Manual Curso De Terapias Criativas - Porto 2012

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CURSO DE ARTES TERAPIAS APECV – Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual Porto Janeiro - Abril 2012

MÓDULO I: INTRODUÇÃO ÀS TERAPIAS CRIATIVAS

Formadora: Diana Trindade (Psicóloga e Arte-Psicoterapeuta)

- Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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História das Terapias Criativas Artes Visuais, Música, Dança e Drama em Terapia

Antecedentes da utilização das artes na cura

A introdução da utilização da arte na terapia torna-se mais compreensível se contextualizarmos a arte no geral. A arte é algo nativo em todas as sociedades; a actividade de pintar é quase tão antiga como o Homem. Nesse sentido, pode-se dizer que as origens das Artes-Terapias remontam à pré-história, quando os nossos antepassados expressavam as sua relações com o mundo através das pinturas que realizavam nas paredes das cavernas, procurando o significado da existência nessas imagens. Existem evidências arqueológicas que sugerem que durante o Paleolítico o homem começou a criar arte. Os investigadores chegam à conclusão que, durante este período, de 45,000 a 35,000 anos atrás, deu-se uma explosão criativa. Eles associam esta explosão ao inicio do pensamento simbólico e metafórico. Para além disso, a arte, sob a forma de desenho, pintura, dança, música, dramatização ou outros meios de criação artística, esteve sempre directamente ligada à religião, pois desde os tempos mais remotos que os feiticeiros, curandeiros e xamãs usavam as artes com uma finalidade catártica e curativa nos seus rituais mágicos. Antes de existirem psicoterapias, o tratamento da mente humana era feito por via do espiritual, no sentido em que a psicopatologia era vista como possessão demoníaca, males do espírito, etc.. Todavia a arte como elemento catártico, curativo e transformador cumpria o mesmo objectivo que hoje em dia, nas psicoterapias modernas. As origens da arte e da religião parecem assim estar ligadas porque as artes providenciam meios simbólicos eficazes para expressar ideias religiosas abstractas. De facto a arte pode ser perspectivada como estando sempre lado a lado a determinada sociedade, reflectindo-a e simultaneamente lançando novas tendências. A utilização terapêutica da arte ocorre há séculos, com uma diversidade que espelha a variedade da experiência e necessidades artísticas. Tem sido utilizada como um veículo simbólico de captura do inexprimível numa imagem, som ou movimento. Em todas as culturas as primeiras tentativas de comunicação ocorreram a um nível pré-verbal, gestual e de expressão corporal. Á medida que a linguagem e a estrutura verbal se desenvolveram a dança ocupou um lugar de destaque, como expressão poderosa e unificadora de movimentos solenes do ser humano, como o nascimento, a puberdade, o casamento e a morte. As culturas orientais têm uma história longa de uma filosofia monista, com os conceitos de corpo e mente interligados e tidos como uma parte de uma unidade. O Tai-Chi e a meditação são exemplos de meios através dos quais o indivíduo pode potenciar o seu equilíbrio e crescimento do sistema mente-corpo. No dicionário dos símbolos (Chevalier et Gheerbrant, 1982) são apresentados uma série de exemplos da cultura indiana, chinesa, africana e egípcia, de como a dança era tida e utilizada por estes povos. Por exemplo, as danças rituais da Índia fazem intervir todas as partes do corpo, - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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com gestos que simbolizam estados de espírito diferentes. Todas estas figuras exprimem e remetem para uma espécie de fusão num mesmo movimento estético, emotivo, erótico e religioso. Em 1609, John Lowin Roscio publica um livro acerca dos benefícios para a saúde da dança, sugere que dançar pode ajudar a “curar alguma obstrução ou impedimento corporais, fraqueza no cérebro ou enfermidade nalguma outra parte.”

Também a música tem sido utilizada desde a antiguidade como um instrumento terapêutico e incluída em rituais de cura, sendo estes muitas vezes ainda executados hoje em dia. Se examinarmos textos históricos verificamos que o aspecto curativo da música esteve sempre presente, sendo utilizada como instrumento terapêutico pelos antigos chineses, hindus, persas, egípcios, gregos e outros povos. Mas mesmo na cultura Ocidental é possível observar que há muito se consideram os potenciais curativos da música. Temos por exemplo a teoria da vibração de Pitágoras, que afirma que a melodia harmoniosa da música produz uma vibração que funciona como um micro-cosmos que espelha o macro-cosmos. Afirma também que a vibração provocada pela música influencia as vibrações do que a rodeia. Podendo desta forma levar a que corpos que a rodeiam mimetizem as suas vibrações, podendo desta forma harmonizar os corpos. Na história da Grécia encontramos várias citações ao poder de cura da música. Na Ilíada, Homero cita uma peste avassaladora que foi derrotada pelo deus Apolo através de hinos e cânticos sacros. Na Odisseia o autor relata como Ulisses foi ferido no joelho quando caçava javalis e que a dor fora aliviada e mesmo a própria ferida curada graças ao entoar de trovas. A história grega menciona ferimentos, doenças e pestes que eram curadas pela música, mas também da cura através da música com sucesso de diversas perturbações emocionais. Hipócrates, considerado o pai da medicina, encaminhava seus pacientes, que sofriam de doenças mentais, para o Templo de Esculápio para lá ouvirem músicas visando a cura. Em Roma também se utilizava a musicoterapia com o propósito da cura, que só veio a ser abandonada por influência da cristianização do Império. Os árabes no século XIII tinham salas de música nos hospitais. Em períodos mais recentes Paracelso praticava o que ele próprio denominava de "medicina musical" em que eram usadas composições específicas para doenças específicas; tanto mentais quanto morais e físicas.

Muito cedo na história da humanidade a dramatização em particular era extremamente útil ao criar, nos rituais, magia contagiante bem como para personificar mitos. Eventualmente a forma de arte da representação desenvolveu-se e separou-se dos rituais religiosos. A história Ocidental do teatro começa com os antigos teatros gregos. Festivais religiosos dedicados a Dionísio, Deus do excesso e da fertilidade, incluíam competições de teatro nas quais as peças traziam à vida a mitologia para as pessoas da comunidade. Para Aristóteles a função da tragédia seria a de induzir a catarse – a libertação de sentimentos profundos – especialmente pena e medo, de modo a purgar os sentidos e a alma do espectador. De acordo com Aristóteles o propósito do drama não seria a educação ou o entretenimento, mas a libertação de emoções prejudiciais, o que levará a uma maior harmonia e funcionaria como um curativo para a comunidade.

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No século XIX surge algum interesse pela introdução das artes (teatro e música) nos asilos. Esse movimento é particularmente notório em França, todavia ainda com uma intenção de distracção. Em 1876, Max Simon, médico psiquiatra, publicou pesquisas acerca das manifestações de doentes mentais e fez uma classificação das patologias segundo essas produções artísticas. Em 1888, César Lombroso, advogado criminalista, fez análises psicopatológicas dos desenhos dos doentes mentais para classificar doenças. Outros autores europeus, como Morselli, em 1894, Júlio Dantas, em 1900 e Fursac, em 1906, fizeram estudos a respeito de produções artísticas de doentes psiquiátricos. Charcot e Richet também estudaram e interessaram-se pelas expressões artísticas dos doentes mentais, surgindo com este último autor, um primeiro esboço duma psicopatologia da arte numa das publicações acerca do tema, “Les demoniques dans l’Art”. Em 1906, Mohr colocou a hipótese dos desenhos serem usados como testes, para se estudar os diversos aspectos da personalidade. Diversos autores de testes, como Rorschach, Murray (TAT), Szondi, entre outros, inspiraram-se nesta ideia. Na primeira metade do Séc. XX, surge em França o movimento da Arte Bruta desenvolvido por Jean Dubuffet, relacionado com o surrealismo. Em vários hospitais psiquiátricos fora introduzida a expressão plástica como forma de ocupar os doentes, dando mais tarde origem a várias colecções de pinturas feitas por doentes mentais crónicos, como a colecção de Heidelberg, organizada por Hans Prinzhorn, que publica um livro com o título de “Expressões da loucura – Desenhos, pinturas, esculturas no asilo”. No Brasil o “Museu do Inconsciente” é organizado por Nise da Silveira. De uma perspectiva centrada na pessoa ou humanista, o autor Carl Rogers publica um artigo sobre a criatividade, em que se refere às condições para a criatividade construtiva.

A formação das Artes-Terapias

A arte sobreviveu ao longo dos anos como um meio de poder curativo. Os xamãs ainda usam figuras esculpidas para facilitar o relacionamento com os deuses. O homem medicinal dos Navaho continuam a curar através de pinturas com areia. A arte pode ser utilizada pelo indivíduo espontaneamente e, neste sentido, ser relaxante, proporcionar um sentimento de satisfação e bem-estar, ou por outro lado de frustração. Pode até ser temporariamente ou levemente terapêutico. Mas a utilização da arte na terapia, com objectivos claros de melhoria e tratamento, na presença do terapeuta, tem um alvo muito diferente do anterior. A Arte-Terapia propriamente dita é uma profissão relativamente recente no campo das psicoterapias. A arte geral de que falamos é, no entanto, muito diferente da arte utilizada em terapia, e mais tarde da Arte-Terapia e Psicoterapia como profissão. A explicação para este facto é exactamente o objectivo muito concreto e distinto das Arte-Terapias. Falamos claro do objectivos de melhoria e tratamento intrínsecos às terapias.

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A arte no movimento de terapia moral e o surgir da Arte-Terapia

O tratamento moral em psiquiatria é o tratamento humano do doente mental. O movimento, com inicio no século XVIII, foi propagado pelos Franceses com o intuito de tornar mais humano o tratamento do doente mental, com Jean-Baptiste Pussin e Philippe Pinel. Pussin, por exemplo, trocou as correntes pela camisa de força. Também nos Estados Unidos, Benjamin Rush fez parte do movimento em prol da humanização dos métodos de tratamento, incluindo a abolição da contenção física e melhoria dos cuidados físicos. O tratamento moral e o tratamento humano são os antecessores históricos da moderna comunidade terapêutica. Outros defensores do tratamento psicológico foram Willis, Haslam e os Tuke na Inglaterra, Fowler na Escócia, Daquin em Chambery, Chiarugi em Florença. A pintura e desenho, a criação da imagem eram tidas como uma preparação para, juntamente com outros meios, levar a cabo a remoção da doença mental. Com base numa psicologia iluminada empiricista, a arte era vista como algo que pode elevar o espírito e afastar o paciente de actividades mais miseráveis e do sofrimento. Para Foucault parte da loucura era a incapacidade do paciente se olhar a si próprio e através das artes isto podia ser alcançado, parte do processo consistia no paciente ter capacidade de se olhar e ver a sua loucura. As imagens criadas iam espelhar a aparência do paciente num estado de loucura, o que constituía parte do tratamento. Mais tarde, no século XIX, surge em Inglaterra, a introdução de ateliers artísticos nos hospitais psiquiátricos, com a aprendizagem e produção de artesanato, porque era tido como uma forma de atingir alguma noção de utilidade e de consequente felicidade. Adrian Hill, um artista e assistente social Inglês, introduziu já no Séc. XX, e sem querer, a arteterapia nos hospitais. Este convalescia num sanatório durante a Segunda Guerra Mundial e recorreu às suas próprias criações para fugir ao tédio, acabando por partilhar com outros pacientes os benefícios da pintura. Estes começaram a pintar e a desenhar acerca da guerra e suas problemáticas. Adrian Hill tornou-se então no primeiro Arte-Terapeuta, escreveu livros acerca da sua experiência e mais tarde conseguiu trabalhar num hospital psiquiátrico como arteterapeuta. O termo arte-terapia foi cunhado em 1942, sendo Adrian Hill secundado na intervenção artística terapêutica por Stock Adams. Mas a criação pictórica surge muito antes no tratamento moral dos pacientes internados em instituições desde o séc. XVIII e nas terapias psicanalíticas. Uma reconhecida pioneira de Arte-Terapia nos Estados Unidos é Margaret Naumburg, nascida em Nova York em 1882. Primeiramente uma educadora, depois psicoterapeuta e só então ArtePsicoterapeuta, Naumburg é muitas vezes referida como a fundadora da Arte-Terapia nos Estados Unidos. Nesta altura, um conjunto de factores de desenvolvimento intelectual e sociológico fomentaram um clima de suporte para as ideias de Naumburg. O estudo do desenvolvimento infantil, educação progressiva, tratamento mais humano dos pacientes com doença mental e as teorias psicanalíticas de Freud e Jung ajudaram a criar o pano de fundo para as teorias que se seguiram. - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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Fortemente influenciada pelas ideias de Freud, Jung e outros teóricos da escola psicanalítica, Naumburg perspetiva a produção artística como um meio capaz de aceder a conteúdos reprimidos. Baseada na teoria e prática psicanalítica, a autora encoraja os seus pacientes a desenharem espontaneamente e a associarem livremente a partir dos seus trabalhos realizados. Quando estão presentes na sessão aspectos simbólicos da imagética, bem como aspectos verbais e cognitivos, Naumburg acredita que surge então a oportunidade de integração e cura. Em 1953, Hanna Yaxa Kwiatkowska, em Mariland, começa a trabalhar com grupos e famílias em Arte-Terapia e em 1958, Edith Kramer introduz a noção de que o mais importante é o fazer, o processo criativo em si, a expressividade e não tanto o estudo e a discussão do produto final, tornando-se a compreensão da linguagem artística o objecto do diálogo terapêutico. Assim, inicialmente catártico, o processo criativo constitui mais tarde a base do insight. Em 1959 foi fundada em França a Societé Internacionale da Psychopathologie de l’Expression que mais tarde acrescentou a designação “et d’Art-Thérapie” (SIPE). No ano referido, realizouse o primeiro congresso de Psicopatologia da Expressão, o qual reuniu vários psiquiatras que se debruçaram sobre as criações artísticas dos seus pacientes. O movimento inicial desenvolvido por Adrian Hill deu origem em 1964 à British Association of Art-Therapy, em Inglaterra, de que são referenciais importantes Diane Waller e Tessa Dalley. Em 1969 é criada a American Association of Art-Therapy, na sequência dos movimentos pioneiros, nos Estados Unidos, de Margaret Naumburg e Edith Kramer. Em 1970 deu-se o inicio de uma divisão teórica bem visível entre os Arte-Terapeutas. Os que praticam arte como terapia colocam a ênfase no poder curativo da criação artística. Aqueles que se consideram Arte-Psicoterapeutas utilizam a arte como um instrumento de cura no enquadramento da psicoterapia verbal. Presentemente em praticamente todos os países europeus há associações de Arte-Terapia. O mesmo se passa com todos os países desenvolvidos, num contexto global. Por exemplo no Japão a Arte-Terapia é representada pela Sociedade Japonesa de Psicopatologia da Expressão, sendo nome de referência Yoshibito Tokuda, contando esta Sociedade com mais de 1200 associados. Em alguns países a Arte-Terapia é uma profissão reconhecida como por exemplo Inglaterra, Israel e alguns estados dos E.U.A., sendo o ensino ministrado em universidades, como curso superior, estudos pós-graduados de Mestrado ou em associações profissionais. A Sociedade Portuguesa de Arte Terapia (SPAT) foi criada em 1996, na sequência do trabalho desenvolvido por um Núcleo de Investigação organizado em 1994. Tem como membros fundadores: Dr. João de Azevedo e Silva (Psiquiatra, Grupanalista e Psicanalista, Presidente do Conselho Científico), Dr. Ruy de Carvalho (Médico, Arte-Psicoterapeuta com formação grupanalítica, Vice-Presidente do Conselho Científico e organizador da estrutura da SPAT), Dra. Helena Correia (Psiquiatra, Arte-Psicoterapeuta com formação grupanalítica, Secretária do Conselho Científico), Dr. Joaquim Custódio (Psiquiatra, Arte-Psicoterapeuta com formação grupanalítica, em Análise Bio-Energética e Master de Sofrologia) e Dra. Susana Catarino (ArtePsicoterapeuta e Psicóloga).

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Dançaterapia

A história do pensamento acerca do significado do movimento começa com Darwin em “The expression of the emotion in man and animals” (1872). Neste livro, o autor formula teorias acerca da origem e funções do comportamento não verbal, argumentando que alguns actos são desempenhados para aliviar certos estados e sensações. Para Birdwhistell, investigador da comunicação não verbal, o significado do movimento não pode ser separado de quem o faz, onde, quando e em que sequência intencional ocorre. Entre 1920 e 1930, psicólogos experimentais tentaram correlacionar as expressões faciais com a natureza das emoções e como tal seria percebido pelos outros. Esta pesquisa revelou a necessidade de fazer a leitura do movimento dentro do seu contexto comunicacional. Foram muitos os autores cujos trabalhos foram cruciais como base de compreensão dos processos psicológicos e da sua ligação com processos fisiológicos. Wilhelm Reich tem uma obra extensa que demonstra que o comportamento fisiológico é funcionalmente idêntico ao comportamento psíquico. Reich analisou os padrões e rigidez muscular dos seus pacientes e acreditava que estes eram essenciais para inibições dos sentimentos primários. Simultaneamente, trabalhou no sentido de dissolver resistências, tanto no campo somático como no psíquico. Lowen, numa continuação do trabalho de Reich, desenvolveu a bioenergética - um dos conceitos relevantes para a dançaterapia-, a relação entre a respiração inadequada e o bloqueio de sentimentos. Pesso, por outro lado, na terapia psicomotora, faz uso da teoria Freudiana de modo a explicar que não são só as emoções que são reprimidas, mas também o movimento que lhes está associado. Ele estrutura a terapia de forma a permitir ao paciente a não ceder às defesas que inibem o movimento. A dançaterapia propriamente dita deu os seus primeiros passos nos Estados Unidos, em meados do século XX. As pioneiras foram todas mulheres: bailarinas, coreógrafas e professoras de dança que compartilhavam uma paixão comum e um respeito profundo pelo valor terapêutico da sua arte. No início não possuíam qualquer tipo de formação clínica e careciam de referências teóricas. Mas cada uma conhecia o poder transformador da dança a partir de sua experiência pessoal. Entre 1940 e 1950, separadamente, ensinavam em estúdios privados e foram gradualmente abrindo caminho em hospitais psiquiátricos e outros estabelecimentos clínicos. Tendo a sua contribuição durante esses anos sido determinante na criação de uma base firme para a prática de dançaterapia nos dias de hoje. Mary Starks Whitehouse foi uma das primeiras pioneiras da dança criativa nos anos 40. Graduou-se na escola Wigman na Alemanha, tendo também estudado com Martha Graham. A sua análise pessoal e os seus estudos no Instituto Junguiano em Zurich tiveram como resultado uma aproximação à qual denominou de “Movimento Autêntico”. Num artigo intitulado “Reflexões sobre uma Metamorfose” (1968), conta a história da sua transição: “Foi importante o dia que me dei conta que não ensinava dança, ensinava a pessoas (…) Indicava a possibilidade de que o meu interesse principal podia ter a ver com o processo e não com os resultados, que não era somente pela arte que eu estava procurando e sim por um desenvolvimento humano.” Outra pioneira, “a grande dama” da dançaterapia (Levy, 1994), foi Marian Chace. Esta iniciou o seu percurso como bailarina profissional, coreógrafa e intérprete. Em 1942 funda um estúdio de dança em Washington onde utiliza a dança criativa improvisada, continuando a desenvolver esse trabalho num hospital com doentes psiquiátricos. Em 1966 tornou-se na primeira Presidente da Associação Americana de Dançaterapia. “Através da observação da - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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comunicação não verbal dos indivíduos que tinham a sua primeira aula, comecei a compreender e ir ao encontro das necessidades para as quais eles pediam ajuda. Em vez de me sentir frustrada quando não eram capazes de acompanhar os alunos mais adequados, tentei empatizar com eles como pessoas. Obviamente o meu ensino estava a passar por uma mudança” (Levy, 1994). Também Blanche Evan, dançarina, com formação em análise Adleriana, foi uma pioneira na utilização da dança como terapia com o adulto normal (funcional) urbano. A sua principal preocupação era a crise do indivíduo na vida urbana. A partir de 1950, começa a utilizar dançaterapia com crianças. Liljan Espenak e Trudi Schoop foram outras autoras que contribuiram de forma significativa para a teoria e técnica do que hoje é a dançaterapia. Rudolf von Laban, na Alemanha e mais tarde em Inglaterra, desenvolve uma forma de dança expressionista, cujo principal objectivo residia na expressão de emoções. Cria um método de observação quantitativa do movimento, de análise e de notação (kinetografia). Entretanto outros o secundaram com perspectivas próprias como a Análise do Movimento de Cary Rick, que cria o Instituto de Análise do Movimento na Austria, e France Schott – Billmann, que desenvolve a técnica da dança primitiva, trabalhando em França com pacientes psicóticos. A dançaterapia institui-se como profissão em 1966, com a criação da Associação Americana de Dançaterapia. Na dançaterapia são hoje em dia utilizadas muitas das teorias da bioenergética com a intenção de aliviar a tensão corporal.

