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Letras Vernáculas

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS

Universidade Estadual de Santa Cruz

Reitor Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos Vice-reitora Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro Pró-reitora de Graduação Profª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa Diretora do Departamento de Letras e Artes Profª. Vânia Lúcia Menezes Torga

Ministério da Educação

Ficha Catalográfica

I61

Introdução aos estudos linguísticos: Letras Vernáculas/ EAD, módulo 1, volume 3 / Elaboração de conteúdo: Tiane Cléa Santos Oliveira. – [Ilhéus, BA] : UAB/ UESC, [2010]. 173 p. : il. Inclui bibliografias. ISBN: 978-85-7455-182-1

1. Linguística – Estudo e ensino. I. Oliveira, Tiane Cléa Santos. II. Título: Letras Vernáculas: módulo 1, volume 3.

CDD 410

Coordenação Adjunta UAB – UESC Profª. Msc. Flaviana dos Santos Silva

Coordenação do Curso de Licenciatura em Letras Vernáculas (EAD) Prof. Dr. Rodrigo Aragão

Elaboração de Conteúdo Profª. Msc. Tiane Cléa Santos Oliveira

Instrucional Design Profª. Msc. Marileide dos Santos de Olivera Profª. Drª. Gessilene Silveira Kanthack

Revisão Profª. Msc. Aline de Santos Brito Nascimento

Coordenação de Design Profª. Msc. Julianna Torezani

Diagramação Jamile A. de Mattos Chagouri Ocké João Luiz Cardeal Craveiro

Ilustração e Capa Sheylla Tomás Silva

EAD - UESC

Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado

LETRAS VERNÁCULAS

Coordenação UAB – UESC

Sumário

AULA I O que é linguística?................................................................................................13 1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................15 2. LINGUÍSTICA: O QUE É?.......................................................................................16 3. HISTÓRIA DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM..............................................................16 3.1 A linguística histórico-comparativa................................................................17 4. A LINGUÍSTICA DO SÉCULO XX.............................................................................18 RESUMINDO.......................................................................................................23 REFERÊNCIAS.....................................................................................................24

AULA II Teóricas da linguística no século xx e divisões........................................................ 27 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 29 2. CORRENTES TEÓRICAS DA LINGUÍSTICA NO SÉCULO XX...........................................30 2.1 Formalismo ................................................................................................30 2.2 Funcionalismo/estruturalismo........................................................................31 2.3 Gerativismo ...............................................................................................33 3. DIVISÕES DA LINGUÍSTICA...................................................................................34 RESUMINDO........................................................................................................37 REFERÊNCIAS......................................................................................................38

AULA III O signo na perspectiva saussuriana........................................................................ 41 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 43 2. PRINCIPAIS REPRESENTANTES DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA...................................... 44 3. O SIGNO SAUSSURIANO....................................................................................... 45 3.1 Arbitrariedade do signo................................................................................. 47 3.2 A linearidade do signo.................................................................................. 48 4. SIGNO LINGUÍSTICO E EXTRA-LINGUÍSTICO............................................................ 49 RESUMINDO........................................................................................................ 53 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 54

AULA IV O signo na visão peirceana e bakhtiniana...............................................................57 1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................59 2. ORIGEM DO TERMO SEMIÓTICA............................................................................60 3. A CONCEPÇÃO PEIRCEANA DE SIGNO ...................................................................61 3.1. A classificação dos signos conforme Peirce....................................................64 4. A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DE SIGNO.................................................................66 4.1 A palavra: signo ideológico...........................................................................67 RESUMINDO.......................................................................................................73 REFERÊNCIAS.....................................................................................................74

AULA V Dicotomias saussurianas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma.............................................................................................................. 77 1. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 79 2. DICOTOMIAS SAUSSURIANAS............................................................................... 80 2.1 Língua X Fala............................................................................................. 80 2.1.1 Redefinição da dicotomia Língua X Fala....................................................... 81 2.2 Sincronia X Diacronia.................................................................................. 81 2.3 Sintagma X Paradigma................................................................................ 83 RESUMINDO....................................................................................................... 88 REFERÊNCIAS..................................................................................................... 89

AULA VI Linguagem humana e comunicação animal............................................................ 91 1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................93 2. LINGUAGEM HUMANA E COMUNICAÇÃO ANIMAL: DEFINIÇÃO LINGUÍSTICA................94 3. A LINGUAGEM E SUA ESTRUTURA SIMBÓLICA.........................................................96 3.1 Linguagem e recursividade...........................................................................97 4. POR QUE O PAPAGAIO FALA?.............................................................................. 100 RESUMINDO..................................................................................................... 102 REFERÊNCIAS................................................................................................... 103

AULA VII A dupla articulação da linguagem......................................................................... 105 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 107 2. A DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM................................................................ 108 3. A ARTICULAÇÃO ANIMAL X ARTICULAÇÃO HUMANA: CARACTERÍSTICAS.................... 110 RESUMINDO...................................................................................................... 114 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 115

AULA VIII Elementos da comunicação e funções da linguagem............................................. 119 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 121 2. ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO........................................................................... 123 3. FUNÇÕES DA LINGUAGEM................................................................................... 125 RESUMINDO...................................................................................................... 135 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 136

AULA IX Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna................. 139 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................141 2. O SURGIMENTO DA VISÃO PRESCRITIVA...............................................................142 3. VISÃO DESCRITIVO-PRODUTIVA DA LÍNGUA..........................................................144 3.1 Noção do termo norma...............................................................................146 RESUMINDO......................................................................................................151 REFERÊNCIAS....................................................................................................152

AULA X A linguística, a gramática e o ensino de língua materna...................................... 155 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................157 2. O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E SUAS ACEPÇÕES..............................................158 2.1 Tal gramática, qual língua?.........................................................................158 2.2 Gramáticos e concepção de língua...............................................................163 2.3 Linguística e a concepção de língua: Saussure e Chomsky..............................166 2.4 Descrição X prescrição no ensino de Língua Materna......................................167 RESUMINDO.....................................................................................................170 REFERÊNCIAS...................................................................................................171

DISCIPLINA

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS

Ementa

Tiane Cléa Santos Oliveira

Introdução à Linguística. Teorias linguísticas e contribuições para o ensino de língua. Linguística e gramáticas.

aula

1

Objetivos

Meta

O QUE É LINGUÍSTICA?

Apresentar o percurso histórico dos estudos da linguagem, bem como os conceitos, objeto e objetivos da ciência linguística.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: zz compreender o percurso histórico dos estudos da linguagem; zz conceituar a linguística; zz identificar o objeto e os objetivos da ciência da linguagem.

1 Aula

AULA I O QUE É LINGUÍSTICA?

1 INTRODUÇÃO Você verá, nesta aula, que a Linguística é a ciência que estuda a linguagem humana e que, como toda ciência, ela se baseia em observações conduzidas através de métodos, com fundamentação em uma teoria. Assim, compreenderá que a função de um linguista é estudar toda e qualquer manifestação linguística como um fato merecedor de descrição e explicação dentro de um quadro científico adequado.

UESC

Letras Vernáculas

15

Introdução aos estudos linguísticos

O que é linguística?

2 LINGUÍSTICA: O QUE É? Você, que começa a leitura desta aula, já pode ter ouvido falar em linguística, mas saberia responder com segurança a que se refere? Linguagem, de acordo com o Dicionário Caldas Aulete, é qualquer conjunto de símbolos usados para codificar ou decodificar dados. É qualquer sistema de sinais ou signos, através dos quais dois ou mais seres se comunicam entre si para transmitir e receber informações, avisos, expressões de emoção ou sentimento. Língua é o sistema de comunicação e expressão de um povo, nação, país etc., que permite a expressão e comunicação de pensamentos, desejos, emoções (Dicionário Caldas Aulete).

Muitas pessoas fazem confusão entre linguagem, língua e Linguística. Tomam um termo por outro, consideram que o estudo de Linguística é a proficiência em línguas estrangeiras, ou nos vários tipos de linguagens existentes. A Linguística é, por definição, a ciência que estuda a linguagem humana, do ponto de vista oral e escrito. Como ocorre em qualquer ciência, ela se baseia em observações rigorosamente conduzidas por métodos ancorados em uma teoria. De acordo com a tradição, a Linguística tem sido classificada das seguintes formas: diacrônica, sincrônica, aplicada e geral. Naturalmente, o método e a teoria variam a depender do objeto (fenômeno linguístico) pesquisado. Para entender melhor essa ciência, vamos ver um pouco da sua história!

3 HISTÓRIA DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM Desde a Antiguidade Clássica, há registros de uma polêmica em torno do caráter natural (por natureza) ou arbitrário (por convenção) da linguagem. U V

SAIBA MAIS

a FR K C AM

Se pretendermos, por exemplo, investigar as mudanças ocorridas na frase “vamos em boa hora”, nos últimos três séculos, no português do Brasil, estaremos fazendo um estudo diacrônico. Este ramo da linguística é também chamado de linguística histórica ou diacrônica. Se quisermos observar o uso atual dessa locução, na oralidade, encontraremos a mesma transformada em uma palavra como: “simbora”, “rumbora”, “borimbora”, “imbora” e, em Minas Gerais (Belo Horizonte), simplesmente “bó!”. A esse tipo de estudo, que descreve as formas coocorrentes num dado momento da língua, dá-se o nome de linguística descritiva ou sincrônica. Quando a Linguística orienta o ensino de línguas, questões de tradução ou distúrbios da linguagem, estamos diante da linguística aplicada; quando ela fornece modelos teóricos que irão fundamentar, de maneira geral, a análise das línguas, nos defrontamos com a linguística geral.

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De um lado, Platão (séc. V a.C.), filósofo grego, através de sua obra célebre, Crátilo, discute se haveria relação entre significante (o código linguístico) e significado (o sentido, a ideia) como defendiam os anomalistas. Para estes, a linguagem era irregular por refletir a própria irregularidade da natureza (o nome dos objetos se assemelhava aos próprios objetos, como representam, por exemplo, as onomatopeias). Do outro lado, está Aristóteles, filósofo e representante mais conhecido dos analogistas, que defendiam a arbitrariedade, ou seja, a irregularidade da linguagem acontecia devido à convenção

Módulo 1

I

Volume 3

EAD

1

social; para esses, até mesmo as onomatopeias podem variar Os

reflexos

postulados

Aula

de acordo com o sistema fonológico (de sons) de cada língua. desses

impulsionaram,

posteriormente, os gramáticos romanos a transmitir e propagar a gramática no Ocidente. Ao final da Idade Média, alguns representantes

da

cultura

do

“certo” e “errado”, a exemplo de João de Barros, em 1540, seguindo a tradição e moldes gregos,

e

gramáticos

latinos

como Varrão, Prisciano e Donato, dentre outros, aplicam ao latim

Figura 1 - O Parthenon, um dos símbolos da Grécia antiga, para nos introduzir numa história, que não é recente, sobre os estudos da linguagem. Fonte: http://www.sxc.hu/photo/940822 (stock photo by jfonono).

as classes gramaticais já estabelecidas pelos gregos na antiguidade clássica. Durante a Idade Média, o que se tem, em termos de reflexões linguísticas, são meras descrições da língua escrita - a língua falada pela elite intelectual, a norma culta.

3.1 A Linguística histórico-comparativa A partir do século XVIII, porém, surgem correntes que começam a delinear o perfil dos estudos da linguagem, distanciando-se do normativismo que grassou até o início do século anterior. Os novos estudos ocupam-se da análise histórica da língua – surgimento da linguística histórica - e abrem as portas para a consolidação da linguística comparativa no século XIX. Neste século, é grande a ênfase na genealogia das línguas, que são estudadas e comparadas com outras línguas da mesma família, marcando o surgimento da

Filologia

“Gramática

UESC

comparativa comparada”.

ou Em

Figura 2 - A Linguística estuda, também, a estrutura das mais variadas línguas e o possível grau de parentesco entre elas. Fonte: www.sxc.hu/photo/885250 (stock photo by Fastfood).

Letras Vernáculas

17

Introdução aos estudos linguísticos

O que é linguística?

1816, Franz Bopp, linguista alemão e professor de filologia e Sânscrito na Universidade de Berlim, em seu estudo intitulado Sistema de conjugação do Sânscrito, expõe as relações de parentesco entre o sânscrito, o latim, o germânico grego e Sânscrito [F.: do sânsc. samskrta ‘aperfeiçoado’] representa um grupo de línguas indo-europeias da Índia, em uso desde 1200 a.C., especialmente na religião e na literatura clássica hindu (Dicionário Aulete Digital).

outras línguas. Bopp, no entanto, não foi o pioneiro nessa empreitada, uma vez que no século XVIII o inglês Sir W. Jones já havia estudado sobre o assunto, só que os comentários esparsos não comprovam que, neste período (séc. XVIII), tivesse sido entendida a importância da descoberta do Sânscrito. É por este motivo que Bopp, visto como aquele que compreendeu a importância dessas relações de parentesco, forneceu material para a constituição de uma ciência autônoma, futuramente, a Linguística. É também no século XIX que o estudo dos sons da fala, a fonética, desperta o interesse dos cientistas da linguagem. Mas a este respeito conversaremos na próxima aula!

U V

Ferdinand

4 A LINGUÍSTICA DO SÉCULO XX

Saussure,

SAIBA MAIS

a F R linguista suíço, estudou K C AM química, física e fez

cursos de gramática grega e latina antes de se convencer de que suas inclinações estavam voltadas para os estudos linguísticos. Aos vinte e um anos, publicou sua dissertação sobre o primitivo sistema das vogais indoFigura 3 - Ferdinand Saussure, europeias. Trabalhou em considerado o pai da Linguística Berlim e Paris e, no seu moderna. retorno a Genebra, foi Fonte: http://commons.wikimedia. convidado, em 1906, org/wiki/File:Ferdinand_de_ a lecionar Linguística Saussure_etwas_besser.jpg Geral. É autor do célebre Curso de Lingüística Geral (Cours de Linguistique Générale), obra póstuma, compilada e publicada por dois dos seus discípulos - Charles Bally (1865-1947) e Alberto Sechehaye (1870-1946) - em 1916, onde apresenta os pressupostos teórico-metodológicos do estruturalismo, escola que acaba influenciando outras ciências sociais. [...] Graças aos seus estudos e ao trabalho de Leonard Bloomfield, a Linguística adquire autonomia e seu objeto e método próprios passam a ser delineados. Saussure morreu prematuramente em 1913. Fonte: http://www.webartigos.com/articles/12458/1/saussuree-seu-curso-de-linguistica-geral/pagina1.html.

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Módulo 1

I

O

século

XX

passou

por

algumas inovações metodológicas na Linguística e dentre os nomes mais importantes e mais citados está o de Ferdinand Saussure. A partir dele predomina a concepção de língua como um sistema, no qual os elementos só se definem pelas

relações

de

equivalência

ou oposição que mantêm com os outros

elementos.

Ele

compara

a língua a um jogo de xadrez, no qual cada peça tem a sua função dentro do jogo. Ao opor as ideias de língua e fala (o uso da língua visto como interação de um sistema gramatical e fatores determinados por situações diversas), Saussure afirma que a

Volume 3

EAD

ele, a língua, como sistema posto à disposição da comunidade, é exterior aos indivíduos, não

de Os anagramas de Saussure, o mestre genebrino perscrutou um corpus (amostra) de poemas clássicos para tentar provar a existência de um mecanismo de composição

podendo, por este motivo, ser modificada. O

poética baseado na análise fônica das

problema dessa concepção reside na pretensa

anagrama e pelo hipograma. O hipograma

palavras; mecanismo este formado pelo

imutabilidade da língua. Ora, se o falante, para

(palavra-tema) é o nome de um deus ou de

exprimir seu pensamento pessoal, apenas

O anagrama, por sua vez, é o processo

escolhesse os vocábulos para se comunicar e não agisse sobre eles, nós ainda estaríamos falando a língua de Camões! Percebe? Um dos conceitos de Saussure mais

1

Num outro estudo, comumente chamado

Aula

um e ao mesmo tempo é comum a todos. Para

VOCÊ SABIA?

língua só existe socialmente, pertence a cada

um herói diluído foneticamente no poema. que propicia a diluição do hipograma nos versos. Fonte: http://www.webartigos.com articles/12458/ 1/saussure-e-seu-cursode-linguistica-geral/pagina1.html.

conhecidos e discutidos é o de signo linguístico: O signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la ‘material’, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato. O caráter psíquico de nossas imagens acústicas aparece claramente quando observamos nossa própria linguagem. Sem movermos os lábios nem a língua, podemos falar conosco ou recitar mentalmente um poema (1993, p. 79).

Desta forma, o signo linguístico saussuriano apresenta-

se como uma entidade psíquica, indivisível, de duas faces, que são designadas pelos termos significado (conceito) e significante (imagem acústica), representados no próprio Curso de Lingüística Geral da seguinte forma:

SIGNIFICADO

SIGNIFICANTE



Você se lembra de que, no início desta aula, falamos um

pouco sobre o caráter natural ou convencional da linguagem?

UESC

Letras Vernáculas

19

Introdução aos estudos linguísticos

O que é linguística?

Pois esta questão é retomada por Saussure quando ele institui o princípio da arbitrariedade do signo. Assim como Aristóteles, ele defende a ideia de que não há relação interna entre a ideia de “mar” e a sequência de sons m-a-r que lhe serve de significante, por exemplo, em português. Essa palavra só ocorre em nossa língua porque foi convencionada por uma sociedade, mas poderia ser qualquer outra (veremos estas e outras questões sobre o signo nas próximas aulas). Saussure privilegia os estudos da linguagem em seu aspecto funcional (o funcionamento), sendo suas contribuições posteriormente revisitadas por André Martinet, professor de Linguística Francesa e grande nome do funcionalismo linguístico - corrente de pensamento que analisa a língua, em particular a gramática, de acordo com sua função dentro da situação comunicativa. Além dele, outros estudiosos basearam-se no pensamento saussuriano para desenvolver suas discussões, a exemplo de importantes membros do Círculo Linguístico de Praga, como Jakobson – e suas importantes contribuições a respeito das funções da linguagem - e Trubetzkoy –, cuja principal contribuição foi no campo da fonologia (você conhecerá um pouco mais sobre esses autores em aulas seguintes). O Círculo de Praga foi fundado em outubro de 1926 com o objetivo de estudar elementos estruturais em todos os campos da presença do signo e do discurso, particularmente nas artes. Apoiou-se na ideologia estruturalista iniciada por Saussure e a proximidade das U V

abordagens

Noam Avram Chomsky nasceu na

SAIBA MAIS

a F R Philadelphia, em 07 de dezembro K C AM de 1928. Na Universidade da

ser

20

evidenciada

pelo

fato de que Saussure

Pennsylvania, estudou linguística, matemática e filosofia, tornando-se Ph.D. em 1955. Entretanto, a maioria das suas pesquisas que o levou a este grau foi feita na Universidade de Harvard entre 1951 e 1955. Após receber a sua graduação, Chomsky passou a lecionar no Massachusetts Institute of Technology. Entre suas muitas realizações, o mais famoso foi o seu trabalho com a gramática gerativa, que se tornou de interesse na lógica moderna e em fundações matemáticas. Fonte: http://www.e-biografias.net/ biografias/noam_chomsky.php

pode

não fez uso do termo “estrutura”

em

sua

obra, mas utilizou a palavra “sistema” para designar

aquilo

que,

mais tarde, em 1929, por meio dos textos publicados pelo Círculo Figura 4 - Noam Chomsky. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Noam_Chomsky.

Módulo 1

de

Praga,

passou

a

ser considerado como estruturalismo.

I

Volume 3

EAD

A partir dos anos 60, nos Estados Unidos, o linguista

1



Aula

Noam Chomsky procurou elaborar uma teoria formal da linguagem, denominada linguística gerativo-transformacional ou gramática gerativa, capaz de descrever e explicar a capacidade linguística dos falantes, instituindo, assim, a famosa dicotomia competência X desempenho. Na sua concepção, a competência, inerente aos humanos, é definida como a habilidade inata para produzir um número infinito de enunciados a partir de um número finito de regras da língua. O desempenho, por sua vez, dependerá do ambiente sociocultural a que o indivíduo for exposto. Em todas as suas abordagens, sejam elas as precursoras ou as atuais, o linguista defende a visão de que o pensamento humano é representado por uma organização interna e universal. A sua preocupação é, portanto, explicar essa organização a fim de compreender a faculdade da linguagem, parte essencial da capacidade mental humana. É considerado um dos linguistas mais notáveis do século XX, e que continua, neste século XXI, a desenvolver a sua teoria. Vamos agora praticar um pouco? Todos esses conceitos não farão sentido se não forem devidamente entendidos, porque, de fato, a Linguística só existe por causa da prática humana

da

linguagem.

Assim,

cotidianamente

somos

envolvidos pela linguagem, observando e,ou interagindo nas mais variadas situações, seja no trabalho, na escola, com os amigos, com a família ou mesmo com desconhecidos. É nestas e em outras circunstâncias que a Linguística atua em termos de investigação e descrição, seja na oralidade ou na escrita.

Vamos então fazer uso da faculdade exclusiva do homem

que é refletir criticamente? Vamos lá!

UESC

Letras Vernáculas

21

Introdução aos estudos linguísticos

O que é linguística?

ATIVIDADE 1. Com base nas informações desta aula, faça um esquema focalizando os principais acontecimentos que caracterizam o percurso histórico dos estudos da linguagem até o século XIX. 2. Pois é, o caminho percorrido ao longo dos séculos abriu espaço para que pesquisadores do século XX elaborassem importantes teorias que revolucionaram os estudos linguísticos. Tendo observado isto, conceitue linguística, definindo seu objeto de estudo e objetivos, com base nos principais teóricos apresentados nos textos acima, especialmente os do século XX, e suas relevantes contribuições. 3. Vamos sedimentar um pouco as concepções saussurianas? Então responda: a- Qual é a concepção de língua defendida por Saussure? b- Saussure diz que a língua é imutável, você concorda? Justifique sua resposta apresentando um exemplo. 4. Marque, nos parênteses, F (se a afirmação for falsa) ou V (se for verdadeira): ( ) Saussure e Chomsky trabalharam juntos, analisaram exaustivamente a língua e a definiram como um sistema imutável. ( ) Apesar de nunca ter usado o termo “estrutura”, Saussure é considerado um dos precursores do movimento estruturalista da linguagem. ( ) Chomsky era cognitivista e Saussure estruturalista, por suas convicções teóricas. ( ) Macaxeira, aipim, mandioca são diferentes significantes que possuem o mesmo significado. 4.1 Agora, reescreva o(s) enunciado(s) que considerou falsos, consertando os erros.

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Módulo 1

I

Volume 3

EAD

Aula

1

RESUMINDO Nesta aula, você viu que: • Os estudos da linguagem - no ramo filosófico - mais antigos de que se tem notícia são os dos gregos, particularmente os de Platão e Aristóteles. • No século XIX aparecem muitas novidades nos estudos linguísticos,

dentre

elas:

o

surgimento

da

linguística

comparativa e a consolidação da linguística histórica. • Ferdinand Saussure é considerado o “pai” da Linguística moderna e apresentou conceitos importantes, dentre eles o do signo linguístico. • Chomsky é considerado um dos mais notáveis linguistas do século XX e continua a desenvolver a sua teoria.

LEITURA RECOMENDADA Para complementar esta aula, recomendo a leitura do próprio SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. Trad. de Antônio Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1989 e do livro de ORLANDI, E. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense. 1992. Você também pode buscar mais informações que venham a “dar as mãos” a estas apresentadas nos seguintes sites de pesquisa: www.google. com.br, www.wikipedia.com.br, dentre outros.

Na próxima aula... Iremos aprofundar questões aqui tratadas, como, por exemplo, as ciências interdisciplinares que trabalham com pressupostos da linguística, como fonologia, sociolinguística, dentre outras. Até breve!

UESC

Letras Vernáculas

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Introdução aos estudos linguísticos

O que é linguística?

BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral I e II. Trad. de Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1989.

CAGLIARI, Luiz Carlos; CAGLIARI–MASSINI, Gladis. Diante das Letras: a escrita na alfabetização. Campinas: Mercado das Letras, 1999. CÂMARA, JR. História da Lingüística. Petrópolis: Vozes, 1979. CRYSTAL, D. O que é Lingüística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1981.

REFERÊNCIAS

CAGLIARI, L. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione, 1997.

DUBOIS, J. et al. Dicionário de Lingüística. Trad. de Izidoro Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1981. FIORIN, J.L. et al. Introdução à Lingüística I e II. São Paulo: Contexto, 2003. FROMKIN, V.; RODMAN, R. Introdução à linguagem. Trad. de Isabel Casanova. Coimbra: Almedina, 1993. ILARI, R. A Lingüística e o ensino da língua portuguesa. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. JAKOBSON, R. Lingüística e Comunicação. Trad. Izidoro Brikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1993. LOPES, E. Fundamentos da Lingüística contemporânea. São Paulo: Cultrix, 1988. LYONS, J. Linguagem e Lingüística: uma introdução. Trad. Marilda Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (orgs) Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras. v. 1 e 2. São Paulo: Cortez, 2001. ORLANDI, E. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense, 1992. ROBINS, R. H. Lingüística Geral. Trad. de Elisabeth Corbetta A. da Cunha et al. Porto Alegre: Globo, 1977. ROBINS, R. H. Pequena História da Lingüística. Trad. de Luiz Martins. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1993. SCLIAR-CABRAL, L. Introdução à Lingüística. Porto Alegre: Globo, 1974. SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. Trad. de Antônio Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1993. http://www.lendo.org/o-que-e-linguistica/ Acessado em 26 fev. 2009. http://www.dicionarioauletedigital.com/ Acessado em 25 mar. 2009.

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EAD

Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________

aula

2

Meta

Conhecer as divisões da Linguística e as linhas teóricas

Objetivos

CORRENTES TEÓRICAS DA LINGUÍSTICA NO SÉCULO XX E DIVISÕES

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

predominantes do século XX, de modo a instrumentalizarse para apreciar estas teorias aplicadas ao ensino de língua materna.

• identificar modelos teóricos - e seus principais representantes - que conduzem os estudos da linguagem no século XX; • conhecer as divisões da Linguística no século XX.

2 Aula

AULA II CORRENTES TEÓRICAS DA LINGUÍSTICA NO SÉCULO XX E DIVISÕES

1 INTRODUÇÃO Após termos visto um pouco do percurso histórico dos estudos da linguagem, retomaremos,

aqui,

alguns

teóricos para aprofundamento e sedimentação dos assuntos. Falaremos, grandes

primeiro,

correntes

das

teóricas

que atravessaram o século XX; em seguida, veremos como a linguística ficou configurada em termos de ramificações. Está preparado? Vamos lá?!

UESC

Figura 1 - Estátua “O Pensador”, de Auguste Rodin (Kadellar) Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:El_ pensador-Rodin-Caixaforum-2.jpg.

Letras Vernáculas

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Introdução aos estudos linguísticos

O que é linguística?

