Leit Prod Text I Livro Web

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Letras

Leitura e Produção de Textos I

Gianka Salustiano Bezerril Janaína Moreno Matias Julianny de Lima Dantas Simião Maria da Penha Casado Alves

Leitura e Produção de Textos I

Gianka Salustiano Bezerril Janaína Moreno Matias Julianny de Lima Dantas Simião Maria da Penha Casado Alves Letras

Leitura e Produção de Textos I

Natal – RN, 2014

Governo Federal Presidenta da República Dilma Vana Rousseff Vice-Presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia Ministro da Educação Aloizio Mercadante Oliva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Reitora Ângela Maria Paiva Cruz Vice-Reitora Maria de Fátima Freire Melo Ximenes

Secretaria de Educação a Distância (SEDIS) Secretária de Educação a Distância Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo

Secretária Adjunta de Educação a Distância Ione Rodrigues Diniz Morais

FICHA TÉCNICA COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS Marcos Aurélio Felipe COORDENAÇÃO DE REVISÃO Maria da Penha Casado Alves COORDENAÇÃO DE DESIGN GRÁFICO Ivana Lima GESTÃO DO PROCESSO DE REVISÃO Rosilene Alves de Paiva PROJETO GRÁFICO Ivana Lima REVISÃO DE MATERIAIS Camila Maria Gomes Cristinara Ferreira dos Santos Cristiane Severo da Silva Edineide da Silva Marques Emanuelle Pereira de Lima Diniz Eugenio Tavares Borges Fabiola Barreto Gonçalves Julianny de Lima Dantas Simião Margareth Pereira Dias Priscilla Xavier de Macedo Verônica Pinheiro da Silva

EDITORAÇÃO DE MATERIAIS Alessandro de Oliveira Paula Amanda Duarte Anderson Gomes do Nascimento Carolina Aires Mayer Carolina Costa de Oliveira Dickson de Oliveira Tavares Leticia Torres Luciana Melo de Lacerda

Revisão tipográfica Leticia Torres

Revisão de estrutura e linguagem Camila Maria Gomes Cristinara Ferreira dos Santos

Pré-impressão Ian Medeiros

Revisão de língua portuguesa Emanuelle Pereira de Lima Diniz Orlando Brandão Meza Ucella Priscilla Xavier de Macedo Rhena Raize Peixoto de Lima

IMAGENS UTILIZADAS Acervo da UFRN www.depositphotos.com www.morguefile.com www.sxc.hu Encyclopædia Britannica, Inc.

Revisão de normas da ABNT Verônica Pinheiro da Silva Diagramação Ian Medeiros Criação e edição de imagens Alessandro de Oliveira Paula Carolina Costa de Oliveira

Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva.

Bezerril, Gianka Salustiano. Leitura e produção de textos I / Gianka Salustiano Bezerril, Janaína Moreno Matias, Julianny de Lima Dantas Simião, Maria da Penha Casado Alves. – Natal, RN: EDUFRN, 2014. 298 p.: il. ISBN 978-85-425-0243-5 1. Gêneros discursivos. 2. Sequências textuais. 3. Coesão. 4. Coerência. I. Matias, Janaína Moreno. II. Simião, Julianny de Lima Dantas. III. Alves, Maria da Penha Casado. IV. Título.

CDU 81’42 B574l Todas as imagens utilizadas nesta publicação tiveram suas informações cromáticas originais alteradas a fim de adaptarem-se aos parâmetros do projeto gráfico. ©  Copyright  2005.  Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EDUFRN. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educação – MEC

Sumário Apresentação institucional

5

Apresentação da disciplina

7

Aula 1 Fundamentos e pressupostos conceituais sobre o texto

9

Aula 2 Gêneros discursivos em perspectiva dialógica

31

Aula 3 A leitura e a escrita como práticas sociais

53

Aula 4 Os saberes necessários para ler e escrever

73

Aula 5 Sequências textuais: pressupostos teóricos e sequências prototípicas

89

Aula 6 Sequências textuais: constituições e funcionalidade

117

Aula 7 A tessitura do texto: coesão textual I

135

Aula 8 A tessitura do texto: coesão textual II

169

Aula 9 Coerência textual e os sentidos do texto

193

Aula 10 A coerência: compreendendo as metarregras

211

Aula 11 Modos de citação do discurso alheio

231

Aula 12 A paragrafação

255

Perfil das autoras

287

Apresentação institucional

A

Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil – UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações em Administração Pública e Administração Pública Municipal. Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a SEDIS tem disponibilizado um conjunto de meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas, livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem. Assim, a UFRN através da SEDIS se integra ao grupo de instituições que assumiram o desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como modalidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o acesso à graduação e à pósgraduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e transformar o conhecimento em uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local. Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLETE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil. Secretaria de Educação a Distância SEDIS/UFRN

5

Apresentação da disciplina Caro(a) aluno(a), Neste livro, você irá sistematizar conhecimentos sobre a natureza e as especificidades daquilo que nomeamos como texto nos estudos da linguagem. Além disso, irá compreender como os textos se constituem, como se estabilizam, como funcionam nas diferentes esferas da atividade humana e que para atender aos diferentes propósitos comunicativos e às diferentes singularidades dessas esferas eles se regularizam em gêneros discursivos distintos. Ao longo das aulas desse livro, você irá relacionar uma concepção de língua e de sujeito com uma concepção de texto; sistematizar uma concepção enunciativa e dialógica de texto; reconhecer o que se denomina texto nos estudos da linguagem; diferenciar diversas abordagens teóricas que tratam do gênero discursivo/textual; definir gêneros discursivos a partir de uma abordagem dialógica; reconhecer a leitura e a escrita como práticas sociais; identificar os conhecimentos que deverão ser acionados para a leitura proficiente de textos representativos de gêneros discursivos diversos; reconhecer os fatores de coesão e de coerência textual; identificar os modos de citação do discurso alheio e estudar a constituição do parágrafo. Portanto, você irá não apenas ter acesso a diferentes enfoques e abordagens do texto nos estudos da linguagem, mas ao longo das aulas, irá realizar atividades que auxiliarão na sistematização desses conhecimentos. As autoras

7

Fundamentos e pressupostos conceituais sobre o texto

Aula

1

Apresentação Olá, aluno(a)! Seja bem-vindo(a) à nossa disciplina de Leitura e Produção de Textos I! Nesta aula, você construirá conhecimento sobre o que é texto e sua abordagem em uma perspectiva enunciativa e dialógica. Para você compreender com mais clareza, a aula estará assim subdividida: uma apresentação do que se concebe, atualmente, sobre a categoria texto; uma apresentação do conceito de texto para alguns autores da área de linguagem; alguns exemplos de textos e atividades que lhe auxiliarão a sistematizar o conteúdo. É fato que as várias discussões sobre os temas abordados serão minimamente apresentados, porém, é importante pesquisar outras referências, que serão indicadas durante a aula.

Objetivos 1

Relacionar uma concepção de língua e de sujeito com uma concepção de texto.

2

Sistematizar uma concepção enunciativa e dialógica de texto.

3

Reconhecer o que se denomina texto nos estudos da linguagem.

O texto nos estudos da linguagem

C

aro aluno, o texto é objeto de estudo e de investigação em diferentes disciplinas teóricas e em diversos campos do conhecimento: Teoria Literária, Semiótica, Linguística, Linguística Aplicada, Análise do Discurso, Retórica, Filologia, Ciências Sociais, Antropologia e nas Ciências Humanas em geral. Nesta aula, o foco é o texto e sua abordagem nos estudos da linguagem. Antes de apresentar uma concepção de texto, é necessário que se considere que qualquer concepção sobre um objeto de estudo tem uma reflexão teórica, uma fundamentação teórica que subjaz a essa concepção e que orienta a investigação, a análise, o enfoque, o estudo. Assim, é preciso que se pergunte: está se falando de texto em qual perspectiva teórica? Qual a fundamentação teórica que está por trás dessa concepção de texto? Isso porque qualquer investida nesse campo (o estudo do texto) precisa lidar com a heterogeneidade de enfoques, de estudos, de investigação, de metodologias, de análise. Por isso mesmo, nesta aula, será apresentada uma reflexão sobre texto advinda de uma perspectiva enunciativa, dialógica, interacional.

Saiba mais A perspectiva dialógica a que se faz referência, nesta aula, toma como base os estudos do Círculo de Bakhtin que pensam a linguagem como construção histórica, como interação. Para essa concepção, a linguagem é constitutivamente dialógica, ou seja, todo discurso, toda palavra, todo texto, já está atravessado por palavras do outro, por comentários, por apreciações. O texto sempre responde a outros discursos, a outros textos. Você estudará, na Aula 12, como o autor de um texto lida com as vozes alheias no seu texto.

Aula 1

Leitura e Produção de Textos I

13

Leituras complementares Assista à entrevista com Carlos Alberto Faraco na qual o linguista apresenta os principais fundamentos da concepção dialógica da linguagem de Mikhail Bakhtin. Você pode acessar o vídeo no seguinte link: . Você pode acessar também o vídeo de Elizabeth Brait (USP) no qual a linguista faz a distinção entre as concepções linguagem: linguagem como representação do pensamento, linguagem como estrutura e linguagem como interação: .

Situado Diz-se situado, pois todo texto é produzido em determinada situação histórica envolvendo: um enunciador (quem fala/ escreve em um determinado gênero discursivo); um interlocutor (que ouve/lê); um aqui (espaço, contexto); um agora (momento histórico). Algumas correntes teóricas denominam esse conjunto de variáveis de situação de produção; outras nomeiam esse mesmo conjunto de cena enunciativa.

A partir de uma concepção enunciativa e dialógica, o texto é considerado como histórico, situado e responsivo a outros textos, a outros pontos de vista, a outras apreciações. A situação social de interação imediata e ampla é a base, o locus privilegiado onde são produzidos e recebidos (lidos, escutados) os textos. Para saber mais sobre esse conteúdo, leia: Fiorin, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática. 1996. MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001.

Responsivo Essa responsividade tem sido nomeada, nos estudos do texto, como intertextualidade, ou seja, como a relação ou o diálogo entre textos, ou seja, quando um texto faz menção a outro (explícita ou implicitamente) parafraseando, alterando, subvertendo, parodiando.

14

Aula 1

Podemos afirmar, então, que o texto é uma unidade de comunicação empírica, ou seja, o texto concretiza as ações de linguagem, orais ou escritas, permitindo, assim, a interação entre os sujeitos. Segundo Bronckart (1999, p. 137), “o texto designa toda unidade de produção verbal que veicula uma mensagem linguisticamente organizada e que tende a produzir um efeito de coerência em seu destinatário”. Ou melhor, o texto verbal contempla em sua materialidade um conjunto de elementos linguísticos, dispostos segundo as convenções da língua em que se fala ou na qual se escreve, que pretende ser coerente, ou seja, fazer sentido para o destinatário ou interlocutor (leitor, ouvinte). A noção de texto pode recobrir, então, uma palavra, uma frase (em que se recupere quem diz/ escreve, para quem diz/escreve, com qual intenção) ou um romance, um filme, uma tirinha, uma canção, um poema, uma receita médica, uma charge.

Leitura e Produção de Textos I

Saiba mais Como somos seres de linguagem, lidamos com textos em todas as nossas atividades cotidianas: se moramos com alguém, quando acordamos damos bom dia (essa saudação corriqueira, na modalidade oral, é um texto); no percurso de casa, para um lugar onde tenhamos que comprar algo (em uma loja ou em um supermercado) iremos nos deparar com diversos textos presentes em lugares variados: avisos, anúncios, endereços, nomes de lojas, informes, panfletos, placas com textos variados, outdoors com textos diversos; no supermercado ou na loja, teremos que lidar com textos presentes em caixinhas, latas, recipientes de vidro, avisos, anúncios, cupom fiscal da compra etc.

Atividade

1

Pense no seu dia a dia e liste todos os textos com os quais você lida. Pense nos textos que circulam na sua casa, no seu trabalho, na sua igreja, no seu grupo de convivência. Você afirmaria que eles têm o mesmo objetivo, o mesmo propósito? Quais seriam os objetivos, os propósitos a que esses textos atenderiam? Por que eles foram elaborados? Para quem eles se destinam?

Nessa discussão sobre texto, é preciso que você saiba que alguns teóricos como Maingueneau (2001) utilizam, algumas vezes, indistintamente texto e discurso, estabelecendo distinção apenas quando esta for necessária para a teorização e análise. Nesta aula, assumimos uma concepção de texto como unidade de comunicação que permite a interação entre as pessoas, entre os sujeitos e que pode se constituir com elementos verbais (palavras) e com elementos não verbais (linhas, traços, cor, formas, enquadres, elementos gráficos de toda espécie). Tomemos como exemplo a propaganda reproduzida a seguir:

Aula 1

Discurso Considera-se, nesta perspectiva dialógica, que todo texto veicula um discurso e que um mesmo discurso pode ganhar visibilidade em diferentes textos, ou seja, o discurso do governo para que o cidadão se previna dos males advindos da dengue pode ser veiculado em anúncios, cartilhas, campanhas comunitárias, cartazes.

Leitura e Produção de Textos I

15

Figura 1 – Peça de propaganda do governo federal de combate à dengue Fonte: . Acesso em: 10 jan. 2013.

Saiba mais Você poderá encontrar textos teóricos que façam distinção entre os termos propaganda e publicidade. Para alguns teóricos, a propaganda veicula, “vende” valores, crenças, ideias, sem finalidade lucrativa, comercial; já a publicidade, por sua vez, “vende” produtos, bens de consumo e estimula, persuasivamente, o desejo de comprar.

Por que se pode afirmar que a propaganda, acima reproduzida, é um texto? Primeiro, porque tem início e fim, ou seja, o leitor percebe que o todo forma uma unidade de sentido. Segundo, esse todo organizado se constitui de elementos verbais (as palavras dispostas no balão e por toda a propaganda) e de elementos não verbais (as imagens da casa e do agente de saúde, os números, as cores, o logo do SUS e do Governo Federal) que, conjuntamente, constroem o sentido, a coerência que o leitor recupera e lê. Além desses aspectos, em uma abordagem enunciativa e dialógica, é preciso que se recuperem algumas outras informações imprescindíveis para a leitura proficiente desse texto:

16

Aula 1

Leitura e Produção de Textos I



que ele é representativo do gênero discursivo propaganda de governo que veicula conteúdo educativo e preventivo concernentes à saúde, à educação, aos esportes etc.;



que a autoria desse texto é do Governo Federal que sinaliza isso com os logos do Governo e do Ministério da Saúde;



que o leitor recupere informações sobre os problemas que o Brasil enfrenta com relação à Dengue;



que o leitor saiba que o Governo Federal investe em propagandas educativas com o objetivo de estimular a participação do cidadão no combate à dengue;



que a propaganda, quase sempre, é um gênero discursivo que exige a leitura não apenas dos elementos verbais, ou seja, do que está realizado em palavras, mas de todos os seus elementos constitutivos quer sejam verbais ou não verbais. É nesse jogo entre o verbal e o não verbal que o texto se constitui como uma unidade coerente, como um todo organizado que pode ser lido e compreendido pelo leitor.

Saiba mais A autoria de um texto pode ser imputada a um indivíduo particular, a um conjunto empresarial, ao governo (municipal, estadual, federal) ou a um conjunto de pessoas que se responsabilizam pelo conteúdo veiculado no texto. Por exemplo, a autoria de um editorial é da empresa jornalística responsável pelo jornal; quem responde (autora) um anúncio publicitário é a empresa que dá nome ao produto; a responsabilidade autoral de um trabalho em grupo entregue ao professor é dos componentes que nele colocaram seus nomes.

Dadas essas informações, o leitor pode ler de forma mais proficiente ou adequada a propaganda reproduzida e construir uma resposta para ela de forma crítica, posicionada, recuperando intenções, objetivos, público-alvo a que se destina, adequação da linguagem e das imagens. Para isso, vale destacar também o que afirma Maingueneau (1989, p. 91):

Aula 1

Leitura e Produção de Textos I

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O texto não é um estoque inerte que basta segmentar para dele extrair uma interpretação, mas inscreve-se em uma cena enunciativa cujos lugares de produção e de interpretação estão atravessados por antecipações, reconstruções de suas respectivas imagens, imagens estas impostas pelos limites da formação discursiva.

Portanto, podemos afirmar, que a leitura ou a escuta de textos envolve tanto a situação na qual são produzidos como a situação na qual são lidos/ouvidos. Isso se dá porque, na abordagem enunciativo/dialógica, todo texto tem um autor e é direcionado para alguém.

Saiba mais Dominique Maingueneau é linguista francês, com pesquisa na área da Análise do Discurso francesa (AD). Seus interesses de pesquisa voltam-se para o discurso, para a linguagem, para o ethos discursivo, para o texto literário. Eis alguns de seus livros: Análise de textos de comunicação. São Paulo, Cortez, 2001; Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes & Editora da Unicamp, 1989; Pragmática para o discurso literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996; Gênese dos discursos. Curitiba: Criar, 2008.

Leituras complementares

Para maior aprofundamento sobre a perspectiva dialógica e outras correntes teóricas sobre texto, você pode fazer a leitura da seguinte obra: BRAIT, B.; SOUZA-E-SILVA, M.C. (Org.). Texto ou discurso. São Paulo: Contexto, 2012. Na obra de Irandé Antunes, sugerida em seguida, ela apresenta o texto e sua abordagem nos estudos da linguagem, tendo como foco o ensino de Língua Portuguesa. ANTUNES, I. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

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Aula 1

Leitura e Produção de Textos I

Ao se falar de texto, remete-se, necessariamente ao leitor, à leitura. Como você viu no páragrafo anterior, ao focalizarmos a tirinha como texto, em vários momentos a palavra “leitor” surgiu nas considerações feitas. Dessa forma, se o texto é o lugar da interação de sujeitos sociais, os quais dialogicamente nele/ por ele se constituem (KOCH; ELIAS, 2007), consequentemente, deduz-se que a leitura (cujo enfoque será dado na Aula 2) de um texto aciona não apenas um conhecimento linguístico, informações sobre a estrutura gramatical, mas mobiliza, para tanto, uma série de outros conhecimentos tais como: conhecimento de mundo, conhecimento sobre textualidade, como, por exemplo, tipos de textos (nas Aulas 5 e 6 você irá estudar as sequências textuais ou tipos de textos), gêneros discursivos, fatores garantidores da coesão e da coerência). O leitor, nessa perspectiva, não é um sujeito passivo diante do texto, mas alguém que atua construindo sentido, levantando hipóteses, acionando conhecimentos sobre o mundo, sobre os textos, sobre a as regras que regem a interação social, enfim, a leitura é uma atividade de interação que envolve o leitor, o texto e o autor. Sobre isso, veja o quadro-síntese a seguir:

Concepção de língua

Concepção de sujeito

Concepção de texto

Concepção de leitura

Língua como representação do pensamento.

O Sujeito é entendido com um ser psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações, sujeito absoluto de seu dizer.

O texto é visto como um produto lógico do pensamento do autor. Cabe ao leitor “captar” essa representação mental, exercendo, assim, um papel passivo na leitura.

A leitura é compreendida como atividade de captação das ideias, das intenções do autor, sem considerar, para tanto, as experiências, os conhecimentos do leitor. O foco recai sobre o autor e suas intenções, o sentido está centrado no autor e cabe ao leitor apenas captar essas intenções.

Língua como estrutura (como código, como instrumento de comunicação).

O sujeito é concebido como determinado, “assujeitado” pelo sistema, caracterizado por uma espécie de “não-consciência”. Toda explicação sobre o indivíduo e seu comportamento se ancora quer no sistema linguístico, quer no sistema social.

O texto é visto como produto da codificação de um emissor a ser decodificado por um receptor (leitor/ouvinte). Para isso, basta o receptor ter conhecimento do código utilizado.

A leitura é concebida como uma atividade que exige do leitor o foco no texto, na sua linearidade, no sentido das palavras e das estruturas do texto. A leitura é uma atividade de reconhecimento, de reprodução.

O sujeito é compreendido como ator/construtor social. Indivíduo ativo que dialogicamente se constrói e é construído no texto.

O texto é visto como o lugar da interação e da constituição de sujeitos. O texto materializa contextos, pontos de vista, discursos e se relaciona retrospectivamente e antecipadamente com outros textos.

A leitura é concebida como uma atividade interativa complexa de construção de sentidos. Como tal exige que o leitor acione conhecimentos linguísticos e mobilize, também, seu conhecimento de mundo e um vasto conjunto de saberes concernentes ao evento de comunicação.

Língua como interação, como atividade dialógica.

Quadro 1 – Quadro-síntese elaborado a partir das reflexões de Koch e Elias (2007)

Aula 1

Leitura e Produção de Textos I

19

Com base nesse quadro-síntese, conclui-se que, nos estudos da linguagem, à concepção de língua correspondem visões de sujeito, de texto e de leitura. Assumir uma concepção de língua como interação, como atividade que se dá entre sujeitos socialmente construídos, implica, portanto, assumir uma visão de sujeito como ator social constituído/constituinte de linguagem; comprender o texto como lugar onde essa interação se materializa e conceber a leitura, por sua vez, como uma atividade de interação, de responsividade de um leitor ativo, construtor de sentidos para um texto que exige o acionamento de conhecimentos de diversa ordem para além do linguístico. Essa concepção de linguagem, de sujeito, de texto e de leitura, ora apresentada e assumida neste livro, se coaduna com o que preconizam os Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio:

Sistemas arbitrários de representação Sistemas arbitrários de representação se referem ao conjunto de todos os sistemas de linguagens que nós, seres humanos, criamos para a interação social.

“A linguagem é considerada aqui como capacidade humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de representação, que são compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido. Podemos, assim, falar em linguagens que se inter-relacionam nas práticas sociais e na história, fazendo com que a circulação de sentidos produza formas sensoriais e cognitivas diferenciadas. Isso envolve a apropriação demonstrada pelo uso e pela compreensão de sistemas simbólicos sustentados sobre diferentes suportes e de seus instrumentos como instrumentos de organização cognitiva da realidade e de sua comunicação. Envolve ainda o reconhecimento de que as linguagens verbais, icônicas, corporais, sonoras e formais, dentre outras, se estruturam de forma semelhante sobre um conjunto de elementos (léxico) e de relações (regras) que são significativas” (BRASIL, 2002).

Saiba mais Os PCN orientam, parametrizam o ensino de Língua Portuguesa na educação básica (ensino fundamental e ensino médio). Foram publicados em 1997 pelo MEC com o objetivo de garantir uma educação de qualidade a partir das referências apresentadas para as disciplinas da educação básica, havendo, portanto, Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) direcionados tanto para o ensino fundamental como para o ensino médio.

20

Aula 1

Leitura e Produção de Textos I

Leitura complementar Assista ao filme Nell, de Michael Apted, de 1994. O filme conta a história de Nell, uma jovem que foi criada por sua mãe isolada de qualquer civilização. Nele, você verá como a linguagem de qualquer sujeito é construída na interação e na mediação com o outro. Fonte: . Acesso em: 10 jan. 2012.

A linguagem entendida dessa forma, ou seja, como interação, conforme parametrizam os documentos oficiais, constitui sujeitos e veicula sentidos construídos socialmente. Nesse ponto, podem-se estabelecer relações dialógicas entre esse documento e a concepção de texto construída por Mikhail Bakhtin (2003) a qual atende as atuais demandas de leitura e de escrita da contemporaneidade que exige um leitor que reconheça sentidos, vozes, posicionamentos, intenções em textos representativos de diferentes gêneros discursivos e que circulam em suportes de textos os mais diversos construindo relações dialógicas de ordem vária. Eis como o filósofo russo compreende o texto e seu enfrentamento nos estudos da linguagem: O texto (escrito ou oral) enquanto dado primário de todas disciplinas, do pensamento filológico-humanista no geral (inclusive do pensamento teológico e filosófico em sua fonte). O texto é a realidade imediata (realidade do pensamento e das vivências), a única da qual podem provir essas disciplinas e esse pensamento. Onde não há texto não há objeto de pesquisa e pensamento. (BAKHTIN, 2003, p. 307).

Suportes Marcuschi (2008) define como suporte de um gênero “um lócus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como um texto. Pode-se dizer que suporte de um gênero é uma superfície física em formato específico que suporta, fixa e mostra um texto”. As reflexões desse linguista sobre esse tema estão disponíveis em: .

Leitura complementar Para maior aprofundamento sobre a perspectiva dialógica e outras correntes teóricas sobre texto sugere-se a leitura da obra Texto ou discurso organizada por Beth Brait e Maria Cecília Souza-e-Silva e publicada pela Editora Contexto, em 2012.

Aula 1

Leitura e Produção de Textos I

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Essa concepção de texto, como o dado primário de várias disciplinas, de vários campos de investigação, reposiciona, de um lado, o lugar do texto como sendo o ponto de partida, nas ciências humanas, da pesquisa e da produção do conhecimento e, por outro lado, coloca o homem como ser de linguagem, como ser textual. Essa visão de Bakhtin se encontra nas suas anotações “O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas” escritas entre 1959 e 1961, mas que são significativas até hoje dada a sua complexidade e sua atualidade no enfoque do que hoje se concebe como texto nos estudos da linguagem. Vale destaque, nessas anotações, as seguintes afirmações de Bakhtin, aqui apresentadas de forma sucinta e destacadas em negrito: 

todo texto tem um sujeito, um autor (quem fala ou escreve);



a autoria se manifesta de diferentes formas (basta ver como a manifestação autoral se apresenta de forma diversa em um editorial de jornal e em um bilhete pessoal);



todo texto é representativo de um gênero discursivo (todas as esferas da atividade humana têm seus gêneros discursivos que mediam a interação verbal);

Enunciado



Para Bakhtin (2003), os gêneros discursivos são enunciados que ganharam uma relativa estabilidade, que apresentam um conteúdo-temático, uma forma-composicional e um estilo que nos permitem reconhecê-los. Sobre esse tópico será dedicada a Aula 2.

o texto também é considerado como enunciado (nesse sentido, é preciso que se considere a sua função, os gêneros discursivos, a intenção e a realização dessa intenção);



o texto apresenta dois polos: o polo do repetível (da estrutura, do sistema) e o polo do enunciado (da linguagem, da autoria, do gênero, do discurso, das relações dialógicas entre textos, da visão de mundo, do posicionamento do sujeito, dos valores, da ideologia, da história);



o texto-enunciado é enformado por elementos extralinguísticos (dialógicos) e está ligado a outros enunciados (relações dialógicas);



todo texto-enunciado tem um destinatário (ouvinte/leitor, público-alvo);



a compreensão de um texto é sempre de natureza dialógica, responsiva (a compreensão se materializa em respostas de concordância, de rejeitação, de confirmação, de ressalvas, de objeção ao que foi ouvido/lido);



o texto-enunciado é singular e historicamente único (a autoria do texto garante que ele seja singular e historicamente único, pois sujeitos diferentes construirão textos diferentes a partir de seu horizonte avaliativo, ou seja, a partir de sua visão de mundo, de seu posicionamento, de sua apreciação, do espaço/tempo que ele ocupa no mundo social).

22

Aula 1

Leitura e Produção de Textos I

Sobre essa visão de texto de Bakhtin, é importante apresentar o que observa Brait (2012): [...] O autor (Bakhtin) faz questão de apresentar texto como uma dimensão linguística atualizada enquando enunciado concreto, situado, aspecto que impede seu enfrentamento de uma perspectiva unicamente linguística. Bakhtin suspeita do termo texto e o substitui por enunciado/enunciação, justamente por ele estar, em várias teorias, associado à dimensão unicamente linguística e estilística, autônoma, individual, sem possibilidade de ser colocado no circuito mais amplo da produção de sentidos, dimensão que se realiza no confronto de duas consciências, de dois interlocutores, de conjunção de discursos histórica, cultural e socialmente situados. (BRAIT, 2012, p. 15, grifos da autora).

Por coerência teórica, optamos, nesta aula, pela denominação “esferas da atividade humana” (ou da criatividade ideológica, ou da atividade humana, ou da comunicação social, ou da utilização da língua, ou, da ideologia), como nomeou Bakhtin e o Círculo. Dessa forma, podem ser dadas como exemplos as seguintes esferas onde atuamos, interagimos, produzimos linguagem: a esfera familiar, a esfera escolar (pública ou privada), a esfera acadêmica, a esfera religiosa (com suas diferentes manifestações), a esfera artística (com suas diferentes especificidades), a esfera publicitária, a esfera política, a esfera jurídica, a esfera científica etc. Para um maior aprofundamento sobre a distinção entre as concepções de esfera (Bakhtin) e de campo (Bordieu), você pode fazer a leitura de GRILLO, S.V. de C. Esfera e Campo. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.133-160.

Saiba mais Mikhail Mikhailovich Bakhtin (nasceu em 17 de novembro de 1895  e morreu em 06 de março  de  1975) foi um filósofo da linguagem e pensador russo. Foi um dos mais importantes pensadores de um grupo de profissionais dedicados a estudar linguagem, literatura e arte, que incluía Valentin Nikolaevich Voloshinov (1895-1936), Matvei Isaevich Kagan (1889-1937), Lev Vasilievich Pumpianski (1891-1940), Ivan Iva-

Aula 1

Leitura e Produção de Textos I

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novich Sollertinskii (1902-1944) e Pavel Nikolaevich Medvedev (18911938). Esse grupo de estudiosos formado por Bakhtin, Voloshinov, Medvedev e outros ficou conhecido como o Círculo de Bakhtin. A Bakhtin e ao Círculo deve-se a sistematização de concepções basilares para os estudos da linguagem na contemporaneidade: linguagem como interação verbal, enunciado, gêneros do discurso, exotopia, cronotopo, relações dialógicas entre textos, carnavalização, polifonia e outros conceitos que compõem a rede do pensamento desse pensador.

Atividade

2

Leia as manifestações de linguagem reproduzidas a seguir e justifique, com base no conteúdo desta aula, por que elas podem (ou não) ser nomeadas como texto.

TEXTO 1

Fonte: . Acesso em: 12 jan. 2013.

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TEXTO 2

Fonte: . Acesso em: 10 jan. 2013.

TEXTO 3 A manhã raia Alberto Caeiro A manhã raia. Não: a manhã não raia. A manhã é uma coisa abstracta, está, não é uma coisa. Começamos a ver o sol, a esta hora, aqui. Se o sol matutino dando nas árvores é belo, É tão belo se chamarmos à manhã «Começarmos a ver o sol» Como o é se lhe chamarmos a manhã, Por isso se não há vantagem em por nomes errados às coisas, Devemos nunca lhes por nomes alguns. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2013.

Aula 1

Leitura e Produção de Textos I

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Para finalizar, recorremos às observações de Antunes (2010) sobre texto. Essas observações poderão fundamentar as práticas de leitura e de escrita em sala de aula de Língua Portuguesa: 

um texto não é um conjunto aleatório de palavras ou de frases sem nenhuma relação entre elas;



o que se fala ou se escreve, em determinadas situações de comunicação, de interação, são textos;



o texto materializa as intenções, as pretensões comunicativas de um sujeito socialmente constituído;



o texto, por ser sempre produzido em uma atividade social de interação, de comunicação, envolve sempre um interlocutor (ouvinte/leitor);



o texto se constrói a partir de um tema, um tópico, uma ideia central que lhe garante a continuidade e unidade (Nas Aulas 7 a 10 você estudará os fatores que garantem a textualidade – coesão e coerência).

Resumo Nesta aula, foi apresentada uma concepção de texto de vertente enunciativa e dialógica, com base nos atuais estudos da área do discurso e da linguagem. Você deve ter concluído que tudo que falamos, que escrevemos são textos e esses textos serão escutados/ lidos por outros. Você deve ter concluído, também, que o homem é um ser de linguagem e que essa linguagem é construída na relação com o outro, na interação em diversas situações. Esperamos que você tenha compreendido bem o que atualmente se entende por texto, pois esse conteúdo será essencial na sua vida como estudante do curso de Letras, pois, neste, você lidará com textos (lendo, produzindo, analisando) durante todas as atividades em variadas disciplinas. Além disso, o texto está presente em todas as suas atividades do cotidiano, como você viu nesta aula!

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Aula 1

Leitura e Produção de Textos I

Autoavaliação 1

2

Elabore um esquema, destinado aos alunos desta disciplina, que deverá ser postado no moodle, sobre as implicações teórico-metodológicas da concepção de texto apresentada nesta unidade para as práticas de leitura e de escrita em sala de aula de Língua Portuguesa. Escreva um comentário direcionado ao professor(a) desta disciplina sobre a seguinte orientação de Antunes (2010):

Eleger o funcionamento da linguagem – que somente acontece em textos – como uma das prioridades do estudo significa promover a possibilidade da efetiva participação da pessoa, como indivíduo, cidadão e trabalhador. (ANTUNES, 2010, p. 44).

Referências ANTUNES, I. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. BAKHTIN, M. O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2003. BRAIT, B.; SOUZA-e-SILVA, M.C. Texto ou discurso? São Paulo: Contexto, 2012. BRASIL. MEC/SEMTEC. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: MEC/SEMTEC, 2002. BRONCKART, J. P. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999. FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática, 1996. KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007.

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MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes & Editora da Unicamp, 1989. MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A.(Org.). Gêneros textuais & ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. p. 19-36. RAMOS, P. A leitura das histórias em quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.

Anotações

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Anotações

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Anotações

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Gêneros discursivos em perspectiva dialógica

Aula

2

Apresentação

N

esta aula, você sistematizará saberes sobre a concepção de gêneros discursivos, relacionando-a com vertentes diversas que tomam o gênero como objeto de pesquisa/estudo. Para você compreender com mais clareza, a aula estará assim subdividida: uma apresentação do que se concebe, atualmente, sobre a categoria gênero textual/discursivo; a distinção entre gênero textual e gênero discursivo ou do discurso; apresentação das correntes teóricas que estudam os gêneros; concepções de esferas da atividade humana e de suportes textuais; atividades e autovaliação final. É fato que as várias discussões sobre os temas abordados serão minimamente apresentas, portanto, é importante pesquisar outras referências que serão indicadas na aula.

Objetivos 1

Diferenciar diversas abordagens teóricas que tratam do gênero discursivo/textual.

2

Distinguir gênero textual de gênero discursivo ou do discurso.

3

Sistematizar concepções de esfera da atividade e de suporte textual.

4

Definir gêneros discursivos a partir de uma abordagem dialógica.

Gêneros discursivos em perspectiva dialógica

T

odo texto (falado ou escrito) é representativo de um gênero discursivo/ textual. Para que melhor se entenda o que hoje, nos estudos da linguagem, denomina-se gênero discursivo ou gênero textual é preciso que se retomem algumas vertentes teóricas que sistematizaram/sistematizam conhecimento sobre essa categoria/objeto de estudo. Antes, é necessário esclarecer qual/quais corrente(s) fazem uso do termo Gêneros discursivos e quais fazem opção pelo termo Gêneros textuais. Sobre isso, eis o que esclarece Rojo (2005), a partir de pesquisa realizada sobre os estudos dos gêneros no Brasil: Por fim e mais importante, constatamos que podíamos dividir esses trabalhos em duas vertentes metateoricamente diferentes – que, daqui por diante, denominarei teoria de gêneros do discurso ou discursivos e teoria de gêneros de texto ou textuais. Ambas as vertentes encontravam-se enraizadas em diferentes releituras da herança bakhtiniana, sendo que a primeira – teoria dos gêneros do discurso – centrava-se sobretudo no estudo das situações de produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos e a segunda – teoria dos gêneros de texto –, na descrição da materialidade textual. No primeiro caso, os autores de referência eram, em geral, o próprio Bakhtin e seu Círculo, além de comentadores como Holquist, Silvestre e Blank, Brait, Faraco, Tezza, Castro, etc. No segundo, os autores de referência eram, em geral, Bronckart e Adam. Entretanto, como aparato teórico para a descrição específica de exemplares nos gêneros, ambas as vertentes muitas vezes recorriam a um conjunto de auores comuns, tais como Charaudeau, Maingueneau, Kerbrait-Orecchioni, Authier-Revuz, Ducrot, Bronckart et al (1985), Bronckart (1997). Adam (1992). (ROJO, 2005, p. 185).

Como se pode constatar, a partir dessas observações de Rojo, no Brasil, aqueles que adotam a nomenclatura Gêneros textuais ou Gêneros de texto centram sua abordagem do gênero na descrição da composição e da materialidade linguística; enquanto que a vertente que utiliza a denominação Gêneros discursivos ou Gêneros do discurso focalizam aspectos concernentes à situação de enunciação em seus aspectos sociais e históricos. A fim de melhor sistematização dessa diferença de enfoque, veja o quadro-síntese elaborado a partir de Rojo (2005):

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Teoria dos gêneros textuais

Teoria dos gêneros discursivos

Trabalha com a noção de família de textos (as famílias são reconhecidas por similaridades no nível do texto ou do contexto ou situação de produção).

Trabalha o gênero a partir de três dimensões indissociáveis: os temas (conteúdos ideologicamente tratados); a forma composicional (os elementos das estruturas comunicativas e semióticas compartilhadas pelos textos pertencentes ao gênero) e o estilo (marcas linguísticas, traços da posição enunciativa do autor e da forma composicional do gênero).

Compatibiliza análises textuais com as descrições de (textos em) gêneros, operando com as noções de sequências e operações textuais (Adam e Marcuschi) ou com tipos de discurso (Bronckart).

Compreende o gênero a partir dos elementos de sua situação de produção (o sujeito falante/autor e seu interlocutor, as relações sociais, institucionais e interpesssoais vistas com base na apreciação valorativa do sujeito autor que determina, assim, os aspectos temáticos, composicionais e estilísticos do texto-enunciado).

Opera com uma leitura pragmática ou funcional do contexto/ situação de produção.

Trabalha com a noção de esferas comunicativas onde os sujeitos ocupam determinados lugares sociais, estabelecem certas relações hierárquicas e interpessoais, selecionam e abordam determinados temas, adotam determinadas intenções comunicativas, sempre a partir de apreciações valorativas sobre o tema e sobre o parceiro da interação verbal.

Menciona ou estabelece uma relação (de aproximação ou de recusa) da obra bakhtiniana.

Tem como referência a obra de M. Bakhtin e o Círculo.

Considera o gênero com uma noção que recobre uma família de similaridades e, como modelo canônico, está representada no conhecimento dos agentes.

Considera o gênero discursivo como um “universal concreto”, decorrente das relações sociais e regulador das interações e discursos configurados em enunciados ou textos de diversa ordem.

Quadro 1 – Quadro-síntese elaborado com base em Rojo (2005)

Após essa breve abordagem da distinção entre gêneros textuais ou discursivos, é necessário, ainda, que se apresentem algumas correntes teóricas que tomam os gêneros como objeto de estudo.

Atividade

1

Agora que você estudou a distinção entre gêneros textuais e gêneros discursivos (ou do discurso), como essa diferenciação pode repercutir na análise de um texto representativo de um determinado gênero?

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Aula 2

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A abordagem sociorretórica ou estudos da retórica Essa abordagem tem a obra da linguista americana Carolyn Miller como uma das suas referências. A linguista propõe o gênero como “ação retórica tipificada” em situações recorrentes e definidas socialmente. Para uma teoria do gênero, segundo a autora, importa o fato de as situações retóricas serem recorrentes, o que permite, assim, a tipificação com base em analogias e semelhanças. Para a autora, o gênero refere-se a categorias do discurso convencionais, pois derivam de uma ação retórica tipificada; é interpretável por intermédio das regras que o regulam; é distinto pela forma, mas é uma fusão de forma e substância; é o mediador entre o público e o privado; constitui a cultura. Outro estudioso que se insere nessa abordagem é Charles Bazerman. Também como Miller, Bazerman considera o gênero como ação social, observando as regularidades nas situações recorrentes que, por sua vez, originam recorrências na forma e no conteúdo do ato de comunicar. Vale ressaltar que para Bazerman o usuário do gênero tem papel decisivo, pois apenas os envolvidos na situação de comunicação têm possibilidade de interpretar certas situações, e as respostas a elas, como sendo recorrentes e dali retirar semelhanças significativas e peculiares para constituir um tipo. Por fim, John M. Swales considera alguns elementos para a definição do gênero: o primeiro é a ideia de classe (o gênero é uma classe de eventos comunicativos, sendo o evento considerado como uma situação em que a linguagem verbal tem papel indispensável). O segundo é que uma classe de eventos compartilham um propósito comunicativo que é considerado pelo estudioso o critério de maior relevância uma vez que o propósito motiva a ação e é vinculado ao poder. O terceiro elemento é a prototipicidade: um texto será considerado do gênero se possuir os traços apresentados na definição do gênero em questão. O quarto elemento que caracteriza o gênero relaciona-se com lógica ou a razão subjacente ao gênero: ele tem uma lógica própria e assim serve a um propósito que a comunidade reconhece. O quinto elemento é a terminologia construída pela comunidade discursiva para seu próprio uso. Além disso, o modelo de análise de gêneros textuais proposto por Swales vai considerar três noções básicas: comunidade discursiva, gênero e tarefa. Apresentada a abordagem sociorretórica dos gêneros, focaremos, na próxima seção, a abordagem do Interacionismo Sociodiscursivo.

Aula 2

Leitura e Produção de Textos I

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Leituras complementares Para saber mais informações sobre a Nova retórica e os gêneros, você poderá ler o capítulo sugerido a seguir: MILLER, C. Genre as a social action. In: FREEDMAN, A.; MEDWAY, P. (Org.). Genre and the new rhetoric. London: Taylor & Francis, 1984. Para um maior aprofundamento das direrentes abordagens dos gêneros textuais/discursivos, sugere-se a leitura do livro: MEURER, J.L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. Encontram-se traduzidas e publicadas as seguintes obras de Charles Bazerman, enfocando os gêneros textuais e as diferentes atividades de interação. BAZERMAN, C. Gêneros textuais tipificação e Interação. São Paulo: Cortez Editora, 2005. BAZERMAN, C. Gênero, Agência e Escrita. São Paulo: Cortez, 2006. Para maior aprofundamento sobre a abordagem de John M. Swales, você pode fazer a leitura do capítulo indicado a seguir: HEMAIS, B.; BIASI-RODRIGUES, B. A proposta sócio-retórica de John M. Swales para o estudo dos gêneros textuais. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

A abordagem do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) Essa abordagem tem como principais representantes Jean Paul Bronckart, Joaquim M. Dolz e Bernard Schneuwly. Apesar desses autores terem trabalhos com focos distintos, operam com algumas categorias compartilhadas por todos eles, tais como: texto, gêneros de textos, tipos de discurso e tipos de sequências. Nessa abordagem, os gêneros são produtos sócio-históricos, são elementos explicativos da ação de linguagem. Interessa nessa abordagem o estudo do gênero para fins didáticos ou para finalidades teóricas, buscando-se explicações sobre o papel dos gêneros na ação de linguagem. Se para Bronckart (1999), os gênero são pré-construtos que existem antes de nossas ações, para Schnewly os gêneros, a

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partir de uma visão interacionista sociodiscursiva fundamentada em Vigotski e Bakhtin, são megainstrumentos de interação social. São ferramentas semióticas complexas que permitem a realização de ações de linguagem, assim, a apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental para a socialização, para a inserção do indivíduo nas atividades comunicativas humanas. Para finalizar, segundo esse enfoque teórico, a identificação-descrição-classificação dos gêneros precisa conviver, necessariamente, com os seguintes problemas: 

o número ilimitado de gêneros;



a mudança permanente deles;



a dificuldade de determinada sociedade em nomear e classificar os gêneros de forma segura e confiável;



o grande número de critérios para a sua descrição;



a não relação direta entre o gênero e um conjunto particular de características linguísticas;



a análise do texto pode evidenciar realizações bastante diferenciadas de um mesmo gênero.

Feitas essas observações sobre a abordagem do ISD, enfoca-se, na próxima seção, a perspectiva discursivo-semiótica.

Leituras complementares Para saber mais sobre a abordagem dos gêneros orais e escritos na escola, leia a obra: SCHNEWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2004. Sugere-se a leitura da seguinte obra de Bronckart, que enfoca as atividades de linguagem a partir de um enfoque dos textos e dos discursos: BRONCKART, J. P. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

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A abordagem discursivo-semiótica de Gunther Kress Os gêneros textuais são tipos de textos que codificam os traços e as estruturas dos eventos sociais, assim como os propósitos comunicativos dos envolvidos nesses eventos. Os gêneros podem funcionar como um inventário dos eventos sociais de determinada instituição. O mais importante dessa perspectiva, é que os gêneros textuais não podem ser estudados sem a consideração dos elementos não verbais que lhes são constitutivos: a forma como a linguagem e os elementos visuais se articulam em um texto são ancoragens para a leitura ideológica dos textos. Nessa abordagem, os gêneros textuais são estudados a partir de duas dimensões que possibilitam a construção de sentido: o plano do contexto imediato (aquele onde se desenvolvem os eventos característicos de determinada instituição) e no plano do contexto mais amplo de uma dada cultura. Segundo Balloco (2005), os estudos de Kress oferecem uma fundamentação teórica centrada no texto como unidade de anállise, mas tem como objeto de análise os sentidos construídos e negociados no texto, ou por meio do texto. As contribuições de Kress permitem compreender que os textos são multimodais e que a análise precisa considerar todos os elementos que lhes são constitutivos (verbais e não verbais) e não apenas os elementos verbais como geralmente se faz. Apresentou-se nesta seção a abordagem discursivo-semiótica dos gêneros textuais, agora, na próxima seção será enfocada a abordagem dialógica de M. Bakhtin.

Saiba mais Para a Teoria da Multimodalidade, o texto multimodal é aquele cujo sentido se concretiza por mais de um código semiótico, Kress & van Leeuwen (1996). Ainda segundo os autores, um conjunto de modos semióticos está envolvido em toda produção ou leitura dos textos; cada modalidade tem suas potencialidades de representação e de comunicação, produzidas culturalmente. Assim, em um texto podem-se encontrar elementos verbais (palavras) e elementos não-verbais (traços, cor, linhas, enquadramento, imagem, negrito ou outro recurso de destaque etc.).

