será fácil inferir que a teoria ma­ chista da verdade como experiência subjectiva dos homens não é senão uma expressão de fídeísmo requintado. Só o ponto de vista materia­ hsta, diz, em continuação, V. I. Lénine, fecha de vez as portas a qualquer fídeismo. V. L Lénine desmascara o matiz fídeísta das interpretações machistas das noções de “causa­ * V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 59.

lidade”, “lei objectiva”, “espaço” e “tempo”. V. I. Lénine passa, depois, a demonstrar co­ mo o idealismo “físico” está também ao serviço do fídeísmo. N o V capítulo dedicado à revolu­ ção moderna nas ciências da natureza, o autor trata esta questão, especialmente na quarta par­ te — “As duas correntes da física contemporâ­ nea e o espiritualismo inglês” — e na sexta — “As duas correntes da física contemporânea e o fídeísmo fi^ancês”. Na Inglaterra, os fideístas agarraram-se ao postulado dos idealistas “físi­ cos” de que todas as teorias científicas são ape­ nas hipóteses de trabalho que não têm a preten­ são de esclarecer a essência dos fenómenos. Aproveitando-se das vacilações idealistas dal­ guns físicos, o fílósofo idealista inglês J. Ward afírma que a nova física ajuda a combater a “fé inculta” na matéria, ajudando deste modo a chegar á ideia de Deus. Em França, segundo as palavras de V. I. Lénine, “...a fílosofía idea­ hsta mais reaccionária, com conclucões defini­ damente fideístas...”^ apoiou a teoria machista do fisico H. Poincaré que negava o significado objectivo dos conceitos científicos. O IV capítulo “Os ideahstas filosóficos co­ mo companheiros de armas e sucessores do em­ piriocriticismo”, e mais concretamente, a tercei­ ra parte — “Os imanentístas como companhei­ ros de armas de Mach e Avenarius”, a quarta — “Em que direcção cresce o empiriocriticis­ mo?” — e a quinta — “O ‘empiriomonismo’ de A. Bogdanov” — dão-nos um aspecto ímpor* V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 220.

tante da crítica leninista ao machismo como fi­ deísmo refmado. Quanto às suas ideias fundamentais, a teoria de Mach e de Avenarius é convergente com a doutrina duma das escolas de idealismo sub­ jectivo chamada “imanentista”. Que ensina a escola dos “imanentistas” com a qual o ma­ chismo anda “de mãos dadas”? “...Os imanen­ tistas são rematados reaccionários, pregadores abertos do fideísmo, de um obscurantismo con­ sumado. Não há um só deles que não tenha con­ sagrado abertamente os seus trabalhos mais teó­ ricos sobre gnosiologia à defesa da religião”^. Os fundadores do empiriocriticismo tecem elo­ gios aos imanentistas. E. Mach dedicou a sua obra Conhecimento e Erro a tmi dos pontífices desta escola filosófica, W. Schuppe. Avenarius declarou-se entusiasmado com as simpatias de Schuppe pelo empiriocriticismo. Os ima­ nentistas, por sua vez, expressaram reiteradamente a sua concordância com a teoria de Mach e de Avenarius. Outra figura célebre da filosofia imanentista, R. Schubert-Soldern, desenvolveu um sistema em linhas gerais idêntico à “coorde­ nação de princípio” de Avenarius, que decorre da teoria do “termo central potencial”. V. I. Lénine frisa que esta teoria de Avenarius conduz a conclusões fideistas quanto á imortali­ dade da alma. Avenarius não se atreveu a fazer estas conclusões fideistas, mas Schubert-Soldern fê-las: da teoria da existência indissolúvel do ser e da consciência deduziu a pré-existência do '■V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 16L

nosso “Eu” em relação ao nosso corpo e a pós-existência do “Eu” após a morte corporal, quer dizer, reconheceu abertamente a imortalidade da alma. Para demonstrar o teor fídeísta do empirio­ criticismo, V. I. Lénine prossegue a anáhse des­ ta doutrina desenvolvida pelos discípulos e se­ guidores de Mach e de Avenarius, nomeada­ mente, o fílósofo alemão Hans Cornelius, o pen­ sador russo A. Bogdanov e outros. Na sua obra Empiriomonismo, A. Bogdanov escreve: “...Re­ conhecemos que a natureza física, em si, é um derivado... dos complexos de carácter imediato (a cujo número pertencem também as coordena­ ções psíquicas), que ela é um reflexo destes com­ plexos noutros, que lhes são análogos, mas de ti­ po mais complexo (na experiência social­ mente organizada dos seres vivos)” ^ Assim, Bogdanov admite que a natureza é um derivado, quer dizer, admite que existe algo que está fora da natureza e produz a natureza. V. I. Lénine rephca que isto, em russo, só tem uma palavra para o designar: Deus. “Uma fílosofía que ensi­ na que a própria natureza física é um derivado é pura fílosofía do clericahsmo. ...Que pena — observa V. I. Lénine com sarcasmo — que esta magnifíca fílosofía não tenha ainda penetrado nos nossos seminários; aí saberiam apreciar os seus méritos”^. No sistema de Bogdanov, a concepção idea' A. Bogdanov. Empiriomonismo, Livro I, 2“ edi­ ção, Moscovo, 1905, p. 146.— Ver: V. L Lénine. Materialis­ mo e Empiriocriticismo, p. 173. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 173.