2 CORRENTES SÉCULO XX

TEÓRICAS

DA

LINGUÍSTICA

NO

Os estudos sobre a linguagem tomaram vários rumos no século XX e nem sempre a definição de escolas ou correntes teóricas se apresenta como consenso entre os linguistas. Destacaremos aqui a classificação mais frequente. Vamos a elas!

PARA CONHECER

2.1 Formalismo

Figura 2 - Nicolai Trubetskoy, linguista russo, notável linguista do século XX. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trubetskoy.

Nascido em Moscou a 11 de outubro de 1896, filho de engenheiro químico e proeminente industrial, Roman Osipovic Jakobson cresceu e conviveu com a intelectualidade russa anterior à Revolução. Desde cedo, revelou interesse pelos estudos comparativos. Em 1914, inscreveu-se no Departamento de Eslavística da Universidade de Moscou onde linguística era disciplina básica. Empenhou-se nos estudos interdisciplinares e na vinculação entre linguística e poética, sendo considerado por Haroldo de Campos como “o poeta da linguística”.

PARA CONHECER

Fonte: www.pucsp.br/pos/cos/ cultura/biojakob.htm.

Muitos defendem que

estudiosos

a

ideia

o

tenha

de

Formalismo

influenciado

Estruturalismo

o

e

as

correntes advindas deste no século XX: a Escola de

Praga,

considerada

por muitos como matriz da Linguística Funcional, tendo à frente as parcerias entre Roman Jakobson e Nikolai Trubetskoi; e a

Trubetzkoy nasceu em um meio extremamente refinado. Seu pai era um filósofo de primeira classe, cuja linhagem ascendia aos governantes medievais da Lituânia. Graduouse pela Universidade de Moscou em 1913, onde lecionou até a revolução. Depois disso, foi para a Universidade de Rostov-na-Donu, em seguida para a Universidade de Sofia (1920-1922). Por fim, assumiu a cátedra de Filologia Eslava na Universidade de Viena (1922-1938). Morreu de um ataque do coração, atribuído à perseguição nazista que sofreu após a publicação de um artigo Figura 3 - Roman Jakobson, um dos fundadores do Círculo Linguístico de Praga. de sua autoria, no qual criticava Fonte: http://www.kalipedia.com/fotos/roman duramente as teorias de Hitler. -jakobson.html?x= 20070417klplyllec_4.Ies. Sua principal obra, Grundzüge der Phonologie (Princípios de Fonologia), foi publicada após sua morte. Nesse livro ele apresenta sua famosa definição de fonema como a menor unidade distintiva na estrutura de uma língua. Esse trabalho foi crucial para que a fonologia e a fonética passassem a ser vistas como duas ciências distintas.

Escola de Copenhagen, de

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trubetskoy.

principais grupos surgidos

30

Módulo 1

I

Volume 3

base formalista, com Louis Hjelmslev. Pelo formalismo

fato

de

o

não

ter

se

orientado por uma doutrina uniforme, surgiram, desde o

início,

concepções

diferentes

dentro

do

próprio

movimento,

que

origem

deram

às

discordâncias a respeito de boa parte dos preceitos teóricos e

sobre

linguagem.

língua Os

dois

EAD

na Europa foram: o Círculo Linguístico de Moscou, fundado em 1915, e o OPOJAZ (Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética), fundado em 1916, na cidade de São Petersburgo. Os linguistas do OPOJAZ e os do Círculo Linguístico de

2

Moscou ficaram conhecidos como mecanicistas e orgânicos,

Aula

respectivamente. O método mecanicista considerava que a literatura seria o resultado de dispositivos que o autor utiliza – manipula – para criar sua obra, considerada como uma entidade autônoma. Para os orgânicos, orientados pelos princípios da Biologia, o importante eram os estudos sobre as semelhanças entre as formas literárias, a recorrência de determinados traços linguísticos e a maneira como os mesmos se apresentam e definem os diferentes estilos literários. Entendeu a diferença? Enquanto uns valorizaram o mecanicismo, outros valorizaram a reincidência de formas que compunham os gêneros da literatura.

2.2 Funcionalismo/Estruturalismo As ideias dos formalistas se propagaram e de suas oposições desenvolveram-se os trabalhos do funcionalismo, que conserva semelhanças com a corrente estruturalista e mantém, portanto, vínculos com a Linguística de Saussure - e com outras correntes. Segundo Paveau e Sarfati (2006, p. 115), [...] não constituem corpos teóricos completos e autônomos, mas correntes imbricadas umas nas outras, ligadas por relações de filiação ou de oposição e por escolhas teóricas complexas. De fato, o funcionalismo tem seu lugar no conjunto do movimento estruturalista; é um estruturalismo específico que se pode chamar de estruturalismo funcional.

De acordo com esses autores, o funcionalismo seria mais que um conjunto de teorias, mas “um olhar sobre a linguagem e suas relações com o mundo” (Paveau; Sarfati, p.116). Os funcionalistas podem, então, ser considerados estruturalistas na medida em que seu objeto de estudo é de fato a língua como sistema. Há,

UESC

entretanto,

uma

oposição

importante

Letras Vernáculas

no

31

Introdução aos estudos linguísticos

O que é linguística?

posicionamento teórico do funcionalismo em relação ao estruturalismo: o formalismo, cujo enfoque privilegia o estudo do funcionamento interno do sistema linguístico, ou seja, a língua e suas características internas, em seu aspecto formal; enquanto o funcionalismo privilegia as transformações da linguagem em sociedade, o foco é o significado e o uso

PARA CONHECER

das formas linguísticas nas situações André Martinet, linguista francês, foi professor da Universidade de Nova York. Dirigiu a revista Word (Nova York) e La Linguistique (Paris). Entre suas atividades no campo da Lingüística, citamse muitas obras particularmente voltadas para estudos fonético-fonológicos. Ingressou como catedrático de Linguística Geral na Sorbonne, em 1965, ano em que fundou a revista La Linguistique. Entre nós, uma de suas obras mais conhecidas, traduzida para o português, é Elementos de linguística geral. Fonte: http://www.filologia.org. br/filologo/pub_filologo18.html.

comunicativas. Os funcionalistas que mais se destacam

são:

André

Martinet

e

Halliday. O primeiro reflete sobre a diversidade de línguas e as diferenças entre

elas.

O

segundo

incorpora

a

dimensão social à Linguística e afirma que a linguagem depende da cultura.

Aluno do linguista britânico J. R. Firth, Michael Halliday desenvolveu amplamente as ideias de Firth numa direção peculiar. Iniciou suas lucubrações teóricas na década de 1960 com uma nova abordagem da análise gramatical, denominada por ele Gramática de Escala e Categorias. Halliday chegou a construir um corpo de teoria articulado e audacioso que acabou se tornando conhecido como Linguística Sistêmica. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Michael_ halliday.

Halliday, dentre outros méritos, destacase também pela elaboração de uma Gramática

Funcional,

definida

por

Neves (1997, p. 20) como uma “teoria da organização gramatical das línguas naturais que procura se integrar em uma teoria global da interação social”. O texto, em detrimento da sentença ou

outras particularidades, é evidenciado como unidade de estudo. Como você já viu, os formalistas da Escola de Copenhagen divergiam teoricamente dos funcionalistas do Círculo de Praga no que concerne à concepção de língua. Para aqueles, a língua U V

SAIBA MAIS

a FR K C AM

Os estudos funcionalistas têm avançado bastante no Brasil, principalmente a partir dos anos 90. Dentre os vá-rios estudiosos dedicados a este paradigma, podemos citar: Ataliba T. de Castilho, Maria Angélica Furtado da Cunha, Maria Helena de Moura Neves, Rodolfo Ilari, Sebastião Votre, dentre outros.

é uma estrutura autônoma e deve ser interpretada como “uma unidade encerrada em si mesma” (CUNHA, 2003, p. 19). Para estes, a linguagem é veículo de interação social, e busca a motivação para os fatos da língua no contexto do discurso, ultrapassando a investigação apenas da estrutura gramatical. Assim, funcionalistas criticam formalistas pelo fato de estes estudarem a língua de maneira descontextualizada, sob a perspectiva da forma, desconsiderando os falantes-ouvintes e as condições de produção, elementos estes considerados primordiais

pelos

funcionalistas.

Para

estes,

interessa

compreender a função que a forma linguística desempenha na interação comunicativa. É importante citar que, apesar de focalizarem pontos

32

Módulo 1

I

Volume 3

EAD

diferentes da linguagem, essas correntes teóricas não se excluem, mas se auxiliam para uma melhor compreensão dos

2

fenômenos linguísticos.

Aula

2.3 Gerativismo Como você viu na aula anterior, Chomsky postula que todos os indivíduos têm condições de produzir, a partir de um número finito de regras, um número infinito de frases em sua língua, mesmo que nunca as tenha ouvido ou pronunciado. Essa capacidade é o que caracteriza a chamada competência linguística que, ao lado do desempenho (exercício efetivo da competência), forma uma das dicotomias mais conhecidas. Chomsky concentrou esforços em elaborar uma teoria que não se limitasse ao descritivismo intenso, presente em correntes anteriores (como, por exemplo, no estruturalismo); seu objetivo era explicar os motivos das transformações de uma determinada língua e, além disto, as suas possibilidades de sequências e combinações verbais. Na sua teoria, ele distingue três componentes que são fundamentais: o sintático (que tem a função de gerar), o fonológico (responsável pela imagem acústica elaborada pelo componente sintático) e o semântico (que tem a função de interpretar esta imagem). Para o linguista, a interação entre esses componentes se dá a partir da aplicação de regras que ocorrem em dois níveis distintos: a estrutura profunda (não visível, não pronunciada) e a superficial (visível, pronunciada). Conforme Mancilha, em seu texto eletrônico, [...] ideias e pensamentos complexos chegam à superfície como linguagem, depois que uma série de ‘transformações’ os convertem em frases bem formuladas. Estas transformações agem como um tipo de filtro para as nossas experiências profundas. O processo de transformação da estrutura profunda em estrutura superficial (linguagem) é chamado de ‘derivação’.

Chomsky foca suas observações na passagem de um nível para o outro e nas regras que regem essas transformações. Esses preceitos explicam o surgimento do termo gramática gerativo-transformacional e alicerçam boa parte dos estudos

UESC

Letras Vernáculas

33

Introdução aos estudos linguísticos

O que é linguística?

da linguagem depois de Chomsky, que abriu caminho para a aplicação da linguística em diversos campos das ciências humanas.

3 DIVISÕES DA LINGUÍSTICA De maneira geral, a Linguística divide-se em: • Fonética:

Ocupa-se

dos

sons

da

fala

e

seus

mecanismos de produção e audição. Este ramo analisa e descreve a fala das pessoas da maneira como ela acontece, sem a preocupação de interpretar estes sons. É graças à Fonética que podemos explicar, por exemplo, a pronúncia da palavra tia com os sons [t] e [tx], respectivamente, em Pernambuco e na Bahia. • Fonologia: Estuda os fonemas (sons) de uma língua, mas focalizando a sua função. Os sons que têm valor distintivo (que provocam mudanças no sentido) como em mar e mal são chamados de fonemas; mas quando não ocasionam mudança de significado, como em tia descrito acima, são chamados de variantes. • Morfologia: Estuda a estrutura, a formação, as flexões e a classificação das palavras. Estuda, portanto, o signo linguístico desde a sua expressão mais simples, os morfemas, à combinação entre estes morfemas formando unidades maiores, como a palavra e o sintagma. A palavra caderninhos, por exemplo, tem três morfemas: caderno + inho (diminutivo) + s (plural). • Sintaxe: Ocupa-se da combinação linear entre as palavras ou orações. É a sintaxe que determina o tipo de estrutura permitida numa língua. A frase: A vida é bela, por exemplo, ocorre numa combinação sintática permitida em português: artigo + substantivo + verbo + adjetivo. Mas É vida bela a não poderia ser construída, pois a estrutura da língua portuguesa não permite esta combinação: verbo + substantivo + adjetivo + artigo.

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Módulo 1

I

Volume 3

EAD

• Semântica: Estuda a natureza, função e usos dos significados. Vale salientar que este ramo não se ocupa dos significados dispostos em dicionários, mas

2

do modo como os significados ocorrem em contextos

Aula

diferentes. • Pragmática: Estuda a relação entre o discurso que envolve o indivíduo e a situação comunicativa em que ele é produzido. A Linguística moderna tem voltado o seu olhar cada vez mais para os usos da linguagem, e não somente para a descrição dos sistemas e suas estruturas.

• Psicolinguística: Estuda o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem e fornece um instrumental

teórico-metodológico

que

nos

ajuda

a compreender melhor como a criança adquire e desenvolve sua linguagem materna. Refere-se também à percepção da fala e dos distúrbios patológicos que podem incidir em consequências durante o processo de aquisição. Ocupa-se, por um lado, das relações entre linguagem e pensamento e, por outro, pelo comportamento humano envolvido no uso efetivo da linguagem. • Sociolinguística: Estuda os problemas da variação linguística e da norma culta. O principal objetivo desta disciplina é investigar o caráter social da linguagem e suas repercussões no comportamento dos indivíduos a partir das mais variadas situações sociais. Sua aplicabilidade é útil também em questões relativas à escola e é consenso entre os linguistas que esta instituição precisa de uma descrição do maior número possível de falares do Brasil, para que se possa traçar um perfil da realidade linguística “de uma classe, da qual fazem parte alunos procedentes de várias regiões do país” (CAGLIARI, 1999, p. 47). De acordo com os teóricos que atuam nesta área, o preconceito social manifesta-se através de fatos linguísticos, e é por isto

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Letras Vernáculas

35

Introdução aos estudos linguísticos

O que é linguística?

que ensinar Língua Portuguesa nas escolas ainda é considerado um meio de promoção social. •

Análise do Discurso: O discurso é estudado como prática social, e só pode ser analisado considerando seu

contexto

histórico-social,

suas

condições

de

produção. Nesta linha, o discurso reflete uma visão de mundo determinada, obrigatoriamente vinculada à(s) ideologias do(s) seu(s) autor(es) e à sociedade em que vive(m). Vale salientar que, através das marcas que aparecem na superfície do discurso, o investigador guiará a sua pesquisa científica de acordo com a teoria (dentro da AD) que norteará o seu trabalho. Agora que já completamos a nossa aula, vamos agora exercitar um pouco!

ATIVIDADE 1. Faça um resumo dos principais movimentos teóricos da Linguística no século XX: formalismo, estruturalismo/funcionalismo, gerativismo. 2. Pois é, o caminho percorrido ao longo do século XX abriu espaço para o surgimento de importantes disciplinas nas ciências humanas. Considerando isto, conceitue as ciências interdisciplinares, definindo seu objeto de estudo e objetivos. 3. Vamos sedimentar um pouco mais as definições? a. Qual é a diferença mais nítida entre o formalismo e o estruturalismo? b. Que contribuições relevantes o gerativismo promove?

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Módulo 1

I

Volume 3

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RESUMINDO

Você viu, nesta aula, que:

2



Aula

• Os estudos sobre a linguagem tomaram vários rumos no século XX. A classificação mais frequente, mas nem sempre consensual, é: formalismo, estruturalismo/ funcionalismo e gerativismo. • Pelo fato de o formalismo não ter se orientado por uma doutrina uniforme, surgiram concepções diferentes dentro do próprio movimento, que deram origem às discordâncias a respeito de boa parte dos preceitos teóricos sobre língua e linguagem. Os dois principais grupos surgidos na Europa foram: o Círculo Linguístico de Moscou, fundado em 1915, e o OPOJAZ (Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética), fundado em 1916, na cidade de São Petersburgo. • O funcionalismo tem seu lugar no conjunto do movimento estruturalista. É um estruturalismo específico que se pode chamar de estruturalismo funcional. Os funcionalistas podem, então, ser considerados estruturalistas na medida em que seu objeto de estudo é, de fato, a língua como sistema. • Com o Gerativismo, Chomsky deu ênfase à competência linguística do falante, à habilidade que o falante tem de gerar e compreender mensagens. Ele distingue três componentes que, segundo ele, são fundamentais: o sintático (que tem a função de gerar), o fonológico (que é a imagem acústica elaborada pelo componente sintático) e o semântico (que tem a função de interpretar esta imagem). Além disso, postula que as sentenças que pronunciamos na estrutura superficial são geradas a partir de uma outra estrutura: a profunda. • As ciências interdisciplinares da Linguística são: Fonética, Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semântica, Pragmática, Sociolinguística, Psicolinguística e Análise do Discurso.

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Letras Vernáculas

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Introdução aos estudos linguísticos

O que é linguística?

LEITURA RECOMENDADA Para complementar esta aula, recomendo a leitura das seguintes obras: PAVEAU, Marie-Anne; SARFATI, Georges-Elia. As grandes Teorias da Linguística: da Gramática Comparada à Pragmática. Trad. Ed. Claraluz. São Carlos: Clara Luz, 2006 e ROBINS, R. H. Pequena História da Linguística. Trad. de Luiz Martins. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1993.

Na próxima aula... Iremos aprofundar questões até aqui tratadas, como, por exemplo, o conceito de signo na abordagem de Saussure. Até breve!

BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral I e II. Trad. de Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1989.

CAGLIARI, L. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione, 1997. CAGLIARI, Luiz Carlos; CAGLIARI–MASSINI, Gladis. Diante das Letras: a escrita na alfabetização. Campinas: Mercado das Letras, 1999.

REFERÊNCIAS

CABRAL,L. G.; GORSKI, E. Lingüística e ensino: reflexões para a prática pedagógica da língua materna. Florianópolis: Insular, 1998.

CÂMARA, JR. História da Lingüística. Petrópolis: Vozes, 1979. COLLADO, J. A. Fundamentos de Lingüística Geral. Lisboa: Edições 70, 1980. CRYSTAL, D. O que é Lingüística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1981. CUNHA, Maria Angélica Furtado da; OLIVEIRA, Mariangela Rios de; MARTELOTTA, Mário Eduardo (Orgs.). Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A; Faperj, 2003. DUBOIS, J. et al. Dicionário de Lingüística. Trad. de Izidoro Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, s. d. FIORIN, J. L. et al. Introdução à Lingüística. São Paulo: Contexto, 2003.

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Módulo 1

I

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LYONS, J. Linguagem e Lingüística: uma introdução. Trad. de Marilda Winkler Averbug; Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. MAIA, E. M. No reino da fala: a linguagem e seus sons. 3. ed. São Paulo: Ática, 1991. MENDES, A. M. A. R. Formalismo e funcionalismo linguístico. Disponível em: http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?c od=43783&cat=Artigos&vinda=S/ Acessado em 22 fev. 2009. MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Ana Christina. Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. NEVES, Maria Helena Moura. Gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo: UNESP, 2001. NEVES, Maria Helena Moura. Gramática de Usos do Português. São Paulo: Editora UNESP, 2000. NEVES, Maria Helena Moura. A Gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ORLANDI, E. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense, 1992. PAVEAU, Marie-Anne; SARFATI, Georges-Elia. As grandes Teorias da Lingüística: da Gramática Comparada à Pragmática. São Carlos: Clara Luz, 2006. ROBINS, R. H. Linguística Geral. Trad. de Elisabeth Corbetta A. da Cunha et al. Porto Alegre: Globo, 1977. ROBINS, R. H. Pequena História da Lingüística. Trad. de Luiz Martins. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1993. SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. Trad. de Antônio Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1989. TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2000. http://www.dicionarioauletedigital.com/ Acessado em 29 mar. 2009.

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39

Aula

JAKOBSON, R. Lingüística e Comunicação. Trad. de Izidoro Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969.

2

ILARI, R. A Lingüística e o ensino da língua portuguesa. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________

aula

3

Objetivos

Meta

O SIGNO NA PERSPECTIVA SAUSSURREANA

Apresentar as definições de signo, bem como as suas características, conforme a perspectiva saussurreana.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • reconhecer o conceito de signo à luz da teoria estudada; • identificar as características dos signos; • utilizar seus conhecimentos e experiências anteriores para a identificação de signos na sociedade.

AULA III

Aula

3

O SIGNO NA PERSPECTIVA SAUSSURREANA

Signos: só nos comunicamos através deles, sejam linguísticos ou extralinguísticos.

Figura 1 - Fonte: http://www.sxc.hu/

Figura 1.2 - Fonte: http://www.sxc.

photo/1191456.

hu/photo/1197865.

1 INTRODUÇÃO Você, que acaba de começar a leitura desta aula, saberia nos responder a esta simples pergunta? O que é signo linguístico? O senso comum costuma defini-lo como “uma palavra que possui significante e significado”. Entretanto, a simplicidade da resposta não contempla a complexidade dos conceitos. De acordo com o Dicionário Aulete Digital, signo linguístico é: “Associação de um significante e um significado”. Qualquer coisa ou fenômeno que designe algo distinto de si mesmo ou usado em seu lugar, por exemplo, um cigarro atravessado por uma linha oblíqua significa ‘é proibido fumar’, a cor verde no trânsito representa ‘siga’, a cruz simboliza o ‘cristianismo’. Vamos aprender nesta aula que o signo pode ser concebido sob vários aspectos. Além disto, conheceremos também os principais teóricos que estudaram sobre o assunto.

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43

Introdução a Estudos Linguísticos

I

O Signo na Perspectiva Saussurreana

Faremos primeiro um passeio pelo tempo, retomando conceitos elaborados na Antiguidade Clássica por importantes filósofos, como: Platão, Aristóteles, Crátilo, os estóicos, dentre outros. Depois iremos diretamente para o século XX e voltaremos a Ferdinand Saussure para entender os seus preceitos teóricos acerca do signo linguístico. Está preparado? Então vamos lá!

2 PRINCIPAIS REPRESENTANTES DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA Como você viu na aula 1, as discussões a respeito do signo existem desde a Antiguidade Clássica, com eminentes filósofos como Platão e Aristóteles (séc. V a.C.). O primeiro escreveu um diálogo intitulado “Diário de Crátilo” especialmente dedicado à

controvérsia

entre

e

convencionalistas.

naturalistas Em

outras

palavras, o debate girou em torno da

Figura 2 - Platão, filósofo da Antiguidade Clássica (séc. V a.C.). Fonte: http://www. mundodosfilosofos.com.br/foto20.htm

relação natural ou convencional entre o significado da palavra e sua forma. U V

a FR K C AM

Para os naturalistas, a relação entre significado (conceito) SAIBA MAIS

Crátilo de Atenas (séc. V a.C.) foi mestre de Platão e primeiro a defender o caráter natural da língua. Foi ligado ao pensamento naturalista da escola Jônica a que pertenceram Tales de Mileto e Heráclito de Éfeso. Procurou relacionar tão intensamente natureza e língua que chegou ao ponto de explorar a semelhança das letras que compunham uma palavra ao objeto, com o objetivo de interpretar a capacidade de expressão de uma palavra.

44

e significante (forma) é natural, a exemplo das onomatopeias. Já os convencionalistas advogavam que não havia relação natural entre os dois elementos, que a relação era puramente convencional, e, inclusive, mesmo as onomatopeias poderiam variar de uma língua para outra de acordo com o seu sistema fonológico (compare-se o francês ouaoua e o alemão wauwau, o inglês boom e o português bum). Em torno dessa teoria, Platão montou o diálogo a que deu o nome do seu mestre e cujos interlocutores são: o próprio Crátilo (defendendo o naturalismo) e Hermógenes (representando os convencionalistas). Entre os dois, Platão introduz Sócrates, personagem principal que argumenta, refletindo as concepções do autor do Diálogo. Em outras palavras, Platão assume, no decorrer do diálogo, que se faz necessário o surgimento de uma teoria mais ampla, que reflita mais profundamente sobre

Módulo 1

I

Volume 3

EAD

as questões relativas ao signo. Aristóteles, por sua vez, foi discípulo de Platão e fez importantes referências à linguagem nas obras Órganon e Metafísica. No segundo livro do Órganon, intitulado Da interpretação, o filósofo expressa a sua concepção sobre o caráter convencional da língua: “Nenhum dos nomes é tal por natureza, mas somente quando se tornou

3

convenção” (2.16 a 18). evoluindo, a partir do século II a.C., para a discussão sobre a questão da regularidade da

Aula

Esse debate prolongou-se por séculos, Figura 3 - Aristóteles, discípulo de Platão, um dos maiores representantes dos convencionalistas. Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/ foto4.htm

língua. A palavra que representava a regularidade era “analogia”, e a irregularidade, “anomalia”. Daí surgiu nova contestação, entre analogistas e anomalistas, que debatiam, então, se a língua seria produto de uma convenção do homem – e por isto, artificial – ou se seria um produto da natureza – portanto, um fenômeno natural. Como se vê, o ponto de partida do percurso histórico da Linguística e da Filosofia da Linguagem reside na resposta às questões de naturalidade ou convencionalidade da língua. Neste período, não há unanimidade nas respostas e vários são os argumentos levantados por ambos os lados.

3 O SIGNO SAUSSURIANO Começaremos por nomear e definir a ciência que, na opinião de Saussure, cuidaria dos signos em sociedade: a Semiologia. Para o linguista, a diferença fundamental entre a Linguística e a Semiologia reside no fato de que, enquanto a primeira é o estudo científico da linguagem humana, a segunda abarca não somente esse tipo de linguagem, mas também a linguagem animal e todo e qualquer sistema de comunicação, seja ele natural ou convencional. Nesse sentido, a Linguística surge como parte da Semiologia. Alguns teóricos defendem que os termos Semiologia e Semiótica são sinônimos; o primeiro termo surge na Europa, a partir de Saussure, e o segundo, nos Estados Unidos, com Pierce (o qual será estudado na próxima aula).

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45

Introdução a Estudos Linguísticos

I

O Signo na Perspectiva Saussurreana

Saussure salienta, no Curso de Linguística Geral (CLG), que o signo linguístico une não uma coisa a um nome, mas uma imagem acústica e um sentido. O que o mestre genebrino denomina de “sentido” é o mesmo que conhecemos como conteúdo, conceito ou ideia, isto é, a representação mental que criamos a partir do universo de referência que temos. Nossas vivências, conhecimento de mundo e nível de informação norteiam, então, o nível semântico do signo. Dito de outra forma, para Saussure, conceito é sinônimo de significado (está no plano das ideias), em oposição ao significante (localizado no plano da expressão), que é sua parte sensível. É o próprio linguista quem sugere a substituição dos termos: Propomo-nos a conservar o termo signo para designar o total, e a substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e significante; estes dois termos têm a vantagem de assinalar a oposição que os separa, quer entre si, quer do total de que fazem parte. Quanto a signo, se nos contentamos com ele, é porque não sabemos por que substituí-lo, visto não nos sugerir a língua usual nenhum outro (CLG, p. 79).

Do outro lado, sobre a imagem acústica, Saussure define: Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la ‘material’, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato [...] (CLG, p. 79).