Atividade

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Elabore um quadro sinóptico no qual você sintetize as diferentes abordagens do gênero, as perspectivas de cada uma e os autores representativos delas.

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A abordagem dos gêneros discursivos na perspectiva da Análise Dialógica do Discurso (ADD) Para Bakhtin (2010), sempre que falamos utilizamos os gêneros do discurso que são tão heterogêneos e multiformes como o são as nossas práticas sociais. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos, únicos, singulares, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Para esse teórico, todas as atividades de linguagem são concretizadas em gêneros discursivos diversos e multiformes, tais como o são os usos dessa linguagem: Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN, 2003, p. 261).

Nesse excerto, vislumbra-se o conceito de gêneros do discurso como enunciados relativamente estáveis que apresentam conteúdo temático, estilo e construção composicional peculiares que permitem compreender a singularidade e a especificidade de um gênero em relação ao outro. Tal concepção, repetida à exaustão por aqueles que se referem aos gêneros, nem sempre é/foi compreendida considerando a cota de instabilidade com a qual os gêneros discursivos constitutivamente precisam ser considerados a fim de que não sejam engessados, enformados e modelados a partir do que se entendeu por “estáveis”.

Leitura complementar Leia a obra sugerida a seguir, que sintetiza os principais conceitos do pensamento de M. Bakhtin. BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: ______ (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p. 9-31.

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Na leitura anteriormente recomendada, você vai ver que se denomina ADD (Análise Dialógica do Discurso), segundo Brait (2006), os estudos do discurso que se fundamentam nos pressupostos teóricos construídos pelo que se denomina Círculo de Bakhtin. Para saber mais, leia o texto a seguir: Os gêneros discursivos são construtos históricos, sociais e acompanham as mudanças sociais, econômicas, culturais. Dessa forma, eles se alteram com o tempo, mudam conforme mudam as relações intersubjetivas, deixam de existir caso as necessidades sociais e culturais já não justifiquem a sua existência. Você já pensou em quantos novos gêneros discursivos surgiram com o advento do computador, do mundo digital, das redes sociais? Isso quer dizer que os gêneros discursivos não são construções estáticas ou abstratas. Pensemos, por exemplo, na carta de alforria: não há mais a relação senhor x escravo, não existem mais as condições sócio-históricas que justificariam a escrita de uma carta de alforria para alguém nos dias atuais. Por isso, o gênero discursivo carta de alforria já não circula, já não é mais produzida, restando apenas como documento histórico de uma época. Também você pode constatar que uma carta de amor do século XVIII já não apresenta as mesmas características de uma carta de amor do século XXI (o estilo, ou seja, as escolhas de linguagem seriam outras, a sua formatação seria diferente, a interlocução, ou seja, a forma dos amantes se dirigirem um ao outro seria muito diferente dos dias atuais). No entanto, a carta de amor do século XXI seria, ainda assim, uma carta de amor, mas com muitas distinções e mudanças em relação à carta do século XVIII. Por isso, Bakhtin (2003) afirma que os gêneros discursivos são relativamente estáveis, ou seja, eles mudam, eles se alteram, eles são dinâmicos e flexíveis e acompanham as mudanças sociais. Como você vê, os gêneros apresentam um caráter sócio-histórico uma vez que estão diretamente relacionados a diferentes situações sociais. Dado esse caráter, os gêneros não são estáticos, imutáveis ou formas desprovidas de dinamicidade. Relativamente estáveis, eles mudam com as práticas sociais, alteram-se com a aplicação de novos procedimentos de organização e de acabamento do todo verbal em conformidade com o projeto de dizer dos sujeitos nas interações as mais diversas. Ou seja, ao lidar com essa concepção é preciso considerar que os gêneros apresentam uma forma composicional e uma forma arquitetônica. Segundo Sobral (2009), os gêneros não se tratam de “enunciados-tipo” ou “estruturas fixas de enunciado”, pois concebê-los dessa forma seria reduzi-los ao estritamente linguístico. Para Bakhtin (2003), a realidade da língua residiria, então, no enunciado concreto e não no que ele denominava de oração gramatical: aquela abstração linguística que não suscita resposta nem posicionamentos, uma vez que é mero recorte convencional da língua de onde o sujeito e a história foram retirados. Perceba que nesta discussão, Bakhtin não faz distinção entre enunciação e enunciado, enquanto processo e produto, como se dá em outras correntes teóricas. Em sua obra, os termos são intercambiáveis em diversas situações. Deslocado da esfera literária, o gênero discursivo passa a ser compreendido como formas de discursos da vida que circulam nas diferentes esferas da ativi-

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dade humana. No mundo da vida, os gêneros discursivos são os instrumentos mediadores da interação verbal em diferentes situações de uso da palavra. Segundo Casado Alves (2012), lidar com os gêneros de linguagem, nas diferentes esferas da atividade humana, implica considerar sua flexibilidade e dinamismo atentando para que não acabemos na gramaticalização, na classificação estéril e nos modelos enformadores a serem repetidos a partir de dicas rápidas e práticas de escrita que desconsideram a autoria, a responsividade, os posicionamentos, os direcionamentos e os projetos de dizer.

Leituras complementares Acesse o vídeo no qual a linguista Maria Inês Campos (USP) apresenta a concepção de gêneros discursivos na perspectiva bakhtiniana: . Acesse o vídeo no qual o professor Fiorin explica que irá tratar das três categorias da enunciação: a pessoa, o tempo e o espaço. Ele também explica o conceito de enunciação, partindo da teoria linguística do francês Émile Benveniste. Veja mais em: . Para você aprofundar conhecimentos sobre enunciação, sugerimos o vídeo do linguista José Luiz Fiorin no qual é apresentada essa concepção e as categorias de pessoa, de tempo e de espaço: .

Atividade

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Na aula sobre texto, você constatou que todas as atividades do homem são mediadas com textos (orais, escritos, multimodais). Você deve ter concluído tembém que todos esses textos são representativos de gêneros diversos (cupom fiscal, saudação corriqueira, anúncio publicitário, oração, aviso etc.). Assim sendo, liste os gêneros discursivos com os quais você mantém a interação/comunicação com seus amigos e explicite o propósito comunicativo concernente a cada um deles.

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Leitura e Produção de Textos I

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Ainda sobre os gêneros discursivos, Rodrigues (2005) afirma que se faz necessário considerar que a noção de gêneros do discurso deve ser apreendida no conjunto das formulações do Círculo de Bakhtin dos quais se destacam: a concepção sócio-histórica e ideológica da linguagem, o caráter sócio-histórico, ideológico e semiótico da consciência e a realidade dialógica da linguagem e da consciência. Assim, a noção de gêneros precisa ser colocada em relação com as noções de interação verbal, língua, discurso, texto, enunciado e atividade humana, esfera de atividade. Sem isso, reduz-se a abrangência e a complexidade da noção de gêneros e pode-se cair apenas em modelo de textos a serem copiados, dublados, repetidos. Para exemplificar essa complexidade, eis alguns exemplos (Quadro 2) relacionando diferentes esferas de atividade e os diversos gêneros do discurso que nelas são produzidos/lidos/escutados.

Esferas de atividade humana

Gêneros discursivos

Esfera familiar

Bilhete, conversa, recado, saudação corriqueira, conselho

Esfera acadêmica

Resenha, artigo científico, tese, dissertação, ensaio

Esfera jornalística

Notícia, editorial, reportagem, pauta, artigo de opinião, nota

Esfera religiosa

Oração, sermão, jaculatória, encíclica, confissão

Esfera artística literária

Romance, conto, poema, haicai, novela, soneto

Esfera judiciária

Petição, requerimento, decreto, laudo, intimação Quadro 2 – Esquema elaborado pela professora

Leitura complementar Para maior aprofundamento da abordagem dialógica dos gêneros discursivos, sugere-se a leitura do capítulo: RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

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Leitura e Produção de Textos I

Por fim, é importante reiterar que a análise de um exemplar de um gênero discursivo, nesta abordagem dialógica, considera os seguintes aspectos, conforme aponta Rodrigues (2005): o estudo da esfera de circulação do gênero; o estudo do gênero em si (enfocando a dimensão social do gênero e a dimensão verbal ali manifesta); a análise da dimensão verbal, a partir da noção de enunciado, orienta-se pelas questões: “o que motiva o acontecimento desse texto (artigo de opinião, editorial, resenha, petição)?”. “Ele é uma reação-resposta a quê? a quem?”. “Como essa reação se manifesta no texto (artigo de opinião, editorial, resenha, petição)?”. “Em que lugar social o autor se posiciona (como professor da rede pública de ensino, como jornalista de determinada empresa, como cientista, como linguista, como linguista aplicado)?”. “O que ele diz? Qual a sua orientação valorativa diante do que diz?”. “Como e a partir de que e de quem ele constrói sua orientação axiológica?”. “Como o autor se orienta para e percebe o seu interlocutor e suas possíveis reações-respostas?”. “Como tudo se inscreve no texto (artigo de opinião, editorial, resenha, petição)?”. Como você vê, nessa abordagem, considera-se o gênero em sua relação direta com o meio social, com a esfera de atividade e com os valores (o axiológico, o ideológico), os posicionamentos que são manifestos em sua materialidade linguística-discursiva. Nessa direção, pode-se afirmar que o gênero possibilita, pois é o mediador, a comunicação, a interação verbal intersubjetiva e, mais ainda, veicula os valores, a ideologia, o ponto de vista dos sujeitos em determinada esfera da atividade humana, em determinado meio social. Portanto, nessa abordagem, o foco é a linguagem em uso (materializada em diversos textos representativos de diferentes gêneros discursivos) e os processos de construção de sentidos na interação social. Veja o que afirma Brait (2004, p. 190) sobre isso: [...] são os processos de construção do sentido e de seus efeitos, são as formas de diálogo entre sujeitos sociais, históricos, discursivos e as formas do dizer e do ser no mundo. A idéia de que os sentidos se dão na

Brait O texto completo está disponível em: .

interação social, de que a língua não é um organismo autônomo, de que nenhuma palavra é a primeira ou a última, de que os discursos existem e têm sua identidade num permanente diálogo, inclui, ao mesmo tempo, as materialidades verbais e extraverbais características de uma dada atividade humana e suas combinatórias possíveis, e, também, o contexto mais amplo indiciado pelos traços de situações particulares. A idéia de interlocução/ interação, por exemplo, aparece nesse corpo de conceitos apontando tanto para os interlocutores, no sentido dos parceiros de um diálogo, como para os diferentes discursos que atravessam e constituem qualquer interlocução.

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Leitura e Produção de Textos I

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Leitura complementar Para maior aprofundamento sobre a concepção de ideologia para o Círculo de Bakhtin, sugere-se a leitura do capítulo: MIOTELLO, V. Ideologia. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: Conceitos-Chave. São Paulo: Contexto, 2008.

Resumo Nesta aula, você construiu saberes sobre a distinção entre gêneros discursivos e gêneros textuais, como também sobre as diferentes abordagens teóricas do gênero. Além disso, você deve ter concluído que todos os textos são exemplares, são representativos de algum gênero discursivo.

Autoavaliação Os textos reproduzidos, a seguir, são uma pequena amostra da imensa variedade de gêneros discursivos com os quais (con)vivemos diariamente. Cada texto deverá ser lido e analisado por você. Faça um levantamento das características que esses textos apresentam, considerando:

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a intenção comunicativa (informar, convencer, vender produto, instruir, ensinar, criticar...);



o diálogo com outros textos (o texto responde a algum outro texto/situação/ ponto de vista? Como essa relação entre os textos se efetiva no texto em análise?)



o público-alvo (como você concluiu isso? Essa informação está clara no texto ou você deduziu?);



o estilo (observe se o vocabulário é formal ou informal, a extensão das frases, a ortografia, as ambiguidades, os estrangeirismos, a linguagem verbal e não verbal);

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a esfera de circulação (onde é mais provável ser produzido/lido o texto analisado);



o suporte textual (qual o “espaço físico” que o texto ocupa: camiseta, caixa, placa, revista, jornal, site, livro, parede, outdoor...);



o gênero discursivo (após feito o levantamento, em qual gênero você “enquadraria” o texto?).

Texto 1 Pavê Classic de maracujá

Pavê preparado com creme de NESTLÉ CLASSIC® ao Leite e creme de maracujá, LEITE MOÇA® e Creme de Leite NESTLÉ® Ingredientes 

1 tablete de Nestlé classic® ao leite picado;



1 lata de leite Moça® tradicional;



1 lata de creme de leite Nestlé®;



meia medida (lata) de suco de maracujá concentrado;



1 pacote de biscoito champanhe;



1 xícara (chá) de leite líquido Ninho® integral;



meia xícara (chá) de raspas de Nestlé classic® ao leite para decorar.

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Modo de Preparo Em um refratário, derreta o Chocolate, em banho-maria, com meia lata de Creme de Leite. Misture bem e reserve. Em uma tigela, misture o Leite MOÇA com o restante de Creme de Leite e o suco de maracujá e reserve. Em taças, distribua o biscoito champanhe umedecido no Leite NINHO, intercale uma camada de creme de maracujá, uma de biscoito e uma de creme de chocolate. Repita as camadas e termine com o creme de chocolate. Decore com as raspas de Chocolate e leve à geladeira por cerca de 4 horas. Sirva. Fonte: . Acesso em: 10 jan. 2013.

Texto 2

Fonte: . Acesso em: 5 jan. 2013.

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Texto 3 Por um ensino digno de nota Por Maria Alice Setubal*

Educação tem sido tema de debates e estudos não apenas no Brasil, mas nos mais diferentes países, dada a complexidade da sociedade contemporânea e seus desafios em escala global. Nesse contexto, a questão que se coloca é: como a educação pode responder aos desafios do século XXI? E, no caso específico do Brasil, como desenhar uma política educacional que tenha como eixos estruturantes a equidade e a sustentabilidade? Sob uma perspectiva macro, as pesquisas e estudos tanto em nível nacional como internacional têm apontado a necessidade de uma educação ao longo da vida, pautada pelos direitos e a partir de uma visão sistêmica, ou seja, numa articulação das dimensões social, cultural, econômica e ambiental que contemple os planos local, nacional e global. Do ponto de vista do aluno, o que se busca é formar um estudante reflexivo, crítico, com autonomia na aprendizagem, conectado às novas tecnologias e capaz de buscar e selecionar conhecimentos, ao mesmo tempo em que é pautado  por uma cidadania ética e responsável. Horizontalizar as relações de aprendizagem de forma participativa, implementar a construção colaborativa do conhecimento e individualizar a aprendizagem de modo a contemplar os diferentes interesses, níveis de aprendizagem e formas de aprender são aspectos que fazem parte do debate atual das políticas educacionais. Valores como respeito, sustentabilidade, participação, diversidade e paz também são fundamentais para integrar a educação aos desafios contemporâneos. Tendo esse cenário mais amplo como pano de fundo de nossa discussão, destacarei os programas da gestão Dilma Rousseff que mais contribuem para a viabilização de uma educação de qualidade, com equidade, e elencarei pontos de atenção em que ainda é preciso avançar. Um primeiro aspecto a observar é que este governo é marcado pela continuidade das ações da gestão Lula na educação, por se tratar de uma área que exige investimentos de médio e longo prazo. Fonte: . Acesso em: 5 jan. 2013.

*Doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, preside os Conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária e da Fundação Tide Setubal e integra o Conselho do Instituto Democracia e Sustentabilidade.

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Referências BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BALLOCO, A. E. A perspectiva discursivo-semiótica de Gunther Kress: o gênero como um recurso representacional. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. BAZERMAN, C. Gêneros textuais tipificação e Interação. São Paulo: Cortez Editora, 2005. BAZERMAN, C. Gênero, Agência e Escrita. São Paulo: Cortez, 2006. BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: ______ (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. BRONCKART, J. P. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999. CASADO ALVES, M. P. C. O Cronotopo da sala de aula e os gêneros discursivos. Revista Signótica: Goiânia, v.24, n.2, 2012. HEMAIS, B.; BIASI-RODRIGUES, B. A proposta sócio-retórica de John M. Swales para o estudo dos gêneros textuais. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. KRESS, G. R.; V. LEEUWEN, T. Reading Images: a Grammar of Visual Design. Londres: Routledge, 1996. RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. SCHNEWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2004. SOBRAL, A. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento de Bakhtin. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009.

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Anotações

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Anotações

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A leitura e a escrita como práticas sociais

Aula

3

Apresentação

N

esta aula, você estudará a concepção de leitura e de escrita como construção de sentidos, como atividade de interação. Para tanto, será apresentado o que se compreende por leitura e escrita como práticas sociais; atividades e exemplos que possibilitem a sistematização desse conteúdo. Boa aula!

Objetivos 1

Reconhecer a leitura como atividade e construção de sentidos.

2

Relacionar leitura e compreensão responsiva ativa.

3

Reconhecer a escrita como prática social.

4

Listar os mitos que cercam o ato de escrever.

A leitura e a escrita como práticas sociais

E

m algum momento da sua vida, você já deve ter se perguntado: O que é leitura? O que acontece quando lemos? Quais conhecimentos são acionados no ato de ler? Nesta unidade, essas perguntas serão respondidas a partir de uma compreensão de que a leitura é um processo, uma atividade e não um produto. Para esta aula, inicialmente, você verá a reprodução da entrevista da pesquisadora Isabel Solé, publicada pela Revista Nova Escola, e que será tomada como o texto motivador para sistematização de algumas questões concernentes à leitura.

Para Isabel Solé, a leitura exige motivação, objetivos claros e estratégias Para a especialista, o professor ajuda a formar leitores competentes ao apresentar, discutir e exercitar as principais ações para a interpretação Por Rodrigo Ratier ISABEL SOLÉ “O ensino das stratégias de leitura ajuda o aluno a utilizar seu conhecimento, a realizar inferências e a esclarecer o que não sabe”. Pesquisas sobre como o leitor interage com o texto circulam no ambiente das universidades desde a década de 1970. Coube à espanhola Isabel Solé, professora do departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação na Universidade de Barcelona, na Espanha, trazer a discussão para as salas de aula. Publicado originalmente em 1992, seu livro Estratégias de Leitura esmiúça o papel do professor na formação de leitores competentes. “O ensino das estratégias de leitura ajuda o estudante a aplicar seu conhecimento prévio, a realizar inferências para interpretar o texto e a identificar e esclarecer o que não entende”, explica. De sua casa, em Barcelona, Isabel apontou caminhos para a atuação prática. Qual a maior contribuição do livro “Estratégias de Leitura” para a aprendizagem em sala de aula? ISABEL SOLÉ - Eu diria que o maior mérito foi colocar ao alcance dos professores da Educação Básica uma forma de pensar e entender a leitura que já era bastante conhecida no âmbito acadêmico, mas ainda não tinha muito impacto na prática educativa. Afinal, são os docentes que de fato contribuem para a melhoria da aprendizagem da leitura.

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O que a escola ensina sobre a leitura e o que deveria ensinar? ISABEL - Basicamente, a escola ensina a ler e não propõe tarefas para que os alunos pratiquem essa competência. Ainda não se acredita completamente na ideia de que isso deve ser feito não apenas no início da escolarização, mas num processo contínuo, para que eles deem conta dos textos imprescindíveis para realizar as novas exigências que vão surgindo ao longo do tempo. Considera-se que a leitura é uma habilidade que, uma vez adquirida pelos alunos, pode ser aplicada sem problemas a múltiplos textos. Muitas pesquisas, porém, mostram que isso não é verdade. Hoje em dia, o que significa ler com competência? ISABEL - Quando o objetivo é aprender, isso significa, em primeiro lugar, ler para poder se guiar num mundo em que há tanta informação que às vezes não sabemos nem por onde começar. Em segundo lugar, significa não ficar apenas no que dizem os textos, mas incorporar o que eles trazem para transformar nosso próprio conhecimento. Pode-se ler de forma superficial, mas também se pode interrogar o texto, deixar que ele proponha novas dúvidas, questione ideias prévias e nos leve a pensar de outro modo. Ensinar a ler é uma tarefa de todas as disciplinas? ISABEL - Sim. Não apenas para aprender, mas também para pensar. A leitura não é só um meio de adquirir informação: ela também nos torna mais críticos e capazes de considerar diferentes perspectivas. Isso necessita de uma intervenção específica. Se eu, leitora experiente, leio um texto filosófico, provavelmente terei dificuldades, pois não estou familiarizada com esse material. É preciso planejar estratégias específicas para ensinar os alunos a lidar com as tarefas de leitura dentro de cada disciplina. Como os professores das diferentes áreas devem se articular entre si? ISABEL - O que aprendi em minhas conversas com professores é que os da área de línguas têm um papel importantíssimo para ajudar os alunos a melhorar a leitura e a composição de textos no campo de ação da própria língua e da literatura. Os responsáveis pelas demais disciplinas, por sua vez, podem lidar com textos mais específicos. Aliás, como assinalam muitos especialistas, quem leciona também deve aprender progressivamente a compreender e produzir os textos próprios de suas áreas. Em seguida, uma assembleia de professores ou a coordenação podem planejar que, digamos, o titular de História ensine a resumir textos como relatos, que o de Ciências ajude a produzir relatórios e a entender textos instrucionais e assim por diante. Outra proposta é, sempre que possível, trabalhar com enfoques mais globalizantes, com toda a equipe reforçando procedimentos de leitura e produção escrita.

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Como é possível motivar os alunos para a leitura? ISABEL - Uma boa forma de um docente fomentar a leitura é mostrar o gosto por ela - quer dizer, comentar sobre os livros preferidos, recomendar títulos, levar um exemplar para si mesmo quando as crianças forem à biblioteca. Os estudantes devem encontrar bons modelos de leitor na escola, especialmente aqueles que não possuem isso em casa. E como despertar o interesse para a leitura para aprender? ISABEL - O fundamental é que os alunos compreendam que, se estão envolvidos em um projeto de construção de conhecimento ou de busca e elaboração de informações, é para cobrir uma necessidade de saber. Muitas vezes, o problema é que eles não sabem bem o que estão fazendo. Nesse caso, é natural que o grau de participação seja o mínimo necessário para cumprir a tarefa. Quando os objetivos de leitura são claros, é mais fácil estar disposto a consultar textos ou a procurar algo numa enciclopédia. De que forma as estratégias realizadas antes, durante e depois da leitura podem auxiliar a compreensão? ISABEL - Elas ajudam o estudante a utilizar o conhecimento prévio, a realizar inferências para interpretar o texto, a identificar as coisas que não entende e esclarecê-las para que possa retrabalhar a informação encontrada por meio de sublinhados e anotações ou num pequeno resumo, por exemplo. Se pudesse modificar algum ponto em seu livro, qual seria? ISABEL - Eu insistiria muito mais na conexão profunda que existe entre leitura e escrita quando o objetivo é aprender. Essa tarefa híbrida entre a leitura e a elaboração do que se leem por meio de resumos, sínteses e notas tem um impacto muito importante na aprendizagem. Algo que tenho visto nas investigações mais recentes do grupo de pesquisa de que faço parte é que muitos alunos, quando têm de fazer um resumo depois de ler, cumprem a tarefa sem voltar ao texto original para ver se o que se destacou é fiel ao que se leu. Creio que é preciso romper com a sequência “primeiro ler depois escrever”. Em vez disso, é melhor pensar que se faz uma leitura já com o propósito de escrever, num processo que envolve a revisão do escrito. Texto adaptado para fins didáticos. Fonte: . Acesso em: 8 fev. 2013.

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Leitura complementar Gostou da leitura da entrevista? Quer saber sobre a autora e o que ela fala das “estratégias de leitura”? Veja, então, a referência do livro de Isabel Solé: SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed,1998.

A leitura como prática social A entrevista de Isabel Solé, que você acabou de ver, pode suscitar algumas reflexões que estão pontuadas a seguir:

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A leitura ajuda o sujeito a se guiar num mundo em que há tanta informação.



A leitura é uma atividade para além da dublagem do texto.



A leitura pode ser uma atividade de interrogar o texto, deixar que ele proponha novas dúvidas, questione ideias prévias e nos leve a pensar de outro modo.



A leitura não é só um meio de adquirir informação: ela também nos torna mais críticos e capazes de considerar diferentes perspectivas.



O planejamento de estratégias específicas para ensinar os alunos a lidar com as tarefas de leitura dentro de cada disciplina deve ser prioridade da escola.



A leitura é problema de todas as disciplinas e não apenas dos professores de línguas.



O professor pode fomentar a leitura mostrando o gosto por ela – quer dizer, comentar sobre os livros preferidos, recomendar títulos, levar um exemplar para si mesmo quando os alunos forem à biblioteca.



Os objetivos para a leitura devem ser claros (se informar, procurar uma informação específica, aprender um conteúdo, divertir-se, fruir um texto literário).

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As estratégias realizadas antes, durante e depois da leitura podem auxiliar a compreensão, pois ajudam o aluno a utilizar o conhecimento prévio, a realizar inferências para interpretar o texto, a identificar as coisas que não entende e esclarecê-las para que possa retrabalhar a informação encontrada por meio de sublinhados e anotações ou num pequeno resumo, por exemplo.



As práticas de leitura e de escrita se complementam (ler para escrever e escrever para ler): a leitura proporciona não apenas informação, mas também o acesso a modelos de textos, a mecanismos de textualização, a exemplares diversos de gêneros discursivos.

Para que você compreenda melhor a leitura como processo, como construção de sentido, algumas outras visões que compartilham essa mesma visão produtiva e ativa de leitura você verá nesta unidade. Para tanto, você deve saber que Bakhtin (2010) não é um teórico que tenha se dedicado a pesquisar, a construir conhecimento especificamente sobre leitura. No entanto, ao apresentar sua noção de enunciado, ele trata da compreensão que pode ser relacionada ao ato de ler. Sobre a compreensão responsiva ativa, Bakhtin (2003) afirma que a leitura de qualquer texto-enunciado deveria proporcionar uma “compreensão responsiva ativa”, que é a fase inicial e preparatória para uma resposta (qualquer que seja a forma de sua realização). Diante do texto, o leitor iria se constituir em sujeito falante que é capaz de responder, isso porque a compreensão do enunciado exige responsividade, juízo de valor. Toda compreensão plena e real é ativamente responsiva, porque do leitor se espera uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução etc. (BAKHTIN, 2010). O leitor respondente que, diante do lido, formula uma resposta marcada pela adesão, objeção, rejeição, conflito, prazer, é o sujeito que não apenas “consome” o texto e, no máximo, o reproduz por, geralmente, se calar diante da autoridade do autor e do professor que, quase sempre, se coloca como testemunha da autoridade daquele autor do texto. Nesse sentido, podemos entender a leitura como uma atividade de um sujeito respondente, portanto, crítico e posicionado, pois sua resposta vem marcada/ atravessada com seu ponto de vista, seus valores, seu conhecimento de mundo, suas crenças, sua ideologia. Com base em uma concepção dialógica de linguagem, o ato de ler põe em cena, assim, a resposta construída por um leitor heterogêneo, plural que foi constituído como tal em um mundo de vozes, de textos, de discursos diversos. De acordo com Faraco: Como a realidade linguístico-social é heterogênea, nenhum sujeito absorve uma só voz social, mas sempre muitas vozes. Assim, ele não é entendido como um ente verbalmente uno, mas como um agitado balaio de vozes sociais e seus inúmeros encontros e entrechoques. O mundo interior é, então, uma espécie de microcosmo heteroglótico, constituído a partir da internalização dinâmica e ininterrupta da heteroglossia social. Nessa teia de

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múltiplas interações, o sujeito se constitui discursivamente, lançando para o discurso alheio a sua resposta posicionada a partir do lugar único que ele mesmo ocupa no mundo. (FARACO, 2005, p. 81).

Assim, a leitura que se faz de um texto tem relação direta com todas essas vozes com as quais o sujeito-leitor entrou em interação. Pois como Faraco (2005) afirma no fragmento acima, a nossa vida interior se constitui de diferentes vozes sociais que internalizamos nas mais diversas interações. Essa heteroglossia social que internalizamos, nas mais diversas interações, constitui/atravessa/marca o nosso discurso, o nosso ponto de vista, os nossos posicionamentos. Ler, portanto, não é uma atividade apenas de decodificação (ela é necessária, mas a leitura não se reduz a decodificar o texto), mas implica outros saberes que são construídos nessa realidade linguístico-social heterogênea.

Saiba mais É importante que você saiba que o sujeito falante para Bakhtin e o Círculo é o sujeito que atua no mundo com a linguagem. Esse sujeito é um ser de linguagem, pois a constitui e é constituído por ela. Nesse sentido, o leitor é um sujeito falante, pois diante do texto não emudece, mas elabora respostas da mais diversa ordem.

Atividade

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Escreva um comentário direcionado para o professor(a) desta disciplina sobre o fragmento reproduzido a seguir: Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, [...], com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi meu quadro-negro: gravetos o meu giz. Na escola se vivencia a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura com a “leitura” do mundo mundo. Com ela, a leitura da palvra foi a leitura da “palavramundo”. (FREIRE, 1983, p. 13-15).

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Freire (1983) compartilha essa visão de leitura como atividade e compreensão crítica da realidade. Para esse educador, ao ler, o sujeito adentra nos textos, compreendendo-os na sua relação dialética com os seus contextos e o contexto que lhe cerca. Dialeticamente, coexistem o contexto do escritor e o contexto do leitor. Para Freire (1983), ter clara essa relação é colocar o texto na mediação escritor/ leitor. Para ele, o fundamental, no campo da leitura, é a compreensão crítica do ato de ler, com a clareza de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Outro aspecto importante destacado por Freire (1983) é o de que a leitura da palavra escrita, aliada à leitura de mundo, não deve ser um momento que possa constranger o aluno pelo não uso da norma culta, mas uma situação que possibilite motivá-lo para a aprendizagem dessa norma de prestígio.

Leitura complementar

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 45. ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 2006. Neste livro, Paulo Freire, em três ensaios, trata da leitura e enfoca a importância da experiência de mundo que antecede a aprendizagem sistematizada: a leitura da palavramundo.

Geraldi (2007), por sua vez, explica que, para pensar a leitura, é necessário enfrentar um problema de construir no fluxo das instabilidades uma estabilidade e “confessá-la ao outro como uma posição provisória que permite propor a hipótese” (p. 161). Eis o que afirma o linguista: Instaurar a linguagem como um processo de contínua constituição e, por isso, sobre a precariedade que a temporalidade específica dos momentos implica. E se o sujeito emerge no mundo discursivo e nele sua consciência se constitui, a precariedade do provisório é também pelo funcionamento

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próprio da linguagem, uma característica da subjetividade. Não há, para nos garantir, um terreno estável, nem um sujeito pronto e acabado que se apropria de uma língua ao falar/escrever, nem uma língua (no sentido sociolinguístico do termo, ela implica desde sempre a multiplicidade na unidade aparente) pronta e acabada (GERALDI, 2007, p. 161).

Assim, você pode perceber que o ato de ler implica sempre uma percepção crítica, interpretação e reescrita do texto. Isso significa que, pela leitura do mundo, o leitor transforma e se transforma por meio da compreensão do que lê. Pois falar e escrever, ainda de acordo com Geraldi (2007), é uma luta com os recursos linguísticos porque, mesmo vindo carregado de suas memórias, se tornam maleáveis na singularidade do evento discursivo. Ainda, pode-se afirmar que lidar (ler) com textos é: 

enfrentar leituras possíveis (o texto dá pistas para serem seguidas pelo leitor) e provisórias;



é considerar que não há uma única leitura/compreensão/resposta para um texto;



é ter certeza de que não existe a “boa leitura”;



é desconfiar de qualquer “chave de leitura” que aprisione os sentidos em apenas um;



é colocar o texto sempre em relação com outros textos, com outros pontos de vista, com outros discursos;



é preencher as lacunas do texto, pois nem tudo está “dito” no texto;



é lançar para o texto sua contrapalavra ao encontro das palavras do autor;



é ter certeza de que você é capaz de ler e de compreender responsivamente o texto que está na frente de seus olhos.

Ainda sobre essa perspectiva de leitura, você pode ver mais uma afirmação de Geraldi que vem ao encontro do que está sendo discutido nesta aula: Suas contrapalavras, a compreensão resulta não do reconhecimento da palavra aí impressa, aí ouvida, mas do encontro entre a palavra e suas contrapalavras, dada a impossibilidade de prever quais as contrapalavras que virão a esse encontro, porque elas para ele comparecem segundo os percursos já percorridos por cada diferente leitor e segundo os inumeráveis momentos da leitura, é impossível prever todos os sentidos que a leitura produz (GERALDI, 2007, p. 62).

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Ler, portanto, é lançar para a palavra do autor as contrapalavras do leitor. Do encontro entre essas palavras, nascem os sentidos possíveis e plurais, pois são múltiplos os momentos e heterogêneos os leitores, portanto, não se pode determinar todos os sentidos que serão gerados e produzidos pela leitura de um texto.

Leituras complementares Sobre uma discussão aprofundada a respeito dos problemas de interpretação/compreensão de textos, sugere-se a leitura do artigo: POSSENTI, S. A leitura errada existe. In: BARZOTTO, V. H. (Org.). In: Estado de leitura. Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1999. Sobre questões relacionadas à leitura, sugere-se que você acesse uma entrevista com o linguista Sírio Possenti, disponível em: .

Atividade

2

A história de leitura de cada indivíduo é marcada pelas escolhas, pelos desejos, pelas imposições dos livros, dos textos, das revistas, dos jornais que foram/são lidos ao longo de seu trânsito no mundo da vida. Rememore sua trajetória de leitor(a) e escreva uma crônica, a ser publicada no jornal virtual de sua turma de graduação, sobre a sua história de leitura (suas leituras da infância, suas leituras da adolescência, suas leituras da idade adulta, suas influências para ler algo).

Aula 3

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A escrita como prática social Você construiu saberes sobre a leitura, sobre a comprensão responsiva e deve ter constatado que a leitura é uma prática social, pois envolve sujeitos (autor e leitor em determinados momentos históricos); e é uma atividade em que se constroem sentidos para um texto. Nessa mesma direção, ou seja, aquela que compreende o sujeito/indivíduo social e historicamente constituído e que a linguagem desse sujeito é uma construção também social, histórica e dialogicamente constituída, discutiremos a escrita também como uma prática social de um sujeito histórico inserido em esferas de atividades as mais diversas. Para essa discussão, a escrita será tomada como uma prática social, pois o sujeito sempre escreve para outro (mesmo imaginário, mesmo que seja ele mesmo em algum momento), em um determinado momento histórico e com um(a) finalidade/ propósito comunicativo (declarar amor, defender um ponto de vista, convidar, informar, narrar uma história, registrar, listar materiais/compras, resumir um conteúdo, comentar um conteúdo/filme etc.). Assim como a leitura, a escrita também é objeto de investigação em outras áreas do conhecimento tais como a Psicologia, a Educação, a Neurociência, a Sociologia, a Antropologia etc. Nesta aula, a escrita será enfocada a partir do que os linguistas, os estudiosos da linguagem sistematizaram sobre o ato de escrever. Nesse sentido, é preciso considerar que a escrita é um processo que envolve idas e vindas ao texto: escreve-se um parágrafo, depois se volta a ele no parágrafo posterior, termina-se a escrita e lê-se de novo para acrescentar, revisar, reescrever. Enfim, nessas idas e vindas, o texto vai sendo escrito, por isso, afirma-se que a escrita é um processo, é atividade, é uma prática de um sujeito que tem algo a dizer para outro. Portanto, o texto se constrói e somente tem sentido quando inserido em uma prática social (GARCEZ, 2004).

Atividade

1 2

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Aula 3

3

Justifique por que se afirma que a atividade de escrita deve sempre ser relacionada à reescrita. A partir das suas vivências como aluno e do conteúdo que foi apresentado nesta aula, explicite as implicações teórico-metodológicas dessa concepção de escrita para as práticas de leitura e de escrita na sala de aula da educação básica.

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Como você viu ao longo desta aula, a escrita é uma prática social de um sujeito inserido em uma determinada situação. Assim, você pode se questionar: Por que o sujeito escreve? Podemos afirmar, então, que o sujeito/indivíduo escreve para atender a uma motivação, a um propósito, a uma intenção. Dessa forma, o processo tem início com essa necessidade de escrever e que já apresenta para o sujeito-escritor do texto algumas informações básicas para a concretização de sua intenção: 

o objetivo do texto (informar, defender um ponto de vista, resumir uma aula, listar o que vai ser comprado no supermercado, agendar atividades);



o tema/assunto do texto (a informação específica, o conteúdo da aula, os itens a serem comprados, as atividades a serem agendadas);



o outro/interlocutor a quem se destina o texto (o próprio autor(a) do texto, o professor(a), a turma da sala de aula, o filho(a), o leitor(a) do jornal);



o gênero discursivo (lista de compras, notícia, artigo de opinião, editorial, reportagem, resumo, lista de compras, bilhete, agenda de atividades);



o nível de linguagem mais adequado (formal, informal, muito formal, muito informal, coloquial, culto);



as condições de produção (o tempo que o sujeito/autor vai ter para a escrita, a apresentação do texto, o formato – se impresso ou se digital).

Veja que com essas informações, o texto já está em processo de escrita. Durante esse processo, é preciso considerar, também, que cada sujeito/autor tem um ritmo próprio de escrita, de processar as informações: alguns fazem um esquema prévio, outros escrevem palavras-chave soltas no papel; alguns fazem um sumário ou esquema geral do texto, outros anotam tudo o que vem à cabeça desordenamente. No entanto, o mais importante a se ressaltar é que a primeira versão de um texto sempre pode ser melhorada, pois há sempre lacunas, inadequações que podem ser resolvidas em uma leitura feita após a escrita. Por isso, o ato de escrever deve sempre ser considerado na relação direta com a reescrita. Os rascunhos com diversas versões de um mesmo texto mostram que ele pode ser melhorado, apresentado de uma outra forma. Para isso, o olhar do outro (que está distanciado do processo como autor) ajuda muito a detectar problemas de escrita do texto: esse outro pode ser um colega da turma, um amigo, o professor, o tutor, alguém que irá ler o texto e sugerir mudanças que venham a trazer clareza, objetividade, adequação para a melhoria do texto final. Nessa perspectiva de que a escrita é uma prática social, um processo que envolve etapas, conhecimentos e sujeitos em uma determinada atividade, faz-se necessário desconstruir alguns mitos ou crenças falsas sobre o ato de escrever. Para tanto, é muito importante que você leia atentamente o quadro seguinte:

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Mitos sobre o ato de escrever

Desconstrução dos mitos sobre o ato de escrever

Escrever é um dom que poucas pessoas têm.

Ninguém nasce escritor. Escrever é uma habilidade que pode ser desenvolvida. O que determina o grau de familiaridade com a escrita é o modo como aprendemos a escrever e a importância que o texto escrito representa para nós e para o nosso grupo social, como também a intensidade do convívio com o texto escrito.

Escrever é um ato espontâneo que não exige empenho.

Escrever exige empenho e trabalho. Diferentes habilidades e conhecimentos são acessados para a escrita: memória, raciocínio, agilidade mental, conhecimento de mundo. Escrever é prática permanente e não combina com a preguiça.

Escrever se resolve com “dicas”.

Escrever bem é resultado de muita prática, de muito esforço. Não existem esquemas, roteiros infalíveis que sirvam para se escrever todos os textos representativos dos mais diversos gêneros. É preciso escrever sempre, todos os dias, com objetivos diversos, com intenções diversas e em diferentes situações.

Escrever é um ato isolado da leitura.

A leitura é imprescindível para a escrita. Com a leitura se aprende as estruturas da língua escrita, os modelos de textos, as formas de textualização. Além disso, a leitura proporciona o acesso ao conhecimento, às informações.

Escrever é desnecessário no mundo atual.

O mundo contemporâneo é mais exigente em relação à escrita. Toda a existência do sujeito em sociedade é atestada pela escrita: certidões, documentos, diplomas, atestados, contratos, comprovantes, recibos, etc. Vale o escrito. Na vida profissional, todos os nossos saberes sobre a escrita são medidos e avaliados em qualquer processo seletivo. No mundo da informática, tudo é mediado pela escrita. O profissional que domina as habilidades mais complexas (envolvendo leitura e escrita) tem mais chance no mercado de trabalho.

Escrever é um ato autônomo, desligado das práticas sociais.

Todo ato de escrita pertence a uma prática social. Não se escreve por escrever. A escrita tem sentido e função. A escrita de textos reorganiza o pensamento e a vida interior da pessoa. Escrevendo, o sujeito atua no mundo e descobre quem é, o que pensa, o que quer e em que acredita.

Quadro 1 – Quadro-síntese elaborado com base em Garcez (2004)

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Aula 3

Leitura e Produção de Textos I

Portanto, nesta aula, você deve ter compreendido a escrita como prática social e desconstruído alguns mitos que foram construídos sobre o ato de escrever. Esperamos que você tenha concluído, também, que qualquer indivíduo pode escrever, pode ser autor de textos e que esse saber é necessário no mundo contemporâneo que exige, cada vez mais, competência de leitura e de escrita.

Resumo Nesta aula, você foi apresentado(a) à concepção de leitura e de escrita como práticas sociais. Viu a sistematização de que a leitura é uma atividade, pois implica construção de sentidos, interação leitortexto-autor e que a escrita é uma prática social, uma vez que envolve sempre interlocutores em uma determinada situação histórica. Além disso, foram listados, também, a partir de Garcez (2004), os mitos que cercam o ato de escrever.

Autoavaliação 1

Com base no conteúdo desta aula, comente a seguinte afirmação:

“Ler envolve diversos procedimentos e capacidades (perceptuais, motoras, cognitivas, afetivas, sociais, discursivas, linguísticas), todas dependentes da situação e das finalidades de leitura [...]”. (ROJO 2009, p. 75).

2

Você acreditava em alguns desses mitos sobre o ato de escrever apresentados por Garcez (2004)? Justifique sua resposta.

3

Liste as situações nas quais você escreve e relacione os objetivos e os interlocutores envolvidos nessa atividade.

Aula 3

Leitura e Produção de Textos I

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Referências BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. FARACO, C. A. Entrevista. In: XAVIER, A. C.; CORTEZ, S. Conversas Com Linguistas: Virtudes e Controvérsias da Linguística. Rio de Janeiro: Parábola Editorial, 2005. FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler. São Paulo: Cortez, 2006. GARCEZ, L.H.C. Técnica de redação: o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2004. GERALDI, J. W. Leitura: Uma oferta de contrapalavras. In: ______. Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso: o Espelho de Bakhtin. São Carlos: Pedro e João Editores, 2007. ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

70

Aula 3

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Anotações

Aula 3

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Anotações

72

Aula 3

Leitura e Produção de Textos I

Os saberes necessários para ler e escrever

Aula

4

Apresentação

N

esta aula, você estudará os conhecimentos que são acionados para ler e e para escrever. Para você compreender com mais clareza, a unidade estará assim subdividida: considerações sobre ler e escrever; os conhecimentos necessários para ler e escrever. É fato que as várias discussões sobre os temas abordados serão sinteticamente apresentadas, portanto, é importante que você pesquise outras referências indicadas ao longo da aula.

Objetivos 1

2

3

Reconhecer que a leitura não é apenas uma atividade de decodificação de elementos gráficos, mas uma atividade que envolve outros conhecimentos. Reconhecer que a escrita é uma atividade socialmente relevante, pois é por meio dela que o sujeito se insere nas mais diversas situações de interação. Identificar os conhecimentos que deverão ser acionados para a leitura proficiente de textos representativos de gêneros discursivos diversos.

Considerações sobre ler e escrever

C

aro aluno, você deve saber que há crenças falsas que são repetidas com relação à leitura e à escrita. Uma delas é a de que conhecer as regras gramaticais, por si só, garante a eficiência para ler e escrever com sucesso. O conhecimento linguístico é um dos conhecimentos necessários, mas somente ele não garante a produção e a leitura de textos. Outros conhecimentos são acionados nas atividades de ler e de escrever. Como você estudou na Aula 3, ler e escrever são práticas sociais e, portanto, sempre se dão em uma situação específica, envolvendo os interlocutores que aí atuam. Por isso, Antunes (2003) observa que a atividade de leitura completa a atividade da produção escrita, portanto, é uma atividade de interação entre sujeitos e ultrapassa a concepção de uma simples decodificação dos sinais gráficos. O leitor, um dos sujeitos da interação, corre em busca do sentido, busca recuperá-lo, busca interpretá-lo e busca compreender o conteúdo e as intenções pleiteadas pelo autor. Nessa empreitada interpretativista, os elementos gráficos (as palavras, os sinais, as notações, as imagens) atuando conjuntamente são os sinais necessários para conseguirmos fazer nossos cálculos interpretativos. De acordo com Antunes (2003), a leitura:



favorece a ampliação dos repertórios de informação do leitor;



possibilita a experiência gratuita do prazer estético, do ler pelo simples gosto de ler;



permite, ainda, que se compreenda o que é típico da escrita, principalmente, o que é típico da escrita formal dos textos da comunicação pública.

Somos seres sociais, as nossas atividades, a nossa fala, a nossa escrita são sempre situadas e relizadas em determinados contextos. Por que, então, pensaríamos que apenas o conhecimento das regras gramaticais seria suficiente para todas as ações que praticamos mediadas pela linguagem? Para a interação verbal mediada pela leitura e pela escrita, necessitamos de outros conhecimentos advindos das nossas atividades com a linguagem em diferentes experiências no mundo: conhecimento de mundo; conhecimento das normas de textualização e conhecimento das normas sociais do uso da língua. Nesta aula, utilizaremos essa forma de nomear esses conhecimentos com base em Antunes (2007), contudo, nos reportaremos a outros estudiosos que designam diferentemente esses mesmos conhecimentos a fim de ampliar as informações para você. Pois bem, vejamos, então, esses três conhecimentos de forma mais detalhada.