Musicoterapia

Nas concepções filosóficas procedentes dos persas e dos hindus sobre a origem do Universo, o primeiro foi uma substância acústica. Supõe-se que o Universo originou-se, em princípio, pelo som emergido das profundezas do abismo, convertendo-se em luz, e que, pouco a pouco, essa luz transformou-se em matéria. Todavia, essa materialização nunca foi total, porque cada matéria ou objecto continua retendo, em maior ou menor medida, parte dessa substância sonora originária; a substância acústica que a originou. Sob a perspectiva destas concepções filosóficas, cada ser humano tem dentro de si uma identidade sonora, na qual está implícita a origem do Universo. O termo musicoterapia provém do grego e significa “parte da medicina que ensina os preceitos e remédios para o tratamento e cura das enfermidades” (Benenzon, 1988). As origens da musicoterapia são imprecisas, uma vez que o uso da música como método terapêutico existe desde o início da história da humanidade. Em papiros de Kahun de 1500 a.C., verifica-se a acção benéfica do som na fertilidade da mulher. Outros registos a esse respeito podem ser encontrados nas obras de filósofos gregos pré-socráticos. Os próprios Aristóteles e Platão defendiam que a música provocava reacções nas pessoas e que, por exemplo, - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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determinada escala devia ser ouvida pelos guerreiros, para que estes ficassem mais agressivos e corajosos. Foram muitos os pensadores que seguiram a sua linha de raciocínio ao longo da história, atribuindo á música outros benefícios para além do seu cariz religioso e de entretenimento. As referências a essa prática podem ser encontradas nas citações de Pitágoras que investigou a física do som e prescreveu intervalos musicais e modos específicos para promover saúde, a força de pensamento e emoção, na descrição de Platão da música como medicina da alma, na defesa de Aristóteles sobre a música como catarse emocional e no alerta de Caelius Aurelianus contra o uso indiscriminado da música contra a loucura. As origens da sua variante receptiva parecem encontrar-se no séc. XIX, sendo representativos os nomes de médicos franceses como Esquirol, Leuret e Moreau de Tour. No séc. XX esta corrente encontra um representante digno, em França, através de Jacques Gost. Porém, a sistematização dos métodos utilizados só começou após a Segunda Guerra Mundial, com pesquisas realizadas nos Estados Unidos. A música começa a ser utilizada em hospitais para a recuperação de veteranos de guerra que evidenciavam melhorias significativas relativamente a traumas físicos e psíquicos. A descoberta de uma disciplina que utilizava, com sucesso, o som para fins terapêuticos e profilácticos levou à conclusão de que era necessária mais pesquisa na área. O primeiro curso universitário de musicoterapia surge assim em 1944 na Universidade Estatal de Michigan, nos E.U.A.. Em Inglaterra a primeira formação surge em 1968, mas a profissão apenas é reconhecida em 1982. No Brasil, o curso de Musicoterapia teve início em 1971 no Paraná e no Rio de Janeiro. Até surgirem estas formações os pioneiros vinham predominantemente, se não totalmente, do mundo da música. No entanto, com o aparecimento dos medicamentos químicos, a musicoterapia foi relegada para segundo plano até à década de 70, altura em que o seu valor terapêutico voltou a ser reconhecido. Em 1985, é criada a World Federation of Music Therapy, a única organização internacional dedicada ao desenvolvimento e promoção da musicoterapia em todo o mundo. A perspectiva psicanalítica da musicoterapia é grandemente influenciada pelos trabalhos de Benenzon (Argentina) e mais tarde por Verdeau – Pailles (França), Mary Priestley (Inglaterra) e Hartmutt Kapteina (Alemanha). A musicoterapia está hoje implantada em vários países, existindo mais de 130 cursos de musicoterapia, de pós-graduação a doutoramentos em todo o mundo.

Dramaterapia

A dramaterapia é a herdeira das antigas tradições xamânicas de cura através do ritual dramático. Sendo que a utilização do processo dramático como uma intervenção terapêutica teve início com o Psicodrama. O Psicodrama surge do trabalho de investigação de Jacob Moreno. Nascido na Roménia, mudase para Viena com a família ainda criança. Forma-se em medicina psiquiátrica, porém o seu enorme interesse pelo teatro acompanha-o desde a sua infância. Moreno acreditava que existiam - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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possibilidades ilimitadas para a investigação da espontaneidade no plano experimental. Assim, em 1921, criou o “Teatro Espontaneidade”, cujo objectivo era fazer apresentações espontâneas, sem decorar falas, sendo tudo feito tudo no próprio momento. Nesse Teatro, ele criou o “Jornal Vivo”, no qual ele e o grupo dramatizavam o jornal diário. Depois de anos a trabalhar no hospital, utilizando o Teatro Espontaneidade, criou o Teatro Terapêutico, que posteriormente se passou a intitular de Psicodrama Terapêutico. Em 1925 emigrou para os Estados Unidos e dois anos depois fez o primeiro Psicodrama fora da Europa. Moreno morreu aos 85 anos de idade e pediu que em sua sepultura fossem gravadas as seguintes palavras: “Aqui jaz aquele que abriu as portas da Psiquiatria à alegria”. No livro "Drama como Terapia: Teoria, prática e pesquisa", Phil Jones descreve o surgimento do uso intencional do drama como terapia em três vezes. Primeiro uma longa história de drama como uma força de cura, com antigas raízes nos rituais de cura e dramas de várias sociedades. A conexão entre o drama e a cura psicológica da sociedade, embora não do indivíduo, foi formalmente reconhecida por Aristóteles, o criador do termo “catarse”. Em segundo lugar, no início do século XX, através do referido trabalho de Moreno, Evreinov e Iljine, o qual marcou uma nova atitude perante a relação entre terapia e teatro e forneceu uma base para o surgimento da dramaterapia no final do século. Finalmente, influenciado por abordagens experimentais para teatro, dinâmicas de grupo, role playing e psicologia na década de 1960, a dramaterapia surgiu como uma terapia de artes criativas no final da década de 1970. A dramaterapia surge assim na confluência de uma série de movimentos pessoais. Como por exemplo a abordagem de dramatização na educação por Peter Slade, por volta de 1960, que encoraja crianças a expressarem-se através da dramatização e explica aos pais que devem ouvilas e estar disponíveis para a sua criatividade. Slade foi a primeira pessoa a falar sobre dramaterapia na Associação Médica Britânica e, em 1964, foi escolhido para presidir a secção de Drama Criativo da primeira Conferência Internacional de Teatro para Crianças, em Londres. Também na mesma altura, surge o trabalho de Dorothy Heathcote, uma professora de drama, que utilizando uma abordagem centrada na pessoa, incentiva à reflexão como parte crucial da terapêutica. Vários movimentos influenciam Sue Jennings, pioneira da dramaterapia em Inglaterra e na Europa e uma das autoras incontornáveis no âmbito da dramaterapia, que passou a utilizar as técnicas de dramatização na sua prática clínica e cria em 1970 o Centro de Dramaterapia em Inglaterra. Actualmente é membro honorário da Roehampton University, Presidente da Associação romena de Terapia pelo Jogo e Dramaterapia e Membro Fundador da Associação Britânica de Dramaterapeutas e Associação de Dramaterapia da República Checa. Actualmente, a dramaterapia é praticada em todo o mundo, existindo cursos universitários na Grã-Bretanha, Canadá, Holanda, Israel e os Estados Unidos.

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FUNDAMENTOS DAS ARTES-TERAPIAS

Arte-Terapia

A Arte-Terapia/Psicoterapia distingue-se como método de tratamento psicológico, integrando no contexto da acção terapêutica diferenciada mediadores artísticos. Tal origina uma relação terapêutica particular, assente na interacção entre o sujeito (criador), o objecto de arte (criação) e o arte-terapeuta/psicoterapeuta. O recurso à imaginação, ao simbolismo e a metáforas enriquece e incrementa o processo. As características referidas facilitam a comunicação, o ensaio de relações objectais e reorganização dos objectos internos, a expressão emocional significativa, o aprofundar do conhecimento interno, libertando a capacidade de pensar e a criatividade (Carvalho, 2001). O arte-terapeuta/ psicoterapeuta optará por orientar a sua intervenção de forma a privilegiar uma ou várias das potencialidades terapêuticas contidas na arte: criação, aprendizagem, expressão e significação. Sendo parte integrante do processo, ao arte-terapeuta/psicoterapeuta compete-lhe possuir uma formação própria que lhe possibilite uma compreensão abrangente e diferenciada dos processos psicológicos do paciente e dos próprios à criação, tornando significativa a sua intervenção. A Arte-Terapia/ Psicoterapia possui parâmetros técnicos próprios, construídos a partir de uma experiência clínica de mais de meio século e outros comuns a outras psicoterapias, mas contextualizados à integração de artes na relação terapêutica. Assim o arte-terapeuta/ psicoterapeuta deve possuir um conhecimento adequado da Teoria e Técnica da Arte-Terapia/ Psicoterapia, consolidado através da sua Arte-Psicoterapia pessoal e da sua prática clínica. A imagética e musicalidade interna, a capacidade de se mover, de dançar, de pintar, de modelar e outros actos criativos, são comuns a todos nós. A criatividade é universal pertencendo ao fenómeno humano e não só a alguns seres talentosos. A concepção artística integrada num contexto psicoterapêutico, proporciona assim a possibilidade de expressão afectiva significativa, no sentido em que diversos sentimentos podem ser extravazados ou ab-reagidos através da arte, podendo o criador (paciente) libertar-se da ansiedade, da tristeza, do medo ou de quaisquer outras emoções que o perturbem. Potencia e facilita a transformação pessoal, a adaptação, a comunicação e a reparação dos vínculos relacionais, no sentido em que a criação age como um factor de reorganização psíquica, dando uma outra ordem a representações ou fantasias internas. A criação de um objecto de arte pode ainda proporcionar a aquisição de novos significados ou sentidos subjectivos, sendo que esses novos significados impulsionam a mudança do sentido de si mesmo (Self) do criador (Carvalho, 2001). Pode-se ainda acrescentar que a arte-terapia, ao permitir desbloquear e desenvolver a criatividade dos indivíduos, lhes permitirá ainda suster as suas angústias existenciais, tais como o medo da morte por exemplo, fornecendo-lhes um sentimento de esperança criativa que, apesar das inevitabilidades maliciosas da realidade, os mantém ligados à vida, bem como um sentimento de continuidade e ligação suficientemente coesos para suportar e inovar a transitoriedade.

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Na arte-terapia a pessoa e o processo tornam-se os factores centrais; ao invés do resultado estético da produção artísticas, à medida que a arte se torna um meio de comunicação não verbal. De um ponto de vista lato poder-se-á falar de Artes-Terapias, sendo estas intervenções psicoterapêuticas que recorrem aos mediadores: Pintura, Desenho, Modelagem, Escultura, Colagens, Drama e Jogos Dramáticos, Marionetas, Jogo de Areia, Expressão Corporal, Música, Canto, Poesia, Escrita Livre Criativa e Contos. Em arte-terapia o resultado das criações não importa tanto como obra de arte, nem se pretende que o criador seja um artista. Os mediadores são formas específicas de expressão artística, que recorrem a procedimentos criativos de concretização e sensoriais próprios, com impacto particular nas diferentes vias perceptivas e com possibilidades expressivas e elaborativas específicas. Deste modo oferecem potencialidades variadas, adequáveis às necessidades do indivíduo em arte-terapia (Carvalho, 2006). O entendimento do fenómeno psicológico em arte-terapia deverá ter em conta as perspectivas afectiva-relacional, existencial, cognitiva e sócio-grupal. A expressão/criação artística é central nesta psicoterapia. Através do objecto de criação temos acesso a informação e registo sobre o que é, acerca de quê e para quê, como e porquê, sentimentos no momento e após, benefícios para o próprio e para os outros, etc. Assim o objecto de arte tem uma função cognitiva, fornecendo ao sujeito informações sobre si próprio e ao arteterapeuta um registo do processo. No entanto o objecto de arte não interessa tanto pelo seu valor informativo, ou mesmo estético, mas sim pelo seu valor como mediador da expressão, como veículo de elaboração e como ensaio do processo criativo. O contexto do objecto de arte não é usado para análise interpretativa. O foco desta situar-se-à na relação terapêutica. Em arte-terapia é adoptada uma visão holística considerando que "o todo é maior que a soma das partes". O papel do processo criativo na mudança é central, pretendendo-se fomentar nos clientes o uso da criatividade, como meio de entendimento do próprio e dos outros e na resolução da problemática existencial. Em arte-terapia a função do imaginário é fundamental: a) Para aceder a pensamentos, sentimentos, memórias, aspectos da personalidade e do self, alguns dos quais sem representação mental consciente e carecendo se serem integrados; b) Para uma mais intensa e profunda compreensão do sentimento ou situação; c) Para desenvolver a capacidade de ver e agir através de opções criativas, evitando o recurso a uma cognição prematura e limitada. A experiência artística pode intensificar a expressão de vivências, bem como incrementar a consciencialização do sensorial e do equilíbrio estético. No contexto da arte-terapia, a facilitação de tal tomada de consciência pode ser importante para promover a riqueza, a vitalidade e a qualidade de vida. A expressão mediada possibilita também a mobilização de pulsões reprimidas, facilitando assim uma vida psicológica mais livre. Imagens de transformação e mudança, representadas nas criações artísticas, dão expressão à função reparadora, no decurso do processo terapêutico. Distinguem-se dois modos de intervenção:

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Arte-Terapia Em que a tónica é colocada nas potencialidades expressivas e criativas das Artes. Como precursora deste movimento temos Edith Kramer, a qual enfatizou a importância da arte como terapia ao ajudar crianças a alcançar a sublimação através do processo criativo e através do produto acabado. De acordo com esta autora: - Toda a produção artística era um símbolo, ou uma metáfora do seu próprio criador; - As diferentes formas de utilizar o mediador têm um impacto no criador e no produto artístico; - Os símbolos contêm muitos níveis de significado e podem ser utilizados com ou sem palavras de modo a transmitir esses significados. Inclui conceitos como: - Materiais persecutórios, como o escrevinhar e o borrar, como sendo uma forma de explorar as propriedades físicas dos mediadores; - Descarga caótica – o entornar, salpicar e destruir como representações da perda de controlo na sessão terapêutica; - Arte ao serviço da defesa – símbolos estereotipados, cópias, como modo de evitar o afecto ou revelar informações pessoais; - “Pictographs” como forma de representar pensamentos sem palavras; - A “expressão acabada” – a arte no sentido pleno da palavra, inclui a sublimação; - Sublimação na criação artística – atribui ao processo e ao produto artístico uma função e significados mais profundos, visto ajudar a conter e controlar pulsões sexuais e agressivas de forma socialmente aceites.

Arte-Psicoterapia Centrada na relação psicoterapêutica e em que as artes são utilizadas como uma terceira dimensão, mediadores do processo interno do indivíduo e da relação psicoterapêutica. Como precursora temos Margaret Naumburg, que enfatizou a libertação de material inconsciente através da expressão artística e modelou a sua abordagem com base na psicanálise, particularmente na técnica de livre associação. Para esta autora: - O verdadeiro significado da expressão artística pode ser alcançado apenas por quem criou o produto artístico; - A arte tem qualidades projectivas, sendo que a tarefa do arte-terapeuta é ajudar a pessoa a encontrar o significado para a sua criação através da atribuição espontânea de conteúdo; - A arte serve como um discurso simbólico, um ponto de partida para a expressão livre, a seguir com associações verbais à imagem. O paciente e o terapeuta trabalham de seguida em conjunto, de modo a compreenderem o que foi criado, associando o conteúdo à vida da pessoa. Esta autora coloca o enfoque da sua abordagem também na transferência, ou seja a projecção de sentimentos, percepções e ideias não resolvidas da própria pessoa no terapeuta, na interpretação e na promoção do insight. - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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O Modelo Polimórfico de Arte-Terapia constitui uma perspectiva própria da Arte-Terapia desenvolvida por Carvalho na década de 90, fornecendo assim um corpo teórico e técnico à Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia. Este modelo compreende quatro modos de intervenção: Arte-Terapia Vivencial, Arte-Terapia Temática, Arte-Psicoterapia Integrativa e ArtePsicoterapia Analítica-Expressiva.

Arte-Terapia Vivencial Neste tipo de intervenção é encorajada a expressão criativa através das artes, livre ou através de propostas técnicas, facilitando a comunicação, a descoberta do mundo interno do paciente através do imaginário, o desenvolvimento da criatividade e o relacionamento significativo com o mundo ou com os outros. A intervenção do terapeuta é mínima, devendo este ter uma atitude não directiva e não interpretativa, centrando-se na disponibilidade empática, no cuidar (handling) e suster (holding), podendo fazer propostas facilitadoras e intervenções contentoras. É uma abordagem centrada na arte. É um tipo de intervenção adequado para o trabalho em instituições hospitalares de saúde mental e outras, com pacientes de longa duração que sofram de patologias severas, nomeadamente psicoses. Está ainda indicado para o trabalho com crianças em escolas, estabelecimentos prisionais e serviços de reinserção social, comunidades terapêuticas, lares, empresas e outras instituições. Pode aplicar-se individualmente ou grupos, ainda que a vocação seja preferencialmente grupal.