Posteriormente, Jakobson e a Escola de Praga conseguem estabelecer definitivamente a distinção entre som material e imagem acústica. Ao primeiro denominam fone, objeto de estudo da Fonética; à imagem acústica, fonema, conceito amplamente aceito pela Fonologia. Assim definida, a imagem acústica é o significante, e a união dos dois elementos primordiais constituem o signo como “uma entidade psíquica de duas faces” (p. 80), indivisíveis, interdependentes e inseparáveis, como uma moeda, pois sem significante não há significado e sem significado não há

46

Módulo 1

I

Volume 3

EAD

significante. Como exemplo, poderíamos dizer que, quando um de nós recebe a impressão psíquica que lhe é transmitida pelo significante /mãga/, manifestada fonicamente sob o signo manga, essa imagem acústica evoca-lhe psiquicamente a ideia de: fruta, oriunda da mangueira, que sacia a fome, é doce ou

3

não etc.

Aula

3.1 Arbitrariedade do signo Saussure atribui ao signo dois princípios: arbitrariedade e linearidade. A

respeito

da

arbitrariedade

podemos

estabelecer

uma ligação entre o seu postulado e a famosa discussão da Antiguidade Clássica, como você viu acima, entre anomalistas e analogistas. Assim como Platão, Aristóteles e outros filósofos, Saussure

também

defendeu

o

caráter

convencional

da

linguagem, isto é, não existe laço natural entre significado e significante. Para você entender melhor esse posicionamento, observe a figura abaixo: A

ideia

(ou

conceito

ou

significado) de mar não tem nenhuma relação necessária e “interior” com a sequência de sons, ou imagem acústica que lhe serve de significante /mar/. Em português, o significado mar

poderia

perfeitamente

ser

representado por qualquer outro significante. Quem determina o uso é a sociedade que o convenciona. Além disto, Saussure comprova o seu ponto de vista expondo alguns exemplos de diferentes línguas.

Figura 4 - Os vários significantes para o que conhecemos em nossa

Tanto é válida a explicação que a

Fonte: http://static.blogstorage.hi-pi.com/photos/ilheu.

ideia de mar é representada em

língua como MAR. bloguepessoal.com/images/gd/1213715430/mergulho-mar.jpg

inglês pelo significante “sea” /si / e em francês, por “mer” /mér/. Saussure postula ainda dois sentidos para o caráter arbitrário do signo:

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Introdução a Estudos Linguísticos

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O Signo na Perspectiva Saussurreana

1) O significante em relação ao significado: Por exemplo: Eu te amo, i love you, je t’aime, io ti amo, jag alskar dig são significantes de várias línguas que remetem para um mesmo significado: a manifestação do sentimento de amor. 2) O significado como parcela semântica (em oposição à totalidade de um campo semântico): Por exemplo: em inglês, o termo teacher é utilizado para designar apenas aqueles profissionais que trabalham com alunos até o segundo grau. Já o termo professor é utilizado apenas para designar os professores universitários. Em português, professor ocorre indistintamente. Apesar de postular que o signo linguístico é arbitrário, Saussure reconhece a possibilidade de existência de certos graus de motivação entre significante e significado. Em razão disto, ele propõe a existência de uma “arbitrariedade absoluta” e de uma “arbitrariedade relativa”. A arbitrariedade absoluta é exemplificada pelo linguista pelos números dez e nove, tomados individualmente, e nos quais a relação entre o significante e o significado seria totalmente arbitrária, portanto, imotivada. Mas na combinação desses signos para dar origem a um terceiro signo, a dezena dezenove, Saussure coloca que a arbitrariedade absoluta original dos dois numerais apresenta-se amortecida, cedendo espaço para o que ele classifica como arbitrariedade relativa. A lógica é a seguinte: pelo reconhecimento da significação das partes, chega-se à significação do todo. Da mesma forma ocorre com o processo de derivação de palavras. No par manga / mangueira, manga, enquanto palavra de origem, serviria como exemplo de signo arbitrário absoluto, portanto imotivado. Mangueira, por sua vez, forma derivada de manga, seria um caso de arbitrariedade relativa, portanto um signo motivado.

3.2 A linearidade do signo De acordo com o mestre, este princípio é evidente, mas foi sempre negligenciado por ser considerado “demasiado simples”: o significante, imagem acústica, desenvolve-se

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Módulo 1

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no tempo e tem as características que toma do tempo: a) representa uma extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha. O caráter linear do signo linguístico “exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo” (CLG, p. 142). A língua é, então, formada por elementos que se sucedem um após outro linearmente, isto é, “na cadeia da fala” (CLG, p. 142). A relação entre esses elementos é denominada por

3

Saussure de sintagmática. Para você entender isso, observe,

Aula

nas frases abaixo, as posições que a palavra bolsa ocupa: a. A bolsa da professora é nova. b. Comprei uma bolsa. c. Coloquei uma capa para proteger a bolsa guardada. d. Vamos trocar de bolsa? Em cada uma das posições, bolsa adquire uma função específica, dadas as relações que se estabelecem com os outros elementos da frase. Isso é resultado das combinações que compõem o eixo sintagmático. (Sobre este, aprofundaremos mais na aula 5).

4 SIGNO LINGUÍSTICO E EXTRA-LINGUÍSTICO É consenso que a linguagem oral ou escrita é a mais usada pelo homem. Quase toda a forma de comunicação humana passa pela palavra. Isso significa que há maneiras de nos comunicarmos sem falar ou escrever nada. Recomendo, então, que utilize os espaços a seguir para citar formas de comunicação que não dependam das palavras. O máximo que puder... Vamos lá!

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O Signo na Perspectiva Saussurreana

Pois bem, cada uma dessas formas que citou (por exemplo,

gestos) representa os signos chamados extra-linguísticos ou não linguísticos. Como o próprio nome sugere, estes são assim definidos por apresentarem outras feições - como imagens, gestos etc. - menos as linguísticas (oral e escrita). Mesmo não fazendo uso da linguagem escrita ou falada, temos presentes em nosso cotidiano vários signos cujos significantes são plenos de significados para nós. Quer exemplos? Observe as figuras:

Figura 5 - Fonte:

Figura 6 - Fonte: http://www.sxc.hu/browse.

http://www.sxc.hu/browse.

phtml?f=download&id=531172.

phtml?f=download&id=1156530.



Entendeu? Estes signos são os não linguísticos porque

não têm nenhum signo escrito, ou seja, não são representados por palavras.

Há,

ainda,

os

signos que contêm os dois elementos,

linguístico

(a

palavra) e o não linguístico (a figura), como você pode observar neste exemplo:

Estamos,

portanto,

cercados de signos e é através deles que nos comunicamos. Eles podem ser linguísticos ou não, como viu anteriormente.

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Figura 7 - Substância tóxica. Fonte: http:// www.sxc.hu/photo/1057832

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Vamos agora exercitar um pouco a memória?

Aula

3

ATIVIDADE 1. Explicite a posição de cada pensador abaixo a respeito do caráter natural ou convencional do signo: a) b) c) d)

Crátilo; Platão; Aristóteles; Saussure.

2. Saussure considera a língua como um sistema de signos formados pela união de alguns elementos. Quais são eles? 3. A que diz respeito a seguinte definição: “Imagem acústica, representação sonora do vocábulo”?: a. Significado. b. Significante. c. Signo. 4. A que diz respeito a seguinte definição: “Conceito que a imagem acústica evoca no falante”?: a. Significado. b. Significante. c. Signo. 5. O signo é: a. Produto e instrumento de uma cultura. b. A imagem acústica ou visual. c. O conceito que fazemos de um objeto. 6. O signo linguístico é arbitrário. Então: a. Há uma ligação natural entre significado e significante. b. Há uma ligação parcial entre significado e significante. c. Não há uma relação natural entre significado e significante.

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O Signo na Perspectiva Saussurreana

7. As onomatopeias são: a. Reproduções fiéis de ruídos e sons naturais. b. Reproduções convencionais de ruídos e sons naturais. c. Reproduções parciais de ruídos e sons naturais. 8. Marque V para verdadeiro e F para falso: ( ) Os enunciados vocais “viajam” no tempo e são captados pelo ouvido como sucessões. ( ) O caráter linear dos enunciados explica a sucessividade das letras e fonemas. ( ) Os enunciados escritos se compõem numa direção formando uma cadeia, uma linha. 9. Observe os exemplos: a. Quando está nervoso, o chefe arrocha. b. Eu detesto o arrocha. A palavra “arrocha”, nas frases acima, situa-se num mesmo campo semântico? Têm o mesmo valor? ( ) SIM ( ) NÃO. Justifique. 10. Você sabe que temos vários objetos que, a depender da região, mudam de nome. Isso evidencia, portanto, a arbitrariedade defendida por Saussure. Cite dois exemplos para ilustrar essa propriedade. 11. Saussure marca a diferença entre signos motivados e imotivados. Explique esta postulação, exemplificando. 12. Qual a diferença entre signos linguísticos e extra-linguísticos? Cite dois exemplos de cada um.

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RESUMINDO

Nesta aula, você viu que: • A discussão sobre signo linguístico existe desde a Antiguidade Clássica.

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• O signo é definido como a união de um significado a um significante.

Aula

• Para Saussure, conceito é sinônimo de significado (está no plano das ideias), em oposição ao significante (localizado no plano da expressão), que é sua parte sensível. • Saussure atribui ao signo dois princípios: arbitrariedade e linearidade. • O signo pode ser linguístico ou extra-linguístico.

LEITURA RECOMENDADA Para complementar esta aula, recomendo também a leitura do livro de SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral e de CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro: Presença, 1987.

Na próxima aula... vamos falar sobre o signo sob a ótica de Charles Sanders Peirce e Mikhail Bakhtin. Tríade sígnica e signo ideológico são algumas das coisas que te esperam. Até lá!

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O Signo na Perspectiva Saussurreana

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. Trad. de Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1972. CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro: Presença, 1987.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. 9. ed. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: HUCITEC, 2002.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de lingüística. Trad. de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1998. GUIRAUD, Pierre. A semântica. Trad. de Maria Elisa Mascarenhas. 3. ed. Rio de Janeiro: Difel, 1980. HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. Trad. de José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 1975. LOPES, Edward. Fundamentos da contemporânea. São Paulo: Cultrix, 2000.

lingüística

PEIRCE, Charles S. Semiótica. 3. ed. Trad. de: The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. São Paulo: Perspectiva, 2000. PEIRCE, Charles S. Semiótica e Filosofia. Trad. de Octanny Silveira da Mota; Leonidas Hegenberg. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Trad. de Antônio Chelini et al. 30. ed. São Paulo: Cultrix, 2001. VIGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e Linguagem. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. WALTHER-BENSE, Elisabeth. A teoria geral dos signos. São Paulo: Perspectiva, 2000. http://www.dicionarioauletedigital.com/ Acessado em 30 mar. 2009.

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Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________

aula

4

Objetivos

Meta

O SIGNO NA VISÃO PEIRCEANA E BAKHTINIANA

Apresentar as definições e características do signo à luz das concepções de Charles Sanders Peirce e Mikhail Bakhtin.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

• reconhecer os conceitos de signo à luz das teorias estudadas; • classificar os signos de acordo com as abordagens peirceana e bakhtiniana; • utilizar

seus

anteriores ideológicos.

conhecimentos

para

a

e

identificação

experiências de

signos

AULA IV

Aula

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O SIGNO NA VISÃO PEIRCEANA E BAKHTINIANA

1 INTRODUÇÃO Você viu na aula passada os principais conceitos de signo, desde a Antiguidade Clássica (com importantes filósofos, como: Platão, Aristóteles, Crátilo, os estoicos, dentre outros) até o século XX com Ferdinand Saussure. Agora vamos complementar as reflexões sobre o signo no século XX, trazendo para as discussões dois teóricos imprescindíveis para a compreensão plena do assunto em questão: Charles Sanders Peirce e Mikhail Bakthin. Antes, porém, vamos ver um pouquinho sobre a origem do termo Semiótica.

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Introdução aos estudos linguísticos

O signo na visão peirceana e bakhtiniana

2 ORIGEM DO TERMO SEMIÓTICA Embora o estudo sobre o signo não seja tão recente, o projeto para a criação de uma “ciência dos signos” data do início do século XX com Saussure, como você viu na aula anterior, e com Peirce. Apesar de a inspiração filosófica dos estudos sobre os signos estar bem patente nas definições que surgem desde o século XVIII com John Locke, é a partir do século XX que os estudos nessa área tornam-se mais demarcados. A “nova ciência” origina-se em duas diferentes tradições: uma de tradição europeia, iniciada por Saussure (a Semiologia), e a outra, de tradição anglo-saxônica, iniciada por Peirce (a Semiótica). Conquanto tenham o mesmo radical (semeion, que se pode traduzir por “signo” ou “sinal”), as duas palavras traduzem, no entanto, modos diferentes de entender a “ciência dos signos”. A Semiologia é concebida por Saussure, no Curso de Linguística Geral, como uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social; ela faria parte da Psicologia Social e, por conseguinte, da Psicologia Geral; para o linguista, esta ciência “chamar-se-ia ‘semiologia’ (do grego semeion, signo). Ela ensinar-nos-ia em que consistem os signos, que leis os regem [...]” (p. 89). Assim, para Saussure a linguística não é senão uma parte desta ciência geral, a Semiologia. Serra (2009), em seu texto eletrônico, informa que a Semiótica, por sua vez, é definida por Peirce num texto de 1897, nos seguintes termos: “Em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos”. Vários autores de diferentes correntes teóricas têm assinalado distinções entre estas duas tradições. Jürgen Trabant (1980, p. 13) coloca que a diferença fundamental entre Semiologia e Semiótica está nas diferentes tradições de que são originárias: a Linguística e a Filosofia. A tradição linguística enfatiza, como o próprio nome reflete, os signos linguísticos e tende a projetar a Semiologia como uma extensão analógica da Linguística; ocupar-se-ia dos vários aspectos da cultura, preocupando-se sobretudo com o papel da linguagem no conhecimento.

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Roland Barthes (1977, p. 144), refletindo sobre a relação entre Semiologia e Linguística, proposta por Saussure, sugere: “Em suma é necessário admitir a partir de agora a possibilidade de inverter um dia a proposição de Saussure: a linguística não é uma parte, mesmo privilegiada, da ciência geral dos signos, é a semiologia que é uma parte da linguística [...]”. A este respeito, observe-se que esta ideia de Barthes já, de certa maneira, é prevista no próprio Curso de Linguística Geral (p. 47), quando Saussure afirma que “a língua, o mais complexo e difundido dos sistemas de expressão, é também o mais característico de todos; neste sentido a lingüística pode tornar-se o padrão geral

4

de toda a semiologia, ainda que a língua não seja senão um sistema particular”.

Aula

A despeito dessas diferenças, as duas tradições vão confluir na formação de uma mesma “ciência dos signos”. Assim, Pierre Guiraud (1978, p. 98) reconhecia, na década de 70, que: “[...] as palavras semiologia e semiótica recobrem hoje a mesma disciplina, sendo o primeiro termo utilizado pelos europeus e o segundo pelos anglo-saxões”. A essa disciplina, dá-se, hoje, habitualmente, o nome de Semiótica - o que denota a absorção da semiologia linguística pela semiótica filosófica.

Charles Sanders Peirce nasceu no ano de 1839, em Cambridge, Massachussets, nos EUA, no dia 10 de setembro e, sob influência paterna, formou-se na Universidade de Harvard em física e matemática, conquistando também o diploma de químico na Lawrence Scientific School. Paralelamente ao seu trabalho no observatório astronômico de Harvard, Charles Peirce se dedicava ao estudo da filosofia, principalmente à leitura de “A crítica da razão pura”, de Kant. Entre 1879 e 1884 lecionou na Universidade John Hopkins. Considerado uma pessoa de hábitos excêntricos, além de descuidado e solitário, Peirce não evoluiu na carreira universitária. Em 1887, mudou-se com sua segunda esposa para a cidade de Milford, na Pensilvânia, isolando-se ainda mais. Entre 1884 e o ano de sua morte, em 19 de abril de 1914, Peirce escreveu cerca de 80 mil páginas de manuscritos, vendidos por sua esposa à Universidade de Harvard, e que vem sendo publicados há várias décadas. Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/charlessanders-peirce.jhtm.

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PARA CONHECER

3 A CONCEPÇÃO PEIRCEANA DE SIGNO

Figura 1 - Charles Sanders Peirce, uma das principais referências nos estudos sobre o signo. Fonte: http://media-2.web.britannica.com/ebmedia/04/127704-004-3163A0E3.jpg.

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Introdução aos estudos linguísticos

O signo na visão peirceana e bakhtiniana

São várias as definições de Signos apresentadas por Peirce. Vejamos quatro das mais importantes apresentadas por Serra, em seu texto digital de 2009: 1- Um signo, ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de ideia que eu, por vezes, chamei fundamento do representamen. “Ideia” deve ser aqui entendida num certo sentido platônico [...]. 2- Um Signo é tudo aquilo que está relacionado com uma Segunda coisa, seu Objeto, com respeito a uma Qualidade, de modo tal a trazer uma Terceira coisa, seu Interpretante, para uma relação com o mesmo objeto, e de modo tal a trazer uma Quarta para uma relação com aquele objeto na mesma forma, ad infinitum. Se a série é interrompida, o Signo, por enquanto, não corresponde ao caráter significante perfeito. 3- Um Signo, ou Representamen, é um Primeiro que se coloca numa relação triádica genuína tal com um Segundo, denominado seu objeto, que é capaz de determinar um Terceiro, denominado seu Interpretante, que assume a mesma relação triádica com seu objeto na qual ele próprio está em relação com o mesmo objeto. 4- Signo: qualquer coisa que conduz alguma outra coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual ela mesma se refere (seu objeto) de modo idêntico, transformando-se o interpretante, por sua vez, em signo, e assim sucessivamente, ad infinitum. [...] Se a série de interpretantes sucessivos vem a ter fim, em virtude desse fato o signo torna-se, pelo menos,

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imperfeito. Estas definições permitem identificar, na tríplice relação que possui o Signo, três elementos, como ilustra o triângulo abaixo:

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4

REPRESENTAMEN

OBJETO

SIGNIFICANTE

a) o Signo propriamente dito ou representamen: aqui podemos estabelecer uma breve relação com o conceito de significado saussureano; b) o Interpretante ou “imagem mental”: é o signo criado na mente de alguém (o “intérprete”) pelo representamen; o conceito de significante saussureano cabe como paralelo neste ponto; c) o Objeto: é aquilo (algo) que é representado (porque este objeto é representado, pelo signo, não na sua totalidade, mas de certo ponto de vista, em relação apenas a determinados aspectos). Em outras palavras, Signo, para Peirce, é algo que está no lugar de (representa) outra coisa para alguém; este pensamento converge para o conceito tradicional de signo proposto por Santo Agostinho: aliquid stat pro aliquo, ou seja, uma coisa que está por outra. Desta forma, o signo designa o próprio signo, o objeto e o interpretante, ou seja, a “coisa significada” e a “cognição produzida na mente”. A partir da relação do signo com o objeto é que se determina ou se produz um interpretante.

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Introdução aos estudos linguísticos

O signo na visão peirceana e bakhtiniana

O interpretante é um representante, pois constitui o nome do objeto perceptível e, como nome, servirá como novo signo ao receptor. Esse processo é infinito e é denominado “semiose”. Infinito porque a produção de um “interpretante” é uma representação e, por isto, um novo signo, que produzirá um novo interpretante... e, assim, sucessivamente. A fecundidade da noção peirceana nos fornece uma classificação dos signos que a Semiótica ainda não conseguiu resolver dada a amplitude de signos existentes. Entretanto, de acordo com Eco (1981), o único pensador que até hoje tentou uma classificação global foi Peirce e, apesar de sua classificação ter ficado incompleta, muitas das suas distinções são referências na Semiótica até o presente momento.

3.1.

A classificação Peirce

dos

signos

conforme

De acordo com Eco (1994), os signos podem ser classificados a partir de vários pontos de vista. Agora, veremos os três tipos mais comuns que têm relação com o objeto: Ícone, Índice e Símbolo. - Ícone: “é um signo que se refere

ao

apenas

em

caracteres

objeto

que

virtude próprios,

denota

dos

seus

caracteres

que ele igualmente possui quer um tal objeto realmente exista ou não”; “qualquer coisa, seja uma

qualidade,

um

existente

individual ou uma lei, é Ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa coisa e

Figura 2: Fotografia de Orquídeas. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Orquidea.jpg

utilizado como um seu signo” (p. 21). São exemplos: fotografias,

esculturas, desenhos, diagramas, fórmulas lógicas e algébricas, imagens mentais etc. Nessa concepção, a foto acima não apresenta as flores em si mesmas, enquanto objetos originais, mas uma representação destas.

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- Índice: “é um signo que se refere ao objeto que denota em virtude de ser realmente afetado por esse objeto” (p. 37). Constitui-se não pela relação de similitude, como o Ícone, mas pelos indícios que fornece, pela conexão física com o objeto. São exemplos: fumaça como sintoma do fogo, erupções cutâneas, pronome /este/, referindo-se a um objeto, enrubescimento da

Aula

4

face etc.

Figura 3 - Céu azul, um signo indicial. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:C%C3%A9u_Azul.JPG.

Figura 4 - “Onde há fumaça, há fogo!”. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Queimada_ABr_04.jpg.

Todas as vezes que vemos o céu azul (cf. a figura 3), temos indícios de que o dia será ensolarado. De igual modo, por dedução, se vemos fumaça e corpo de bombeiros (como na figura 4), sabemos que há incêndio próximo. - Símbolo: “é um signo que se refere ao objeto que denota em virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo àquele objeto” (p.43). São exemplos: todas as palavras, frases, livros e outros signos convencionais, como a balança simbolizando justiça, a cor branca indicando paz etc.

Figura 5 - Rosário católico. http://fmmissionarios.blogspot.com /2009_05_01_archive.html.

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Figura 6 - Símbolo de amor http://sol.sapo.pt/blogs/brendamarie/ default.aspx?p=2.

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Figura 7 - Símbolo da paz http://www.sxc.hu/photo/1195513.

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Introdução aos estudos linguísticos

O signo na visão peirceana e bakhtiniana

Para você perceber melhor o funcionamento daquela que Peirce considera ser a mais importante divisão dos signos, veja o exemplo, dado por ele mesmo, que ilustra a relação entre os signos na linguagem do cotidiano:

Figura 8 - Signos, Ilustração: Sheylla Tomás Fonte: UAB - UESC

Neste exemplo, você deve entender que o braço apontado para o ar funciona como um Índice (denota um individual), a bolha de sabão funciona como um Ícone, e as palavras funcionam como Símbolos. Peirce defende a ideia de que a relação entre Índices, Ícones e Símbolos pode estar presente em qualquer enunciado, sendo impossível encontrar uma sentença, por mais simples que seja que não utilize pelo menos dois desses tipos de signos.

PARA CONHECER

4 A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DE SIGNO Mikhail Mikhailóvitch Bakhtin nasceu em Orel, ao sul de Moscou, em 1895. Aos 23 anos, formou-se em História e Filologia na Universidade de São Petersburgo, mesma época em que iniciou encontros para discutir linguagem, arte e literatura com intelectuais de formações variadas, no que se tornaria o Círculo de Bakhtin. Em vida, publicou poucos livros, com destaque para Problemas da Poética de Dostoiévski (1929). Até hoje, porém, paira a dúvida sobre quem escreveu outras obras assinadas por colegas do Círculo (há traduções que as atribuem também a Bakhtin). Durante o regime stalinista, o grupo passou a ser perseguido e Bakhtin foi condenado a seis anos de exílio no Cazaquistão (só ao retornar, ele finalizou sua tese de doutorado sobre cultura popular na Idade Média e no Renascimento). Suas produções chegaram ao Ocidente nos anos 1970 - e, uma década mais tarde, ao Brasil. Mas Bakhtin já havia morrido, em 1975, de inflamação aguda nos ossos. Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/filosofodialogo-487608.shtml.

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Figura 9 - Mikhail Bakhtin, um dos maiores filósofos da linguagem do século XX. Fonte: 4.bp.blogspot.com/.../s400/mikhail_ bakhtin.jpg.

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No início do século XX, mais precisamente meados dos anos 20, foi publicada em Leningrado uma obra que se tornou bastante polêmica porque aliava ideias que seriam consideradas inicialmente contraditórias: as ideias marxistas e as ideias linguísticas. Era o Marxismo e filosofia da linguagem, obra de importância decisiva para os estudos sobre a linguagem, sendo referência na área até os dias atuais. Esta obra foi tão surpreendentemente original que antecipou muitos estudos contemporâneos, tangendo disciplinas como a Sociolinguística e a Análise do Discurso. O livro, hoje considerado um clássico indispensável, é a obra em que Bakhtin

4

mais assume uma perspectiva marxista. E é com base nessa perspectiva que Bakhtin desenvolve mundo das ideias não existe fora dos quadros da linguagem. Para o filósofo, o estudo da ideologia não pode prescindir do estudo do signo; todo signo é ideológico e sem o signo não existe ideologia, a ideologia se materializa através do signo. E a palavra, signo verbal, é a instância privilegiada em que se podem perceber as tensões da sociedade, figurando como uma espécie de arena dos conflitos sociais. Em outras palavras, a palavra é o fenômeno ideológico por excelência e o meio mais puro e sensível de interação social.