lista da origem psiquica do físico, da natureza, a sua derivação de algo que está acima dela dá pelo nome de teoria da “substituição geral” do físico pelo psiquico. V. I. Lénine diz a este pro­ pósito: “Ideia absoluta, espirito universal, von­ tade do mundo, “substituição geraF' do físico ?elo psíquico, são a mesma ideia, só que formuações diferentes”^. Guiando pelo espírito partidário (do ponto de vista materialista), o Materialismo e Empiriocri­ ticismo condena decidida e consequentemente, do prefácio até á última linha, qualquer condes­ cendência com a rehgião, qualquer conciliação nesta questão, e classifica todas as espécies de idealismo de cúmpHces do fideísmo. Nos tempos actuais, é evidente e profunda a hgação do ideahsmo filosófico à reh^ão, pois o papel social do ideahsmo como conivente da rehgião não só se mantém, como tem aumenta­ do. É que, cada vez mais, a rehgião necessita de subsídios teóricos para os seus postulados. As principais tendências da filosofia burguesa con­ temporânea satisfazem de facto essa encomenda social da teologia. Vejamos, por exemplo, as atitudes do neo­ positivismo. Aparentemente, esta doutrina é neutra em relação â religião; representantes do neopositivismo chegam mesmo a fazer declara­ ções cépticas em relação aos valores da rehgião. No entanto, esta corrente aborda e resolve os ' V. 1. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 174.

problemas fundamentais da filosofia dentro do espirito machista e berkeleyano, o qual, como foi provado por V. I. Lénine, justifica a reli­ gião. Por isso, os argumentos leninistas contra o fideísmo apregoado pelo velho positivismo mantêm-se actuais e actuantes na luta contra o positivismo contemporâneo. Há no positivismo contemporâneo certos postulados que favorecem o reforço da rehgião, embora aparentemente a critiquem. Por exem­ plo, os positivistas classificam a rehgião de “metafisica” e de sistema de postulados improváveis e inverificáveis na experiência. Os neopositivis­ tas acrescentam a esta característica exterior­ mente crítica uma proposição, segundo a qual o materiahsmo e o ateísmo pertencem a essa mesma improvável “metafísica”. Depreende-se daí que esta comparação infundada da teoria científica do ateísmo com a “teoria” fantástica, anticientifica, da rehgião signifique, de facto, o apoio a esta última e uma tentativa de minimi­ zar a crítica materialista á rehgião. A doutrina neopositivista defende, além disso, que a exis­ tência da religião se justifica por ser um estado emocional do espirito, um sentimento útil e ins­ pirador para o homem. No quadro desta con­ cepção, o materiahsmo perde todo o sentido, pois é improvável e não corresponde a nenhum dos estados do espirito humano. Opondo-se ao ateísmo e ao materiahsmo, o neopositivismo faz, de facto, o elogio da religião. É infrutífero o desejo de alguns neopositivistas de se afasta­ rem do fideísmo, pois esta filosofia soluciona os principais problemas filosóficos em termos idea­ listas. Recordando o apelo de Mach a que não fossem tiradas da sua teoria conclusões de ca189

rácter místico, isto é, que não fossem inventadas “histórias de fantasmas”, V. I. Lénine faz notar que estas “histórias de fantasmas” decorrem inevitavelmente dos postulados principais de Mach ^ Ahás, os postulados do positivismo contemporâneo conduzem necessariamente a conclusões teológicas. É igualmente actual a observação leninista sobre a tendência da religião de se adaptar à ciên­ cia, de externamente se conciliar com esta últi­ ma. V. L Lénine designou a tendência da reli­ gião se adaptar às realizações científicas de “fldeísmo cultural”. “O fídeismo contemporâ­ neo — escreve V. L Lénine — não rejeita de forma nenhuma a ciência; rejeita apenas as ‘pre­ tensões excessivas’ da ciência, a saber, a preten­ são à verdade objectiva”^. Desenvolvendo esta ideia, acrescenta: “O fídeismo contemporâneo, culto, nem sequer pensa em exigir mais do que a declaração de que os conceitos das ciências da natureza são ‘hipóteses de trabalho’. Nós cede­ mo-vos a ciência, senhores naturahstas, cedei-nos a gnosiologia, a fílosofía: tal é a condição da coabitação dos teólogos e dos professores nos países capitahstas ‘adiantados’ Nas décadas transcorridas desde que o Ma­ terialismo e Empiriocriticismo foi escrito, o fídeísmo tornou-se ainda mais “cultural”, ainda mais “contemporâneo”. A adaptação da reli­ gião à ciência atingiu vastas proporções. Os teó­ logos modernos procuram provar que a rehgião ^ V. I. hénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 1'ii. ^ V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 94. ^ V. L Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 212,