Aula 4

Leitura e Produção de Textos I

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Leitura complementar Caso você queira aprofundar mais esse conteúdo, sugerimos a leitura de: MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2011. Neste livro, o pesquisador francês analisa textos de comunicação e apresenta as competências necessárias para ler e escrever, quais sejam: 1) a competência enciclopédica (conhecimento de mundo); 2) a competência linguística (conhecimento da língua e de seus usos) e 3) competência genérica (conhecimento sobre os gêneros discursivos e sobre os textos).

Atividade

1

Quando solicitam que você escreva um texto, como você se comporta? Acha que é capaz de escrever ou considera que é uma atividade difícil e que precisa de algumas informações (saber qual a finalidade, o gênero, o destinatário) a fim de se desincumbir da tarefa? Escreva um comentário sobre como você lida com as atividades de escrita no seu dia a dia. O seu texto deverá ser compartilhado com o(s) tutor(es) e com os seus colegas de turma.

Conhecimento de mundo: saberes construídos nas diferentes interações no mundo da vida Quando escrevemos ou lemos, lidamos com textos que remetem ao mundo em que vivemos, a outras realidades existentes ou imaginadas. Os textos materializam o nosso estar no mundo e a forma como olhamos para a realidade que nos cerca. Além disso, criamos mundos apenas imaginados e conhecemos outros que já não existem, mas permanecem nos textos que os eternizam. Por meio dos textos, existimos como cidadãos(ãs) que têm direitos e deveres perante a sociedade. Todos têm conhecimento de mundo, que advêm de todas as interações em que nos inserimos. Assim, construímos esse conhecimento em diversas situações: lendo (livro, jornal, revista, anúncios, qualquer texto a que tenhamos acesso); assistindo a um filme, ao jornal televisivo, a uma peça teatral, a um espetáculo; interagindo com outros indivíduos; convivendo em nosso grupo familiar, em nosso grupo de trabalho, em nosso grupo de amigos. Enfim, a nossa vida em sociedade, as nossas interações em qualquer situação são responsáveis pelo

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Leitura e Produção de Textos I

conhecimento de mundo que vamos construindo ao longo da vida. Cada sujeito revelará um conhecimento de mundo que será singular e único, pois somente ele viveu, interagiu nessas situações. Como afirma Freire (1983), a leitura do mundo antecede a leitura da escola. O conhecimento de mundo, portanto, é construído no mundo da vida, no mundo da escola. Segundo Koch e Elias (2007), o conhecimento de mundo refere-se a todos os conhecimentos gerais que acumulamos, memorizamos, registramos. Ou seja, é uma espécie de thesaurus mental: nele, englobam-se os conhecimentos que construímos sobre o funcionamento do real e do mundo, os conhecimentos alusivos a vivências pessoais e a eventos espácio-temporalmente situados. Todo conhecimento é acionado na produção de sentidos daquilo que lemos ou escrevemos. Para compreender melhor como isso ocorre, observe o texto (Figura 1) a seguir:

Figura 1 – Charge produzida por Ivan Cabral, conhecido chargista potiguar Fonte: Ivan Cabral, charge do dia: 2 de janeiro de 2013.

Para ler proficientemente, ou seja, adequadamente, o texto reproduzido na Figura 1, o leitor deverá acionar seu conhecimento de mundo a fim de produzir sentido: primeiro, ele deverá recuperar que o pássaro que ali está representado é uma cegonha; segundo, que, popularmente, se diz que os bebês são trazidos pela cegonha quando não se quer evidenciar todo o processo que envolve o nascimento de uma criança; terceiro, que o ano novo (2013) pode ser comparado a um bebê, pois acaba de nascer, de chegar; quarto, que a vassoura que o acompanha pode representar a necessidade de se fazer uma limpeza de todo o lixo que foi produzido em diferentes situações no ano que se encerrou. Como você viu, apenas recuperando todas essas informações, o leitor poderá produzir sentido para o texto apresentado na Figura 1, que foi construído apenas por elementos não verbais, mas que, mesmo assim, exige conhecimento de mundo para uma leitura adequada.

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Leitura e Produção de Textos I

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Conhecimento das normas de textualização: nossos saberes sobre os textos O mundo é um todo organizado e nós, que interagimos com esse mundo, que o expressamos em nossos ditos e escritos, temos a necessidade de conhecer as regras de organização de um texto a fim de textualizar as nossas experiências e vivências. Segundo Antunes (2007), para conferir ao texto sequência, continuidade, progressão, algum tipo de coerência, algumas informações são necessárias, tais como: 

que tipo de texto (ninguém pode compor uma narrativa e um comentário opinativo usando os mesmo padrões de sequências) e que gênero devemos escolher (uma carta, um comentário, um aviso, um anúncio) e como vamos dividi-lo em partes (blocos ou parágrafos, se for o caso, ou em tópicos e subtópicos);



que estratégias de interação com nosso interlocutor preferimos adotar (se direta ou indiretamente; se de forma categórica, precisa ou de forma reservada, cautelosa e reticente; se numa linguagem comum e informal, se fora dos padrões corriqueiros);



que precauções convém tomar para evitar mal-entendidos;



que informações vamos explicitar e as que vamos deixar implícitas, já que o contexto ou os saberes do interlocutor podem suprir o que não está dito;



que recursos vamos utilizar em relação ao discurso alheio, ou seja, se vamos parafrasear, fazer alusão ou mesmo citar outro texto literalmente etc.

Como podemos perceber, somente o conhecimento da gramática e de suas regras, de forma descontextualizada, será insuficiente à proposta de um texto bem elaborado: outros conhecimentos, como vimos, são necessários, para a produção de textos adequados e eficazes para o nosso projeto de dizer (nossa intenção comunicativa). Koch e Elias (2007) nomeiam de conhecimento interacional o que Antunes (2007) denomina de conhecimento das normas de textualização. Para as autoras, aquele conhecimento se refere às diferentes formas de interação e se refere aos conhecimentos:

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Ilocucional



Comunicacional



Metacomunicativo



Superestrutural

Leitura e Produção de Textos I

Leitura complementar Para maiores informações sobre os sistemas de conhecimentos necessários para ler e escrever, veja o livro: KOCH, I.V; ELIAS, V.M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007. Neste livro, você ampliará informações sobre o processamento textual que envolve conhecimentos de natureza variada. Além disso, o livro apresenta vários exemplos de textos e os analisa, considerando, para tanto, os sistemas de conhecimentos necessários para a leitura.

Vejamos, então, cada um deles separadamente. O conhecimento ilocucional permite ao leitor reconhecer os objetivos, os propósitos, a finalidade pretendida pelo autor do texto, em determinada situação. É esse conhecimento que nos permite reconhecer quando alguém nos convida para algo, quando o autor do texto está fazendo uma crítica, quando o autor está defendendo um ponto de vista sobre determinada questão ou quando alguém tem apenas o propósito de nos fazer rir ao produzir uma piada ou uma anedota. Podemos dizer, assim, que o autor da charge acima reproduzida (Figura 1) não quis apenas nos apresentar a chegada do ano novo, mas, ao colocar uma vassoura juntamente com o bebê (2013), teve o propósito de criticar tudo aquilo que foi ruim, que merece ser jogado fora no ano de 2012. Quanto ao conhecimento comunicacional, diz respeito à quantidade de informação necessária em determinada situação comunicativa: somente com a quantidade de informações adequada, o interlocutor (ouvinte, leitor) poderá recuperar o objetivo da produção de texto; também esse conhecimento permite a seleção da variante linguística adequada para cada situação comunicativa e, por último, esse conhecimento também possibilita saber o gênero discursivo adequado à situação comunicativa. Por exemplo, você sabe o que pode dizer sobre um fato, a quantidade de informação que pode ser passada para uma pessoa que você conhece muito (amigo(a) íntima) e o que pode ser dito sobre esse mesmo fato para alguém que você não conhece com tanta intimidade. Quando escrevemos, precisamos, também, saber qual o nosso interlocutor (leitor, público-alvo) para adequar a quantidade de informação, a variante linguística (se formal, informal, técnico, o uso de gírias ou não, uso de tratamento pessoal ou mais distanciado).

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O conhecimento metacomunicativo, por sua vez, possibilita ao autor/falante assegurar a compreensão do texto e conseguir a aceitação do interlocutor (ouvinte/ leitor) daquilo que foi produzido. Assim, o autor/falante do texto se vale de vários recursos que possam assegurar essa compreensão: itálicos, negritos, realce de vária ordem, aspas, notas de rodapé, expressões que indicam reformulação ou apoios textuais (dito de outra forma, dizendo de forma mais clara, sendo mais objetivo, nesse sentido e não em outro, resumindo, retomando etc). Como se vê, sempre que recorremos a alguma estratégia, ou a várias, para assegurar que aquilo que falamos/escrevemos seja entendido exatamente como pretendemos pelo nosso interlocutor, estamos acionando um conhecimento metacomunicativo. Por exemplo, muitas vezes, quando falamos com alguém, recorremos à expressão “estou usando essa palavra com esse sentido” ou “não vá entender de outra forma, mas com esse sentido”. Na escrita, os recursos são vários, como você viu anteriormente. Por último, o conhecimento superestrutural permite reconhecer os textos como exemplares de gêneros discursivos diversos e adequados às diferentes situações de interação. Além desse saber sobre os gêneros discursivos e sobre sua adequação, esse conhecimento também engloba os saberes sobre os tipos de textos (ou sequências textuais), sobre a ordenação ou sequenciação em conexão com os objetivos e os propósitos pretendidos pelo autor/falante. Por exemplo, esse conhecimento permite reconhecer que o texto reproduzido na Figura 1 desta aula é um exemplar do gênero discursivo charge, que tem como finalidade e propósito comunicativo criticar, polemizar e não apenas provocar o riso.

Atividade

2

Com base nos conhecimentos estudados até aqui, quais deles deverão se fazer presentes para uma leitura proficiente do texto seguinte:

Figura 2 Fonte: Ivan Cabral, charge do dia: 15 de maio de 2011.

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Aula 4

Leitura e Produção de Textos I

O conhecimento das normas sociais do uso da língua

Al - Atividade de linguagem Rl - Regras linguísticas Rt - Regras textuais Ns - Normas sociais (regulam o comportamento das pessoas em situações de interação verbal)

A atividade da linguagem é muito complexa, no entanto, poderíamos resumi-la numa fórmula matemática bastante simples: Al = Rl + Rt + Ns. Acreditamos que precisaremos de uma legenda, eis como a elaboramos: Toda e qualquer atividade de linguagem é uma atividade social, e assim sendo, é uma atividade normatizada, regulada. Isso faz parte da cultura, nela há um conjunto de normas que especificam e autorizam “quem” pode “falar”, o “quê pode falar”, “como”, “com quem” e “quando”. Ações como falar em voz alta, interromper a fala do outro ou dizer tudo que vem à cabeça têm suas permissões e suas restrições. Nossas atividades de linguagem também atendem às regulações sociais que nos permitem adequar o texto à situação, ao interlocutor, ao gênero discursivo. O que podemos escrever em nossos bilhetes pessoais, a forma como tratamos nossos amigos nesses bilhetes vai ser diferente da forma como nos comportamos na escrita de um memorando, de uma carta de solicitação, de uma carta dirigida a uma pessoa que ocupa um cargo social diferente do nosso e que não é nosso(a) amigo(a), nosso parente próximo. Koch e Elias (2007) nomeia esse mesmo saber de conhecimento linguístico. Para as autoras, ele engloba o conhecimento gramatical e lexical. Por meio desse saber, podemos compreender a organização do material linguístico na superfície textual; o uso dos elementos coesivos e a seleção lexical adequada ao tema e ao texto. Por exemplo, uma palavra pode ser adequada em um texto e em outro não ser; podemos usar abreviaturas em um texto e em outro isso poderia ser inadequado; podemos usar gírias em uma conversa informal, mas, em um texto formal e público, isso poderia não ser bem avaliado, a não ser como recurso estilístico.

Aula 4

Leitura e Produção de Textos I

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Atividade

1

3

Analise as cenas enunciativas seguintes e avalie, no que se refere à manifestação dos conhecimentos necessários para ler e para escrever, apresentados por Koch e Elias (2007), os textos reproduzidos a seguir.

CENA 1 Durante o período junino, uma escola produziu o seguinte texto para uma faixa de rua: Pessoá, vamo nos encontrá no arraiá da escola Ziraldo da Silva. A festança acontece no dia 22 de junho de 2013, às 7 hora da noite. Traga a famia!

CENA 2 A mãe, ao sair de casa para o trabalho, deixa o seguinte bilhete para o filho de 7 anos a fim de que ele tome algumas providências: Natal, 25 de janeiro de 2013 Caríssimo filho, Após despertar do seu sono restaurador da noite, procure fazer as flexões abdominais adequadamente, conforme recomendou seu fisioterapeuta. Não esqueça de lavar-se, friccionando, levemente, a derme a fim de não provocar descamamentos desnecessários. Sem mais para o momento, abraço cordial de sua mãe. Normalíssima da Conceição.

2

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Aula 4

Para a leitura proficiente do texto reproduzido em seguida, quais conhecimentos deverão se fazer presentes? Justifique sua resposta.

Leitura e Produção de Textos I

Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_mkJT3X3kEH4/S4XwR0Mb6rI/AAAAAAAAAAM/qDTl7jT03mM/s1600-h/ dengue.jpg>. Acesso em: 29 jan. 2013.

Leituras complementares

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. (Estratégias de ensino, 17). Neste livro, você encontrará cinco questões teórico-metodológicas essenciais para a prática pedagógica, sobre as quais todo professor de português precisa refletir e se questionar: 1) o que é ensinar; 2) o que é método de ensino; 3) o que é língua; 4) o que é saber português; 5) a razão pela qual se ensina português para brasileiros. SCHÄFFER, Neiva Otero; GUEDES, Paulo Coimbra (Org.). Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. 7. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2006. 229p. Nesta obra, é discutida, sob o ponto de vista de diferentes áreas, a importância de ler e de escrever como atividades mediadoras na integração dos conhecimentos.

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Leitura e Produção de Textos I

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Resumo Nesta aula, você estudou aspectos relacionados às atividades de ler e de escrever e sua importância para a formação do cidadão letrado. Compreendeu que leitura e escrita se autocompletam, e ainda que, além dos elementos linguísticos, ambas precisam do conhecimento de mundo; do conhecimento das normas de textualização e do conhecimento das normas sociais do uso da língua para uma efetiva construção de sentidos do texto.

Autoavaliação 1

Para a leitura proficiente do texto reproduzido em seguida, quais conhecimentos deverão se fazer presentes? Releia o conteúdo da aula a fim de justificar sua resposta.

TEXTO 1 Direitos humanos Vítimas do holocausto são lembradas no dia 27 Sexta-feira, 25 de janeiro de 2013 - 20:04 No dia 27 de janeiro de 1945 prisioneiros dos campos de extermínio de Auschwitz e Birkenau, mantidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), próximos à cidade polonesa de Cracóvia, foram libertados. Sessenta anos depois, em 2005, a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu o dia 27 de janeiro como Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Reconhecendo a importância de se preservar a história como parte fundamental do processo educacional, o Ministério da Educação se solidariza com a memória destas vítimas e seus familiares. O ministério ainda reforça a importância de se relembrar esta data para que a tragédia do holocausto não seja esquecida pelas futuras gerações e repetida. Para isso, as escolas mantêm um papel substancial na preservação da memória desse momento da história mundial. Assessoria de Comunicação Social Fonte: . Acesso em: 28 jan. 13.

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Aula 4

Leitura e Produção de Textos I

2

Posicione-se em relação às três asserções seguintes.



A compreensão e a produção de textos dependem, exclusivamente, do conhecimento que temos sobre a língua (disposição das orações, regras de concordância, vocabulário...).



O conhecimento que temos sobre o mundo pode ou não ser acionado ao compreendermos e produzirmos textos.



A compreensão e a produção de textos podem ou não depender de uma situação comunicativa concreta (quem lê ou escreve, para que lê ou para quem escreve, em que tempo e lugar se processam a compreensão e a produção de texto...).

Justifique as posições assumidas com base no que você aprendeu nesta aula.

3

Redija um comentário direcionado a(o) professor(a) desta disciplina, justificando a relevância do conteúdo estudado nesta aula para a formação do professor do ensino básico. Atente para a adequação do seu texto ao destinatário, à situação comunicativa e ao gênero discursivo solicitado.

Referências ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. ______. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ______. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler. São Paulo: Cortez, 1983. KOCH, I. V; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007.

Aula 4

Leitura e Produção de Textos I

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Anotações

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Aula 4

Leitura e Produção de Textos I

Sequências textuais: pressupostos teóricos e sequências prototípicas

Aula

5

Apresentação

N

esta aula, você estudará aspectos sobre as sequências textuais e sua importância na produção de textos. Você compreenderá o conceito de sequência, os tipos de sequências textuais na ótica de Adam (1990; 1992; 1999) e a organização e a construção textual dessas sequências. Para você melhor compreender, a unidade estará assim subdividida: (a) Sequências textuais: pressupostos teóricos; (b) Sequência narrativa; (c) Sequência descritiva e (d) Sequência dialogal. Não exaurimos as várias discussões sobre os temas abordados, portanto, é importante pesquisar outras referências.

Objetivos 1

Avaliar a constituição e o funcionamento dos textos que nos cercam.

2

Reconhecer a construção e organização textual das sequências narrativas, descritivas e dialogais.

Sequências textuais: pressupostos teóricos

M

uitos são os teóricos e pesquisadores que tratam acerca da temática “sequência textual”. A noção de sequência não é tão recente e, conforme Bonini (2005, p. 231), aparece na literatura da área “em proposições teóricas relativamente distintas”, nos trabalhos de Werlich (1976); Brewer (1980); Longacre (1983); Virtanen (1992) e Dols e Schneuwly (1994). Mas só com Adam (1990; 1992; 1999), a noção de sequência ganha notoriedade e começa a integrar os trabalhos acadêmicos. Outros pesquisadores como Bronckart (1997; 2001); Fiorin (1997); Bonini (2005) e Meurer, Bonini & Motta-Roth (2005) também tratam do tema. Todos são de fundamental importância para o entendimento mais claro acerca dessa temática ainda tão discutida, independente de suas discordâncias em um ou outro aspecto. No entanto, tomaremos como eixo norteador desse livro a proposta de sequência tratada por Adam, mesmo considerando todos os problemas que dela decorrem, citados por Bonini (2005, p. 231-232), tais como: o problema interno/externo, o problema do gênero primário e o problema da categorização. Bonini (2005, p. 209) explica que a noção de sequência começa a ser discutida por Adam na década de 1980 (ADAM, 1987), mas só é aprofundada em seus três trabalhos mais importantes (ADAM, 1990; 1992; 1999). É em seu livro de 1992 que o tema é mais presente e detalhadamente trabalhado pelo autor. Segundo Bonini, a noção de sequência para Adam é formada a partir de seis conceitos-chave, reformulados em uma proposta global, sendo eles: “os conceitos de gêneros e enunciados de Bakhtin (1929, 1953), o de protótipo (Rosch, 1978), os de base e tipo de texto (Werlich, 1976) e o de superestrutura (van Dijk, 1978)” (BONINI, 2005, p. 209). Após essas breves considerações, trataremos das cinco sequências abordadas por Adam (1992), subdivididas em duas aulas: 5 e 6: (a) a sequência narrativa; (b) a sequência argumentativa; (c) a sequência descritiva; (d) a sequência explicativa e (e) a sequência dialogal. Além das sequências elencadas, incluiremos um sexto tipo, anteriormente considerado por Adam e retirado posteriormente das suas proposições, por considerá-la parte da descrição, a sequência injuntiva.

Sequência Narrativa Para Adam (2008), toda narrativa pode ser considerada como a exposição de fatos reais ou imaginários, fatos aqui entendidos como ações ou eventos. Para o teórico, a ação pressupõe a presença de um agente (ator humano o antropomórfico) e o evento ocorre sob o efeito de causas, sem a necessária intervenção de um agente. O texto narrativo apresenta a sequência narrativa como dominante (no caso de estarem presentes também a dialogal e a descritiva, por exemplo) ou exclusiva (no caso de não haver outras sequências presentes no texto). Assim como as demais sequências (dialogal, descritiva, explicativa e argumentativa), a narrativa, segundo Adam (1992 apud BONINI, 2005, p. 219), possui propriedades que lhe são típicas:

Aula 5

Leitura e Produção de Textos I

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1)

a sucessão de eventos: a narrativa consiste na delimitação de um evento inserido em uma cadeia de eventos alinhados em ordem temporal. Ou seja, um evento (ou fato) é sempre consequência de outro evento, sendo o elemento principal, aqui, a delimitação do tempo, que se dá em função do evento anterior e subsequente;

2)

a unidade temática: a ação narrada necessita ter um caráter de unidade. Para que isso ocorra, ela deverá privilegiar um sujeito agente. Mesmo que existam vários personagens, um deverá ser o mais importante, dele desencadeando toda ação narrada;

3)

os predicados transformados: o desenrolar de um fato implica na transformação das características do personagem, de modo que será mau no início e se tornará bom no final, terá uma perna saudável no início e quebrada no final, etc.;

4)

o processo: a narrativa deve ter um início, um meio e um fim. A estruturação básica da narrativa, na verdade, parte dessa ideia de processo. Para que haja o fato, é necessário que ocorra uma transformação, ou seja, no início, tem-se o estabelecimento de uma situação, no meio, uma transformação que transcorre em direção a um fim, uma situação final. A noção de processo, própria da narrativa nem sempre exigirá a linearização dessas três etapas (início, meio e fim). Essa sequência se aplica a uma narrativa pessoal completa, mas não necessarimente a trechos narrativos, dentro de um determinado gênero de texto (como é o caso da notícia);

5)

a intriga: a narrativa traz um conjunto de causas orquestradas de modo a dar sustentação aos fatos narrados. A intriga pode levar o narrador a alterar a ordem processual natural dos fatos, fazendo com que a narrativa comece, por exemplo, pelo meio (in media res). A ausência da intriga pode levar certos autores a não considerar crônicas e relatos históricos ou técnicos de fatos como narrativa;

6)

a moral: muitas narrativas trazem uma reflexão sobre o fato narrado, que pode encerrar a verdadeira razão de se contar aquela história. Não é uma parte essencial à sequência narrativa, de modo que pode vir implícita. Quando a sequência está inserida em determinado gênero, é uma das partes que mais comumente podem ser alteradas, ao se adequar aos comportamentos do gênero como uma forma hierarquicamente superior, mais geral. (ADAM, 1992 apud BONINI, 2005, p. 219).

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Aula 5

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Além das características elencadas, é importante lembrar ainda a presença de verbos de ação desencadeadores da história, dispostos numa relação de causa-consequência (anterioridade-posterioridade) ou concomitância e flexionados no pretérito-perfeito ou presente do modo indicativo. Para assinalar as ações anteriores as quais são narradas, utiliza-se o pretérito-mais-que-perfeito. Optar por um tempo verbal ou outro diz respeito às intenções do enunciador, uma vez que ele só pode relatar um fato passado ou, hipoteticamente, futuro. Recorrer ao tempo presente, pois, é uma estratégia estilística, objetivando, em alguns casos, conferir dramaticidade ou atualidade ao que narra. No caso do fato situado no futuro, o tempo verbal será o futuro do presente ou do pretérito do modo indicativo. Essas escolhas relacionadas ao tempo verbal precisam ser padronizadas, podendo, entretanto, o enunciador provocar quebras intencionais, como usar o tempo presente em alguns momentos mais conflitantes de uma narrativa desenvolvida no pretérito-perfeito. Conforme salienta Bonini (2005), com base nos elementos citados anteriormente, o esquema da sequência narrativa é descrito como contendo cinco macroproposições que perfazem a situação inicial, a complicação, as (re) ações, a resolução, a situação final e a moral.

Saiba mais As macroproposições correspondentes à situação inicial e à situação final representam os momentos de equilíbrio da ação. Têm uma base mais descritiva. As macroproposições centrais (complicação, (re) ações e resolução) são propriamente as que caracterizam o esquema narrativo, em que um fato ocorre quebrando a ordem estabelecida e desencadeando (re) ações que tendem à resolução e a uma nova situação de equilíbrio. A moral é uma reflexão complementar ao todo do fato narrado, sendo função do narrador. (BONINI, 2005, p. 219).

Segundo Adam (2008), a narrativa pode ser constituída de diferentes formas, dependendo do seu grau de narrativização. Duas formas de narrativização são citadas pelo autor: (a) uma narrativização de baixo grau e (b) uma narrativização de alto grau. A primeira é constituída por uma simples enumeração de uma sequência de ações e/ou eventos; a segunda apresenta-se como uma estrutura hierárquica constituída de cinco macroproposições narrativas de base. Vejamos o esquema (Figura 1) seguinte (adaptado) que demonstra esse alto grau de narrativização citado por Adam (2005, p. 225).

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Limites do processo

Situação inicial



(Orientação)

(Desencadeador)

Re-ação ou Avaliação

Desenlace (Resolução)

Situação Final

Núcleo do processo Figura 1 – Esquema demonstrativo do alto grau de narrativização Fonte: Adaptado de Adam (2005, p. 225).

Saiba mais Tomando-se como exemplo uma fábula de Millôr Fernandes (adaptada, para fins didáticos, de Fábulas fabulosas. 7 ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1982. p. 33), tem-se a seguinte distribuição das macroproposições: PROVA DE AMOR Na ensolarada manhã de abril, a jovem vinha andando pelo campo, trazendo à cabeça a bilha d’água fresca recém-apanhada no córrego. Tentava aqui e ali proteger-se (sem deixar de andar) nesta e naquela sombra das árvores que margeavam a estrada gramada. Assobiava uma melodia entre triste e alegre. Eis senão quando, do alto da colina, num só galopar, desce, com a fúria que se acende na raça ao meio-dia, um fauno, completo e acabado, no corpo, no espírito e na flautinha. Facetamente, pôs-se a acompanhar a senhoritinha no passo e na melodia. Ela tentou não lhe dar atenção, fingiu ignorá-lo, parou de assobiar, pensou em outra coisa. O fauno então disse, num tom de voz de ardor e sinceridade incomparáveis: “Tenho paixão por você. Amo-a como ninguém jamais amou ninguém. Não poderia viver sem você”. E a moça respondeu: “Não vejo por que alguém se apaixonaria por mim dessa maneira, eu sem graça e sem beleza, quando logo ali atrás vem minha irmã, que é a mulher mais linda e encantadora destas brenhas”. O fauno olhou e não viu vivalma: “Por que me engana dessa maneira?” — perguntou. “Não vejo ninguém”. “Bem” — respondeu a senhoritinha — “porque queria experimentar a sua sinceridade. Se você me amasse realmente não olharia para trás.” O fauno dissuadido, baixou os olhos humilhado e bateu em retirada. Ao chegar à casa onde morava, a moça contou a história à

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irmã, que era feia e desengonçada como nenhuma outra daquelas terras de meu Deus. E riram até encharcarem as calças. MAIS VALE UM URUBU NA MÃO DO QUE UM FAISÃO INVENTADO PELA MALANDRA IMAGINAÇÃO DO URUBU. Nem sempre todas as macroproposições da sequência narrativa apresentam-se na ordem explicitada anteriormente. Pode-se iniciar o texto pela situação inicial, resolução ou moral/avaliação, por exemplo. Ou se excluírem algumas partes, como a resolução e a situação inicial. Ou ainda tornar implícita a moral/avaliação, o que é muito comum. Todas essas alterações dependem do propósito do enunciador, dos efeitos que ele objetiva atingir. Cabe também ao enunciador do texto eleger o foco narrativo que melhor sirva à consolidação da história. Dentre os mais comuns, encontram-se o foco narrativo em primeira pessoa e em terceira pessoa. No foco narrativo de primeira pessoa, a história é narrada por um dos sujeitos que a viveram, seja ele de importância capital ou até mesmo secundária. Nesse caso, tem-se uma visão parcial dos fatos narrados: eles são contados do ponto de vista de um dos sujeitos, admitindo-se, pois, outras versões para explicar determinadas constatações. Já no caso de foco narrativo de terceira pessoa, o narrador não se insere na história como um dos sujeitos que a viveram. Nesse caso, tem-se uma visão de fora, que tanto pode se apresentar de forma onisciente (quando o narrador conhece profundamente aquilo que narra, sendo até capaz de revelar o que se encontra profundamente oculto) quanto como observador dos fatos (quando apenas registra o que pode ser percebido pelos sentidos). Essas formas básicas de foco narrativo não esgotam os modos de focalização diversos e inventivos a que o enunciador pode recorrer para realizar seus intentos. Devassar o interior de um dado personagem e, em relação a outro, explicitar apenas certos aspectos, intrometer-se na história e comentá-la com o leitor ou ser onisciente, ora em relação a um personagem, ora em relação a outro são algumas possibilidades do foco narrativo utilizado, por exemplo, em gêneros literários, como o conto, o romance e crônica. Mais uma vez, cabe ao enunciador eleger aquilo que torna o texto mais interessante ou mais eficaz. São muitos os gêneros em que a sequência narrativa se apresenta, seja de forma completa ou incompleta, dominante ou exclusiva: conto, notícia, depoimento policial, sinopse de filme, canção... Embora não seja muito comum, é possível ainda sequência narrativa apresentar-se subordinada a outras sequências, como a argumentativa (sob a forma de um argumento, em alguns artigos de opinião) ou explicativa (no desenvolvimento da explicação, em alguns artigos informativos, por exemplo). Fonte: A análise do texto em destaque é parte do material didático utilizado e organizado pelos professores de Produção Textual do Departamento de Letras – UFRN.

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Leitura complementar Caso você queira aprofundar mais esse conteúdo, sugerimos a leitura de: SAVIOLI, F. P.; FIORIN, J. L. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1996. Neste livro, os autores apresentam as sequências e alguns exercícios e exemplos que irão ampliar ainda mais o seu conhecimento.

Atividade

1

A seguir, você lerá um texto do escritor Manuel Bandeira. Após a leitura, explore a construção dessa narrativa e faça uma análise das macroproposições da sequência narrativa presentes no texto lido. Tragédia Brasileira? Misael, Funcionário da Fazenda, com sessenta e três anos de idade. Conheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria. Misael tirou a Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou medico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado. Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa. Viveram três anos assim. Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa. Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bom Sucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Liradio, Boca do Mato, Invalidos... Por fim, na rua da Constitução, onde Misael, Privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a policia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul. Fonte: Bandeira (1973, p. 146-147).

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Sequência Descritiva A sequência descritiva, segundo Adam (2008), tem uma frágil caracterização sequencial. Vejamos a síntese de seu pensamento acerca da sequência descritiva.

Da antiguidade aos nossos dias, a descrição foi depreciada e pulverizada em subcategorias: descrição de pessoas, dividida em retrato moral (etopeia) e retrato físico (prosopografia), enquanto o retrato visa ao singular, o caráter visa a um tipo, descrição de coisas, lugares, (topografia e paisagem), tempo (cronografia), animais e plantas [...]. Fonte: Adam (2008, p. 215).

Essa afirmação de Adam revela que, diferentemente das outras sequências, a descritiva não comporta uma organização de ordem linear obrigatória, nem um agrupamento das proposições-enunciados em macroproposições ligadas entre elas, tendo, por isso, uma frágil caracterização sequencial. Apesar dessa fragilidade, no nível da composição textual, “a aplicação de um repertório de operações de base gera proposições descritivas que se agrupam em períodos de extensão variável, ordenadas por um plano de texto” (ADAM, 2008). Assim, quatro macro-operações agrupam nove operações descritivas, vejamos:

1)

Operação de tematização – é a macro-operação principal, dá unidade a um segmento e faz dele um período fortemente característico, pode aplicar-se de quatro maneiras:

a)

Ancoragem: também chamada de pré-tematização, é uma operação por meio da qual o objeto descrito torna-se conhecido pelo ouvinte/leitor já no início da sequência descritiva. Exemplo: Zurique Cosmopolita E, no entanto, Tipicamente suíça.

b)

Ancoragem diferida: chamada de pós-tematização, é uma denominação atrasada do objeto, que nomeia o quadro da descrição no curso ou no final da descrição.

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Exemplo: Silhueta esbelta, rosto fino, olhos grandes e boca volumosa, Marília possui uma beleza exuberante.

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c)

Reformulação: também denominada retematização, é uma operação que consiste em modificar o tema inicial, uma propriedade ou uma parte do objeto descrito. Ela implica na existência de uma primeira nomeação do objeto do discurso. São formas linguísticas da reformulação: da simples aposição ressaltada pela pontuação (:) à utilização de um verbo ou expressões, como: “N é...”; “em suma”; “em resumo”; “em uma palavra”; “isto é”; “em outras palavras”.

2)

Operação de aspectualização – operação que consiste em descrever o objeto a partir de suas propriedades (dimensão, forma, volume, cor, idade...) e/ou partes (cabeça, pé, lado direito...). Ela se apoia na tematização e agrupa duas operações:

a)

Fragmentação: denominada também de partição, faz a seleção de partes do objeto da descrição. Exemplo: Silhueta esbelta, rosto fino, olhos grandes e boca volumosa, Marília possui uma beleza exuberante.

b)

Qualificação: evidencia propriedades do todo e/ou das partes selecionadas pela operação de fragmentação. Sua operação é realizada, na maioria das vezes, pela estrutura (nome + adjetivo) e pelo recurso predicativo ao verbo ser. Exemplo: O mar é muito bom.

3)

Operação de relação – operação que consiste em informar ao ouvinte/leitor como o objeto “está” em determinado lugar e momento. Ou ainda em descrevê-lo em função de uma analogia com outro objeto (sob forma de comparação ou metáfora). Agrupa duas operações:

a)

Relação de contiguidade: situação temporal em um tempo histórico ou individual e situação espacial.

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b)

Relação de analogia: forma de assimilação comparativa ou metafórica, permite descrever o todo ou as partes colocando-as em relação com outros objetos-indivíduos. Exemplo: Belo como o mar. O novo carro da Fiat.

4)

Operações de expansão por subtematização – operação que consiste em expandir as propriedades, as partes, a situação e a assimilação por meio de aspectualização ou colocação em relação. A extensão da descrição se produz pelo acréscimo de qualquer operação a uma operação anterior.

Embora tenhamos apresentado um número razoável de possibilidades da sequência descritiva, lembre-se de que, dificilmente, encontraremos uma sequência descritiva que apresente todas essas macroproposições. Agora que você já estudou um pouco das macro-operações e operações descritivas, recomendamos a leitura mais aprofundada desse conteúdo em Adam (1992; 2008). Para que seu trabalho seja ainda mais fácil, veja o quadro seguinte (Quadro 1) com algumas características imprescindíveis em uma sequência descritiva. Sequência descritiva A sequência deve ser descrita com um domínio lexical criterioso, sobretudo de adjetivos. Evitar clichês, exposições evidentes e ter uma capacidade de observação aguçada. É necessário que o enunciador elabore um plano de trabalho (como ele vai descrever o objeto) e tenha competência linguística suficiente desenvolvida (a fim de efetivar escolhas lexicais indevidas). Uniformização do tempo entre os verbos por parte do enunciador visando manter a relação com a situação temporal do objeto descrito. Os tempos verbais utilizados são o presente (descrição remetendo para o momento da enunciação); o pretérito imperfeito do modo indicativo (descrição remetendo para o momento anterior à enunciação) e o futuro do presente ou do pretérito (descrições que remetam para um tempo posterior à enunciação). A sequência descritiva (completa ou não) procura relatar as características de um objeto qualquer inscrito num momento estático do tempo. Essa sequência pode ser específica ou dominante, uma vez que outras sequências podem estar presentes. A descrição sempre vai revelar uma visão de mundo do enunciador com caráter valorativo. Quadro 1 – Características da sequência descritiva

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Atividade

2

Leia o seguinte panfleto, distribuído no calçadão da rua João Pessoa (Natal/RN). Ao descrever, o enunciador recorre a qual(is) procedimento(s) citado(s): ancoragem/afetação, aspectualização, colocação em relação, tematização e/ou reformulação? Caso verifique alguns desses procedimentos ou todos, explique-os com base no referido texto.

DESAPARECIDA Ela é carioca. Tem, aproximadamente, 15 anos. É branca, com três lindas manchas pretas por todo o corpo. Seus olhos são doces, o focinho é negro como uma jabuticaba e possui apenas quatro dentes grandes e amolecidos. É meiga, carinhosa e bastante inteligente. Está desaparecida desde janeiro de 2003, deixando uma criança em desalento. Atende pelo nome de Princesa, por ser charmosa e extremamente polida. Na ocasião, usava uma coleira dourada na qual está gravado o seu nome. Em suma, ela é um verdadeiro tesouro. Por isso, quem tiver encontrado essa vira-lata, favor entrar em contato com a família Lima pelo telefone (21)9999-1212.

Sequência Dialogal O texto dialogal é enquadrado por sequências fáticas de abertura e fechamento. Como as sequências transacionais constituem o corpo da interação, um texto conversacional elementar completo, segundo Adam (2008, p. 248), poderia ter a seguinte forma (Figura 2):

Sequência Dialogal

Sequência fática de abertura

Sequência transacional

Sequência fática de encerramento

Figura 2 – Sequência dialogal prototípica Fonte: Adaptada de Adam (2008, p. 248).

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As sequências dialogais se efetivam pela emissão de enunciados de um interlocutor a outro (alternado-se os turnos), existindo dois tipos de sequências: as fáticas e as transacionais (Figura 2). As primeiras são ritualísticas, abrem e fecham a interação; as segundas compõem o corpo da interação, elas têm como característica o padrão pergunta/resposta, além de conter os comentários e o acordo (ou desacordo) com o comentário (BONINI, 2005). Para Adam (1992), a conversação e o diálogo representam dois pontos de vista sobre a fala alternada. A conversação é entendida como um gênero do discurso como o debate, a entrevista, a conversa telefônica; e o diálogo é uma unidade de composição textual (oral ou escrita). Já o texto dialogal, é uma estrutura hierarquizada de sequências chamadas trocas ou turnos conversacionais, que são as unidades mínimas dialogais (conjunto de informações). Na Figura 3, temos outro exemplo da estrutura da sequência dialogal de forma mais detalhada. As sequências de abertura são, conforme dissemos, mais ritualizadas, iniciam e fecham a interação e as sequências transacionais constituem o corpo da interação.

Sequência Dialogal

Abertura e fechamento

Sequências transacionais

Sequências fáticas

Corpo da interação

Fórmulas ritualizadas, bem estruturadas, variáveis de acordo com a sociedade

Limites determinados pela mudança

Figura 3 – Sequência dialogal adaptada de Adam (1992)

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Leituras complementares Caso você queira aprofundar mais esse conteúdo, sugerimos a leitura de: ADAM, J. Les textes: types e prototypes (récit, description, argumentation, explication et dialogue). Paris: Editions Nathan, 1992. (Série Linguistique). A noção de sequência textual começa a ser definida em vários artigos publicados no decorrer da década de 1980 (ADAM, 1987), sendo o livro de1992, referenciado acima, dedicado inteiramente a esse tema.

Como vimos nas Figuras 2 e 3, o texto dialogal caracteriza-se por integrar turnos (ou tomadas de vez) de índole fática – são os turnos de abertura e de fechamento.

Exemplo Abertura — Olá! — Então, tudo bem? — Boa tarde. — Por favor. Fechamento — Adeus. — Até a próxima. — Obrigado. Passe bem.

Entre a abertura e o fechamento, há o corpo da interação, composto pelos movimentos de pergunta-resposta. O texto dialogal é produzido por, pelo menos, dois locutores: aquilo que um locutor diz tem de vir a propósito do que o outro disse; os interlocutores, às vezes, concordam, discordam, generalizam, exemplificam, justificam, concluem, particularizam etc. Assim como as demais sequências, na sua forma completa

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(prototípica), a sequência dialogal pode ser definida como uma estrutura hierarquizada de sequências, chamadas geralmente de “trocas”. Nesse protótipo, dois tipos de sequência devem ser distinguidos: as sequências fáticas de abertura e fechamento e as sequências transacionais, que constituem o corpo da interação. A sequência dialogal é a mais comum das sequências textuais, porque está presente em vários gêneros orais, como: a entrevista, o debate, a reunião de trabalho, a conversa informal, a saudação corriqueira etc. Pode também assumir a forma escrita e surgir em contos, romances, crônicas etc. Esses são alguns exemplos de discursos em que o protótipo dialogal é dominante. Vejamos o texto seguinte:

Conto Erótico nº1 — Assim? — É. Assim. — Mais depressa? — Não. Assim está bem. Um pouco mais para... — Assim? — Não, espere. — Você disse que... — Para o lado. Para o lado! — Querido... — Estava bem, mas você... — Eu sei. Vamos recomeçar. Diga quando estiver bem. — Estava perfeito e você... — Desculpe. — Você se descontrolou e perdeu o... — Eu já pedi desculpa! — Está bem. Vamos tentar outra vez. Agora. — Assim? — Quase. Está quase! — Me diga como você quer. Oh, querido... — Um pouco mais para baixo. — Sim. — Agora para o lado. Rápido! — Amor, eu... — Para cima! Um pouquinho... — Assim? — Aí! Aí! — Está bom? — Sim. Oh, sim. Oh yes, sim.

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— Pronto. — Não. Continue. — Puxa, mas você... — Olhaí. Agora você... — Deixa ver... — Não, não. Mais para cima. — Aqui? — Mais. Agora para o lado. — Assim? — Para a esquerda. O lado esquerdo — Aqui? — Isso! Agora coça. (Luís Fernando Veríssimo, 1978, p. 43-44)

O texto dialogal, apresentado anteriormente, está organizado em turnos, apresenta elementos dêiticos; termos de sentido vago, indefinido para o leitor, mas perfeitamente compreensíveis pelos interlocutores, pois ancorados em dados do contexto e no conhecimento partilhado por ambos; apagamento de termos, ditados pela própria economia da linguagem oral; fragmentação de frases etc. No texto seguinte, temos as sequências de abertura e fechamento, fortemente ritualizadas, porque são mais nitidamente estruturadas que as sequências transacionais. Veja, neste exemplo, que, na sequência fática de abertura, os interlocutores entram em contato (cumprimentam-se): “— Olá, como vai? / — Oi, tudo bem!”, conforme os ritos e usos do grupo social a que pertencem, para, em seguida, tratarem do conteúdo temático da interação verbal que é coconstruída “— Você passou no concurso do Estado? / — Que nada! Tentei, mas nada!”. Ao final, cumprimentam-se novamente; nesse momento, põem fim, explicitamente, à interação: “— Que pena, até logo! / — Falou!”. Vejamos o exemplo completo a seguir. — Olá, como vai? — Oi, tudo bem! — Você passou no concurso do Estado? — Que nada! Tentei, mas nada! — Que pena, até logo! — Falou!

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Saiba mais O termo ‘dêixis’, do qual deriva o adjetivo ‘dêitico’, é empregado para designar a função que os pronomes pessoais, os pronomes demonstrativos, as formas gramaticais que indicam tempo e uma variedade de outras formas linguísticas desempenham ao fazer referência à situação e produção dos gêneros discursivos. Conforme Kerbrat-Orecchioni (1980, p. 34-69), as unidades linguísticas que podem funcionar como dêiticos são: os pronomes eu-tu; os pronomes de terceira pessoa; os possessivos; os demonstrativos; as formas temporais de conjugação verbal; os advérbios e locuções adverbiais; as preposições e os adjetivos de valor temporal; as expressões que indicam localização espacial (perto, longe, na frente, atrás, à direita, à esquerda) e os verbos de movimento ir e vir.

Atividade

3

Analise o texto seguinte e faça a distinção das seguintes sequências: fáticas de abertura, fáticas de fechamento e as sequências transacionais, que constituem o corpo desta interação. Conversa “reveladora” — Oi! — Oi! — Onde você estava? — Eu?! — Ora, quem poderia ser? Eu estou falando com você! — Comigo?! — É claro!!! Abestalhado!!! — Abestalhado? Eu? — Demente!!! Doido!!! Idiota!!! — Mais... — Burraldo!!! Imbecil!!! — gritou lívida de ódio. — Enciumado! Morto de ciúme de você. — ...!!! — ...!!! — Tchau! — Tchau! (autor anônimo)

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Resumo

Nesta aula, você viu que a sequência narrativa é mantida por um processo de início, meio e fim, linearmente. Além disso, estudou que esta sequência caracteriza-se pela apresentação da imagem de um determinado objeto (coisa, pessoa, animal, ambiente, cena rotineira...) e que, para construir essa imagem, o enunciador assume três atitudes: nomeia, localiza/situa e qualifica o objeto. Por fim, viu que a sequência dialogal se configura com uma fase de abertura, outra de transição e, por último, uma fase de encerramento. Raramente se encontram, sob forma escrita, sequências dialogais completas.

Autoavaliação Os exercícios 1 e 2 foram extraídos do sítio: . Acesso em: 14 jan. 2013.

1 2

Identifique, nos textos 1, 2, 3 e 4, o objeto descrito e especifique o procedimento (ancoragem ou afetação) utilizado para revelá-lo em cada caso. Para produzir os textos, o descritor utilizou-se de aspectualização e colocação em relação? Analise as sequências descritivas a partir da presença/ausência desses procedimentos.

TEXTO 1 Disco blu-ray Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Blu-ray Disc, também conhecido como BD (de Blu-ray Disc), é um formato de disco óptico da nova geração de 12 cm de diâmetro (igual ao CD e ao DVD) para vídeo de alta definição e armazenamento de dados de alta densidade. É uma alternativa ao DVD e é capaz de armazenar filmes até 1080p Full HD de até 4 horas sem perdas. Requer uma TV full HD de LCD, plasma ou LED para explorar todo seu potencial. Sua capacidade varia de 25 (camada simples) a 50 (camada dupla) Gigabytes. O disco Blu-Ray faz uso de um laser de cor azul-violeta, cujo comprimento de onda é 405 nanômetros, permitindo gravar mais informação num disco do mesmo tamanho usado por tecnologias anteriores (o DVD usa um laser de cor vermelha de 650 nanômetros).