Arte-Terapia Temática ou Gnosiológica A expressão artística é usada como ensaio da vivência real. A abordagem é de cariz directivo ou semi-directivo e visa, de um modo criativo, possibilitar ao paciente uma experiência correctiva, treino de aptidões sociais ou treino de competências, ou desenvolvimento pessoal. Á expressão plástica pode ser associado o role playing ou representação, os jogos dramáticos, a construcção ou utilização de marionetas, a expressão corporal, a fantasia guiada, a utilização de histórias ou outros mediadores, numa perspectiva integrativa. Pode, no entando, optar-se pela mono-expressão. A utilização dos mediadores será adequada ao atingir da temática e respectivos objectivos. Este modo baseia-se em conceitos das teorias da aprendizagem, da educação pela arte, da psico-pedagogia e socioterapia. É um tipo de intervenção que se adequa ao trabalho individual ou em grupo, em instituições psiquiátricas, escolas, comunidades terapêuticas, serviços de reinserção social, lares e empresas. Está direccionada para várias populações alvo, tais como: pacientes psicóticos de evolução prolongada, perturbações do comportamento, crianças (nomeadamente, com perturbações da aprendizagem), sem-abrigo ou crianças de rua, reclusos, perturbações obsessivo-compulsiva da personalidade, perturbações do comportamento alimentar, idosos com grave deterioração, pacientes com perturbações de ansiedade em programas cognitivo-comportamentais, toxicodependentes, famílias e casais e perturbações sexuais.

Arte-Psicoterapia Integrativa Corresponde a uma abordagem de cariz não temática e não directiva, podendo ser integradas todas as formas de expressão artística: pintura, desenho, modelagem, escultura, colagens, - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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drama ou psicodrama, marionetas, caixa de areia, expressão corporal, música, canto, poesia, escrita livre criativa e contos de história. Este pode ser um tipo de intervenção breve ou semibreve, individual ou em grupo, podendo ocorrer tanto ao nível institucional como privado. Pode ser usada em pacientes a restrição a determinados mediadores pode ser potencialmente limitadora ou para os que sofrem de alexitimia, dificuldades de introspecção e um Self frágil. A tónica é colocada na acção, expressão, actualização de aspectos e vivências e na interacção. O principal objectivo é a adaptação ou resolução de situações que são traumáticas ou requerem ajustamento.

Arte-Psicoterapia Analítica-Expressiva Nesta abordagem, é adoptada uma perspectiva inter‐subjectiva. A intervenção dá‐se seguindo as mesmas linhas que outros processos terapêuticos com o objecto de arte a servir de mediador para o desenvolvimento e elaboração de uma maior compreensão interior e aquisição de novas significações. Requer da parte do psicoterapeuta uma postura analítica e um conhecimento efectivo de teorias psicanalíticas e/ou grupanaliticas além das que são específicas da Arte‐Psicoterapia Analítica. A Arte-Psicoterapia Analítica-Expressiva visa trazer à consciência do paciente o seu psíquico recalcado, permite a regressão a níveis precoces e arcaicos do desenvolvimento individual num ambiente contentor que permita a elaboração, possibilita a expressão emergente do Self verdadeiro e viabiliza a reparação narcísica dos objectos internos e possibilita a organização da transferência. É apropriada em longas intervenções nas quais é necessária uma reconstrução estrutural, podendo decorrer em sessões individuais ou de grupo, a nível institucional ou privado, implicando duas ou mais sessões semanais. Está indicada para pacientes com capacidades cognitivas, criativas e insight conservados.

Dançaterapia

A dançaterapia é o uso do movimento expressivo e da dança num processo terapêutico que promove a integração emocional, cognitiva, física e social do indivíduo. Baseia-se no princípio de que existe uma relação entre o movimento e as emoções e que através da exploração de um maior reportório de movimentos tal leva a que os indivíduos se possam tornar mais equilibrados, espontâneos e com uma maior capacidade de adaptação (Payne, 1992). A dança é energia vital, colocando os indivíduos em estreita relação com as suas emoções na forma corpórea, concreta. A dança dá corpo às emoções. Através do movimento e da dança, o mundo interno de cada pessoa torna-se mais facilmente acessível, possibilitando que os indivíduos entrem em contacto com partes profundas de si próprios e com sentimentos muitas vezes difíceis de serem verbalizados, nomeados. O dançaterapeuta cria um ambiente contentor no qual tais sentimentos podem ser expressos e compreendidos de forma securizante. Na dançaterapia o acto de dançar não é encarado como exibição, como objecto de apreciação para um público alvo. Pelo contrário, o paciente em dançaterapia é simultaneamente dançarino e espectador de si mesmo. Do mesmo modo, também os movimentos não se baseiam em desenhos externos e formais de passos, sendo a atenção colocada no modo como cada um se sente. Penfield (Payne, 1992) salienta o sentido importante da dança como habilidade para simbolizar o movimento, que não é formal nem, frequentemente, visível externamente. A dança - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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que não é coreografada nem aprendida. Enquanto que o movimento refere-se a qualquer acção corporal que é efectivamente ou potencialmente comunicativa, interactiva e expressiva. O objectivo é promover a capacidade de escuta interna e a aprendizagem da expressão autêntica do ser. A dançaterapia parte do princípio de que o estado emocional e a personalidade da pessoa estão refletidos nos seus movimentos e que, portanto, se houver uma modificação nos padrões de movimento, tal refletir-se-á numa transformação na saúde emocional e física do indivíduo. Por essa razão, a dançaterapia é uma ótima opção para indivíduos que têm dificuldade em se expressar verbalmente. Sendo assim, é possível utilizá-la como uma ferramenta auxiliar em tratamentos de psicoterapia verbal. A dançaterapia possibilita a exploração de novas formas de ser e de sentir, promove a redescoberta do prazer do movimento livre e, simultaneamente, proporciona o desenvolvimento das capacidades e habilidades do ser. É um convite a estar presente em cada movimento e em cada processo da vida. Deste modo inicia-se uma modificação de forma fluida no ser, que passa a ser capaz de se escutar, de se deixar sentir. Como a dançaterapia é um instrumento que se adapta aos limites e às possibilidades de cada grupo e de cada ser, qualquer pessoa, independentemente das suas limitações, pode descobrir novas possibilidades criativas de se comunicar, movimentar e dançar. Utilizando a expressão corporal como principal meio de comunicação, a dançaterapia propõe que o indivíduo se reconheça como um ser da natureza, participante consciente ou inconsciente dos ritmos biológicos, dos rituais sociais e comunitários e da dança do universo. O intuito é o de promover no indivíduo, através do movimento, o reencontro com seu corpo sensível, e ampliar a atenção e consciência dos seus sentimentos e sensações durante a dança e nos restantes processos quotidianos da vida. Tem como objetivo maior promover o resgate da totalidade do ser e da expressão do mundo interno. Assim, ao utilizando o movimento criativo e a dança no contexto de uma relação terapêutica (grupal ou individual), a dançaterapia procura combinar os componentes expressivos e criativos da dança com os benefícios da psicoterapia. O dançaterapeuta usa o movimento para interagir com o paciente e é feita a leitura do movimento deste relativamente ao seu contéudo expressivo e simbólico. Importa salientar que o movimento, a gestualidade ou a dança contêm em si uma significação complexa, de diferentes níveis de comunicação, atendendo ao contexto cultural, social, afectivo, simbólico, possíveis estereotipias, etc.. De acordo com Marian Chace, a primeira presidente da Associação Americana de Dançaterapia, esta abordagem visa atingir: - Objectivos de acção corporal (criação de uma imagem corporal realística; activação e integração das partes corporais; reconstrucção da gestalt postural; tornar-se consciente das próprias sensações; mobilização de energia; desenvolvimento do domínio central dos movimentos; expansão do alcance expressivo); - Objectivos de simbolismo (integração da experiência e de palavras na acção; exteriorização dos sentimentos e pensamentos; expansão do reportório simbólico; recordar o passado significante; resolução de conflitos através da acção; aquisição de insights); - Objectivos na relação terapêutica/ psicoterapêutica (reforço da identidade pessoal; desenvolvimento da confiança e auto-estima; favorecimento da independência e individualidade).

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Musicoterapia

A musicoterapia estuda o complexo som-ser humano-som, explora a relação entre a emoção e a música dentro de um processo psicoterapêutico e tem como objectivo abrir canais de comunicação no indivíduo, produzindo efeitos terapêuticos, psicoprofiláticos e de reabilitação no mesmo e na sociedade (Benenzon, 1988). Ao contrário da arte-terapia, na qual o técnico deve ter algum conhecimento base mas não é obrigatória uma formação base nas artes, na musicoterapia o terapeuta deve possuir uma formação musical que o permita levar a cabo uma intervenção com este mediador. Porém, a musicoterapia valoriza sempre o aspecto terapêutico sobre o musical, termos que muitas vezes ainda são alvo de confusão, tendendo a enfatizar-se excessivamente a questão musical. Esta última apenas distingue os meios e as técnicas do verdadeiro objectivo, que é o terapêutico. Os musicoterapeutas defendem que muito antes da criação do som musical, encontram-se infinitos fenómenos acústicos de valor fundamental para a musicoterapia. Sendo esses tais fenómenos aqueles que permitem precisamente ao ser humano a possibilidade de reconhecer e de redescobrir os fenómenos externos e recriá-los, para os transformar em linguagem musical. Esses fenómenos acústicos, sonoros, vibratórios e de movimento surgem desde o momento em que o óvulo se une ao espermatozóide para para formar o princípio de um novo ser. Nesse instante, infinitos processos que rodeiam esse ovo que se aninha no útero, produzem a sua própria dinâmica, movimento, vibração e som. São eles: o roçar das paredes uterinas, o fluxo sanguíneo das veias e artérias, ruídos intestinais, sons de murmúrios da voz da mãe, sons e movimentos de inspiração e de expiração, entre muitos outros. Sendo assim, todas as experiências vinculadas durante a gestação são complementadas por vivências sonoras vibratórias e de movimentos que constituem os os principais meios de estímulo e comunicação nessa etapa do desenvolvimento. Falar de musicoterapia é pensar numa série de metodologias e diferentes técnicas a serviço da comunicação. A comunicação terapêutica distingue-se da comunicação ordinária pelo facto de que a intenção de um ou mais dos participantes tem como objectivo, exclusivamente, produzir mudança no sistema e forma de comunicação. A musicoterapia recorre a três tipos de instrumentos: o instrumento corporal (o corpo humano é o instrumento musical mais completo, sendo inumeráveis os fenómenos sonoros do corpo humano), os instrumentos criados (instrumentos fabricados ou improvisados pelos pacientes ou pelo musicoterapeuta, em função da situação, a partir de variados materiais) e os instrumentos musicais propriamente ditos (todos os instrumentos fabricados pelo homem durante todo o seu processo evolutivo). A musicoterapia recorre a técnicas passivas (exemplo: escuta de sons, música, etc.) e activas (exemplo: produção de sons, exploração sonora de instrumentos musicais, exercícios de improvisação musical, etc.). A musicoterapia pode ser aplicada de forma individual ou em grupo. A aplicação individual está sobretudo indicada para o tratamento de casos de autismo, afasia, perturbações emocionais, deficiência mental, perturbações motoras, deficiências sensoriais, afecções psicossomáticas,

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pacientes terminais, entre outros. A aplicação grupal, podendo integrar todas as patologias previstas sob a forma individual, é geralmente indicada para aplicação no seio de um grupo familiar, aplicação de musicoterapia didáctica (formação de profissionais musicoterapeutas) e em contextos instituicionais, como escolas, hospitais, comunidades, entre outros.

Dramaterapia

Os fundamentos teóricos da dramaterapia encontram-se no drama, no teatro, na psicologia, na psicoterapia, na antropologia e nos processos interativos e criativos. A dramaterapia é definida como uma forma única de psicoterapia na qual a criatividade, o jogo, o movimento, a voz, o contar histórias, a dramatização e as artes performativas ocupam um papel central na relação terapêutica. É definido por Jennings (1994) como a aplicação específica de estruturas de teatro e dramatização com um objectivo claramente terapêutico, visando o alívio de sintomas emocionais e físicos, promovendo a integração e o crescimento pessoal. A dramaterapia constitui portanto uma abordagem activa que ajuda o paciente a contar a sua história para ultrapassar determinado problema, promover a catarse, aumentar a profundidade e amplitude da experiência interior, compreender o significado das imagens, fortalecer a capacidade de observar os papéis pessoais, bem como o aumento da flexibilidade entre os papéis. Facilita a criatividade, a imaginação, a aprendizagem e o crescimento/ desenvolvimento pessoal. A dramaterapia evoluiu a partir da experiência e pesquisa de psicoterapeutas, professores e profissionais do teatro, os quais reconheceram que por vezes as terapias verbais tradicionais eram demasiado rígidas para facilitar a expressão a determinados pacientes. Os componentes verbais e não verbais da dramaterapia, com a sua linguagem metafórica, permitem aos pacientes trabalhar de forma produtiva dentro de uma aliança terapêutica. Jennings (1994) enfatiza que ao contrário do sentido clássico da representação e drama, este mediador na terapia não necessita de palco, fatos, adereços ou cenário. Mas sim de um indivíduo ou grupo de pessoas que se utilizam a si, aos seus corpos e mentes, para, através da acção e, frequentemente através da fala, contar uma história. O drama constitui assim uma separação temporária do Self e não-Self, num determinado tempo e espaço. A distância dramática permite à pessoa, seja espectador ou actor, uma passagem entre dois planos, o objectivo e o subjectivo. É essencialmente social, envolvendo contacto, comunicação e negociação do significado. A natureza grupal do trabalho impõe uma certa pressão no participante mas também oferece vantagens consideráveis. Através da dramatização podemos experienciar imagens e dramas que têm sentido nas nossas vidas. No processo terapêutico, podemos explorar estas imagens e aprofundar o seu significado. Também é possível reactivar pesadelos e traumas num ambiente seguro. É possível também explorar outras formas de agir, outras possibilidades, oferecendo assim a possibilidade de recriação pessoal de redescobrir a criatividade, a nossa capacidade de brincar e de agir, e por fim a nossa capacidade para mudar a nossa forma de estar e agir. - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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A dramaterapia tem aplicação em diferentes tipos de instituições, desde hospitais, a escolas, centros de saúde mental, empresas, prisões, entre outros. Pode ser aplicada individualmente ou em grupo, a casais e famílias.

Referências

Carvalho, R. Formação de Arte-Psicoterapia na Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia. (Trabalho não publicado). Carvalho, R. (2001). A arte de sonhar ser. Arte-Terapia, Colecção Imagens da Transformação, VIII (8). Rio de Janeiro Carvalho, R. (2006). Arte-Terapia: Identidade e Alteridade, uma Perspectiva Polimórfica. Arte-Terapia: Reflexões 2006: 60-70 Carvalho, R. (2009). A Arte de Sonhar Ser - Fundamentos da Arte-Psicoterapia Analítica-Expressiva. Lisboa: Edições Ispa. Chevalier, J. & Gheerbrant, A. (1982). Dicionário dos Símbolos. Lisboa: Teorema Benenzon, R. (1988). Teoria da Musicoterapia – Contribuição ao conhecimento do contexto não verbal. São Paulo: Summus. Darnley-Smith, R. & Patey, H. (2003). Music therapy. Sage Publications. Jennings, S. (1994). The Handbook of Dramatherapy. London: Routledge. Hinz, L. (2009). Expressive Therapies Continuum – A Framework for using Art in Therapy. London: Routledge. Levy, F. (1994). Dance/ Movement Therapy – A Healing Art. National Dance Association. Payne, H. (1992). Dance Movement Therapy: Theory and Practice. London: Routledge. Rubin, J. (2001). Approaches to Art Therapy, Theory and Technique. London: Routledge (2nd Edition

MÓDULO II: FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO PROCESSO CRIATIVO - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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Formadora: Daniela Martins (Arte-Psicoterapeuta e Arte-Educadora)

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Fundamentos teóricos do Processo Criativo Introdução

“Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo da actividade, trata-se, nesse “novo”, de novas coerências que se estabelecem para a mente humana, fenómenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O acto criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar e significar”.1

Fayga Ostrower introduz assim o conceito de criatividade. Esta autora que também foi artista plástica (1920-2001), liga directamente o conceito de criatividade a necessidade do formar e do conceito de forma. Criar então é formar, pois ao se criar algo sempre se ordena e se configura. “Toda a forma é forma de comunicação, ao mesmo tempo que é uma forma de realização. Ela corresponde, ainda, a aspectos expressivos de um desenvolvimento interior na pessoa, reflectindo processos de crescimento e de maturação cujos níveis integrativos são considerados indispensáveis para a realização das potencialidades criativas”.2 Portanto pode-se concluir que todo acto criativo imprime a marca de uma pessoa, imbuída da sua originalidade e individualidade. Seu imaginário, composto por vivências, símbolos e a sua percepção do que o rodeia. Influências culturais e sociais também se integram nesse processo. “Desde cedo, organizam-se em nossa mente certas imagens que representam disposições em que os fenómenos parecem correlacionar-se em nossa experiencia. (…) As disposições, imagens da percepção, compõem-se, a rigor, em grande parte de valeres culturais. Constituem-se em ordenações ‘características’ e passam a ser normativas, qualificando a maneira por que novas situações serão vivenciadas pelo indivíduo. Orientam o seu pensar e imaginar. Formam imagens referenciais que funcional ao mesmo tempo como uma espécie de prisma para enfocar os fenómenos e como medida de avaliação.”3 Ostrower refere ainda que as nossas imagens referenciais não são herdadas e também não são estereótipos de percepção, não são conceitos. Formam-se portanto de modo intuitivo, configurando-se em cada pessoa a partir da sua própria experiencia e de uma percepção única e individual, influenciando assim no próprio modo de perceber e de interpretar acontecimentos. Considera-se um produto como ‘criativo’ aquele que expressa uma necessidade e preocupação da pessoa por significado. Não é apenas uma novidade ou um fazer algo diferente. O que dá a algo conotação de criativo é o reflectir a própria vivência, dos seus recursos internos, e se é genuíno. Do mesmo modo, uma forma, refere Ostrower, é constituída por elementos que se relacionam e consequentemente se ordenam, a partir daí devendo ser atribuído um significado. “A forma será sempre compreendida como a estrutura de relações, como o modo por que as

1

 Ostrower, F. Criatividade e Processos de Criação. Ed. Vozes, Petrópolis, 2008. p. 9   Ibid, p. 5  3  Ibid, p. 58  2

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relações se ordenam e se configuram”.4 E é a partir de como apreendemos estas configurações e relacionamentos que atribuímos determinados significados. Sobre o processo criativo Carl Rogers refere ainda que “não há diferença entre os processos criativos relacionados às artes e invenções e aos processos que desenvolvam a personalidade de um indivíduo, como a psicoterapia…O conhecimento íntimo da forma como o indivíduo se remodela a si mesmo na relação terapêutica, com originalidade e com destreza efectiva, provoca em nós uma confiança nas potencialidades de todos os indivíduos”. Rogers define a criatividade como “a tendência do homem para se realizar a si próprio, para se tornar no que em si é potencial. Tendência directriz humana de se expandir, estender, de se desenvolver e amadurecer – para se exprimir e para por em acto todas as capacidade do organismo do eu”.5

Intuição e espontaneidade

A intuição poderá ser compreendida como um meio directo de se sentir a realidade, ou seja, a aprendizagem a partir de processos que não utilizam a lógica do entendimento. É uma forma de conhecimento através da ruptura de conclusões conscientes, sendo um meio puramente inconsciente de apreensão da realidade.