não contraria a ciência. Nem sequer a ci­ bernética escapou a interpretações fideístas; afirma-se que ela restabelece o papel do homem como criador e ensína-nos a compreender a grandeza da criação divina. A obra leninista ensina a desmascarar todas as tentativas do “fideísmo cultural” contempo­ râneo fazer passar ideias rehgiosas sob a falsa bandeira da conciliação com a ciência. A obra leninista contínua a ter significado transcendental para a luta contra o revisionis­ mo, que procura rever os postulados fundamen­ tais do marxismo na questão da rehgião. O ar­ gumento principal dos revisionistas nesta ques­ tão consiste em negar o papel reaccionário, de classe, da rehgião moderna. Admitem que, no passado, a religião foi o ópio do povo, mas que, actualmente, até pode ser “fermento” do pro­ cesso revolucionário, inspiração para acções re­ volucionárias. Segundo eles, o ateismo marxista tinha carácter exclusivamente político e era diri­ gido contra a actividade política reaccionária do clero. Agora, atendendo que o cariz político de muitas organizações religiosas mudou, não há razões para a propaganda anticlerical e antí-rehgiosa em que o marxismo insiste. Os revisionistas não querem ver o facto de a religião poder desempenhar papeis históricos distintos conforme cada época histórica concre­ ta; as organizações religiosas podem ser mais ou menos activas na defesa dos interesses das clas­ ses exploradoras, havendo até circunstâncias e questões em que se fazem “companheiras” das organizações progressistas; não é raro isto acon­ tecer nas condições actuais. Consequentemente, muda também a atitude para com as organiza­

ções clericais e a táctica dos partidos comunistas e operários em relação a estas. Seja como fôr, a religião continua a ser, independentemente das condições, inimigo da ideologia cientifica do materialismo. É, ao mesmo tempo, muito importante ter em conta que a inconciliação com a ideologia religiosa de modo nenhum significa que os par­ tidos comunistas e operários hostilizem os cren­ tes. Há muitos anos atrás, V. I. Lénine subli­ nhou que esta táctica dos partidos marxistas —a inconcihação ideológica com a doutrina religio­ sa, por um lado, e as atitudes de respeito para com os crentes, a união com eles em prol da luta comum pelo progresso social, por outro —pode parecer a alguém uma contradição absurda. Mas, assinala V. L Lénine, só assim podem pensar “...as pessoas com uma atitude descuida­ da em relação ao marxismo” ^ Um marxista de­ ve considerar toda a situação concreta, saber traçar os hmites entre o anarquismo e o oportu­ nismo e não cair nem no oportunismo de um pequeno-burguês que teme a luta com a religião, nem no radicalismo “revolucionário”, oco e abstracto, de um anarquista que põe a luta contra a religião em primeiro plano. Não obs­ tante as peripécias da luta ideológica, um mar­ xista deve dar prioridade aos interesses da luta contra a opressão social dos trabalhadores, con­ tra a miséria e a exploração, isto é, contra as raí­ zes sociais da religião, contra as circunstâncias da vida social que fazem nascer no seio dos tra' V. I. Lénine. Obras Escolhidas em Seis Tomos, t. 1, p. 371. 192

balhadores a fé em deuses, esperanças num au­ xílio do seto. Os ensinamentos leninistas quanto ao ateís­ mo têm servido para os partidos marxistas de base para o seu trabalho teórico e prático du­ rante longas décadas da actividade.

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EM JEITO DE CONCLUSÃO

D e s d e q u e p o n to s d e v is ta d e v e u m m a r x is ta e n c a r a r o e m p ir io c r itic is m o ?

V. I. Lénine ensina a defender com intransi­ gência os princípios basilares do marxismo, o desvio dos quais significa o abandono da con­ cepção marxista do mundo, a passagem para as posições anticientifícas do idealismo. Um mar­ xista, insiste V. L Lénine, deve abordar o empi­ riocriticismo segundo quatro pontos de vista. Primeiro: é preciso comparar a base teórica da fílosofía empiriocriticista e do materialismo dialéctico. Um parte considerável da obra leni­ nista é dedicada a esta comparação e à denúncia da essência reaccionária do empiriocriticismo. Os velhos erros do ideahsmo e do agnosticismo são disfarçados nesta doutrina com novos sub­ terfúgios, palavreado e rodeios. Falar da fusão do empiriocriticismo e do marxismo é ignorân­ cia completa, incompreensão absoluta do que é o materialismo filosófico de K. Marx e de F. Engels. Segundo: para compreender o empiriocriti­ cismo, é necessário determinar o seu lugar entre outras escolas fílosóficas modernas. V. I. Léni­ ne define este lugar do modo seguinte; Mach e Avenarius começaram por Kant, pelo seu ag­ nosticismo. A partir dele, não se encaminhara para o materialismo, mas sim para o idealismo subjectivo de Hume e de Berkeley. O agnosticis[94