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Blu-ray obteve o seu nome a partir da cor azul do raio laser (“blue ray” em inglês significa “raio azul”). A letra “e” da palavra original “blue” foi eliminada porque, em alguns países, não se pode registrar, para um nome comercial, uma palavra comum. Esse raio azul mostra um comprimento de onda curta de 405 nm e conjuntamente com outras técnicas, permite armazenar substancialmente mais dados que um DVD ou um CD. A Blu-ray Disc Association (BDA) é responsável pelos padrões e o desenvolvimento do disco Blu-ray e foi criada pela Sony e Panasonic.

TEXTO 2 Cotidiano Chico Buarque (1971) Todo dia ela faz tudo sempre igual: Me sacode às seis horas da manhã, Me sorri um sorriso pontual E me beija com a boca de hortelã. Todo dia ela diz que é pr’eu me cuidar E essas coisas que diz toda mulher. Diz que está me esperando pr’o jantar E me beija com a boca de café. Todo dia eu só penso em poder parar; Meio-dia eu só penso em dizer não, Depois penso na vida pra levar E me calo com a boca de feijão. Seis da tarde, como era de se esperar, Ela pega e me espera no portão Diz que está muito louca pra beijar E me beija com a boca de paixão. Toda noite ela diz pr’eu não me afastar; Meia-noite ela jura eterno amor E me aperta pr’eu quase sufocar E me morde com a boca de pavor. Todo dia ela faz tudo sempre igual: Me sacode às seis horas da manhã, Me sorri um sorriso pontual E me beija com a boca de hortelã.

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Todo dia ela diz que é pr’eu me cuidar E essas coisas que diz toda mulher. Diz que está me esperando pro jantar E me beija com a boca de café. Todo dia eu só penso em poder parar; Meio-dia eu só penso em dizer não, Depois penso na vida pra levar E me calo com a boca de feijão. Seis da tarde, como era de se esperar, Ela pega e me espera no portão Diz que está muito louca pra beijar E me beija com a boca de paixão. Toda noite ela diz pr’eu não me afastar; Meia-noite ela jura eterno amor E me aperta pr’eu quase sufocar E me morde com a boca de pavor. Todo dia ela faz tudo sempre igual: Me sacode às seis horas da manhã, Me sorri um sorriso pontual E me beija com a boca de hortelã.

TEXTO 3 Prima Julieta Prima Julieta, jovem viúva, aparecia de vez em quando na casa de meus pais ou na de minhas tias. O marido, que lhe deixara uma fortuna substancial, pertencia ao ramo rico da família Monteiro de Barros. Nós éramos do ramo pobre. Prima Julieta possuía uma casa no Rio e outra em Juiz de Fora. Morava em companhia de uma filha adotiva. E já fora três vezes à Europa. Prima Julieta irradiava um fascínio singular. Era a feminilidade em pessoa. Quando a conheci, sendo ainda garoto e já sensibilíssimo ao charme feminino, teria ela uns trinta ou trinta e dois anos de idade. Apenas pelo seu andar percebia-se que era uma deusa, diz Virgílio de outra mulher. Prima Julieta caminhava em ritmo lento, agitando a cabeça para trás, remando os belos braços brancos. A cabeleira loura incluía reflexos metálicos. Ancas poderosas. Os olhos de um verde azulado borboleteavam. A voz rouca e ácida, em dois planos; voz de pessoa da alta sociedade. Uma vez descobri admirado sua nuca, que naquele tempo chamavam de cangote, nome expres-

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sivo: pressupõe jugo e domínio. No caso somos nós, homens, a sofrer a canga. Descobri por intuição a beleza do cangote e do pescoço feminino, não querendo com isso dizer que desprezava outras regiões do universo. Fonte: MENDES, Murilo. A cidade do serrote. Rio de janeiro, Sabiá, 1968, p. 88-9.

TEXTO 4

Os certinhos e os seres do abismo

Ilustração: Fábrica de Quadrinhos

Era assim no meu tempo de frequentador de aulas (“estudante” seria um exagero), mas não deve ter mudado muito. A não ser quando a professora ou o professor designasse o lugar de cada um segundo alguma ordem, como a alfabética – e nesse caso eu era condenado pelo sobrenome a sentar no fundo da sala, junto com os Us, os Zs e os outros Vs –, os alunos se distribuíam pelas carteiras de acordo com uma geografia social espontânea, nem sempre bem definida mas reincidente. Na frente sentava a Turma do Apagador, assim chamada porque era a eles que a professora recorria para ajudar a limpar o quadro-negro e os próprios apagadores. Nunca entendi bem por que se sujar com pó de giz era considerado um privilégio, mas a Turma do Apagador era uma elite, vista pelo resto da aula como favoritos do poder e invejada e destratada com a mesma intensidade. Quando passavam para os graus superiores, os apagadores podiam perder sua função e deixar de ser os queridinhos da tia, mas mantinham seus lugares e sua pose, esperando o dia da reabilitação, como todas as aristocracias tornadas irrelevantes. Não se deve confundir a Turma do Apagador com os Certinhos e os Bundas de Aço. Os certinhos ocupavam as primeiras fileiras para não se misturarem com a Massa que sentava atrás, os bundas de aço para estarem mais perto do quadro-negro e não perderem nada. Todos os apagadores eram certinhos mas nem todos os certinhos eram apagadores, e os bundas de aço não eram necessariamente certinhos. Muitos bundas de aço, por exemplo, eram excêntricos, introvertidos, ansiosos – enfim, esquisitos. Já os certinhos autênticos se definiam pelo que não eram. Não eram nem puxa-sacos como os apagadores, nem estranhos como os bundas de aço, nem medíocres como a Massa, nem bagunceiros como os Seres do Abismo, que sentavam no fundo, e sua principal característica eram os livros encapados com perfeição. Atrás dos apagadores, dos certinhos e dos bundas de aço ficava a Massa, dividida em núcleos, como o Núcleo do Nem Aí, formado por três ou quatro meninas que ignoravam as aulas, davam mais atenção aos próprios cabelos e,

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já que tinham esse interesse em comum, sentavam juntas; o Clube de Debates, algumas celebridades (a garota mais bonita da aula, o cara que desenhava quadrinho de sacanagem) e seus respectivos círculos de admiradores, e nós do Centrão Desconsolado, que só tínhamos em comum a vontade de estar em outro lugar. E no fundo sentavam os Seres do Abismo, cuja única comunicação com a frente da sala eram os ocasionais mísseis que disparavam lá de trás e incluíam desde o gordo que arrotava em vários tons até uma proto-dark, provavelmente a primeira da história, com tatuagem na coxa. Mas isso, claro, foi na Idade Média. Fonte: . Acesso em: 14 jan. 2013.

3

Identifique, no texto transcrito a seguir, a sequência fática inicial, a sequência transacional e a sequência fática final.

Sinal fechado Chico Buarque — Olá! Como vai? — Eu vou indo. E você, tudo bem? — Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro… E você? — Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo… Quem sabe? — Quanto tempo! — Pois é, quanto tempo! — Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios! — Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem! — Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí! — Pra semana, prometo, talvez nos vejamos… Quem sabe? — Quanto tempo! — Pois é… Quanto tempo! — Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas... — Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança! — Por favor, telefone! Eu preciso beber alguma coisa, rapidamente… — Pra semana… — O sinal… — Eu procuro você… — Vai abrir, vai abrir… — Eu prometo, não esqueço, não esqueço… — Por favor, não esqueça, não esqueça… — Adeus! — Adeus! — Adeus!

112

Aula 5

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4

Com o auxílio de chaves, identifique, no texto seguinte, “O Lobo e o Cordeiro”:

a)

a situação inicial, momento em que ainda não se formou o conflito gerador da história;

b)

a complicação, momento correspondente à formação e ao desenvolvimento do conflito;

c)

a resolução, momento em que o conflito é desfeito;

d)

a situação final, momento que se apresenta um quadro finalizador do conflito;

e)

a moral/avaliação, uma reflexão deduzida da história contada.

O Lobo e o Cordeiro Fábula de La Fontaine Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por isso havia uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também bebendo da água. — Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo — disse o lobo, que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome. — Senhor — respondeu o cordeiro — não precisa ficar com raiva porque eu não estou sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando. — Você agita a água — continuou o lobo ameaçador — e sei que você andou falando mal de mim no ano passado. — Não pode — respondeu o cordeiro — no ano passado eu ainda não tinha nascido. O lobo pensou um pouco e disse: — Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo. — Eu não tenho irmão — disse o cordeiro — sou filho único. — Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue. Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado. MORAL: A razão do mais forte é sempre a melhor. Fonte: . Acesso em: 14 jan. 2013.

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Referências ADAM, J. Textualité et séquentialité: l’exemple de la descreption. Langue Française, n. 74, p. 51-72, 1987. ______. Eléments de linguistique textualle. Liège: Mardaga, 1990. ______. Les texts: types e prototypes (récit, description, argumentation, explication et dialogue). Paris: Editions Nathan, 1992. (Série Linguistique). ______. Linguistique textualle: des genres de discours aux texts. Paris: Nathan.1999. ______. A linguística textual: introdução a análise textual dos discursos. São Paulo: Cortez, 2008. BAKHTIN, M.; VOLOSHINOV, V. N. Maxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1981. BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 4. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1973. p. 146-147. BONINI, A. A Noção de sequência textual e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola, 2005. FERNANDES, Millôr Fábulas fabulosas. 7. ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1982. p. 33. KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. L’enonciation de La subjectivité dans le language. Paris, Libraire Armand Colin, 1980, p. 34-69. MENDES, Murilo. A cidade do serrote. Rio de janeiro: Sabiá, 1968. p. 88-9. ROSCH, E. Principles of categorization. In: ROSCH, E.; Lloyd, B. (Org.). Cognition and categorization. Hillsdale: Lawrence Erlbaum, 1978. VAN DIJK, La ciencia del text: um enfoque interdisciplinario. Barcelona; Buenos Aires: Ediciones Paidós, 1983. VERÍSSIMO, L. F. O rei do rock. Porto Alegre: RBS/Globo, 1978. p. 43-44. WERLICH, E. A text grammar of English. Heidelberg: Quelle und Meyer, 1983.

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Anotações

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Anotações

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Sequências textuais: constituições e funcionalidade

Aula

6

Apresentação

N

esta aula, você continuará o estudo sobre as sequências textuais e sua importância na produção de textos. Você compreenderá os tipos de sequências textuais na ótica de Adam (1990; 1992; 1999) e a sua organização e construção textual. Para você melhor compreender, a unidade estará assim subdividida: (a) sequência argumentativa; (b) sequência explicativa e (c) sequência injuntiva. Não exaurimos as várias discussões sobre os temas abordados, portanto, é importante pesquisar outras referências.

Objetivos 1

Reconhecer e usar, produtiva e autonomamente, estratégias de textualização do discurso argumentativo, explicativo ou injuntivo na compreensão e na produção de textos.

2

Reconhecer e usar as fases ou etapas da argumentação, da explicação e do discurso injuntivo em um texto ou sequência argumentativa, explicativa ou injuntiva.

Sequência argumentativa

A

argumentação caracteriza-se como uma das ações humanas que visam ao conhecimento. É um processo que se constroi a partir do raciocínio lógico, da organização do pensamento de formar, sustentar uma tese com argumentos claros, convincentes, sem apelar ao imediatismo e à emocionalidade. Brandão (2001, p. 15). O homem, dotado da faculdade de abstração e generalização e capacidade para produzir linguagem articulada, interage socialmente pela argumentatividade; nisso tenta exercer influência sobre o comportamento do outro ou fazer com que este compartilhe suas opiniões. Para tanto, há de se ter a clareza que argumentar não envereda, portanto, em convencer a qualquer custo, mas, sim, propor uma opinião, no mínimo verossímil, dando ao interlocutor boas razões para que possa aderir a ela. A argumentação está presente em vários gêneros do discurso e evidencia-se por meio de opiniões, julgamentos, preferências, ponto de vista. O processo de argumentação tem como qualidade distintiva fundamental o confronto de ideias. De acordo com Brandão (2001, p. 16), o caráter ambivalente da argumentação presta-se a propósitos vários, entre os quais se destacam:



Produzir uma mudança de mentalidade/comportamento, provocando, dessa forma, a adesão do interlocutor em favor de uma determinada tese (quando o interlocutor não crê ou crê parcialmente na tese defendida pelo locutor).



Reforçar determinado ponto de vista (quando o interlocutor já crê ou crê quase completamente na tese que o locutor defende).



Levar a conhecer, compreender as razões pelas quais o locutor defende determinada tese, não objetivando necessariamente a adesão do interlocutor.



Refutar (mediante contra-argumentos) um ponto de vista do qual o locutor discorda (quando o locutor não quer crer em determinada tese).

Aula 6

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121

Como as demais sequências, a sequência argumentativa pode aparecer como dominante ou exclusiva e também apresenta uma forma prototípica (mínima ou completa), conforme se pode verificar nas seguintes figuras:

a

SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA PROTOTÍPICA SEQUÊNCIA MÍNIMA Dados

Argumentos

Conclusão

construção de argumentos

Garantia Suporte/Sustentação

b SEQUÊNCIA COMPLETA P. arg. 0 TESE ANTERIOR Construção das inferências DADOS

então provavelmente

Conclusão P. arg. 3

P. arg. 2

(premissas)

P. arg. 1

a menos que RESTRIÇÃO P. arg. 4

Figura 1 – (a) Sequência argumentativa mínima; (b) Sequência argumentativa completa Fonte: Adam (2008, p. 232-233).

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Sequência explicativa A premissa para haver a explicação é que se constate um fenômeno, seja ele natural ou efeito de uma realização humana, que de pronto se apresentará como um fenômeno incompleto, ou requerendo informações que o esclareça. Essas informações poderão apresentar ou explicitar causas e/ou razões da afirmação inicial, bem como as das questões e contradições que tal afirmação suscita. Após o fim do desenvolvimento, a constatação inicial encontra-se reformulada e em geral enriquecida. O raciocínio explicativo, quando de sua textualidade, apresenta-se numa sequência muito simples que comporta quatro fases, a saber:



A fase de constatação – introduz um fenômeno não contestável (objeto, situação, acontecimento, ação etc.).



A fase de problematização – em que é explicitada uma questão da ordem do porquê ou do como, eventualmente associada a um enunciado de contradição aparente.



A fase de resolução (ou de explicação propriamente dita) – que introduz os elementos de informações suplementares capazes de responder às questões colocadas.



A fase de conclusão-avaliação – que reformula e completa eventualmente a constatação inicial.

A seguir, o esquema (Figura 2) da sequência explicativa:

Esq. i Objeto complexo

Esq. Pb POR QUÊ? [p]

Esq. expl. PORQUE [q]

Problema

Explicação

Figura 2 – Esquema da sequência explicativa Fonte: Adam (2008, p. 242).

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Sequência injuntiva O texto classificado como injuntivo caracteriza-se por ter a sequência injuntiva como dominante. Nesse texto, a ação é incitada de forma direta, pois sua característica básica são atos imperativos os quais ordenam cumprir ou seguir. O “fazer agir” comunicado textualmente está associado ao “dizer como fazer” do produtor. O destinatário, em geral, está ciente de que o texto o levará, através da programação de uma sequência, ordenada ou não, de microações, a concluir uma macroação (macroobjetivo acional) ou está encarregado a cumprir. Como as demais sequências, a injuntiva possui uma macroestrutura peculiar composta (quando completa) de três fases básicas:



Exposição do macroobjetivo acional: indicação de um objetivo geral que se deve atingir sob orientação de um plano de comandos.



Apresentação dos comandos: disposição de uma sequência de ações (coordenadas ou não) a ser executada para que se possa atingir o macroobjetivo acional.



Justificativa: esclarecimento, por parte do produtor do texto, em face da situação de ação, sobre os motivos pelos quais seu destinatário deve seguir o(s) comando(s) estabelecido(s).

Temos, então, um agrupamento de textos injuntivos subdividido em três grandes categorias: textos instrucionais-programadores (visam a instruir/ensinar alguém a fazer algo) como receitas, guias e manuais de um modo geral; textos de conselho (visam a aconselhar alguém a fazer algo) como os horóscopos e os diversos conselhos (saúde, beleza, comportamento, moda etc.) e textos reguladores-prescritivos (visam a obrigar alguém a fazer algo), como ordens, leis, regimentos, regras de jogo. Portanto, a organização geral da sequência injuntiva é sustentada por um processo instrucional/pedagógico por meio do qual há uma exposição de um plano de ação, sequência de comandos, a ser seguido para se concretizar um objetivo maior desejado pelo produtor e/ou pelo destinatário do texto. Veja o exemplo da Figura 3:

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Figura 3 – Exemplo de bula de remédio

Atividade

1

Observe os fragmentos e responda às questões: 

Que sequência textual é predominante nos fragmentos e quais os elementos que o justificam?

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125

TEXTO 1 A casa era grande, branca e antiga. Em sua frente havia um pátio quadrado. À direita havia um laranjal onde noite e dia corria uma fonte. À esquerda era o jardim de buxo, úmido e sombrio, com suas camélias e seus bancos de azulejo. O meio da fachada que dava para o pátio havia uma escada de granito coberta de musgo. Em frente dessa escada, do outro lado do pátio, ficava o grande portão que dava para a estrada. A parte de trás da casa era virada ao poente e das suas janelas debruçadas sobre pomares e campos via-se o rio que atravessa a várzea verde e viam-se ao longe os montes azulados cujos cimos em certas tardes ficavam roxos. Nas vertentes cavadas em socalco crescia a vinha. À direita, entre a várzea e os montes, crescia a mata, a mata carregada de murmúrios e perfumes e que os Outonos tornavam doirada. Sophia de Mello Breyner Andersen, O Jantar do Bispo. Disponível em: . Acesso em: 27 dez. 2012.

TEXTO 2 A retextualização é um processo que envolve operações complexas que interferem tanto no código como no sentido e evidencia uma série de aspectos da relação entre oralidade-escrita, oralidade-oralidade, escrita-escrita, escrita-oralidade. Retextualização é a refacção ou a reescrita de um texto para outro, ou seja, trata-se de um processo de transformação de uma modalidade textual em outra, envolvendo operações específicas de acordo com o funcionamento da linguagem. (DELL’ISOLA, 2007, p. 36)

TEXTO 3 Calisto Elói, naquele tempo, orçava por quarenta e quatro anos. Não era desajeitado de sua pessoa. Tinha poucas carnes e compleição, como dizem, afidalgadas. A sensível e dissimétrica saliência do abdómen devia-se ao uso destemperado da carne de porcos e outros alimentos intumescentes. Pés e mãos justificavam a raça que as gerações vieram adelgaçando de carnes. Tinha o nariz algum tanto estragado das invasões do rapé e torceduras do lenço de algodão vermelho. A dilatação das ventas e o escarlate das cartilagens não eram assim mesmo coisa de repulsão. (Camilo Castelo Branco, A queda dum anjo). Disponível em: http://pt.vbook.pub.com/doc/54510891/Exemplos-de-TextosDescritivos-e-Dissertativos. Acesso em: 27 de dezembro de 2012.

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TEXTO 4 A vaguidão específica Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte. — Junto com as outras? — Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e quer fazer qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia. — Sim senhora. Olha, o homem está aí. — Aquele de quando choveu? — Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo. — Que é que você disse a ele? — Eu disse para ele continuar. — Ele já começou? — Acho que já. Eu disse que podia principiar onde quisesse. — É bom? — Mais ou menos. O outro parece mais capaz. — Você trouxe tudo para cima? — Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera. — Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É melhor senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite. — Está bem, vou ver como. (FERNANDES, Millôr. Trinta anos de mim mesmo. Círculo do livro, p. 77)

Resumo Nesta aula, você estudou a sequência argumentativa, a sequência explicativa e a sequência injuntiva e compreendeu que cada uma delas tem uma estrutura peculiar e servem a determinados tipos de textos e de gêneros discursivos.

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Autoavaliação 1

2

Elabore um texto que descreva um amigo que você gosta bastante e não encontra há algum tempo. Para tanto, você deve observar a macroestrutura prototípica da sequência descritiva e redigir seu texto utilizando uma das estratégias presentes na operação de aspectualização. O espaço destinado à produção será de 25 a 30 linhas, digitadas em fonte Arial 10, espaçamento 1,5. O texto deverá ser postado na plataforma Moodle. Observe os fragmentos e responda às questões (adaptado do site: http://centraldasletras.blogspot.com.br/2011/02/tipologia-textual-sequencias-textuais.html): 

Que sequência textual é predominante nos fragmentos seguintes e quais os elementos que o justificam?

TEXTO 1 Na parte inferior, à esquerda do quadro, está uma figura fragmentada com a cabeça cortada, e, ao centro, um braço, também cortado, agarra uma espada quebrada, junto a qual se encontra uma flor. Na parte lateral esquerda, percebe-se uma mulher segurando uma criança morta em seus braços. Acima dela, um touro observa a cena. Na parte superior, uma lâmpada, que se assemelha a um olho, lança sua luz sobre a cena reproduzida no quadro do pintor espanhol. No centro do quadro, abaixo da lâmpada, pode-se perceber um cavalo ao lado do qual está uma lamparina elétrica sustentada por uma mão. No lado direito do quadro, duas mulheres olham para o cavalo. No canto superior direito, uma figura humana está sendo consumida por chamas...

TEXTO 2 Configurar um endereço de retorno

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Inicie o Word;



clique no botão Microsof Office e, e, seguida, em Opções do Word;



clique em Avançado;



clique em OK;



reinicie o computador.

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TEXTO 3 O transtorno do comer compulsivo desenvolve-se a partir da interação de diversos fatores predisponentes biológicos, familiares, socioculturais e individuais. O seu tratamento exige uma abordagem multidisciplinar que inclui um psiquiatra, um endocrinologista, uma nutricionista e um psicólogo. O objetivo do tratamento é o controle dos episódios de comer compulsivo através de técnicas cognitivo-comportamentais e de um acompanhamento nutricional para restabelecer um hábito alimentar mais saudável. A psicoterapia dinâmica ou a interpessoal podem ajudar o paciente a lidar com questões emocionais subjacentes. O acompanhamento clínico faz-se necessário pelos riscos clínicos da obesidade. As medicações antidepressivas têm se mostrado eficazes para diminuir os episódios de compulsão alimentar e os sintomas depressivos. Fonte: . Acesso em: 28 dez. 2012.

TEXTO 4 Resumo: O objetivo deste texto é fazer algumas reflexões, a partir de pressupostos sociolinguísticos, sobre certas questões que envolvem variação e mudança linguística, com implicações diretas no ensino da língua. Discutimos os seguintes tópicos: a língua como atividade social e as variedades linguísticas; a questão da norma, do valor social das formas variantes e do preconceito linguístico; e esboçamos algumas sugestões metodológicas para o ensino de gramática, considerando a diversidade linguística e o aprimoramento da competência comunicativa dos alunos. Esses tópicos são abordados tomando como pano de fundo um contraponto entre um ensino gramatical ‘tradicional’ e o papel social da escola, conforme proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Palavras-chave: Ensino de gramática. Variação linguística. Preconceito linguístico. Norma.

TEXTO 5

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TEXTO 6 Bolo de chocolate molhadinho Ingredientes  2 xícaras de farinha de trigo  2 xícaras de açúcar  1 xícara de leite  6 colheres de sopa cheias de chocolate em pó  1 colher de sopa de fermento em pó  6 ovos Modo de preparo  Bata as claras em neve, acrescente as gemas e bate novamente. Coloque o açúcar e bata outra vez.  Coloque a farinha, o chocolate em pó, o fermento, o leite e bata novamente.  Unte um tabuleiro e coloque os ingredientes batidos para assar por aproximadamente 40 minutos em forno médio.  Enquanto o bolo assa, faça a cobertura com 2 colheres de chocolate em pó, 1 colher de margarina, meio copo de leite e leve ao fogo até começar a ferver.  Cubra o bolo já assado com a cobertura quente.  Saboreie.

3

Questão 04 (ENEM 2010)

A gentileza é algo difícil de ser ensinado e vai muito além da palavra educação. Ela é difícil de ser encontrada, mas fácil de ser identificada e acompanha pessoas generosas e desprendidas, que se interessam em contribuir para o bem do outro e da sociedade. É uma atitude desobrigada, que se manifesta nas situações cotidianas e das maneiras mais prosaicas. SIMURRO, S. A. B. Ser gentil é ser saudável. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2006 (adaptado).

No texto, menciona-se que a gentileza extrapola as regras da boa educação. A argumentação construída

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a)

Apresenta fatos que estabelecem entre si relações de causa e consequência.

b)

Descreve condições para a ocorrência de atitudes educadas.

c)

Indica a finalidade pela qual a gentileza pode ser praticada.

d)

Enumera fatos sucessivos em uma relação temporal.

e)

Mostra oposição e acrescenta ideias.

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Questão 03 (ENEM 2010)

Transtorno do comer compulsivo O transtorno do comer compulsivo vem sendo reconhecido, nos últimos anos, como uma síndrome caracterizada por episódios de ingestão exagerada e compulsiva de alimentos, porém, diferentemente da bulimia nervosa, essas pessoas não tentam evitar ganho de peso com os métodos compensatórios. Os episódios vêm acompanhados de uma sensação de falta de controle sobre o ato de comer, sentimentos de culpa e de vergonha. Muitas pessoas com essa síndrome são obesas, apresentando uma história de variação de peso, pois a comida é usada para lidar com problemas psicológicos. O transtorno do comer compulsivo é encontrado em cerca de 2% da população em geral, mais frequentemente acometendo mulheres entre 20 e 30 anos de idade. Pesquisas demonstram que 30% das pessoas que procuram tratamento para obesidade ou para perda de peso são portadoras de transtorno do comer compulsivo. Fonte: http://www.abcdasaude.com.br. Acesso em: 1 maio 2009 (adaptado).

Considerando as ideias desenvolvidas pelo autor, conclui-se que o texto tem a finalidade de:

a)

descrever e fornecer orientações sobre a síndrome da compulsão alimentícia.

b)

narrar a vida das pessoas que têm o transtorno do comer compulsivo.

c)

Aconselhar as pessoas obesas a perder peso com métodos simples.

d)

expor de forma geral o transtorno compulsivo por alimentação.

e)

encaminhar as pessoas para a mudança de hábitos alimentícios.

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Referências ABC DA SAÚDE. Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2013. ADAM, J. Eléments de linguistique textualle. Liège: Mardaga, 1990. ADAM, J. Les textes: types e prototypes (récit, description, argumentation, explication et dialogue). Paris: Editions Nathan, 1992. (Série Linguistique). ADAM, J. M. A linguistica textual: introdução a análise textual dos discursos. Vários tradutores. São Paulo: Cortez, 2008. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE QUALIDADE DE VIDA – ABQV. Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2013. BRANDÃO, T. Texto argumentativo: crítica e cidadania. Pelotas: L.M.P. Rodrigues, 2001. DELL’ISOLA, R. L. (Org.). Retextualização em gêneros escritos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. p.36. FERNANDES, Millôr. Trinta anos de mim mesmo. São Paulo: Círculo do livro, 1976. p. 77. GALVÃO, Ana Luiza. Transtorno do comer compulsivo. ABC da Saúde, 28 maio 2009. Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2013. TEXTOS descritivos. Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2013.

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Anotações

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Anotações

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A tessitura do texto: coesão textual I

Aula

7

Apresentação

N

esta aula, você estudará sobre a propriedade da coesão textual e sua importância na produção de textos. A propriedade de coesão é amplamente discutida em Antunes (2003; 2005; 2007; 2010). Para você melhor compreender, a aula estará assim subdividida: (a) A coesão textual; (b) As relações textuais e (c) os procedimentos e recursos. Na próxima aula (8), você estudará os recursos de associação e conexão.

Objetivos 1

Reconhecer as relações textuais que a coesão estabelece, bem como reconhecer os procedimentos e recursos que promovem estas relações.

2

Identificar a coesão pela relação de reiteração.

3

Aplicar os conhecimentos sistematizados sobre coesão, nesta aula, nos exercícios propostos.

A coesão textual

V

ocê sabe o que torna um texto um todo significativo e não um amontoado de palavras isoladas? A coesão textual é um dos fatores responsáveis pela textualidade, ou seja, segundo Antunes (2010), “a coesão é uma das propriedades que fazem com que um conjunto de palavras funcione como um texto”. Também segundo Costa Val (2006, p. 5), a textualidade é assegurada por um “conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases”.

Leitura complementar Para maior aprofundamento sobre as relações de coesão e de coerência, leia o livro “Redação e textualidade” da autora Maria da Graça Costa Val publicada pela editora Martins Fontes, 2006.

Sendo assim, não bastam as palavras serem dispostas no papel, elas precisam apresentar um encadeamento, uma articulação, um elo. A palavra “texto” nos remete à trama, aos fios que se entrelaçam formando um todo. Os fios (comparados às palavras, às expressões, aos termos) se entrelaçam formando uma trama (um texto). Vejamos como a Figura 1, reproduzida a seguir, pode dar visibilidade ao que estamos afirmando sobre texto.

Figura 1 – Trama construída no trabalho de tricô Fonte: Joseph Russafa. Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2013.

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Dessa forma, você pode perceber que a coesão estabelece uma continuidade semântica que se expressa, geralmente, por meio das relações de reiteração, de associação e de conexão. Por isso, podemos comparar a trama, que se vai construindo no trabalho de tricô ou de crochê, com o texto que vamos construindo unindo palavras, termos, sentenças, formando, assim, um todo, uma trama em que cada palavra se relaciona com outras em um movimento para frente (o novo, a nova informação que vai sendo acrescentada) e para trás (o dado, o que vai sendo retomado). Portanto, podemos sintetizar que a coesão textual diz respeito às interligações entre determinados segmentos linguísticos: orações, períodos, parágrafos, como também entre segmentos maiores como um parágrafo que se articula com os anteriores; subcapítulos ou capítulos em uma obra, enfim, os mecanismos coesivos concorrem para o entrelaçamento na superfície textual e promovem a manutenção do tema e de sua progressão. Lembre-se, também, que uma sequência linguística, mesmo sem elementos coesivos explícitos, pode ser considerada coerente. Veja a sequência:

Poltrona. Televisão. Filme. Pipoca. Domingo.

Mesmo parecendo um conjunto aleatório de palavras, sem nexo entre elas, esse tipo de sequência pode fazer referência, de forma coerente, a um dia de domingo no qual sentamos em nossa poltrona em frente à TV para assistir a um filme, para isso basta você ativar seu conhecimento de mundo. Portanto, mesmo sem elementos coesivos, podemos dizer que o texto é coerente. O mesmo não pode ser afirmado em relação à sequência abaixo:

Sentei na televisão, porém vi o filme que estava passando na pipoca, mesmo que fosse domingo, o dia que precede, portanto, o sábado.

Veja que, mesmo com vários elementos coesivos (porém, que, mesmo que, portanto), a sequência linguística não é coerente, ou seja, não faz sentido para o leitor. Concluindo, a coesão, por si só, não é condição necessária nem suficiente para que a coerência se estabeleça em um texto.

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Leituras complementares Para mais informações sobre coesão e coerência textuais, sugerimos a leitura dos seguintes livros:

KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.

KOCH, I. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2005.

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Atividade Suporte Você estudou na Aula 2 o conceito de suporte textual. Nesse caso, o squeeze é um suporte incidental e não convencional.

1

Analise o texto a seguir, fixado no suporte squeeze, da campanha do Governo Federal, considerando os seguintes aspectos: 

As relações textuais nele manifestas.



A coesão textual e os recursos utilizados para sua manutenção.

Fonte: . Acesso em: 10 fev. 2013.

No Quadro 1, você verá, de maneira sintetizada, essas relações textuais, os procedimentos e os recursos utilizados para a sua realização. Lembre-se que, nesta aula, você estudará apenas a reiteração, pois, na Aula 8, você dará continuidade ao conteúdo estudando a associação e a conexão.

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Relações textuais (Campo 1)

Procedimentos (Campo 2)

Recursos (Campo 3) 1.1.1 Paráfrase 1.1.2 Paralelismo

1.1 Repetição

A COESÃO DO TEXTO

1. REITERAÇÃO

1.2 Substituição

2. ASSOCIAÇÃO

2.1 Seleção lexical

3. CONEXÃO

3.1 Estabelecimento de relações sintático-semânticas entre termos, orações, períodos, parágrafos e blocos supraparagráficos.

1.1.3 Repetição propriamente dita



de unidades do léxico  de unidades da gramática

1.2.1 Substituição gramatical

Retomada por:  pronomes  advérbios

1.2.2 Substituição lexical

Retomada por:  sinônimos  hiperônimos  caracterizadores situacionais

1.2.3 Elipse

Retomada por:  elipse

Seleção de palavras semanticamente próximas

Uso de diferentes conectores

 

por antônimos por diferentes modos de relações de parte/todo

   

preposições conjunções advérbios e respectivas locuções

Quadro 1 – A propriedade da coesão do texto suas relações, seus procedimentos e seus recursos Fonte: Antunes (2005, p. 51).

Relações textuais As relações textuais são as relações que se criam no texto e delas resulta a coesão, e, conforme Antunes (2005, p. 52), são de natureza semântica, isto é, têm a ver com os sentidos do texto. Elas são diferentes no que concerne ao tipo de ligação que promovem e podem ser nomeadas como relações de:

a)

Reiteração

b)

Associação

c)

Conexão

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a)

A coesão pela relação de reiteração A retomada de determinados elementos do texto denominamos de reiteração. Essa retomada assegura a continuidade e a progressão do fluxo do texto (ANTUNES, 2005). A repetição de palavras não é danosa ao texto quando se tem uma função textual ou discursiva para esse procedimento. Não se trata de repetir por repetir, mas para reiterar, reforçar uma referência, marcar a unidade de sentido, reforçar, contrastar, enfatizar ou, então, para indicar uma correção, uma reformulação. Por isso, um dos procedimentos utilizados para a reiteração é a repetição que se realiza via os recursos da repetição propriamente, da paráfrase e do paralelismo. Vejamos o texto a seguir, uma peça da propaganda do Governo Federal com vistas a conscientizar a sociedade em relação à violência contra crianças e adolescentes:

Não desvie o olhar. Fique atento. Denuncie. PROTEJA NOSSAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES Todos os anos, o Governo Federal, por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR, realiza a Campanha Nacional de Carnaval pelo Fim da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, como forma de conscientizar a sociedade sobre a incidência dessa prática em todo o país. Neste ano, em virtude da necessidade de uma estratégia mais abrangente de comunicação para a proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, a mobilização de carnaval segue a linha da Campanha Nacional pelos Direitos da Criança e do Adolescente, que a partir de agora e ao longo dos próximos meses, abordará diversos temas relativos aos direitos fundamentais de meninas e meninos, focando na necessidade de proteção, uma prioridade absoluta e compartilhada entre a família, o Estado e a sociedade, conforme determina a Constituição Federal de 1988. Faça a sua parte. Fique atento aos direitos das nossas crianças e adolescentes e, em caso de violações, não desvie o olhar. Fique atento. Denuncie. PROTEJA. Divulgue esta campanha, procure o Conselho Tutelar ou Disque 100. Proteger nossas meninas e meninos de todas as formas de violência é uma responsabilidade de todos!

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Veja quantas vezes as palavras “crianças e adolescentes” e “meninos e meninas” aparecem no texto. Você acha que o fato de elas aparecerem diversas vezes é uma repetição desnecessária ou serve a um propósito comunicativo? A reiteração desses termos assegura a manutenção do tema e a sua devida progressão? Segundo Antunes (2010, p. 122, grifo da autora): Portanto, a repetição é uma marca da concentração temática do texto. Ela pode incidir tanto no âmbito da continuidade referencial, quanto no âmbito de sua predicação. Daí que, a rigor, tanto pode ter relevância a repetição de um substantivo, de um pronome, quanto de um verbo ou de adjetivo. Na verdade, a repetição de uma unidade, de qualquer classe gramatical, pode ter relevância para a construção do texto.

b)

A coesão pela relação de associação A relação ou a ligação de sentidos entre as palavras do texto denominamos de relação de associação ou de coesão lexical. Assim, palavras compartilham sentidos afins ou aproximados e constroem esse tipo de relação. Isso se dá devido a todo texto ter uma unidade temática, ou seja, ele se constrói em torno de um tema e as palavras utilizadas mantêm, então, uma relação de contiguidade ou de proximidade entre elas. Por isso, neste texto cujo tema é a Campanha Nacional de Carnaval pelo Fim da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, diversas palavras compartilham sentidos relacionados à conscientização: denuncie, fique atento, proteção, defesa, mobilização, direito, responsabilidade. Todas essas palavras mantêm alguma relação de sentido entre elas e o tema do texto, garantindo, assim, a manutenção e a progressão desse tema.

Atenção O léxico de uma língua pode ser compreendido como o conjunto de palavras ou o conjunto de itens dos quais os falantes fazem uso nas suas atividades de comunicação quer seja na modalidade oral quer seja na modalidade escrita. Lembre-se de que o sentido das palavras muda, altera-se, torna-se arcaico ou novos sentidos são incorporados às palavras em um processo dinâmico que acompanha as mudanças sociais, políticas, econômicas de uma determinada sociedade.

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Leitura complementar

Para um maior aprofundamento sobre o estudo do léxico e sua importância no ensino de Língua Portuguesa, sugere-se a leitura do livro de Irandé Antunes: ANTUNES, Irandé. Território das palavras: estudo do léxico em sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

c)

A coesão pela relação de conexão A relação semântica entre as orações e, por vezes, entre períodos, entre parágrafos ou entre blocos supraparagráficos denomina-se de conexão. Para se efetivar, algumas unidades de língua cumprem com essa função: as conjunções, as preposições e respectivas locuções – ou isso se dá por meio de expressões de valor circunstancial. Vários desses elementos são nomeados de conectores e dão visibilidade a relações de diversa ordem, tais como: causalidade, temporalidade, oposição, finalidade, adição etc. São essas relações que vão sinalizar a orientação argumentativa do texto, além de funcionarem como elos entre as várias partes do texto. Volte ao texto da campanha pelo fim da violência contra crianças e adolescentes, e veja a presença dos elementos linguísticos “e”, “conforme” funcionando como conectores, respectivamente, de adição e de conformidade.

Atividade

2

Suponha que você foi solicitado a escrever um artigo de opinião sobre o atendimento do SUS na sua cidade a ser publicado no jornal do seu curso. Faça, então, uma lista das palavras que, certamente, apareceriam no seu texto. Apresente para o seu professor o resultado a que você chegou e discuta por que elas estariam no seu texto.

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Agora, iremos tratar, de forma mais específica, de cada procedimento e de cada recurso utilizado na reiteração.

A reiteração em foco: procedimentos e recursos Veremos, a seguir, os procedimentos relativos à repetição e à substituição.

a)

A repetição A repetição, conforme você viu no quadro-síntese apresentado no início desta aula, concretiza-se no texto por meio de três recursos: a paráfrase, o paralelismo e a repetição propriamente dita. Trataremos primeiramente da paráfrase. A paráfrase é a interpretação, explicação ou nova apresentação de um texto (entrecho, obra etc.) que visa a torná-lo mais inteligível, mais claro, mais específico. Com esse recurso, podemos voltar a dizer o que já foi dito antes, de outro modo, com outras palavras. Vale destacar que a paráfrase sempre se dá entre segmentos do texto que têm uma equivalência (mais ou menos aproximada) de sentido. Assim, sem essa relação semântica entre os segmentos, a paráfrase não seria um recurso coesivo. Por isso, a paráfrase é muito presente em textos explicativos, expositivos onde há transmissão de conhecimento, pois, nesses textos, pretendemos deixar claros conceitos, definições, enfoques, daí a necessidade de retomar o dito de outra forma a fim de garantir o entendimento do que foi apresentado. Algumas expressões são sinalizadores de que foi realizada uma paráfrase, observe algumas delas: ou seja, isto é, quer dizer, de outro modo, em/por outras palavras, noutros termos, dizendo de outro modo. Essas expressões revelam que uma reformulação, um esclarecimento mais específico sobre determinado aspecto está sendo apresentado ao leitor/ouvinte. A seguir, você verá exemplos de textos que utilizam o recurso da paráfrase. Nesses exemplos, você verá que a mesma fábula foi parafraseada, ou seja, foi (re)contada de outra forma, mas todas elas mantêm um mesmo fio condutor.

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Exemplo 1 Uma fábula, três autores: Esopo, La Fontaine e Monteiro Lobato. O Leão e o Rato – Esopo O leão era orgulhoso e forte, o rei da selva. Um dia, enquanto dormia, um minúsculo rato correu pelo seu rosto. O grande leão despertou com um rugido. Pegou o ratinho por uma de suas fortes patas e levantou a outra para esmagar a débil criatura que o incomodara. — Ó, por favor, poderoso leão — pediu o rato. Não me mate, por favor. Peço-lhe que me deixe ir. Se o fizer, um dia eu poderei ajudá-lo de alguma maneira.

Fonte: . Acesso em: 23 jan. 2013.

Isso foi para o felino uma grande diversão. A idéia de que uma criatura tão pequena e assustada como um rato pudesse ser capaz de ajudar o rei da selva era tão engraçada que ele não teve coragem de matar o rato. — Vá-se embora — grunhiu ele — antes que eu mude de idéia. Dias depois, um grupo de caçadores entrou na selva. Decidiram tentar capturar o leão. Os homens subiram em suas duas árvores, uma de cada lado do caminho, e seguraram uma rede lá em cima. Mais tarde, o leão passou despreocupadamente pelo lugar. Ato contínuo, os homens jogaram a rede sobre o grande animal. O leão rugiu e lutou muito, mas não conseguiu escapar. Os caçadores foram comer e deixaram o leão preso à rede, incapaz de se mover. O leão rugiu por ajuda, mas a única criatura na selva que se atreveu a aproximar-se dele foi o ratinho. — Oh, é você? — disse o leão. Não há nada que possa fazer para me ajudar. Você é tão pequeno! — Posso ser pequeno — disse o rato, mas tenho os dentes afiados e estou em dívida com você. E o ratinho começou a roer a rede. Dentro de pouco tempo, ele fizera um furo grande o bastante para que o leão saísse da rede e fosse se refugiar no meio da selva.

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O Leão e o Rato – Jean de La Fontaine Vale a pena espalhar razões de gratidão: Os pequenos também têm sua utilidade. Duas fábulas mostrarão que eu não estou falando senão a verdade. Ao sair do buraco, um rato, Entre as garras terríveis de um leão, se achou. O rei dos animais, em mui magnânimo ato, Nada ao ratinho fez, e com vida o deixou. A boa ação não foi em vão. Quem pensaria que um leão Alguma vez precisaria De um rato tão pequeno? Pois é, meu amigo, Leão também corre perigo, E aquele ficou preso numa rede, um dia. Tanto rugiu, que o rato ouviu e acudiu, Roendo o laço que o prendia.

Fonte: . Acesso em: 23 jan. 2013.

O Leão e o Ratinho – Monteiro Lobato Ao sair do buraco viu-se um ratinho entre as patas de um leão.  Estacou, de pelos em pé, paralisado pelo terror. O leão, porém, não lhe fez mal nenhum. — Segue em paz, ratinho; não tenhas medo do teu rei. Dias depois o leão caiu numa rede. Urrou desesperadamente, debateu-se, mas quanto mais se agitava mais preso no laço ficava. Atraído pelos urros, apareceu o ratinho. — Amor com amor se paga — disse ele lá consigo e pôs-se a roer as cordas.  Num instante conseguiu romper uma das malhas.  E como a rede era das tais que rompida a primeira malha as outras se afrouxam, pode o leão deslindar-se e fugir.

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A fábula é uma narrativa curta, em prosa ou em verso, tem estrutura narrativa modelar com recorrências semânticas alegóricas que aludem a exemplos morais. Cada uma das fábulas anteriores foi contada de uma maneira peculiar, veja o preceito moral de cada uma das fábulas apresentadas nesta aula.

ESOPO: Às vezes o fraco pode ser de ajuda ao forte. LA FONTAINE: Mais vale a pertinaz labuta que o desespero e a força bruta. MONTEIRO LOBATO: Mais vale a paciência pequenina do que arrancos do leão.

Veja, agora, a paráfrase como recurso coesivo em um mesmo texto. Observe como os termos destacados (em outras palavras, ou seja) reformulam, utilizando outras palavras, aquelas informações que foram dadas anteriormente a fim de torná-las mais claras, mais precisas.

Exemplo 2 Existe Vida em Outros Pontos do Universo Autor: Renato Sabbatini Em um polêmico livro publicado em 2000 (Rare Earth, Springer), dois autores americanos, o paleontólogo Peter Ward e o astrônomo Donald Brownlee, autores da frase acima, propuseram a idéia de que seria praticamente zero a possibilidade de existir vida inteligente semelhante a do ser humano. Em outras palavras, podemos estar sozinhos no Universo. Veja bem, caro leitor, a polêmica não é se existiria qualquer tipo de vida em outros pontos do universo além da Terra. A maioria dos cientistas concorda que há uma possibilidade extremamente alta de que ela exista, e veremos abaixo a argumentação a favor disso. A polêmica mais violenta, e que se arrasta desde a época de Giordano Bruno, é se poderiam existir seres vivos dotados de inteligência, ou seja, alguém parecido conosco, humanos. O argumento de Ward e Brownlee parece reforçar o que muitos religiosos afirmam desde a Idade Média, ou seja, que o ser humano seria uma criação única de Deus, feito à sua imagem e semelhança, e

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que não existiria em nenhum outro lugar do Universo. Devido a este dogma, a Terra foi colocada no seu centro, e as esferas celestes foram consideradas desabitadas, com exceção dos anjos e das almas boas que tinham merecido a redenção do Céu. Por ter afirmado (entre outras heresias religiosas para a época), que existiria um número infinito de mundos, e, portanto, de outras raças inteligentes à imagem de Deus, o frade italiano Giordano Bruno foi queimado vivo pela Inquisição, por ter desafiado as imposições do “conhecimento” oficial da Igreja Católica. Antes de morrer, o rebelde Bruno declarou aos juízes: “Talvez o seu medo em me passar esse julgamento seja maior do que o meu de recebê-lo”, uma ótima frase de despedida, e até hoje ela resume bem o que existe por trás da intolerância e do dogma: simplesmente o medo. Posteriormente, com o desenvolvimento e popularização da astronomia, ficamos sabendo que os planetas são outros mundos como o nosso, e que eles poderiam teoricamente ter vida (embora até hoje nada tenha sido achado). Nos séculos seguintes, a Humanidade tomou conhecimento, chocada, de que o Sol é apenas uma estrela dentre as mais de 100 bilhões da Via Láctea, e que esta, por sua vez, é uma galáxia de tamanho médio entre possivelmente alguns trilhões de outras galáxias dispersas em um espaço inimaginavelmente grande. [...] Fonte: . Acesso em: 12 fev. 2013.