“Não existe nenhum caminho lógico para a descoberta das leis do Universo – o único caminho é a intuição”. A. Einstein

“São os níveis intuitivos do nosso ser”…Assim define Fayga Ostrower os níveis em que fluem a divisa entre consciente e inconsciente. “Assim como o próprio viver, o criar é um processo existencial. Não abrange apenas pensamentos nem apenas emoções. Nossa experiência e nossa capacidade de configurar formas e de discernir símbolos e significados se originam nas regiões mais fundas de nosso mundo interior, ao mesmo tempo que o intelecto estrutura as emoções”. 6 Ostrower não deixa de referir a importância da intuição nos processos de criação, considerando esta “um dos mais importantes modos cognitivos”…Permite que instantaneamente visualize e internalize a ocorrência de fenómenos, julgue e compreenda algo a seu respeito. Permite-lhe agir espontaneamente. A autora coloca que ser espontâneo nada se relaciona com o ser independente de influências. Ser espontâneo apenas significa ser coerente consigo mesmo. Portanto quanto mais autêntico e mais integrado em sua personalidade, mais espontâneo o sujeito poderá ser mesmo diante de suas influências.

4

 Ibid, p. 79   Rogers, C. Tornar‐se pessoa. Moraes Editora. Lisboa, 1985. p. 303. 

5

  6

 Ibid, p. 56 

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“Sendo espontâneos tornamo-nos flexíveis. Poder responder de maneira espontânea aos acontecimentos significa dispormos de uma real abertura, sem rigidez ou preconceitos, ante o futuro imprevisível”.7 Essa espontaneidade e liberdade, face às circunstâncias, tornam-se fundamentais para o desenvolvimento de um processo de criação. Espontaneamente abrimo-nos ao novo e não temos medo de arriscar e viver o nosso imaginário. Sobre a liberdade psicológica Carls Rogers refere que esta permite que indivíduo seja o que é no seu mundo mais íntimo. Espontaneidade não tem a ver com deixar de se pensar em algo, ou no processo. Estando ligada a um estado coerente e intuitivo da pessoa. Ser espontâneo é portanto, no sentido amplo da palavra, ‘poder ser livre’ uma vez que se conquista autonomia interior e alto grau de liberdade de acção ante possibilidades de viver e criar.

Fases do processo criativo

“Quanto mais longe entramos em nós mesmos, mais clara e mais imperativa será a imagem que podemos dar das nossas sedimentações interiores, e também mais universal será a nossa expressão.” (Hans Hartung)

Segundo Gillo Dorfles em O Devir das artes, o homem sempre sentiu um impulso a criar, sempre se sentiu impelido a construir alguma coisa. “O construir é já em si uma criação, um dar vida, domínio distinto do natural, que seja vivo pelas suas características humanas essencialmente técnicas – e absolutamente simbólicas de algo.”8 O autor diferencia esse primeiro impulso, do fazer em si e do produto final. No início há uma amálgama de vivências, desejos, sentimentos, “um magma”, que se traduz num ímpeto, num impulso. Este transforma-se em ideia, ideia que nos pode parecer por vezes formada e pronta a ser traduzida. No entanto, ao contacto com a matéria, esse impulso e posterior ideia, vão sendo transformados: “enriquecendo-se de dificuldades imprevistas, e simplifica-se por ‘auxílios’igualmente imprevistos - que lhe foram dados pelo próprio material elaborado”. Gillo Dorfles sublinha também, como acima referido, a dificuldade ou o auxílio que a matéria apresenta ao ser moldada, trabalhada. Pode abrir novos caminhos no processo criativo, como pode frustrar o autor/criador. Assim, o produto artístico final será diferente do criado mentalmente no início deste processo, mas provavelmente mais rico. Há uma passagem e uma interacção do inconsciente (“o magma”), do consciente (ideia) e da realidade externa (matéria), para a produção do objecto criativo e ou/artístico.

7

 Ibid, p. 148   Dorfles, G. O devir das artes. Dom Quixote. Lisboa, 1999. p. 50 

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Não há criatividade sem problema referente, sendo sempre o componente activo de um problema, verdadeira razão de ser tudo o que se compreende como solução de problemas. Somos seres incompletos, imperfeitos e incorrectos, com necessidades intrínsecas de resolução de nossos problemas, preenchimento das nossas lacunas. Passamos horas a buscar melhores soluções e saídas, criar um novo e melhor amanhã. “Todo processo de criação compõe-se, a rigor, de factos reais, factores de elaboração do trabalho, que permitem optar e decidir, pois, repetimos, ao nível de intenções, nenhuma obra pode ser avaliada. Como obra, ainda não existe. Vale dizer que a criação exige do indivíduo criador que actue. Actue primeiro e produza. Depois, o trabalho poderá ser avaliado com critérios e interpretações”.9

Segundo Graham Wallas, o processo criativo desenvolve-se de acordo com as seguintes fases: Preparação – o indivíduo emerge num problema Neste momento estamos a frente de um problema (qualquer que seja) e partimos para a colecta do maior número de informações sobre ele. Devemos pensar sobre o problema com base nas informações de que dispomos. Ler, discutir, anotar, coleccionar e cultivar nossa atenção sobre o assunto. Incubação – “confusão suspensa” / Desenvolvimento inconsciente Nesta fase do processo você se desliga, descansa do problema. O inconsciente liberto do consciente procura fazer as diversas conexões que são a essência da criação. Na incubação todos os nossos referenciais pessoais, isto é, tudo que aprendemos em nossa vida e que está arquivado em nossa memória é vasculhado. Iluminação – Sentimento de certeza; cerne do processo criativo / EUREKA! Esta fase ocorre nos momentos mais inesperados de nossa vida. É o momento em que as soluções aparecem repentinamente. É quando visualizamos a solução do problema. Verificação – Pôr à prova aquilo que foi criado / Crítica sobre a ideia. É o momento em que devemos começar a pensar física e mentalmente. Mentalmente passamos a levantar o problema originário e devemos fazer com que a mente mergulhe literalmente nele. Na momento físico, cabe-nos executar a criação. Marcel Dumchamp faz alusão a este fazer criativo e refere que neste processo há algo que “falha”, no sentido em que desde a intenção até à realização do objecto, existem decisões e recusas, não completamente conscientes. “O “coeficiente de arte” pessoal é como uma relação aritmética entre o não expresso mas intencionado e o que é expresso sem intenção”. A diferença entre o que o autor pretende criar e o que é criado de facto, o que o artista não consegue explicar, é o “coeficiente de arte”.10

9

 Ibid, p. 71 

10

 DUCHAMP, M. O Acto Criativo ‐ (1957), trad. Rui Cascais Parada. Portugal: Água Forte, 1997. 

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O caminho da criatividade

“A obra só lhe revelada ao longo do caminho, através do caminho que é o seu, cujo rumo o individuo também não conhece. O caminho não se compõe de pensamentos, conceitos, teorias, nem de emoções – embora resultado de tudo isso. Engloba, antes, uma serie de experimentações e de vivências onde tudo se mistura e se integra e onde a cada decisão e cada passo, a cada configuração que se delineia na mente ou no fazer, o indivíduo, ao questionar-se, se afirma e recolhe novamente das profundezas de seu ser. O caminho é um caminho de crescimento. Seu caminho, cada um o terá que descobrir por si. Descobrirá, caminhando. Contudo, jamais seu caminhar será aleatório. Cada um parte de dados reais; apenas, o caminho há de ensinar como os poderá colocar e com eles irá lidar. Caminhando, saberá. Andando, o indivíduo configura o seu caminhar. Cria formas, dentro de si e em redor de si. E assim como na arte o artista se procura nas formas da imagem criada, cada individuo se procura nas formas do seu fazer, nas formas do seu viver. Chegará a seu destino. Encontrando, saberá o que buscou”. 11

Símbolos e Imaginário A imaginação é definida como uma aptidão para formar e para activar imagens mentais. Também designa a capacidade de combinar imagens em quadros ou em sucessões. A imaginação criadora é distinguida numa evocação de acontecimentos potenciais, mas que nunca foram percebidos por quem cria. A actividade imaginária pode permanecer estritamente mental ou encarnar em produções concretas tais como invenções, criações intelectuais ou artísticas.12 O imaginário é o domínio da imaginação criadora que compõe diferentes representações sensíveis dos objectos reais ou das situações vividas: sonhos, mitos, obras de arte. As imagens mentais que constituem o imaginário serão reconhecidas enquanto fantasias e representadas enquanto símbolos. Um símbolo concentra uma variedade de sentidos. Pedro Barbosa refere a plurisignificação de um símbolo: “não significa, evoca e focaliza, reúne e concentra, de forma analógica e polivalente uma multiplicidade de sentidos, impossível de reduzir a um único significado preciso: há portanto, ambiguidade e polivalência do discurso simbólico”.13 Um símbolo ganha significado a partir de associações de ideias, seja ele um símbolo verbal ou mesmo visual. “As associações compõem a essência do nosso mundo imaginativo. São 11

 Ibid, p. 75 e 76.   Parot, F. e Doron, R. Dicionário de Psicologia. Climepsi. Lisboa, 2001. p. 404  13  Barbosa, P. Metamorfoses do real. Afrontamento. Porto, 1995. p. 67  12

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correspondências, conjecturas evocadas à base de semelhanças, ressonâncias íntimas de cada pessoa (…) Fluem espontaneamente na mente humana”.14 Fayga Ostrower dá a seguinte definição de forma simbólica: “São configurações de uma matéria física ou psíquica (configurações artísticas ou não-artisticas, cientificas, técnicas, comportamentais) em que se encontram articulados aspectos espaciais e temporais. (…) Na maneira de se corresponderem o desenvolvimento formal e as qualidades vivenciais, concretiza-se o conteúdo expressivo de uma forma simbólica.” 15

Rituais

“É bom inventar rituais para celebrar certas ocasiões. Fazê-lo é um dos ensinamentos que melhor nos podem ajudar. Todos podemos aprender a ser nobres, a manifestar um sentido de dignidade que possa encarnar em cada uma das nossas acções (…) É este o verdadeiro sentido da festa.” Fabrice Midal16 O filósofo francês Fabrice Midal refere que, segundo Nietzsche, “a festa é a maneira de aprovar a vida de forma incondicional, de ultrapassar o niilismo, o ressentimento e o ódio larvar que a tudo corrompe. Na festa, todas as angústias e as tristezas são reconhecidas, sem que tenhamos de as negar ou de as esquecer”. Podemos compreender portanto que festa neste sentido é uma vivencia profunda do real, sendo o contrário de uma fuga ou explosão de divertimentos escapistas. O autor continua, sobre sua citação de Nietzsche, que na Grécia Antiga “dedicavam-se, a uma espécie de festa a todas as suas paixões e a todas as suas pérfidas inclinações, e que tinham mesmo instituído, por intermédio do Estado, uma espécie de regulamentação para celebrar aquilo que para eles era demasiado humano. Isto era tido como algo inevitável e preferiam em vês de o injuriar, atribuir-lhe uma espécie de direito de segunda ordem, introduzindo-o nos hábitos da sociedade e do culto”. 17 No desenrolar de uma festa e de um ritual percebemos uma variedade de manifestações criativas e artísticas, como a introdução de músicas, ornamentos e enfeites, roupas, cores, danças, alimentos, cheiros, bem como a leitura de versos e rezas. As vivências desses elementos são imbuídos de sentimentos diversos, ou então, nos leva até à esta vivencia de emoções. Expressão de códigos através de símbolos sociais e culturais. Desde as festas e rituais religiosos, às próprias festas sociais e comemorações diversas, os ritos de passagens, o folclore… o sentido da criação é identificado (pelo social, por um grupo, ou mesmo individualmente) na necessidade de expressão de sentimentos de maneira ordenada e ritualizada. O próprio processo criativo de um artista já é um ritual e é repleto de métodos que expressam aspectos do si mesmo. É encontrado igualmente o elemento da espontaneidade, uma 14

 Ibid, p. 20   Ibid, p. 25.  16  Midal, F. Inventar a liberdade. Círculo de leitores. Lisboa, 2010. p. 92  17  Ibid, p. 94  15

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vez que através da festa nos abrimos para uma experiência que muito se utiliza do imaginário simbólico. Assim como na criação de uma forma, que se compõe de elementos que precisam de ser configurados e organizados, um ritual irá favorecer esta organização ou a delimitação de determinadas vivências, portanto, elementos que serão configurados e ordenados, e transformados em forma. Quando se refere a rituais e ordenação, está-se bastante distante da noção de uma postura rígida e limitada, e do sentido da estereotipia obsessiva. Esta ordenação é vista como uma harmonização onde a experiência se dá através da coerência interior e da autenticidade existencial. O ritual como actividade criativa é desenvolvido para libertar e estetizar, e não para reprimir ou embotar a criatividade. Será um canal de acesso ao sistema simbólico pessoal e também cultural, um meio de materializar aspectos e elementos da imaginação criativa. O Professor Jean Lauand, cita Platão, num trabalho sobre Estética da Participação, que diz “as musas são um presente da misericórdia divina: dadas aos homens como companheiras de festa e remédio contra a tendência ao embotamento e embrutecimento a que estamos sujeitos”. Lauand refere ainda a análise de Pieper (filósofo alemão): “a atitude festiva só se encontra realmente em quem está profundamente ‘de bem’ com o mundo e com a totalidade do ser, o que pressupõe o louvor a Deus: para que poetas, para que pintores, para que festejar e cantar um mundo que não fosse Criação? A festa sempre é louvor e afirmação”.18 Historicamente, já no Paleolítico (médio e inferior) se encontram sinais de rituais: os homens de Neanderthal guardavam objectos sem utilidade aparente e enterravam os seus mortos com objectos simbólicos. André-Leroin Gourhan no livro As Religiões da Pré-História refere: “o homem de Neanderthal tinha comportamentos que excediam o beber e o alimentar-se, que amontoava bolas, coleccionava fósseis e ocre, enterrava uma parte dos seus mortos e devorava talvez a outra”. São referidas acções que fogem das necessidades básicas e de sobrevivência do ser humano, como o alimentar-se, o dormir ou o reproduzir-se. George Bataille comenta: “O homem é o animal que não aceita simplesmente o dado natural, extraindo dos utensílios e dos objectos fabricados, que compõem um mundo novo, um mundo humano”.19 No entanto até estas acções de sobrevivência se revestiram de outros sentidos. A alimentação, como exemplo, tornou-se ela própria um ritual em muitas sociedades, inclusive a nossa. Associada ao encontro das famílias, dos amigos, ligando-se desta forma ao afecto, ao nutrir o outro. Livros e posteriores filmes como Água para Chocolate e A festa de Babette têm o confeccionar de alimentos como um processo altamente criativo e o partilhar dos mesmos alimentos como um ritual de grupo, de fruição; a mesa como espaço comum desse encontro e do partilhar de sensações, ideias, prazeres. Igualmente, é à mesa que se tomam decisões

18

Lauand, J. Mestre Pennacchi: Arte Integração, Estética da Participação. Notandum 15. Núcleo HumanidadesESDC /CEMOrOCFeusp/IJIUniversidade do Porto, 2007. http://www.hottopos.com/notand15/lauand0.pdf

  19

 Bataille, G. O Erotismo. Antígona. Lisboa, 1988. p.77 

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importantes e se fazem acordos (exp. jantar de negócios), com o mesmo sentido de (possível) confiança e partilha. George Bataille (filósofo francês) diz que a origem de todas as formas de arte é a festa, a festa religiosa. Festa onde o jogo da vida e da morte se cumpre: sacríficios de animais ou até de outros humanos, orgias, eram praticados e serviam como expurgação, catarse. O Cristianismo cortou esta ligação entre festa e erotismo, condenando a maioria das outras religiões, perimitindo apenas em dados momentos, a transgressão dos interditos. Alguns rituais levantam-nos provisoriamente: por exemplo, os Caretos, resquícios de festas pagãs, agora em consenso com as festas religiosas cristãs, no norte do país, representantes desse lado proibido: o animal, o maldoso, o diabrete sem regras, representante do excesso. Outro exemplo, são os sacrifícos animais feitos em louvor do Espírito Santo, nos Açores, parte profana da festa, mas enquadrada nas festas religiosas. Até a noite de núpcias num casamento celebrado religiosamente será uma transgressão ao interdito sexual erótico, por se enquadrar na festa e não ter o propósito final de reprodução. Abre-se no momento da festa, uma brecha na vida quoatidiana, no ritmo e funcionalidade do trabalho e dos dias. Comete-se o excesso, vive-se esse excesso, exesso de vida. O que se liga ao prazeroso é interdito, proibido, pode até ser considerado obsceno. Liga-se à animalidade do Homem, à parte de si que é negada. O homem ama, cria, mediatiza, projecta, ritualiza, por ter consciência da sua própria morte. A animalidade que o constitui relaciona-se com essa finitude e faz parte da sua condição. Duchamp, através de sua obra reflectiu a questão, de que modo a arte seria (e é) uma prática da condição humana: a arte relaciona-se com a possibilidade de nos interrogarmos; a condição humana traduz-se na forma de se questionar.

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Técnicas criativas em pedagogia e terapia

O que é um mediador artístico? Segundo Ruy de Carvalho, Vice-Presidente da SPAT, os mediadores são formas específicas de expressão artística, que recorrem a procedimentos criativos de concretização e sensoriais próprios, com impacto particular nas diferentes vias perceptivas e com possibilidades expressivas e elaborativas específicas. Deste modo oferecem potencialidades variadas, adequáveis às necessidades do indivíduo em Arte-Terapia. (2005) Não só no contexto terapêutico mas também no pedagógico, os mediadores artísticos podem facilitar a aprendizagem através do desbloquear da expressividade utilizando as funções criativas e imaginativas do indivíduo criador. Na educação as técnicas centram-se no fazer e na potencialidade desse acto criativo no desenvolvimento das áreas cognitivas, sensório-motoras e conhecimento do seu meio envolvente. A arte-educadora Edith Derdyck refere a importância e a necessidade, tanto para crianças como para adultos, da inter-relação entre uma educação vivencial – a prática do sensível – e uma educação visando o desenvolvimento da inteligência – a prática do conceito. O desenvolvimento humano faz-se nessa inter-relação e interdependência de todas as intancias físicas, psíquicas, emocionais, culturais, biológicas e simbólicas. Da mesma forma, a professora Teresa Eça cita num artigo sobre arte-educação que a educação é um processo de construção de identidades. Na educação artística ver, interpretar e fazer objectos visuais são meios de formação de identidades porque a mudança existe na medida que se aprende, a nossa aprendizagem modifica a nossa identidade subjectiva. A criação do Eu depende das representações simbólicas. Os efeitos das imagens moldam a noção de individualidade. A autora observa ainda, sobre a educação visual, que esta não ensina lugares comuns, teorias feitas, respostas prontas sobre as artes, sobre os objectos culturais. Fornece antes os conceitos, as teorias, os elementos básicos de inquérito, apreciação e de produção como ferramentas para o indivíduo aprender a pensar sobre os objectos visuais.20 Para concluir, o artista plástico Eurico Gonçalves nos fala que a criatividade desperta-se através do fazer, da experimentação constante. A criatividade apela para uma pedagogia não directiva, ou pelo menos flexível e aberta que a criança, ou adulto, sejam eles próprios e possam descobrir o seu modo de agir e de se exprimir, bem como o material e a técnica que melhor se adaptam à sua expressão pessoal.21

Os mediadores artísticos podem ser: • Artes plásticas • Expressão corporal • Expressão dramática • Expressão musical • Escrita 20

 Eça, Teresa. Arte Educação: diferença, pluralidaded e pensamento independente. In: Imaginar. APECV. Nº 43. Dezembro, 2004.  pp. 13,14. 