mo de Kant conjuga-se com o reconhecimento materiahsta das “coisas em si”, ou seja, objectos reais que existem fora e independentemente da consciência. V. I. Lénine diz que Avenarius “expurgou” o agnosticismo do kantismo. Toda a escola de Mach e de Avenarius rejeita resolu­ tamente a reahdade do mundo, “as coisas em si”, convergindo com uma das correntes ideahs­ tas mais reaccionárias, o “imanentismo”. Terceiro: é preciso não desprezar a ligação in­ dissolúvel do machismo ao ideahsmo “físico”. Por isso, V. L Lénine faia, uma vez mais, das raízes gnosiológicas do ideahsmo “físico”. A queda de velhas teorias em função das desco­ bertas feitas nos últimos anos pôs em particular evidência a relatividade dos nossos conhecimen­ tos. Ao aceitar a relatividade dos nossos conhe­ cimentos, uma parte dos físicos resvalou para o idealismo, por ignorância da dialéctica. Quarto: é imprescindível ver as raízes sociais do empiriocriticismo e a sua orientação objecti­ va de classe. Por detrás da escolástica empirio­ criticista, não se pode deixar de ver a luta ideo­ lógica, partidária, em fílosofía que assume ne­ cessariamente um carácter de classe. “A fílosofía moderna é tão partidarísta como a de há dois mil anos. Os partidos em luta são na realidade, uma reahdade dissimulada com novos rótulos doutorais e charlatanescos ou com um apartidarismo medíocre, o materiahsmo e o ideahsmo. Este último não é mais do que uma forma subtil e refinada do fídeísmo” ' V. I. Lénine. Materialismo e Empiriocriticismo, p. 27L 195 13*

Tudo o que V. I. Lénine disse sobre o empi­ riocriticismo tem importância transcendental. Estes “quatro pontos de vista” exprimem os princípios que os marxistas devem respeitar na análise de qualquer corrente idealista em filo­ sofia. Assiste-se, no mundo contemporâneo, a uma luta exacerbada entre duas concepções do mundo contrárias. A ideologia desempenha pa­ pel cada vez maior no comportamento dos ho­ mens. Por isso, o futuro da humanidade depen­ de em medida considerável dos resultados da lu­ ta ideológica. O livro de V. L Lénine que defen­ de concepções revolucionárias do mundo conti­ nua a ocupar um lugar destacado na luta actual. Cada homem consciente deve definir claramente o seu lugar nesta luta, as suas atitudes, respon­ sabilidades e concepções. E esta obra imortal de V. L Lénine, que para muitas gerações consti­ tuiu e constituirá exemplo de defesa da concep­ ção materialista e científica do mundo, exemplo de desenvolvimento criativo do marxis­ mo, exemplo que instiga á luta contra qualquer reacção ideológica, poderá ser também para si uma boa ajuda nesta difícil tarefa.

Ao leitor

A nossa brochura propõe-se um objectivo bem definido: ser uma introdução sucinta à obra leninista e expor pelo menos, os seus pos­ tulados fundamentais. Esperamos que, depois de 1er esta brochura, o leitor se sinta motivado para dar o passo seguinte e o mais importante para a sua formação filosófica: para a leitura da obra de V. I. Lénine. Ê preciso, porém, estudar o Materialismo e Empiriocriticismo tendo em conta a actualidade. Isto significa “consultar” o seu autor em cada nova questão ligada com as ciências da natureza, a filosofia e a sociologia, V. I. Lénine dizia de si próprio que tinha per­ manentemente “consultado” K. Marx, valen­ do-se das suas obras não para buscar nelas uma resposta feita para as novas questões postas pe­ lo desenvolvimento das ciências e da sociedade, mas para nelas encontrar uma abordagem certa destas questões, uma solução dialéctica, toman­ do como ponto de partida que a dialéctica sem­ pre foi, é e será o âmago da doutrina marxista. O estudo da obra leninista ajudará o leitor a compreender mais a fundo e a assimilar outros trabalhos filosóficos do marxismo-leninismo e, em especial, as obras de F. Engels Anti-Dühring e Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica

Alemã com as quais o livro de V. I. Lénine tem relação intima. Além disso, o Materialismo e Empiriocriticismo tem muita importância para o estudo de Os Cadernos Filosóficos de V. I. Leríine (1914-1916) que são considerados com a continuação lógica do primeiro. Em Os Cadernos Filosóficos, uma atenção especial deve ser dispensada à parte “Sobre a questão da dialéctica”, onde vem exposta toda a concepção leninista da dialéctica. Para com­ preender mais profundamente os problemas do materialismo histórico, formulados em Materia­ lismo e Empiriocriticismo, é recomendável 1er o trabalho de V. I. Lénine Quem São os A m i­ gos do Povo’ e como eles Lutam Contra os Sociais-Democratas? escrito em 1894. A obra O Es­ tado e a Revolução escrita em 1917, no periodo da preparação da Revolução Sociahsta de Outu­ bro, constitui uma conclusão lógica e directa da concepção filosófica e sociológica leninista. Ne­ la vêm definidas as tarefas do proletariado na revolução e as vias da construção da sociedade socialista e comunista; por conseguinte, o seu estudo ajuda a compreender a essência do mar­ xismo com guia da acção revolucionária. As obras leninistas podem constituir uma boa base para a sua educação filosófica, ser ponto de referência certo no seu trabalho como participante activo da grande luta pela paz, pela justiça, pelo progresso social que hoje se trava. As obras filosóficas do grande marxista exigem acções. Muitos êxitos, caro leitor!