4.1 A palavra: signo ideológico

Bakhtin postula que a palavra, enquanto signo, é o

principal veiculador da ideologia, devido à sua capacidade de refletir e refratar as condições de produção sócio-históricoculturais presentes no discurso. Ela reflete e refrata o âmbito social porque não é simplesmente como um espelho, refletindo, mas também pode distorcer; pode ser entendida de diversas formas, por diferentes prismas. O autor defende que a palavra constitui a consciência, o pensamento, a ideologia, e, consequentemente, os sujeitos, pelo fato de ela ser o resultado

Aula

a ideia de que a língua é um produto sócio-histórico e o Ideologia: De acordo com o Dicionário digital Aulete, o termo pode ter os seguintes significados: s.f. 1. Ciência da formação das ideias e de um sistema de ideias. 2. Fil. Pol. Rel. Soc. Sistema articulado de ideias, valores, opiniões, crenças etc., organizado como corrente de pensamento, como instrumento de luta política, como expressão das relações entre classes sociais, como fundamento de seita religiosa etc. 3. Fil. No marxismo, o conjunto das formas de consciência social que tem por finalidade legitimar a classe dominante ou, no lado oposto, os interesses revolucionários da classe proletária. 4. Hist. Conjunto das ideias e convicções próprias de uma época, uma sociedade, uma classe etc., e que caracterizam uma situação histórica.

das interações socio ideológicas. Por causa dos vários sentidos atribuídos à palavra interação, assume-se, neste material, a concepção bakhtiniana que apresenta os seguintes pressupostos:

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Introdução aos estudos linguísticos

O signo na visão peirceana e bakhtiniana

a) a interação acontece entre os sujeitos, no processo dialógico, no amplo sentido do termo diálogo, ou seja, na enunciação ou em enunciações reais, na relação entre o “eu” e o “outro”, através da mediação do signo verbal ideológico; b) os indivíduos são constituídos enquanto sujeitos, no processo de interação verbal social, dentro de níveis ou graus de sociabilidade; quanto maior for o grau de suas interações verbais sociais, maior será o grau de consciência dos indivíduos, o que, por sua vez, implicará um maior grau de constituição dos indivíduos em sujeitos sociais; com isso, define-se que os sujeitos são socialmente orientados; c) além de se considerar a linguagem como atividade constitutiva dos sujeitos e de suas consciências, na relação dialógica, o signo verbal social – a palavra – é o elemento ideológico puro, pois transita dialeticamente tanto na infraestrutura econômica quanto na superestrutura dos sistemas ideológicos constituídos. Assim, é a partir do signo - material, verbal, social e ideológico - que se constroem sentidos e veiculam-se ideologias. Ressalte-se que nenhuma outra teoria linguística faz a abordagem da palavra considerando-a como elemento puro da ideologia. A natureza da palavra, estando estreitamente vinculada com a ideologia, produz uma diferença substancial nas análises decorrentes desse pressuposto fundamental, qual seja, da materialidade da palavra e de seu caráter específico de manifestação ideológica, calcada na sua materialidade social. As ideias de Bakhtin foram de encontro a muitas teorias que estavam vigentes no início do século passado. As ideias que predominavam na linguística naquela época tinham como base as reflexões de Saussure, que privilegiava, na famosa dicotomia langue/parole (língua-fala), o estudo da língua. Nessa perspectiva teórica tradicional, não há interação verbal entre os sujeitos, pois a linguagem não é concebida como uma via de mão dupla entre os envolvidos no processo. Privilegia-se

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apenas o locutor ou o emissor, a categoria do eu, ao mesmo tempo em que se exclui a categoria do outro no processo linguístico ou discursivo. Opondo-se às ideias saussurianas, Bakhtin defendeu que a ênfase na análise linguística deveria ser dada à fala, examinando as condições de interação social. Assim sendo, se o signo para Bakhtin é o elemento de realização material da ideologia, evidencia-se o desmascaramento da “neutralidade” da linguagem; para o filósofo, o signo não tem natureza neutralizante em razão da sua função social e as escolhas do sujeito enunciador marcam a sua posição ideológica no

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mundo. Isto significa que só nos comunicamos via signos porque

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eles são produtos da sociedade e é somente através deles que veiculamos nossa maneira de ver o mundo, a nossa ideologia. Assim, ao longo dos seus escritos, Bakhtin insiste que um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom etc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. “Tudo que é ideológico possui um valor semiótico“ (BAKHTIN, 1992, p. 83). São exemplos de signos ideológicos: 1. a maneira como você se veste (uma camiseta com personagens históricos, por exemplo, Che Guevara); 2. a suástica (símbolo do nazismo); 3. a maneira como trata as pessoas; 4. o uso da estrela de Davi; 5. as palavras que usa para manifestar suas opiniões, valores etc. Assim, o signo, na concepção teórica bakhtiniana, deverá ser estudado em dois planos:  no primeiro plano, o descritivo. Compreende-se o

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estudo do signo dentro do sistema estrito da língua aceito como um sistema abstrato; é o que se faz normalmente com a frase, no nível da norma, da gramática normativa;  no segundo plano, o discursivo. O signo será compreendido em sua dinamicidade, por sua relação dialógica com o outro na situação de interação. Nesse sentido, o plano discursivo espelha uma das mais importantes lucubrações sobre a linguagem. Em qualquer trabalho de interpretação linguística com enfoque sóciohistórico ou sociocultural, sob a perspectiva bakhtiniana, toda e qualquer produção linguística ou enunciativa, seja ela oral ou escrita, pode ser considerada como diálogo ou discurso. Quer ver um exemplo?

Em setembro último, algumas famílias ligadas ao MST

(Movimento dos Sem-terra) invadiram a fazenda de uma multinacional e tal fato ecoou na mídia. Aproveitando-se da repercussão, uma professora do ensino fundamental II distribuiu o seguinte texto para os seus alunos:

Polícia vai pedir prisão de sete sem-terra sexta-feira, 9 de outubro de 2009 | 5:21 Por Maurício Simionato, na Folha

A Polícia Civil de Borebi (311 km de SP), responsável pelo inquérito que apura crimes relacionados à invasão do MST na fazenda da multinacional Cutrale, disse ontem que vai indiciar e pedir a prisão temporária de integrantes do movimento. Sete deles já foram identificados, sendo três líderes. A fazenda havia sido invadida por 250 famílias ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 28 de setembro e só foi desocupada anteontem, após decisão judicial de reintegração de posse. A saída foi pacífica, mas a fazenda apresentava sinais de destruição e depredação. Fonte:

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/policia-vai-

pedir-prisao-de-sete-sem-terra/.



Após leitura silenciosa, a professora colocou no quadro a

seguinte questão:

Como podemos ver, os sem-terra ficaram sem razão. Questão: Explique o porquê de usarmos hífen em semterra e não usarmos em sem razão.

Percebeu o desperdício? A professora poderia ter

trabalhado interpretação, outra modalidade de leitura, e até gramática com enfoque sócio-histórico, explorando as várias possibilidades que o texto traz em termos de temática; poderia, ainda, promover trabalhos com intertextualidade e proporcionar aos seus alunos a percepção de que os discursos, naturalmente,

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dialogam com outros. Aula

Vamos às atividades!

ATIVIDADES 1- Defina o signo de acordo com a o pensamento de Peirce e Bakhtin.

2- Classifique os signos abaixo de acordo com o que estudamos sobre o signo peirceano: índice, ícone e símbolo. a. Uma dentadura_______________________________________ b. Erupções cutâneas____________________________________ c.

_____________________________________ d. O celular vibrando dentro do bolso________________________ e.

_________________________________________ Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cruz_julian.jpg.

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O signo na visão peirceana e bakhtiniana

f. _________________________________________ g.

_________________________________________ h. A Mona Lisa (Da Vinci) ______________________________________ i. Nuvens negras no céu ______________________________________ j.

___________________________________________________



Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1209823

k. Foto sua com o seu ídolo ____________________________________ l.

_____________________________________________________________

m. Bandeira do Brasil _________________________________________ n. Impressão digital numa arma ________________________________

3- Você viu que Bakhtin considera: a. que é exatamente no momento da interação social, por meio da linguagem, que os interlocutores terão a possibilidade de se elevar enquanto seres sociais; b. que a linguagem não é neutra, pois ela é o campo de encontros e desencontros, de choques de interesses opostos, de conflitos diversos, enfim, de lutas, visando à conservação de determinados sentidos, excluindo-se, consequentemente, a veiculação de outros sentidos. Levando em consideração essas afirmações, responda: em que ponto as teorias bakhtiniana e saussuriana confrontam-se a respeito do signo?

4- Cite dez signos ideológicos recorrentes em seu cotidiano (podem ser linguísticos ou não).

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RESUMINDO

Nesta aula, você viu que: ● A Semiologia é concebida por Saussure, no Curso de Linguística Geral, como a ciência que deve estudar a vida dos signos no seio da vida social; ela faria parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral.

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● A Semiótica, por sua vez, é definida por Peirce, num texto de 1897, nos seguintes termos: “Em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos”.

Aula

● Os signos são classificados, de acordo com Peirce, em: a) ícone - pela relação de similitude com o objeto; b) índice – pelos indícios que fornece; c) símbolo - normalmente por uma associação de ideias gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo a algo. ● Bakhtin postula que a palavra, enquanto signo, é o principal veiculador da ideologia, devido à sua capacidade de refletir e refratar as condições de produção sócio-histórico-culturais presentes no discurso. Ela reflete e refrata o âmbito social porque não é simplesmente como um espelho, refletindo, mas também pode distorcer; pode ser entendida de diversas formas, por diferentes prismas.

LEITURA RECOMENDADA

Para complementar esta aula, recomendo a leitura das obras de BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992b e de PEIRCE, Charles S. Semiótica. Trad. de: The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.

Na próxima aula... conheceremos as importantes e famosas dicotomias saussurianas. Veremos em que consiste e quais as características de cada uma, além, claro, da importância delas para os estudos linguísticos. Até lá!

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Introdução aos estudos linguísticos

O signo na visão peirceana e bakhtiniana

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Hucitec, 1992b. BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. Trad. de Izidoro Blikstein. Lisboa: Edições 70, 1977. CABRAL, L. S. Introdução à Lingüística. Porto Alegre: Globo, 1976.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. de Maria E. G. G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

CAMARA, J. Mattoso. Princípios de Lingüística Geral. Rio de Janeiro: Padrão, 1989. CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro: Presença, 1987. DUCROT, Oswald, Todorov, Tzvetan. Dicionário das Ciências da Linguagem. Trad. de Emygdio José David Leitão. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1978. ECO, Umberto. O Signo. Enciclopédia Einaudi. vol. 31 (O Signo). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994. ECO, Umberto. O Signo. Lisboa: Editorial Presença, 1981. GUIRAUD, Pierre. A Semiologia. Trad. de Maria Elisa Mascarenhas. Lisboa: Editorial Presença, 1978. MARTINET, Jean. Chaves para a Semiologia. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1983. Col. Universidade Moderna. PEIRCE, Charles S. Semiótica. Trad. de: The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 10. ed. Trad. de Antônio Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1985. SERRA, Paulo. Peirce e o signo como abdução. Disponível em: bocc.ubi.pt/pag/jpserra_peirce.htm/ Acesso em: 15 abr. 2009. TODOROV, Tzvetan. 1979.

Teorias do Símbolo. Lisboa: Edições 70,

TRABANT, Jürgen. Elementos de Semiótica. Lisboa: Editorial Presença, 1980. http://online.unisc.br/seer/index.php/signo/index/ Acesso em: 15 mar. 2009.

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Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________

aula

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Objetivos

Meta

DICOTOMIAS SAUSSUREANAS: LÍNGUA X FALA, SINCRONIA X DIACRONIA E SINTAGMA X PARADIGMA

Apresentar o referencial teórico que sustenta as dicotomias saussureanas.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • perceber os preceitos que norteiam as dicotomias saussurianas; • identificar as características de cada dicotomia; • reconhecer a importância das dicotomias para os estudos da linguagem.

AULA V

Aula

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DICOTOMIAS SAUSSUREANAS: LÍNGUA X FALA, SINCRONIA X DIACRONIA E SINTAGMA X PARADIGMA

1 INTRODUÇÃO Como você já sabe, Saussure é considerado por muitos o “Pai” da Linguística moderna, não por tê-la “criado” (você viu na aula 1 que o estudo da linguagem é bastante remoto), mas por tê-la alçado ao status de ciência. Dentre as suas contribuições, quatro pares de conceitos se destacam por serem ainda referência para os estudos em linguística. Esses conceitos são consensualmente designados dicotomias, por serem definidos um em relação ao outro, e por não serem compreendidos de maneira fiel se estudados isoladamente. Temos então: língua X fala, sincronia X diacronia, sintagma X paradigma e significante X significado. Esta última dicotomia, como você já estudou, caracteriza o chamado signo linguístico. Nesta aula, trataremos, portanto, das outras dicotomias.

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Dicotomias saussureanas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma

2 DICOTOMIAS SAUSSURIANAS 2.1 Língua X Fala Para Castelar de Carvalho (2003), esta é sua dicotomia básica e, juntamente com o par sincronia / diacronia, constitui uma das mais fecundas. Para Saussure, a oposição desses dois conceitos se deve ao fato de a língua ser eminemtemente coletiva, enquanto a fala é uma propriedade individual. “Langue & Parole”: a primeira é definida como sistemática, enquanto a segunda como assistemática. Situando a sua dicotomia na Sociologia, ciência que, na época, já tinha grande prestígio, Saussure (2008, p. 16) afirma e adverte ao mesmo tempo: “A linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro”. Para ele, a língua, como acervo linguístico, é “o conjunto dos hábitos linguísticos que permitem a uma pessoa compreender e fazer-se compreender” (p. 92). A língua é “uma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos” (p. 27). Para o mestre genebrino, a língua “é, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (p. 17); é “a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la (grifo nosso); ela não existe senão em virtude de uma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade” (p. 22). Dentre os muitos méritos deste conceito, um dos mais importantes é o fato de que Saussure, através dele, estabelece o objeto de estudo da linguística, ao afirmar que esta deve se preocupar apenas com a língua. A fala, ao contrário da língua, por ser individual, torna-se imprevisível, os atos são ilimitados, não formam um sistema e, por isto mesmo, seria assistemática. Os fatos linguísticos sociais, ao contrário, formam um sistema, pela sua própria natureza homogênea. O problema desta concepção é, conforme veremos na próxima aula, a desconsideração do caráter social da fala e da interação.

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2.1.1 Redefinição da dicotomia Língua X Fala Após Saussure, vários pesquisadores redimensionaram, ampliaram e até refutaram suas ideias - como é salutar a toda ciência. Dentre as várias ampliações dos preceitos saussurianos, devemos mencionar a de André Martinet, que propõe a dupla articulação da linguagem (assunto a ser visto na próxima aula), o que proporciona melhor entendimento de dois pontos: a priori, das trocas paradigmáticas de unidades menores da língua (morfemas) e sintagmáticas, da ordem das palavras; a posteriori, a articulação de unidades destituídas de significado, como, por exemplo, em cal, onde o fonema inicial pode ser trocado dando origem a: tal, mal e sal. Outro autor de destaque na ampliação e numa possível realinhação de alguns conceitos de Saussure é Eugenio Cosèriu.

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Este propõe uma redefinição na dicotomia língua X fala, com

Aula

a intercalação do conceito de norma. Segundo Coseriu, o mais apropriado seria o uso da tricotomia língua X norma X fala, e, assim sendo, o conceito saussureano de língua sofreria algumas modificações. A norma proposta por Cosèriu seria o uso coletivo da língua. Em outras palavras, há realizações consagradas pelo uso e que, portanto, são normais em determinadas circunstâncias linguísticas, previstas pelo sistema funcional. Para o autor, a norma seria, assim, um primeiro grau de abstração da fala, pois é à norma que nos ligamos de forma imediata, conforme o grupo social de que fazemos parte e a região onde vivemos. A tricotomia em estudo deve ser entendida como um continuum, haja vista que a língua é um sistema de comunicação atualizado pelo usuário através da fala, que lhe permite adaptá-lo às suas necessidades de uso. Por isso mesmo, a fala é circunscrita no domínio individual, enquanto a língua é coletiva. Considerandose a língua (o sistema) um conjunto de possibilidades abstratas, a norma seria então um conjunto de realizações concretas e de caráter coletivo da língua.

2.2 Sincronia X Diacronia De origem grega, sincronia (syn- “juntamente” e

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Dicotomias saussureanas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma

-chrónos “tempo”) e diacronia (dia- “através” e chrónos “tempo”) representam respectivamente um estado de língua e uma fase de evolução. Assim, de forma inequívoca, a linguística sincrônica se ocupa da língua em um determinado momento do tempo e a linguística diacrônica, da língua e suas variações histórico-temporais. A sincronia é definida por Saussure como o eixo das simultaneidades, das descrições de um deteminado estado de funcionamento da língua. Na outra ponta do eixo, localizamse as sucessividades ou diacronia. Neste enfoque, o linguista tem por objeto de estudo a relação entre um determinado fato e outros anteriores ou posteriores, que o precederam ou lhe sucederam. Acrescente-se, ainda, que a diacronia se divide em história externa (estudo das relações existentes entre os fatores socioculturais e a evolução linguística) e história interna (estuda a evolução estrutural – fonológica e morfossintática – da língua). Saussure prioriza o estudo sincrônico, alegando que o falante nativo não tem consciência da sucessão dos fatos da língua no tempo. Para o indivíduo que usa a língua como veículo de comunicação e interação social, essa sucessão não existe. A única e verdadeira realidade tangível que se lhe apresenta de forma imediata é a do estado sincrônico da língua. Além disso, como a relação entre o significante e o significado é arbitrária, estará continuamente sendo afetada pelo tempo, daí a necessidade de o estudo da língua ser prioritariamente sincrônico. Castelar de Carvalho (2003) exemplifica esse enfoque com o uso do substantivo romaria, que significava originalmente “peregrinação a Roma para ver o Papa”. Hoje, no entanto, é usado unicamente para designar “peregrinação religiosa em geral”. Outros exemplos que ilustram essa perspectiva são: rapariga e vamos em boa hora. O primeiro vocábulo designava, no Brasil-colônia, apenas o feminino de rapaz e, com o passar do tempo, houve evolução semântica, passando a ter cunho pejorativo. Atualmente a palavra tem vários sentidos no Brasil, sendo os mais usuais, de acordo com o Dicionário Aurélio online: Bras. (N, NE e MG) Meretriz, prostituta e mulher-dama. Já o segundo passou pelo processo de evolução fônica (mudança na forma da frase). Atualmente, utiliza-se: “vamos embora

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(norma padrão), rumbora, simbora, borimbora e outros (nível coloquial). Conforme os postulados saussurianos, são estas as características da sincronia e diacronia:

Sincronia

Diacronia

Estática.

Evolutiva.

Descritiva.

Prospectiva e retrospectiva.

Gramática geral.

Gramática histórica.

Interessa-se pelo sistema e pelo Interessa-se pelas evoluções e funcionamento da língua. suas causas. Faz descrições sincrônicas.

Apoia-se sincrônicas.

em

descrições

A despeito da primazia da sincronia sobre a diacronia, o próprio Saussure (p. 16) pondera – na opinião de Castelar

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de Carvalho (2003), premonitoriamente – que prioridade não

Aula

significa exclusividade. Nas palavras de Saussure, a cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma instituição atual e um produto do passado. Dessa forma, Saussure postula que o ponto de vista da ciência linguística é que poderá ser sincrônico OU diacrônico, dependendo do fim a que se pretende atingir. E há determinados casos, por exemplo, em que a descrição sincrônica pode perfeitamente ser conjugada com a explicação diacrônica, enriquecendo-se, desse modo, a análise feita pelo linguista.

2.3 Sintagma X Paradigma Veja o que Saussure fala sobre os eixos sintagmático e paradigmático: Deste duplo ponto de vista, uma unidade lingüística é comparável a uma parte determinada de um edifício, uma coluna, por exemplo; a coluna se acha, de um lado, numa certa relação com a arquitrave que a sustém; essa disposição de duas unidades igualmente presentes no espaço faz pensar na relação sintagmática; de outro lado, se a coluna é de ordem dórica, ela evoca a comparação mental com outras ordens (jônica, corintia, etc.), que são elementos não presentes no espaço: a

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Dicotomias saussureanas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma

relação é associativa (CLG, 1989, p. 143).

Ao fazer tal comparação, Saussure nos dá elementos analógicos para facilitar a compreensão de como essas relações ocorrem num dado momento de fala. Ao fazer referência à coluna e à arquitrave, ele nos induz a imaginar os dois eixos acima citados: um vertical e outro horizontal. O primeiro eixo representa as relações associativas, ou paradigmáticas, e o segundo, as relações combinatórias, ou sintagmáticas. Para você entender essas duas noções, observe as posições que a palavra carro ocupa em cada umas das frases abaixo: a. b. c. d.

No

O carro é de Fábio. Comprei um carro novo. Comprei uma capa para proteger o carro. Estamos sentados no carro, à sua espera.

eixo

sintagmático,

horizontalmente,

devemos

analisar a função da palavra carro a partir das relações que estabelece com os outros termos que estão presentes nas frases. Imagine agora as diferentes formas que o vocábulo carro pode ter: carros, carrões, carrinhos, carroça e outros. Quando você faz este exercício, está associando, a cada posição ocupada pela palavra carro, outras formas do vocábulo que poderiam ali estar. Pode, ainda, imaginar que outras palavras poderiam concorrer com carro para produzir frases estruturalmente idênticas às que se apresentam acima. Ao fazer esse tipo de exercício, estamos no âmbito do eixo paradigmático, ou vertical. Conforme Saussure, as relações sintagmáticas baseiamse, então, no caráter linear do signo linguístico, “que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo” (p. 142). A língua é formada de elementos que se sucedem um após outro linearmente, isto é, “na cadeia da fala” (p. 142). Colocado no eixo sintagmático, um termo passa a ter valor contrastivo em relação àquele que o precede ou lhe sucede, “ou a ambos”, visto que um termo não pode aparecer ao mesmo tempo que outro, em virtude do seu caráter linear. É essa cadeia fônica que faz com que se estabeleçam relações

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sintagmáticas entre os elementos que a compõem. Como a relação sintagmática se estabelece em função da presença dos termos precedente e subsequente no discurso, Saussure a chama também de relação in præsentia. Para entender melhor, veja a representação dos eixos abaixo:

B = EIXO PARADIGMÁTICO D = EIXO SINTAGMÁTICO

A

Ela

C B

pouco

feliz

Você continua

deveras

alegre

Pedro fica

parcialmente

triste

Eu

pareço

menos

infeliz

Eu

estou

muito

cansada

D

Aula





permanece

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A C

Você deve observar que, a partir da frase “Eu estou muito cansada”, várias possibilidades seletivas podem ser feitas, tais como: “eu / ela / você / Pedro - fico / permaneço / continuo pouco / deveras / parcialmente/ - alegre / feliz / triste”. O eixo de seleção associativo, proposto pela relação paradigmática, se faz pela oposição que um termo faz a outro, in absentia, pela ausência dos outros termos no discurso. É a chamada oposição distintiva. Apesar de suscitar discordâncias quanto a alguns pontos da sua obra, é inequívoca a influência que Saussure - com o CLG (Curso de Linguística Geral) - exerceu e exerce na Linguística moderna. A partir dos seus postulados, formaram-se várias escolas estruturalistas (fonológica de Praga, estilística de Genebra, funcionalista de Paris, glossemática de Copenhague), que deram consequência e continuidade ao pensamento do mestre de Genebra. A teoria do signo (com seus dois princípios fundamentais, arbitrariedade / linearidade), as dicotomias, a distinção fonética / fonologia, fone / fonema, a dupla articulação da linguagem, a tricotomia língua / fala / norma são categorias linguísticas

fecundas,

todas

decorrentes

do

pensamento

saussureano e, hoje, estão absolutamente incorporadas às

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Dicotomias saussureanas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma

ciências que estudam a linguagem.

Agora que já detém conhecimentos sobre o assunto,

vamos praticar!

ATIVIDADE 1. Vimos, ao longo da aula, porque Saussure é considerado o fundador da Linguística moderna. Discorra sobre alguns postulados teóricos que influenciaram para que esta ciência se configurasse como tal. 2. Apresente, pelo menos, duas características de cada dicotomia nos quadros abaixo:

Língua

Fala

Dicotomia

Características

Sincronia

Diacronia

Dicotomia

Características

Sintagmas

Paradigma

Dicotomia

Características

3. Eugenio Cosèriu propõe uma realocação da dicotomia Língua X Fala para tricotomia. Que outro elemento é inserido? Você poderia dar um exemplo de uma palavra que, por força do uso dos falantes, esteja mudando no Português falado do Brasil?

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Tricotomia:________________________________________________________ Palavra:__________________________________________________________

4. Cite um fato linguístico (palavra, frase etc.) da Língua Portuguesa falada no Brasil que poderia ser examinado à luz da sincronia e diacronia. Justifique a sua escolha. 5. Leia o fragmento do poema “E agora José?”, de Carlos Drummond de Andrade, e depois responda a questão:

Aula

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Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse… Fonte: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/j/jose_poema_drummond.

Tendo como base os conceitos da última dicotomia apresentada nesta aula, identifique em que eixo (paradigmático ou sintagmático) está localizada esta ocorrência da língua. Justifique sua resposta. 6. Discorra um pouco sobre a importância dos estudos dicotômicos para a Linguística moderna.

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Dicotomias saussureanas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma

RESUMINDO

3 RESUMO

Nesta aula, você viu que: • O estruturalismo, conforme exposto na obra de Saussure, baseia-se na convicção de que a linguagem é um sistema abstrato de relações diferenciais entre todas as suas partes. • Esse sistema se apresenta subjacente aos fatos linguísticos concretos e constitui o principal objeto de estudo do linguista. • Para fundamentar suas afirmações, Saussure estabeleceu uma série de definições e distinções sobre a natureza da linguagem, que se podem resumir nos seguintes pontos: a. a langue (língua) é o sistema de signos presente na consciência de todos os membros de uma determinada comunidade linguística, e a parole (discurso), a realização concreta e individual da língua num determinado momento e lugar por cada um dos membros da comunidade; b. o estudo sincrônico da língua (considerado prioritário por Saussure) se caracteriza pela descrição do estado estrutural da língua em um dado momento, e o estudo diacrônico, pela descrição da evolução histórica da língua, que leva em conta os diferentes estágios sincrônicos; c. um signo (composto pelo significante e significado) se define em termos sintagmáticos (a partir das relações com outros elementos que se combinam na sequência do discurso) ou paradigmáticos (associações com outros elementos capazes de aparecer no mesmo contexto).

LEITURA RECOMENDADA

Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros de CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2003 e de CABRAL, L. S. Introdução à Linguística. Porto Alegre: Globo, 1976.

Na próxima aula... conheceremos importantes posicionamentos teóricos acerca da linguagem humana e comunicação animal. Veremos o porquê desta diferença terminológica e as características de cada uma. Até lá!

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REFERÊNCIAS

BENVENISTE, Émile. Problemas de Lingüística Geral I. Trad. de Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1991. BORBA, F. da Silva. Introdução aos Estudos Lingüísticos. Campinas: Pontes, 1997. CAMARA, J. Mattoso. Princípios de Lingüística Geral. Rio de Janeiro: Padrão, 1989. CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. CABRAL, L. S. Introdução à Lingüística. Porto Alegre: Globo, 1976. LYONS, John. Linguagem e Lingüística: uma introdução. Trad. de Marilda Winkler Averbug; Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

Aula

5

MARTINET, André. A Lingüística Sincrônica. Trad. de Lilian Arantes. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1971. ORLANDI, Eni. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense, 1990. PERROT, J. A Lingüística. Trad. de M. L. Rodrigues e N. A. Mabuchi.São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. ROBINS, R. H. Lingüística Geral. Trad. de Elisabeth Corbetta A. da Cunha et al. Rio de Janeiro, Globo, 1981. ROBINS, R. H. Pequena História da Lingüística. Trad. de Luiz Martins. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico S/A, 1983. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Trad de A. Chelini, José P. Paes e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2008. VANOYE, Francis. Usos da Linguagem. Trad. Clarisse Madureira Sabóia. São Paulo: Martins Fontes, 1991. http://www.filologia.org.br/viisenefil/09.htm / Acessado em 28 nov. 2008. http://www.jackbran.pro.br/linguistica/norma_coseriu.htm/ Acessado em 15 nov. 2008. http://www.linguisticacom.blogspot.com/2008/02/relaessintagmticas-e-relaes.html/ Acessado em 15 fev. 2009.

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Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________

aula

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Objetivos

Meta

LINGUAGEM HUMANA E COMUNICAÇÃO ANIMAL

Apresentar pressupostos básicos sobre a linguagem humana e comunicação animal, bem como as suas características e diferenciações.