21

 Gonçalves, E. A arte descobre a criança. Raiz Editora. Amadora, 1991. p. 13. 

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A partir dos mediadores artísticos encontra-se uma série de variantes e recursos técnicos: Mediador artístico

Variantes e Recursos técnicos e variantes



Artes plásticas

Pintura, desenho, modelagem, colagem, fotografia, cerâmica, etc.



Expressão corporal

Fantasia guiada, relaxamento, movimento livre, movimento coreografado, danças de roda, espelhamento, etc.



Expressão dramática

Marionetas, dramatização de histórias, roleplaying, “cadeira vazia”, estátuas vivas, etc.



Expressão musical

Método activo: ex. improvisação musical; Método receptivo: ex. escuta.



Escrita

Escrita livre automática, poesia, contos de fadas, mitos e lendas, etc.

Mediadores: Recursos técnicos artísticos22

ARTES-PLÁSTICAS Pintura A pintura é realizada através da aplicação de tinta. A tinta, em toda a sua variedade, pode ser descrita como tendo por base a junção de pigmentos, cores em pó e um líquido que serve de veículo. Embora se possa falar da pintura com bastões de pastel de óleo que, não sendo um meio líquido, se aproximam da tinta de óleo. Existem vários tipos de tinta: acrílica, têmpera, óleo, guache, aguarela, entre outras. Cada uma destas variedades possui técnicas específicas e supõe um diferente controlo do traço e da mancha. A transparência e opacidade são trabalhadas com diferentes meios: a aguarela baseia-se num jogo de transparências sobrepostas, enquanto a tinta a óleo ou a tinta acrílica pouco diluída, permitem dar forma a planos de cor opacos. Diversos suportes podem ser utilizados: madeira, metal, vidro, papel, tela. No entanto, alguns serão mais apropriados a técnicas específicas; por exemplo, a aguarela necessita de um papel com capacidade de absorver a água e segurar as partículas de pigmento, enquanto que o acrílico, como tinta plástica, para se manter numa superfície lisa como o vidro, precisa da aplicação de um primário. A tinta de óleo será a mais versátil nesse sentido, mas a que exige um ritual mais elaborado para o seu manuseamento, sendo necessários veículos como óleo de linhaça e terebintina. 22

 Conteúdo organizado por Ruy de Carvalho. Manuais de formação ‘Teoria e técnica da Arte‐ Terapia/Psicoterapia’, SPAT. 

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A lentidão ou rapidez na secagem é outra característica importante deste recurso técnico, sendo a tinta de óleo morosa e as de guache e acrílicas, extremamente rápidas. No manuseamento da tinta, normalmente são utilizados pincéis, havendo, no entanto, outras possibilidades como as espátulas, as próprias mãos ou objectos do quotidiano retirados da sua função e aplicados neste contexto. A técnica da pintura apresenta quatro limites principais: - O limite dos materiais; - O limite dos suportes; - O limite da valoração das tonalidades e das cores. - O limite de capacidade de execução do indivíduo. Estes limites contribuem para a caracterização da intervenção de Arte-Terapia ou em contexto educacional, fornecendo referência do princípio da realidade.

Desenho O desenho pode ser realizado com diversos materiais: canetas de feltro, lápis de cor, pastéis de óleo, pastéis secos, lápis de grafite, esferográficas, carvão, giz, entre outros. Cada um destes materiais permite um tipo de registo, um diferente tipo de traço e resultado estético. O desenho está intimamente ligado à forma do objecto representado, está mais próximo da conceptualização e descrição (do que a pintura, ligada à expressividade e sensibilidade), sendo o seu resultado dependente de aquisições da lógica.

Composição A composição deverá ser elaborada de acordo com a espontaneidade e livre arbítrio do criador. Em relação a este o Arte-Terapeuta ou educador deverá ter o maior cuidado de não influenciar o seu processo. A satisfação ou não satisfação com o resultado obtido deverá ser um critério do sujeito criador, não devendo o Arte-Terapeuta ou educador fornecer juízos de valor estético. A gratificação ou a frustração espontaneamente desencadeadas pela criação podem proporcionar ao indivíduo uma oportunidade de reflexão e crescimento interno. Suportes e materiais Oferecem oportunidades várias, mas também confrontam o criador com desafios e dificuldades de execução. Em indivíduos pouco familiarizados com as técnicas é importante que o ArteTerapeuta ou o educador desempenhe a função de ensinar a técnica, esclarecendo de forma clara e simples sobre as particularidades dos recursos técnicos ou materiais. Poderá fazer sugestões de propostas técnicas que facilitem a apreensão das especificidades do trabalho de composição, de elaboração de fundos, planos e perspectiva.

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SUPORTES Papel cavalinho; Papel de tela; Tela; Papel de cenário; Cartolinas (várias cores); Papel reciclado; Papel de arroz; Papel vegetal; Madeira / contraplacado. Vidro Papelão

DESENHO / PINTURA MATERIAIS Lápis de cor; Pastel de óleo; Pastel seco; Pastel de aguarela; Lápis de cera; Tintas de óleo; Tintas tempera ou guache; Tintas acrílicas; Digitintas; Aguarelas; Giz (várias cores); Tinta-da-china; Grafite e carvão.

Técnicas adicionais ƒ ƒ ƒ ƒ ƒ ƒ ƒ ƒ ƒ ƒ

Lineogravura; Relevo em metal; Carbonografia; Fotografia; Grafitis; Batik; Macramé; Vitrais; Gravação em couro; Gravação e escultura em madeira.

Utensílios Pincéis Godês Água Toalhetes de limpeza Óleo de linhaça Terebintina Recipientes (copos/taças) Papel toalha Leite Cavalete

Espaço Mesa Cadeiras Almofadas (acolhimento) Água corrente Luz natural

Técnicas combinadas - Desenhar “às cegas” com estilete rombo sobre folha de papel químico, interposto entre duas folhas de papel. - Desenhar ou pintar a partir dum tema musical. - Desenhar ou pintar a partir de histórias. - Construção de móbil com objectos vários, arame ou fio. - Construção de escultura com desperdícios. - Banda desenhada, a partir de história criada por um grupo. - Cadavre exqui. - Pintura em movimento.

Colagem Nesta técnica, é dada a possibilidade de cortar elementos de revistas e jornais e/ou formas em papel de cores e texturas diferentes, e colá-los com a disposição desejada, noutro suporte. A base em que se organizam as imagens pode ser variada, sendo a mais comum o papel. O apoio em elementos reconhecidos do mundo externo, pode ajudar numa primeira fase de facilitação da criação.

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COLAGEM MATERIAIS

AUXILIARES

TÉCNICAS

Cartolinas (várias cores); Papel celofane; Revistas e jornais; Papel de lustro.

Tesouras; Xats; Régua;

Mosaico de imagem de revista; Mosaico de retalhos de papel; Vitrais de papel.

Exemplos artístico-pedagógicos: Jackson Pollock e a action painting Pollock, artista americano (1912-1956) um belo dia resolveu retirar a sua tela do cavalete e deitala no chão para “se sentir dentro do quadro”. Experimenta quase que por acaso, pingos de tinta jogados aleatoriamente sobre uma tela e a composição que surge de um emaranhado de linhas, mas sobretudo de maneira harmoniosa, criando uma teia dinâmica de cores e traços. Assim é associada a Jackson Pollock o desenvolvimento da técnica surrealista do dripping. Pollock viveu no auge do action painting, ou seja, a pintura de acção que primava pelo espontâneo, ágil e informal.

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Picasso numa só linha Linhas ágeis e fluidas constituem figuras, há uma destreza de punho e de traço. Com uma linha contínua, Picasso dá-nos o essencial, mas também o movimento, da figura representada. Utilizou caneta, lápis de cera, pincel e aguarela, chegou a fazê-lo com luz, fotografado por Gjon Mili para a revista LIFE em 1949. Este conjunto de desenhos não recebeu tanta atenção da crítica e do público, a este facto deve-se o quase desconhecimento desta parte do seu trabalho. Provavelmente terão começado em jeito de brincadeira, divertimento entre amigos. Alguns temas foram repetidos exaustivamente: touradas, cabeças de touros, arlequins, aves, aparecem com regularidade. Esta execução múltipla indica “o profundo envolvimento no processo, o papel central do jogo, a ênfase na descoberta e acima de tudo, o infindável fascínio pela força de expressão da linha”. Versões do galo e do arlequim ilustraram o livro de Jean Cocteau sobre Teoria Musical, O galo e o Arlequim, publicado em 1918. Em estudos para a capa da partitura de Igor Stravinsky, a linha de Picasso reflecte o som, “transmite o tom cru e vibrante do banjo e do violino, o ritmo pulsante da música do ragtime”. Assim, a linha definida por Picasso ganha o contorno desejado: quebrada, fluida, elástica, espessa, leve… No início dos anos 30 do século XX, o artista, ligado ao movimento Surrealista, remete a linha para um novo vocabulário: o da forma orgânica, abstracta. Em 75 anos de carreira, Picasso atravessou variadas áreas artísticas, dedicou-se à pintura, escultura, cerâmica, gravura, desenho. Este último meio manteve sempre um lugar central, tendo mantido um nível de experimentação semelhante ao das outras áreas referidas.

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Modelagem O contacto do corpo é directo com os materiais. Promove a representação tridimensional. Existem vários tipos de materiais para modelagem, naturais ou industriais, distinguindo-se pelas diferentes características com que se apresentam, como a plasticidade, a textura, a cor ou a resistência. A modelagem permite o contacto directo das mãos à matéria, sem a necessidade da utilização de instrumentos ou ferramentas entremeando a criação. É claro que pode-se usar utensílios para facilitar a modelagem, mas os principais instrumentos são as mãos. VOLUMES Tridimensional – escultura, máscaras e potaria; Bidimensional – baixo relevo, gravura sobre suporte e azulejos. MODELAGEM E OLARIA MATERIAIS Barro; Pasta de papel; Plasticinas; Gesso; Cera; Esferovite.

Utensílios Estiletes; Teques.

ACABAMENTOS Tintas; Esmaltagem; Cozimento; Forno ou mufla.

Espaço Mesa Cadeiras Almofadas (acolhimento) Água corrente Luz natural

EXPRESSÃO CORPORAL, Movimento e Dança Trabalha-se com o nosso corpo, o gesto e o movimento. Interage-se com o espaço e com o outro (pessoa ou objecto) permitindo a exploração da comunicação não verbal e expressiva.

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EXPRESSÃO CORPORAL Materiais Acessórios Aparelhagem de som Lenços Cds com grande variedade de Saias ritmos e estilos musicais. Ornamentos Bijutarias

Espaço Sala ampla e vazia Variedade de iluminação (diferentes focos) Piso liso e suave

Técnica combinada Movimento + Criação de cenário

Materiais Papel cenário; material de pintura; material de corte e colagem. Relaxamento + Escuta musical Manta; colchões de ginástica, música. Pintura com o corpo + Movimento + Escuta Material de pintura, papel cenário, música. musical Exemplo artístico-pedagógico: Isadora Duncan – dançando com o vento

A bailarina americana Isadora Duncan (1877-1927) rompe com toda a tradição da dança tradicional ao pretender se expressar livremente através da “sua” dança. De espírito irreverente, Isadora Duncan abole as técnicas do bale clássico e propõe a expressão corporal improvisada, inspirada…o próprio figurino era incomum, cabelos soltos, pés descalços e vestidos leves que voavam ao vento de seus movimentos. Isadora se inspirava nas figuras das dançarinas dos vasos gregos, inclusive nas suas vestes. Outra fonte de imaginação era a natureza que Isadora Duncan reproduzia o movimento do vento, das plantas, da água e animais. Ela é considerada a pioneira da dança moderna.

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PINA BAUSCH nasceu em Solingen na Alemanha no dia 27 de Julho de 1940 e morreu no mesmo país em Wuppertal a 30 de Junho de 2009, com 68 anos. Foi coreógrafa, bailarina, pedagoga de dança e directora de ballet (desde 1973 da companhia Tanztheater Wuppertal Pina Bausch). Filha do proprietário de um restaurante e hospedaria, passava horas a observar os clientes que se deslocavam aos estabelecimentos. Esta procura de gestos quotidianos e do natural movimento humano (repetitivo), o corpo no espaço, a ligação entre o interior e exterior, são visíveis nas suas coreografias. Estas eram construídas em conjunto com os bailarinos, baseadas nas vivências dos mesmos; contavam histórias, recorrendo frequentemente ao tema masculinofeminino, a interacção, conflito, junção do par/oposto. Pina Bausch rompeu com formas tradicionais de dança-teatro, utilizando uma linguagem corporal incomum para a época em que surgiu e influenciando bailarinos e companhias em todo o mundo.

EXPRESSÃO MUSICAL A música desde os primórdios da humanidade tem sido utilizada para fins religiosos, místicos e recreativos. Os ritmos, antes de serem musicais são físicos e biológicos. Preferencia por instrumentos étnicos e artesanais pela maior facilidade de utilização e produção de sons. Ao contrario dos instrumentos tradicionais de orquestra (pinano, viola, guitarra) que necessitam de técnicas musicais especificas que poderão inibir e frustrar o utilizador no contexto terapêutico e educacional.

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Improvisação musical Numa improvisação musical, em grupo por exemplo, começa-se a traçar uma comunicação que a princípio até poderá parecer desarmoniosa. O objectivo principal é encontrar este ponto de encontro através de caminhos construídos pelos sons que vão surgindo e criando música. Uma vez a “orquestra” encontrando-se e dialogando, a comunicação flui, a música surge e irá ressoar no interior de cada indivíduo do grupo. Haverá também o jogo e a partilha, elementos lúdicos, que surgem espontaneamente mediante o desenvolvimento da composição. Trata-se do indivíduo e do indivíduo no grupo, lembrando que o total será sempre mais do que apenas a soma das partes. Criam-se redes de comunicação que enriquecem o próprio discurso. O indivíduo tem espaço para se expressar por meio de um instrumento ou de sons produzidos pelo próprio corpo. Simultâneamente, caso esteja em grupo, o seu som interage com o de outros individuos, pasando a um “diálogo”, podendo este ser ruidoso ou harmonioso, fluido ou “espesso”

Expressão Musical Escuta

Instrumentos

Aparelhagem de som

Percussão: Jambé, xilofone, batuque, pandeiro, claves. Cds com grande Agitação: variedade de ritmos e Pau de chuva, estilos musicais. chocalho, caxixi, maraca. Vibração: Sino, triângulo, prato.

Construção de instrumentos

Espaço

Gri-gri, nun-nun, Amplo Tréculas, matracas, chincalhos, sarronca, reque-reque, flauta de pã, metalofone. Acústica adequada.

Isolamento sonoro ou sala afastada de modo a não interferir com o meio exterior.

Cordas: Berimbau; arpa. Sopro: Flauta, Djiridum, flauta de pã.

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tréculas

chincalhos

reque-reque

matracas

flauta de pã

metalofone

Exemplo artístico-pedagógico: Improvisação e Arte – Victor Gama Victor Gama músico português, nascido em Angola, é compositor, performer, designer, bem como um engenheiro electrónico. Além de suas composições musicais também desenha e constrói os próprios instrumentos de maneira inovadora e com sons diferenciados. Além disso explora sonoridades e novos processo de criação através dessa construção de instrumentos, dispositivos sonoros e instalações usando um método de experimentação e intersecção com o design, som, música, imagem e performance. O artista refere que “este fenómeno sugere que a forma seja um elemento dinâmico no processo de composição e está intimamente relacionado com o impulso criativo do músico e com o meio ambiente que o rodeia”. A sua inovação baseia-se no facto de desenhar instrumentos colectivos que podem ser tocados por dois ou mais músicos, sugerindo um jogo de diálogo. Victor Gama forma com William Parker e Guillermo E. Brown, o Folk Songs Trio que é actualmente um dos mais excitantes trios de free improv, explorando um terreno fértil entre o free jazz, hip-hop, músicas tradicionais e electrónica.23

Free Improvisation

23

http://www.pangeiainstrumentos.org/sobrevictorgama%20port.htm

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Na Improvisação livre ou música livre é música improvisada sem quaisquer regras para além do gosto ou inclinação dos músicos envolvidos; em muitos casos, os músicos fazem um esforço evidente para evitar referências e reconhecimento de géneros musicais. O termo é um tanto paradoxal, uma vez que pode ser considerada tanto como uma técnica e como um género reconhecível em seu próprio direito. A Improvisação livre, como um estilo de música, foi desenvolvida nos EUA e na Europa em meados da década de 1960 e, em grande parte como uma consequência do free jazz e modern classical musics.24

EXPRESSÃO DRAMÁTICA Variantes: Tabuleiros de Areia Tabuleiros de areia são pequenas caixas parcialmente cheias de areia, onde se colocam miniaturas. Estas deverão constituir um leque muito amplo e representativo dos mundos real e simbólico: poderão ser de cariz neutral, facilitando o deslocamento e projecção de elementos de significado interno ou de maior conotação simbólica, individual, cultural ou colectiva, e propiciando-se à identificação. O resultado da construção será uma imagem tridimensional ou composição rica de significações em volta da qual se realizará o trabalho arte-psicoterapêutico.25

EXPRESSÃO DRAMÁTICA Tabuleiros de Areia Materiais Miniaturas Tabuleiros de madeira no Animais formato de cerca 60x40cm Areia da praia Elementos da natureza (plantas, pedras e etc). Meios de transporte (carro, táxi, ambulância, mota, barco) Habitações (casas, grutas, escola, prédios, etc) Figuras humanas (diferentes idades, raças e profissões; de ambos os sexos). Figuras de fantasia (fada, bruxa, monstro, etc) Figuras de conteúdo sagrado (Cristo, buda, figuras da mitologia, anjos) Símbolos de guerra (soldados, armas, cowboys, espadas, etc) Simbolos automórficos (animais investidos de qualidades humanas). Objectos vários (berlindes, objectos geométricos, mobília, objectos domésticos, sinais de transito, etc).