G lo s s á rio te rm in o ló g ic o

Agnosticismo (gr. agnostos, incognoscivel): doutrina, segundo a qual o homem é incapaz de conhecer a essência das coisas e de ter conheci­ mentos fidedignos delas. Na história da filoso­ fia, os apóstolos clássicos das ideias agnósticas foram Hume e Kant. Hume considerava que o homem apenas é capaz de anahsar as suas próprias sensações a os factos da sua experiência objectiva; por isso, não pode ter nenhum conhecimento do mundo exterior: nem se este existe ou não, nem como é este mundo. Kant, embora reconhecesse a exis­ tência objectiva das “coisas em si”, achava in­ cognoscivel, inacessível, a sua essência. A priori (lat. a priori, anterior): termo que designa o conhecimento primário inerente à consciência. O vocábulo antônimo é a posteriori (lat. a posteriori, posterior) que signifíca o co­ nhecimento resultante da experiência e obtido através das percepções emotivas. Ateísmo (gr. a theos, sem Deus): sistema de concepções que nega a fé no sobrenatural, em Deus. 199

Casualidade', vede a presente brochura, pág. 118. Categoria (gr. kategoria, enunciado, defini­ ção): noção mais geral, universal, que reflecte as propriedades essenciais e as leis gerais dos fenó­ menos da reahdade objectiva. As categorias são estabelecidas em qualquer ramo do conheci­ mento teórico. Entre as categorias filosóficas fi­ guram, por exemplo, a matéria, a consciência, o movimento, o tempo, o espaço, a quantidade e a qualidade, a causahdade, a necessidade e a casualidade, a forma e o conteúdo, a probabi­ lidade e a reahdade, etc. A cada época de desen­ volvimento do pensamento cientifico e técnico é característico o seu conjunto especifico de cate­ gorias, que reflecte a profundidade do conheci­ mento, as suas tendências e formas principais. Causa e efeito: vede esta brochura, págs. 111 - 112 .

“Coisa em si”: vede a presente publicação, págs. 52-56. “Coordenação de princípio”: vede a presente brochura, pág. 36. Deísmo (lat. deus): doutrina que admite a existência de Deus como prima causa do Uni­ verso. Segundo o deismo. Deus criou o Univer­ so e depois afastou-se dos processos que nele ocorrem. Determinismo e indeterminismo: vede pág. 114 desta brochura. 200

Dogmatismo (gr. dogma, cânone, opinião, solução): visão invariável dos problemas que ig­ nora as condições concretas do lugar e do tem­ po, sistema que opera com dogmas. Os dogmas são proposições abstractas e divorciadas da vi­ da, tomadas como verdadeiras e como bases su­ ficientes para julgar e refutar os postulados que lhes são contrários. Os traços característicos do dogmatismo são a fé cega na autoridade, a defe­ sa de postulados obsoletos (e, por vezes, errados na sua essência) ou improváveis. Em filosofia, o dogmatismo manifesta-se como um pensa­ mento não dialéctico, metafísico. Dualismo (lat. dualis, duplo): doutrina filo­ sófica que, por oposição ao monismo (lat. mo­ nos, um, único), afirma que as substâncias mate­ rial e espiritual são principios iguais do Univer­ so, do mundo. O duahsmo está presente nas fi­ losofias de Descartes, de Kant. Ecléctica (gr. eklego, escolho): fusão numa só doutrina de concepções filosóficas, pontos de vista politicos, postulados cientificos, etc. dife­ rentes ou mesmo contrários na sua essência, conservando no entanto um aparente rigor ló­ gico. Empiriocriticismo (gr. empeiria, experiência, e kritike, arte de julgar, de discernir): à letra, “fi­ losofia da experiência critica”. Corrente filosófi­ ca de ideahsmo subjectivo fundada por Avena­ rius e Mach (dai, o seu outro nome: “machis­ mo”). O empiriocriticismo nega a reahdade da matéria, da necessidade, da causalidade. Os ele­ mentos centrais do sistema empiriocriticista são 201

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o postulado de E. Mach sobre o mundo como conjunto dos “elementos neutros” ou das sensa­ ções e a teoria de Avenarius da “coordenação de principio”, isto é, da interligação indissolúvel entre o homem e o objecto. O empiriocriticismo está estreitamente ligado ao idealismo “físico”. As pretensões dos empiríocriticistas de criar uma “terceira linha” em fílosofía, reduzir esta disciplina à análize do conhecimento científico e á especulação com as novíssimas descobertas cientificas foram posteriormente desenvolvidas no neopositivismo. Empiriomonismo (gr. empeiria, experiência, e monos, um, único): assim chamou Bogdanov á sua filosofia, variante de empiriocriticismo, de machismo. Do ponto de vista do empiriomonis­ mo, tudo o que existe não é senão a experiência organizada concebida como conjunto dos dados sensoriais. Ler no presente brochura crítica leni­ nista ao empiriomonismo de Bogdanov. Empírio-simbolismo (gr. empeiria, experiên­ cia, e symbolon, sinal, símbolo): termo sugerido pelo pensador ideahsta luchkevitch para desig­ nar o seu sistema filosófico, variante do empi­ riocriticismo. A ideia fundamental do empírio-simbolismo ê a seguinte: os conceitos (verdade, ser, essência, substância, etc.) são apenas símbo­ los convencionais, sem nenhum conteúdo real. Para o empírio-simbolismo, o mundo exterior e as suas leis são simples símbolos da capacida­ de cognoscitiva do homem. Ler crítica leninista ao empírio-simbolismo nesta brochura. Espaço e tempo: formas principais de exis­ 202