Ao final desta unidade, você deverá: • reconhecer pressupostos teóricos sobre linguagem humana e comunicação animal; • identificar as características e diferenças entre linguagem humana e comunicação animal.

UNIDADE VI LINGUAGEM HUMANA E COMUNICAÇÃO ANIMAL

1 INTRODUÇÃO Você já deve ter ouvido falar que animais se comunicam entre si e com humanos, não é?

Saberia

responder com precisão a diferença entre linguagem e comunicação? Se sim, ainda que intuitivamente, parabéns! Vamos apenas sistematizar teoricamente; se não, vamos ver o Figura 1 - Gato e menina se comunicando. Fonte: http://fotos.imagensporfavor.com/img/pics/glitters/t/ternura-9325.jpg.

confusão entre os termos, pois as pessoas costumam tomar um termo por outro. No entanto, em linguística, há uma sutil diferença. Conforme o Dicionário Aulete Digital, linguagem é qualquer sistema de sinais, ou signos, através dos quais dois seres se comunicam entre si para transmitir e receber informações, avisos, expressões de emoção ou sentimento etc. Embora existam sistemas de linguagem entre animais e até vegetais, é no homem que estes sistemas atingem altos níveis de aperfeiçoamento, que se expressam com grande acuidade, expressividade e potencial de armazenamento e memorização, condição básica para a construção de conhecimento e formação de cultura. Comunicação, por sua vez, é definida como capacidade, processo e técnicas de transmitir e receber ideias, mensagens, com vistas à troca de informações, instruções etc. Percebeu que a noção de linguagem é mais ampla do que a de comunicação? Você verá por que isto ocorre e por que razão a tradição linguística tem classificado as interações dos humanos e dos animais dessa forma.

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Letras

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Aula

linguística. De modo geral, há muita

6

que há de pressuposto na área da

Introdução aos Estudos Linguísticos I Linguagem humana e comunicação animal

2 LINGUAGEM HUMANA E COMUNICAÇÃO ANIMAL: DEFINIÇÃO LINGUÍSTICA Você já tentou aprender outro idioma? Lembra-se do esforço empregado para conseguir compreender o significado das palavras da outra língua, além da estrutura gramatical diferente e dos sons que, em si, divergiam do português falado no Brasil? E se você só fala português e encontra Figura 2 - Menina e pássaro cantando. Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1205807.

alguém que não entende a nossa língua, um árabe, por exemplo, e precisa transmitir uma mensagem? O que fará? Usará gestos? Isto

ajudará a comunicar suas necessidades e emoções imediatas, mas nada além disto, não é verdade? Pois bem. Para a maioria dos estudiosos em linguística, essa é a diferença entre linguagem e comunicação. A linguagem humana utiliza recursos de expressão de maneira muito mais complexa do que a comunicação física dos animais. Chomsky (como você estudou em aulas anteriores) preconiza que a linguagem é inata ao ser humano e que, a partir de um número finito de regras, somos capazes de elaborar um número infinito de frases. Segundo ele, herdamos geneticamente princípios universais (que são válidos a qualquer língua) e, além disto, colocamos em prática parâmetros específicos que vão diferenciar, por exemplo,

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SAIBA MAIS

a FR K C AM

No artigo intitulado “A comunicação animal: uma forma de linguagem?”, Gabriel de Ávila Othero, da PUC-RS, tenta conciliar o pensamento chomskyano e o evolucionismo. Embora não use o termo protolinguagem, Othero discorda da afirmação de Chomsky sobre não haver qualquer semelhança entre a comunicação animal e a linguagem humana, mas concorda que a riqueza de criar sentenças distintas a partir de termos recorrentes na língua seja uma exclusividade humana. De acordo com Othero, os primatas conseguem lidar com uma linguagem simbólica e criar sentenças rudimentares, mencionando o chimpanzé Chimpsky – batizado assim, como uma referência a Chomsky – e a gorila Koko, que foram domesticados em centros de primatologia e treinados para usar a língua de sinais norteamericana. “O que acontece no caso dos animais que dominam alguma linguagem de sinais é que eles apresentam uma sintaxe bastante rudimentar, sem essa capacidade de criação e de recursão. Além disso, esses animais passam por treinamentos exaustivos e artificiais. Não vemos na natureza animais se comunicarem pela linguagem de sinais”, observa. Fonte: http://comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=31&id=360.

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Módulo 1

I Volume 3

estruturas

de

uma

língua

para outra (fixados a partir do contato da criança com a língua dos pais). No processo de

comunicação,

também

somos capazes de fazer uso do tom e da altura da voz para reforçar os efeitos pretendidos. Já os animais não têm essas mesmas habilidades. A linguagem pode ser definida linguisticamente como um meio de comunicação entre os seres humanos que fazem

EAD

uso de signos orais e, ou escritos. Algumas escolas linguísticas entendem a linguagem como a capacidade de exprimir o pensamento ou a cognição. Nas últimas décadas, é praticamente consenso que a linguagem pode ser estudada sob dois pontos de vista: de acordo com o uso ou a partir de sua estrutura. Os estudos que focalizam a estrutura/forma fazem parte do movimento estruturalista (como você já viu na aula 1). As investigações sobre o uso incluem, dentre outros, a análise dos conteúdos, do discurso, a crítica literária, o estudo das variações e mudanças linguísticas e os fatores sociais que determinam os comportamentos linguísticos de uma comunidade, a pragmática e outras vertentes. A linguagem humana difere da comunicação animal em algumas características. Veja os argumentos que sustentam

COMUNICAÇÃO ANIMAL

Possui sistemas gramaticais complexos.

É destituída de gramática e de complexidade.

Reconhece que há referencial simbólico, é baseada em símbolos (como você viu nas aulas 3 e 4, quando estudou os signos).

Não-simbólica, composta de índices.

Há sempre uma intenção (argumentativa) norteando a comunicação.

Não há intenção voluntária.

Há temporalidade: passado, presente e futuro.

Não há temporalidade.

A linguagem humana pode produzir uma quase infinita variedade de pensamentos.

Raramente os animais excedem a quarenta diferentes manifestações ou chamados.

A linguagem humana é controlada pelo córtex cerebral esquerdo.

É controlada pela base do cérebro e pelo sistema límbico.

A cultura é tipicamente humana.

Não é cultural.

A humana comunica sempre coisas novas.

É invariável.

Percebeu a diferença? Vamos sedimentar mais um pouco o que estamos estudando, observando a direção conceitual que os autores propõem para tratar da estrutura simbólica da linguagem.

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Letras

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Aula

LINGUAGEM HUMANA

6

essa diferenciação:

Introdução aos Estudos Linguísticos I Linguagem humana e comunicação animal

3 A LINGUAGEM E SUA ESTRUTURA SIMBÓLICA Você viu na seção anterior que a linguagem humana difere da comunicação animal por várias razões. Nesta seção, será dada ênfase à estrutura simbólica da linguagem, propriedade exclusiva do ser humano. Para começar a nossa discussão, leia o seguinte fragmento: O ser humano é a única criatura sobre a terra que possui a linguagem. Poder-se-ia conceber o ato de adoração sem a existência da linguagem simbólica com a qual se transmitem os conceitos religiosos? Como o ritual exige simbolismo, meu gato, por exemplo, incapaz de usar símbolos, seria incapaz de qualquer ato de adoração. Sem a linguagem, não pode existir adoração, nem oração, e nem comunhão com Deus. Sem a linguagem, não teria sido possível transmitir a Adão a ordem para não comer do fruto da árvore, e sem essa ordem não teria havido nem o pecado e nem a queda. [...] A linguagem é crucial a tudo que nos torna seres verdadeiramente humanos. Fonte: Morton, em: http://www.scb.org.br/fc/FC60_10.htm.

Percebeu a importância da linguagem para o ser humano? Então vamos ver melhor o que a diferencia do sistema de comunicação animal. Em primeiro lugar, a linguagem humana pode produzir uma quase infinita variedade de pensamentos, contrariamente aos sistemas de comunicação dos animais que, na natureza, raramente excedem quarenta diferentes manifestações ou chamados. Em segundo lugar, a comunicação entre os animais é destituída de gramática e de complexidade, o que se observa até mesmo em macacos treinados especificamente para dominar a linguagem. Eles não usam, por exemplo, artigos, preposições, conjunções e outras categorias gramaticais. Uma criança normal rapidamente manifesta sua capacidade de produzir expressões complexas, a partir de unidades menores e mais simples. Por fim, a singularidade da linguagem humana baseiase no seu referencial simbólico; toda a comunicação nãohumana é não-simbólica. A linguagem humana é um sistema

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de comunicação baseado em símbolos. A palavra exprime um conceito, e não realmente um objeto. Por exemplo, o conceito expresso pela palavra agricultor na linguagem usada nos Estados Unidos é bastante diferente do conceito expresso pela palavra nong ming em Chinês. Embora ambas as palavras se refiram àquele que produz alimentos a partir do cultivo do solo, nos Estados Unidos, o agricultor é um homem de negócios independente, enquanto que na China ele contém uma forte ideia política como representante do proletariado. Veja o que Morton, em seu artigo digital intitulado “A linguagem humana” escreve:

Aula

6

[...] Há pessoas que tentaram afirmar que alguns animais manifestam simbolismo em seus gritos, citando como exemplo os três tipos diferentes de alarme feitos por uma determinada espécie de macacos para alertar seus companheiros quanto ao perigo proveniente da presença de leopardos, serpentes ou águias. Cada grito corresponde somente a um dos perigos específicos, e induz uma só resposta coletiva. Entretanto, isso não constitui um sistema simbólico. Deacon observou a invariança da resposta produzida por cada um dos gritos, e mostrou que o comportamento correspondente era instintivo.

Assim, de acordo com o autor, apesar de alguns trabalhos acadêmicos apontarem que existe entre os animais um sistema simbólico, as pesquisas apontam que, após anos de treinamento, poucos animais mostraram algum indício do uso de símbolos, valor insignificante se comparado ao potencial humano.

3.1 Linguagem e recursividade A linguagem humana é um sistema simbólico que se destaca dos outros porque utiliza signos convencionais e que, por isto mesmo, são arbitrários em sua grande maioria (conforme você viu na aula 3). Os signos usados encontram-se interligados por um sistema coerente, cujas regras permitem construir um número infinito de mensagens. É por esta razão que podemos explicar os símbolos. Quer exemplos?

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Introdução aos Estudos Linguísticos I Linguagem humana e comunicação animal

Figura 3 - Buda. Fonte: http://commons. wikimedia.org/wiki/File:Kamakura_Budda_ Daibutsu_right_1879.jpg.

Figura 4 - Novo Testamento. Fonte: http:// commons.wikimedia.org/wiki/File:Bibel-1.jpg.

Figura 5 - Totem. Fonte: http://commons. wikimedia.org/wiki/File:Totem-Head.jpg.

Como explicar cada cultura exposta nessas imagens, senão por palavras (signos)? Como adorar a Jesus Cristo, cultuar Buda ou reverenciar o totem expressando os seus preceitos religiosos e, ou filosóficos sem fazer uso das palavras? Isso nos torna diferentes em relação a todos os outros animais porque possuímos subjetividade, cognição e capacidade criativa. Um dos mecanismos que ilustra essa capacidade é a chamada recursividade (possibilidade de encadear uma ideia na outra para formar unidades maiores), propriedade que é peculiar da nossa espécie. Para ilustrar isso, veja o texto abaixo: Quadrilha Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história Fonte: http://letras.terra.com.br/carlos-drummond-de-andrade/460652/.



Você percebe que há vários encadeamentos no

texto? É esse tipo de recurso que nos permite formar novas estruturas, novos enunciados. A propósito, não podemos falar dessa propriedade sem mencionar a importância de Émile Benveniste para o estudo da linguagem humana. No

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I Volume 3

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de linguistique générale (Problemas de Linguística Geral), intitulado Comunicação Animal e Linguagem Humana, o autor nega a interpretação linguística behaviorista (de base saussureana), demonstrando que a linguagem humana, diferentemente das linguagens das abelhas e outros animais, não pode ser simplesmente reduzida a um sistema de estímulo-resposta. Benveniste

afirma

que

a

comunicação é um elemento presente em

Émile Benveniste (1902, Cairo - 1976) foi um linguista estruturalista francês, conhecido por seus estudos sobre as línguas indo-europeias e pela expansão do paradigma linguístico estabelecido por Ferdinand de Saussure. Iniciou seus estudos na Sorbonne, com Antoine Meillet, que fora aluno de Saussure. Lecionou na École Pratique des Hautes Études; mais tarde, trabalhou no Collège de France como professor de linguística. Nesta época, já havia iniciado suas pesquisas sobre gramática comparada das línguas indo-europeias. Em 1961, fundou com Claude Lévi-Strauss e Pierre Gourou a revista de antropologia L’Homme. Permaneceu no Colège de France até 1969, quando se aposentou devido a problemas de saúde.

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a FR K C AM SAIBA MAIS

Capítulo 5 de sua principal obra, Problèmes

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89mile_Benveniste.

animais que vivem em sociedade: essa seria uma marca da comunicação; mas isto não bastaria para definir a linguagem. A chave da questão estaria na interação, na resposta, na capacidade de refazer a mensagem, de reorganizá-la e devolvêla ao outro depois de reprocessá-la. Em outras palavras, a chave da questão está na recursividade. As abelhas, por exemplo, segundo o experimento de

6



Aula

Karl von Frisch (relatado no capítulo 5 do livro já citado), possuem um meio complexo para transmitir a mensagem: a distância e a direção de localização do alimento; no entanto, só executam as suas danças com esta finalidade. Informam se há comida, néctar ou pólen, numa direção ou noutra, mas fora isso não informam mais nada. Não há resposta e nem simbolização; a apreensão da mensagem é objetiva, concreta. A capacidade abstrata do símbolo (signo), ou seja, estar no lugar de outra coisa (no dizer peirciano), representá-la na sua ausência, trazer e construir o pensamento para o outro, são propriedades exclusivamente humanas.

A linguagem é, portanto, o nosso diferencial, a condição

para a existência da nossa cultura, é a forma de tomarmos consciência de nós e dos outros. O nosso mundo organiza-se a partir dela. E, apesar de termos dedicado anos de trabalho para ensinar animais (como a chimpanzé Chimpsky) a se comunicarem com a linguagem humana, percebemos que, por mais que possamos avançar, há um limite, bem distante do mínimo que um ser humano pode fazer.

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Letras

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Introdução aos Estudos Linguísticos I Linguagem humana e comunicação animal

4 POR QUE O PAPAGAIO FALA? A essa altura você deve estar perguntado: por que o papagaio fala e as outras aves não? Vamos falar um pouco sobre isto, mas, antes, veja uma piada sobre papagaio: PAPAGAIO FALA DEMAIS E “ENTREGA” NAMORADA INFIEL Um programador de computador descobriu que sua namorada estava tendo um caso quando seu papagaio não parava de repetir o nome de um homem, informou a imprensa britânica ontem. A ave, um papagaio cinza africano, não parava de dizer “I love you, Gary” (Eu te amo, Gary) ao seu dono, Chris Taylor, quando ele estava sentado no sofá ao lado da namorada, Suzy Collins, no flat que dividiam em Leeds, na Grã-Bretanha. Quando Taylor reparou a reação embaraçada da namorada, a confusão veio à tona. Ela tinha um amante com que se encontrava no próprio flat, sob o olhar curioso de Ziggy, o papagaio. A operadora de telemarketing admitiu o romance com um colega de trabalho chamado Gary que já durava quatro meses. De acordo com a imprensa britânica, Ziggy também imitava a voz de Collins toda vez que ela falava ao telefone “Oi, Gary”. A operadora de telemarketing não mora mais com Taylor e Ziggy. Colunista - Labellaluna® Fonte: http://newsblog.com.br/2006/07/ papagaio-fala-demais-e-entrega.html.



Esta piada foi colocada para você refletir um pouco

sobre a fala deste animal, que, originalmente silvestre, foi transformado em animal de estimação. Você sabia que a habilidade do papagaio de imitar sons só acontece como uma espécie de compensação do estresse ocasionado pelo distanciamento do seu habitat natural? Que apenas algumas espécies de papagaios possuem habilidade de imitar a fala humana? Que nem todos os papagaios se tornam bons imitadores? Figura 6 - O papagaio (Amazona aestiva) mais popular no Brasil é também a espécie que mais reproduz sons do ambiente em que vive. Autor: José Reynaldo da Fonseca.

Veja o seguinte fragmento:

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Papagaio_(Macho)_REFON_010907.jpg.

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Sem estímulo os pássaros não aprendem os cantos. E, tanto isso é verdade que a falta de exemplos sonoros pode levar a deformações. Não são raras as aves que afastadas do convívio de seus pares acabam adquirindo o meio de expressão de outra espécie. Tal fato não deve ser confundido com a facilidade que certos pássaros têm de arremedar a expressão vocal alheia. É o caso, por exemplo, dos papagaios que chegam a imitar a voz humana. Para muitos ornitólogos, o fenômeno deve ser creditado a uma relação íntima e constante. [...] No entanto, é preciso esclarecer que estas imitações se dão sempre ao nível da chamada, que a ave introduz dentro da linha de seu canto. Pois quando ela precisa lançar mão do grito de advertência diante de uma situação que lhe diz respeito, jamais utilizará a chamada de outra espécie, mas a que lhe é característica. Fonte: http://www.cobrap.org.br/site/artigos_vis.php?id=248

Pois bem, o papagaio, na verdade, não fala, apenas reproduz o que ouve. A ele, falta-lhe a chamada habilidade linguística, que só os humanos têm. Portanto, somente os homens é quem têm a faculdade da linguagem, a propriedade mais marcante que vai diferenciá-los dos outros animais.

6

Interessante o assunto, não? Mas todas essas informações

Aula

não farão sentido se não forem devidamente internalizadas, por isto, vamos às atividades!

5 RESUMO Nesta aula, você estudou que:

ATIVIDADE 1. O caminho percorrido ao longo do século passado nos levou ao conhecimento de importantes pressupostos acerca da linguagem humana e comunicação animal. Leia o Capítulo 5 do livro de Benveniste (Problemas de Linguística Geral), intitulado Comunicação Animal e Linguagem Humana, e apresente, em poucas linhas, as diferenças existentes entre essas competências. 2. Qual é a posição de Noam Chomsky a respeito da linguagem humana? 3. Apresente seis características da linguagem humana que comprovam a diferença terminológica entre esta e a comunicação animal. 4. Se um leigo lhe perguntar por que o papagaio fala, mas não conversa, que resposta você lhe dará?

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Letras

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Introdução aos Estudos Linguísticos I Linguagem humana e comunicação animal

RESUMINDO

● A linguagem na vida do homem não é apenas um instrumento de comunicação. ● A linguagem humana difere da comunicação animal. ● A linguagem humana é um sistema simbólico que se manifesta por meio da recursividade. ● O papagaio apenas imita sons.

LEITURA RECOMENDADA

Na próxima aula... Veremos, como sequência deste assunto, a Dupla Articulação da Linguagem. Até breve!

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Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros de BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral I e II. Trad. por Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes,1989 e JAKOBSON, R. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro Brikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1993.

Módulo 1

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REFERÊNCIAS

BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral I e II. Trad. de Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1989. CAGLIARI, L. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione, 1997. CAMARA JR., J. M. Dicionário de lingüística e gramática. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. COLLADO, J. A. Fundamentos de Lingüística Geral. Lisboa: Edições 70, 1980 DUBOIS, J. et al. Dicionário de Linguística. Trad. de Izidoro Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1996. JAKOBSON, R. Lingüística e Comunicação. Trad. de Izidoro Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1993. LYONS, J. Linguagem e Lingüística: uma introdução. Trad. de Marilda Winkler Averbug; Clarisse Sieckenius de Souza.

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Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. Aula

MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (Orgs.) Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras. v. 1 e 2. São Paulo: Cortez, 2001. MORTON, Glenn R. Disponível em: http://www.scb.org.br/fc/ FC60_10.htm. Acesso em: 16 maio 2009. ORLANDI, E. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense, 1992. ROBINS, R. H. Lingüística Geral. Trad. de Luiz Martins. Porto Alegre: Globo, 1977. http://educacao.uol.com.br/filosofia/filosofia-dalinguagem-7.jhtm Acesso em: 26 nov. 2008. http://www.cobrap.org.br/site/artigos_vis.php?id=248. Acesso em: 23 dez. 2009. http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start. htm?sid=2&infoid=787, Acesso em: 15 jan. 2009.

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Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________

aula

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Objetivos

Meta

DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM

Apresentar referenciais teóricos que sustentam a constituição da linguagem humana numa dupla articulação, levando em consideração que é isto que diferencia o homem do animal.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • identificar as duas articulações como componentes da linguagem humana; • reconhecer as características da linguagem humana e da comunicação animal.

AULA VII

Aula

7

DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM

1 INTRODUÇÃO Na aula passada, você viu que humanos e animais se comunicam entre si e uns com ou outros, mas que a linguagem é um faculdade exclusivamente humana. Vamos, nesta aula, verticalizar um pouco a discussão, revisitando o conceito de Èmile Benveniste sobre recursividade, bem como os estudos sistematizados por André Martinet, funcionalista francês que figura como principal referência no que se refere à dupla articulação da linguagem. Também buscaremos Saussure e Chomsky, novamente, para percebemos as relações imbricadas entre as suas concepções e as de Martinet. Veremos alguns exemplos que ilustrarão os pressupostos com o fito de tornálos mais compreensíveis. Preparados? Então vamos!

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Letras Vernáculas

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Introdução aos estudos linguísticos

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Dupla articulação da linguagem

A DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM

Linguista francês e importante representante

SAIBA MAIS

a F R do movimento funcionalista, André Martinet K C AM nasceu a 12 de abril de 1908, em Saint-Albansdes-Villards (Savoie), e faleceu a 16 de julho de 1999, em Châtenay-Malabry. Em sua juventude, teve intenso contato por correspondência com os membros do Círculo Linguístico de Praga, o que lhe permitiu conhecer o movimento estruturalista e, com outros nomes de igual importância, desenvolver mais tarde o funcionalismo. O mestre distinguiu-se principalmente pelo desenvolvimento do funcionalismo, na sequência do estruturalismo, e por ter aplicado este paradigma linguístico à fonologia, morfologia e sintaxe do francês. André Martinet influenciou também a linguística brasileira, principalmente nos escritos do linguista brasileiro Joaquim Mattoso Camara Júnior.

Figura 1 - André Martinet, principal referência em dupla articulação da linguagem. Fonte: http://www.unc.edu/~melchert/martinet2.jpg.

André Martinet afirma que a linguagem é duplamente articulada. Você sabe o que quer dizer isso? Antes, deverá entender o que é articulação. Originada

do

latim,

a

palavra

articulus

significa

“parte, subdivisão, membro”. Desta forma, quando se diz que a linguagem é articulada, o que se deve entender é que as unidades linguísticas são suscetíveis de ser divididas, segmentadas, recortadas em unidades menores. Para Martinet, Fonema é a menor unidade de som de uma língua, com valor distintivo, mas desprovida de significado. Em português, distiguem-se entre si vocábulos como bata e pata ou gata e cata pelo traço fônico [sonoro ou não-sonoro] contido no primeiro fonema de cada um dos vocábulos (Dicionário Aulete Digital).

todo enunciado da língua articula-se em dois planos. No primeiro, temos a divisão do enunciado linguístico em unidades significativas mínimas, que são os monemas, unidade constituída de significante e significado (Lembra do signo saussuriano?). Vale lembrá-lo que o significado dificilmente pode ser analisado em unidades menores. Entretanto, o aspecto vocal ou significante é composto por unidades distintivas mínimas, os fonemas, que constiuem a segunda articulação.

Vamos entender o primeiro plano? A palavra “recontar”

pode ser decomposta em três monemas: “re”, “con”, e “tar”. Com esses três monemas, podemos criar outras palavras: 1. A partir do monema “re”, pode-se compor palavras como: rever, relatar, retocar, reler, recomeçar etc.

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2. A partir do monema “con”, pode-se compor: contemporizar, concretizar, conversar, convergir, concordar, condensar etc. 3. A partir do monema “tar”, pode-se derivar: contar, estar, pintar etc. Entendeu? Veja outro exemplo: A frase Os meninos brincavam pode ser segmentada nos seguintes monemas: o, artigo definido; -s, monema de plural; menin-, radical que conduz ao sentido de garoto/a; -o, monema de masculino; -s, monema de plural; brinc-, radical do verbo brincar; -a, monema que indica que o verbo pertence à primeira conjugação; -va, monema modo-temporal que indica o pretérito imperfeito do indicativo; -m, monema número-pessoal que indica a 3ª pessoa do plural. Da mesma forma como fizemos no exemplo anterior, cada uma dessas unidades pode ser substituída por outra no eixo paradigmático ou só combinar-se com outras no eixo sintagmático (como você viu na Aula 5, quando estudou sobre esses paradigmas). Com isso, podemos ter inúmeras frases, inúmeras palavras... Lembra do que preconiza Chomsky? A partir de um conjunto finito, pode-se elaborar um conjunto infinito...

Agora vamos entender o segundo? Cada monema pode

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segmentar-se em unidades menores, destituídas de sentido.

Aula

Essas unidades, como você já sabe, são os fonemas. Por exemplo, o monema brinc- se articula nos fonemas /b/, /r/, /i/, /n/ e /c/. Nesse plano, as unidades têm apenas valor distintivo. Deste modo, quando se substitui o /b/ do monema brinc- por /t/ se produz um outro radical, trinc-, de trincar, por exemplo. Você deve perceber que a dupla articulação da linguagem é um mecanismo de economia linguística. Com poucas dezenas de fonemas, cujas possibilidades de combinação estão longe de ser todas exploradas em cada língua, formam-se milhares de unidades de primeira articulação. Com alguns milhares de unidades de primeira articulação, forma-se um número ilimitado de enunciados. Assim, se precisássemos atribuir um som diferente para cada coisa ou objeto, teríamos que produzir, distinguir e memorizar milhões de sons diferentes, o que é inviável diante da nossa capacidade fonatória, auditiva e da memória.

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Introdução aos estudos linguísticos

Dupla articulação da linguagem

Conforme Martinet, na primeira articulação, existem as unidades significativas do plano da expressão, onde se circunscrevem fonética, morfologia e sintaxe e, na segunda articulação, as unidades fonológicas do plano do conteúdo, compreendendo os campos de estudo da fonologia e da semântica. Entendeu? Para complementar a compreensão, observe o seguinte diagrama: DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM

MONEMAS

FONEMAS

Unidade mínima constituída de significante e significado; pode vir a ser um radical (um lexema, que muitas vezes coincide com uma palavra)

Menor unidade de som de uma língua, com valor distintivo mas desprovida de significado.

PLANO DE EXPRESSÃO

PLANO DO CONTEÚDO

Fonética, morfologia e sintaxe

Fonologia e Semântica

Assim podemos visualizar melhor a inventividade da dupla articulação da linguagem. Na primeira, utilizamos unidades com conteúdo semântico e expressão fônica – os monemas; a partir disto, podemos construir uma quantidade infinita de diferentes mensagens; na segunda, ocorre a expressão fonética dessas mensagens, articuladas em unidades distintas, sucessivas e destituídas de significados, os fonemas, que têm número fixo em cada língua.