24

 http://en.wikipedia.org/wiki/Free_improvisation 

25

 Conteúdo organizado por Ruy de Carvalho. Manuais de formação ‘Teoria e técnica da Arte‐Terapia/Psicoterapia’, SPAT. 

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Marionetas e Fantoches A marioneta é o exemplo do objecto intermodal completo: é uma escultura, uma pintura, é desenhada, decorada, manipulável, que pertence a quem o cria mas que é outro e que ocupa o espaço entre si próprio e os outros. A marioneta prolonga o corpo. Existem várias técnicas, desde os fantoches de dedo feitos com cones de cartolina, aos fantoches com as cabeças feitas em pasta de papel. Pode apenas sugerir-se que o indivíduo use a sua criatividade, deixando-se descobrir o modo de construir a marioneta.

EXPRESSÃO DRAMÁTICA Marionetas e Fantoches Materiais Cartolinas, papel de arroz, papel de lustro e outros de várias cores Tecidos de várias cores, lãs e fio de sisal Pasta de papel Tintas, pincéis e godés; canetas de feltro e lápis de cor. Desperdícios (garrafas de água, cabides, bolas de pingue pongue, luvas, arame, etc) Tesoura e x-acts Colas várias

Máscaras e dramatização Tal como as marionetas existem múltiplas técnicas, algumas complexas, como a máscara do rosto do próprio, feita com ligaduras gessadas. No entanto pode-se construir uma máscara de cartolina, simples e decorada com vários materiais. Pode-se propor que os indivíduos descubram o seu próprio modo de criar a máscara. O jogo dramático, sendo diferente da actividade teatral, é um exercício onde o sujeito joga consigo mesmo. Parte-se de uma acção e não de um texto. A pessoa cria a sua própria intervenção.26

EXPRESSÃO DRAMÁTICA Máscaras e dramatização Materiais Os mesmos que para as marionetas, incluindo ligaduras gessadas.

26

 Dienesch, M. Técnicas da Educação: A criança e a expressão dramática. Estampa, Lisboa, 1974. P. 24. 

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Técnica combinada Movimento + Criação de cenário Relaxamento + Escuta musical

Materiais Papel cenário; material de pintura; material de corte e colagem. Manta; colchões de ginástica, música.

Pintura com o corpo + Movimento + Escuta Material de pintura, papel cenário, música. musical

ESCRITA Este mediador recorre à letra, como signo, e consequentemente, à palavra, conjunto de signos que, organizados, traduzem uma ideia. Pode ser escrita e/ou dita. Os recursos técnicos mais utilizados, de modo activo: escrita automática, escrita livre, poemas; num aspecto mais passivo, primeiramente ouvir estórias, mitos e lendas e criar a partir das mesmas. Variantes: Estórias Há as estórias que ouvimos na nossa infância e que impregnam a nossa vivência, determinado a nossa percepção da realidade. Progressivamente estabelecemos as próprias histórias, formando a nossa história pessoal. As estórias têm variadas funções, como sendo as de transmissoras de tradição, na medida em que transmite a experiência, individual ou de um grupo, das suas reflexões, assoiações, pensamentos ou como mudança de perspectiva. Escrita Automática: Escreve-se livremente, evitando a racionalização. Quando há um bloqueio na escrita repete-se a ultima palavra até conseguir fluir o restante texto.

ESCRITA Materiais Papel pautado ou liso Esferográficas de várias cores Livros de estórias variadas, lendas e mitos

Técnica combinada Pintar ou desenhar a partir de texto de escrita criativa.

Materiais Papel, canetas, material de pintura.

Dramatização a partir de texto de escrita criativa.

Papel, canetas, adereços.

Realização de um mosaico de postais. A seguir associa- Papel, canetas, postais. se com escrita criativa a partir da imagem construída com os postais.

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Criação de poesia. Declamação. Associação com Papel, canetas, material de pintura e desenho ou pintura. O poema pode ser colado na desenho. imagem. Desenhar com letras, compondo uma imagem.

Material de pintura e desenho. Suportes diversos. Poema/colagem, realizado com palavras ou frases Papel, cola, tesoura, revistas e recortados de jornais ou revistas. jornais

Exemplos artístico-pedagógicos:

A Poesia Experimental O experimentalismo literário apresenta-se ciclicamente ao longo da história da literatura, correspondendo a uma prática, mais do que um período literário específico. Na segunda metade do século XX, o experimentalismo poético português, marcado pela descoberta da poesia visual e concreta, levou um grupo de poetas a escolherem a designação de Poesia Experimental para catalogar as suas actividades. A origem deste nome encontra-se nos dois Cadernos antológicos da Poesia Experimental, publicados em 1964 e 1966, o primeiro organizado por Herberto Helder e António Aragão; o segundo, pelos mesmos e por Ernesto Melo e Castro. Os experimentalistas centram a sua atenção na palavra como valor absoluto e substantivo. A letra ganha um diferente valor, gráfico e plástico. Representante da poesia experimental, Herberto Helder começa por estar ligada ao surrealismo. Num breve percurso pela história do surrealismo em França, refira-se primeiro o movimento dada, fundado em 1916 por Tristan Tzara, que pôs em prática, a partir de 1919, uma das técnicas mais usadas, posteriormente, pelos surrealistas: a escrita automática. Em 1922, Tristan Tzara rompe com André Breton (fundador da revista Littérature) e em 1924 surge “oficialmente” o Surrealismo, com o Manifeste du surréalisme, deste último. O vocábulo fora usado pela primeira vez por Guillaume Apollinaire, em 1918, ao qualificar o seu drama “les Mamelles de Tirésias”. A definição apresentada no Manifesto é a seguinte: “Automatismo psíquico pelo qual se pretende exprimir, verbalmente ou por escrito, ou de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de qualquer vigilância exercida pela razão, para além de qualquer preocupação estética ou moral”. O surrealismo português, à parte algumas situações particulares, seguirá de muito perto as concepções e técnicas do movimento francês, sobretudo em relação a André Breton. Surge, no entanto, uma necessidade de afirmação de independência baseada na especificidade nacional. Retomado a questão inicial, o primeiro artigo a ser publicado em Portugal sobre poesia concreta foi escrito por Ana Hatherly em 1959, com o título de “O idêntico inverso ou o lirismo ultraromântico e a poesia concreta”. E o primeiro livro inteiramente dedicado a esta nova concepção literária (e plástica), foi A Proposição 2.01--Poesia Experimental, publicado por Ernesto M. de Melo e Castro em 1965. No entanto, as origens da poesia concreta encontram-se no primeiro livro de Salette Tavares, Espelho cego, onde é possível testemunhar um recurso à substantivização que está muito - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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próximo do utilizado pelos poetas concretistas brasileiros desde o princípio dos anos 50, bem como em alguns poemas da mesma altura de Melo e Castro, Ana Hatherly e António Aragão. A tendência para situar o aparecimento da poesia visual no início do século XX, com as parole in libertà dos futuristas ou os poemas-colagem dos dadaístas, é contrariada por Ana Hatherly, para quem uma cronologia da poesia visual deveria incluir séculos de experiência de textosimagens, que compreendem hieróglifos, ideogramas, criptogramas e diagramas. De qualquer modo, com a poesia concreta, como os poetas brasileiros afirmaram, dá-se por encerrado o ciclo histórico do verso, inaugurando o espaço gráfico da página enquanto agente estrutural, e não apenas linear-temporal, como nos caligramas e ideogramas estudados por Hatherly.

Ilustração 1 e 2 - Herberto Helder, Antologia da Poesia Concreta em Portugal

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Ilustração 3, 4 e 5 - Salette Tavares

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Ilustração 6 e 7 - Ana Hatherly

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Bibliografia ABREU, Liliana e outra, O Fantoche. Um Cenário Pedagógico, recolha, selecção de figuras e redacção. Torres Vedras. BARBOSA, P. Metamorfoses do real. Afrontamento. Porto, 1995. BATAILLE, Georges. O Erotismo, tradução de João Bénard da Costa. Antígona, Lisboa, 1988. DIENESCH, M. Técnicas da Educação: A criança e a expressão dramática. Estampa, Lisboa, 1974. DORFLES, Gillo. O Devir das Artes, tradução de Baptista Bastos e David de Carvalho. Publicações D. Quixote, Lisboa, 1999. DUCHAMP, M. O Acto Criativo - (1957), trad. Rui Cascais Parada. Portugal: Água Forte, 1997. EÇA, Teresa. Arte Educação: diferença, pluralidaded e pensamento independente. In: Imaginar. APECV. Nº 43. Dezembro, 2004. FRÓIS, J.P. e outros. Educação estética e artística. Abordagens transdisciplinares, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2000. GALASSI, Susan Grace. Picasso em uma só Linha, tradução Angela Andrade. Ediouro, 1998. GONÇALVES, Eurico. A Arte Descobre a Criança, Raiz editora, Amadora, 1991. GONÇALVES, Eurico. Dadá-Zen. Pintura Escrita, Edições Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2005. GOURHAN, André Leroi-. As Religiões da Pré-História, tradução Maria Inês Ferro. Edições 70, Lisboa, 2007. MIDAL, F. Inventar a liberdade. Círculo de leitores. Lisboa, 2010. OSTROWER, F. Criatividade e Processos de Criação. Ed. Vozes, Petrópolis, 2008. PAROT, F. e DORON, R. Dicionário de Psicologia. Climepsi. Lisboa, 2001. ROGERS, C. Tornar-se pessoa. Moraes Editora. Lisboa, 1985. SOUSA, A. Educação pela arte e artes na educação. 2º vol. Instituto Piaget. CARVALHO, Ruy . Manuais de formação ‘Teoria e técnica da Arte-Terapia/Psicoterapia’, SPAT.

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MÓDULO III: A ORGANIZAÇÃO DE ATELIERS EM ARTE-TERAPIA

Formadora: Joana Bisset (Artista plástica e Arte-Terapeuta)

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PARÂMETROS DOS ATELIERS DE ARTES-TERAPIAS

1. Definição e Características da Arte-Terapia Vivencial

A Arte-Terapia Vivencial é centrada na criação artística ou na exploração dos recursos técnicos artísticos propostos pelo arte-terapeuta, deixando-se à livre iniciativa ou autodeterminação do paciente a possibilidade de usar os mediadores para ensaiar a versatilidade, a inovação e a experimentação, bem como a possibilidade de usar as suas criações para efeitos de auto-actualização, transformação, gnose e comunicação. Neste tipo de abordagem, privilegia-se a expressão criativa pelas artes, livremente ou recorrendo a propostas orientadoras relativas a materiais, técnicas ou recursos técnicos artísticos, facilitando-se a descoberta interior através do imaginário. A intervenção do terapeuta é mínima, centrando-se na disponibilidade empática, na abertura para cuidar e suster, podendo-se fazer propostas facilitadoras e intervenções contentoras. A perspectiva teórica-técnica é de pendor vivencial, o que não obsta a uma leitura dinâmica do processo. Trata-se de um tipo de intervenção adequado para trabalho em instituições psiquiátricas ou escolas e direccionada para determinadas populações alvo. Poder-se-á recorrer à integração, mas apenas como facilitador da criação e não como estratégica preponderante, mais numa perspectiva polimodal, de contínuo de expressões ou de encadeamento criativo. Na Arte-Terapia Vivencial o arte-terapeuta colocará, assim, a tónica na experimentação com os mediadores e na interacção interpessoal, constituindo-se o objecto de arte ou mediador de expressão como um intermediário para a comunicação. A aprendizagem interpessoal, promovida pelo incentivo à criatividade, à auto-observação, ao feedback, à validação consensual e pelo confronto com crenças e comportamentos mal-adaptativos, num ambiente de aceitação, altruísmo e sustentação, permitirão a tomada de consciência da universalização, ou seja, de que os pacientes não estão sozinhos, nem são os únicos com problemas. Como uma criança de 7 anos disse, num grupo de Arte-Terapia Vivencial, “Eu sou coitadinho, mas o mais coitadinho é o Mário, porque o pai dele morreu. O meu só foi para fora…”. A universalização também diz respeito à criatividade e ao fazer artístico que são próprios a todos os seres humanos que possuem a aptência para tal, podendo desenvolver a sua capacidade criativa e utilizar o fazer artístico para comunicar sobre o mundo interno, partilhando, nomeadamente, sobre os seus dramas existenciais e conflitos, e podendo colocar essa criatividade e “artisticidade” ao serviço da transformação e aquisição de um sentido de equilíbrio estético interno. A estrutura dos grupos vivenciais de Arte-Terapia pode ainda fornecer um pendor particular à dinâmica em função dos mediadores utilizados, de acordo com quatro designações: •



Artística – centrada numa única técnica artística, ou numa variedade limitada, fornecendo o arte-terapeuta informações técnicas que possibilitarão o desenvolvimento das competências técnicas, criativas e expressivas pelo paciente. Polimodal – é promovido o encadeamento criativo de mediadores ou recursos, facilitando-se, através da experimentação, a intensificação da vivência criativa, a ventilação, ou seja, expressão de sentimentos, ideias, eventos suprimidos da consciência

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ou segredos pessoais, bem como a auto-revelação, propiciando-se a catarse reparadora e integradora. Potencial – são escalonados pelo arte-terapeuta diversos recursos técnicos artísticos, materiais ou mediadores, tendo em conta as potencialidades expressivas, criativas e simbólicas que lhes são próprias, adequando-se à facilitação do processo de autorevelação e transformação dos indivíduos no grupo ou do grupo-como-um-todo. Livre – uma gama restrita de materiais está à disposição, sendo utilizada livre e espontaneamente pelos membros do atelier.

Quanto à comunicação nos grupos vivenciais de Arte-Terapia, esta evolui de modo espontâneo, sem que o arte-terapeuta a conduza. ARTE-TERAPIA VIVENCIAL Foco: Criação artística e expressividade Características: Centrada na criação artística através da utilização de técnicas e recursos artísticos. Objectivos: Utilização do potencial transformador e curativo da criação artística. Metodologia: Criação artística livre a partir de propostas de utilização de recursos técnicos artísticos. Perspectiva: A Arte como Terapia 2. A Dinâmica de Grupos em Arte-Terapia Vivencial

Pretender-se-á, na organização da estrutura do grupo de Arte-Terapia Vivencial, que este pense, sinta, crie e aja de modo diverso do que faria qualquer dos membros individualmente. Este fenómeno traduz-se num certo espírito, clima e cultura. Assim, cria-se uma consciência colectiva imaginária distinta das consciências individuais. Por outro lado, o grupo constituirá uma realidade, não apenas quando os indivíduos que o compõem estão reunidos, mas cada um dos membros do grupo poderá sentir-se parte integrante do grupo quando estiver só. Será importante que as relações que se criarem dentro do grupo favoreçam o desenvolvimento das personalidades, através das criações partilhadas, da troca de ideias e do diálogo. Assim, o grupo de Arte-Terapia Vivencial tornar-se-á num conjunto de pessoas que são interdependentes na tentativa de realização de objectivos individuais, ligadas umas às outras por um objectivo fundamental que lhes é comum: a expressão da sua criatividade através da arte. É necessário manter em mente que o grupo é um conjunto dinâmico, dentro do qual se defrontam forças opostas que procuram equilíbrio. Toda a modificação parcial da estrutura ou da vida do grupo resulta numa modificação do conjunto. Este potencial será acrescido à vertente criativa e expressiva que os grupos de Arte-Terapia Vivencial implicam. Kurt Levin identificou os fenómenos da vida do grupo: a interdependência, a coesão, a comunicação, a modificação social, a estrutura e a decisão do grupo. O arte-terapeuta, ao ter e conta todas estas dimensões do fenómeno grupal, para além das que são próprias às actividades criativas, estará a maximizar o efeito terapêutico da intervenção.

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Convém ter em conta que, no grupo de Arte-Terapia Vivencial, se pretende que cada uma das pessoas ajude as outras e seja ajudado por elas, mas que também podem surgir dificuldades causadas pelos sujeitos, quer directamente, quer por projecção sobre os outros dos seus próprios obstáculos internos. O arte-terapeuta Vivencial, embora adoptando uma atitude não-directiva, deve estar atento aos fenómenos resultantes: - Das inter-relações dos indivíduos no grupo; - Das inter-relações do indivíduo com o grupo; - Das inter-relações dos subgrupos no grupo; - Das inter-relações entre as diferentes criações artísticas; - Das inter-relações do indivíduo com as suas criações; - Das inter-relações do grupo com as criações artísticas. A tendência é formarem-se laços fortes entre os membros do grupo e desenvolver-se uma comunicação circular. Nos períodos de criação, a comunicação é, em geral, vertical, do indivíduo com o arte-terapeuta. Alexander e French sustentam que uma “experiência emocional de natureza correctiva” é essencial para a mudança e para o crescimento da personalidade. É também este um objectivo implícito à dinâmica dos grupos de Arte-Terapia Vivencial.