O paralelismo é outro recurso de que se faz uso na repetição. Como recurso textual, o paralelismo é de ordem sintática: dois ou mais segmentos são construídos com a mesma estrutura formal, mesmo que tenham sentidos diferentes. Devido à semelhança sintática, o paralelismo é um recurso reiterativo. Segundo Antunes (2010), o paralelismo cria uma harmonia formal entre dois ou mais pontos, reforçando a coesão, como também contribui para um efeito agradável na articulação e no entrelaçamento de segmentos do texto. Vejamos, no texto reproduzido na Figura 2, como o paralelismo funciona na coesão.

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Figura 2 – Peça da campanha (adesivo para carro) do Governo Federal divulgada no carnaval de 2013 Fonte: .Acesso em: 10 fev. 2013.

Diretriz estilística Uma diretriz estilística tem relação direta com o estilo, ou seja, com as escolhas de linguagem que o autor do texto faz em função do gênero discursivo, da intenção comunicativa.

Como você vê, nesse texto, todos os verbos se apresentam, paralelisticamente, no modo imperativo. Não se esperaria, para a harmonia do texto e sua coesão, que alguns verbos estivessem em outro modo. Isso comprometeria a boa formação do texto e a repetição desse modo verbal é reiterativo, funciona, portanto, como elemento de articulação, além de servir de forma inegável para a eficácia comunicativa do texto: a repetição de forma imperativa compromete o cidadão com a campanha e solicita seu engajamento para a ação. Temos, no exemplo anterior, o que é chamado de simetria de construção: os verbos coordenados entre si. Entretanto deve-se salientar que o paralelismo não constitui uma regra gramatical inalterável, de acordo com Antunes (2005, p. 64), o paralelismo constitui uma diretriz estilística – que dá ao enunciado uma certa harmonia – e constitui ainda um recurso de coesão – que deixa o enunciado numa simetria sintática que é, por si só, articuladora e propiciadora de uma forma harmoniosa para o texto. No processo correlativo de adição ocorre muito comumente o uso de estruturas paralelas como as expressões “não só... mas também”; “não apenas... mas ainda”; “não tanto ... quanto”. Veja o exemplo:

Exemplo 3 “Ao obrigar a rede de 2º grau a preparar seus alunos para essas provas, a UNICAMP deu uma contribuição decisiva não só para a renovação pedagógica nos bons colégios públicos e privados mas, também, para a própria transformação dos livros didáticos [...].” Fonte: . Acesso em: 10 fev. 2013.

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Lembre-se de que a quebra do paralelismo, no texto, compromete a sua boa formação, tornando-o, muitas vezes, mal articulado. Observe os exemplos nos quais essa quebra é visível:

Exemplo 4 “Os alunos gostam de ler e escrever.” (esperava-se, a fim de manter o paralelismo, a construção “Os alunos gostam de ler e de escrever.”)

Exemplo 5 “Podemos afirmar, de um lado, que o aluno gosta mais de ler do que da escrita” (esperava-se, a fim de manter o paralelismo, a construção “Podemos afirmar, de um lado, que o aluno gosta de ler; por outro lado, que o aluno também gosta de escrever.”).

O paralelismo também deve ser mantido em estruturas que indicam uma série de complementos ou adjuntos do mesmo tempo: ambos devem apresentar simetria sintática na construção. Por exemplo, a canção “Reza” cuja composição é de Rita Lee e de Roberto de Carvalho, a expressão “Deus me” é seguida por verbos e respectivos complementos. Esse paralelismo, ou seja, essa mesma construção, garante a coesão, a harmonia do texto, a concretização de relações dialógicas propiciadoras de sentidos vários. Veja:

Exemplo 6 Reza Rita Lee e Roberto de Carvalho Deus me proteja da sua inveja Deus me defenda da sua macumba Deus me salve da sua praga Deus me ajude da sua raiva Deus me imunize do seu veneno Deus me poupe do seu fim

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Deus me acompanhe Deus me ampare Deus me levante Deus me dê força Deus me perdoe por querer Que Deus me livre e guarde de você Deus me acompanhe Deus me ampare Deus me levante Deus me dê força Deus me perdoe por querer Que Deus me livre e guarde de você Deus me perdoe por querer Que Deus me livre e guarde de você Deus me livre e guarde de você Deus me livre e guarde de você Fonte: . Acesso em: 10 fev. 2013.

A repetição propriamente dita é um importante recurso reiterativo, além de ser fundamental para a continuidade semântica, por fazer reaparecer no texto alguma palavra ou sequência de palavras. Segundo Antunes (2005), a repetição é um recurso quase inevitável, principalmente, nos casos de palavras para as quais é difícil encontrar um sinônimo. O uso desse recurso tem relação direta com o gênero discursivo, com os propósitos pretendidos, com o tema tratado e com outros aspectos concernentes à situação de produção do texto. A repetição que na oralidade é tão necessária (exemplo: a festa foi linda, linda!), muitas vezes, é condenada, por incautos professores(as), na modalidade escrita. Mas você precisa ter clareza de que é impossível escrever sem que se repita alguma palavra, algum termo ou alguma expressão quer por motivos reiterativos e enfáticos, quer por razões estilísticas. Também é interessante observar que a repetição também tem suas regularidades: a repetição de algumas palavras tem relação direta com o tema do texto; a repetição também tem relação com as partes do texto (início de um parágrafo a partir de um anterior ou o final de um parágrafo indicando sua conclusão). Geralmente, no último parágrafo de um texto, reaparecem palavras ou termos utilizados no primeiro parágrafo. Tais regularidades, portanto, são previstas e esperadas a fim de garantir a progressão e a manutenção do tema.

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Observe o exemplo a seguir. Nesse caso, a repetição é comprometora, pois outros termos poderiam ter sido utilizados no lugar da palavra “carro”.

Exemplo 7 Meu tio teve que levar seu carro a uma oficina, pois o carro estava cheio de defeitos: bancos estavam furados, os amortecedores estavam quebrados e o motor não funcionava direito. O mecânico disse que o carro estaria pronto dentro de três semanas. Mas meu tio disse que isso era muito tempo e que o carro não poderia ficar tanto tempo sem andar. O mecânico prometeu, então, consertar o carro em uma semana.

Atividade

3

Analise o texto a seguir, considerando:

1

O propósito comunicativo do texto e o gênero discursivo.

2

A repetição, caso ocorra, e sua função no texto como elemento coesivo e como propiciadora de sentidos.

Fonte: . Acesso em: 13 fev. 2013.

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Passemos, agora, a tratar de outro procedimento coesivo utilizado na reiteração: a substituição.

b)

A substituição É um procedimento coesivo que possibilita ampliar as informações de forma mais eficaz do que na simples repetição. A substituição pode, assim, elevar o teor de informatividade do texto, ou seja, pode acrescentar mais informações para o leitor ao apresentar mais possibilidade de designadores para um mesmo objeto discursivo. A substituição pode se realizar de diferentes formas: substituição gramatical, substituição lexical e retomada por elipse. Você irá estudar e ter exemplos, nesta aula, de cada tipo, de forma mais detalhada a fim de que possa compreendê-las. Um dos recursos mais utilizados na substituição gramatical é o uso dos pronomes. Sua função principal no texto, segundo Antunes (2005, p. 86), é assegurar a cadeia referencial do texto. A substituição ocorre de duas possíveis maneiras: 

por anáfora: quando aparece em primeiro lugar um nome – o termo antecedente – que será retomado pelo pronome. Veja o exemplo a seguir.

Exemplo 8 A bordo, após a ceia, corria entre os passageiros uma contagiosa cordialidade. No salão de música, esfregado e arrumado desde a entrada do canal, uma esguia mocinha de azul-claro, com duas tranças românticas pelas espáduas, em atitude sentimental, arrancava ao piano o Danúbio Azul. Junto a ela, envolvendo-a em espiritualizada ternura, um rapaz de lunetas, que a cortejara até nas amarguras da borrasca e do enjoo, segurava o livro de músicas, com o ar risonho na face ainda pálida. Pelas poltronas outros passageiros ouviam a valsa amorosa e comentavam aquele idílio que resistira às cóleras do oceano e aos vômitos. (Aurélio Pinheiro, 1934, p. 4)

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por catáfora: quando aparece em primeiro lugar o pronome e depois o nome que, antecipadamente, ele substitui. Veja o exemplo a seguir.

Exemplo 9 Ele era o início, o fim e o meio. Enquanto nos esforçávamos para fazer tudo igual, ele aprendia a ser “louco, maluco total, na loucura real”. Para isso controlava sua “maluquez” misturada com a sua lucidez. É difícil um brasileiro com mais de 40 anos deixe de associar à década de 1970 as citações das letras acima. [...] A poesia inconformista do baiano Raul Santos Seixas (1945-1989) revive, com todo seu colorido, no documentário Raul – O Início, o Fim e o Meio. (Revista Língua, nº 84/2012)

A substituição gramatical também pode se realizar por meio de um advérbio. Essa substituição também é responsável pela reiteração, uma vez que promove a continuidade do texto. Vejamos um exemplo no qual o advérbio “lá”, em suas duas ocorrências, retoma o segmento “o meu lugar”:

Exemplo 10 Sabiá Tom Jobim/Chico Buarque Vou voltar! Sei que ainda vou voltar Para o meu lugar Foi lá e é ainda lá Que eu hei de ouvir Cantar uma Sabiá. [...]

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A substituição lexical é um recurso usado pelo autor de um texto por motivações discursivas e não apenas para evitar a repetição. De acordo com Antunes (2007, p. 127), a motivação maior para o recurso da substituição, sobretudo daquela que envolve expressões lexicais, recai sobre o teor de informação que, nessas expressões, é maior do que uma simples repetição. Pela substituição é possível voltar a uma referência ou a uma predicação anteriormente feitas no texto e, por isso, ela é reiterativa. Veja um exemplo a seguir.

Exemplo 11 [...] O baiano Carlinhos Brown fascina pela exibição atlética da sua percussão, que perpassa inclusive suas letras, escolhidas mais pela sonoridade do que pela semântica. Sua trajetória se inicia na percussão de rua, relacionada à cultura de carnaval, dos trios elétricos e da axé music. Mais uma perna de sustentação de Carlinhos está inscrita no próprio nome artístico: a influência de James Brown, apontando a preferência pelo soul/funk e pelo uso do corpo como instrumento performático. A outra base do tripé é a tradição musical relacionada a Ogun, orixá africano do ferro cultuado em Candeal Pequeno, território onde Carlinhos nasceu e cresceu. Foi lá que, em 1992, o artista criou a banda Timbalada, um grupo com mais de 100 percussionistas do bairro. Fonte: . Acesso em: 12 fev. 2013.

Nesse texto, vemos como Carlinhos Brown é substituído por “artista” que, neste caso, é um hiperônimo, ou seja, um termo mais geral, mais inclusivo, pois inclui não apenas Carlinhos Brown, mas todos aqueles que são artistas. A relação semântica que se estabelece entre Carlinhos Brown e artista é, assim, uma relação de hiperonímia.

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Saiba mais A hiperonímia é uma relação semântica que se estabelece entre um termo mais geral, mais inclusivo (hiperônimo) e um termo mais delimitado, menos inclusivo (hipônimo). Por exemplo, a relação de sentido entre felino (termo mais geral, portanto, mais inclusivo) e gato (termo mais específico e menos inclusivo) é uma relação de hiperonímia. Não confunda essa relação com a partonímia, nesta, a relação semântica se dá entre o todo e suas partes; Por exemplo, entre os termos carro (o todo) e pneus, motor, volante, porta, assentos (partes do carro) se apresenta uma relação de partonímia, ou seja, a relação entre as partes e um todo.

Segundo Antunes (2005, 2010), a substituição lexical se realiza das seguintes formas: 

podemos substituir uma palavra por seu sinônimo – isto é, por uma outra palavra que tenha o mesmo sentido ou, pelo menos, um sentido aproximado. Lembre-se de que não há sinonímia perfeita ou absoluta e que a substituição de um termo por outro de sentido aproximado no texto tem a ver com sua adequação e sua eficácia.

Observe, a seguir, um exemplo de substituição por sinônimo. Neste texto, a expressão “aborto espontâneo” foi substituída por outra de sentido aproximado: “aborto involuntário”.

Exemplo 12 O que é Aborto? Um aborto espontâneo é a perda involuntária de um feto de até 20 semanas de gestação. (Perdas gestacionais após as 20 semanas são denominadas de partos prematuros.) Um aborto espontâneo também pode ser chamado de “aborto involuntário”. Ele se refere a eventos de causa natural, e não a abortos decorrentes de procedimentos cirúrgicos ou de uso de medicamentos. Fonte: . Acesso em: 12 fev. 2013.

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podemos substituir uma palavra por seu hiperônimo – isto é, uma outra palavra que tenha o sentido geral, que designa uma classe de seres, por isso mesmo, chamada de ‘palavra superordenada’ ou ‘nome genérico’, ou ainda ‘indicador de classe’.

Observe um exemplo de substituição por hiperônimo. A relação entre “poltrona” (termo mais específico, portanto, um hipônimo) e “assento” (termo mais abrangente, mais inclusivo, portanto, um hiperônimo) é uma relação de hiperonímia.

Exemplo 13 Lucinha estava na poltrona do cinema, esperando o filme começar, quando, de repente, no assento ao lado, uma idosa desmaiou. Fonte: . Acesso em: 13 fev. 2013.

Leituras complementares Para maior aprofundamento sobre as relações semânticas entre palavras ou outras questões concernentes ao significado/sentido, sugerimos os livros: ILARI, R. Introdução à semântica: brincando com a gramática. São Paulo: Contexto, 2001. _____. Introdução ao estudo do léxico: brincando com as palavras. São Paulo: Contexto, 2002. ILARI, R.; GERALDI, J. W. Semântica. São Paulo: Ática, 1985. MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Org.). Introdução à Lingüística 2. São Paulo: Cortez, 2001. cap. 1-2.

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podemos substituir uma palavra por uma expressão descritiva – que não é nem sinônimo nem hiperônimo, mas, no texto funciona como sinônimo ou algo equivalente.

Observe um exemplo de substituição por uma expressão descritiva. Veja como no texto os termos “o processo de escrita” é retomado pela expressão “a questão” que não funciona nem como sinônimo tampouco como hiperônimo para “o processo da escrita”. Nesse caso, essa substituição é válida para esse contexto, para esse texto servindo como um termo equivalente ou um sinônimo textual.

Exemplo 14 [...] O que considero mais importante é o processo de escrita, o trabalho de reescrita. Já defendi muitas vezes que a questão pode ser resumida a dois passos:

a)

obter um texto, de preferência com alguma preparação (ler, ouvir contar, juntar dados etc.);

b)

colocar esse texto num quadro (negro, branco, verde) e reescrever seguidamente, considerando as opiniões dos alunos, para obter diversas versões. Depois, cada um escolhe a sua.

[...] Disponível em: http://revistalingua.uol.com.br/textos/82/escrever-certo-escrever-bem-264520-1.asp. Acesso em: 13 fev. 2013.

Atividade

4

Leia o texto a seguir e identifique, caso ocorra, o recurso da substituição de ordem gramatical ou lexical. Explicite, também, os referentes que foram substituídos.

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O desafio da concisão Como apresentar ao aluno, de forma crítica, recursos de preenchimento como clichês, falsas definições e preciosismos, que costumam arruinar um texto Quem já não ouviu falar do desafio da página em branco? Para os escritores ele é motivo de reflexões torturadas, que às vezes rendem bons textos. Um aspecto da chamada metalinguagem consiste nesse exercício especulativo e doloroso, no qual o escritor enfrenta o silêncio e tem de o vencer. É a luta muitas vezes vã de que fala o poeta Drummond num de seus poemas. A situação não é bem essa quando se trata de uma redação escolar. Neste caso quem escreve não o faz por necessidade interior, compromisso estético ou desejo de mudar o homem. Visa cumprir um dever, realizar um exercício em que deve revelar organização do pensamento, uso adequado das palavras, defesa consistente de um ponto de vista. Se a natureza do desafio é outra, contudo, a angústia talvez seja a mesma. Diante do aluno está a famigerada página com determinado número de linhas que ele deve a todo custo preencher. E não vale, como às vezes fazem os escritores, transformar essa dificuldade em tema. A banca não vai se sensibilizar com esse artifício, que funciona em produções literárias mas compromete a eficácia de um texto argumentativo. Para contornar esse tipo de dificuldade muitos apelam a recursos de preenchimento, cuja função é suprir o vazio de ideias; afinal, quem não tem o que dizer procura disfarçar isso da melhor (ou pior) maneira possível. Tais recursos inflacionam a forma e são um atentado à concisão. Comprometem a qualidade do texto e, levando-se em conta o peso da produção textual no conjunto das questões, podem custar a reprovação do aluno. Chico Viana é professor aposentado da UFPB, doutor em teoria literária pela UFRJ e autor de “O Evangelho da Podridão: Culpa e Melancolia em Augusto dos Anjos”. Fonte: . Acesso em: 14 fev. 2013.

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A retomada por elipse – a elipse como recurso coesivo é definida como sendo a omissão ou supressão de um termo que pode ser facilmente recuperado pelo próprio contexto linguístico, às vezes, por uma vírgula (ANTUNES, 2005). A elipse promove, portanto, a concisão, a leveza de estilo, pois assegura a retomada, a reiteração sem que seja necessária a repetição literal de termos. Veja o exemplo de um texto no qual a elipse é utilizada.

Exemplo 15 [...] Tópico discursivo [...] A introdução falha em dois casos: ou quando Ø constitui o que em linguagem jornalística se chama nariz de cera; ou quando Ø representa uma resposta direta ao questionamento proposto nos textos de suporte. O nariz de cera é um preâmbulo que muitas vezes nada tem a ver com o tema (evitamos aqui discutir a diferença entre tema e assunto, irrelevante para o que nos interessa). Ø Aparece ora como uma ponderação subjetiva, ora Ø como uma digressão sobre o ser humano, os males do capitalismo, a difícil caminhada do homem na Terra etc. etc. Redigir isso é perda de tempo. A resposta direta ocorre quando o aluno não se preocupa em introduzir o texto, iniciando-o pelo meio através de expressões como “de fato”, “é verdade”, “não há dúvida de que” etc. Isso contraria a velha máxima de Aristóteles, segundo a qual a introdução é o que não admite nada antes, e deixa o leitor sem saber de que trata a redação (é claro que os membros da banca sabem de que ela trata, mas um texto deve dar a qualquer leitor todas as informações necessárias para interpretá-lo). Fonte: . Acesso em: 14 fev. 2013. Texto adaptado para fins didáticos.

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Atividade

5

Muitos são os mecanismos coesivos usados para evitar a repetição de palavras em um texto. O mais comum é a substituição por um termo equivalente, de conteúdo geral. Nos enunciados, a seguir, complete as lacunas com o termo adequado, levando em consideração o procedimento da substituição.

a)

Lucas vestiu pela primeira vez a camisa do clube francês. O ____________ treinou na cidade de Doha, no Catar.

b)

Ontem esteve tensa a situação na Síria. A população do ____________ recebeu instruções contra um possível ataque americano.

c)

A polícia apreendeu uma tonelada de maconha, mas não conseguiu prender os traficantes que trouxeram a/o ____________ da Bolívia.

d)

O tráfico de pessoas está sendo denunciado na novela das 9 h na Rede Globo. No bairro do Guarapes, em Natal, acontece a mesma coisa e ninguém está preocupado com o ____________.

Resumo Nesta aula, você estudou a relação textual da reiteração, bem como os procedimentos da repetição e da substituição e seus respectivos recursos asseguradores da coesão textual. As atividades propostas deverão sistematizar esses conhecimentos a fim de que você possa não apenas reconhecê-los, mas utilizá-los nos diversos textos que você irá produzir.

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Autoavaliação Identifique, caso se façam presentes, os procedimentos (a reiteração e a substituição) e seus respectivos recursos responsáveis pela coesão textual. No caso das elipses, assinale com Ø onde ocorrem e explicite os respectivos referentes.

Vygotsky e o conceito de aprendizagem mediada Para Vygotsky, o professor é figura essencial do saber por representar um elo intermediário entre o aluno e o conhecimento disponível no ambiente. Camila Monroe ([email protected]). Colaborou Laize Lima Vez da experiência Para Vygotsky, a presença de um adulto capaz de planejar as etapas do aprendizado é ponto central para a criança adquirir conhecimentos do grupo de que faz parte. No início da infância, explorar o ambiente é uma das maneiras mais poderosas que a criança tem (ou deveria ter) à disposição para aprender. Ela se diverte ao ouvir os sons das teclas de um piano, pressiona interruptores e observa o efeito, aperta e morde para examinar a textura de um ursinho de pelúcia e assim por diante. Essa lista de atividades, entretanto, pode dar a impressão de que, para adquirir saberes, basta o contato direto com o objeto de conhecimento. Na realidade, boa parte das relações entre o indivíduo e seu entorno não ocorre diretamente. Para levar a água à boca, por exemplo, a criança utiliza um copo. Para alcançar um brinquedo em cima da mesa, apoia-se num banquinho. Ao ameaçar colocar o dedo na tomada, muda de ideia com o alerta da mãe – ou pela lembrança de um choque. Em todos esses casos, um elo intermediário se interpõe entre o ser humano e o mundo. Em sua obra, o bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) dedicou espaço a estudar esses filtros entre o organismo e o meio. Com a noção de mediação, ou aprendizagem mediada, o pesquisador mostrou a importância deles para o desenvolvimento dos chamados processos mentais superiores – planejar ações, conceber consequências para uma decisão, imaginar objetos etc.  [...] Fonte: . Acesso em: 14 fev. 2013. Texto adaptado para fins didáticos.

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Referências ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. ______. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ______. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. ______. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contextyo, 2009. ______. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2005. PINHEIRO, Aurélio. Macau. Rio de Janeiro: Adersen Editores, 1934. REVISTA Língua Portuguesa, ano 8, n. 84, out. 2012. VAL, Maria da Graça Costa. Redação e Textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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Anotações

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Anotações

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A tessitura do texto: coesão textual II

Aula

8

Apresentação

N

a aula anterior, abordamos a coesão e as relações textuais, enfocando, detalhadamente, a relação textual por reiteração, os procedimentos da repetição e da substituição. Nesta aula, vamos continuar nosso estudo sobre a propriedade da coesão textual e sua importância na produção de textos. Para você melhor compreender, a aula está assim subdividida: “A coesão pela associação semântica das palavras” e “A coesão pela conexão”. Esclarecemos que não exaurimos as várias discussões sobre os temas abordados, portanto, é importante que você pesquise outras referências teóricas.

Objetivos 1

Reconhecer os tipos de relações que a coesão estabelece e que essas são de natureza semântica.

2

Reconhecer os procedimentos e recursos que promovem as relações de coesão.

3

Utilizar, de forma adequada, os conectores que promovem a coesão em textos diversos.

4

Avaliar, em textos diversos, a adequação ou inadequação do uso dos conectores.

A coesão pela associação semântica das palavras Para que você compreenda melhor esse tipo de relação, leia o texto a seguir e as observações feitas logo após.

O que cabe numa palavra Conceito de um vocábulo deve dar conta do uso nas situações de comunicação em que ele é usado Por Sírio Possenti Em geral, nos manuais e gramáticas, as palavras são consideradas apenas segundo sua classificação. Alunos precisam identificar substantivos e adjetivos, advérbios e preposições. Na mídia, uma falsa questão é o “abuso” em relação ao verdadeiro sentido. Eventualmente, destaca-se uma questão sociológica: estrangeirismo, gíria ou palavrão são criticados. Aqui e acolá, fazem-se ironias sobre certos usos, como “corrigir a (palavra) ortografia”, porque o grego “orto” já significaria ‘correto’, o que não impede que no mesmo texto se escreva “erros ortográficos”. Mas as palavras revelam ou (escondem) muitas outras características, que a escola poderia explicitar. Digo “explicitar” em vez de “ensinar” porque, frequentemente, os alunos conhecem diversas características, o que sua fala revela claramente. Correntes Certas análises estruturais que perderam prestígio distinguiam palavras do mesmo campo semântico (como o dos móveis) pela presença ou ausência de “traços” (semas, dizia-se) em cada um. Foi famoso um exemplo que distinguia puf, cadeira, sofá e poltrona com base na presença ou ausência de encosto (puf não tem), se para uma ou mais pessoas (cadeira e poltrona, para uma sofá para mais), se têm ou não “braços” (sofá e poltrona têm, cadeira e puf, não) etc. Tal descrição parece só classificatória, e por isso mereceu as críticas tradicionais. Mas se tal abordagem for levada adiante e incluir questões culturais ou ideológicas, explorando o sentido real das palavras pode render bastante. Uma teoria semântica gerativista adotou descrição semelhante à estrutural. Tal descrição explicava fenômenos sintáticos. Por exemplo,

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um ser pode ser descrito como [+/- humano], [+animado] etc., o que explica que possa ser sujeito de “perseguir”, que exige sujeito [-animado], ao menos em textos referenciais. Universalizante Segundo tais procedimentos, o significado de “solteiro” equivaleria a [+humano], [+adulto], [-casado]. De fato, não se fala de solteirice de elefantes nem de crianças (ninguém diz “Meu filho de 2 anos é solteiro) etc., embora não sejam casados. Uma crítica a essa solução é seu viés universalizante. Outra é que não considera traços culturais, mas só os naturais e os jurídicos. Quando alguém diz “Sou solteiro” numa festa, não implica que é adulto e humano, mas que não tem certos compromissos, é “livre” etc. Dizer de um casado que parece solteiro não implica que seja criança ou não-humano. “Vive como solteiro” pode significar que não tem compromissos amorosos ou conjugais, que mora em espaço bagunçado, sozinho etc. Esses sentidos dependem dos comportamentos associados à solteirice numa sociedade e de sua avaliação estereotipada. Outro efeito interessante de considerar as palavras em seu sentido real é explicitado em análises sociocognitivas. Nos anos 1980, desenvolveu-se a teoria dos protótipos (segundo a qual um tico-tico é mais pássaro do que uma águia ou uma galinha, “pedra” é mais substantivo do que “soldado” – cf “brasileiros soldados” etc). Desenvolveu-se também a teoria dos scripts e/ou frames, segundo a qual as palavras, mais do que designar um objeto (Lua) ou uma classe (árvore), funcionam “referindo” ao mundo, sim, mas não como se as coisas fossem objetos “unos”. Sociocognitivo Constata-se que objetos são tomados metaforicamente (um debate é vencido ou perdido, como uma luta; uma crise é um tsunami) ou metonicamente. Essas duas características aparecem claramente quando se consideram questões de texto. Os relativamente recentes estudos de coerência destacam casos do tipo “O carro bateu. Os passageiros estão no hospital.”, tentando explicitar a relação anafórica entre passageiros e carro, em vez de considerar exemplos mais banais como “Era uma vez um rei. Ele tinha uma filha”, com destaque para a relação entre “ele” e “rei”. [...]

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Dicionários [...] O verbete “bar” do Houaiss inclui “estabelecimento público popular composto de um balcão e bancos altos, onde são vendidas e servidas bebidas e refeições ligeiras”, o que abona um texto que diga “Fui ao bar do Zé; gostei de tudo, menos do balcão.” Outras vezes, não incluem. O mesmo Houaiss informa que gato é um pequeno mamífero carnívoro, doméstico, da família dos felídeos, mas não diz que tem patas dianteiras e traseiras, que caça ratos, que tem rabo, que mia etc. Assim, o dicionário não fornece elementos que expliquem uma frase como “os ratos estão felizes porque não há gatos por perto.” Mas todo mundo entende o que isso quer dizer. Às vezes, somos melhores do que os melhores dicionários. Sírio Possenti é professor titular do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Humor, língua e discurso (Contexto) Fonte: Revista Língua Portuguesa, n. 87, p. 22 e 23, 2013. Texto adaptado para fins didáticos. Grifos do autor.

Como você pôde constatar, no texto reproduzido anteriormente, podemos afirmar que todas as palavras estão em relação umas com as outras, construindo, assim, uma unidade temática (condição para que a coerência exista) a partir dessa rede de sentidos compartilhados entre essas palavras. Essa associação semântica das palavras, ou seja, essa associação entre os sentidos das palavras funciona como um recurso coesivo. Veja que, no texto, as palavras foram escolhidas pelo autor em consonância com o seu objetivo e com seu propósito comunicativo: discutir o significado das palavras a partir de algumas perspectivas teóricas que não consideram as determinações culturais e ideológicas. Se procurarmos destacar as palavras que se relacionam com o tema do texto “o significado das palavras e as diferentes abordagens nos estudos da linguagem” e com o propósito comunicativo do texto apresentado, veremos que, em um levantamento rápido, podemos agrupar as seguintes palavras em torno desse tema e do propósito do autor: vocábulo, comunicação, manuais, gramáticas, substantivos, adjetivos, advérbios, preposições, estrangeirismo, gíria, palavrão, ortografia, análises estruturais, campo semântico, traços, semas, descrição, questões culturais ou ideológicas, teoria semântica gerativista, fenômenos sintáticos, sentidos, análises sociocognitivas, teoria dos protótipos, teoria dos scripts e/ou frames, metaforicamente, metonicamente, texto, relação anafórica, verbete, dicionários, frase...

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Todas essas palavras não estão presentes aleatoriamente no texto, pois foram escolhidas porque o autor tinha um propósito, tinha uma intenção, tinha algo a dizer sobre esse tema e sob determinada perspectiva. Passemos, então, a enfocar essas diferentes relações a partir dos tipos de associações que podem ser construídas entre as palavras.

Tipos de relações semânticas De acordo com Antunes (2005, p. 132), essas relações semânticas são de diversos “tipos” e podem se concretizar em “pares de palavras” ou em séries maiores. Essas relações promovem a maioria dos nexos coesivos e estes, por sua vez, viabilizam a continuidade do texto. Assim, as palavras se associam por:

a) relações de antonímia

Maior/menor; quente/frio; belo/feio; amargo/ doce; longe/ perto; pai/filho

b) relações de cohiponímia

Vermelho/verde/marrom; xícara/prato/bandeja; borboleta/louva-a-deus/gafanhoto; gato/onça/tigre

c) relações de partonímia

Selim/pedal/pneu; galho/folha/raiz; gola/manga/ punho; caderno/lápis/borracha

Quadro 1 – Quadro-síntese das relações semânticas oriundas de associações de diversos tipos entre as palavras Fonte: Antunes (2005, p. 132-133).

Atividade

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Leia o texto a seguir e liste as palavras que se relacionam semanticamente com o tema e com o propósito comunicativo.

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Missionário desvendou a mais simples das línguas Engana-se quem pensa que as histórias de viajantes aprisionados por índios acabaram com o tempo de Colônia. Em 1977, o missionário americano Daniel Everett só ficou vivo graças à facilidade em entender línguas. O evangélico catequizava os pirahãs no Amazonas quando percebeu que tramavam a sua morte. Correu para trancar a esposa, os três filhos pequenos e todas as flechas da aldeia de sua barraca. Contornou a situação e, apesar de ter escapado por pouco, resolveu ficar por ali. Tinha se apaixonado pela língua falada pelos nativos. A família Everett viveu 25 anos na floresta enquanto o professor da Universidade Illinois estudava a fala dos pirahãs. O que ela tem de tão incrível? É o idioma mais enxuto e simples já conhecido. Nela não há números nem nomes para as cores, elementos considerados até então fundamentais para qualquer comunicação humana. Como aos pirahãs só importa o presente, eles não usam tempos verbais. Também não formam orações subordinadas. Em 2008, Everett lançou o livro Don´t Sleep, There Are Snakes: Life and language in the Amazonian jungle, que agitou o mundo dos linguistas e repercutiu em jornais da América Latina à Europa, por ter posto em xeque teorias de grandes linguistas como Noam Chomsky. Só que a missão inicial de Everett terminou frustrada. Além de não ter conseguido traduzir a Bíblia para a língua pirahã, ele é que foi convertido pelos índios. “Fiquei no meio do mato conversando com um grupo de pessoas que nunca manifestaram interesse nesse Deus do qual eu falava. E vi que intelectualmente eu não podia mais sustentar essa crença em mim.” A resposta dos pirahãs sobre o começo do mundo e a própria origem explica até por que não usam passado ou futuro: “Tudo é o mesmo, as coisas sempre são.” Brasil – Almanaque de cultura popular. Ano 14. Nº 166. Fevereiro de 2013.

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2

Leia a canção a seguir e responda às questões propostas.

O Quereres Caetano Veloso Onde queres revólver, sou coqueiro E onde queres dinheiro, sou paixão Onde queres descanso, sou desejo E onde sou só desejo, queres não E onde não queres nada, nada falta E onde voas bem alto, eu sou o chão E onde pisas o chão, minha alma salta E ganha liberdade na amplidão Onde queres família, sou maluco E onde queres romântico, burguês Onde queres Leblon, sou Pernambuco E onde queres eunuco, garanhão Onde queres o sim e o não, talvez E onde vês, eu não vislumbro razão Onde o queres o lobo, eu sou o irmão E onde queres cowboy, eu sou chinês Ah! Bruta flor do querer Ah! Bruta flor, bruta flor Onde queres o ato, eu sou o espírito E onde queres ternura, eu sou tesão Onde queres o livre, decassílabo E onde buscas o anjo, sou mulher Onde queres prazer, sou o que dói E onde queres tortura, mansidão Onde queres um lar, revolução E onde queres bandido, sou herói Eu queria querer-te amar o amor Construir-nos dulcíssima prisão Encontrar a mais justa adequação Tudo métrica e rima e nunca dor Mas a vida é real e é de viés

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E vê só que cilada o amor me armou Eu te quero (e não queres) como sou Não te quero (e não queres) como és Ah! Bruta flor do querer Ah! Bruta flor, bruta flor Onde queres comício, flipper-vídeo E onde queres romance, rock’n roll Onde queres a lua, eu sou o sol E onde a pura natura, o inseticídio Onde queres mistério, eu sou a luz E onde queres um canto, o mundo inteiro Onde queres quaresma, fevereiro E onde queres coqueiro, eu sou obus O quereres e o estares sempre a fim Do que em mim é em mim tão desigual Faz-me querer-te bem, querer-te mal Bem a ti, mal ao quereres assim Infinitivamente pessoal E eu querendo querer-te sem ter fim E, querendo-te, aprender o total Do querer que há, e do que não há em mim Fonte: VELOSO, Caetano. O quereres. In: ______. Totalmente demais. Rio de Janeiro: Universal Music, 1986. Faixa 3.

a)

Qual o propósito comunicativo dessa canção?

b)

De acordo com o que vimos até agora, como se estabelece a relação semântica entre as palavras do texto?

c)

Você conhece outras canções em que a construção de sentido se assemelha a que foi utilizada nesta em análise?

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Para finalizar esse tópico, eis o que afirma Antunes (2005, p. 137) para você refletir sobre a importância das palavras e sua disposição no texto:

“Fica evidente, pois, que a função das palavras que aparecem em um texto não se resume apenas à dimensão daquilo que se pretende ‘dizer’; não é, portanto, somente uma questão de ‘significado’. As palavras de um texto cumprem, também, e de forma muito significativa, a função de indicar, de sinalizar as ligações que se quer estabelecer, para que o texto tenha a devida continuidade e unidade e, assim, possa funcionar como atividade verbal. Daí por que a escolha das palavras é de extrema importância para a qualidade do texto”.

A coesão pela conexão Leia o texto, reproduzido a seguir, e observe alguns termos que foram destacados. Você, agora, irá sistematizar conhecimentos que dizem respeito aos conectores – aqueles termos que são responsáveis pela conexão entre as diversas partes do texto.

Aulas enlatadas: para onde caminha a política educacional brasileira? Há décadas o mundo curvou-se ao prêt-à-porter, ao fast-food, à intensidade consumista e, assim, foi se acostumando com a rapidez com que o tudo pronto, o nem sempre necessário, o efêmero se impõem à nossa vida*. Enlatam-se frutas, sopas, carnes e tudo que couber em belas embalagens que, com a força de uma boa campanha publicitária, virarão dólares, mesmo com gosto pasteurizado ou sem sabor. Aulas não se podem enlatar. Ou podem? O Ministério da Educação anunciou nos últimos dias que comprará aulas semi-prontas, industrializadas, uma espécie de modelo tamanho único para ‘auxiliar’ pedagogicamente os professores. (Dilma convida professor norte-americano Salman Khan para parceria em projeto na educação básica, agência Brasil, 16/01/2013 – 19h10). As aulas do professor Khan foram muito bem compostas por sua finalidade inicial: auxiliar sua prima, que morava distante, a compreender matemática. Ambos dialogavam pela internet e, assim, neste processo de mediação, permeado pelo conhecimento recíproco e pela

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afetividade, foram compondo aprendizagens. Afinal, Khan deveria conhecer a sua prima para ensiná-la. Como afirma Snyders: para ensinar latim a João é preciso conhecer latim e conhecer João. A aula é uma prática social realizada numa condição historicamente situada, que envolve uma dinâmica de contextualizações e atualizações, que não se faz numa única direção de injetar conteúdos prontos; a aula se faz a partir de mediações e atribuição de sentidos e significados entre estudantes e professores. A aula não pode estar pronta antes do encontro professor-estudante, portanto, não pode vir enlatada. Transmitir conteúdo não representa dar aula. A aula é o meio utilizado pela escola para a formação de pessoas, é o momento em que, para aprender, é necessário que o estudante incorpore o conteúdo a seu nível de significado e a função do professor é de identificar diferenciados processos de compreensão, dúvidas, hipóteses dos estudantes, saberes envolvidos no ciclo ensinar/ apreender, colaborando para as possibilidades de articulações com outras aprendizagens. O professor começa a construir a aula com o aluno antes de encontrá-lo, mesmo na modalidade a distância. Sabemos qual a equação para a melhoria da qualidade da educação brasileira: boa formação de professores, condições dignas de trabalho, adequado ambiente escolar e capacidade de gestão democrática das equipes dirigentes. Medidas como essa em questão contrariam a luta histórica de educadores contra a importação de modelos educacionais e a favor de uma política educacional brasileira, comprometida com as nossas necessidades e possibilidades. Felizmente o professor Khan recusou o convite. No entanto, assusta-nos que nossas lideranças não tenham considerado questões fundamentais, pontuadas pelo convidado. Esse convidado apoiado em seu bom senso recusou o convite. Outros não recusarão. Alertemo-nos: a recusa não significa que Dilma mudou de ideia. Assim, permanece nossa tensão sobre a próxima fórmula mágica que se buscará para equivocar nossa educação! Quando parece que estamos avançando no campo da Educação retrocedemos com escolhas tão contraditórias. É frustrante! Fica a pergunta: para onde está caminhando a política educacional brasileira? *As autoras Maria Amélia Santoro Franco (Unisantos), Marineide Gomes (Unifesp/EFLCH), Cristina Pedroso (USP/FFCLRP) e Valéria  Belletatti (Instituto Federal de São Paulo) são doutoras em Educação e integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador (GEPEFE-FE) da USP. Fonte: . Acesso em: 21 mar. 2013.

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No texto, as palavras destacadas são alguns exemplos dos vários conectores que utilizamos para relacionar as diferentes partes do texto: palavras, orações, períodos, parágrafos, seções etc. Essas relações promovem a sequencialização dessas partes, ou seja, a coesão por conexão. As relações que esses conectores estabelecem no texto são de ordem vária (adição e confirmação: e, assim; gradação: mesmo; alternância: ou; conformidade: como; finalidade: para; conclusão: portanto; adversidade: no entanto; confirmação: assim; temporalidade: quando). Mas o que é um conector?

Conectores são elementos linguísticos cuja função é conectar (ligar, relacionar) orações ou partes do texto, promovendo entre elas relações de sentido variadas.

Sobre a função dos conectores, Antunes (2005, p. 144) destaca que é fundamental reconhecer: 

a função dos conectores como elementos de ligação de subpartes do texto (termos, orações, períodos, parágrafos ou blocos maiores de texto);



esses conectores como elementos indicadores de relações de sentido e de orientações argumentativas.

Seguem-se, no Quadro 2, para você melhor sistematizar esse conteúdo, os tipos de relações semânticas, os conectores responsáveis por essas relações e alguns exemplos de frases nas quais esse funcionamento pode ser mais claramente visualizado. RELAÇÃO SEMÂNTICA

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CONECTORES

EXEMPLOS

Adição

E, NEM, NÃO SÓ... MAS TAMBÉM, TANTO... COMO, ALÉM DE, ALÉM DISSO...

Lemos o livro e percebemos que o enredo não era tão bom. O livro não explorou bem o assunto nem a construção das personagens. A aula não só enfocou o assunto conectores mas também avaliou esse conteúdo.

Adversidade

MAS, E, PORÉM, TODAVIA, ENTRETANTO, NO ENTANTO, CONTUDO...

O Brasil é bom de futebol, mas tem ficado abaixo do esperado em jogos internacionais. O professor da rede pública trabalha muito e ganha pouco.

Alternância

OU ORA...ORA QUER...QUER

Todos os participantes da competição devem usar short verde ou azul. (inclusivo). Esse time vai competir? Ou sairá do campeonato? (exclusivo)

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PORQUE, COMO, POIS, UMA VEZ QUE, VISTO QUE, JÁ QUE...

O jogador perdeu o gol porque estava cansado demais Como os outros jogadores estavam desatentos, o treinador substituiu vários deles. Devemos ler sempre, pois a sociedade tem exigido cada vez mais isso.

Condição

SE, CASO, DESDE QUE, CONTANTO QUE, A MENOS QUE, SEM QUE, A NÃO SER QUE...

Se todos demonstrassem respeito pelo próximo, viveríamos num mundo melhor. Caso precisemos avaliar esse conteúdo, os alunos serão avisados. O professor explicará todo o conteúdo desde que os alunos desejem isso. A menos que nos impeçam, faremos o que for necessário para que a aula seja proveitosa.

Concessão

EMBORA, MESMO QUE, AINDA QUE, POSTO QUE, APESAR (DE) QUE, POR MAIS QUE...

Embora ninguém desejasse, o vendedor continuou oferecendo o produto aos clientes. A verdade sempre triunfará, mesmo que demore séculos para aparecer. Por mais que se esforçasse, não conseguia compreender aquele assunto.

Conclusão

PORTANTO, LOGO, POR CONSEGUINTE, POIS

A sociedade contemporânea tem exigido sujeitos informados. Portanto, estude e leia muito. Penso, logo existo. Estudei muito, por conseguinte, irei conseguir a aprovação nesse concurso.

Comparação

COMO, TANTO... COMO, TANTO... QUANTO, MAIS... DO QUE, TÃO... QUANTO...

O filme era triste como uma tragédia. Ela tanto fala quanto reclama. Ela estava bem mais agradável do que na festa da turma. Ele a conhece tão bem quanto nós.

Consecução

TÃO ...QUE, TANTO...QUE...

Ele estava tão apreensivo com a prova que não se recorda do assunto até hoje. Gritou tanto que ficou rouca.

Conformidade

CONFORME, SEGUNDO, COMO...

Não saíram da aula conforme o combinado na hora do intervalo. Segundo algumas previsões do tempo, irá chover hoje. Como se vê todos os dias nos meios de comunicação, a violência é recorrente.

Finalidade

PARA, A FIM DE, PARA QUE, A FIM DE QUE

Devemos estudar esse conteúdo para que saibamos usar devidamente os conectores. Procurei outros livros a fim de compreender melhor esse conteúdo.

Causa

À PROPORÇÃO QUE, À MEDIDA QUE, QUANTO ... MAIS...TANTO MAIS

Proporção

Temporalidade

QUANDO, ENQUANTO, MAL, ASSIM QUE, LOGO QUE...

As dificuldades diminuem à medida que compreendemos melhor o uso desses conectores. Quanto mais estudamos esse assunto, tanto mais queremos saber sobre ele. Os alunos ficam tensos à proporção que o dia da avaliação se aproxima. Quando os alunos começaram a questionar o conteúdo, o professor ficou mais atento. O aluno fez a atividade enquanto o professor revisava outras atividades. Mal começou a trabalhar, as dificuldades foram surgindo.

Quadro 2 – Quadro-síntese dos tipos de relações semânticas e seus conectores Fonte: Neves (2000); Vilela e Koch (2001).