3 ARTICULAÇÃO ANIMAL X ARTICULAÇÃO HUMANA: CARACTERÍSTICAS Por experiência, sabemos que o homem reagirá a certos estímulos do ambiente com respostas diferentes. Essa variação

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ocorre principalmente pela influência da sua cultura, sua cadeia simbólica e o meio em que vive. O homem aprende músicas, piadas, poemas, palavrões, filmes etc. e tem condições de adaptar os significados às mais variadas situações. No extremo oposto, estão os animais que, a cada estímulo externo, respondem com uma ação, sempre a mesma, que é determinada por seu código genético: uma cadeia instintiva e fechada. Um sistema de códigos. E somente isto. Essa oposição pretende ilustrar o que você já estudou sobre a finitude X infinitude da

comunicação

animal

e

linguagem

humana. Na aula anterior, você viu que a linguagem simbólica é que torna o homem diferente dos demais seres em termos de comunicação. Vamos retomar brevemente algumas ideias para solidificarmos o que está sendo discutido. A linguagem simbólica e a dupla

Figura 2 - Seres humanos possuem duas articulações e animais possuem apenas uma articulação Fonte: UAB/UESC

articulação da linguagem possibilitam uma

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disseminação de sentidos que é evidenciada por eminentes

Aula

autores como Jorge Luis Borges, que, em sua sexta conferência em Harvard, tenciona discutir a dimensão alusiva da linguagem: Eu queria expressar tudo. Pensava, por exemplo, que, se precisava de um pôr-do-sol, devia encontrar a palavra exata para o pôr-do-sol – ou melhor, a mais surpreendente metáfora. Agora cheguei à conclusão (e essa conclusão talvez soe triste) de que não acredito mais na expressão: acredito somente na alusão. Afinal de contas, o que são as palavras? As palavras são símbolos para memórias partilhadas. Se uso uma palavra, então vocês devem ter alguma experiência do que essa palavra representa. Senão a palavra não significa nada para vocês. Acho que podemos apenas aludir, podemos apenas tentar fazer o leitor imaginar. O leitor, se for rápido o suficiente, pode ficar satisfeito com nossa mera alusão a algo (BORGES, 2000, p. 122).

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Letras Vernáculas

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Introdução aos estudos linguísticos

Dupla articulação da linguagem

Perceberam que o poeta, tal como Peirce e outros, define a palavra como símbolo? A peculiaridade da linguagem humana baseia-se no seu referencial simbólico porque a palavra exprime um conceito, e, como bem disse o poeta, faz alusões. A situação de interação, a refacção da mensagem, a competência para reorganizá-la e devolvê-la ao outro depois de reprocessá-la constituem o que Benveniste definiu como recursividade. E é disto que, em outras palavras, nos falou o poeta. Como já viu na aula anterior, o que difere a linguagem humana da comunicação animal é o fato de o animal não conhecer o símbolo, mas somente o índice. E o índice se relaciona de forma fixa e única com a coisa a que se refere. O adestramento de animais, por exemplo, é feito com base nas repetições de frases ou gestos que indicam algo bem específico; são, portanto, índices. Outra característica que se pode apontar em relação às duas articulações (animal e humana) é que a comunicação animal dirige-se para a adaptação a uma situação concreta, pois a inteligência dos animais ainda é concreta; enquanto a linguagem humana pode intervir abstratamente, distanciando o homem da experiência vivida, tornando-o capaz de reorganizála num outro contexto e lhe impingir um novo sentido. No que se refere ao tempo, é pela palavra que somos capazes de nos situar; evocamos o passado e antecipamos o futuro pelo pensamento. Já o animal vive sempre no presente. Estas são, portanto, mais algumas características que diferenciam a linguagem humana da comunicação animal. Vamos agora fazer algumas atividades!

ATIVIDADE 1. A dupla articulação da linguagem é um importante princípio postulado por André Martinet. A partir dos pressupostos apresentados, conceitue a dupla articulação. Em seguida, cite cinco exemplos da primeira articulação, e, decompondo partes destes mesmos exemplos, cite cinco da segunda. 2. Segmente a frase abaixo em monemas, e, depois, escolha três deles e faça novas composições: a) Os cachorros correram.

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Módulo 1

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Volume 3

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3. Você é capaz de reconhecer as características (que foram abordadas nesta aula) da linguagem humana e da comunicação animal? Para sedimentar as informações, preencha o quadro abaixo: LINGUAGEM HUMANA Infinita

LINGUAGEM ANIMAL Finita

4. Preencha a segunda coluna de acordo com as caratecterísticas dos seres apresentados na primeira:

7

Coluna 2 ( ) Tem inteligência concreta. ( ) Reconhece somente índices. ( ) Tem inteligência abstrata. ( ) Re-contextualiza signos. ( ) Age por repetição, condicionamento. ( ) Reage somente a ações codificadas. ( ) É capaz de estabelecer conexões conceituais. ( ) Reconhece e se comunica por símbolos.

Aula

Coluna 1 (a) Homem. (b) Animal.

5. Imagine que você esteja conversando com uma pessoa leiga no assunto “linguagem humana e comunicação animal”. Ela olha a imagem ao lado e lhe pergunta: “Agora, que é estudante de Letras, pode me explicar qual é a diferença entre linguagem humana e animal?” Que resposta daria a esta pessoa?

Figura 4 - Jovem com um cavalo. Fonte: UAB/UESC.

UESC

Letras Vernáculas

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Introdução aos estudos linguísticos

Dupla articulação da linguagem

RESUMINDO

4 RESUMO Nesta aula, você viu que:

● André Martinet elaborou o estudo mais profundo acerca da “dupla articulação da linguagem”, postulando que, na primeira articulação, existem as unidades significativas do plano da expressão, os monemas, onde se circunscrevem fonética, morfologia e sintaxe. ● Na segunda articulação, as unidades fonológicas do plano do conteúdo, compreendendo os campos de estudo da fonologia e da semântica. Os fonemas são destituídos de significado, mas têm valor diferencial; servem para diferenciar uma palavra de outra. ● O homem possui características diferentes dos animais no que se refere aos signos utilizados para comunicação. Enquanto o homem usa os símbolos, os animais interagem pelo índice. O homem pode voltar ao passado e antecipar o futuro; já o animal vive no presente. A inteligência do homem é abstrata enquanto a dos animais é concreta. Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros de LYONS, John. Linguagem

LEITURA RECOMENDADA Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros de LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Trad. Marilda Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: Padrão, 1995 e de MARTINET, A. Elementos de linguística geral. Trad. Jorge MoraisBarbosa. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Na próxima aula...

vamos

continuar

tratando

do

assunto

“linguagem

humana”,

complementando com Elementos da comunicação e Funções da linguagem. Até lá!

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Módulo 1

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Volume 3

EAD

5 REFERÊNCIAS

BASILIO, M. O conceito de vocábulo na obra de Mattoso

REFERÊNCIAS

Câmara. Revista de documentação de Estudos em Linguística Teórica e aplicada – DELTA. v. 20, n. especial, 2004, p. 71-84. BATTISTI, E. ; VIEIRA, M. J. B. O sistema vocálico do português. In: BISOL, Leda (Org.). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Edipucrs, 1999. p. 229-241. BLOOMFIELD, L. Language. Boston: George Aleen & Unwin, 1979. BORGES, J. L. Esse ofício do verso [This craft of verse]. Trad. de J. M. Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. CAMARA JR., J. M. Dicionário de lingüística e gramática. 16. ed. Petropólis: Vozes, 2001. CAMARA JR., J. M. Estrutura da língua portuguesa. 37.

7

ed. Petrópolis: Vozes, 2005. CAMARA JR., J. M. Para o estudo da fonêmica portuguesa.

Aula

Rio de Janeiro: Padrão, 1977. CAMARA JR., J. M. Problemas de lingüística descritiva. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. CARVALHO, Castelar de. Para Compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. Petrópolis: Vozes, 2000. FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística I: Objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2002. HOFFMANN, W. Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010110620070002000 10&lng=pt&nrm=iso#3a. Acesso em: 15 jul. 2009.

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LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Trad. de Marilda Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: Padrão, 1995. MARTINET, A. Elementos de lingüística geral. 8. ed. Trad. de Jorge Morais-Barbosa. São Paulo, Martins Fontes, 1991. ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense, 1999. SILVA, Thaís Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português. São Paulo: Contexto, 2001. WEEDWOOD, Bárbara. História Concisa da Lingüística. Trad. de Marcos Bagno São Paulo: Parábola, 2002. h t t p : / / w w w. k l i c ke d u c a c a o. c o m . b r / 2 0 0 6 / m a t e r i a / 2 1 / display/0,5912,-21-99-846- 00.html. Acesso em: 17 ago. 2009.

Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________

aula

8

Objetivos

Meta

ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO E FUNÇÕES DA LINGUAGEM

Conhecer os elementos da comunicação e as funções da linguagem.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • reconhecer Jakobson como principal teórico a tratar dos elementos da comunicação e das funções da linguagem; • identificar os elementos da comunicação; • relacionar os elementos da comunicação com as funções da linguagem; • perceber as características das funções da linguagem.

AULA VIII

8

ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO E FUNÇÕES DA LINGUAGEM

Aula

1 INTRODUÇÃO

A linguagem está tão presente em nosso cotidiano que, normalmente, nem nos damos conta de seu funcionamento e da sua presença. Já dizia Mattoso Câmara Jr. que a comunicação se apresenta como um processo tão natural quanto comer, respirar, ou dormir e talvez, por isto, sua importância Figura 1 - Pessoas se comunicando.

passe despercebida para tantos.

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Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1197349.

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Introdução aos estudos linguísticos

Elementos da comunicação e funções da linguagem

A linguagem emerge U V

SAIBA MAIS

a FR K C AM

Joaquim Mattoso Câmara Jr, carioca, nascido a 13 de abril de 1904, tendo falecido, também no Rio de Janeiro, a 04 de fevereiro de 1970. Foi o pioneiro do ensino regular e ininterrupto de Linguística no Brasil, tendo, já em 1942, sido responsável por um curso de extensão universitária, sobre Linguística Geral, na Faculdade Nacional de Filosofia. Fonte: http://www.filologia.org.br/xicnlf/ homenageado.htm.

em todos os domínios da vida em sociedade, em todas as relações de amizade, afetivas, domésticas e profissionais. Não há, como você viu na aula Figura 2 - Joaquim Mattoso Câmara Jr, linguista brasileiro. Fonte: http://www.filologia.org. br/xicnlf/homenageado.htm.

passada,

humana

sem

atividade linguagem.

É pela e na linguagem que se

funda

a

necessidade

de

expressarmos

nossas

emoções, desejos, de debatermos ideias, apresentarmos nossos pontos de vista, questionamentos, argumentarmos, influenciarmos, persuadirmos etc. Veja o que diz Hjemslev (2003, p. 1) a respeito da importância da linguagem: A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade, seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. [...] Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras já ressoavam à nossa volta, prontas para envolver os primeiros germes frágeis de nosso pensamento e a nos acompanhar inseparavelmente através da vida, desde as mais humildes ocupações da vida cotidiana aos momentos mais sublimes e mais íntimos [...]. A linguagem não é uma simples acompanhante, mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento; para o indivíduo, ela é o tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de pai para filho. Para o bem e para o mal, a fala é a marca da personalidade, da terra natal e da nação, o título de nobreza da humanidade. O desenvolvimento da linguagem está [...] ligado ao da personalidade de cada indivíduo, da terra natal, da nação, da humanidade, da própria vida [...].

Como você pode perceber neste texto, a linguagem pode construir/destruir vínculos, permitir a disseminação de saberes e culturas, além de garantir a eficácia dos mecanismos de funcionamento da sociedade em geral. Desde a antiguidade clássica, com filósofos como Aristóteles (como você viu em aulas anteriores), sabe-se que o homem é um ser social e se distingue dos animais pela sua

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Módulo 1

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Volume 3

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de

relacionar

símbolos,

julgar e discernir, estabelecendo regras para a vida em sociedade. De acordo com Magnanti, em seu texto digital de (2001), Aristóteles dizia que os sons emitidos pela voz são os símbolos dos estados da alma. A análise clássica da linguagem lhe atribuía, como função, exteriorizar

o

pensamento.

Neste

sentido, se a linguagem é vista como tradução

e

manifestação

externa

da representação interna, visualizase, aqui, a função expressiva, uma

Louis Hjelmslev, linguista dinamarquês nascido em 1899 e falecido em 1965, rompeu com o comparativismo histórico seguido pelos linguistas dinamarqueses coetâneos ao dar primazia ao estudo das línguas em sincronia. Com as obras On the Foundation of the Language Theory (1943), Essais Linguistiques (1959) e Le langage (1963), Hjelmslev ficou fundamentalmente conhecido pela teoria glossemática, assentando na explicitação do princípio da teoria do signo proposta por Saussure de que “A língua é forma, não substância”. Hjelmslev reelabora a noção de signo proposta por Saussure que, em lugar de ter dois níveis, forma e substância, passa a ter três: a matéria, a substância e a forma. O trabalho de Hjelmslev foi fundamental para a construção da semiótica moderna.

das funções da linguagem que será

Fonte: Louis Hjelmslev. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2009.

estudada nesta aula. Antes, porém,

http://www.infopedia.pt/$louis-hjelmslev

U V

a FR K C AM SAIBA MAIS

capacidade

você vai conhecer os Elementos da Comunicação.

2 ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO De acordo com Teixeira, em seu texto digital de 2006, para que haja comunicação, é imprescindível que seis elementos estejam presentes: emissor, receptor, mensagem, código, canal e contexto. Cada um deles exerce papel fundamental no processo de comu­nicação, e qualquer falha com um desses

8

elementos pode prejudicar ou invalidar o entendimento da Aula

mensagem. Vamos conhecê-los! ● Emissor: É o remetente da mensagem, aquele que elabora sua ideia, transforma em código e envia ao receptor. O processo de codificação da mensagem exige do emissor que ele: a) conheça o código utilizado e suas peculiaridades; b) estruture sua fala de forma inteligível; c) escolha o canal adequado para fazer sua mensagem chegar ao receptor; d) conheça o contexto da comunicação e se seu receptor compartilha esse mesmo referencial.

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Introdução aos estudos linguísticos

Elementos da comunicação e funções da linguagem

● Receptor: É o destinatário da mensagem, é quem realiza o processo de decodificação. Para que ela se realize com sucesso, é necessário que o receptor: a) conheça o código utilizado e suas peculiaridades; b) compreenda o sentido expresso na mensagem; c) tenha o canal aberto para receber a mensagem; d) compartilhe o mesmo referencial (contexto) em que se baseia a mensagem do emissor. ● Mensagem: É o conteúdo e o objetivo da comunicação. É o centro do processo de comunicação e só se efetiva concretamente se todos os outros elementos estiverem articulados. ● Canal: É o meio que possibilita o contato entre o emissor e o receptor ou que leva a mensagem até este. É necessário que o canal esteja livre de ruídos que possam atrapalhar ou impedir a chegada da mensagem ao receptor. U V

SAIBA MAIS

a FR K C AM

Ruídos na comunicação acontecem quando algum dos elementos não está inteiramente integrado ao processo ou ocorre algum tipo de interferência. Preste atenção, porque não se trata somente de um ruído físico – um barulho. Pode ser qualquer fator que impeça a boa codificação da ideia original pelo receptor. Por exemplo, uma “linha cruzada” ao telefone interfere na comunicação. Mas não é só isto, pode haver diversas situações em que pode ocorrer ruído, envolvendo outros elementos da comunicação. Vamos ver outros exemplos? a. Quando o emissor não organiza suas ideias de forma clara, levando ao não-entendimento da mensagem por parte do receptor. b. Quando o emissor não se estrutura seguindo as regras convencionadas para a língua. c. Quando o receptor não dedica atenção e concentração suficientes para receber a mensagem, gerando mal-entendidos. d. Quando os protagonistas do processo (emissor ou o receptor) não têm domínio completo do código utilizado. Isto acontece quando o emissor utiliza uma palavra desconhecida ou inadequada para o receptor e a mensagem fica com sua decodificação e entendimento comprometidos. e. Quando o emissor e o receptor têm referenciais diferentes do contexto da comunicação, ou o receptor o desconhece. Acontece quando o emissor elabora uma mensagem com base em um referen­ cial e o receptor não dispõe de meios (informação, p.e.) para conhecê-lo.

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Módulo 1

I

● Código: É o sistema de signos convencionados

em

se

a

elaborou

cuja

base

mensagem.

Se não houver, por parte dos protagonistas

da

comunicação

(emissor e receptor), um domínio do código, poderá haver desacordo entre a mensagem pretendida e a entendida. ● Contexto: É o espaço (assunto, situação, objeto etc.) onde acontece a comunicação. Se emissor e receptor

adotarem

referenciais

diferentes, a ideia de origem poderá ser distorcida, comprometendo, assim, a inteligibilidade e sucesso da mensagem.

Veja,

elementos

agora,

todos

esses

representados

a

seguir:

Volume 3

EAD

MENSAGEM CÓDIGO CANAL

EMISSOR/ REMETENTE

RECEPTOR/ DESTINATÁRIO

CONTEXTO

Resumindo: no processo da comunicação, o emissor envia uma mensagem codificada por meio de um canal ao receptor, que, por sua vez, está inserido no mesmo contexto.

3 FUNÇÕES DA LINGUAGEM Já falamos que, ao nos comunicarmos, realizamos também diferentes ações. Grifo a palavra também porque, além de meramente transmitirmos informações, tentamos convencer o outro a fazer (ou dizer) algo; assumimos acordos, sentimentos,

construímos

representações

Aula

demonstramos

8

promessas e compromissos, ordenamos, suplicamos, pedimos, mentais e sociais sobre o mundo que nos rodeia. Enfim, é pela e na linguagem que a nossa vida está organizada, nos mais variados aspectos. Roman Jakobson formulou um modelo para as funções da linguagem a partir dos elementos da comunicação. De acordo com esse modelo, para cada elemento da comunicação, há uma função da linguagem correspondente. Assim, distinguir os objetivos que predominam em cada situação de comunicação auxilia na compreensão do que foi dito. Veja, no seguinte quadro, a correspondência entre os elementos da comunicação e as funções da linguagem:

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Introdução aos estudos linguísticos

Elementos da comunicação e funções da linguagem

MENSAGEM/POÉTICA CÓDIGO/METALINGUÍSTICA CANAL/FÁTICA

EMISSOR/ REMETENTE EMOTIVA

CONTEXTO REFERENCIAL

RECEPTOR/ DESTINATÁRIO APELATIVA

É importante salientar que toda comunicação apresenta uma variedade de funções, mas uma quase sempre predomina sobre as outras, a depender dos objetivos do emissor, dos efeitos de sentido que quer causar. São seis as funções da linguagem: emotiva ou expressiva, apelativa ou conativa, fática, metalinguística, poética e referencial. • Função emotiva ou expressiva: É a função centrada na subjetividade do emissor, refletindo sua visão própria de mundo, suas emoções, e sentimentos. O foco não é o fato em si, mas o ponto de vista do emissor; seu juízo de valor e as opiniões particulares são níti­dos no discurso. De acordo com Infante (1998, p. 220), essa função se evidencia, mais claramente, pelo uso de pronomes e verbos de primeira pessoa. Porém, muitas vezes, isso não ocorre. Ela predomina, por exemplo, em textos jornalísticos (do tipo editorial); em textos assinados por colunistas, por críticos de cinema, música, teatro etc.; em charges etc. Veja como esta função predomina no texto abaixo, de Jorge Luiz Borges: INSTANTES Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido.

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Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Seria menos higiênico, correria mais riscos, viajaria mais. Contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários. Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida: claro que tive momentos de alegria. Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos. Eu era um desses que nunca ia à parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente e um pára-quedas: se eu voltasse a viver, viajaria mais leve. Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo. Fonte: http://sarasvati29.spaces.live.com/Blog/cns!1p UzUtQywEAs8lWOk3O1ndw!310.entry.

• Função apelativa ou conativa: É a função centrada no destinatário, procurando convencer, persuadir, modificar nele ideias, hábitos ou opiniões. Como o receptor está em destaque, o emissor se vale de procedimentos que contêm ordens, apelos e tentativas de convencimento ou sedução. É comum o uso de verbos no imperativo, da segunda pessoa (você ou tu), e vocativos. Ocorre com frequência em

8

peças publicitárias, revistas masculinas e femininas, dentre

Aula

outros gêneros. É esta função que predomina no texto abaixo:

Beleza Corpo Proteja seu investimento de beleza om este programa, a tintura de cabelo e o clareamento nos dentes vão durar muito mais, pode apostar. Ele ainda vai mostrar outras providências para você tomar depois que gastou seu rico dinheirinho nos templos da vaidade.

C

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Introdução aos estudos linguísticos

Elementos da comunicação e funções da linguagem

Você não mede esforços para estar sempre linda e faceira? Economiza centavos para bancar aquele produto de beleza ou tratamento divino? Bem-vinda ao time. As brasileiras conquistaram medalha de bronze no ranking mundial de venda de cosméticos, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), com base em pesquisa do Instituto Euromonitor International. Depois de tanto investimento, agora é só descobrir como fazê-lo durar mais. Fonte: Texto Verônica Meyer / Foto David Stesner http://nova.abril.com.br/edicoes/426/beleza/investimento-de-beleza-protegido.shtml.



Função fática: É a função utilizada para abrir, fechar ou simplesmente

testar o canal da comunicação. Pode ocorrer também como recurso para manter o contato físico ou psicológico com o interlocutor como em: ahan, uhum, como, pois é, ou reforçar o envio da mensagem e sua recepção: né? está me entendendo? Veja o exemplo:

Alô, alô marciano Aqui quem fala é da Terra. (Rita Lee & Roberto de Carvalho) Fonte: www.algosobre.com.br/.../funcoes-da-linguagem.html.

Observe que os recursos fáticos, embora característicos da linguagem oral, ganharam expressividade na música. Essa função se apresenta de diferentes formas: ruídos (como buzinas), falar alto, repetição de palavras, recursos gráficos (tais como, tamanho da fonte, dos objetos, disposição dos objetos, cores etc.). Como a maior dificuldade do emissor é conseguir despertar a atenção do receptor, torna-se uma função muito utilizada em textos da comunicação de massa. Você captou a intenção dos compositores na letra da música? •

Função metalinguística: É quando usamos a linguagem para falar dela própria.

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Quando dizemos, por exemplo, “O que você quer dizer com isto?”; ou quando tentamos esclarecer o que estamos dizendo, como em: “eu quis dizer que...”. Deste modo, gramáticas, dicionários e explicações sobre o uso da língua são exemplos de função metalinguística. Este material, por exemplo, está fazendo uso da função metalinguística. Veja como Carlos Drummond de Andrade descreveu um momento de criação poética: “Gastei uma hora pensando um verso, Que a pena não quer mais escrever. No entanto ele está cá dentro Inquieto, vivo. Ele está cá dentro E não quer sair Mas a poesia deste momento Inunda minha vida inteira.” Fonte: http://www.pensador.info/frase/NTgyMDM0/.

Agora, leia a definição do termo metalinguagem no Dicionário Aulete Digital: METALIGUAGEM: Ato de comunicação em que se usa a linguagem para falar sobre a própria ou outra linguagem (por exemplo, quando se pergunta o sentido de uma palavra, quando se analisam símbolos etc.).

No caso do texto jornalístico, esta função fica bastante evidente quando se faz referência à própria produção do jornal, por exemplo, a coluna do ombusdman ou as colunas intituladas: “Erramos”, “Falha nossa”, “Ops”, que têm a função de esclarecer

8

os equívocos ocorridos em publicações anteriores.

Aula

A metalinguagem não é exclusiva do código linguístico. Pode ocorrer com imagens, quando se filma o making of de um filme, ou mesmo num quadro, que representa o próprio ato de pintar. •

Função poética: É a função centrada na mensagem, buscando construí-

la de forma criativa e inovadora. Em geral, a mensagem se destaca pelo lado material do signo, como a sonoridade, a estrutura e o ritmo, comuns em poesias. Pode haver rupturas no modo como a frase normal se organizaria e é muito comum

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Introdução aos estudos linguísticos

Elementos da comunicação e funções da linguagem

perceber o uso amplo de figuras de linguagem. É importante salientar que, embora a função poética esteja mais presente na poesia, ela não é exclusividade da própria poesia ou da literatura. A linguagem publicitária costuma valer-se destes As Figuras de linguagem são recursos que tornam mais expressivas as mensagens. São elas: metáfora, metonímia, catacrese, antonomásia ou perífrase e sinestesia. Sugiro que consulte um dicionário para relembrar sobre o assunto.

recursos sígnicos – no mais das vezes refratam a realidade – com o intuito de instaurar novos conceitos e o fazem porque rompem com o modo tradicional como vemos as palavras. Veja exemplos da função poética em: Anúncio publicitário:

“Ace todo branco fosse assim”. (Sabão em Pó Ace, 1998).

“Ele não é, assim, uma Brastemp”. (Comercial da Brastemp - anos 80).

Poema: “...Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;...” (Fernando Pessoa, Poema em linha reta)



Função referencial É a função focada no contexto da comunicação, utilizada

essencialmente para informar, falar das coisas que ocorrem do cotidiano sem emitir qualquer juízo de valor do emissor, portanto não há indícios de subjetividade. É a função mais utilizada na comunicação, pois concentra um conjunto de informações que diz respeito a coisas do mundo real, tais como a exatidão dos horários, lugares, nomes próprios. No texto jornalístico, como o que aparece abaixo, ela será presumivelmente predominante, pois sua intenção principal é informar o público sobre fatos e acontecimentos: É importante salientar que, em um texto, raramente é utilizada apenas uma função da linguagem. Segundo

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Módulo 1

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Infante (1998, p. 217), quase sempre há várias funções presentes. Contudo, sempre haverá

uma

predominante.

Essa

função

predominante será determinada de acordo com a finalidade com que a mensagem foi elaborada. Por esse motivo, nos textos jornalísticos, a função referencial prevalecerá sobre as outras. Porém, não se deve ignorar a presença das demais funções como forma de atrair o público e de manter-se em contato permanente. É o que você pode perceber nos textos abaixo:

Fonte: http://www.newseum.org/todaysfrontpages/ pop_up.asp?fpVname=BRA_ATARDE&ref_pge=map&tfp_ map=SouthAmerica.

Como você pode ver, nestes textos

publicitários, a função poética se sobressai em relação às outras, inclusive no plano imagético.