3. A Organização do Atelier de Arte-Terapia Vivencial

Várias formas de organização dos Ateliers de Arte-Terapia foram aplicadas ao longo da sua evolução, como sejam: os pacientes criam em conjunto, sentados em círculo em frente de cavaletes ou sentados em torno de uma mesa de trabalho comum, enquanto o arte-terapeuta deambula pela sala; os pacientes sentam-se no chão em almofadas, o que proporciona um contexto mais relaxado e regressivo (mas desconfortável para indivíduos com condicionantes músculo-esqueléticas); os pacientes trabalham voltados para a parede, com as folhas de papel colocadas naquela, como foi preconizado por Sara Païn, inspirada em A. Stern, para o seu trabalho com crianças (esta alternativa é menos comum). Esta última perspectiva tem o contra o facto de os sujeitos perderem o contacto com o conjunto do grupo, dado poderem ficar de costas. Idealmente, procurou-se criar nos ateliers uma disposição em que todos os intervenientes tivessem contacto visual, bem como pudessem olhar as criações dos outros, e que o arteterapeuta fosse capaz de vislumbrar todas as criações. Assim, contextos diversos de atelier foram ensaiados. No inicio, nalgumas instituições, a falta de prestígio e o desconhecimento da validade da Arte-Terapia levou a que a intervenção fosse remetida para lavandarias ou vestiários. Esta foi a situação com Carvalho se viu confrontado quando pretendeu iniciar a Arte-Terapia em Portugal, num Hospital Psiquiátrico. Nos países em que a Arte-Terapia ganhou maior tradição e reconhecimento, as instituições passaram a disponibilizar salas próprias, espaçosas e luminosas, com mesa de trabalho própria. Foram também concebidas perspectivas específicas de ateliers, algumas estranhas no entender do autor referido, como os pacientes deambularem por várias salas, onde executam actividades distintas. Exemplo de uma abordagem particular é a de Arno Stern, que desenvolveu os ateliers “de educação criadora” para crianças. Nestes, uma “mesapaleta” está situada no meio da sala de pintura. A mesa-paleta delimita a movimentação dos - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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participantes do grupo, fazendo “nó”, “laço” ou “ponto para se encontrar ou evitar”. Inclui em si boiões de dezasseis a dezoito cores de guaches, para além de um frasco de água, bem como dois a três pincéis de números diferentes para cada interveniente. No “espaço-pintura”, os participantes trabalham de pé, frente à sua folha pregada na parede. O espaço é limitado, de forma que todas as paredes sejam utilizadas, com o intuito de possibilitar uma dinâmica própria em que cada participante pode ter algum isolamento, permanecendo silenciosa frente à folha. O atelier é concebido como um “lugar fechado”, sendo inclusive as janelas encerradas, de forma a que o espaço se torne mais propício à criatividade, ao interromper-se qualquer contacto com o mundo externo. A técnica utilizada com mais tradição é a da pintura com têmpera, acrílico e até óleo. Outros recursos plásticos foram introduzidos, variando entre contextos especializados em técnicas específicas e outros com recursos variados, incluindo mesmo outro tipo de mediadores artísticos que não os plásticos. A grande variedade de perspectivas de ateliers terapêuticos foi desenvolvida a par de uma grande multiplicidade de orientações técnicas artísticas aplicadas. No entanto, muito frequentemente tais enquadramentos foram concebidos com foco colocado na dimensão artística, correspondendo a um ponto de vista de profissionais com formação artísticapedagógica e não por arte-terapeutas, com formação específica. Isto levou a que, por vezes, se perdesse a noção de que, como Sara Païn refere, “[o] gosto pessoal do terapeuta em matéria de arte, as críticas ou a fascinação estética [e técnica, de acordo com Carvalho] que ele pode cultivar nas exposições devem ser colocadas entre parênteses. Aqui, a obra de arte em si não interessa, o centro de gravidade é o sujeito em busca da imagem, de significação.” Para Carvalho, existem algumas linhas gerais a considerar na organização do atelier de Arte-Terapia Vivencial: a) Será preciso contemplar o espaço, nomeadamente se é suficientemente confortável e espaçoso para todos. Um espaço excessivamente grande poderá promover a dispersão das interacções grupais, enquanto que um espaço demasiado reduzido se pode tornar claustrofóbico. Se funcionam outras actividades na sala é preciso cuidar que os objectos daquelas não interfiram. O que determinará a organização do atelier serão, principalmente, as características do espaço disponibilizado pela instituição. Caso se trabalhe em pequeno grupo, este deverá idealmente ser composto por 5 a 9 indivíduos; b) A disposição com que as pessoas serão instaladas pode ser variada, como indivíduos sentados em volta de uma mesa, os sujeitos ficam sentados no chão em círculo, os membros do grupo trabalham em cavaletes dispersos pela sala, ou as pessoas decidem onde querem criar, havendo vários espaços disponíveis. Ainda pode ser contemplada uma zona na sala para criação e um espaço com cadeiras ou almofadas para a partilha; c) É necessário salvaguardar que não ocorram interferências durante as sessões, nomeadamente pela entrada inoportuna de outros técnicos ou utentes da instituição; d) Os materiais devem estar dispostos de uma forma acessível e organizada, sendo visíveis bem como reconhecíveis para os utentes. Caso se trabalhe em torno de uma mesa, é importante que fiquem dispostos na mesma. No entanto, poderão ficar num armário de fácil acesso. Também terá que se atender a que os materiais fiquem guardados após a sessão, de preferência fechados num armário ou numa arca, de modo que não sejam devassados ou extraviados;

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e) Pode ser muito útil a existência de uma zona com água para lavagens, como um lavatório, o que poderá ser substituído por uma bacia com água, taças, toalhetes e papel de cozinha; f) As criações precisarão de ser guardadas no final da sessão, a não ser que os indivíduos em foco as levem consigo, de modo que não se extraviem, fiquem expostas à curiosidade de outrem ou sejam danificadas. Assim, a alternativa a que o arte-terapeuta as tenha que levar consigo no final de cada sessão será haver espaço disponível na sala para os guardar, como no armário ou arca onde ficam guardados os materiais.

4. A Presença do Arte-Terapeuta

Podemos resumir as características gerais do arte-terapeuta Vivencial nos seguintes termos: - Dinamizador; - Facilitador; - Mediador; - Sustentador da criação; - Incentivador; - Aprovador; - Suporte afectivo; - Contentor; - Referência dos limites. Em Arte-Terapia Vivencial, o arte-terapeuta adopta uma atitude essencialmente não directiva, apesar de poder fazer propostas. A não-directividade começa por ser uma atitude face aos participantes e ao grupo, atitude que, enquanto dinamizador, consiste em: 1. Recusar-se a dar uma direcção, em qualquer plano, a um ou outro dos participantes, ou ao grupo no seu conjunto, para além de indicações de ordem técnica; 2. A não-directividade não consiste na ausência de desejo de influenciar, mas sim na disponibilidade para ser influenciado em troca e estar aberto à vivência do outro; 3. Não intervir senão para aumentar a informação dos participantes, ou do grupo, acerca da sua própria criatividade artística. Quando o fizer deve realizá-lo de uma forma acessível e clara; 4. Abster-se, no entanto, de dirigir o processo de informação ou criação dos participantes acerca de si próprios; 5. Recusar-se a acreditar que aqueles devem pensar, sentir, criar ou agir de determinada maneira. Arte-terapeutas artistas deverão ter um cuidado particular de não influenciar esteticamente os indivíduos, de acordo com as suas perspectivas ou necessidades narcísicas; 6. Testemunhar, pelo contrário, confiança nas capacidades de auto-direcção dos sujeitos e do grupo;

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7. Partir, pois, da hipótese de que os participantes se esforçam para comunicar consigo mesmos e individualmente com o grupo, para poderem fazê-lo com a sociedade como um todo; 8. Não cair, por outro lado, no equívoco de deixar correr, que poderá conduzir à anarquia e demissão; 9. Deve, assim, promover a aprendizagem autentica, ou seja, aquela “que toca o ser profundo das pessoas “(Carl Rogers), que é feita pelo sujeito através de si próprio, possibilitando-lhe um redimensionar das suas opções, atitudes e da própria personalidade, conduzindo à “vida plena”; 10. A relação do arte-terapeuta Vivencial com os indivíduos do grupo deverá pautar-se pela “congruência”, consideração positiva incondicional e compreensão empática. PAPEL DO ARTE-TERAPEUTA EM ARTE-TERAPIA VIVENCIAL 1 - Propõe o contrato terapêutico inicial, bem como delimita os parâmetros, limites e regras da intervenção; Incentiva a discussão das violações contratuais, aceita que seja o contrato renegociável. 2 - Enfoca assuntos a partir das criações e acerca das relações interpessoais do grupo, no aquie-agora. 3 - Incentiva à auto-confiança: • Cataliza as sessões, propondo os mediadores ou recursos técnicos; • Segue a agenda dos pacientes; • Explora sintomas, sentimentos, comportamentos, privilegiando a auto-reflexão e revelação; • Proporciona feed-back emocional. 4 – Promove o desenvolvimento do Eu pela criação espontânea e aprendizagem interpessoal: • Fomenta a identificação com os membros mais saudáveis do grupo e mais criativos; • Enfatiza o uso da vontade e criatividade para superar os sintomas. 5 - Estimula o uso do processo secundário e meta-dramático: • Ajuda os pacientes a dizerem o que querem dizer e a expressarem-no; • Ajuda o paciente a utilizar palavras, ou a imaginação, em vez de comportamento: • Enfoca os relacionamentos no grupo; • Insta à formulação de perguntas, em vez de elaboração de presunções; • Promove a espontaneidade. 6 - Incentiva a percepção exacta da realidade: • Confronta a visão distorcida de membros do grupo, com a perspectiva dos outros; • Examina o papel dos membros na criação de problemas reais; • Incentiva os membros a verem-se como tendo problemas interpessoais. 7 - Desafia as tentativas dos membros de evitarem a tensão emocional: • Facilita a exploração de assuntos que estimulam sentimentos intensos; • Relaciona sintomas com acontecimentos interpessoais. 8 - Utiliza o feedback interpessoal para promover a auto percepção: • O líder faz os membros observarem e reflectirem de volta uns sobre os outros; • Comportamentos mal-adaptativos que ocorrem entre os membros do grupo são mediados e clarificados. 9 - Desafia defesas pessoais mal-adaptativas: • O uso de projecção, denegação, etc., pelos membros é observado abertamente; - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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• As operações defensivas são usadas para medir o progresso. 10 - Aborda a transferência negativa, apenas se os sentimentos negativos colocarem em risco a aliança terapêutica.

5. As Potencialidades Simbólicas e Expressivas dos Mediadores, Recursos Técnicos Artísticos, Dinâmicas e Materiais

O fazer artístico próprio à Arte-Terapia Vivencial resulta em produtos criativos que, se não se entendem como arte ou obras de arte no sentido tradicional, podem ser considerados como um tipo particular de arte. Uma abordagem de Arte-terapia focada, fundamentalmente, na arte permite ao indivíduo a imersão num caudal de criatividade, o que, adequadamente canalizado pelo contexto relacional terapêutico, contém em si um efeito potencialmente organizativo. Assim sendo, Carvalho propõe designar a arte realizada em contexto terapêutico como Arte Catalisadora. A composição da palavra catalisador provém de catálise + dor. Catálise origina-se da palavra grega “katalysis”, que remete para “dissolução” o qual, literalmente, poderíamos entender como a arte dissolutiva da dor emocional – no fundo, a grande finalidade de qualquer intervenção psicoterapêutica. Mas, em português, catalisar também significa estimular, dinamizar e desencadear, o que é próprio ao processo desenvolvido internamente nos pacientes comprometidos com a arte. A designação de Arte-Terapia remete para a tradição de uma intervenção cunhada há mais de 70 anos, mas também faz jus à sua identidade em que as matérias próprias das artes são o veículo do seu modus operandis. Não se trata de uma mera terapia criativa – conceito vago, uma vez que criar também pode remeter para uma fórmula matemática ou teórica científica. Aqui, recorre-se às linguagens das artes, mediadores do processo, mas origina-se um produto artístico com vocação de Arte Catalizadora. Quando se enfoca a Arte Catalisadora, necessariamente estar-se-á a orientar a intervenção de Arte-terapia no sentido de promover a activação de determinadas potencialidades contidas nos mediadores e nos recursos técnicos artísticos. Quando nomeamos mediadores, referirmo-nos, de acordo com Carvalho, a linguagens artísticas próprias, como as inerentes à expressão visual, à expressão corporal, à expressão dramática, à expressão escrita, poética e pelas estórias, à expressão musical, acrescentando ainda a expressão pelos tabuleiros de areia. No caso da expressão visual, têm de ser contempladas diversas variantes do mediador, como a pintura, o desenho, a modelagem, as colagens, o macramé e tapeçaria, a fotografia e ainda a variante de materiais ou técnicas ou mediadores combinados. A variante implica características distintivas próprias dentro do grande mediador e que lhe conferem quase valor de mediador artístico específico. Por sua vez, os diferentes mediadores contemplam múltiplos recursos técnicos artísticos específicos. Por exemplo, na pintura temos como recursos técnicos específicos a pintura a óleo ou a pintura a acrílico, etc.; no desenho, entre vários, temos, por exemplo, o desenho com lápis de cera sobre lixa ou o desenho com carvão, bem como uma multiplicidade de outras possibilidades; na modelagem temos a escultura em barro, o baixorelevo ou a construção de imagens com plasticina decalcada sobre folha de papel, entre muitas outras; nas colagens, há a referir, entre várias possibilidades, as colagens esquemáticas ou em mosaico; nas técnicas combinadas teremos a construção de marionetas ou de máscaras, associadas com expressão dramática e/ou corporal, de entre muitas outras que poderiam ser citadas; e assim por diante. Como se pode depreender, isso dá-nos uma infinidade de possibilidades que necessitam ser reflectidas pelo arte-terapeuta, tendo em conta as - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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potencialidades simbólicas e expressivas de cada mediador, genericamente, e de cada recurso técnico artístico, especificamente. Deste modo, já não se farão as intervenções, mesmo na abordagem centrada na Arte Catalisadora, meramente ao sabor do gosto do arte-terapeuta, que se poderá especializar num único recurso técnico artístico, mas estar-se-á a intervir com base num acto reflexivo, fundamentado na prática pessoal e na experiência compartilhada e colhida através das múltiplas publicações que podemos ter ao nosso dispor, hoje em dia, sobre o assunto. A abrangência da Arte-Terapia, em termos do leque alargado de situações em que se pode especificar e intervir é hoje um facto, não sendo, de todo, um mero instrumento de animação ou ocupacional. A eficácia das intervenções é grandemente propiciada pela miríade de possibilidades técnicas que estão ao dispor do arte-terapeuta, das quais se deverá saber apropriar adequadamente, isso sem detrimento da iniciativa criativa e auto-determinação dos pacientes. Se fosse o caso de se ter de efectuar uma intervenção de Arte-Terapia Vivencial centrada na Arte Catalisadora, que envolvesse um paciente com dificuldades na gestão dos impulsos agressivos, planificar-se-ia a abordagem, escolhendo recursos técnicos artísticos como a escultura com barro, que lhe permitisse a descarga agressiva através dum amassar enérgico do barro, quiçá podendo ser esmurrado, mas tal implicaria também um acto de elaboração da agressividade impulsiva, para que pudesse ser criado um objecto de arte. Outro recurso técnico artístico adequado seria, por exemplo, a colagem com desperdícios, envolvendo a fragmentação ou corte inicial dos materiais e, depois, a sua composição para se chegar à imagem concreta, o que implicaria um acto de reparação criativa. Temos, assim, a possibilidade de uma espécie de prescrição acurada dos recursos técnicos artísticos, o que é próprio de uma perspectiva designada por Carvalho de Arte-Terapia Vivencial Potencial.

6. A Combinação ou Encadeamento de Mediadores e Recursos Técnicos Artísticos

Uma questão afim das potencialidades simbólicas, criativas e expressivas dos mediadores e recursos técnicos artísticos diz respeito à sua combinação ou encadeamento, por vezes necessário e pertinente. Ao organizarem-se as sessões de Arte-Terapia Vivencial Polimodal tem que se ter em conta, necessariamente, o princípio do encadeamento criativo, em função do que se escalonam os mediadores ou recursos artísticos com uma intencionalidade particular. O encadeamento criativo deve conter em si uma intenção de procedimento bem fundamentada em função das potencialidades simbólicas, criativas e expressivas de cada mediador e recurso artístico em si, mas também em função da sua articulação. O seu escalonar deve ter uma vocação e uma conceptualização fundamentada de acordo com o que se pretende propiciar ou facilitar para os indivíduos em foco, tendo em conta, entre outros, os objectivos da intervenção a partir das necessidades e motivações dos anteriores. Assim, o próprio encadeamento criativo deve conter uma fundamentação em termos das suas potencialidades simbólicas, criativas e expressivas, enquanto contínuo expressivo. Polimodal quer precisamente dizer variedade nas modalidades artísticas que são oferecidas aos indivíduos em foco. Os encadeamentos criativos possíveis são de uma variabilidade muito alargada, para o que pode contribuir a intuição e criatividade do próprio arte-terapeuta para especificar e oferecer às pessoas com que intervém um contínuo de mediadores ou recursos artísticos que se adeqúe a eles, nomeadamente em termos de limitações e dificuldades expressivas, mas também de acordo com as necessidades, como já se referiu. Entre vários poderíamos pensar em iniciar o atelier com a criação de uma poesia sobre o estado de ânimo do momento, de cada um, a que se - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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seguiria a recitação com diferentes entoações podendo ser alternativas a vocalização ou canto a partir dos poemas. O período criativo no atelier poderia ser finalizado com a execução de uma pintura livre a guache. A intencionalidade implícita ao encadeamento criativo seria dar a oportunidade de que os indivíduos em foco começassem por se voltar para si com recurso à palavra, que está mais próxima do registo verbal e comunicacional comum, levantando, pois, menos conflito expressivo. No entanto, a execução de um poema contém implícito, em si, o acesso à linguagem metafórica, e simbólica a qual estabelece uma ponte com o imaginário profundo da pessoa e com os seus registos pré-consciente e inconsciente. Por outro lado, a poesia contém em si algo de musicalidade e ritmicidade, o que a coloca também mais próximo do registo da afectividade. Tal seria, então, intensificado através da declamação enfática, de vocalizações ou canto a partir dos poemas, propiciando uma envolvência sonora no grupo, com nuances de dissonância ou de sintonia, quer sonora, quer emocional. Pretender-se-ia com tal abrir portas à emergência não racional de afectos e, se possível, com algo de catártico, no grupo. Ao finalizar-se o encadeamento criativo com uma pintura a guache, ter-se-ia a intenção de oferecer uma oportunidade de elaboração imagética, com efeito organizativo, propiciando o aflorar de significações simbólicas e criativas a partir da “emocionalidade” emergida anteriormente. Por outro lado, o guache é de fácil utilização sendo um material líquido que não precisa de grandes competências técnicas. Ainda poderá facilitar a descarga emocional através do seu esguichar ou esborratar na folha, com a criação de manchas de cor com tonalidade sensorial e emocional intensa. Em alternativa, poder-se-á optar pelo uso intermediário dos pincéis, dando-se ênfase à composição, com um pendor estético determinado e até figurativo, de onde o conceito implícito na imagem emerge, oferecendo-se à significação. Deste modo, a imagem final fecha um ciclo criativo em ligação com a imagética eventualmente presente na poesia. Uma perspectiva afim mas com uma vocação algo diferente diz respeito à combinação de recursos artísticos, a que também se pode chamar de técnicas combinadas (Carvalho). Esta é propícia à Arte-Terapia Vivencial Potencial. Na combinação de recursos artísticos, pretende-se, com a sua conjugação, ampliar as suas potencialidades simbólicas, criativas e expressivas. Em muitas situações, a combinação é facilitadora do fazer artístico e da expressividade. Noutras, exploram-se diferentes dimensões de linguagens artísticas a que o mediador possibilita aceder. Um exemplo disto é a criação de uma marioneta, envolvendo a execução de um objecto tridimensional próximo da escultura, podendo usar-se ainda a pintura ou a costura na sua decoração. Mas, para além disso, a marioneta propicia a expressão dramática planeada ou espontânea, bem como a expressão corporal. Outras técnicas combinadas possíveis são a pintura com barro, o baixo-relevo pintado, a pintura conjugada com desenho, a pintura com plasticinas, a utilização de gesso para criar formas numa tela (que se completa com pintura), o tabuleiro de areia onde os objectos utilizados para a instalação são moldados em plasticina ou figuras desenhadas e recortadas, entre uma miríade de outras, como a poesia imagética.