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Lembre-se de que o uso adequado dos elementos coesivos é fundamental para a construção de textos coesos e bem articulados, pois a inadequação de um conector pode comprometer as conexões e a sequência bem marcada entre as partes do texto. Neste outro quadro-síntese (Quadro 3), apresentado a seguir, você verá alguns organizadores ou marcadores textuais que, segundo Antunes (2010, p. 137) têm a função “de instaurar e indicar a ordenação dos diferentes segmentos do texto”. Marcadores/organizadores textuais

Valores semânticos

em primeiro lugar, primeiramente, notadamente, antes de mais nada, antes de tudo, acima de tudo, em particular, principalmente, sobretudo, primordialmente, prioritariamente;

prioridade ou relevância

em cima, acima, abaixo, adiante, na base, mais acima, em um segundo nível;

distribuição espacial

assim, desse modo, dessa forma, dessa maneira; isto é, quer dizer, a saber, por exemplo, pois, que;

confirmação, ilustração, justificação

quanto a, em relação a, no que concerne a, a propósito;

abertura ou mudança de tópico

isto é, ou seja, quer dizer, por exemplo;

Exemplificação

ou, ou melhor, ou antes, dito de outro modo, em outras palavras, mais precisamente;

reformulação, precisão, correção ou retificação do que foi dito antes

de fato, na verdade, na realidade, com efeito, efetivamente, afinal, com certeza;

confirmação, admissão

mesmo, até, até mesmo, no máximo (situam no topo da escala); ao menos, pelo menos, no mínimo, (situam no plano mais baixo da escala);

gradação

de modo que, de maneira que, de sorte que, de forma que, a tal ponto que, por conseguinte, por isso, consequentemente, em consequência disso, daí, em decorrência disso, com isso, tanto (assim) que (é possível um cruzamento semântico entre as relações de consequência, de causa e de conclusão);

consequência

provavelmente, talvez, quem sabe, será que;

eventualidade

conforme, segundo, consoante, de acordo com, como;

aceitação, conformidade

se, caso, a menos que, salvo se, exceto se, a não ser que, contanto que, desde que, sem que (é sinônimo de “se não”), (a preposição ‘sem’ seguida de um infinitivo tem valor de condicional negativo);

condicionalidade, formulação de hipótese,

por esta categoria pode-se indicar: tempo anterior (antes que, primeiro que, desde que); tempo posterior (depois, a seguir, após, em seguida, daqui a pouco, mais tarde, até que); tempo imediatamente posterior (logo que, mal, apenas, nem bem); tempo simultâneo (quando, enquanto, ao mesmo tempo em que, durante o tempo em que); tempo proporcional (à medida que, à proporção que, enquanto); tempo inicial (logo que, assim que, desde que, desde quando, mal, apenas); tempo terminal (até que, até quando); tempo pontual (agora, hoje, agora que, hoje que, atualmente, nesse momento); ações reiteradas (cada vez que, toda vez que, sempre que); ações frequentes (às vezes, por vezes, de vez em quando, com frequência, frequentemente, habitualmente, assiduamente, regularmente, normalmente, sempre); ações raras (raras vezes, nem sempre, uma vez ou outra, poucas vezes); ações casuais (esporadicamente, eventualmente, casualmente, por acaso); ações pontuais (agora, já, nesse instante); ações durativas (enquanto, todo o dia, o mês inteiro, a tarde toda).

temporalidade

Quadro 3 – Quadro-síntese com organizadores ou marcadores textuais Fonte: Antunes (2010, p. 138-140).

184

Aula 8

Leitura e Produção de Textos I

Atividade

1

2

No texto reproduzido a seguir, os conectores e marcadores/ organizadores textuais foram suprimidos. Analise a natureza da relação semântica que deverá ser estabelecida em cada caso e selecione, no quadro a seguir, o conector adequado. Atente para o fato de que, em mais de uma passagem, um mesmo conector pode repetir-se. Assim – Nem – Para – Mas – Ou seja – E – Ou – Quando

Doe sangue – ou espaço em seu blog – e ajude a salvar vidas pelo mundo Marina Maciel 28 de março de 2013 Esta é ______você que sempre quis ajudar os outros _______ não sabe como não consegue encontrar espaço na agenda: doando apenas 30 minutos do seu tempo e um pouco de sangue – mais precisamente 450 ml – uma vez a cada dois ou três meses (para homens e mulheres, respectivamente), você pode ajudar a  salvar a vida  de milhões de pessoas que precisam diariamente de transfusões. Doar sangue  não dói e a quantidade não faz falta para o doador, ______ conseguir convencer as pessoas a doarem é uma das maiores dificuldades da área de saúde no mundo. Todos sabem que muita gente –  entre eles, vítimas de acidentes, mães com complicações durante o parto ou a gravidez, crianças anêmicas e pacientes com câncer – depende de doações de sangue, ________, para se ter ideia da dimensão do problema, apenas 1,9% do sociedade brasileira é doadora regular – enquanto a recomendação da OMS – Organização Mundial da Saúde é que 5% da população doe sangue anualmente. No Brasil, a cada dois minutos é necessária uma transfusão. __________ reverter essa situação – ________ evitar que os bancos de sangue fiquem cheios em janeiro, mas vazios em julho, por exemplo –, a Cruz Vermelha PE criou a campanha #doeexemplo, em parceria com a agência Arcos Brasil. Além de divulgar a rede permanente de doadores Clube 25, a instituição convida blogueiros a inserir uma animação em seu site. ______, todo vídeo postado no blog é

Aula 8

Leitura e Produção de Textos I

185

acompanhado por uma bolsa de sangue que se esvazia a medida que o é assistido. ________, o vídeo só roda completamente ________acaba o sangue da bolsa ________, quando isso acontece, aparecem os dizeres: “Deixe a vida acontecer. Doe sangue”. O objetivo da campanha é aumentar o número de doadores de sangue jovens para abastecer hemocentros do mundo todo regularmente durante o ano. O Clube 25 está disponível nos idiomas português, inglês e espanhol e somente pessoas de 18 a 25 anos podem ser sócios. Para aqueles que têm memória curta, o próprio clube lembra os sócios quando eles devem doar sangue novamente. Basta preencher o formulário supersimples do aplicativo para se associar. Depois de enviado, um agente da Cruz Vermelha entrará em contato. Rápido e indolor, como a doação! Tem um blog? Que tal aderir à causa? Caso você não tenha _______blog, _______site, dá para participar dessa divulgação pelas redes sociais – Twitter e Facebook –, usando a hashtag #doeexemplo. Fonte: Texto adaptado para fins didáticos. . Acesso em: 12 abr. 2013.

2

Baseando-se no exemplo a seguir, utilize-se de conectores para articular as orações de cada bloco em um só período. Atente para os ajustes (coesivos e morfossintáticos) necessários, bem como para a relação semântica especificada em cada caso. Exemplo: 

O controle da inflação imprimiu no Brasil um clima de otimismo. (ideia principal).



O controle da inflação enfrentou muita oposição (adversidade/ concessão em relação à ideia principal).



186

Aula 8

O controle da inflação imprimiu no Brasil um ritmo econômico acelerado. (adição em relação à ideia principal).

Leitura e Produção de Textos I

Algumas possibilidades de articulação das orações do exemplo:

1)

Embora tenha enfrentado muita oposição, o controle da inflação imprimiu no Brasil um clima de otimismo e um ritmo econômico acelerado.

2)

O controle da inflação não só imprimiu no Brasil um clima de otimismo, mas também um ritmo econômico acelerado, apesar de ter enfrentado muita oposição.

3)

O controle da inflação, mesmo tendo enfrentado muita oposição, imprimiu no Brasil um clima de otimismo como também um ritmo econômico acelerado.

Bloco 1

a)

As diferenças entre as regiões brasileiras permanecem brutais, segundo dados do IBGE. (ideia principal)

b)

Todas as regiões brasileiras têm registrado, nos últimos dez anos, melhorias na qualidade de vida. (oposição em relação à ideia principal)

c)

A economia do país está relativamente equilibrada. (adição em relação à oposição)

d)

Há necessidade de políticas de combate às diferenças socioeconômicas entre as regiões. (conclusão em relação à ideia principal)

Bloco 2

a)

Os insetos noturnos voam em uma determinada direção em relação à lua. (ideia principal)

b)

Os insetos noturnos buscam alimento. (tempo em relação à ideia principal)

c)

Os insetos noturnos retornam a seu habitat. (finalidade em relação à ideia principal)

Aula 8

Leitura e Produção de Textos I

187

Bloco 3

a)

Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, costuma dizer que o segredo de uma boa canção não é a letra. (ideia principal)

b)

Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, costuma dizer que o segredo de uma boa canção não é a melodia. (adição em relação à ideia principal)

c)

Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, costuma dizer que o segredo de uma boa canção é a força pulsante do arranjo. (adversidade em relação à ideia principal)

Bloco 4

a)

Nós estamos sujeitos à apneia (interrupções da respiração durante o sono). (ideia principal)

b)

Nós ficamos mais velhos. (ideia de tempo em relação à principal)

c)

A taxa de oxigênio no sangue diminui. (ideia de causa em relação à principal)

d)

Nós acordamos involuntariamente. (ideia de adição em relação à de causa)

e)

Nós respiramos. (ideia de finalidade em relação à adição).

Bloco 5

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Aula 8

a)

O território brasileiro apresenta características menos favoráveis à proliferação do vírus da gripe aviária. (ideia principal)

b)

Os países europeus e asiáticos apresentam características mais favoráveis à proliferação do vírus da gripe aviária. (comparação em relação à ideia principal)

c)

O vírus da gripe aviária é muito sensível à radiação solar, que reduz suas chances de sobrevivência. (causa em relação à ideia principal)

Leitura e Produção de Textos I

Resumo Nesta aula, você sistematizou conhecimentos sobre a coesão textual. Foram apresentadas as relações semânticas que a coesão estabelece nos textos. Por último, você observou quadros-síntese de alguns elementos coesivos e de valores semânticos por eles construídos. Esperamos que com as atividades apresentadas o conteúdo tenha ficado mais claro. Sugerimos que você consulte gramáticas, manuais ou livros de Linguística textual para melhor sistematização de tudo que você estudou nesta aula.

Autoavaliação 1

Leia o texto a seguir e o analise considerando: 

a intenção comunicativa;



a seleção lexical em relação ao tema e à intenção comunicativa.

2

Circule os conectores, identifique as partes (segmentos) do texto que eles inter-relacionam e especifique a relação semântica estabelecida em cada caso.

3

Sublinhe os marcadores/organizadores textuais, caso existam, e especifique os valores semânticos por eles construídos.

Aula 8

Leitura e Produção de Textos I

189

CARTA AO LEITOR Propriedade privada Há várias maneiras de um substantivo comum virar nome próprio. Muitos sobrenomes, por exemplo, são criados dessa forma. Do mesmo modo, há nomes próprios que se tornam comuns. O gramático Evanildo Bechara, que nesta edição, assina artigo sobre o acordo ortográfico, já escreveu que vários personagens históricos, artísticos, esportivos e literários desgastam o valor individualizante do próprio nome, pagando tributo à fama. Daí aprendemos a ver no “Judas” não só o apóstolo que traiu Jesus, mas a encarnação de todo traidor, do amigo falso, do judas. Essas são transformações processadas nas entranhas da língua. Sua difusão e intensidade são tais que se fixam no repertório da população. Algo muito diferente ocorre com a tendência noticiada nesta edição por Carmen Guerreiro, a de que empresas e entidades privadas tentam registram em seu nome palavras de uso corrente entre a população, como “seleção”, “pagode” e “bota-fora”. Essa privatização do nosso vocabulário causa espanto, pois não se trata de litígio sobre um direito autoral, um domínio na internet ou uma propriedade industrial, mas o direito de uso de algo que é patrimônio coletivo e constitui a própria vida brasileira. Há empresários e juízes que não pensam assim. E expressam no varejo uma chaga que, no atacado, nos aflige há um bom tempo: a gradativa atomização da vida, com o consequente autoisolamento humano. Quando substituímos o diálogo pela proteção jurídica atestamos a falência da ética, do convívio com a civilidade. Quando queremos obter vantagem com o que é de todos, apostamos na intolerância, na corrupção, na malícia criminosa como critério de conduta. Seria engraçado, afinal, pagar royalties a neoliberais toda vez que usássemos a expressão “livre mercado” ou a marxistas e anarquistas quando escrevêssemos “revolução”. Seria risível, pois trágico. Porque casos como o do registro privado de palavras públicas minam o idioma no varejo. No atacado, a vítima é a liberdade. Luiz Costa Pereira Júnior, editor. Revista Língua Portuguesa. Ano 8. Nº 89. Março de 2013.

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Aula 8

Leitura e Produção de Textos I

Referências ADAM, J. M. A linguística textual: introdução à analise textual dos discursos. São Paulo: Cortez, 2008. ALMEIDA, Marcus Vinicius Brotto de. As estratégias de construção da coesão em textos de alunos. Disponível em:. Acesso em: 12 abr. 2013. ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. ______. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ______. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. ______. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. BRANDÃO, T. Texto argumentativo: crítica e cidadania. Pelotas: L.M.P. Rodrigues, 2001. KOCH, Ingedore Villaça. Argumentação e linguagem. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2000. NEVES, M. H. de M. Gramática de usos do português. São Paulo: Ed. da UNESP, 2000. VILELA, M.; KOCH, I. V. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 2001.

Aula 8

Leitura e Produção de Textos I

191

Anotações

192

Aula 8

Leitura e Produção de Textos I

Coerência textual e os sentidos do texto

Aula

9

Apresentação

N

esta aula, você começará a estudar a coerência textual, distinguindo, primeiramente, suas relações com a coesão textual para, em seguida, delinear a coerência e os elementos que concorrem para a sua consolidação no texto. Como forma de organização, será dividida em quatro tópicos: o primeiro tratará das distinções e semelhanças entre coesão e coerência; o segundo, sobre a ocorrência de textos que não demandem recursos de coesão e de coerência ao mesmo tempo; o terceiro tratará da noção de sentido, essencial para o estudo da coesão, enquanto o último abordará os aspectos não verbais que concorrem para a construção dos sentidos do texto.

Objetivos 1

2

Distinguir coesão e coerência e, ao mesmo tempo, entender a interdependência que se estabelece entre ambas. Identificar a noção de sentido de um texto como uma atitude que começa no projeto de dizer do autor e se conclui na leitura do leitor e na ativação dos conhecimentos necessários.

3

Verificar que a coerência ultrapassa os elementos linguísticos, abrangendo os aspectos não verbais do enunciado.

4

Reconhecer que é possível existir textos coesos, mas incoerentes e textos coerentes, mas sem elementos coesivos.

A coesão e a coerência

N

as aulas anteriores, você viu que para o texto estar coeso, é necessária uma organização complexa, constituída por retomadas, associações e conexões de partes do texto (termos, orações, períodos, parágrafos ou blocos maiores de enunciados). A coesão, portanto, garante a continuidade dos textos, principalmente em relação à forma: sintaticamente, as partes do texto são articuladas entre si, encadeadas e organizadas de acordo com a ordem estabelecida pelo autor, sendo possível identificar, também, as relações semânticas (oposição, comparação, conformidade etc.) que são estabelecidas entre suas partes. Na maior parte das ocasiões, o estudo da coesão é seguido pelo estudo da coerência textual, como faremos neste curso. A razão dessa sequência didática é simples: bem como a coesão, a coerência também se ocupa da organização e da continuidade dos textos, mas possui um ângulo de observação distinto. Segundo Marcuschi (2008), a coesão se configuraria como uma continuidade baseada na forma, enquanto a coerência, tratando também da continuidade, seria embasada no sentido. Nesta aula e na próxima, você entenderá mais sobre os limites entre coesão e coerência e, principalmente, sobre as particularidades da coerência textual e de suas metarregras, apresentadas por Irandé Antunes (2005) a partir de Charroles (1998). Segundo Fiorin (1998), a coerência é a unidade de sentido, conquistada a partir das relações semânticas que se estabelecem entre as partes do texto. Essa definição, que, a príncipio, é muito semelhante com a definição de coesão textual, pode ser entendida melhor se forem entendidas as reais relações entre coesão e coerência. Antunes (2010) consegue sintetizar a questão em poucas palavras, por isso, convém citá-la na íntegra: A íntima ligação entre coesão e coerência decorre do fato de ambas estarem a serviço do caráter semântico do texto, de sua relevância comunicativa e interacional. Daí, a natural dificuldade de se separar coesão e coerência. A primeira está em função da segunda. Uma provê a outra, pois o que está na superfície (sonora ou gráfica) do texto (a coesão) está para possibilitar a expressão de um sentido, a construção de uma ação de linguagem (a coerência). Não se pode separar forma do sentido; mais especificamente, não se pode isolar a coesão da coerência (ANTUNES, 2010, p. 117).

Aula 9

Leitura e Produção de Textos I

197

Leitura complementar FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Editora Ática, 2001. Indicamos que você estude as lições 24 e 25, que abordam a coesão e a coerência textual sob outro ponto de vista, oferecendo exemplo e análises adicionais.

Coesão e coerência andam sempre juntas? A coesão e a coerência são essenciais para a grande maioria dos textos. Diz-se que não existem limites fixos entre elas, pois um texto coeso seria, por consequência, coerente. No entanto, existem textos que são coesos, mas não possuem a mínima coerência e outros que são coerentes, mesmo não tendo uma coesão textual definida. Veja, por exemplo, o texto a seguir (criado pelas professoras):

Para cuidar de uma horta não é necessário fazer muito esforço, basta seguir alguns passos. Primeiro, prefira escolher “números da sorte” ao apostar em loterias; em seguida, lave suas roupas separadamente e seque-as somente na sombra, pois o sol danifica alguns tecidos mais delicados. Por último, fique sempre atento ao fato de que só vemos um lado da lua e que, por isso, o cuscuz é feito de milho, e não de arroz.

Após ler apenas a primeira oração, espera-se que o restante do enunciado liste somente instruções que tenham como finalidade (observem o conector “para”, na primeira linha), ou objetivo, cuidar de uma horta. Para espanto geral, as orientações seguintes não fazem o menor sentido, ou seja, não expressam nenhuma ação que possamos atribuir ao cuidado de uma plantação. No entanto, perceba que, estruturalmente, o texto está bem organizado: os conectores foram bem empregados, não existem orações truncadas ou mal articuladas. As ideias, inclusive, seguem uma ordenação a partir do uso dos termos “Primeiro”, “em seguida” e “por último”. Caso as instruções fossem pertinentes ao cultivo e manutenção de uma horta, não haveria nenhum outro problema no enunciado analisado.

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Aula 9

Leitura e Produção de Textos I

Pode-se afirmar que, no exemplo dado, existe uma boa articulação sintática, o que sugere a coesão. No entanto, sabemos, pela nossa experiência pessoal, que apostar na loteria, lavar roupas e identificar a face da lua – ou a composição do cuscuz – são ações que não nos conduzem ao objetivo pretendido inicialmente pelo autor. Por isso, não se encontra sentido para esse texto. Por outro lado, observe a Figura 1 a seguir.

Figura 1 – Cartaz para divulgação de festa de fim de ano Fonte: <www.blogdocapote.blogspot.com.br>. Acesso em: 2 jan. 2013.

Nesse caso, não há dúvidas de que o texto é coerente. Você pode entender o propósito comunicativo do autor, que é divulgar uma determinada festa, informando quais bandas estarão presentes, o local, a data e horário da festa e o agente responsável pela realização do evento (a prefeitura da cidade). Não há elementos de coesão por retomada ou por conexão, mas isso não compromete a compreensão, pois já reconhecemos o gênero cartaz e sabemos que, nesse caso, basta que as informações principais sejam organizadas visualmente.

Atividade

1

Na sua opinião, o poema a seguir é coeso e coerente? Justifique sua resposta.

Aula 9

O poema foi analisado detalhadamente em Antunes (2005, p. 174-176 – ver referência no final da aula). Seria interessante, após responder à atividade, buscar o texto da autora para conferir a análise e aprender mais!

Leitura e Produção de Textos I

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Subi a porta e fechei a escada. Tirei minhas orações e recitei meus sapatos. Desliguei a cama e deitei-me na luz. Tudo porque ele me deu um beijo de boa noite. (Autor anônimo)

A coerência e o “fazer sentido” Entendendo que ambas trabalham conjuntamente para construir os sentidos do texto, convém se perguntar o que é realmente “fazer sentido”. Algo essencial para a coerência, o sentido é, primeiramente, a compreensão esperada ainda pelo autor do texto. Segundo Bakhtin (2003), antes de iniciar qualquer enunciado, o autor tem em mente um “projeto de dizer”: uma intenção comunicativa e um conteúdo temático específicos. Na atividade de produção, o autor revela ou deixa pistas sobre o conhecimento necessário para a compreensão. A busca pelo sentido evoca, na maioria das vezes, conhecimentos prévios validados pela nossa experiência, pela lógica, pela razão, pela religião, pela ciência, pela cultura etc. Em suma, tudo o que se lê, ouve ou vive no passado ajuda a encontrar sentidos, ou caminhos de interpretação, para o que se lê, ouve ou vive no presente e no devir, como na Figura 2.

Figura 2 – Publicidades veiculadas por empresa de hortifrutigranjeiros Fonte: <www.hortifruti.com.br/campanhas/Hollywood>. Acesso em: 15 out. 2011.

200

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Leitura e Produção de Textos I

Os dois anúncios publicitários, da empresa Hortifruti, fazem trocadilhos interessantes com filmes bastante conhecidos. No primeiro, é possível reconhecer a produção brasileira Tropa de Elite pelas cores e formatos das letras e pela boina preta sobre o tomate. O slogan, ainda, evoca um bordão que ganhou fama a partir do filme: “pede pra sair”.

Saiba mais

Tropa de Elite Dirigido por José Padilha, “Tropa de Elite” narra o dia a dia de um grupo de policiais do Bope e de seu líder, Capitão Nascimento, personagem que ganhou fama nacional na interpretação de Wagner Moura.

A Hortifruti é uma rede distribuidora de produtos hortifrutigranjeiros e atua principalmente na região Sudeste. Apesar de comercializar produtos que, normalmente, não possuem (ou não necessitam de) muita visibilidade no mercado de consumo, a empresa decidiu investir em peças publicitárias para consolidar sua marca no ramo. Dessa ideia surgiram diversas campanhas publicitárias, nas quais sempre algum produto é associado, de forma divertida, a filmes, novelas, músicas, entre outros.

O segundo, ainda mais criativo, dialogou com um dos filmes da série 007, O espião que me amava. Nesse caso, além do trocadilho com “espigão”, temos a clássica mira circular (que imita o obturador de uma câmera fotográfica), feita com palha de milho, além da gravata borboleta, ícone de estilo da personagem James Bond. O slogan também remete à elegância do espião e de suas atribuições. O anúncio publicitário, bem como uma gama de outros gêneros textuais, é propício ao humor e à criatividade, meios de ganhar a simpatia do leitor. No entanto, nos casos citados, se o leitor não possuir o conhecimento necessário, sua leitura passará ao largo das intenções pretendidas pelo autor. Portanto, o sentido vai mais além do que somente a compreensão planejada pelo autor. Para Antunes (2005), “um texto é coerente (ou bem formado), para um determinado sujeito, numa determinada situação”. Igualmente, não se pode afirmar que somente o sentido planejado pelo autor será recuperado: uma vez que cada pessoa vivencia experiências diferentes em contextos diferentes, não se pode assegurar que todas façam exatamente o mesmo percurso de compreensão. Por vezes, esse percurso leva a incompreensões, por vezes a novos sentidos igualmente válidos.

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007, O espião que me amava Lançado em 1977 e com direção de Lewis Gilbert, “O espião que me amava” é o décimo filme da série 007, que atualmente conta com 23 filmes (o último estreou nos cinemas em 2012). A coleção de filmes e livros consagrou a personagem James Bond, contracenada, até hoje, por diversos atores.

Novos sentidos Essa multiplicidade de sentidos pode ser verificada no estudo do texto poético: cada leitor pode depreender um sentido diferente e, mesmo assim, estar dentro das possibilidades do texto. É possível, até, supor que muitas dessas compreensões autorizadas não tenham sido sequer imaginadas pelo poeta!

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Saiba mais Na literatura brasileira, João Guimarães Rosa é um dos autores que mais desperta admiração pela sua prosa e poesia tão bem articuladas que alguns críticos chamam sua obra de “proesia”. No entanto, é conhecida a má-fama do autor entre alunos do Ensino Médio, que o consideram difícil de ler, ou mesmo “sem sentido”. Muito dessa aversão vem, certamente, pela imposição da leitura, algo que bem poderia ser vetado em muitas escolas. No entanto, a outra parte da aversão parece surgir da não familiaridade com a linguagem do autor. Leia, a seguir, o conto do autor, “Fita verde no cabelo”.

Fita verde no cabelo Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos em juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo. Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas. Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela mesma, era quem se dizia: — “Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou”. A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são. E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeiinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejadamente.

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Demorou, para dar com avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu: — “Quem é?” — “Sou eu…” — e Fita-Verde descansou a voz. — “Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou.” Vai, a vovó, difícil, disse: — “Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe.” Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou. A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: — “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.” Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou: — “Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!” — É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta…” — a avó murmurou. — “Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!” — É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta…” — a avó suspirou. — “Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido!” — “É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha…” — a avó ainda gemeu. Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. Gritou: — “Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!…” Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo. (ROSA, Guimarães – Fita verde no cabelo)

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A beleza do conto de Guimarães Rosa é construída, primeiramente, pela intertextualidade com “Chapeuzinho Vermelho”, história infantil muito conhecida, mas com um tom de tristeza e realidade, presente na morte da vovozinha, morte factual, sem lobo e sem caçador que a redima. Por outro lado, a estranheza sintática que o texto de Rosa apresenta pode ser, por vezes, um empecilho para o leitor, como no trecho: “todos em juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto”. Embora muitos alunos o julguem “sem sentido”, as estruturas lexicais, as palavras reinventadas e os outros recursos utilizados pelo autor refletem, entre outras coisas, a oralidade própria do homem do interior, do cangaceiro, do jagunço, do homem simples, mas de uma forma poética, na qual as palavras, expressões e ideias vão sendo trabalhadas com cuidado. Para o leitor habituado com o estilo de um autor, é mais fácil recuperar os sentidos do texto. De toda forma, possuir o conhecimento prévio, em qualquer evento de leitura e escrita, é fundamental.

Os elementos não verbais e a coerência Enquanto o enfoque da coesão recai sobre o texto escrito, para a coerência, os aspectos não verbais (sons, imagens, cores, formas) e o contexto de produção e de circulação do texto também são fundamentais para a análise, pois validam a leitura, ajudando a construir o sentido. Por isso, é importante atentar para tudo, como mostra a Figura 3 a seguir.

Figura 3 – Aviso afixado no estacionamento de um ponto comercial Fonte: . Acesso em: 28 dez. 2012.

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Aparentemente, não há nada de errado nessa placa, mas, recorrendo à nossa experiência, identifica-se uma inadequação: limitar uma permanência máxima para o cliente permanecer no estacionamento, e, por consequência, na loja, é totalmente incoerente! Então, se o cliente estiver finalizando a compra de uma geladeira e a meia hora prevista se cumprir, ele será convidado a ir embora e deixar o produto para trás? No fundo, você pode entender que o proprietário do estabelecimento deseja coibir situações em que o cliente efetua uma pequena compra e aproveita a oportunidade para deixar o carro no estacionamento durante todo o dia. Mas, para todos os efeitos, a placa é incoerente por não ter cumprido o propósito real de seu autor, de somente autorizar o estacionamento de clientes que estejam, efetivamente, durante as compras. Enfim, se todo o trabalho de compreensão ficasse restrito apenas aos componentes linguísticos do texto, uma grande diversidade de sentidos permaneceria esquecida. Segundo Casado Alves (2008, p. 4), é necessário “compreender que a imagem ou qualquer outra linguagem quanto se apresenta nos textos [...] não são apenas apêndices, ilustrações ou enfeites, mas são partes dele e, portanto, merecem ser considerados e lidos tanto quanto a palavra”. Fazendo uma ponte com a leitura e a compreensão do texto na escola, não somente em relação à coerência, é preciso cuidado e gestão para que o aluno entenda que a construção dos sentidos do texto não é um processo engessado e que depende da subjetividade de cada um construir uma compreensão que seja autorizada pelo texto lido. Segundo Costa (2005), exatamente pelo caráter afetivo e ambíguo das imagens “seu uso na educação envolve informação, conhecimento, preparo e gestão, como deveria ser com todas as atividades educativas” (COSTA, 2005, p. 37). Obviamente, não se trata da escola ensinar aos alunos atividades primárias como aprender a desenhar ou a reconhecer grupos de cores, mas sim de atentar para as particularidades do visual entrelaçado ao verbal, percebendo o que foi dito, como e, principalmente, o porquê.

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Atividade

2

A empresa Unilever, fabricante do desodorante AXE, lançou, no ano de 2011, a publicidade a seguir, que integra uma série de publicidades com o mesmo slogan: Até os anjos cairão. Com base no seu conhecimento de mundo, opine: o que a publicidade “quer dizer”? Descreva quais conhecimentos pessoais você utilizou para compreender o enunciado.

Fonte: <www.ypsilon2.com.br>. Acesso em: 8 jan. 2013.

Resumo Nesta aula, você leu que a coesão e a coerência visam, conjuntamente, a continuidade e a organização do texto. Embora cada uma enfoque dimensões distintas, os limites entre coesão e coerência são muito tênues. Compreendeu, ainda, a noção de sentido e a importância dos elementos extralinguísticos para a construção dos sentidos do texto. Na próxima aula, continuaremos estudando a coerência textual, mas, dessa vez, trabalharemos com as quatro metarregras da coerência, estabelecidas por Charroles e apresentadas por Irandé Antunes.

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Autoavaliação 1

2

3

Refletindo sobre os conteúdos estudados nesta aula, como o seu entendimento sobre a coerência textual foi ampliado? Foi possível distinguir a coesão e a coerência compreendendo que entre as duas existe uma forte interdependência? Em uma revista ou jornal, selecione uma publicidade ou charge e leia com atenção. Você conseguiu compreender? Precisou recorrer a conhecimentos ou informações externas ao texto para entendê-lo? Descreva detalhadamente os passos que você seguiu para recuperar a coerência do texto e quais elementos (texto verbal, imagens, contexto) foram essenciais nesse processo. Localize e explique, em cada uma das fotos a seguir, retiradas do blog Kibeloco, a incoerência presente, dando, se possível, sugestões de como solucionar o problema. Texto A

Kibeloco O blog de humor Kibeloco divulga, periodicamente, a seção “Pracas do Braziu”, que reúne “flagrantes”: fotos enviadas por internautas de todo país que apresentam erros diversos de ortografia, sintaxe, concordância ou incoerências.

Texto B

Fonte: . Acesso em: 28 dez. 2012.

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Referências ANTUNES, I. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ______. Análise de textos: fundamentos e práticas. São: Parábola Editorial, 2010. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (coleção biblioteca universal). CASADO ALVES, M. P. C. O letramento visual no livro didático de língua portuguesa: gêneros discursivos e multimodalidade. In: SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO E LEITURA, 5., 2008, Natal. Anais... Natal: UFRN, 2008. COSTA, C. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005. FIORIN, J. L. Teorias do texto e ensino: a coerência. In: VALENTE, A. (Org.). Língua, lingüística e literatura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Editora Ática, 2001. MARCUSCHI, L. A. Produção textual: análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

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Anotações

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Anotações

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A coerência: compreendendo as metarregras

Aula

10

Apresentação

N

esta aula, você dará continuidade aos estudos da coerência textual, estudando as quatro metarregras da coerência. Essas concepções estão amparadas teoricamente por Antunes (2005, 2010), que apresenta as metarregras originalmente estabelecidas por Charroles (1988). Para organizar o conteúdo, a primeira seção tratará da introdução à noção de metarregra, enquanto as demais tratarão das metarregras em si. Para aprofundamento do tema, recomendamos pesquisar as leituras complementares indicadas.

Objetivos 1

2

Reconhecer as metarregras da repetição, da progressão, da não contradição e da relação, discernindo suas características principais. Analisar textos selecionados, julgando-os coerentes ou não, com base no conhecimento das metarregras estudadas.

As metarregras da coerência

S

egundo Irandé Antunes (2005), essas regras regulam a forma como são organizadas as cadeias textuais, não somente incidindo sobre os componentes linguísticos (alvo principal da coesão), mas também sobre o nível pragmático, abrangendo “todos os elementos que entraram na produção e na circulação do texto” (p.182), como o suporte, o gênero, a intenção comunicativa do autor, as imagens, o público-alvo, o conhecimento prévio exigido, a experiência do leitor etc. Ainda para a autora, a coerência (e incoerência) de um texto pode ser verificada tanto na microestrutura, ou seja, no âmbito local, pontuado, quanto na macroestrutura, na dimensão global do texto. Antes de apresentar as metarregras, contudo, é importante frisar que, embora sejam “regras básicas” que o texto deve seguir para atingir a coerência, isso não significa que todas precisem ser seguidas fielmente, ao mesmo tempo. Lembrando: o que define a coerência ou incoerência de um enunciado é o projeto de dizer (BAKHTIN, 2003) de seu autor. Portanto, se a sua intenção for produzir uma publicidade que contenha apenas adjetivos, sem qualquer elemento coesivo – e se essa for uma escolha consciente, que reverterá para a intenção comunicativa do autor, e se o sentido pretendido for recuperável – o texto será coerente. Mesmo se apenas uma metarregra for obedecida, ainda assim, será possível encontrar a coerência. Feitas as ressalvas, hora de entender as regras do jogo.

Metarregra da repetição

Macroestrutura Por vezes, a incoerência (ou qualquer outra inadequação linguística) se encontra apenas em um trecho pequeno, o que, não chega a prejudicar o todo texto. Por vezes, essas incoerências locais afetam o sentido global. A incoerência microestrutural afeta a escolha das palavras e as relações entre elas e, ainda, as relações entre frases próximas. Já a incoerência macroestrutural incide sobre sequências maiores do texto, como parágrafos, seções, capítulos ou mesmo o texto inteiro.

Para que um texto seja (microestruturalmente ou macroestruturalmente) coerente, é preciso que ele comporte em seu desenvolvimento linear elementos de estrita recorrência.

Esta metarregra e a seguinte reforçam a noção de que a coesão e a coerência não possuem limites fixos entre si, que as duas se interpenetram. Veja bem: na Aula 9, que tratou da coesão por reiteração, explicou-se que os elementos retomadores, segundo Antunes (2005), possuem a função de “retornar” ao que foi dito anteriormente, referindo um elemento (palavras, frases, ideias), repetindo-o ao pé da letra ou substituindo-o por outros elementos similares. Para a autora, “uma das diferenças entre um texto e um amontoado de frases soltas está exatamente no fato de o texto apresentar esse caráter reiterativo ou essas voltas a elementos que já apareceram” (ANTUNES, 2005, p. 71). Se um texto que possui retomadas produtivas para a sua organização é considerado bem sucedido segundo o estudo da coesão, o mesmo acontece com a coerência, de acordo com a metarregra da repetição. Assim, dizer que o texto precisa comportar, em seu desenvolvimento, elementos de estrita recorrência

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equivale a dizer que ele precisa comportar elementos retomadores e que, claro, essas retomadas sejam feitas adequadamente. Nesse ponto, a coesão e a coerência exigem o mesmo requisito. Na dúvida sobre o caráter essencial das recorrências, observe o conto a seguir.

Para que ninguém a quisesse Porque os homens olhavam demais para a sua mulher, mandou que descesse a bainha dos vestidos e parasse de se pintar. Apesar disso, sua beleza chamava a atenção, e ele foi obrigado a exigir que eliminasse os decotes, jogasse fora os sapatos de saltos altos. Dos armários tirou as roupas de seda, da gaveta tirou todas as jóias. E vendo que, ainda assim, um ou outro olhar viril se acendia à passagem dela, pegou a tesoura e tosquiou-lhe os longos cabelos. Agora podia viver descansado. Ninguém a olhava duas vezes, homem nenhum se interessava por ela. Esquiva como um gato, não mais atravessava praças. E evitava sair. Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se dela, permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos, mimetizada com os móveis e as sombras. Uma fina saudade, porém, começou a alinhavar-se em seus dias. Não saudade da mulher. Mas do desejo inflamado que tivera por ela. Então lhe trouxe um batom. No outro dia um corte de seda. À noite tirou do bolso uma rosa de cetim para enfeitar-lhe o que restava dos cabelos. Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas, nem pensava mais em lhe agradar. Largou o tecido em uma gaveta, esqueceu o batom. E continuou andando pela casa de vestido de chita, enquanto a rosa desbotava sobre a cômoda. Fonte: Colassanti (1986, p. 111).

Vários elementos coesivos (em itálico, além das elipses, que não foram marcadas) trabalham, no conto, para retomar “a mulher”: diversas elipses, repetições propriamente ditas e, principalmente, retomadas gramaticais, por meio de pronomes pessoais e possessivos. Esses mecanismos de reiteração dão continuidade a um texto, fazendo com que o leitor não perca “o fio da meada”, conseguindo identificar quais termos são referidos. Note que o mesmo elemento serve para referir as duas personagens, em momentos distintos, como o “lhe” no quarto e quinto parágrafos refere-se, hora à mulher, hora a seu marido. No entanto, a autora conduz o texto de modo que o leitor consiga identificar facilmente o referente de cada termo. Imagine, então, se em meio a tantas retomadas, algumas fossem ambíguas ou confusas, como acontece no texto a seguir.

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Encontrei Ana e Luzia costurando na sala. Gosto muito dela e de seu irmão, pois me ajudaram em um momento importante. Da outra não gosto muito, visto que sempre está de mau humor e irritada com a irmã. Vejo sempre seus filhos brincando na praça, aos sábados.

Ainda na primeira linha, uma dúvida: de quem se gosta muito? De Ana ou de Luzia? De qual delas é o irmão? Quem é “a outra” e sua irmã? E, por último, de quem são os filhos que se vê brincando na praça? Perceba que, em um trecho muito pequeno, chegamos a, pelo menos, quatro impasses gerados pelo mal uso de elementos retomadores. O mesmo exemplo, corrigido, poderia ficar assim:

Encontrei Ana e Luzia costurando na sala. Gosto muito da primeira e de seu irmão, pois me ajudaram em um momento importante. Da última não gosto muito, visto que sempre está de mau humor e irritada com a irmã, Ana. Vejo sempre os filhos de Luzia brincando na praça, aos sábados.

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Atividade

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Leia atentamente a notícia a seguir: Kristen Stewart se desculpa por traição Em entrevista, Kristen Stewart falou sobre o affair com o diretor Rupert Sanders Por Contigo! Online Em entrevista à revista Newsweek, Kristen Stewart pediu desculpas aos fãs por ter traído o namorado, Robert Pattinson. “Peço desculpas a todos. Não foi minha intenção”, disse Kristen Stewart. Kristen Stewart foi duramente criticada depois que o affair de Kristen Stewart com Rupert Sanders foi revelado. “Mas honestamente, não me importo com a opinião das pessoas. Elas não vão me impedir de fazer nada. Não é terrível se você é amada ou odiada”, acrescentou Kristen Stewart. Em julho deste ano, Kristen Fonte: Getty Images Stewart foi flagrada aos beijos com o diretor do filme Branca de Neve e o Caçador. As fotos de Kristen Stewart foram publicadas pela revista US Weekly e logo depois Kristen Stewart, por meio de um comunicado, confirmou a notícia. Na época, Kristen Stewart e Robert se separaram, mas Kristen Stewart e o namorado reataram o namoro alguns meses depois. Fonte: Adaptado de: <www.contigo.abril.com.br>. Acesso em: 8 jan. 2013.

n

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A notícia apresenta uma repetição indevida do termo referente Kristen Stewart, comprometendo a continuidade e a fluidez do texto. Utilizando diferentes recursos de coesão por retomada (pronomes, elipses, sinônimos etc.), reescreva o texto, solucionando as inadequações e assegurando a coerência do texto.

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Metarregra da progressão Para que um texto seja (microestruturalmente ou macroestruturalmente) coerente, é preciso que seu desenvolvimento contenha elementos semânticos constantemente renovados.

Mais uma vez, a coesão está intimamente ligada a essa metarregra. Sabendo que a coesão assegura a continuidade, a progressão do texto, por meio de elementos retomadores e conectores, a coerência exige, também, que haja continuidade e progressão, desta vez no campo das ideias, fatos e informações ao longo do texto. Garantir a progressão textual se assemelha ao ato de subir escadas: parte-se de uma informação aceita facilmente pelo leitor mais leigo e, em seguida, integram-se ao texto informações novas, argumentos, relatos pessoais e de outros e uma ponderação final, uma conclusão, como se o texto galgasse níveis entre a informação dada e a nova. É plausível, então, concordar com Antunes (2010): Faz parte da nossa competência discursiva alimentar a expectativa de que nosso parceiro de interlocução não vai ficar, indefinidamente, dizendo o mesmo, ou seja, fixado no mesmo ponto. Esperamos que a fila das ideias ande, no sentido de que coisas novas vão sendo acrescentadas, embora acerca do mesmo tema. Ou seja, contamos com a previsibilidade de identificar o que se diz do tema (ANTUNES, 2010, p. 69).

O artigo de opinião a seguir (selecionado e analisado por Denise Witz, 2001, foi escrito por um candidato ao Vestibular 2011 da Unicentro, Campus de Guarapuava, Paraná) demonstra como essa progressão textual pode ser extinta se o autor não atentar para o encadeamento das ideias.

A Verdadeira Realidade O povo deixou de acreditar nas notícias veiculadas no jornal, porque sabe que os meios de comunicação de massa interferem na opinião e no pensamento da mídia, publicando as notícias conforme os seus interesses, deixando de mostrar a realidade dos fatos e distorcendo as notícias. Os jornais têm como maior objetivo transmitir a realidade para o povo, porém não é isso que está acontecendo. O jornal deixou de ser fonte segura de notícias e passou a manipulá-las, influenciando na opinião da grande maioria da população, ou seja, o povo deve agir e pensar conforme os interesses das autoridades. O jornal que no caso deveria informar

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ao cidadão a realidade dos fatos acaba deixando-o alheio a verdadeira situação política e econômica do país. A realidade de uma notícia deve ser verificada sob diversos pontos de vista. O jornalista, independente da fonte real dos acontecimentos, pode interpretar uma situação de várias maneiras deixando o leitor sem opção de certificação dos fatos escritos. Cabendo, assim, ao cidadão acreditar ou não nas notícias transmitidas. Portanto, podemos concluir que, os meios de comunicação de massa tornaram-se fontes de manipulação e distorção de notícias, fazendo com que o povo fique descrente quanto à realidade dos fatos, transmitidos através dos meios de comunicação. Fonte: Witzel (2001).

Extraindo a ideia principal de cada parágrafo, temos o seguinte: n

1º parágrafo: os jornais distorcem a informação de acordo com os seus interesses, o que influencia a opinião e o pensamento do povo.

n

2º parágrafo: o jornal deveria transmitir a realidade, mas acaba manipulando a informação, distorcendo a opinião da população e fazendo-a seguir o pensamento das autoridades (a mesma ideia é parafraseada e repetida duas vezes no mesmo parágrafo).

n

3º parágrafo: o jornalista pode interpretar o mesmo acontecimento de várias formas, o que deixa o leitor sem saber se acredita ou não nas notícias.

n

4º parágrafo: conclui-se que os meios de comunicação são fontes de manipulação e distorcem a opinião do povo, que fica descrente em relação aos meios de comunicação.

É visível que a mesma ideia é repetida pelo menos cinco vezes em toda a redação, por meio de paráfrase que apenas mudam a “cara” do que foi dito anteriormente para apresentá-lo mais uma vez. Por ser um artigo de opinião, esperava-se que o autor apresentasse uma tese, defendendo-a com argumentos e contra argumentos, para, então, concluir. Nesse caso, a constatação de que os meios de comunicação são manipuladores deveria ser, somente, o momento de introdução e apresentação da tese a ser defendida. Dessa forma, o autor pecou por não ter conferido nenhuma progressão ao seu texto.

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Leitura complementar FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Editora Ática, 2001. Indicamos que você estude a lição 25, Coerência e Progressão Textual, que aborda a coerência textual sob outro ponto de vista, tratando, ainda da Progressão, que, embora não seja tida pelos autores como sendo uma metarregra, vale a leitura. Para quem deseja aprofundar os estudos sobre as práticas da leitura e da escrita, como um todo, indicamos que estude o livro inteiro.

Metarregra da não contradição Para que um texto seja (micro ou macroestruturalmente) coerente, é preciso que em seu desenvolvimento não se introduza nenhum elemento semântico que contradiga um conteúdo posto ou pressuposto anteriormente.

Essa metarregra parece ser a mais simples, uma vez que já existe um conhecimento social, um senso comum, de que ser incoerente é entrar em contradição. Na aula passada (volte ela e releia os textos estudados, dessa vez sob a ótica da metarregra da não contradição), você encontrou exemplos de textos contraditórios, como as instruções para cuidar de uma horta, quando, efetivamente, não havia nenhuma instrução que fosse coerente com o objetivo esperado. Como também as imagens retiradas do blog Kibeloco: uma delas, um aviso afixado na gôndola de um supermercado, proibia violar e degustar produtos do estabelecimento, no entanto, o aviso não era coerente com o seu contexto direto de enunciação (as prateleiras abarrotadas de inseticidas). O melhor teria sido realocar o aviso em uma seção de produtos alimentícios, sendo essa a solução para a atividade solicitada. No outro texto, a incoerência consistia em divulgar os serviços de um personal trainning (que, traduzido do inglês significa “treinador particular”) trabalhando com turmas de alunos. É incoerente porque a natureza do emprego “personal” é atender individualmente, atendendo às necessidades particulares de cada cliente.

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Como elemento semântico, podemos considerar informações contraditórias, características discrepantes ou mesmo a incoerência entre texto e contexto, como vimos no exemplo dos inseticidas. Em uma ótica distinta no estudo da coerência, Fiorin (1998), classifica-a em vários tipos, como a incoerência estilística, a espacial, a temporal, a argumentativa, etc. A estilística seria quando uma pessoa, por exemplo, entra em um ambiente elegante e hiperformal, mas insiste em usar uma linguagem coloquial, com gírias e palavrões, estando em desacordo com a situação de enunciação. A incoerência argumentativa, por sua vez, seria quando o autor assume uma posição, um argumento, e depois o contradiz; incoerência temporal quando as datas ou eventos não “batem” e assim por diante. Essa classificação não é essencial para os estudos da disciplina, sendo necessário que você fique, apenas, atento a qualquer elemento semântico que possa entrar em contradição com outro posto anteriormente.