No

entanto,

não

se

pode

desconsiderar a presença das funções emotiva (quando os anunciantes emitem opiniões) e apelativa (quando interpela o consumidor em potencial), como estratégias que visam à sedução do público e, ou manutenção da sua fidelidade ao produto. De acordo com Infante (1998, p. 217),

Figura 3 - Bom bril: “Tudo passa, Bom Bril fica. Ninguém passa sem Bom Bril”. Sub-entendido: “Fenômenos passam”. Fonte:http://www. portaldapropaganda.com (abril/2007).

o estudo das funções da linguagem é muito importante para percebermos as diferenças e semelhanças existentes entre os vários tipos

8

de mensagem. Analisando o modo como essas funções se organizam nos textos alheios, pode-

Aula

se detectar as finalidades que orientaram sua elaboração. Além disto, aplicando-as em nossos próprios textos, podemos planejar o que escrevemos, de modo a fortalecer a eficácia e a expressividade das mensagens. Agora que já vimos o suficiente de teoria, vamos à prática? Figura 4 - O Fenômeno “Assolan”. Fonte:http://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/08/ assolan-o-fenmeno.html.

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Introdução aos estudos linguísticos

Elementos da comunicação e funções da linguagem

ATIVIDADES 1. Identifique os elementos da comunicação das seguintes situações: a) Publicação da Internet: Folha Online - 06/07/2009 - 09h54 Congressista de NY diz que Michael Jackson era “pervertido” Um congressista de Nova York afirmou, em um vídeo que pode ser visto no Youtube, que Michael Jackson era um “pervertido”. O republicano Peter King disse que a sociedade está “glorificando” um “mau caráter” ao mesmo tempo em que ignora o trabalho de professores, policiais, bombeiros e veteranos de guerra. Na gravação, o congressista ainda disse que a cobertura da morte de Michael Jackson tem sido “muito politicamente correta”, se referindo aos escândalos em que o astro pop se envolveu durante a vida, como a acusação de ter cometido abuso a menores. Em meio às críticas, King diz admitir que Jackson “pode ter sido um bom cantor” e dançarino. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u591170.shtml.

Emissor:________________________________________________________ Receptor:_______________________________________________________ Canal:_ ________________________________________________________ Código:_ _______________________________________________________ Mensagem:_ ____________________________________________________ Contexto:_______________________________________________________ b) A filha de Michel Jackson dizendo: “Foi o melhor pai que se possa imaginar”. Emissor:________________________________________________________ Receptor:_______________________________________________________ Canal:_ ________________________________________________________ Código:_ _______________________________________________________ Mensagem:_ ____________________________________________________ Contexto:_______________________________________________________ c) Você, no celular, convidando um colega de turma para ir ao cinema. Emissor:________________________________________________________ Receptor:_______________________________________________________ Canal:_ ________________________________________________________ Código:_ _______________________________________________________ Mensagem:_ ____________________________________________________ Contexto:_______________________________________________________ d) Esta aula. Emissor:________________________________________________________ Receptor:_______________________________________________________

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Canal:_ ________________________________________________________ Código:_ _______________________________________________________ Mensagem:_ ____________________________________________________ Contexto:_______________________________________________________

2. Identifique, nas situações abaixo, em que elementos ocorreram interferências capazes de apresentar ruído na comunicação: a) Um cidadão comum compra um jornal cuja manchete da capa é: “A maior parte dos políticos é flibusteira”. Ele fica desorientado por não saber o que significa aquela palavra. b) Uma colega de trabalho chega atrasada para uma reunião e fala para os seus colegas: “Desculpem, o tráfico estava pesado hoje.”

3 Faça a correspondência, no quadro abaixo, entre os Elementos da Comunicação e as Funções da Linguagem:

ELEMENTO DA COMUNICAÇÃO Emissor

FUNÇÃO DA LINGUAGEM Emotiva ou expressiva

4. Identifique as funções da linguagem que predominam nos trechos a seguir: a) “Você vem sempre aqui?” _ _______________________________________

c) Os resultados das provas ficaram abaixo do esperado, estou preocupada. ___

8

_____________________________________________________________

Aula

b) Minha identidade é 12345678 SSP BA._______________________________

d) Da mãe para o filho: “Se eu fosse você não faria isto!” ___________________ _____________________________________________________________ e) Nesta aula, vamos discutir o papel da função metalinguística em Letras. Em seguida, faremos as atividades e só daqui a algum tempo aplicaremos a prova. _____________________________________________________________ f)

Primeira aulas,

orientação:

para

sucesso

não

se

efetivo,

atenham vocês

somente precisam

às

leituras

consultar

das

outros

ateriais._______________________________________________________ g) Quem diria hein! Passou no vestibular..._____________________________

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Introdução aos estudos linguísticos

Elementos da comunicação e funções da linguagem

5. Agora, identifique as funções da linguagem que predominam nos signos a seguir:

http://www.sxc.hu/photo/1197257.

FUNÇÃO PREDOMINANTE

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http://www.sxc.hu/photo/1179057.

FUNÇÃO PREDOMINANTE

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http://www.sxc.hu/photo/1195548.

FUNÇÃO PREDOMINANTE

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RESUMINDO

Nesta aula, você viu que:

● Para que haja comunicação é imprescindível que seis elementos estejam presentes: emissor, receptor, mensagem, código, canal e contexto. ● Para cada elemento, existe uma função da linguagem. ● Quando a mensagem focaliza o emissor – aquele que elabora a mensagem –, diz-se que tem função emotiva ou expressiva. ● Quando a mensagem focaliza o receptor – o destinatário da mensagem –, diz-se que tem função apelativa ou conativa. ● Quando a mensagem dá ênfase a ela própria, diz-se que tem função poética. ● Quando a mensagem enfatiza o contexto - a situação, o objeto da comunicação, o assunto –, diz-se que tem função referencial. ● Quando a mensagem focaliza o canal utilizado para a comunicação (meio que possibilita o contato entre o emissor e o receptor ou que leva a mensagem até este), diz-se que tem função fática. ● Quando a ênfase recai sobre o código - o sistema de signos

8

convencionados em cuja base se elaborou a mensagem –, diz-

Aula

se que tem função metalinguística.

LEITURA RECOMENDADA

Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros: CHALHUB, Samira. Funções da linguagem. São Paulo: Ática, 1989; HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem. Trad. de J. Teixeira Coelho Netto. São Paulo: Perspectiva, 2003 e JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. Trad. Izidoro Brikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969.

Na próxima aula... veremos alguns conceitos sobre a visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna. Até lá!

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Introdução aos estudos linguísticos

Elementos da comunicação e funções da linguagem

Nunes. São Paulo: Editora da UNICAMP, 1998. BENVENISTE, Emile. Problemas de lingüística geral. Trad. de Eduardo Guimarães et al. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. CHALHUB, Samira. Funções da linguagem. São Paulo: Ática,

REFERÊNCIAS

AUROUX, Sylvain. A filosofia da linguagem. Trad. de José Horta

1989. HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem. Trad. de J. Teixeira Coelho Netto. São Paulo: Perspectiva, 2003. INFANTE, Ulisses. Do texto ao texto: curso prático de leitura e redação. São Paulo: Scipione, 1998. JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. Trad. de Izidoro Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969. Magnanti,2001.http://www3.unisul.br/paginas/.../ linguagem/0101/10.htm. Acesso em: 09 ago. 2009. TEIXEIRA, 2006. http://www.vbook.pub.com/doc/15628559/Leonardo. Acesso em: 25 ago. 2009. VANOYE, Francis. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. 11. ed. Trad. e Adaptação Clarisse Madureira Sabóia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. http://www. auletedigital.com.br. Acesso em: 15 set. 2009.

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Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________

aula

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Objetivos

Meta

VISÃO PRESCRITIVA, DESCRITIVA E PRODUTIVA DO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

Refletir criticamente sobre a visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • identificar as visões que norteiam o ensino de língua materna; • definir preconceito linguístico; • analisar criticamente as diferentes visões.

1 INTRODUÇÃO

Ao longo desta e da próxima aula, desenvolveremos uma

discussão acerca do papel da Linguística no ensino de língua materna. Embora estejamos sempre embasados em estudiosos de outros continentes, refletiremos teoricamente, nestas aulas, apenas com linguistas e gramáticos brasileiros, por conhecerem a realidade local. Apresentaremos posicionamentos de cada visão e, ao mesmo tempo, deles.

Trataremos,

a

9

respeito

questionamentos

dentre

Aula

levantaremos

outras questões, da “divinização” da Gramática Normativa, doravante GN, e do preconceito advindo da falta de informação que coloca a Linguística como um terreno de “vale-tudo”, um laisser-faire.

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Figura 1 - Gramática grega: origem da norma. Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1183643.

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Introdução aos estudos linguísticos

Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

2 O SURGIMENTO DA VISÃO PRESCRITIVA Quando se fala de língua, temos na sociedade dois tipos de discurso: a) o acadêmico, que é embasado nas teorias da linguística moderna e o b) do senso comum, que está sedimentado nas práticas discursivas cotidianas e trabalha com as noções de erro/acerto. A noção de “erro” surge com as primeiras descrições sistemáticas do grego, que era o idioma oficial do grande império, formado pelas conquistas de Alexandre (356-323 a.C.). Com a finalidade de unificar política e culturalmente a nação, surgiu a necessidade de normatizar essa língua, em outras palavras, de criar um padrão uniforme e homogêneo que se erguesse acima das diferenças regionais e sociais. É

preciso

salientar

que

qualquer

processo

de

normatização, ou padronização, retira a língua de sua realidade social, complexa e dinâmica, torna-se, teoricamente, um objeto externo aos falantes, uma entidade inatingível. Lembra-se que este é o reflexo, inicialmente, da concepção saussuriana? Este posicionamento favorece o juízo de valor que faz emergir afirmações do tipo: isso torna possível falar de “atropelar a gramática”, “atentado contra o idioma”, “pecado contra a língua” e outras manifestações preconceituosas. De acordo com Oliveira, em seu texto digital de 2008, os idealizadores da Gramática Tradicional foram os primeiros a perceber as duas grandes características das línguas humanas: a variação (no tempo presente) e a mudança (com o passar do tempo). Mas a leitura que fizeram dos fenômenos não foi muito positiva. Por causa da ideologia circulante na época, os primeiros gramáticos consideravam que somente os homens, membros da elite urbana, letrada e aristocrática, falavam bem a língua (!). A partir deste referencial, todas as variedades regionais, de gênero (feminino) e sociais foram suprimidas em nome do “bom uso da língua”. Além disto, os primeiros gramáticos compararam a língua escrita dos grandes escritores do passado e a língua falada espontânea, e concluíram que a língua falada era caótica, sem regras, ilógica, e que somente a língua escrita literária seria passível de ser analisada e servir de base como modelo do idioma.

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Os postulados – e porque não dizer - preconceitos da Gramática Tradicional - só foram questionados a partir do século XIX, com o surgimento das primeiras investigações linguísticas histórico-comparativas (como você viu na Aula 2), de caráter estritamente científico. Apesar dos esforços para uma desmitificação por parte dos pesquisadores e de a separação rígida entre fala e escrita ser rejeitada pelos estudos linguísticos, continua latente no comportamento linguístico da maioria das pessoas a exclusão, que se dá principalmente por desinformação e visão elitista da língua. A necessidade da elaboração de um padrão de língua – que por suas próprias características, se distancia da prática, da realidade - originou, em todas as sociedades ocidentais, uma conhecida “tradição da queixa”. Desconsiderando a dinamicidade da língua e o seu processo naturalmente evolutivo, em todos os países, em todos os tempos, sempre surgem aqueles que lamentam, execram, desprezam e deploram a “ruína” da língua, a “corrupção” do idioma etc., acabam sempre por fazer calorosas manifestações em prol do “bom uso” da língua.

PROIBIDO ERRAR Figura 2

Veja algumas dessas manifestações - sempre em tom dramático - que se estendem por quase trezentos anos em torno da suposta decadência da língua portuguesa:

Aula

9

Se não existissem livros compostos por frades, em que o tesouro está conservado, dentro em pouco podíamos dizer: ora morreu a língua portuguesa, e não descansa em paz (José Agostinho de Macedo [1761-1831], escritor português). [...] português - um idioma que de tão maltratado no dia-a-dia dos brasileiros precisa ser divulgado e explicado para os milhões que o têm como língua materna (Mario Sabino, Veja, 10/9/1997) Que língua falamos? A resposta veio das terras lusitanas. Falamos o caipirês. Sem nenhum compromisso com a gramática portuguesa. Vale tudo [...] (Dad Squarisi,

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Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

Correio Brasiliense, 22/7/1996). [...] o usuário brasileiro da língua [...] comete erros, impropriedades, idiotismos, solecismos, barbarismos e, principalmente, barbaridades (Giron, revista Cult, no 58, junho de 2002, p. 37).

Como você pode ver, por parte dessas pessoas, a tolerância continua “zero” e a compreensão sobre os fenômenos da língua, também.

3 VISÃO DESCRITIVO-PRODUTIVA DA LÍNGUA

Figura 3

Figura 4

Figura 5

Contrapondo os conceitos da Gramática Tradicional, que define a língua como uma entidade abstrata e homogênea, a Linguística concebe-a como uma realidade intrinsecamente heterogênea, variável, vinculada à realidade social e aos usos que dela fazem os seus falantes. Para a Linguística, a noção de erro só pode ser aceita se se refere aos aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos da língua. Como, por exemplo, em “quero chocolate sorvete de”, “casa a”, que são imprevisíveis na língua portuguesa. Mas o “erro” instituído socialmente se prende a fenômenos sociais e culturais, que não estão incluídos no campo de interesse da Linguística propriamente dita. Quer um exemplo? A palavra estadia, pelo uso popular, assumiu a acepção da palavra estada; originalmente, o primeiro termo se referia somente ao tempo destinado aos navios para carga e descarga nos portos, o segundo termo dizia respeito ao tempo de permanência de pessoas nos lugares. Atualmente, o largo uso de estadia para ambas as situações fez com que estada caísse em desuso.

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Na direção contrária da Gramática Tradicional, que preconiza formas únicas de enunciação, a Linguística demonstra que todas as formas de expressão verbal têm organização gramatical, seguem regras – estruturais - e têm uma lógica linguística perfeitamente demonstrável. Severo (2008, p. 3), em seu texto digital, afirma que quem entende mesmo de lógica e adequação linguística são os publicitários, que usam e abusam da transgressão da língua, sem “preconceitos”, em prol da aceitação de sua mensagem. A autora diz que eles até gostam da discussão que causam com slogans do tipo “vem pra caixa você também” (uso errado do imperativo de acordo com a norma) e “a persistirem os sintomas” (de acordo com a norma), que causou dúvida para a maioria da população. Para vários linguistas modernos, a discussão entre certo e errado é totalmente inócua e contraproducente porque ela revela, na superfície, preconceitos sociais que estão enraizados. Para autores como Bagno (2000), deve-se encontrar um ponto de equilíbrio para nos adequarmos à situação de uso da língua em que nos encontramos. Se for uma situação formal, tentaremos usar uma linguagem formal, prevista pela norma, e se for uma situação descontraída, uma linguagem descontraída, seguindo as leis da adequabilidade e aceitabilidade. Em sua conhecidíssima obra, Preconceito Linguístico: o que é, como se faz (1999),

linguístico e com a ideologia dominante, a qual discrimina a maioria da população brasileira e

impõe

o

que

deve

ser

considerado certo ou errado dentro

da

língua

materna.

De acordo com este autor, os “preconceitos”

de

norma

e

erro prestam um desserviço à sociedade, restringindo as relações sociais e aumentado as diferenças de classes no

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círculo vicioso do preconceito

U V

a FR K C AM

Aula

noção de erro é romper com o

Marcos Bagno nasceu em Cataguases (MG), mas sempre viveu fora de seu estado de origem. Depois de ter vivido em Salvador, no Rio de Janeiro, em Brasília e no Recife, transferiu-se, em 1994, para a capital de São Paulo, onde viveu até 2002, quando se tornou professor do Departamento de Linguística da Universidade de Brasília (UnB), onde atua na graduação e no programa de pós-graduação em Linguística. Coordena atualmente o projeto IVEM (Impacto do Vernáculo sobre a Escrita Monitorada: Figura 6 - Marcos Bagno, linguista brasileiro mudança linguística e que tem dedicado a maior parte de suas pesquisas ao tema Preconceito Linguístico. consequências para o Fonte: www.marcosbagno.com.br/.../fotoletramento escolar).

SAIBA MAIS

Bagno declara que reavaliar a

mb-peq.jpg.

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Introdução aos estudos linguísticos

Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

segundo país do planeta com mais diferenças sociais.

3.1 Noção do termo norma A propósito do conceito de norma, Bagno (2000), a fim de diminuir a opacidade no uso do termo norma, explana sobre algumas importantes definições elaboradas por Castilho, Lucchesi e Mattos e Silva. Castilho define três tipos: a) norma objetiva (linguagem efetivamente praticada pela classe culta, escolarizada); b) subjetiva (atitude que o falante assume perante a norma objetiva); c) prescritiva (combinação da norma objetiva com a subjetiva). Lucchesi propõe três: a) norma padrão (formas prescritas pelas gramáticas normativas); b) norma culta (forma efetivamente depreendida da fala dos segmentos plenamente escolarizados - com curso superior completo); e c) norma vernácula (padrões linguísticos das classes mais baixas, não escolarizadas, que se oporiam de forma nítida aos padrões das classes média e alta, escolarizadas). Mattos e Silva define dois tipos: a) norma normativo-prescritiva, norma prescritiva ou normapadrão, conceito tradicional, idealizado pelos gramáticos pedagogos, diretriz até certo ponto para o controle da representação escrita da língua, sendo qualificado de erro o que não segue esse modelo. Distancia-se da realidade dos usos, embora com alguns deles se interseccione, e é parcialmente reciclada ou atualizada ao longo do tempo pelas imposições evidentes, decorrentes da razão universal de as línguas mudarem e suas normas também,

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entre elas, a que serve de modelo à norma-padrão; b) normas normais ou sociais, “objetivas” e quantificáveis, atuantes nos usos falados de variantes das línguas. São normas que definem grupos sociais que constituem a rede social de uma determinada sociedade. Distinguem-se em geral: normas “sem prestígio social” ou estigmatizadas; e normas “de prestígio social”, equivalentes ao que se denomina norma culta, quando o grupo de prestígio que a utiliza é a classe dominante e, nas sociedades letradas, aqueles de nível alto de escolaridade. Em virtude das ambiguidades no uso do termo norma, Bagno propõe, através da “fusão” dos conceitos apresentados, um uso restrito do termo: como a concepção de língua das gramáticas normativas e instituições afins, bem como da ideologia que atua sobre as representações que as pessoas têm do que seja língua e gramática. Sua definição se aproxima da de Dubois et al (1993), em seu Dicionário de Linguística: chama-se norma um sistema de instruções que definem o que deve ser escolhido entre os usos de uma dada língua se se quiser conformar a um certo ideal estético ou sociocultural. A norma, que implica a existência de usos proibidos, fornece seu objeto à gramática normativa ou gramática no sentido corrente do termo. É interessante salientar que, para outros linguistas, do quilate de Mattoso Câmara Júnior (1984), por exemplo, a norma é de fato uma força conservadora na linguagem, mas, apesar disto, não consegue deter o processo de constante evolução linguística, imanente em todas as línguas. Ainda para

9

o linguista, em muitas sociedades, a norma se torna operante e Aula

agressiva por meio do ensino escolar e da organização de uma disciplina gramatical. Em outro momento de lucubrações muito profícuas, Bagno (1999, p. 149) declara que, para reavaliar a noção de erro, é preciso romper com o círculo vicioso do preconceito linguístico e com a ideologia dominante, a qual discrimina a maioria da população brasileira. Além disto, segundo ele, reina uma confusão de língua em geral com escrita e o que se classifica como erro de Português é apenas um mero desvio da

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Introdução aos estudos linguísticos

Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

ortografia oficial. O autor complementa: Ninguém comete erros ao falar sua própria língua materna, assim como ninguém comete erros ao andar ou respirar. Só se erra naquilo que é aprendido, naquilo que constitui um saber secundário obtido por meio de treinamento, prática e memorização: erra-se ao tocar piano, erra-se ao dar um comando ao computador, errase ao falar/escrever uma língua estrangeira. A língua materna não é um saber desse tipo: ela é adquirida pela criança desde o útero, é absorvida junto com o leite materno. Por isso, qualquer criança entre os 3 e 4 anos de idade (se não menos) já domina plenamente a gramática de sua língua (p. 149).

Assim, para o linguista, o erro de português só poderia ser considerado em enunciados com problemas estruturais, como em: Eu nos vimos ontem na escola, beber leite criança quer a etc. Vários pesquisadores têm concordado com a postura de Bagno, bem como a indicação de Possenti (1996), de que o ensino de língua deva ocorrer nesta ordem: primeiro, deve-se focalizar a gramática internalizada, depois a gramática descritiva e, por fim, a gramática normativa. O professor deve, portanto, ter consciência do papel de cada uma dessas gramáticas. Como você pode ver, não é intenção dos linguistas rejeitar ou negar a necessidade da existência de uma norma-padrão, por não corresponder às realidades de uso da língua; não se pode desprezar o fato de que como bem simbólico existe uma demanda social pelo padrão, é a norma de prestígio e, por isto mesmo, não pode ter o seu acesso negado ou negligenciado pelas escolas. Portanto, uma das tarefas do ensino de língua na escola seria expor e discutir criticamente os valores sociais atribuídos a cada variante linguística, chamando a atenção para a carga de discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua produção linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa. A escola não pode desconsiderar um fato: os comportamentos sociais não são ditados pelo conhecimento científico, mas por outra ordem de saberes (ideologias, mitos, preconceitos, superstições, crenças tradicionais etc.). Por este motivo, é importantíssimo que os professores disponibilizem

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aos alunos, usuários da língua, variadas opções de usos para que, tendo conhecimento das opções oferecidas pelo idioma, façam as suas escolhas. O que não pode acontecer é lhes ser negado o conhecimento de todas as opções possíveis, eles precisam ter consciência da existência dessas regras, pois a consciência gera responsabilidade no uso. As correções podem e devem ser feitas pela simples apresentação/comparação da forma correta (aceita e adequada) com a forma variante, cabendo ao professor a tarefa de corrigir o aluno sem humilhar e, com isto, perpetuar o preconceito de que ele não sabe sua língua, pois isso - como já foi comprovado por pesquisas - lhe influenciará por toda a sua vida escolar. Ao professor compete, ainda, saber reconhecer os fenômenos linguísticos que ocorrem em sala de aula, para junto como os seus alunos – de perfis multifacetados - empreender uma educação em língua materna que leve em conta os seus saberes linguísticos prévios e que permita a ampliação incessante do seu repertório verbal e de sua competência comunicativa. Dessa forma, a construção de relações sociais permeadas pela linguagem será cada vez mais democrática e não-discriminadora. Vamos agora refletir um pouco do que acabamos de ler!

ATIVIDADES

2. Com base em tudo o que foi discutido, como você definiria o preconceito linguístico? Cite um exemplo. 3. Leia o seguinte poema e, depois, responda as questões: AI SE SÊSSE (Cordel Do Fogo Encantado: Composição: Zé Da Luz) Se um dia nois se gostasse Se um dia nois se queresse

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Aula

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1. Ao longo desta aula, você viu algumas posições divergentes no que concerne ao ensino de língua. Identifique as características de cada uma das visões: DESCRITIVA-PRODUTIVA E VISÃO NORMATIVA.

Introdução aos estudos linguísticos

Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

Se nois dois se empareasse Se juntim nois dois vivesse Se juntim nois dois morasse Se juntim nois dois drumisse Se juntim nois dois morresse Se pro céu nois assubisse Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse a porta do céu e fosse te dizer qualquer tulice E se eu me arriminasse E tu cum eu insistisse pra que eu me arresolvesse E a minha faca puxasse E o bucho do céu furasse Tarvês que nois dois ficasse Tarvês que nois dois caisse E o céu furado arriasse e as virgi toda fugisse Fonte: http://letras.terra.com.br/cordel-do-fogo-encantado/78514/.

3.1 Circule as palavras erradas do texto e, em seguida, escreva a sua forma correta. 3.2 Por que não se pode usar no cotidiano a linguagem empregada no poema? 3.3 Qual é a concepção que sustenta estas duas primeiras questões? Normativa ou descritivo-produtiva? Justifique a sua resposta. 3.4 Reescreva o poema em linguagem padrão. 3.5 Observe se as mudanças alteram o ritmo e a musicalidade do poema e responda: qual das duas versões você prefere? Por quê? 3.6 Os verbos são predominantes em que modo/tempo? Justifique a sua resposta. 4. Qual é a sua opinião a respeito das visões apresentadas? Justifique com base no referencial teórico.

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RESUMINDO

Nesta aula você viu que: ● A gramática tradicional, ao fundamentar sua análise na língua escrita, difundiu alguns conceitos sobre a natureza da linguagem. Ao não reconhecer a diferença entre língua escrita e língua falada, passou a considerar a expressão escrita como modelo de correção para toda e qualquer forma de expressão lingüística. ● A gramática tradicional assumiu, desde sua origem, um ponto de vista prescritivo, normativo com relação à língua. A tarefa do gramático se desdobra em definir a língua, descrevê-la, e, ao privilegiar alguns usos, prescrever a sua utilização. ● Abordar a língua exclusivamente sob uma perspectiva normativa contribui para gerar uma série de falsos conceitos e até preconceitos, que vêm sendo desmistificados pela Lingüística. ● A visão descritivo-produtiva está demonstrando que a língua escrita não pode ser modelo para a língua falada. Está claro para todo estudioso da linguagem que não se deve emitir juízo de valor em relação aos fatos da língua, mas não se pode privar o aluno ao conhecimento do padrão, uma vez que esta é a variante de prestígio na sociedade. Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros de BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1999 e de Sírio Possenti, Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996.

Aula

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LEITURA RECOMENDADA ALI, M. Said. Gramática secundária da língua portuguesa. 8. ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1969.

Na próxima aula... vamos verticalizar as reflexões aqui apresentadas no intuito de fazer um confronto entre os pressupostos da Linguística, os preceitos da Gramática e as consequências dessa relação para o ensino de língua materna.

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Introdução aos estudos linguísticos

Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

língua portuguesa. 43. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. ARAÚJO, Inês Lacerda. Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. BAGNO,

Marcos.

Disponível

em:

http://www.fae.ufmg.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da

br/Ceale/menu_superior/publicacoes/textos/linguagem_ educacao//list_objects_template?local=menu_superior/ publicacoes/textos/linguagem_educacao. Acesso em 19 jul. 2009. BAGNO,

Marcos. Dramática da língua portuguesa:

tradição gramatical, mídia e exclusão social.

2. ed. São

Paulo: Loyola, 2000. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1999. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucena, 2001. CÂMARA JÚNIOR, J. Matoso. Dicionário de Linguística e Gramática: referente à Língua Portuguesa. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 1984. CUNHA, Celso; CINTRA, Luis Filipe Lindley. Nova gramática de português contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. DUBOIS, Jean et alli. Dicionário de Linguística. Trad. Izidoro Blikstein. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993.