tência da matéria e suas propriedades inaliená­ veis. A filosofia dialéctico-materialista sempre afirmou o carácter objectivo e universal do es­ paço e do tempo. Isto significa que eles existem fora da consciência e independentemente dela e que são inerentes a todos os objectos e fenó­ menos da realidade. Diferentemente do materia­ lismo, o idealismo põe a relação espaço-tempo na dependência ou da consciência indi­ vidual (Berkeley, Mach), ou da ideia absoluta (Hegel), ou apresenta-os como formas aprioristicas (anteriores á experiência) da contemplação sensorial (Kant). O materiahsmo dialéctico acentua a ligação indissolúvel do espaço e do tempo, da matéria e do movimento. Segundo as concepções actuais, o espaço é tridimensional, ao passo que o tempo tem uma só dimensão. Juntos representam um continuum único quadridimensional. Ver também pági­ nas desta obra. Espiritualismo (lat. spiritus, espirito): em sen­ tido amplo, equivale ao ideahsmo. Todavia, este termo tem uma acepção mais restrita, designa apenas algumas doutrinas ideahstas. Os adeptos destas doutrinas tomam como ponto de partida o postulado de que certas unidades espirituais, independentes da matéria e determinantes para a sua evolução, constituem a essência do ser. Es­ piritualismo identifica-se com a rehgião. Experiência: vede pág. 103 deste livro. Fideísmo: doutrina que, conforme exphca V. I. Lénine, põe a fé em lugar do conhecimen­ to ou, em geral, dá prioridade á fé. Em certos 203

trechos da sua obra, V. I. Lénine emprega o ter­ mo “fideísmo” num sentido mais lato como to­ da a afeição pela rehgião. Filosofia imanente: corrente do ideahsmo subjectivo que emergiu no fim do século XIX e inicio do XX e sustenta que a reahdade cog­ noscivel se encontra na esfera da consciência, quer dizer, que lhe é imanente. Os imanentístas negam a existência da reah­ dade objectiva e tomam por reahdade unica­ mente o conteúdo da consciência. Esta corrente e seus representantes foram alvos de duras criti­ cas por parte de V. I. Lénine em Materialismo e Empiriocriticismo. Gnosiologia ou teoria do conhecimento (gr. gnosis, conhecimento e logos, noção, doutrina): doutrina da essência, das leis gerais e das formas do conhecimento. Os seus problemas basilares são: qual o objecto e quais as fontes do conheci­ mento; qual a sua origem; que provoca a sua evolução; quais são as etapas do processo do conhecimento; quais os seus métodos e formas; o que é a verdade e quais os seus critérios; qual é a correlação entre as actividades cognoscitiva e prática dos homens, etc. A história da filosofia conhece duas tendências essencialmente diferen­ tes no que concerne ã solução dos problemas fundamentais do conhecimento: a materiahsta e a idealista. Vede páginas onde se fala deste assunto. Idealismo: tendência filosófica oposta ao materiahsmo quanto ã solução da questão fun­ damental da filosofia. O ideahsmo parte de que 204

a consciência, o espirito, é anterior à matéria, cria a matéria e as suas leis. Conforme a inter­ pretação que é dada ao principio espiritual, divide-se em duas formas principais: o idealismo objectivo e subjectivo. O primeiro reconhece a presença de uma ideia objectiva que existe fora de nós e cria o mundo. O ideahsmo subjectivo defende que o Universo se constrói a partir da ideia do homem, da sua consciência individual. Idealismo “fisico”: vede as págs. 124-126. desta brochura. Introjecção: vede presente brochura, pags. 41-44. Lei: hgação estável, necessária e essencial dos fenómenos da natureza e da sociedade. Liberdade e necessidade: vede páginas 111-121. desta brochura. Matéria: vede páginas 90-94. desta brochura. Materialismo: corrente filosófica oposta ao ideahsmo. Dando resposta á questão fun­ damental da filosofia, o materialismo afirma a originariedade da matéria, da natureza, e a secundariedade da consciência. O materia­ lismo considera a consciência como propriedade da matéria altamente organizada. A forma superior do materialismo é o ma­ teriahsmo dialéctico formulado por K. Marx e F. Engels nos meados do século XIX, que ultra­ passou as limitações mecanicista e metafísica do materialismo pré-marxista, bem como as con­ 205