Atividade

2

Veja, a seguir, um exemplo clássico, retirado de Koch e Travaglia (1993). Nesse texto existem, pelo menos, cinco incoerências. Você consegue localizá-las (Dica: para localizar uma das incoerências, é preciso ter alguns conhecimentos geográficos)?

“João Carlos vivia em uma pequena casa construída no alto de uma colina árida, cuja frente dava para leste. Desde o pé da colina se espalhava em todas as direções, até o horizonte, uma planície coberta de areia. Na noite em que completava 30 anos, João, sentado nos degraus da escada colocada à frente de sua casa, olhava o sol poente e observava como sua sombra ia diminuindo no caminho coberto de grama. De repente, viu um cavalo que descia para sua casa. As árvores não lhe permitiam ver distintamente; entretanto, observou que o cavalo era manco. Ao olhar mais perto verificou que o visitante era seu filho Guilherme, que há 20 anos tinha partido para alistar-se no exército e, em todo esse tempo, não havia dado sinal de vida. Guilherme, ao ver seu pai, desmontou imediatamente, correu até ele, lançando-se nos seus braços e começando a chorar”. Fonte: Koch e Travaglia (1993, p. 107).

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Metarregra da relação Para que um texto seja (micro ou macroestruturalmente) coerente, é preciso que os fatos que ele expressa estejam relacionados entre si no mundo representado.

Segundo Antunes, essa metarregra é extremamente pragmática, pois estabelece que “os indivíduos, os fatos, as ações, as ideias, os acontecimentos ativados em um texto sejam percebidos como congruentes, isto é, guardem algum tipo de associação, de ligação” (2005, p.185). Para ilustrar essa metarregra, recorde os filmes de terror aos quais você já assistiu. Provavelmente, O grito (Figura 1) é um dos filmes de terror mais conhecidos na atualidade. Nele, uma casa é habitada por espíritos de pessoas que morreram em circunstâncias cruéis e violentas. A aparição desses seres, muitas vezes é precedida por um grito gutural, detalhe que influenciou o nome do filme. Se, por acaso, você estivesse assistindo a esse filme em sua casa e algum familiar passasse pelo cômodo, possivelmente poderia escutar um comentário do tipo: «que filme mentiroso!». Mas será que o fato de o filme apresentar eventos e «aparições» anormais e estranhas à nossa realidade cotidiana pode comprometer a sua coerência, a sua congruência com a vida real?

Figura 1 – Cartaz do filme “O grito”, veiculado em cinemas brasileiros Fonte: . Acesso em: 1 jan. 2013.

Felizmente, não. O filme pode até não ser verdadeiro em relação à “vida real”, mas é totalmente verossímil do ponto de observação do mundo representado. Nesse caso, a esfera da narrativa de terror é o ponto de partida para a construção

O grito Filme de terror americano filmado em 2004, sob a direção de Takashi Shimizu. O filme é a refilmagem de uma série famosa (Ju-on) do mesmo diretor.

Verossímil Discretamente distinta da verdade, a verossimilhança se refere a algo que se assemelha à verdade, que parece verdade em um determinado contexto. No entanto, verossimilhança não significa mentira e, sim, adequação à realidade representada.

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desse filme. Em histórias dessa natureza, é comum qualquer evento que evoque os medos mais complexos do ser humano. Em “O Grito”, os seres, as ações, os acontecimentos estão ligados e coerentes entre si e em relação à realidade representada: a cultura do terror. Incoerente seria, com toda a certeza, se o filme não fosse além de um passeio no parque, sem quaisquer eventos que fizessem jus ao objetivo, por mais próximo que fossem da nossa realidade empírica. De forma análoga, se alguém é intimado a prestar depoimento perante um delegado, é esperado que as declarações sejam congruentes com o fato ao qual se referem. O delegado esperará informações pontuais sobre o que aconteceu, quando, onde, de que maneira. Caso o intimado resolva declarar que o verdadeiro culpado pelo ocorrido foi uma força sobrenatural e imaterial, o depoimento cairá em descrédito ou, pior, em desconfiança.

Saiba mais A cultura oriental (principalmente chinesa e japonesa) consolidou mundialmente a arte marcial como uma filosofia em que o guerreiro, mais do que simplesmente lutar, aprende a conhecer e dominar seu próprio corpo, agindo sobre si e sobre o ambiente. Em livros, filmes e desenhos animados (como “Samurai X”, lançado no Brasil em 1999, e Dragon Ball, lançado no país em 1996 e reprisado até hoje pelo SBT), os guerreiros, por dominarem as técnicas que aprenderam (Kung Fu, Muai Tai, Karatê e outras), conseguem desferir golpes que superam a realidade. Um exemplo interessante pode ser visto no filme “O tigre e o Dragão” (2000). Veja as Figuras 2 e 3 sobre este filme.

Figura 2 – Cartaz do filme dirigido por Ang Lee Fonte: <www.ccine10.blogspot.com.br>. Acesso em: 6 jan. 2013.

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Figura 3 – Cena clássica do filme: dois guerreiros duelam se equilibrando em um galho de bambu a uma distância considerável do chão Fonte: <www.ccine10.blogspot.com.br>. Acesso em: 6 jan. 2013.

Mais uma vez, é possível verificar a abrangência da metarregra da relação: os acontecimentos do filme (uma jovem sozinha duelar e vencer 40 homens, dois samurais lutarem sobre um fino galho de bambu, com direito a piruetas e voos), por mais improváveis na vida cotidiana, ganham sua cota de coerência em face da tradição transcendental das artes marciais orientais e, principalmente, de como a mídia tem valorizado essa cultura por meio de livros, séries, filmes, histórias em quadrinhos e desenhos animados.

Paulo Villaça, crítico do cinema, escreveu: “O Tigre e o Dragão poderia perfeitamente começar com a clássica introdução ‘Era uma vez...’. Ambientado em um universo de fantasia e misticismo (a Pequim da dinastia Ching), o filme é povoado por personagens grandiosos que desafiam a lei da gravidade a todo momento, movendo-se com fluidez e graciosidade impressionantes, e executando acrobacias que desafiam nossa compreensão – o que pode acabar parecendo absurdo demais para os espectadores mais cínicos”. Fonte: <www.cinemaemcena.com.br>. Acesso em: 7 jan. 2013.

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Resumo Nas duas últimas aulas, você aprendeu mais sobre a coerência textual. Foi delimitada a coerência e suas metarregras, ao mesmo tempo em que ressaltamos a inter-relação entre coesão e coerência, estando a primeira debruçada, principalmente, sobre a dimensão linguística e a segunda sobre aspectos semânticos e pragmáticos, muito embora não existam limites fixados entre elas. Definimos a noção de sentido, dentro da experiência do leitor e do projeto de dizer do autor. Por último, tratamos das quatro metarregras e sua abrangência tanto na dimensão verbal quanto nos aspectos extralinguísticos, contextuais, sociais e culturais, o que relembra ainda mais a natureza rica da linguagem e de seus constituintes.

Autoavaliação 1

2

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Elabore um esquema simples que aborde as metarregras da repetição, da progressão, da não contradição e da relação. Liste brevemente suas definições, discernindo suas características principais. Em seguida, busque textos (em revistas, jornais ou sites) que exemplifiquem o funcionamento, ou não, de cada metarregra e adicione-os ao esquema elaborado. Com base no estudo sobre as metarregras da coerência, reflita sobre a possível intenção comunicativa da autora, sobre o gênero em que se enquadra o texto a seguir e sobre a forma como foi escrito, explicando quais metarregras foram obedecidas ou desobedecidas. Ao fim, opine: o texto é coerente?

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Vidinha Redonda Kátia da Costa Aguiar Esperma, óvulo, embrião, parto. Bebê, choro, sobressalto, cocô, xixi, fralda, leite, colo, sono. Doença, vômito, pavor, pediatra, remédio, preço. Murmúrio, passos, fala. Escola, lancheira, material, professora. Curiosidade, descoberta. Crescimento, desenvolvimento, pêlos pubianos, seios, curvas, menstruação, modess, cólica, atroveran, adolescência. Primeiro beijo, paixão, shopping center. Batom, esmalte, rinsagem, depilação. Namorado, pressão, intimidade, culpa. Festa, pai, ciúme, relógio, motel, desculpa, dissimulação. Faculdade, trabalho, consciência, cansaço, sossego, idade. Noivado, loja, fogão, geladeira, cama, mesa, banho, aliança, chá-de-panela. Cartório, igreja, núpcias. Sexo, trabalho, sexo, trabalho, sexo, esperma, óvulo, licença, parto. Fonte: <www.penseouignore.blogspot.com>. Acesso em: 5 jan. 2013.

3

Observe o trecho a seguir:

Ontem, vi meu pai chorar.

Segundo a metarregra da relação, qual dos segmentos a seguir complementaria mais coerentemente o trecho? Eleja uma das opções e articule as duas informações por meio de um conector que estabeleça relação de causa. Em seguida, justifique por que a combinação escolhida é mais coerente que as demais.

a)

Hoje, minha mãe sofreu um acidente doméstico.

b)

Corinthians venceu, pela segunda vez, o Mundial de Clubes da FIFA.

c)

Para cuidar de uma videira, é preciso investir em podas e aditivos.

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Referências ANTUNES, I. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ______. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (coleção biblioteca universal). COLASSANTI, M. Contos do amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. FIORIN, J. L. Teorias do texto e ensino: a coerência. In: VALENTE, A. (Org.). Língua, lingüística e literatura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. p. 209-227. KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993. WITZEL, D. Z. Produção escrita: mecanismos de coesão e coerência textuais. Revista Analecta, Guarapuava, Paraná, v. 2, n. 2, p. 57-72, jul./dez. 2001.

Anotações

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Anotações

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Anotações

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Modos de citação do discurso alheio

Aula

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Apresentação

N

esta aula, você aprenderá mais sobre as vozes presentes e demarcadas no texto, por meio da definição Bakhtiniana (2003) de vozes do discurso e, também, por meio dos estudos de Maingueneau (2002) sobre os modos de citação do discurso alheio. A organização dessa aula se dará em sete seções, além das atividades, resumo e outras estruturas: a primeira introduzirá o conceito de vozes alheias; as cinco seguintes tratarão de cada um dos modos de citação dessas vozes alheias, demarcadas no texto. A última tratará da forma de referenciação segundo a ABNT.

Objetivos 1

2

3

4

Reconhecer que os textos comportam vozes alheias, demarcadas ou não, e que existem maneiras de atribuir, corretamente, uma fala ou citação a outrem. Identificar os modos de citação do discurso alheio: modalização em discurso segundo, discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre e ilha textual. Estabelecer a função de cada modo de citação no texto, discernindo a estratégia discursiva por trás do uso de cada modo. Utilizar corretamente os modos de citação do discurso alheio em produções textuais futuras, além de reconhecê-los em textos analisados e julgar suas pertinências de acordo com a intencionalidade discursiva do autor.

O conceito de vozes

S

egundo Bakhtin (2003) e outros teóricos de seu círculo, todo enunciado pressupõe, necessariamente, a alternância de sujeitos, ou seja, de vozes desses sujeitos, que “conversam” entre si. Isso significa que tudo o que é falado ou escrito dialoga com outros enunciados lidos ou ouvidos anteriormente, como se toda a existência fosse um permanente diálogo. Perceba, por exemplo, que, durante toda a sua vida, suas palavras foram constantemente atravessadas por palavras alheias: algumas destas palavras ajudaram a reforçar compreensões, posicionamentos ou convicções sobre algum assunto; outras provocaram o riso, a ironia, a emoção, a raiva, e assim por diante. Assim, de uma forma ou de outra, todos os enunciados que você já produziu (ou produzirá no futuro) refletem sempre algo que foi apreendido em outro(s).

Bakhtin afirma que “toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte torna-se falante” (BAKHTIN, 2003, p. 271).

Isso, no entanto, não significa que tudo o que você fala ou escreve é uma mera cópia do que outros disseram! Cada sujeito tem sua própria cota de subjetividade e de singularidade, o que faz com que cada enunciado, embora inspirado em outros, seja único. Isso acontece uma vez que “o olhar do espectador nunca é neutro, nem vazio de significados. Ao contrário, esse olhar é permanentemente informado e dirigido pelas práticas, valores e normas da cultura na qual ele está imerso” (DUARTE, 2002, p. 67). Na construção de um enunciado (texto), existem maneiras diversas das vozes alheias (ou discurso alheio) se fazerem presentes. Em algumas situações, por exemplo, não há como identificar a quem pertence, como um provérbio popular ou uma ideia do senso comum. Quando alguém diz “não quero casar para não perder minha liberdade”, existe, nessa afirmação, uma voz social que prega que o casamento impõe responsabilidades e obrigações que limitam a liberdade do indivíduo. Por mais que esse alguém tenha total convicção de que essa afirmação não se baseia na opinião de ninguém, apenas em seu próprio posicionamento, o ideal de permanecer solteiro já foi construído pela sociedade há séculos, restando ao indivíduo apenas incorporá-lo ou não ao seu discurso. Essas vozes, e muitas outras, estão presentes nos textos, mas não demarcadas. Existem, no entanto, situações em que se sabe, com precisão, de onde provém determinado discurso. Quando alguém faz um comentário sobre a lei da gravidade, reconhece (ou deveria reconhecer) que Isaac Newton a formulou. Quando se diz que “o amor é um fogo que arde sem se ver”, certamente está se referindo

Vozes alheias As vozes alheias podem ser entendidas como palavras de outrem, escritas ou faladas, ou seja, o discurso alheio.

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235

a Luiz de Camões que escreveu esse verso há alguns séculos ou, pelo menos, a Renato Russo, que popularizou o trecho em uma de suas canções, Monte Castelo. Nessas e, em outras situações semelhantes, as vozes não somente estão presentes no texto, como também são devidamente demarcadas. Entre as maneiras de demarcar a voz alheia, esta aula irá destacar, a seguir, cinco formas de citação do discurso alheio: a modalização em discurso segundo, o discurso direto, o discurso indireto, o discurso indireto livre e, por último, a ilha textual.

Saiba mais A noção de “enunciado” pode ser equivalente a de “texto” em muitos casos, mas, para Bakthtin, a primeira ultrapassa a segunda pelo fato de ser considerada um elo em uma cadeia maior da comunicação humana, em que o diálogo e a alternância de vozes é fundamental. Para o autor, ser o enunciado um elo significa que todo enunciado é precedido de outros enunciados (com os quais dialoga) e precederá outros (que dialogarão com ele de alguma forma).

A modalização em discurso segundo Discurso citado Atentar para a diferenciação entre discurso citado (a voz alheia presente no enunciado) e discurso citante (a voz do próprio autor do texto, que introduz o discurso citado).

A modalização em discurso segundo é a forma mais simples de mostrar que o enunciador não é o responsável pelo discurso citado. Para apenas indicar que o enunciado pertence a outro, basta que o autor empregue um conector de conformidade antes ou depois do discurso citado (de acordo com, segundo, para, conforme, consoante e outros), como a seguir:

Exemplos:

1)

“A exposição do problema ao Departamento de Esportes, até agora, não resultou em repasses financeiros. Segundo o diretor Pedro Souza, o departamento encaminhou ofício solicitando ajuda”.

2)

“Conforme o morador, o crime teria sido cometido pelo proprietário da indústria de calçados”. (CONSUL, 2008, p.102)

236

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Nos dois trechos anteriores, observe que os conectores segundo e conforme foram utilizados para introduzir informações prestadas pelo diretor e pelo morador. Não existe a preocupação de ser fiel ao relato ou detalhar-se nele, apenas de indicar que a informação não vem do autor do texto. A modalização em discurso segundo é bastante prática e isenta o autor da responsabilidade pelo que o outro disse. Imagine que, ao ler um jornal de sua cidade, você se depara com esse trecho em uma notícia: “de acordo com o secretário de saúde, o prefeito vem desviando verbas destinadas à compra de medicamentos há mais de oito meses.” Perceba que a acusação do secretário de saúde é bastante séria e que, possivelmente, esse secretário terá que “se entender” com o prefeito depois. Agora, imagine que o jornalista que produziu a notícia tivesse escrito apenas: “o prefeito vem desviando verbas destinadas à compra de medicamentos há mais de oito meses.” Quem teria que responder pela acusação, dessa vez? Certamente, o jornalista desatento, que não referenciou a fala apropriadamente. Observe novamente o exemplo 2: além do conector conforme, o verbo está em itálico, não por acaso. Teria sido – verbo no futuro do pretérito do indicativo, acompanhado do verbo auxiliar “ser” no particípio – expressa, de uma forma mais explícita, que o autor não é responsável pela acusação feita pelo morador. Inclusive, verbos nessa conjugação costumam dar outro efeito de sentido: o de que o autor, além de não se responsabilizar pelo discurso do outro, também, discretamente, não o apoia. Imagine agora que, no jornal, você leu: “Conforme algumas pessoas, o prefeito estaria desviando verbas destinadas à compra de medicamentos há mais de oito meses.” O prefeito da cidade poderia, no auge da sua raiva, processar alguém por calúnia? Nesse caso, não. Veja que, primeiramente, o jornalista não especificou quem havia feito a acusação, portanto, a culpa não recai nem nele e nem em outra pessoa. Novamente não poderia porque o verbo estaria ajuda a mascarar, a disfarçar a acusação, fazendo com que o jornalista assuma uma posição mais distanciada da opinião, por mais que, no íntimo, seja seu maior desejo acusar o prefeito.

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237

Atividade

1

A modalização em discurso segundo é utilizada com vários propósitos: para variar as estratégias de citação quando se refere ao mesmo autor várias vezes, para não se responsabilizar pela opinião alheia, para criticar veladamente, para não mencionar o autor do discurso citado (quando se sabe de algo por meio de boatos, mas não se sabe quem os espalhou), entre outras finalidades. 

Selecione, em jornais ou revistas, um trecho em que haja modalização em discurso segundo (de preferência com o verbo no futuro do pretérito do indicativo) e analise-o (talvez seja necessário que você leia o texto inteiro). Na sua opinião, que intenção o autor teve ao recorrer a essa estratégia?

O discurso direto

Verbo de dizer Também chamado de verbo discendi, o verbo de dizer é caracterizado por qualquer ação que possa ser associada ao ato de dizer algo: dizer, falar, afirmar, negar, gritar, revelar, confessar, pronunciar e muitos outros.

238

Igualmente simples, o discurso direto consiste em transcrever, literalmente, uma parte do discurso citado. Em relação à modalização, pode-se afirmar que o discurso direto marca um distanciamento ainda maior entre o discurso citante e o discurso citado, uma vez que o autor não se contenta apenas em comentar a fala do outro, reproduzindo o discurso palavra por palavra. Nesse caso, além da citação, que é isolada entre aspas (“ ”) ou por travessão ( —, mais empregado em narrativas ), o autor utiliza um verbo de dizer e, muitas vezes, dois pontos ( : ).

Exemplos:

3)

Foi mais ou menos na época em que Zagallo falou: “vocês vão ter que me engolir!” (criado pelas autoras)

4)

“Essa pesquisa teve resultados semelhantes ao de outras que sugeriram o efeito protetor do ácido fólico em relação ao desenvolvimento neurológico do feto”, diz a coordenadora do estudo, Rebecca Schmidt. (Veja on-line)

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5)

“Em comentário registrado no DVD da série, os produtores David Benioff e D.B. Weiss negaram qualquer motivação política. Não foi algo premeditado. Tínhamos que usar as cabeças que estavam disponíveis na produção.” (Veja on-line)

6)

“— Meus cumprimentos — gritou — Vamos ver agora se enfim esse galo faz um favor à sua mulher. José Arcádio Buendía, sereno, recolheu seu galo. “Volto já”, disse a todos. E em seguida, disse a Prudêncio Aguilar: — Vá para casa e se arme, porque vou matar você.” (Cem anos de solidão, Gabriel García Marquez)

No Exemplo 3, vê-se o nome do autor do discurso alheio e o verbo de dizer falou, seguido de dois pontos, antecedendo a citação entre aspas. Essa é a forma clássica de citação direta. No entanto, nos meios de comunicação, essa estratégia tem sido pouco utilizada ultimamente. O mais comum tem sido encontrar o discurso direto como no Exemplo 4: a citação primeiro, seguida de vírgula e do verbo de dizer (“diz”) e do nome do autor do discurso alheio (Rebecca Schimidit). Colocar a citação aspeada isolada em um período, sem verbo discendi ou dois pontos, como acontece no Exemplo 5, é muito pouco utilizado, mas também é válido. Por último, no Exemplo 6, além de uma citação direta com aspas na terceira linha, temos as falas, sem aspas, antecedidas por travessão. Esse recurso não é adequado para muitas ocasiões, pois se restringe a textos literários (contos, fábulas, romances etc.) e a outros gêneros pontuais, como entrevistas e debates (transcritos). Considera-se o discurso direto como sendo o mais fiel dos mecanismos de referenciação, pois, ao citar a fala na íntegra, a informação corre menos riscos de passar pelos filtros do autor e ser mal interpretada (intencionalmente, inclusive). Voltando à situação hipotética do prefeito, se estivesse escrito no jornal: “O prefeito está desviando verbas destinadas à compra de medicamentos há mais de oito meses”, afirma o secretário de saúde. Definitivamente, o jornalista marca distanciamento entre sua opinião e a do discurso citado. O secretário de saúde não poderá dizer que o jornalista distorceu as informações e lhe prejudicou, pois consta a transcrição exata da fala do secretário. Em casos delicados como esse, um jornalista normalmente escolherá o discurso direto, pois não se comprometerá com o prefeito, nem correrá o risco de ser acusado pelo secretário de alterar o teor de suas declarações.

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Saiba mais Apesar da pretensa neutralidade, engana-se quem pensa que o discurso direto é totalmente neutro. Isso porque a língua permite milhares de recursos criativos a partir do uso de alguns elementos linguísticos. Se for do seu interesse, o autor pode gerar diversos efeitos de sentido, mesmo com o discurso aspeado, apenas alterando o verbo de dizer.

Para encerrar, observe quantos sentidos diferentes são construídos apenas com as trocas dos verbos:

Exemplos:

7)

“O prefeito está desviando verbas destinadas à compra de medicamentos há mais de oito meses”, afirmou o secretário de saúde.

8)

“O prefeito está desviando verbas destinadas à compra de medicamentos há mais de oito meses”, cogitou o secretário de saúde.

9)

“O prefeito está desviando verbas destinadas à compra de medicamentos há mais de oito meses”, esbravejou o secretário de saúde.

10)

“O prefeito está desviando verbas destinadas à compra de medicamentos há mais de oito meses”, insinuou o secretário de saúde.

Se você fosse o prefeito ou a prefeita da cidade, com quais trechos ficaria mais indignado(a)? Você perdoaria o secretário de saúde de acordo com algum desses trechos? Por quê?

240

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O discurso indireto Diferentemente do discurso direto, a forma indireta não necessita da citação com aspas, uma vez que, nesse caso, a voz do outro não é captada literalmente, mas, sim, reformulada pelo autor. À primeira vista, a modalização parece muito semelhante ao discurso indireto, mas as estruturas são diferentes. Na primeira modalidade, é empregado somente o conector de conformidade, enquanto que no discurso indireto, segundo Maingueneau (2002), é empregado somente o verbo de dizer, seguido das conjunções “que” ou “se”, não sendo necessário o uso de dois pontos, como a seguir:

Exemplos:

11)

“Em 2011, Gaspar disse que demitir 50 mil era ‘muito chocante’.” (www.dinheirovivo.pt).

12)

“Marcos Valério afirmou que Lula também se beneficiou do mensalão.” (g1.globo.com)

13)

“Durante conversa, Anamara revela que gosta de apanhar na hora ‘H’.” (www.opovo.com.br)

Curiosidade O discurso indireto é muito utilizado em títulos e manchetes de notícias e reportagens. Todos os exemplos foram retirados de títulos.

Comparando as três formas de citação do discurso alheio vistas até agora, pode-se dizer que todas visam a demarcação entre o discurso citante e o citado, tanto de forma negativa (não querer responsabilizar-se por uma opinião alheia) quanto positiva (reconhecer eticamente que a citação pertence à outra pessoa, seja pelo nível teórico, seja pelas escolhas estéticas), sendo essa última atitude mais comum em textos acadêmicos, nos quais são citados, respeitosamente, alguns teóricos escolhidos.

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241

Se as três modalidades possuem a semelhança da demarcação de vozes, possuem, entre si, distinções. A modalização descompromete-se ao máximo com o discurso citado, indicando apenas a fonte do discurso e ficando à vontade para parafrasear o discurso citado da forma como preferir. O discurso indireto é discretamente mais comprometido, pois atribui um ato de fala bem delimitado ao autor do enunciado alheio, sendo, muitas vezes, mais próximo do conteúdo literal do discurso citado (embora esse conteúdo também seja sujeito à intensa modificação do autor da voz citante). Por último, a modalidade direta guarda mais comprometimento com a voz alheia por ceder-lhe o direito de figurar no texto, na íntegra. O comprometimento, no entanto, não significa concordância ou discordância com a voz alheia, o que só pode ser verificado no contexto da enunciação.

Leitura complementar FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Editora Ática, 2001. Indicamos que você estude as lições 02, 03 e 04, que abordam muito bem as vozes presentes no texto, demarcadas ou não, além de contar com mais exemplos e ilustrações.

Atividade

1

242

2

A matéria a seguir apresenta maneiras variadas de demarcar a voz de David Zinczenko, editor-chefe da revista Men´s Health. Os trechos foram destacados em negrito para análise. Após ler atentamente, classifique cada um dos trechos segundo a modalidade de citação empregada.

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Você de barriga chapada: cardápio pró-músculos Por: Olga Penteado | Fotos: Thinkstock Não importa como você chame um abdômen definido, bem desenhado e com zero de gordura. O fato é que, como dez entre dez garotas, você quer ter uma barriga assim. Para atender o seu sonho, o editor-chefe da revista Men’s Health – a bíblia do fitness nos Estados Unidos – escreveu A Dieta do Abdômen, sucesso absoluto lá fora e lançado no Brasil (editora Sextante, 29,90 reais). A BOA FORMA traz aqui o que há de mais interessante no livro de David Zinczenko, que promete: “resultados em seis semanas”! Ex-gordinho, David sabe como ninguém que as fórmulas milagrosas só servem para enganar os ingênuos. Por isso, propõe um plano inteligente e eficiente de dieta e fitness. O autor recorre às pesquisas científicas de ponta para selecionar 11 alimentos superpoderosos, defensores da barriga sequinha e da saúde – como feijão, aveia, iogurte, pão integral, ovo e azeite. São produtos fáceis de encontrar, gostosos e que não pesam no seu bolso. Ao mesmo tempo, concentram as melhores fontes de proteína, fibra, gorduras saudáveis e nutrientes que ajudam a combater a gordura. Isso mesmo! “Os alimentos do cardápio foram selecionados para estimular a queima de calorias a partir da digestão”, diz David. O segredo é como você vai utilizar esses alimentos. David propõe que no mínimo dois ou três deles sejam colocados nas refeições principais. Sim, sabemos que você não tem tempo para cozinhar, por isso as sugestões são rápidas, com muito sanduíche e shake. As refeições contam com um extra de proteína para turbinar sua musculatura (com a ajuda da malhação, é lógico). “Nossos músculos são um mecanismo natural de queima de gordura”, diz David, para explicar por que ele dá ênfase aos exercícios com peso, aqueles que aumentam a massa magra. Músculos consomem

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I

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muitas calorias, ao contrário da gordura, que na detestável forma de barriguinha, pneu, culote, fica em estoque esperando que o organismo precise de uma dose extra de energia. Mas isso infelizmente não acontece por milagre: você tem que fazer a sua parte e malhar. Antes que diga que não tem tempo, saiba que David, ancorado no que há de mais moderno na ciência, propõe treinos superenxutos – são só 5 minutos de abdominal, lembra? “Estudos comprovaram que não é preciso fazer exercícios horas a fio para obter resultado”, diz. Não é o que você sempre quis? A barriguinha dos sonhos está mais próxima do que pensa. Vá atrás dela! Fonte: Adaptado de: . Acesso em: 8 jan. 2013.

2

Ainda sobre a matéria, opine:

a)

Qual a relação da autora com o discurso citado?

b)

Ela se compromete com o discurso citado? Concorda ou discorda com ele?

c)

Ela mantém o distanciamento ou aproxima-se da opinião alheia?

A ilha textual Objetivamente, a ilha textual consiste em um trecho de discurso indireto, mas com termos ou expressões destacadas, com aspas ou itálico, que são diretamente atribuídas ao autor do discurso alheio. Esse recurso é bastante útil quando o autor do texto deseja dar ênfase somente a uma palavra ou expressão literalmente utilizada no discurso citado, não importando ou não interessando a transcrição do restante, como a seguir:

Exemplos:

14)

“Os professores alegam ainda que as universidades federais têm vivido um processo de ‘precarização’, consequência da política de ‘expansão desordenada’ iniciada pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) – criado pelo governo federal em 2007”. Fonte: <www.veja.abril.com.br>. Acesso em: 2 abr. 2013.

244

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15)

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse nesta quarta-feira (9) que o Brasil tem um “estoque firme” de energia para os próximos meses e que não corre risco de racionamento de energia. Fonte: . Acesso em: 2 abr. 2013.

16)

“BBB13: Fani diz que edredon ‘pegava fogo’ com Alemão”. Fonte: <www.diversão.terra.com.br>. Acesso em: 2 abr. 2013.

Temos a mesma estratégia nos três trechos: citação indireta global, com verbo de dizer e conjunção “que”, mas, dentro do bloco em que se comenta a fala alheia indiretamente, surgem expressões aspeadas, que inferimos que pertencem aos autores dos discursos citados. Várias motivações levam um autor a utilizar uma ilha textual. A seguir, alguns desses possíveis motivos:



como está comentando a fala, o autor não quer responsabilizar-se por alguma expressão, mas considera válida citá-la;



o autor não concorda com a expressão, seja porque não está adequada ao estilo do texto (uma gíria), seja porque não concorda com ela (uma ironia, um termo jocoso ou pejorativo);



o autor quer dar ênfase ao termo (negativa ou positivamente);



o autor quer, com a ênfase, destacar uma característica da personalidade do autor do discurso citado (erudição, futilidade, ignorância, burrice, estupidez etc.);



o autor quer preservar um termo técnico, científico ou metafórico para o qual não caiba ou não interesse parafrasear.

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245

Pode-se afirmar que, nos Exemplos 14 e 15, o autor não quer responsabilizar-se pelos termos aspeados, certamente porque não concorde com eles ou queira manter distância. Já no Exemplo 16, precisaremos recorrer ao suporte para compreender melhor a intenção. Sabemos, socialmente, que o Big Brother Brasil já possui uma malfadada aura de futilidade e desprestígio entre as classes mais críticas. A fala da participante do reality show foi divulgada em um site de entretenimento que promove o programa e posta os acontecimentos recentes, logo, um meio favorável. Nesse caso, podemos dizer que o termo destacado logo no título da notícia serve para atiçar a curiosidade do leitor e destacar, talvez, uma nuance sensual da participante. No entanto, esse mesmo trecho, publicado em uma revista como a Carta Capital – de intensa crítica social, econômica e política – geraria um sentido completamente diferente. Certamente, a expressão realçaria o olhar pejorativo que se tem em relação ao programa, além de caracterizar, de forma vulgar, a participante.

Atividade

3

Mais uma vez, pesquise em jornais e revistas exemplos de citação do discurso alheio, selecionando, dessa vez, fragmentos onde haja ilhas textuais. Para cada uma das motivações para o emprego da ilha textual (dispostas anteriormente), tente localizar um fragmento representativo. Para tanto, você deverá selecionar bem o suporte para procurar cada situação descrita. Por exemplo, se você quiser encontrar ilhas textuais que enfatizem de forma positiva o discurso citado e seu autor, seria interessante procurar em resenhas de filmes ou livros, comentários sobre poesias etc. Caso você queria encontrar ilhas textuais que reforcem características do autor do discurso citado, é útil procurar em revistas como Caras, Contigo ou Capricho, que costumam sempre tratar as celebridades de forma carinhosa ou respeitosa.

O discurso indireto livre De todos os modos de citação, o discurso indireto livre é o menos adequado à maioria das situações. Seu uso é restrito aos textos literários e poéticos, porque, nessa modalidade, os discursos citante e citado parecem se fundir. Assim, fora dos limites da licença poética, o discurso indireto livre se torna confuso e até perigoso.

246

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Exemplos:

17)

Voltou-se então para o fundo da casa, atravessou a varandinha que acompanhava o correr dos quartos e saiu à copa. Alaíde estaria ainda no Jardim? Sentou e esperou.

18)

Meteu os olhos pela grade da rua. Chi! Que pretume! O lampião da esquina se apagara, provavelmente o homem da escada só botara meio quarteirão de querosene. (Trechos adaptados de esquema didático produzido pela equipe da disciplina Leitura e Produção de Textos, UFRN, 2004).

Os dois Exemplos apresentam a mesma particularidade: são fragmentos de uma sequência narrativa em que há um narrador (onisciente ou observador) e uma personagem. Como afirmar, com certeza, a quem pertencem os trechos em negrito? Não é possível dizer se os trechos destacados são falas da personagem, se é o narrador, lendo os pensamentos da personagem, ou se, por acaso, são as próprias observações do narrador, sem qualquer interferência da personagem. Mais uma vez, esse é um recurso que, por bom senso, é restrito ao âmbito das narrativas literárias, uma vez que, em outros contextos, causaria confusão no leitor ou, ainda, acusações de plágio e processos judiciais.

Aplicações: normas da ABNT A ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas, regula toda a produção técnica do país, inclusive as normas de formatação, organização e referenciação de textos acadêmicos. Popularmente, essas normas causam certo medo, por isso é importante começar a se habituar a elas, uma vez que você será solicitado a seguir essas regras em suas produções acadêmicas. Como a demarcação da voz alheia em qualquer texto é um dever ético para com o autor do discurso citado, a Associação também regula pormenorizadamente as citações. A seguir, você verá um esquema, adaptado de Trindade (2011), que pode ajudá-lo, pelo menos basicamente, em suas próximas demandas.

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247

Referenciação do discurso direto

a)

Citações curtas (até 3 linhas): devem ser inseridas no corpo do parágrafo, entre aspas. Após a citação, colocam-se, entre parênteses, o sobrenome de referências do autor (geralmente o último), em maiúsculas, seguido do ano do livro ou outra publicação em que o trecho foi veiculado e a página.

b)

Citações longas (mais de 3 linhas): devem constituir um novo parágrafo, permanecendo a citação sem aspas. Sobrenome, ano e página são organizados da mesma forma. Exemplo: O Ipes constituiu o grupo de pressão, organizado por empresários de São Paulo e do Rio de Janeiro, que traçou um projeto educacional que daria suporte a seus interesses. A educação era vista como instrumentos dos setores dominantes. (FONSECA, 1992, p. 40).

Exemplo: “Em resumo, um trabalho científico, sendo um documento informativo, “não pode contentar-se com aproximações; requer precisão, evitando-se expressões ambíguas, e a impropriedade de termos”.” (SALVADOR, 1997, p. 195).

Referenciação da modalização em discurso segundo, do discurso indireto e da ilha textual. Como não se referencia uma citação literal, retirada de um lugar específico, não é necessário informar a página da citação. Existem duas posições que o nome do autor do discurso citado pode assumir:

a)

et al “et al” significa “entre outros” e indica que mais de três pessoas assinaram o texto.

Nome do autor como parte integrante do texto. Exemplo: No Brasil, segundo Albuquerque et al. (1992), aplicaram vacinas em população de idosos na capital do Paraná.

b)

Nome do autor entre parênteses. Exemplo: No Brasil, foram aplicadas vacinas em população de idosos na capital do Paraná (ALBUQUERQUE et al, 1992).

Quadro 1 – Esquema elaborado a partir de Trindade (2011) Fonte: esse esquema não foi copiado integralmente de nenhuma obra, mas a referência bibliográfica em que me baseei foi Trindade (2011).

Feita a referência próxima à citação, é essencial, no final do texto, colocar a referência completa do livro ou de outro meio (revista, site, jornal etc.) no qual o texto lido foi publicado, para que o leitor possa, caso queira adquirir ou buscar a obra para suas próprias leituras. Existem muitas formas para organizar as referências no fim do texto. A mais comum, que serve para referenciar a maioria dos livros, é feita como ilustra o exemplo a seguir.

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FIORIN, J. L.; PLATÃO, F. S. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Editora Ática, 2001.

A ordem é: sobrenome e inicias em maiúsculas (se for de dois a três autores, separar os nomes com ponto e vírgula). Em seguida, colocar o título do livro em negrito e, se houver subtítulos, separar por dois pontos, deixando o subtítulo sem negrito. Depois se acrescenta a cidade em que o livro foi publicado, seguido de dois pontos e do nome da editora; separa-se com vírgula e coloca-se o ano da publicação. Todas essas informações podem ser consultadas, no próprio livro, no verso da folha de rosto. Essas informações são organizadas em um ficha catalográfica como na Figura 1 a seguir:

Figura 1 – Modelo de ficha catalográfica

Obviamente, existem outros detalhes que devem ser observados, por isso é essencial o estudo e a pesquisa individual. Também, é importante lembrar que essas orientações só são necessárias para textos acadêmicos. Para os demais, muitas vezes, só é necessário mencionar o autor e, no máximo, o livro de onde veio.

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Leituras complementares

TRINDADE, A. L. Normalização de trabalhos acadêmicos: normalização segundo ABNT. 2011. Disponível em: <www.ulbra.br/bibliotecas/files/abnt2011.pdf>. Acesso em: 6 maio 2012. <www.trabalhosabnt.com> As duas referências, principalmente o site, são bem explicativos e detalham as minúcias da ABNT de forma prática.

Resumo Nesta aula, você aprendeu mais sobre as vozes que permeiam não apenas o texto, mas a vida, como um todo. Viu que tudo que falamos ou escrevemos é atravessado por outros discursos, por outras vozes, e que podem ser demarcadas ou não dentro do texto. Dentre as vozes demarcadas, aprendemos mais sobre a modalização em discurso segundo, sobre os discursos direto, indireto e indireto livre e sobre a ilha textual. Você percebeu que, mais do que simplesmente escolher uma ou outra modalidade de citação, o autor seleciona a estratégia mais adequada, em consonância com os efeitos de sentido desejados, com as relações de distanciamento ou proximidade a serem estabelecidas em relação ao discurso citado e também com a natureza do tema e do público leitor. Ainda, percebeu que mesmo a forma de citação que parece mais neutra e imparcial pode expressar os mais diferentes juízos de valor por meio de recursos criativos da língua, como a escolha dos verbos de dizer. Por fim, entendeu que muitos sentidos podem se esconder por trás do trato com a palavra do outro e que, muitas vezes, os meios de comunicação manipulam essas estratégias de acordo com os seus interesses e que entender essas pequenas artimanhas da língua é um passo importante no processo de formação de um leitor crítico e responsivo, objetivo de qualquer ensino de língua portuguesa que vise a inserção e o agir do homem nas e sobre as práticas discursivas do mundo da vida.

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Autoavaliação 1

A notícia a seguir apresenta pelo menos seis trechos nos quais o discurso alheio é demarcado. Após ler atentamente o texto, localize e classifique cada um dos trechos segundo a modalidade de citação empregada.

ENERGIA - 09/01/2013 18h04 - Atualizado em 09/01/2013 18h08 Brasil não corre risco de racionamento de energia, diz Lobão. Hidrelétricas estão funcionando abaixo do nível mínimo no Sudeste e Nordeste devido à falta de chuvas REDAÇÃO ÉPOCA

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, falou nesta quarta-feira sobre os riscos de desabastecimento de energia (Foto: Valter Campanato/ABr) O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse nesta quarta-feira (9) que o Brasil tem um “estoque firme” de energia para os próximos meses e que não corre risco de racionamento de energia. Lobão falou após reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). “Não há, não houve, e espero que não haja, no futuro, o desabastecimento”, disse o ministro.

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A reunião do CMSE discutiu a atual situação dos reservatórios das usinas hidrelétricas do país. As hidrelétricas estão funcionando abaixo do nível mínimo previsto pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) devido à falta de chuvas. Os reservatórios no Sudeste estão com apenas 37% da capacidade, e os do Nordeste, com 34%. Para evitar o risco de desabastecimento, o governo acionou usinas termelétricas, que são mais caras. Segundo Lobão, o uso das termelétricas não irá comprometer o plano de redução de preço de energia do governo. A partir de fevereiro, será aplicado um desconto, que pode chegar até 20%, na conta de luz. Segundo o diretor do ONS, Hermes Chipp, o governo não tem como prever se o uso de termelétricas vai aumentar a tarifa de energia, porque isso depende da quantidade de chuvas no país. Segundo ele, o governo trabalha com cenários diferentes. Se a falta de chuvas em algumas regiões continuar, as termelétricas continuarão sendo acionadas, e isso pode ser aumentar o preço da energia entre 2% e 3% no próximo ano. Já em um cenário mais favorável, com maior quantidade de chuvas, não haverá necessidade de aumento. Segundo o governo, o aumento da energia pode ser evitado com uma hidrologia favorável. Para isso, seria necessário chover nas regiões dos reservatórios de algumas hidrelétricas, especialmente no Estado de Minas Gerais. Segundo o governo, chuvas abaixo da média no Nordeste não preocupam tanto, já que o governo tem condições de transmitir a energia para a região. Fonte: . Acesso em: 9 jan. 2013.

2

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Ainda sobre a notícia, opine: qual a relação do discurso citante com o discurso citado? Há comprometimento com o discurso alheio? O autor (redação da Época) mantém distanciamento ou aproxima-se da opinião alheia?

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Referências BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (coleção biblioteca universal). CONSUL, M. Os discursos direto e indireto à luz da enunciação. Revista ao pé da letra: revista on line, Universidade do Vale do Rio Dos Sinos, v. 10.2, 2008. DUARTE, R. Cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. FIORIN, J. L.; PLATÃO, F. S. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Editora Ática, 2001. MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2002. TRINDADE, A. L. Normalização de trabalhos acadêmicos: normalização segundo ABNT. 2011.

Anotações

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Anotações

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A paragrafação

Aula

12

Apresentação

N

esta aula, você estudará aspectos sobre a constituição do parágrafo e sua importância na produção de textos. Você compreenderá o conceito de parágrafo, tratará sobre o tópico frasal, suas formas de enunciação e seu desenvolvimento e o emprego de certos tipos de parágrafos e seus princípios estruturais. Para você melhor compreender, a aula estará assim subdividida: O parágrafo; O tópico frasal; Configurações de enunciação do tópico frasal e Desenvolvimento do tópico frasal.

Objetivos 1

Conceituar parágrafo.

2

Identificar como se estrutura o parágrafo.

3

Distinguir as diferentes formas de enunciação do tópico frasal.

4

Identificar como se efetiva o desenvolvimento do tópico frasal.

O parágrafo Comecemos nossa conversa com o conceito de parágrafo definido por Garcia (1988, p. 203): O parágrafo é uma unidade de composição, constituída por um ou mais de um período em que se desenvolve determinada ideia central, ou nuclear, a que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela.

O conceito de parágrafo, definido anteriormente, é aplicado a um tipo de parágrafo-padrão, mas existem outras definições para ele. Na prática, existem diferentes tipos de estruturação de parágrafos, tudo depende do gênero composicional (Aula 2), do tópico abordado e sua complexidade, da capacidade do autor e sua intenção. Para Figueiredo (1999), o parágrafo é a principal parte de um texto, ele é necessário para assimilação do texto em sua completude. O leitor só poderá entender o texto se estiver dividido em parágrafos coesos, que “espelhem divisão lógica, da qual fazem parte a unidade, a coerência e a consistência” (FIGUEIREDO, 1999, p. 12). Segundo este autor: Os parágrafos representam parcelas ou blocos relacionados, progressivamente, uns com os outros, isto é, eles são dinâmicos e avançam logicamente numa determinada direção, desde o parágrafo introdutório até o último parágrafo, cada um dependendo do outro. [...] E o instrumento que serve para dividir o texto em parágrafos é determinado critério lógico; conforme o critério lógico adotado, o trabalho escrito terá muitos ou poucos parágrafos, longos, curtos ou médios.

Tomaremos como eixo norteador de nossos estudos, os princípios propostos por Figueiredo (1999). Para este autor, o conceito de parágrafo-padrão possui dois princípios:

1)

Todas as ideias devem estar organizadas e concentradas ao redor de uma ideia central para formar um raciocínio.

2)

Cada parágrafo deve se relacionar com o parágrafo anterior. O primeiro parágrafo apresenta o raciocínio geral, com uma ideia principal e introdutória; o segundo parágrafo relaciona-se com o primeiro, o terceiro relaciona-se com o segundo, numa cadeia de raciocínios. O último parágrafo fecha o círculo de raciocínios e constitui a conclusão. O entrelaçamento de um parágrafo com o outro, ou a ligação de um raciocínio com o outro, dá coesão ao texto.

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O parágrafo é marcado na folha impressa ou manuscrita por um ligeiro afastamento da margem esquerda da folha. Assim como sua estrutura, possuem extensão variada: há parágrafos longos e parágrafos curtos, de uma ou duas linhas e há os de página inteira, o tamanho do parágrafo varia de acordo com as circunstâncias. O que vai determinar sua extensão é o seu núcleo, a ideia central, a unidade temática, já que cada ideia exposta no texto deve corresponder a um parágrafo. Como exemplo de textos com um único parágrafo, temos o resumo indicativo (Texto 1), este serve para mapear as informações básicas de um trabalho de conclusão de curso (artigo, monografia, dissertação de mestrado e tese de doutorado). Ele é uma síntese, constituído de uma sequência de frases concisas e objetivas, ressaltando os aspectos mais relevantes do texto original, tudo isto estruturado em um único parágrafo. Vejamos o exemplo que segue.