LYONS, John. Linguagem e Linguística. Trad. Marilda Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

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OLIVEIRA, Neiva, Disponível em: http://www.jomar.pro.br/ portal/modules/smartsection/item.php?itemid=139. Acesso em: 17 jul. de 2009. PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso. Trad. de Eni Pulcinelli Orlandi et. al. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1988. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996. (Coleção Leituras no Brasil) ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 43. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. SEVERO, Simone. Disponível em: http://www.vbook.pub.com/ doc/15775717/Conceito-de-Erro-Norma-e-AdequacaoLinguistica. Acesso em: 17 jul. de 2009. TRASK, R. L: Dicionário de linguagem e linguística. Trad.

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Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004.

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Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________

aula

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Objetivos

Meta

A LINGUÍSTICA, A GRAMÁTICA E O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

Apresentar definições de gramática e examinar as premissas norteadoras da Linguística para o ensino de língua materna.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: zz identificar diferentes concepções de gramática; zz comparar a gramática tradicional com a gramática descritiva; zz posicionar-se criticamente a respeito do tema.

AULA 10 A LINGUÍSTICA, A GRAMÁTICA E O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

1 INTRODUÇÃO

Na aula anterior, iniciamos uma discussão acerca da visão

normativa e descritivo-produtiva da língua. Agora, afunilaremos as nossas discussões focalizando as definições mais correntes do termo “gramática”, refletiremos sobre a confusão entre língua e gramática normativa e, por fim, faremos um contraponto entre o ponto de vista normativo e linguístico em relação ao ensino

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de língua materna. Continuaremos a discutir essas questões,

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norteados por linguistas e gramáticos brasileiros, pelo mesmo motivo apresentado na aula anterior: eles estão imersos em nossa cultura, conhecem, portanto, com mais profundidade, as nossas características.

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A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

2 O ENSINO ACEPÇÕES

DE

LÍNGUA

MATERNA

E

SUAS



Muito se tem discutido a respeito do

uso da língua em sociedade, mais ainda sobre o preconceito introduzido por este uso. O preconceito advém do desconhecimento acerca das noções fundamentais de língua e

gramática

normativa.

Bagno

(1999)

chama a atenção para a importância do esclarecimento dessas concepções. Se se confunde língua (em uso) com gramática normativa comete o terrível engano de o ensino da língua portuguesa se

Figura 1 - Pequenos estudantes, descortinando os mistérios da língua. Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1191196.

tornar um “ensino de língua estrangeira”. Isto acontece porque por muito tempo

as escolas privilegiaram somente o ensino da língua padrão, usando como única referência a gramática normativa, não aceitando e rechaçando qualquer outro tipo de registro. A negação dessa pluralidade de normas linguísticas pretendeu neutralizar a diversidade e, com isto, reforçou o abismo entre escola e sociedade. O próprio termo gramática tem suscitado debates em razão da sua multiplicidade de concepções. É preciso saber de que língua trata cada gramática. Vamos conhecer algumas dessas definições?

2.1 Tal gramática, qual língua? Na crônica abaixo, você verá a distinção entre língua em uso e língua prescrita pela gramática normativa:

Crônica: Não pise a grama (Parrião Jr) Com seus pisantes 38 tocou o solo palmense perseguindo, em largos passos, uma quimera. Terra Nova, nova gente em busca de sonhos e utopias, cada um caminhando a procura de coisa qualquer.

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Marchando rumo a um cursinho, desses preparatórios para tudo (acho que até para casar eles preparam), foi se matricular com a intenção de aprender a passar em concurso público. Ser funcionário do governo era seu maior desejo. Aquela velha mania de ler tudo que ver quase o deixou espezinhado. Leu, certa vez, uma placa no jardim daquele estabelecimento de ensino que dizia assim: “não pise na grama”, seu cérebro, intrinsecamente, logo processou: se foram eles que escreveram está certo. Para seu espanto caiu na prova do concurso justamente sobre o verbo pisar, estava lá na questão: observando a gramática normativa qual é a resposta certa? a) Não pise na grama; b) não pise à grama; c) não pise a grama. Essa é moleza! Pensou logo. Lembrando da placa no jardim do cursinho a escolha certa foi, então, não pise na grama. Mas quando veio o resultado, imagine qual foi a surpresa, perdeu a vaga por um ponto. Revoltado pôs os pés em direção ao educandário para fazer a correção da prova. Chegando lá, pasmo ficou, quando percebeu que havia errado exatamente a questão em tela. - Mas como! Tá na placa lá fora o certo é não pise na grama ou será que pisei foi na “grama - tica”? O sujeito respirou fundo, tomou um bom gole d’água e ouviu a explicação do professor: - O verbo pisar é transitivo direto, ou seja, exige complemento sem preposição alguma: Não pise a grama é a maneira certa de se usar essa frase. - Professor, a placa lá fora ta errada? - Não! Sim! É! Talvez!- Se olhar pelo ponto de vista da gramática normativa está errado a forma que foi escrito na placa. - Normativa! E tem outra?

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- Sim, a gramática se fosse colocada num prisma, como um raio de luz sairia várias ramificações: gramática descritiva, gramática gerativa, gramática gerativo-transformacional, gramática histórica, gramática normativa, gramática pedagógica, gramática prescritiva, gramática tradicional, gramática transformacional e universal. - Então como justificar a placa lá fora?

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- Modernamente, porém, se aceita o uso de pisar com a preposição em Não pise na grama, então, tem sido aceito por alguns gramáticos e dicionários brasileiros. - Mas para concurso, tá errado? - Sim, no seu caso foi considerado. Pelo que fiquei sabendo o sujeito bateu em retirada, nunca mais pisou a grama daquele estabelecimento, soube-se dele em outras terras dantes pisadas. Fonte: http://www.gargantadaserpente.com/veneno/parriaojr/01.shtml.

Você percebeu a distinção entre língua em uso e gramática normativa? A concepção que norteou o suposto concurso ignorou o uso corrente do verbo em questão. Normalmente, o termo “gramática” é usado em acepções distintas, podendo se referir: a) ao manual onde as regras de regulação e uso da língua estão explicitadas, ou b) a descrição do saber internalizado que os falantes têm da sua língua materna. Estas definições não são as únicas circulantes no meio acadêmico, mas são as mais conhecidas. No livro Por que (não) ensinar gramática na escola, Possenti (1996) apresenta três definições de gramática. A gramática vista como um conjunto de regras é dividida em: gramática normativa, descritiva e internalizada. Segundo o autor, gramática normativa é: “[...] conjunto de regras que devem ser seguidas, com o objetivo de falar e escrever corretamente. Um exemplo de regra desse tipo é o que diz que o verbo deve concordar com o sujeito” (p. 34). Sobre esse mesmo assunto, Travaglia (2002) afirma que: “gramática normativa é aquela que estuda apenas os fatos da língua padrão, da norma culta de uma língua. Essa gramática é uma espécie de lei que regula o uso da língua em uma sociedade”. A gramática normativa é observada e produzida por pessoas cultas, de prestígio e essa variante da língua costuma chamarse de “norma culta”, “variante padrão” ou “dialeto padrão” (p. 53). Conforme Possenti, gramática descritiva é definida como “[...] um conjunto de regras que são seguidas, cuja preocupação é descrever ou explicar as línguas como elas são faladas” (p. 35).

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Nesse trabalho, a principal preocupação é tornar conhecidas as regras utilizadas pelos falantes. Travaglia, por sua vez, afirma que a gramática descritiva é a que descreve e registra, para uma determinada variedade da língua, um dado momento de sua existência (portanto, numa abordagem sincrônica). A gramática implícita (ou internalizada), por sua vez, é definida como o conjunto de regras que o falante domina. É o conhecimento lexical e sintático-semântico que o falante possui e que permite que ele entenda e produza frases em sua língua. A existência de uma gramática internalizada pode ser observada por dois fatos linguísticos: o primeiro é a criança produzir formas não usadas por falantes adultos. Por exemplo, é comum a criança utilizar a conjugação dos verbos regulares (comi, escrevi) para os verbos irregulares (fazi, trazi). Este fato demonstra que ela tem uma regra internalizada para o uso de verbos, porém, por não conhecer as exceções (os irregulares), aplica a regra a todos os verbos. O outro fato é a hipercorreção, que é a aplicação de uma regra de maneira generalizada, ainda que a regra não se aplique a determinado contexto. Por exemplo, um falante que produz formas como “meu fio” no lugar de “meu filho”, ao ter contato com as formas reconhecidas como corretas, “filho”, “velho”, “baralho”, pode ampliar o uso da regra em contextos onde não se aplica, como “pilha da cozinha” e “telha de aranha”. Segundo Luft (1994), a gramática internalizada pelos falantes se inicia na mente do falante quando ele ainda tem em torno de três anos e, por volta dos cinco ou seis anos, o falante já tem esta gramática consolidada e pode falar sem embaraço. A gramática internalizada ou natural é a verdadeira gramática da língua e é dela que se originam as gramáticas dos livros. A gramática internalizada pelos falantes é completa e é através dela que os que nunca foram à escola e são analfabetos se comunicam perfeitamente por meio da língua. Essa gramática está relacionada diretamente com os conhecimentos internos

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dos falantes. Travaglia acrescenta que: “na verdade é essa

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gramática que é objeto de estudo dos outros dois tipos de gramática, sobretudo da descritiva” (2002, p. 38). Tendo esta definição de gramática podemos afirmar que a língua é o modo como o falante se comunica em sociedade, no seu dia a dia, não se preocupando com as diversas regras

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A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

da língua, utilizando apenas as informações que internalizou. Entendeu? Deste modo, percebe-se que cada gramática tem os seus objetivos e procedimentos de análise em relação à língua. Veja, no quadro a seguir, os três tipos de gramática conforme Possenti (1996), as suas regras, concepção de língua e noção de erro:

Gramática normativa conjunto de regras que devem ser seguidas

Gramática descritiva conjunto de regras que são seguidas

Gramática internalizada conjunto de regras que o falante domina

busca pelas regularidades da língua: assemelha-se à lei da natureza: “é o que é”

é a língua em situações de uso pelo falante: são conhecimentos/ usos linguísticos dos falantes, com regras implícitas (sem que se tenha consciência delas, muitas vezes).

Regra

obrigação: assemelha-se à lei jurídica: “é o que deve ser”

Língua

-expressão das pessoas cultas -regras baseadas apenas na modalidade escrita -critério literário -norma culta ou variante padrão ou dialeto padrão

regularidades -não existem línguas uniformes -o critério não é apenas literário

o que foge da boa linguagem, segundo a norma culta

-há variáveis entre padrões de uso -só é erro o que não faz parte sistemática de nenhuma variante da língua

Erro

O erro aqui consiste em se afastar do conjunto de regras dominado pelo falante.

Fonte: educacao.uol.com.br/portugues/ult1693u5.jhtm.

Doravante, daremos destaque à gramática descritiva e normativa por concentrarem em seu entorno as discussões mais produtivas das últimas décadas. Para a gramática descritiva (de acepção linguística), a língua é um sistema de signos, fenômeno social, passível de descrição e sujeita às variações

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históricas, sociais e culturais. Quer um exemplo? Cabe à gramática descritiva explicar a evolução semântica da palavra rapariga ou irado, bem como a evolução fonética da expressão Vamos em boa hora? para vamos embora?, no português do Brasil. Para a gramática normativa, não existem variedades linguísticas, ela determina, prescreve, normatiza e elege como única e verdadeira a linguagem literária, elegendo-a como padrão para a classe social dominante. Vamos ver um exemplo? É muito comum, por analogia aos verbos noivar e casar, dizermos que “namoramos COM fulano”. Entretanto, pelas regras da gramática normativa, esse verbo é transitivo direto, assim, namoramos alguém e não COM alguém. Entendido? Para você conhecer mais sobre os caminhos tomados ao longo do século XX, por linguistas e gramáticos brasileiros – e os seus debates acalorados, dignos de nota - faremos um breve percurso da história da Gramática Normativa (daqui em diante GN) no Brasil.

2.2 Gramáticos e concepção de língua

Figura 2 - Garotas estudando. Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1178367.

Não se pode falar de gramática normativa no Brasil sem aludir a Napoleão Mendes de Almeida. É por este motivo que

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iniciamos este percurso a partir de 1952, com a publicação da Gramática Metódica da Língua Portuguesa. Nesta época, a

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gramática já estava em sua sexta edição e trinta e seis edições depois, em 1999, a definição de língua permanecia a mesma! Leia atentamente: “Conquanto constitua a linguagem dom comum de todos os homens, nem todos eles se comunicam

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A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

pelas mesmas palavras. O conjunto de palavras, ou melhor, a linguagem própria de um povo chama-se língua ou idioma” (ALMEIDA, 1999, p. 17). Você pode perceber que o autor define a língua quando se dedica a conceituar o que é a linguagem, e assim diferencia os dois termos. A noção de língua parece então emergir apenas nos aspectos que a diferem da linguagem. De acordo com Nasi (2007), esse processo se repete em inúmeras outras gramáticas. Esse é o caso de Cunha e Cintra (1985) e Rocha Lima (2003). Já Bechara (2001) conceitua língua, tratando de duas possibilidades: a língua histórica e a língua funcional. Dessa forma, a língua é, ao mesmo tempo, um produto histórico e uma unidade idealizada, devido à impossibilidade de alcançar, na realidade, uma língua homogênea, unitária; além disto, o gramático considera que a língua apresenta diferenças internas: no espaço geográfico, no nível sociocultural e no estilo ou aspecto expressivo. Neste sentido, veja que os gramáticos consideram a língua como um sistema (ou conjunto de sistemas) e a preocupação em expor esta definição não é uma constante: muitas gramáticas sequer mencionam um conceito de língua. Agora você vai ler trechos da polêmica entrevista de Napoleão Mendes de Almeida à Revista Veja em 1993. Leia atentando para a concepção de gramática que sustenta o discurso do mestre: VEJA - Em que programas de TV estão os erros mais lapidares? ALMEIDA - Até nos títulos dos programas se cometem invencionices. Há um humorístico chamado Os Trapalhões. Essa palavra não existe em português. O verbo é atrapalhar. Quem atrapalha, portanto, é atrapalhão. Por que tirar o a da palavra? Também se cometem equívocos nos noticiários, principalmente, e nas novelas. Há certos erros que me obrigam a mudar de canal. Repugna-me, por exemplo, ver um locutor de TV dizendo que se bateu um ‘récorde’, colocando a sílaba tônica no primeiro e. Esse locutor não é amigo do povo. Nunca tivemos essa palavra em português. É uma tontice. O certo é se pronunciar ‘recórde’. [...] VEJA - Como falam os políticos brasileiros? ALMEIDA - Os que falam bem são exceções, e há muito

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poucas. Dizia-se que Collor falava bem, mas ele escorregava, não sei se nesse meio tempo resolveu estudar gramática. Já o Lula usou uma frase muito interessante quando era candidato à Presidência. Ele dizia “Vote ni mim”. VEJA - Lula deveria estudar gramática? ALMEIDA - Ele tentou. Lula chegou a se matricular no meu curso, mas não chegou a responder à primeira lição escrita nem pagou a segunda mensalidade. Simplesmente desapareceu. Depois de um certo tempo acabamos rasgando a ficha dele, na limpeza do arquivo. Rasguei com prazer, depois de uma greve dos metalúrgicos que deu o maior prejuízo ao país. [...] VEJA - Em que região do Brasil se fala o melhor português? ALMEIDA - É difícil especificar, mas no Maranhão, certa vez, conheci um professor que, embora muito modesto, divertia-se conversando em latim com a filha. Isso é significativo. Oxalá um dia possamos dizer que o Brasil todo fala uma língua disciplinada, que revele educação, instrução, que revele um país de pessoas formadas para a sociedade. VEJA - Estamos muito longe disso? ALMEIDA - A distância é de pelo menos três gerações. Fonte: http://traducoesgratuitas.blogspot.com/2009/06/napoleao-mendesde-almeida-veja.html.

E aí, percebeu qual é a concepção? Então vamos às atividades!

ATIVIDADE 1. O que achou da opinião do professor? O que mais lhe chamou a atenção nela? Por quê? Você concorda com ele? Justifique a sua resposta.

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2. A postura do entrevistado nos trechos apresentados espelha uma concepção de gramática. Dentre as apresentadas acima, qual é a que se enquadraria como modelo para o Prof. Napoleão? Justifique a sua resposta, exemplificando com, pelo menos, dois fragmentos da entrevista.

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2.3 Linguística e a concepção de língua: Saussure e Chomsky Na Linguística, a língua ocupa outra posição. Você viu que, para Saussure (1970, p. 23), ela é um sistema de signos linguísticos, no qual, “de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica, e onde as duas partes do signo são igualmente psíquicas”. A língua é um fato social. “Ela é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade” (SAUSSURE, p. 22). A

despeito

das

controvérsias

que

as

premissas

saussurianas originaram, é consenso que Saussure inaugurou uma nova forma de pensar a língua e, com isso, concedeu à Linguística o estatuto de cientificidade. De seus estudos surgiram muitos outros, que, com diferentes abordagens e recortes teóricos, foram desenvolvendo os estudos na área. Perini (2001, p. 16), numa introdução ao estudo do gerativismo - corrente chomskyana - afirma que, para os gerativistas, a língua é tida como um conjunto de sentenças, sendo cada uma delas formada por uma cadeia de elementos (palavras e morfemas). Lembra-se das primeiras aulas nas quais falamos sobre a distinção proposta por Chomsky entre competência e desempenho? Pois bem, conquanto os conceitos de desempenho e competência de Chomsky se assemelhem aos conceitos de língua e fala de Saussure, para Lyons (1987, p. 47), há uma distinção fundamental entre eles. O que Lyons apresenta de comum entre os conceitos propostos pelos dois autores é que ambos separam o que é linguístico do que não é. Além disso, conforme Lyons, a questão principal é que na definição dos dois conceitos de Saussure não existe nada que trate sobre as regras para gerar sentenças, o que é fundamental em Chomsky - e consta em sua dicotomia competência e desempenho. Assim, se comparássemos a langue de Saussure com a competência de Chomsky, a diferença fundamental é que a langue trata de um sistema interiorizado, e a competência, embora trate também de um sistema interiorizado, trata não dos signos internalizados, mas das regras para gerar os

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enunciados da língua. Vamos visualizar essas concepções nas figuras abaixo:

LÍNGUA PARA SAUSSURE

Sistema de Signos Interiorizados

LÍNGUA PARA CHOMSKY

Sistema Interiorizado

Inventário de Itens

(regras para gerar enunciados)

Competência

De acordo com Nasi, em seu texto eletrônico de 2009, o próprio Chomsky reconhece que a distinção entre competência e desempenho se relaciona com a dicotomia língua-fala de Saussure. No entanto, seria “necessário rejeitar o seu conceito de langue como sendo meramente um inventário sistemático de itens e regressar antes à concepção humboldtiana de competência subjacente como um sistema de processos gerativos”. Por fim, enquanto para Saussure, de maneira generalista, a língua é um sistema de signos, para Chomsky, ela é um conjunto de sentenças. Bem, agora que você revisitou rapidamente alguns conceitos fundamentais, verá como estão se posicionando os linguistas no que concerne ao ensino de Língua Materna.

2.4 Descrição X prescrição no ensino de Língua Materna

Você gramática

viu

até

agora

tradicional

é

que

a

normativa,

sua metodologia baseia-se em ensinar como a língua deve ser utilizada; e o que

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não estiver ali prescrito, é incorreto. A “onipotência” da gramática normativa como “deficientes linguísticos” e Bagno (2000)

considera

isto

um

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vem tratando, muitas vezes, os alunos Figura 3 - Estudantes esperam que professores reconheçam

acinte,

suas variantes linguísticas. Fonte: Ilustração/ UAB - UESC.

argumentando que falar errado tem

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A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

explicação lógica, científica e igualmente linguística, histórica, sociológica e psicológica. Outra questão a ser colocada - e talvez a mais grave é que embora reconheça a variação dos dialetos, renega-os; além disto, ela não considera a dinamicidade da linguagem oral e suas variantes, desconsidera seus processos de mudança e evolução; prima pela forma e ignora seu aspecto funcional. Segundo Possenti (1996), uma diferença fundamental entre a gramática normativa e a descritiva é que esta explicita as regras que são seguidas pelos falantes, e não as que devem ser seguidas, conforme a tradição preconiza. Numa outra perspectiva de análise proposta por Bagno, a gramática normativa usada hoje é, na verdade, uma gramática descritiva da língua, utilizada na época em que foi escrita; nesse sentido, ele defende a necessidade de escrevermos a verdadeira língua falada e escrita pelas classes cultas do Brasil. De acordo com o linguista, a partir do estudo da norma culta o material resultante terá função didático-pedagógica, servirá para prática do ensino para todos os professores, alunos e falantes em geral. Assim, a gramática normativa tradicional, peça importante de todo esse círculo vicioso de “preconceito linguístico”, seria substituída pela nova gramática, muito mais “simples” de ser entendida. Enfim, essa nova gramática estaria escrevendo a língua portuguesa em uso do Brasil, e não a norma culta utilizada em Portugal. Portanto, o papel do professor, então, deve ser o de combate ao preconceito linguístico que existe. De início, não podemos recusar e discriminar o modo como os alunos e a sociedade, de modo geral, fala, mas sim aproveitar esse uso para introduzirmos a norma considerada culta. Como foi analisado por Bagno, o ensino da língua deve passar de mera repetição para reflexão. Além disso, do ponto de vista prático, essa nova postura deve ser utilizada e, ao invés de reprodução, uma produção do próprio conhecimento gramatical do aluno, transformando-o num pesquisador de sua língua. Vale lembrar que a gramática precisa deixar de ser um pacote fechado, um produto acabado. Afinal, a língua é viva, dinâmica e está em constante movimento. Sendo assim, ela se coloca em permanente transformação, o que torna incoerente a permanência da gramática normativa tradicional, possuidora

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de uma linguagem que sofreu modificações de acordo com o tempo. Finalmente, devemos ou não utilizar a gramática no ensino da Língua Portuguesa? Não há dúvida que sim, embora saibamos perfeitamente que ela em si não ensina ninguém a falar; contudo, a gramática pode servir como importante ferramenta para aquisição do conhecimento sobre os meandros da língua, desde que saibamos separar o útil do inútil. Bagno (2000, p. 87) é de opinião que a “gramática deve conter uma boa quantidade de atividades de pesquisa, que possibilitem ao aluno a produção de seu próprio conhecimento linguístico, como uma arma eficaz contra a reprodução irrefletida e acrítica da doutrina gramatical normativa”. Nesta direção, para Bagno, o professor de português abdicaria do comodismo, sairia da “zona de conforto”, passaria a ser dinâmico, deixando de ser apenas um repetidor da doutrina gramatical/normativista que ele mesmo não domina integralmente. À vista das considerações feitas, você deve ter notado que a gramática não justifica seu papel de única fonte para o ensino da língua nas escolas, tanto do ponto de vista teórico quanto prático, bem como o título de código normativo da linguagem tomada no geral.

ATIVIDADES 1. A partir do exposto, cite pelo menos duas semelhanças (se julgar que há) e diferenças entre gramática descritiva e gramática normativa.

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2. Elabore uma carta, para um interlocutor de sua escolha, colocando as suas impressões sobre o tema aqui discorrido. Manifeste a sua opinião, concorde ou discorde, ofereça sugestões, compare, enfim, coloque-se!

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RESUMINDO Nesta aula, você viu que: ● Não se pode confundir língua (em uso) com gramática normativa. Quem o faz comete o terrível engano de o ensino da língua portuguesa se tornar um “ensino de língua estrangeira”. Isto acontece porque por muito tempo as escolas privilegiaram somente o ensino da língua padrão. ● A negação da pluralidade de normas linguísticas pretendeu neutralizar a diversidade e, com isto, reforçou o abismo entre escola e sociedade. ● A norma padrão não pode ser a única referência para o ensino de língua materna, mas esta deve ser o principal objetivo do professor. ● Possenti, ao lado de outros autores, distingue as gramática em, basicamente, três tipos: normativa, descritiva e internalizada. ● Bagno defende que o ensino da língua deve passar de mera repetição para reflexão. ● A língua é viva, dinâmica e está em constante movimento. Sendo assim, ela se coloca em permanente transformação, o que torna incoerente a permanência da gramática normativa tradicional, possuidora de uma linguagem que sofreu modificações de acordo com o tempo.

LEITURA RECOMENDADA

Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros: BAGNO, Marcos. Dramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia e exclusão social. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000; BRITO, Luiz Percival Leme. A sombra do caos: ensino de língua x tradição gramatical. Campinas: Mercado de Letras, 1997 e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. 43. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. ANDRÉ, H. A . Gramática Ilustrada. São Paulo: Moderna, 1997. BAGNO, Marcos. Disponível em :http://www.fae.ufmg. br/Ceale/menu_superior/publicacoes/textos/linguagem_ educacao//list_objects_template?local=menu_superior/ publicacoes/textos/linguagem_educacao/ Acesso em: 19 jul. 2009. BAGNO, Marcos. Dramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia e exclusão social. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1999. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucena, 2001. BRITO, Luiz Percival Leme. A sombra do caos: ensino de língua x tradição gramatical. Campinas: Mercado de Letras, 1997. CÂMARA JÚNIOR, J. Matoso. Dicionário de Linguística e Gramática: referente à Língua Portuguesa. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 1984. CUNHA, Celso; CINTRA, Luis Filipe Lindley. Nova gramática de português contemporâneo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

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DUBOIS, Jean et alli. Dicionário de Linguística. Trad. Izidoro Blikstein. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993.

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GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1987.

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A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

MATTOS e SILVA, Rosa. Tradição gramatical e gramática tradicional. São Paulo: Contexto, 2000.

REFERÊNCIAS

LYONS, John. Linguagem e Linguística. Trad. Marilda Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. LUFT, Celso Pedro.Língua e Liberdade. 8. ed. São Paulo: Ática, 1994.

NASI, Lara. Disponível em: http://www.urutagua.uem. br/013/13nasi.htm/ Acesso em: 20 maio 2009. OLIVEIRA, Neiva. Disponível em: http://www.jomar.pro.br/ portal/modules/smartsection/item.php?itemid=139/ Acesso em: 30 jun. 2009 PARRIÃO JR. Crônica: não pise a grama. Disponível em: Acesso em: 16 jun. 2008. PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso. Trad. de Eni Pulcinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da UNICAMP, 1988. PERINI, A. Mário. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 1997. PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. 4. ed. São Paulo: Ática, 2001. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996. (Coleção Leituras no Brasil). ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 43. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. Trad. de Antônio Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1970. SEVERO, Simone. Disponível em: http://www.vbook.pub.com/ doc/15775717/Conceito-de-Erro-Norma-e-AdequacaoLinguistica. Acesso em: 30 out. 2009.

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TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Trad. Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

http://books.google.com.br/books=dicionario+de+linguistica:du bois&source==result&resnum=1. Acesso em: 15 maio de 2009. http://pt.wikipedia.org/wiki/GramAtica. Acesso em: 13 abr. de 2009.

Aula

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http://www.overmundo.com.br/overblog/a-gramatica-ou-alingua. Acesso em: 13 mar. 2009

UESC

Letras Vernáculas

173

Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________

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