cepções idealistas da sociedade humana cara­ cterísticas a todos os representantes do velho materiahsmo. Materialismo dialéctico: ciência que trata as leis mais gerais do desenvolvimento da na­ tureza, da sociedade e do pensamento humano, vistas sob o ângulo da solução materialista da questão da correlação do ser e da consciência. Materialismo histórico: parte constitutiva da filosofia marxista-leninista, ciência sobre as leis mais gerais e as forças motoras do desenvolvi­ mento da sociedade. Foram seus fundadores os lideres e ideólogos da classe operária: K. Marx e F. Engels. Tendo criado uma nova concepção filosófica do mundo, o materialismo dialéctico, Marx e Engels estenderam-na ao conhecimento da sociedade. O materiahsmo histórico equivale a concepção materiahsta da história. Materialismo naturalista ou materiahsmo histórico-naturahsta: “...convicção espontânea, inconsciente, filosoficamente não fundada, da maior parte dos naturahstas da reahdade objectiva do mundo exterior reflectido pela con­ sciência” (V. I. Lénine). V. L Lénine consi­ derava-o um materiahsmo superficial e teo­ ricamente não acabado. Limita-se, como regra, a aplicar a visão materiahsta somente à na­ tureza, deixando, no que toca à sociedade, os cientistas à mercê das concepções ideahstas. Metafísica: método do pensamento contrá­ rio à dialéctica. É precisamente neste sentido que a filosofia marxista emprega o termo 206

“metafísica”. A metafísica representa uma visão do mundo simplifícada e limitada: ou nega a mu­ dança, o desenvolvimento, ou reduz este a uma simples diminuição (aumento) quantitativa, igno­ rando a mudança qualitativa das coisas. O materialismo pré-marxista defendia, no essencial, posições metafísicas. A fusão do ma­ terialismo e da dialéctica e a criação do materia­ lismo dialéctico são elementos fundamentais da viragem revolucionária que o marxismo reali­ zou em fílosofía. Recorde-se que os machistas empregavam o termo “metafísica” em sentido deturpado, en­ tendendo por esta o reconhecimento da realida­ de do mundo objectivo que existe fora de nós e acusando, por esta razão, os materialistas de metafísicos. Monismo (gr. monos, um, único): sistema fi­ losófico, segundo o qual tudo o que existe tem uma só causa e é único na sua essência. Confor­ me a solução que preconiza para a questão fun­ damental da fílosofía, o monismo distingue-se em idealista e materialista. O monismo ideahsta toma como base o princípio espiritual. O monis­ mo materialista vê a unidade do mundo na sua materialidade. Positivismo: vede presente brochura, p. 30. Pragmatismo: corrente do ideahsmo sub­ jectivo moderno que surgiu nos Estados Unidos nos anos 70 do século XIX. Vem da palavra grega pragma, acto, acção. As ideias fun­ damentais do pragmatismo estão próximas do empiriocriticismo. Do ponto de vista do 2(j'

pragmatismo, os objectos do conhecimento não existem fora da experiência humana. Para o pragmatismo, verdade é qualquer ideia que as­ segure o êxito duma obra, quer dizer, qualquer proposição que seja útil. À luz dos principios do pragmatismo, é possivel justificar qualquer politica reaccionária, desde que esta garanta o “êxi­ to”. Tudo isto indica o carácter anticientifico do pragmatismo, as suas características extrema­ mente individuaUstas e voluntaristas. Questão fundamental da filosofia, problema da correlação entre a consciência, o espirito, por um lado, e o ser material, por outro. Esta ques­ tão tem dois aspectos: 1) o que é vem primei­ ro — o espirito ou a natureza, a matéria ou a consciência?; 2) corresponde a consciência ao ser, é a consciência capaz de reflectir cor­ rectamente o mundo? Conforme as respostas que são dadas a estas questões, assim encontra­ mos a base de cada doutrina filosófica. O mate­ riahsmo e o ideahsmo são radicalmente diferen­ tes, porque abordam e resolvem a questão filo­ sófica fundamental de maneiras distintas. A vi­ são materialista da questão fundamental parte da originariedade do ser e da sua cognoscibihdade; a solução ideahsta sugere a primazia a ori­ ginariedade do espirito. A maior parte das cor­ rentes ideahstas identifica-se com as posições do agnostícismo e defende a incognoscíbilidade do mundo. Sensualismo (lat. sensus, sensação): corrente gnosiológica (teoria do conhecimento) que atri­ bui às sensações o papel de fonte única dos nos­ sos conhecimentos. O sensuahsmo é compatível 208

tanto com a visão materialista da realidade (se as sensações são consideradas como resultado da acção dos objectos materiais sobre os nossos órgãos dos sentidos e como reflexo destes objec­ tos), como com o idealismo subjectivo (se as sensações são tomadas por si próprias, ignoran­ do a sua fonte objectiva, se são consideradas co­ mo a única realidade). O materialismo dialéctico não exagera a im­ portância do conhecimento sensorial, subli­ nhando que as sensações constituem um ele­ mento indispensável do conhecimento humano desde que se considerem no quadro da sua uni­ dade orgânica com os demais aspectos do pro­ cesso de conhecimento: a prática e o pensamen­ to abstracto. Ser: conceito que na filosofia materiahsta designa todo o mundo que nos rodeia, o que existe objectivamente e independentemente da consciência dos homens. Solipsismo (lat. solus, só, e ipse, o próprio): teoria idealista subjectiva, segundo a qual só existem um individuo concreto e a sua con­ sciência; o mundo objectivo, incluindo os outros homens, somente existe na consciência desse in­ dividuo. Em princípio, todo ideahsmo subjecti­ vo, ao reconhecer as nossas sensações como a única realidade, leva inevitavelmente ao solipsismo. Substância (lat. substantia, essência): termo filosófico que, na filosofia pré-marxista, servia para designar a prima causa de tudo o que exis­ te, o principio que determina o aparecimento e 209