Texto 1 Os gêneros multimodais em livros didáticos: formação para o letramento visual? Elizangela Patrícia Moreira da Costa, Cláudia Graziano Paes de Barros Resumo Neste texto, abordamos alguns aspectos envolvidos no ensino-aprendizagem de leitura, em particular a formação para o letramento visual. Procuramos observar o trabalho desenvolvido com os gêneros que aliam as linguagens verbal e visual, presentes nas atividades de leitura de duas coletâneas de livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Médio. Nosso objetivo foi compreender em que medida as atividades colaboram para o desenvolvimento de capacidades leitoras requeridas para as especificidades desses gêneros. Para tal, recorremos aos pressupostos enunciativo-discursivos de abordagem sócio-histórica do Círculo de Bakhtin, aliados a fundamentos da Semiótica Social para a compreensão da multimodalidade. A análise dos dados revelou que a incidência dos gêneros multimodais nas duas coletâneas estudadas é pouco representativa. O tratamento didático em atividades de leitura não favorece a mobilização de capacidades leitoras específicas para esses gêneros e pouco contribui para a formação do letramento visual dos alunos. Fonte: Moreira da Costa e Barros (2012).

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O resumo em artigo científico (Texto 1) é um gênero produzido em um único parágrafo, já o desenvolvimento das ideias, na introdução (Texto 2), possui vários parágrafos de extensão diferente. O que vai determinar a extensão de cada um é o conjunto de ideias associadas e que giram em torno de um mesmo núcleo. Figueiredo (1999, p. 71) afirma que “o parágrafo possui uma lógica, que é o principal critério para determinar seu tamanho”. Assim, a decisão quanto ao número de parágrafos e quantas linhas cada um deles ocupará dependerá das escolhas do autor na construção do processo textual. Ainda conforme Figueiredo (1999, p. 71), “se a redação discute três características de certo assunto, a lógica determina que elas sejam englobadas em um parágrafo ou apresentadas em três parágrafos, um para cada característica”. Quando as ideias são mais complexas, elas podem se desdobrar em mais de um parágrafo (Texto 2). Por outro lado, há assuntos que se prestam a parágrafos mais curtos, como é o caso dos diálogos, dos sumários, das leis e decretos.

Texto 2 Os gêneros multimodais em livros didáticos: formação para o letramento visual? / Multimodal genres in textbooks: are students being schooled for visual literacy? Cláudia Graziano Paes de Barros Elizangela Patrícia Moreira da Costa Introdução As inovações tecnológicas e os textos contemporâneos e, em especial, a inserção de imagens em todas as formas de representação da realidade social, têm influenciado e modificado os modos de leitura e escrita contemporâneos e colocado, cada vez mais, novos desafios às teorias de letramento, aos educadores e à escola. No bojo dessas transformações, podemos destacar o surgimento de novos gêneros discursivos como os chats, blogs, tweets e posts. Esses gêneros, como vários outros, extrapolaram os ambientes digitais e adentraram nos impressos (por exemplo, no livro didático) e, por sua vez, convocam novos letramentos, na medida em que orquestram em sua composição imagens e outras semioses, implicando múltiplas formas de significar. Sobre isso, Rojo enfatiza que “já não basta mais a leitura do texto verbal escrito – é preciso colocá-lo em relação com um conjunto de signos de outras modalidades de linguagem (imagem estática, imagem em

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movimento, som, fala) que o cercam, ou intercalam ou impregnam” (ROJO, no prelo, p.7). Com base na afirmação da autora, perguntamos: como os gêneros multimodais são abordados na escola? Como se inserem no livro didático e que tratamento lhes é dado no principal material de acesso à leitura nas escolas públicas brasileiras, o livro didático de Língua Portuguesa? Refletindo sobre esses questionamentos, neste artigo procuramos discutir a formação do leitor crítico, especificamente, o leitor da imagem (elemento constituinte das formas de representação da realidade da sociedade atual) presente em gêneros multimodais, a partir da observação de atividades de leitura de livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Médio. Neste recorte, trataremos da posição dos gêneros discursivos nos livros didáticos de Língua Portuguesa (doravante LDP), em específicas atividades de leitura. Para tanto, selecionamos duas coleções de livros, a partir da escolha de professores do Ensino Médio de duas grandes escolas de Cuiabá-MT. Em nosso trabalho, concebemos o livro didático de Língua Portuguesa como um gênero discursivo (BUNZEN & ROJO, 2005; PADILHA, 2005) que, segundo Padilha, em sua elaboração engendra três elementos: o autor (autor-criador), o herói (objeto) e o ouvinte (contemplador). O primeiro desses elementos é o responsável pelo projeto autoral, incluindo “a seleção dos textos, as adaptações, a formulação das atividades, a escolha teórico-metodológica, as diferentes propostas, o projeto gráfico” (p.81). Desse modo, a autora acredita que o autor, assim, como no romance, insere outros gêneros, que servem, no caso do livro didático, ao propósito pedagógico, assim como as cartas e outros gêneros inseridos no romance servem aos propósitos do enredo, da sequencialização dos conteúdos, na narrativa extensa (PADILHA, 2005, p. 88). O segundo elemento refere-se aos objetos de ensino a serem selecionados e didatizados. Ao autor compete todo o processo de didatização dos objetos selecionados, segundo suas concepções de língua(gem) imbricadas e influenciadas por diferentes discursos como, por exemplo, o discurso veiculado pelos documentos oficiais para o ensino de língua. O terceiro elemento refere-se à estrutura do livro didático, que deverá atender às necessidades não só dos alunos e professores, mas também de editores e avaliadores oficiais. Fonte: Moreira da Costa e Barros (2012).

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Como já comentamos, o tamanho do parágrafo vai variar de acordo com o gênero textual, o suporte, a esfera, a funcionalidade do texto, o objetivo do autor, entre outros critérios. A escolha por parágrafos curtos, médios ou longos deve atender à proposta almejada na produção do autor. Os parágrafos curtos são usados para textos pequenos, enunciados que normalmente são construídos com o objetivo de uma leitura rápida e de fácil assimilação, apresentando no máximo dois a três períodos, com aproximadamente 50 palavras. São encontrados em livros didáticos, revistas, propagandas, panfletos e servem, também, para enfatizar ideias mais relevantes no texto. Observe a Figura 1 a seguir.

Figura 1 – Exemplo de parágrafo curto em publicidade Fonte: Revista Placar, ano 41, n. 1352, p. 12, mar. 2011.

Já os parágrafos médios, são um pouco mais elaborados e contêm em média 150 palavras, distribuídas em três a quatro períodos. São encontrados em gêneros diversos como artigos, livros, resumos, entre outros. Este tamanho de parágrafo pede um leitor de cultura mediana, já que exige mais fluência no ato da leitura, pois as ideias avançam mais rapidamente em relação ao parágrafo curto. Por último, temos os parágrafos considerados longos, que comportam de 200 a 400 palavras por parágrafo. São textos mais elaborados, próprios de um leitor mais capacitado, culto e fluente. Vamos, agora, realizar alguns exercícios que facilitarão nossa compreensão sobre como se estrutura um parágrafo.

Exercícios Este exercício sobre paragrafação foi extraído e adaptado do site:

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Luto pela família Silva A assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava deitado na calçada. Uma poça de sangue. A Assistência voltou vazia. O homem está morto. O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção dos “Fatos Diversos” do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito: João da Silva. Morava na Rua da Alegria. Morreu de hemoptise. João da Silva – Neste momento em que seu corpo vai baixar à vala comum, nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar esta homenagem. Nós somos os Joões da Silva. Nós somos os populares Joões da Silva. Moramos em várias casas e em várias cidades. Moramos principalmente na rua. Nós pertencemos, como você, à família Silva. Não é uma família ilustre; nós não temos avós na história. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarce. No fundo, somos os Silva. Quando o Brasil foi colonizado, nós éramos os degredados. Depois fomos os índios. Depois fomos os negros. Depois fomos os imigrantes, mestiços. Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam o nosso nome. É por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos, andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos nosso nome de família. Usamos o sobrenome “de Tal”. A família Silva e a família “de Tal” são a mesma família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser considerada boa família. Até as mulheres que não são de família pertencem à Silva. João da Silva – nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não possuía sangue-azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho – vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai mal em política. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto, é que trabalha para os homens importantes. A família Crespi, a família Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda, a família Pereira Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na Inglaterra, na França, no Japão. A gente de nossa família trabalha nas plantações de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, no mato, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telha de barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz os bondes, enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos Bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca: faz tudo. Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo na vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João da Silva. Porque nossa família um dia há de subir na política. Fonte: Braga (1984).

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Atividade

1

Depois de ler e refletir sobre a organização dos parágrafos do texto anterior, responda às seguintes questões:

1

Suas previsões sobre o que seria dito no texto se confirmaram?

2

Quem fala e para quem no primeiro parágrafo? E do segundo parágrafo em diante?

3

Quando se refere ao sepultamento de João da Silva, o autor utiliza a expressão “vala comum”. Com que intenção ela foi utilizada no texto?

4

Você acha que os Silva estão sempre fadados a terminar numa “vala comum”? Justifique sua resposta.

5

Rubem Braga termina sua crônica utilizando a palavra “Apesar”. Justifique o uso dessa conjunção ao final do texto.

6

Qual é a ideia que percorre todo o texto? Ou seja, qual seria aquela que “amarra” o texto?

7

Como o autor separa os parágrafos desse texto? Qual a lógica dessa divisão?

8

O que você acha da forma de o autor paragrafar o texto? Explique.

9

Sugira outras formas de paragrafar este texto. Procure justificar sua paragrafação.

10

Divida o texto seguinte em parágrafos:

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MULHER SEM MEDO Notícia: Cientistas americanos estudam o caso de uma mulher portadora de uma rara condição, em resultado da qual ela não tem medo de nada. Folha.com, 17 de dezembro de 2010

“Ele não sabia o que o esperava quando, levado mais pela curiosidade do que pela paixão, começou a namorar a mulher sem medo. Na verdade havia aí também um elemento interesseiro; tinha um projeto secreto, que era o de escrever um livro chamado “A Vida com a Mulher sem Medo”, uma obra que, imaginava, poderia fazer enorme sucesso, trazendo-lhe fama e fortuna. Mas ele não tinha a menor ideia do que viria a acontecer. Dominador, o homem queria ser o rei da casa. Suas ordens deveriam ser rigorosamente obedecidas pela mulher. Mas como impor sua vontade? Como muitos ele recorria a ameaças: quero o café servido às nove horas da manhã, senão… E aí vinham as advertências: senão eu grito com você, senão eu bato em você, senão eu deixo você sem comida. Acontece que a mulher simplesmente não tomava conhecimento disso; ao contrário, ria às gargalhadas. Não temia gritos, não temia tapas, não temia qualquer tipo de castigo. E até dizia, gentil: “Bem que eu queria ficar assustada com suas ameaças, como prova de consideração e de afeto, mas você vê, não consigo.” Aquilo, além de humilhá-lo profundamente, deixava-o completamente perturbado. Meter medo na mulher transformou-se para ele em questão de honra. Tinha de vê-la pálida, trêmula, gritando por socorro. Como fazê-lo? Pensou muito a respeito e chegou a uma conclusão: para amedrontá-la só barata ou rato. Resolveu optar pela barata, por uma questão de facilidade: perto de onde moravam havia um velho depósito abandonado, cheio de baratas. Foi até lá e conseguiu quatro exemplares, que guardou num vidro de boca larga. Voltou para casa e ficou esperando que a

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mulher chegasse, quando então soltaria as baratas. Já antegozava a cena: ela sem dúvida subiria numa cadeira, gritando histericamente. E ele enfim se sentiria o vencedor. Foi neste momento que o rato apareceu. Coisa surpreendente, porque ali não havia ratos, sobretudo um roedor como aquele, enorme, ameaçador, o Rei dos Ratos. Quando a mulher finalmente retornou encontrou-o de pé sobre uma cadeira, agarrado ao vidro com as baratas, gritando histericamente. Fazendo jus à fama ela não demonstrou o menor temor; ao contrário, ria às gargalhadas. Foi buscar uma vassoura, caçou o rato pela sala, conseguiu encurralá-lo e liquidou-o sem maiores problemas. Feito que ajudou o homem, ainda trêmulo, a descer da cadeira. E aí viu que ele segurava o vidro com as quatro baratas. O que deixou-a assombrada: o que pretendia ele fazer com os pobres insetos? Ou aquilo era um novo tipo de perversão? Àquela altura ele já nem sabia o que dizer. Confessar que se tratava do derradeiro truque para assustá-la seria um vexame, mesmo porque, como ele agora o constatava, ela não tinha medo de baratas, assim como não tivera medo do rato. O jeito era aceitar a situação. E admitir que viver com uma mulher sem medo era uma coisa no mínimo amedrontadora”. Autor: Moacyr Scliar

11

Qual a tese que o autor levanta e como você se posiciona em relação a ela?

12

Que sentimento(s) decorre(m) desse texto? Que elementos do texto te levam a esta conclusão?

13

Ao término da divisão dos parágrafos, compare sua divisão com aquela realizada pelos seus colegas. Discutam e justifiquem as distintas escolhas feitas. Confrontem os critérios usados por cada um de vocês na paragrafação desse texto.

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O tópico frasal Normalmente, o parágrafo-padrão tem duas ou três partes: a introdução, o desenvolvimento e a conclusão, esta última menos frequente. É na introdução que se expressa de maneira sucinta o tópico frasal, este termo conforme Garcia (1988) é uma tradução do inglês topic sentence, também chamado de ideia-núcleo ou ideia central, a que se subordinam as demais ideias, representado por um ou dois períodos curtos, normalmente. O tópico frasal vai expressar uma opinião pessoal, um juízo, uma definição ou declaração acerca de algo. É o período que conduz as demais discussões do texto, ele será o itinerário do escritor na construção e desenvolvimento dos demais parágrafos. Devem-se procurar as palavras e/ou expressões mais significativas, pois elas promovem a compreensão, apreensão e constatação do tópico frasal. Podem existir casos em que o tópico frasal esteja diluído, fragmentado no decorrer do parágrafo-padrão, não se apresentando de forma tão clara, num período bem marcado. A segunda parte do parágrafo é o desenvolvimento. Neste há a explanação, discussão, comprovação da ideia-núcleo (tópico frasal), através de períodos considerados secundários ou periféricos. Por último, temos a conclusão, mais rara, nem sempre presente, especialmente nos parágrafos mais curtos e simples, a conclusão retoma a ideia central, levando em consideração os diversos aspectos selecionados no desenvolvimento. Observe o Exemplo 1 a seguir:

Exemplo 1 A dimensão verbo-visual da linguagem participa ativamente da vida em sociedade e, consequentemente, da constituição dos sujeitos e das identidades. Em determinados textos ou conjuntos de textos, artísticos ou não, a articulação entre os elementos verbais e visuais forma um todo indissolúvel, cuja unidade exige do analista o reconhecimento dessa particularidade. São textos em que a verbo-visualidade se apresenta como constitutiva, impossibilitando o tratamento excludente do verbal ou do visual e, em especial, das formas de junção assumidas por essas dimensões para produzir sentido. Fonte: Bakhtiniana (2009).

É por meio do parágrafo que contém a ideia central (tópico frasal) que o escritor expõe seu raciocínio e permite ao leitor entender como será o desdobramento do texto. Segundo Figueiredo (1999, p.18), “a idéia central é enunciação argumentável, afirmação ou negação que leva o leitor a esperar mais do escritor (uma explicação, uma prova, detalhes, exemplos) para completar o

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parágrafo ou apresentar um raciocínio completo”. Enunciando a ideia-núcleo, o tópico garante objetividade, coerência e unidade ao parágrafo (GARCIA, 1988).

Configurações de enunciação do tópico frasal O tópico frasal geralmente abre o parágrafo, mas essa posição pode sofrer variações, ele poderá também vir no meio ou no fim do parágrafo. Mostraremos agora algumas das diferentes formas de enunciação do tópico frasal, o que possivelmente o ajudará a iniciar o seu texto nos momentos de indecisão que precedem o ato de produzir. Faremos esta classificação baseados em Garcia (1988) e Figueiredo (1999), adaptando-a de acordo com a funcionalidade desta aula e o que julgamos mais relevante.

1)

Declaração inicial –“o autor afirma ou nega alguma coisa logo de saída para, em seguida, justificar ou fundamentar a asserção, apresentando argumentos sob a forma de exemplo, confrontos, analogias, rações, restrições [...]” (GARCIA, 1988, p. 208). Nesse tipo de parágrafo, o assunto é delineado e desenvolvido, geralmente por meio de uma informação ou opinião.

Exemplo 2 Todos reconhecem a importância dos computadores, mas nem todos conhecem a história de sua invenção e aperfeiçoamento.

2)

Definição – Os parágrafos de definição são habituais e essenciais em determinados textos como ensaios, narrativas e artigos. É bastante frequente o tópico frasal assumir a forma de uma definição, por ser um método essencialmente didático de enunciar o tópico frasal.

Exemplo 3 “O artigo é um trabalho realizado a partir de uma teoria formulada e desenvolvida pelo seu autor. Pode ser escrito em um só tópico ou subdividido em partes, em função de uma ou mais variáveis [...]”. (MARTINS JUNIOR, 2010, p. 27).

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Para Figueiredo (1999, p. 55-56), quatro regras devem ser aplicadas na construção da definição, vejamos a adaptação das regras propostas por este autor:

a)

b)

A definição jamais pode conter o termo definido, para não formar círculo vicioso (definição circular) que confunde o leitor e nada explica. Exemplos: 

Democracia é um processo democrático.



O astrônomo é uma pessoa que estuda astronomia.

A definição não é longa lista de sinônimos que o escritor enumera no meio do texto. Exemplos: 

c)

A definição não contém palavras veementes ou emocionais, pois estas extrapolam os limites da definição e acabam revelando o subjetivismo e a parcialidade do escritor num assunto que deve ser objetivo e sóbrio. Exemplos de definição emocional: 

d)

Educação é aumentar os conhecimentos, desenvolver e aprimorar o caráter, treinar, ensinar liderança, encaminhar para o bem, refinar o gosto e orientar para o melhor caminho.

A eutanásia é instrumento criminoso utilizado pelas pessoas inescrupulosas e sem esperanças.

A definição usa o paralelismo: substantivo (s.) é seguido por substantivo (s.); verbo (v.), no nosso tempo e modo. Assim: Certo Aluno (s.) é um estudante (s.)... Aluno (s.) é quando (conj.)...

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Errado Corja (s.) é um grupo (s.)... Corja (s.) é reunir (v.)...

Exemplo 4 O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no mundo, isto é, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. É um modo ingênuo, fantasioso, anterior a toda reflexão e não-crítico de estabelecer algumas verdades que não só explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural, mas que dão, também, as formas da ação humana. Fonte: <www.algosobre.com.br/redacao/o-paragrafo-chave-18-formas-para-voce-comecar-um-texto.html>. Acesso em: 18 mar. 2013.

3)

Classificação e divisão – A divisão é uma ação que consiste em apresentar o tópico frasal, de forma objetiva e precisa, “sob a forma de divisão ou discriminação das ideias a serem desenvolvidas” (GARCIA, 1988, p. 209). Já a classificação, segundo Figueiredo (1999, p. 62), “ajuda o autor a desenvolver o texto e auxilia os leitores a entender o assunto, especialmente se este for complexo.” A classificação está interessada em sistematizar as classes, indo da menos inclusiva para as mais inclusivas, ela não é apenas divisão, mas a organização de uma ideia, um conceito, características ou qualidades de um item (FIGUEIREDO, 1999).

Exemplo 5 O artigo, segundo a NBR 6022/2003 (ABNT, 2003, p.2), divide-se em artigo de revisão e artigo original [...]: Parte de uma publicação que apresenta temas ou abordagens originais.

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271

A seguir, temos também dois exemplos de divisão, no entanto, eles não se configuram parte do tópico frasal, mas estão no desenvolvimento do texto, no caso, um artigo acadêmico.

Exemplo 6 Dessa forma, o artigo está organizado da seguinte maneira: inicialmente na introdução apresentamos a temática, os objetivos da pesquisa, bem como a organização do artigo. Na primeira seção, compreendida pelo referencial teórico, desenvolvem-se em dois subtópicos as considerações acerca das postulações de Bakhtin sobre enunciado, gênero e dialogismo. Na segunda seção, apresentamos a metodologia para a seleção do corpus e os passos de análise. Na terceira seção, explanamos sobre o gênero carta do leitor, o seu horizonte temático e a análise sociodialógica, e por fim, a seção que direciona o leitor às considerações finais.

Exemplo 7 Para Bakhtin (2003), os limites de cada enunciado são definidos pela (1) alternância dos sujeitos do discurso; (2) conclusibilidade do enunciado e (3) expressividade. A (1) alternância dos sujeitos do discurso é considerada a primeira peculiaridade constitutiva do enunciado como unidade de comunicação discursiva. Como segunda peculiaridade do enunciado, temos a (2) conclusibilidade do enunciado, considerado como um aspecto interno da alternância dos sujeitos do discurso e com alguns critérios, como a possibilidade de responder a ele e de ocupar em relação ao enunciado uma posição responsiva. Como terceira característica do enunciado, temos (3) a expressividade: é no gênero que a palavra ganha “certa expressão típica”, para Bakhtin (2003, p. 292) “a expressão de gênero da palavra – e a expressão de gênero da entonação – é impessoal como impessoais são os próprios gêneros do discurso”. Fonte: Bezerril (2011).

4)

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Alusão histórica – Recurso muito utilizado por oradores, cronistas e autores proficientes. O parágrafo, assim iniciado, situa o leitor no tempo e facilita a apreensão do problema. Conforme (GARCIA, 1988, p. 210), diz respeito à “alusão a fatos históricos, lendas, tradições, crendices, anedotas ou a acontecimentos de que o Autor tenha sido participante ou testemunha”. Observe os exemplos a seguir.

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Exemplo 8 Após a queda do muro de Berlim, acabaram-se os antagonismos lesteoeste e o mundo parece ter aberto de vez as portas para a globalização. As fronteiras foram derrubadas e a economia entrou em rota acelerada de competição. Fonte: <www.algosobre.com.br/redacao/o-paragrafo-chave-18-formas-para-voce-comecar-um-texto.html>. Acesso em: 18 mar. 2013.

Exemplo 9 Entre as inúmeras recordações que guardo da prática dos debates nos Círculos de Cultura de São Tomé, gostaria de referir-me agora a uma que me toca de modo especial. Visitávamos um Círculo numa pequena comunidade pesqueira chamada Monte Mário. Tinha-se como geradora a palavra bonito, nome de um peixe, e como codificação um desenho expressivo do povoado, com sua vegetação, as suas casas típicas, com barcos de pesca ao mar e um pescador com um bonito à mão. O grupo de alfabetizandos olhava em silêncio a codificação. Fonte: Freire (1989, p. 25).

5)

Exemplificação – Este recurso é desenvolvido por mediação de exemplos e/ ou ilustrações. Normalmente, parte-se do geral para as partículas. Segundo Figueiredo (1999), “o exemplo ou ilustração envolve o pensamento em torno de classes e itens particulares pertencentes à mesma categoria [...] Exemplo: os insetos (geral), como as aranhas e mosquitos (particulares)”.

Muitos poluidores químicos contribuem para degradar os rios. Os resíduos industriais são os piores, porque contêm uma série de elementos químicos altamente prejudiciais à vida aquática, como o benzeno, aldeído e várias espécies de ácido. Os agrotóxicos utilizados para combater as pragas na agricultura também são poluidores que alcançam os rios, envenenando e matando organismos, principalmente os peixes. Os esgotos residenciais transportam para os rios diversos tipos de poluidores químicos, dentre os quais o mercúrio.

Tópico frasal

Principais fontes poluidoras citadas ou exemplificadas, todos fazem parte de uma mesma classe.

Fonte: Figueiredo (1999).

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6)

Dispersão ou diluição (tópico implícito) – Infere-se o tópico do desenvolvimento da ideia central apresentada por meio de argumentos e dados.

Exemplo 10 O tópico frasal parece ser

“O Grande São Paulo – isto é, a capital paulista e as cidades que a circundam – já andam em torno da décima parte da população brasileira. Apesar da alta arrecadação do município e das obras custosas, que se multiplicam a olhos vistos, apenas um terço da cidade tem esgotos. Metade da capital paulista serve-se de água provenientes de poços domiciliares. A rede de hospitais é notoriamente deficiente para população, ameaçada por uma taxa de poluição que técnicos internacionais consideram superior à de Chicago. O trânsito é um tormento, pois o acréscimo de novos veículos supera a capacidade de dar solução de urbanismos ao problema. Em média, o paulista perde três horas de seu dia para ir e voltar, entre a casa e o trabalho”.

este, mas na realidade, ele está diluído em todo o texto. Eis o que poderia ser considerado o tópico frasal: “Graves problemas urbanos enfrenta o Grande São Paulo”.

Fonte: Garcia (1988, p. 213).

7)

Interrogação – O parágrafo começa com uma interrogação, seguido do desenvolvimento sob a forma de resposta ou esclarecimento. A pergunta nem sempre é respondida de imediato. Ela serve para despertar a atenção do leitor para o tema e será respondida ao longo da argumentação.

Exemplo 11 Será que é com novos impostos que a saúde melhorará no Brasil? Os contribuintes já estão cansados de tirar dinheiro do bolso para tapar um buraco que parece não ter fim. A cada ano, somos lesados por novos impostos para alimentar um sistema que só parece piorar. Fonte: <www.algosobre.com.br/redacao/o-paragrafo-chave-18-formas-para-voce-comecar-um-texto.html>. Acesso em: 18 mar. 2013.

Dependendo das escolhas do escritor, dos seus interlocutores, da situação e intencionalidade da produção, existem outras formas de se iniciar o parágrafo, cabendo ao autor usar da criatividade e bom senso.

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Desenvolvimento do tópico frasal O desenvolvimento do tópico frasal é a explanação da ideia principal do parágrafo e esta é feita através das ideias secundárias. Para que o parágrafo tenha unidade, faz-se necessário que as ideias secundárias estejam ajustadas ao redor da ideia central, refletindo um raciocínio coeso e completo. Dependendo da finalidade da exposição, da natureza do assunto, do estilo do autor e de outros fatores, os processos de desenvolvimento são selecionados. O que importa é uma fundamentação, por parte do autor, clara, coerente, objetiva e convincente em relação às ideias que expõe e defende. Todos os períodos dos parágrafos devem trabalhar para a mesma finalidade. Após o término de cada parágrafo, é necessário verificar se de fato existe uma ligação pertinente entre os períodos, verificação imprescindível para manutenção da unidade do parágrafo. Acreditamos que alguns recursos citados aqui possam ajudá-los a elaborar o seu parágrafo de forma pertinente aos objetivos almejados por você em sua produção textual. Na seção “Configurações de enunciação do tópico frasal”, você verificou algumas possibilidades de enunciação do tópico frasal, e percebeu que para o parágrafo iniciar bem é necessária a formulação de um forte período tópico, assim a ideia central deve ser pensada e redigida com bastante atenção. Agora, trataremos de alguns recursos referentes às ideias secundárias citadas no parágrafo-padrão e que serão desenvolvidas, obviamente, no decorrer de toda a sua produção. Esperamos que os recursos comentados a seguir contribuam na estruturação de parágrafos mais consistentes e satisfatórios.

1)

Enumeração de pormenores – Configura-se basicamente como um bom parágrafo descritivo e é um dos mais comuns. A ideia desenvolvida no tópico frasal é desenvolvida ou especificada através dos pormenores.

Exemplo 12 A arte é tudo que pode causar uma emoção estética (tópico frasal), tudo que é capaz de emocionar suavemente a nossa sensibilidade, dando a volúpia do sonho e da harmonia, fazendo pensar em coisas vagas e transparentes, mas iluminadas e amplas como o firmamento [...]. É, em conclusão, a energia criadora do ideal. Fonte: Brito (apud MONTEIRO, 1966, p. 91).

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275

2)

Confronto – Nesse tipo de parágrafo, o tópico frasal não é explícito, pois a ideia-núcleo é o próprio confronto. É um processo que “consiste em estabelecer confronto entre ideias, seres, coisas, fatos ou fenômenos. Sua forma habitual é o contraste (baseado nas dessemelhanças), e o paralelo (que se assenta nas semelhanças)”. (GARCIA, p. 215).

Exemplo 13 De um lado, professores mal pagos, desestimulados, esquecidos pelo governo. De outro, gastos excessivos com computadores, antenas parabólicas, aparelhos de videocassete. É este o paradoxo que vive hoje a educação no Brasil.

Exemplo 14 Os jovens precisam dos pais para se sentir seguros. Apesar de alguns negarem o apoio paterno, pois acreditam que já sabem tudo do mundo; outros se guiam nas ideias e atitudes dos pais para tomar as principais atitudes da vida.

3)

Causa e efeito – Para Figueiredo, nesse tipo de parágrafo o escritor enfatiza as conexões entre um ou vários resultados (efeitos) e os seus precedentes (causas). Ainda, conforme Garcia (1988, p.221), “só os fatos ou fenômenos físicos têm causa: os atos ou atitudes praticados ou assumidos pelo homem têm razões, motivos ou explicações.” Os primeiros têm efeitos, e os segundos, consequências.

Exemplo 15 Tanto do ponto de vista individual quanto social, o trabalho é uma necessidade, não só porque dignifica o homem e o provê do indispensável à sua subsistência, mas também porque lhe evita o enfado e o desvia dos vícios do crime.

Para finalizar, iremos retomar uma breve explicação do conceito de parágrafo por Figueiredo, e logo em seguida você fará algumas atividades de paragrafação para praticar a sua escrita.

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Se o parágrafo apresenta uma ideia central para qual convergem todas as ideias periféricas, organizadas e desenvolvidas uniformemente, segundo critério lógico, ele possui as três qualidades necessárias para a construção de um bom parágrafo: unidade, coerência e consistência. Sem essas qualidades, o parágrafo torna-se confuso, atrapalha e irrita o leitor. Há vários tipos de parágrafos. Além do parágrafo introdutório e conclusivo, há o parágrafo expositivo e argumentativo (próprio da dissertação), descritivo (próprio da descrição) e narrativo (próprio da narração), os quais podem se subdividir para definir um termo, fazer comparação, contar anedota, eliminar alternativas, apresentar causa e efeito, classificar, dividir...

Coerência Tratamos deste assunto nas Aulas 9 e 10.

Fonte: Figueiredo (1999, p. 14).

Leitura complementar Agora que você estudou sobre a estruturação do parágrafo, recomendamos a leitura de outros processos encontrados em Garcia (1988), no capítulo destinado à paragrafação.

Vejamos a seguir algumas atividades de tópico frasal:

Atividade 1 a)

2

Assinale os tópicos frasais dos seguintes parágrafos:

“Quanto mais contato com a rede, melhor. Os jovens lucram (e muito) com comunidades virtuais e pesquisas na web. “A grande mudança da era digital é fazer com que os meios, o conhecimento e a autoridade agora sejam de todos. Estamos produzindo conhecimento juntos, não de forma individual e não precisamos mais carregar os fatos conosco. Em vez de memorizar o PIB da Índia, podemos consultá-lo na Wikipédia. A compreensão não é tão simples como o conhecimento; ela é sempre objeto de novas interpretações e

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discussões. E é justamente nesse ponto que a internet é melhor que os outros meios. Ela permite que as pessoas discutam e, assim, compreendam melhor o mundo. Os professores precisam estimular os alunos a fazer o que nós, adultos, fazemos: consultar a informação na internet e avaliá-la com outras pessoas.” Fonte: David Weiberger (Adaptado da Revista Superinteressante, maio 2008)

b)

Seca: escassez de água ou de decoro político? Rafael dos Anjos - estudante Não são as chuvas escassas o principal problema dos que vivem no Sertão. O maior empecilho é a falta de interesse político, haja vista a conveniência de existirem eleitores miseráveis e persuasíveis, que se tornam presas fáceis aos objetivos meramente eleitoreiros dos candidatos da região. Fonte: Anjos (apud CARDOSO, s.d).

c)

DENÚNCIAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER CRESCEM 112% EM 2010 A violência contra a mulher tem sido, por um lado, objeto de reflexões de diversos estudiosos e, por outro, alvo de ações implementadas por órgãos governamentais e não governamentais no intuito de denunciar e erradicar esse crime. Neste segundo semestre de 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está desenvolvendo uma campanha publicitária nacional com o objetivo de promover a aplicabilidade da Lei Maria da Penha tanto por parte dos órgãos Judiciários como pela sociedade. Com o slogan “Violência contra a mulher não tem desculpa, tem Lei”, filmes, cartazes, banners e outras peças de propaganda estão sendo veiculados por diversos meios de comunicação. O CNJ está fazendo a sua parte. Você também deve fazer a sua. Fonte: Fragmento de reportagem. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2010.

d)

Hoje, sabe-se que a escrita não representa a fala seja qual for o ângulo de análise, que essa não é um texto construído caoticamente, tampouco a escrita sempre se comporta como um texto “controlado e bem-formado” (Marcuschi 2000:47). O informal/formal são possibilidades de usos da língua falada e da língua escrita, e não atributos. Por isso, não podemos estabelecer relações hierárquicas entre ambas, nem se pode dizer que a retextualização visa à organização do texto oral, pois fala e escrita são duas alternativas sócio-interativas da língua, com semelhanças e diferenças. Fonte: Anagrama (2008).

278

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2

Responda às questões referentes ao texto “OS EQUÍVOCOS SOBRE ESTRANGEIRISMO” (Sírio Possenti).

OS EQUÍVOCOS SOBRE ESTRANGEIRISMO (Por Sírio Possenti) (1) Dito isso, vamos às questões lingüísticas para discutir duas ou três teses correntes, a meu ver, equivocadas. (2) Uma tese que se apresenta como inteligente sobre a questão reza que as palavras estrangeiras podem ser aceitas quando não há equivalente em nossa língua. Ora, nenhuma palavra equivale a outra – a sinonímia é sempre uma aproximação. Seria fácil mostrar que lindo, belo e bonito não se equivalem, que não usáveis pelos mesmos enunciadores nos mesmos gêneros ou circunstâncias. Do mesmo modo, salvar não é gravar (ninguém salva um disco nem um diretor de cinema gritaria “salvando”), nem delivery é simples entrega a domicílio (a conotação de modernidade é óbvia em um caso e não existe no outro). (3) Antes, diga-se que os críticos dos estrangeirismos são também grandes adversários dos traços populares da língua pátria – nas gramáticas, os estrangeirismos estão entre os vícios, junto aos regionalismos e aos brasileirismos. (4) O mais interessante, porém, é que os estrangeirismos mostram aspectos relevantes da gramática da nossa língua. Assim, nenhum verbo importado é defectivo ou simplesmente irregular; e todos são da primeira conjugação e se conjugam como os verbos regulares da classe. Outro aspecto: todas as palavras se encaixam em um padrão silábico dominante: shopping é simplesmente [xópin], marketing é simplesmente [márketin]. (5) Para mostrar que a nossa língua está vivíssima, nada melhor que uma grande invasão, que a muitos parece lingüística, mas que é só lexical – é periférica. O que certamente está mal das pernas é nossa economia. Talvez, também nossa cultura. O que inclui dar importância a certas conotações...

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279

(6) Outra diz que, para serem aceitas, as palavras estrangeiras devem ser aportuguesadas. Com isso, em geral, quer-se dizer grafar à moda da nossa legislação ortográfica (teríamos que encontrar formas de escrever marketing, shopping, show, cooper etc). Ora, qualquer um percebe que as palavras estrangeiras são aportuguesadas sempre. Nenhum de nós diz “e-mail” ou “orkut” com pronúncia de americano (mais ou menos [í:mel] e [órkãt]) – dizemos “desavergonhadamente” [iméil] e [orcútchi]. (7) Creio que não se pode falar sobre a incorporação de palavras estrangeiras sem mencionar duas posições ideológicas opostas: a) a invasão do léxico segue uma grande invasão econômico-cultural; b) é inútil proibir a invasão das palavras sem que haja condições de reagir ao resto. (8) O resultado é que, considerados apenas do ponto de vista lingüístico, os estrangeirismos são uma bênção. Com eles, uma língua passa a fazer novas distinções, que são – ou se tornam – socialmente relevantes – gravar passa a ser um campo dividido entre “gravar” com gravador ou com filmadora e “salvar” com computador. Acrescente-se que esse não é o único significado dessas palavras, que nem sempre são novas na língua, como é exatamente o caso de salvar, assim como já era o de gravar, que pode referir-se a escrever numa pedra ou numa casca de árvore. (9) Além de permitirem novos significados, os estrangeirismos assumem valores. Assim, termos ingleses conotam modernidade nos campos do comércio ou da tecnologia; o francês continua a conotar elegância. Prédios parecerão mais modernos se se chamarem Tower, restaurantes, mais elegantes se se chamarem Le Troquet e mais autênticos se se chamarem La Pasta de la mama. Fonte: Adaptado de Revista Língua Portuguesa, jan. 2006. Disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2013.

280

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Questões

3

a)

Determine a intenção comunicativa veiculada, o gênero e a sequência textual dominante.

b)

Reordene a numeração dos parágrafos de forma que se estabeleça uma progressão textual coerente.

c)

Justifique a segmentação do texto em nove parágrafos.

d)

Identifique, caso se façam presentes, os mecanismos coesivos que auxiliam a localização dos três últimos parágrafos.

e)

Eleja um dos parágrafos e identifique, caso se façam presentes, os mecanismos coesivos que interligam as frases.

f)

Analise a organização semântica dos parágrafos: todos apresentam uma ideia central explícita desdobrada em ideias secundárias? Justifique.

Os parágrafos a seguir são constitutivos de um texto publicado no sítio: , e a ordem em que aparecem neste exercício foi intencionalmente alterada. Leia-os atentamente e, com base nos seus conhecimentos sobre paragrafação e recursos coesivos, responda às questões que seguem. O parágrafo inicial não teve modificada a ordem.

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281

30/12/2012 Folha de São Paulo-Mercado Instagram perde 22% dos usuários diários (01) Após a polêmica da nova política de privacidade, o Instagram, rede social de compartilhamento de fotos, perdeu 22% de seus usuários diários em sete dias. ( ) O escritório de advogacia Finkelstein & Krinsk, baseado em San Diego, na Califórnia, alega que a nova política de privacidade representa uma quebra de contrato em relação aos termos atuais. ( ) Esse fluxo caiu de 15,9 milhões para 12,4 milhões, diz a AppData, que pondera que a sazonalidade de fim de ano teria contribuído para a queda. ( ) O escritório registrou o processo na Corte da Califórnia no dia 21. ( ) Em vez de tomar os direitos, o Instagram voltou atrás e afirmou querer apenas “licenças de uso” das fotos. ( ) Segundo o texto do processo, as licenças de uso constituem um uso não consensual do “nome, voz, assinatura, fotografia e afins” dos usuários, o que viola a lei da Califórnia. ( ) Além disso, o processo acusa o Instagram de limitar as vias pelas quais os usuários podem reclamar por seus direitos. ( ) O processo afirma que, se não concordarem com os novos termos do Instagram, os usuários podem cancelar seu perfil, mas abrirão mão do que foi previamente compartilhado na rede social. ( ) As novas regras do Instagram entram em vigor em 19 de janeiro de 2013, mas já foram revistas devido à comoção de usuários na internet que não gostaram da possibilidade de ver os direitos das imagens que postaram serem automaticamente transferidos para a rede social. ( ) “Em suma, o Instagram declara que a ‘posse [das fotos] é nove décimos da lei e, se você não gosta, não pode pará-los’”, afirma. ( ) Mesmo após rever a política de privacidade para eliminar as cláusulas que lhe permitiam tomar os direitos autorais de usuários, o Instagram agora é alvo de um processo judicial nos EUA. Fonte: Instagram perde 22% dos usuários diários. Disponível em:
282

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I

Resumo Nesta aula, sintetizamos os nossos estudos em relação à paragrafação. Ressaltamos que todo texto é formado de ideias organizadas com clareza e desenvolvidas em parágrafos. Portanto, um parágrafo deve apresentar clareza e ordenação na exposição das ideias, unidade, consistência, coerência, coesão, concisão e correção gramatical. Você viu que cada parágrafo é como um pequeno texto com introdução, desenvolvimento e conclusão, constituído por um ou vários períodos e seu núcleo é denominado de tópico frasal (tese, ideia central, ideia-núcleo).

Autoavaliação As quatro questões que seguem devem ser respondidas para cada texto. Organize os parágrafos de modo que se restabeleça a coerência inicial do texto. Atente para os mecanismos coesivos presentes em cada parágrafo.

1

Identifique, em cada parágrafo, quais conectores são os responsáveis pelo encadeamento das ideias e que tipo de relação estabelecem entre o que se diz (adversidade, explicitação, complementação, conclusão etc.).

2

3

Avalie de que modo os conectores, se bem empregados, podem contribuir para a constituição da progressão e do sentido do texto.

4

Elabore parágrafos coerentes partindo dos seguintes tópicos frasais.

Texto 1 A cada época, na marcha da civilização, correspondem processos novos de educação para uma adaptação constante as novas condições de vida social e à satisfação de suas tendências e necessidades. (AZEVEDO, 1937)

Texto 2 A sala de aula é um lugar onde a interação é o centro das preocupações.

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283

Texto 3 Há alguns anos, quando os acidentes de trânsito começaram aumentar assustadoramente, começou-se a pensar seriamente na educação para o trânsito. A tentativa de conscientização da necessidade de obedecer à sinalização, ao limite de velocidade, enfim de usar o veículo como um meio de ida e não como uma possibilidade de morte ganhou dimensão nacional, incluindo a orientação nas escolas.

Texto 4 Conter a destruição das florestas se tornou uma prioridade mundial, e não apenas um problema brasileiro.

Referências ADAM, J. M. Les Textes: types et prototypes. Paris: Editions Nathan, 1992. ______. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Vários tradutores. São Paulo: Cortez, 2008. AZEVEDO, Fernando de. Educação e seus problemas. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1937. BAKHTINIANA, São Paulo, v. 1, n. 1, p.142-160, 1 sem. 2009. BEZERRIL, Gianka S. Propagandas direcionadas ao público masculino: o objeto do discurso e a construção das imagens. Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura, ano 7, n. 14, 2011. Edição Especial. BEZERRIL, Gianka S.; ACOSTA-PEREIRA, Rodrigo. Produção de texto I. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2011. BONINI, A. A Noção de sequência textual e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola, 2005. p. 208-236. BRAGA, Rubem. Luto da família Silva. In: PARA gostar de ler. 4. ed. São Paulo, Ática: 1984. BRAIT, Beth. A Palavra mandioca do verbal ao verbo-visual / The Word Manioc from Verbal to Verbal Visual Language. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 1, p.142-160, jan./jun. 2009.

284

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I

DANTAS, G. F. de L. O pânico moral. Disponível em: . Acesso em: 30 dez. 2012. GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna: aprendendo a escrever, aprendendo a pensar. 14. ed. Ri de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988. LANDARIM, Noely. O parágrafo-chave: 18 formas para você começar um texto. Disponível em: <www.algosobre.com.br/redacao/o-paragrafo-chave-18-formas-para-voce-comecar-um-texto.html>. Acesso em: 30 dez. 2012. MARTINS JUNIOR, J. Como escrever trabalhos de conclusão de curso: instruções para planejar e montar, desenvolver, concluir, redigir e apresentar trabalhos monográficos e artigos. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010. MEURER, J. L; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola, 2005. MONTEIRO, C. Nova Antologia Brasileira. 19. ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1966.  MOREIRA DA COSTA, Elizangela Patrícia; BARROS, Cláudia Graziano Paes de. Os gêneros multimodais em livros didáticos: formação para o letramento visual? Bakhtiniana, São Paulo, v. 7, n. 2, jul./dez. 2012. Disponível em: . Acesso em: 28 dez. 2012. SAVIOLI, F. P.; FIORIN, J. L. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1996. SCLIAR, Moacyr. Mulher sem medo. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2012.

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Anotações

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Aula 12 Leitura e Produção de Textos I

Perfil das autoras

Gianka Salustiano Bezerril é graduada em Letras (Língua Portuguesa e Literaturas afins) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1993), especialista em Leitura e Produção de Texto (1999), mestre em Letras (2003) pela UFRN e doutoranda em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa, atuando principalmente nos seguintes temas: educação integral, linguística aplicada, gêneros do discurso, letramento e formação de professores. Atualmente, é professora assistente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Janaína Moreno Matias possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2008), tem Especialização em Gramática, Texto e Discurso pela mesma universidade e é Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL). Atualmente, é professora efetiva da rede pública do Estado do Rio Grande do Norte.

Perfil das autoras

287

Julianny de Lima Dantas Simião é Mestre em Linguística Aplicada (PPgEL/UFRN) e professora substituta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, lecionando disciplinas de Língua Portuguesa e Leitura e Produção de Textos. Leciona, ainda, na graduação a distância (EAD) da mesma universidade. Como pesquisadora, aborda, principalmente, os temas: gêneros discursivos, livro didático, linguagem verbo-visual e leitura e produção de textos.

Maria da Penha Casado Alves possui Mestrado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente, é professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), atuando na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL) na área de Linguística Aplicada. Tem experiência na área de Linguística Aplicada, com ênfase em estudos da linguagem a partir das reflexões de Bakhtin e o círculo, atuando, principalmente, nos seguintes temas: gêneros do discurso, estilo, ensino de Língua Portuguesa, avaliação do livro didático, leitura e escrita na esfera escolar.

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Anotações

Perfil das autoras

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Anotações

Esta edição foi produzida em abril de 2014 no Rio Grande do Norte, pela Secretaria de Educação a Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (SEDIS/UFRN).

SEDIS Secretaria de Educação a Distância – UFRN | Campus Universitário Praça Cívica | Natal/RN | CEP 59.078-970 | [email protected] | www.sedis.ufrn.br

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