o desaparecimento das coisas e dos fenómenos concretos, independente de tudo e sendo causa de si próprio. Os idealistas sustentam que esta substância é o espírito, Deus, a Ideia, a razão universal. Os materialistas anteriores a Marx entendiam por substância um princípio material e invariável da realidade (por exemplo, em Demócrito, os áto­ mos). O materialismo dialéctico afírma que a substância não é algo homogéneo, uniforme e unvariável; é um conceito que significa a maté­ ria considerada á luz da unidade de todas as suas formas de movimento e existência. Teologia (gr. theos. Deus, e logos, ciência, noção): conjunto dos dogmas rehgiosos sobre a essência de Deus. O postulado basilar da teo­ logia é a concepção da existência de Deus pes­ soal que criou o mundo e o dirige. Esta ciência não se apoia na razão, mas na fé cega, o seu tra­ ço característico é o dogmatismo, o seu argu­ mento fundamental é o apelo ã autoridade, aos textos sagrados. ''Teoria dos símbolos” (hieróglifos): concep­ ção gnosiológica que afirma que as sensações do homem não são imagem dos objectos e fenóme­ nos, mas apenas simbolos, sinais, hieróghfos que não têm nada a ver com as coisas e suas pro­ priedades. Esta teoria foi formulada pelo natu­ rahsta alemão H. Helmholtz que tendia mais para o agnosticismo kantiano. Vede também es­ ta brochura, págs. 66-67. Transcendente: na fílosofía ideahsta, termo para designar tudo o que se encontra fora dos

limites da consciênsia e do conhecimento, o que é incognoscivel. Transcensus: vede as págs. 57-58. desta bro­ chura. Verdade: reflexo acertado, correcto dum objecto da reahdade no pensamento, cujo único critério é a prática, a actividade material do ho­ mem dirigida para a transformação dos fenó­ menos da natureza e sociais. No Materialismo e Empiriocriticismo e em Os Cadernos Filosóficos, V. I. Lénine esclarece o carácter dialéctico dos diversos aspectos da verdade: a unidade das verdades relativa e abso­ luta concebidas como niveis do conhecimento da verdade objectiva. Em Os Cadernos Filosó­ ficos, V. L Lénine define claramente o caminho que conduz á verdade: “Da contemplação viva para o pensamento abstracto e deste último para a prática: esta é a via dialéctica do conhecimento da verdade, do conhecimento da reahdade objectiva” (V. L Lénine. Obras Completas, t. 29, pp. 152-153). Sobre as verdades relativa, objectiva e abso­ luta, vede páginas 68-79. desta obra. Voluntarismo (lat. voluntas, vontade): cor­ rente filosófica idealista que preconiza a vonta­ de como originária em relação a tudo o que exis­ te, que opõe o principio vohtivo às leis objecti­ vas da natureza e da sociedade.

ín d ic e

1. Condições históricas em que foi criada a obra de V. l. L én in e................................................................ 5 II. Crítica de V. I. Lénine ao idealismo subjectivo 16 L Precursores ideológicos do machismo . . . 19 2. A critica leninista das teses principais da filosofia de Mach e de A venarius..................................... 29 III. O desenvolvimento por V. I. Lénine da teoria marxista do conhecim ento...................................... 49 1. Sobre a “coisa em si” . Três importantes conclu­ sões gnosiológicas................................................ 52 2. A sensação como reflexo da realidade, como “uma imagem subjectiva do mundo objectivo” 58 3. A questão da verdade. Sobre a verdade objectiva, absoluta e relativ a................................................ 68 4. O critério da prática na teoria do conhecimento 79 IV. V. I. Lénine sobre as categorias de matéria, espa­ 90 ço e tempo, causalidade e necessidade..................... 1. Que é a matéria? Que é a experiência? . . . 2. O espaço e o t e m p o ........................................... 106 3. Sobre a causalidade e a necessidade na natureza 111 V. A análise leninista da revolução moderna nas ciên­ cias da natureza e da crise da fís ic a ..................... 121 1. A crise na física no fim do século XIX e início do X X .......................................................................... 124 2. Raízes gnosiológicas e sociais do idealismo “físi­ co” .......................................................................... 134 212

VI. Questões do materialismo histórico . . . . 152 1. A crítica leninista da sociologia do empiriocriticis­ mo .......................................................................... ......... 152 2. Sobre a liberdade e a necessidade.............................. 166 3. “Os partidos em filosofia...” .......................... ......... 172 VII. A crítica ao machismo como variante de fideísmo refinado.......................................................................... ......... 181 Em jeito de conclusão. Desde que pontos de vista um marxista deve abordar o empiriocriticismo? . . 194 Ao le i t o r ...............................................................................197 Glossário term inológico.......................................... ..........199

AO LEITOR Os Editores ficar-llie-ão muito agradecidos se nos der a conliecer a sua opinião acerca da tradução do presente livro, assim como acerca da sua apresentação e impressão. Agradecer-Ihe-emos também qualquer outra sugestão. O nosso endereço é: Edições Progresso, Zúbovski bulvar, 17, Mos­ covo, 119021, URSS

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