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7. Perspectivar a Intervenção em Arte-Terapia

ARTE-TERAPIA VIVENCIAL Indivíduos com necessidades existenciais, interpessoais e criativas. Identificação das necessidades.  Investigação bibliográfica e estudo sobre especificidades da população, psicopatologia, psicoterapia de grupo com aquela população, intervenções de Arte-Terapia específicas, potencialidades dos recursos técnicos artísticos para aquele grupo.  Crianças Adolescentes Adultos Estudos do Desenvolvimento do Psicodinâmica da adolescência. Psicodinâmica da fase de vida e grupo etário, nomeadamente fases aspectos sócio-culturais. do desenho infantil.  DSM IV-TR, textos específicos de psicopatologia dinâmica, psicopatologia e Arte-Psicoterapia e textos clínicos, bem como sobre o modo de intervenção adoptado.  Pré-projecto a propor à instituição Deve incluir: apresentação do Arte-Terapeuta, definição de Arte-Terapia e do modelo de intervenção, objectivos da intervenção e porque se considera a Arte-Terapia vantajosa, eventual elaboração de folheto.  Contacto com o responsável da instituição  Aprovação do pré-projecto  Ligação com a equipa da instituição, perspectivar a articulação futura, selecção dos intervenientes, observação do enquadramento, nomeadamente espacial e aflorar de questões logísticas, como o fornecimento dos materiais.  Construção dos parâmetros de avaliação, nomeadamente grelha de entrevista clínica e questionário de avaliação de competências.  Avaliação da população, selecção e motivação  Planificação da Intervenção Ter em conta o tempo total, o número de sessões, duração das sessões e número de participantes.

Escalonar dos recursos técnicos artísticos a usar e seus objectivos Planificação das sessões, pelo menos, para um determinado período de tempo  Aplicação da intervenção

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8. A Estrutura das Sessões de Arte-Terapia Vivencial As sessões de Arte-Terapia Vivencial necessitam de um trabalho acurado de planeamento, em função das vocações da intervenção. A forma como a sessão é organizada deverá ter em conta uma intencionalidade própria, com um conceito subjacente e uma metodologia coerente. De seguida, desenvolve-se a estrutura processual própria a cada uma das formas de Arte-Terapia Vivencial, preconizadas por Carvalho. Deste modo, pretende-se sistematizar parâmetros de intervenção consistentes que fundamentem e delimitem as intervenções dos arte-terapeutas, o que é essencial se pretender realizar a investigação ou aferir resultados entre diferentes intervenções com populações idênticas realizadas quer pelo mesmo, quer por diversos técnicos.

8.1. Estrutura das sessões de Arte-Terapia Vivencial – Potencial Nesta forma de Arte-Terapia-Vivencial o enfoque é colocado nas potencialidades simbólicas e expressivas das dinâmicas, mediadores, recursos técnicos artísticos ou materiais, que serão pensados e de certo modo “prescritos” em função das necessidades e motivações da população com que se intervém. É importante ter em conta que não será benéfico variar excessivamente no tipo de mediadores a utilizar. Assim, dever-se-ão contemplar ciclos com um conceito inerente, sendo os mediadores ou recursos técnicos artísticos escalonados em torno daquele, com pequenas variações, por exemplo, no modo de utilização dos materiais. Se pretender-se usar mais que um mediador numa sessão, estes devem ser combinados de modo coerente, representando uma mesma experiência criativa, com diversas nuances, mas nunca dinâmicas diversas escalonadas. Estrutura cronológica da sessão: a) Eventual comunicação de “eventos” pelos membros do grupo; b) Proposta de recurso técnico arte-terapêutico, material ou mediador (corresponde à informação veiculada sobre a utilização dos recursos técnicos, materiais ou mediadores, com eventual exemplificação); c) Expressão não dirigida ou execução; d) Eventual proposta de um segundo recurso técnico, material ou mediador; e) Eventual segundo momento de expressão não dirigida ou execução; f) Partilha ou dinâmica interactiva de grupo; g) Decisão do destino a dar às criações; h) Encerramento, que incluirá eventual ritual bem como a arrumação da sala e materiais. Nota: Definir previamente o tempo de cada fase.

8.2. Estrutura das sessões de Arte-Terapia Vivencial – Artística Na Arte-Terapia Vivencial Artística utiliza-se apenas um recurso técnico artístico, uma gama limitada e afim, como a exploração da pintura que pode variar entre óleo e acrílico, entre vários outros. Será necessário que o arte-terapeuta domine a técnica artística, de forma a veiculá-la aos indivíduos a intervir.

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Estrutura cronológica da sessão: a) Eventual comunicação de “eventos” pelos membros do grupo; b) Elucidação sobre as características técnicas, com eventuais propostas de exercícios de familiarização ou desenvolvimento técnico; c) Expressão não dirigida ou criação espontânea; d) Interacção espontânea; e) Encerramento. Nota: Definir previamente o tempo de cada fase.

8.3. Estrutura das sessões de Arte-Terapia Vivencial – Polimodal As sessões de Arte-Terapia Vivencial Polimodal são estruturadas de acordo com um encadeamento criativo consistente e coerente, de acordo com a intencionalidade do arteterapeuta e as motivações dos indivíduos a intervir. Mantém-se idêntica durante toda a intervenção, eventualmente com apenas ligeiras adaptações ou nuances. Um exemplo eficaz poderá ser iniciar a sessão com expressão corporal, seguindo-se desenho livre com pastéis de óleo, para se terminar com escrita automática. A intenção será que o encadeamento ofereça oportunidades criativas, reflexivas e elaborativas, promovendo vivência emocional criativa e significativa. Os momentos expressivos ou criativos devem oferecer um contínuo sem interrupções, de forma a transitar-se de uma experiencia para outra directamente. Estrutura cronológica da sessão: a) Eventual comunicação de “eventos” pelos membros do grupo; b) Informação sobre o encadeamento criativo da sessão; c) Eventuais exercícios de aquecimento; d) Primeira proposta de expressão; e) Expressão livre; f) Segunda proposta de expressão; g) Expressão livre; h) Possível terceira proposta de expressão; i) Expressão livre; j) Partilha espontânea; k) Decisão do destino a dar às criações / expressões. Nota: Definir previamente o tempo de cada fase.

8.4. Planificação das sessões de Arte-Terapia Vivencial – Livre Relativamente à Arte-Terapia Vivencial Livre, esta é a forma menos estruturada de intervenção vivencial, uma vez que serão os próprios indivíduos a implementar a estrutura. Os materiais variados estão à disposição na sala, sendo escolhidos livremente pelas pessoas de acordo com o seu gosto, necessidade, motivação e intencionalidade, utilizando-os para criar como bem lhes aprouver.

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Estrutura cronológica da sessão: a) Eventual comunicação de “eventos” pelos membros do grupo; b) Incentivo à experimentação; c) Expressão / criação livre; d) Partilha espontânea ou dinâmica interactiva de grupo; e) Encerramento. Nota: Definir previamente o tempo de cada fase.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MÓDULO IV - A INTEGRAÇÃO DOS MEDIADORES NAS ARTES-TERAPIAS: Artes Visuais, Expressão Musical, Expressão Corporal, Expressão Dramática, Expressão Escrita e Histórias.

Formadora: Mª Paula Guerrinha – Arte-Psicoterapeuta

1. A técnica de integração dos mediadores em Arte-Terapia.

A integração dos mediadores em Arte-Terapia, visa a comunicação transmodal, a potenciação da resposta afectiva, o empowerment e a catarse, facilitando assim, entre outros, a evocação de eventos traumáticos, numa relação dialógica empática, contentora e transformadora. O arteterapeuta ou psicoterapeuta, intervém essencialmente como facilitador da compreensão interna, numa atitude interactiva e não interpretativa. A integração dos mediadores propicia também a expressão de aspectos do Self que não são verbalmente transmitidos. A perspectiva teórica é fundamentalmente intersubjectiva, pretendendo-se possibilitar um contexto propício à expressão e ao crescimento do Self. O arte-psicoterapeuta dever-se-á manter atento à transferência e contra-transferência, dado que estas poderão bloquear mas também iluminar o processo terapêutico. Algumas das indicações susceptíveis de utilizar esta técnica de integração são: psicoterapia breve, psicoterapia de suporte, pacientes com Self frágil, com escassa capacidade de insight, dificuldade em verbalizar, ou que se sintam ameaçados por uma atitude excessivamente mental ou interpretativa por parte do arte-psicoterapeuta e ainda pacientes vítimas de abuso físico ou sexual na infância. Num contexto terapêutico, a integração de mediadores permitirá a cada paciente ou participante num grupo, criar, expressar-se e comunicar recorrendo a qualquer um destes mediadores: • • • • • • •

Artes visuais; Dança e movimento; Voz, canto e musica; Drama através de representação espontânea ou marionetas; Poesia e escrita; Criar historias; Etc.

A integração de mediadores promove a oportunidade dos indivíduos poderem expressar-se através das diferentes formas de linguagem artística. Se atendermos à experiencia de diversos artistas, verificamos que frequentemente eles recorrem a mais do que uma linguagem. Por exemplo escritores como Alvaro de Carvalho e Fernando Namora ou o poeta Garcia Lorca, para alem de escreverem também pintavam ou desenhavam. Entre outros pintores, Salvador Dali também foi escritor e realizador de cinema ao lado de Buñuel,

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Do ponto de vida das Artes Integradas a restrição à expressão por determinadas formas de arte implicará necessariamente limitações de comunicação de determinadas áreas do Self. Por sua vez, bloqueios ou dificuldades na expressão por determinadas formas de arte serão poderão evidenciar conflitos ou défices de desenvolvimento da personalidade. Um ser humano com um sentido de Self bem integrado, com capacidade de exercício da sua maturidade e liberdade pessoal terá uma ampla capacidade de expressão criativa através das diferentes linguagens artísticas, independente da sua especificação ou preferência.

Vantagens da Integração dos Mediadores em Arte-Terapia relativamente à MonoExpressão A integração permite em Arte-Terapia proporcionar: • Flexibilidade e amplitude; • Acesso a todos os sentidos; • Maiores oportunidades para sintonizar e reflectir o mundo interior dos pacientes; • Possibilidades acrescidas de sintonia inter-modal; • Contenção, segurança; • Um estádio intermédio de expressão que pode proporcionar ou facilitar a articulação verbal; • Formas indirectas e voluntárias de exploração da experiência interior ou evocar recordações que possam provocar fragmentação psicológica se abordadas mais directamente. A integração de mediadores e respectiva dinâmica, é característica dos grupos de arte-terapia vivencial nomeadamente na estrutura poli-modal, em que é promovido o encadeamento criativo, facilitando-se através da experimentação, a intensificação da vivência criativa, a ventilação ou seja expressão de sentimentos, ideias, eventos suprimidos da consciência ou segredos pessoais, bem como a auto-revelação, propiciando-se a catarse reparadora e integradora. No entanto, a integração de mediadores também poderá ser observada no modo psicoeducacional directivo e estruturado, em que se recorre por exemplo à sub-divisão do tema em objectivos parciais, explorados através de diferentes recursos técnicos ou mediadores, cuja integração será pensada no sentido de aprofundar a consciência da temática, bem como a expressão das motivações, dificuldades ou sentimentos pessoais relativos aos temas, e ainda a aprendizagem mediatizada, tornada possível pelo ensaio metafórico de novas modalidades de funcionamento. A dinâmica grupal trará oportunidades acrescidas para o feed-back e interacionismo simbólico, facilitadores da modificação de atitudes e impulsos inadequados e consequente mudança. Segundo a concepção de Natalie Rogers: - “A Arte-Terapia Expressiva utiliza várias artes – movimento, desenho, pintura, escultura, música, escrita, som, improvisação, num setting de apoio para facilitar o crescimento e a cura. É perspectivada como um processo de nos descobrirmos a nós próprios através de qualquer forma de arte que venha de uma profundidade emocional.” - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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- “A arte expressiva refere-se ao uso dos aspectos emocionais, intuitivos, de nós próprios, através dos vários mediadores. Usar artes expressivamente significa ir até aos domínios interiores a fim de descobrir sentimentos e exprimi-los através da arte visual, do movimento, do som, da escrita ou do drama.” - “No mundo terapêutico baseado em princípios humanísticos, o termo terapia expressiva tem-se reservado para a expressão não verbal e/ou metafórica”. - “Quando usamos as artes para a auto-cura ou com objectivos terapêuticos não estamos preocupados com a beleza visual, a gramática e o estilo de escrita ou com a harmonia da canção. Usamos as artes para deixar ir, para exprimir e para libertar. Além disso, podemos conseguir insight através do estudo das mensagens simbólicas e metafóricas”. - “Os terapeutas das artes expressivas estão conscientes que o envolvimento da mente, do corpo e das emoções aumenta as capacidades intuitivas e imaginativas do cliente, bem como as capacidades lógicas e mesmo lineares. Dado que os estados emocionais raramente são lógicos, o uso de imagens e formas não-verbais abre ao cliente um caminho alternativo para a autoexploração e a comunicação.” - “Estas artes (expressivas) são meios potentes através dos quais se descobrem, vivenciam e aceitam aspectos desconhecidos do Self.”

Nesta perspectiva a intervenção é planeada projectando-se um encadeamento criativo para a sessão, promovendo deste modo, a transferência inter-modal, a qual permitirá a transferência entre os vários sentidos. Assim, serão mobilizadas memórias sensoriais ligadas à percepção dos orgãos dos sentidos. Estamos perante a activação do processo criativo em que se curto-circuita a racionalização (ex: brainstorming). O envolvimento em actividades criativas vivenciadas é uma alternativa no processo criativo. Natalie Rogers refere-se a um conceito seu que designou de “conexão criativa” ou seja, a crescente interface entre o movimento, a arte e o som. O facto de nos movermos com consciência, por exemplo, abre-nos a sentimentos profundos, que podem depois ser exprimidos em cores, linhas ou formas. Tal favorece a auto-exploração, auto-descoberta e a auto-cura. Esta última é inerente, na sua acepção, ao facto do processo criativo ser curativo. O contexto de intervenção grupal em Ateliers de Arte-Terapia Expressiva, acrescenta uma mais valia ao processo terapêutico.

Alguns exemplos de integração de mediadores no que respeita a pintura e o desenho – Desenhos sobre fundos de texturas diferentes. – Pintura ou desenho a partir de imagem impressa previamente na folha de papel. – Pontilhar com canetas de feltro ou lapiseiras sobre fotografia. - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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– Pintar com a mão esquerda, usando tempera ou guaches. – Desenhar com a mão esquerda, usando pastéis de qualquer tipo. – Soprar ou espalhar aleatoriamente raspas de pastel de aguarela sobre papel molhado. Pintar ou desenhar a partir das manchas que surgirem. – Pintar a partir de manchas de digitinta ou tempera espalhadas no papel aleatoriamente. Versão dobrando a folha ao meio, podendo ser exploradas as várias formas que surjam (função fisionomia). – Fundo de aguarela salpicado de água, que se deixa escorrer. Reforçar os sulcos e formas que se destacarem do fundo e criar imagem a partir daí. – Criação de mandalas. Variantes: – Tintas ou lápis. – Associando pintura ou desenho com materiais colados. – Com colagem de recortes (revistas ou papel colorido). Alguns exemplos de integração de mediadores no que respeita a colagens – Colagem com recortes de revistas, construindo um mosaico. – Colagem com recortes de revistas, associando com pintura ou desenho. – Colagem com fotografias. – Colar fio de sisal numa folha de papel, criando formas várias. Completar com desenho ou pintura. – Colar objectos ou materiais vários (folhas, paus, latas, desperdícios, etc) numa folha de papel ou cartolina (ou outro suporte). Completar com desenho ou pintura. Alguns exemplos de integração de mediadores no que respeita à modelagem – Modelagem em barro. Pode ser pintada. - Fazer formas várias com barro. Aglutiná-las numa imagem final. Pintar com tempera. – Gravação de baixo relevo em superfície plana de barro. Pode ser pintado. - Modelagem com pasta de pastel. Pode ser pintada. – Modelagem com plasticina. – Pintar sobre superfície de gesso moldada e colada em cartão ou contraplacado. – Construir escultura com desperdícios (reciclagem), fio, arame e cola. Alguns exemplos de integração de mediadores no que respeita à expressão musical – Desenhar ou pintar a partir de tema musical, seleccionado pelo Arte-Terapeuta/Psicoterapeuta ou escolhido pelo grupo. – Improvisação musical gravada. A seguir é ouvida enquanto se pinta ou desenha.

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Alguns exemplos de integração de mediadores no que respeita às histórias – Criação de história pelo grupo a partir de personagens e elementos escolhidos livremente. A construção da história é feita através da narração livre partilhada, enquanto vai sendo gravada. De seguida a história é ouvida enquanto se realiza: a) – Quadrículas tipo banda desenhada realizadas individualmente ou em grupo. b) – Imagem combinando momentos vários da história, concebida individualmente ou em grupo. c) – Imagem individual sobre a história. – Pintura ou desenho a partir de história seleccionada pelo Arte-Terapeuta/Psicoterapeuta.

Alguns exemplos de integração de mediadores no que respeita à expressão escrita – Realização de texto de escrita criativa (por exemplo, sobre dor e fragilidade) a partir de colagem com grânulos de esferovite, espalhados aleatoriamente numa folha de cartolina e de seguida pintada com sprays. Completar com pastel seco. – Pintar ou desenhar a partir de texto de escrita criativa. – Execução de texto de escrita criativa. Explorar os sentimentos e as “zonas quentes” daquele, com recurso a técnicas de dramatização. A seguir realiza-se imagem a partir do texto.

Alguns exemplos de integração de mediadores no que respeita à expressão dramática – Role playing de história, trazida pelo Arte-Terapeuta ou criada por um grupo. – Dramatização a partir dos elementos de uma pintura ou desenho. – Construção de estátuas vivas a partir de um desenho ou pintura.

Alguns exemplos de integração de mediadores no que respeita à expressão corporal – Expressão corporal livre ou a partir de história que pode ter sido seleccionada pelo ArteTerapeuta ou criada pelo grupo. Criação de desenho ou pintura no momento seguinte. – Com folha de papel de cenário colocada verticalmente pintar a partir de expressão corporal. Pode também ser realizado com o papel de cenário no chão. – Com folha de papel de cenário colocada no chão pintar com os pés, conjugando com expressão corporal, a partir de “borrões” de digitintas de várias cores, dispersos inicialmente. – Expressão corporal a partir de improvisação musical realizada pelo grupo e gravada.

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2. Especificidades e Potencialidades de diferentes Mediadores Artísticos

ARTES VISUAIS

“A pintura é apenas uma outra maneira de manter um diário” Pablo Picasso

A pintura refere-se genericamente à técnica de aplicar pigmento liquido a uma superfície, de modo a colori-la, atribuindo-lhe matizes, tons e texturas. Na pintura, assumem particular destaque, a cor, a composição, as linhas, o estilo e os contrastes. A pintura apela mais ao movimento e à sensação propiciando movimentos regressivos, sonhos e projecções, de um modo seguro mesmo para os indivíduos menos organizados. Por outro lado, a pintura facilita a integração de percepções sensoriais. Segundo Wadeson, a pintura facilita a metaforização dos conflitos e atenua a fragmentação corporal. Para outros autores a pintura tem um efeito estruturante ligado à representação do objecto e à sua perspectiva que se situa entre o conhecido e o desconhecido. Podemos mesmo afirmar que a pintura acelera o processo transferencial através do desenho. Segundo Ruy de Carvalho, “a pintura surge da necessidade do ser humano deixar uma marca no mundo e de se apropriar de um objecto que se constitui como o seu duplo. A criação de uma pintura resulta da síntese das problemáticas afloradas, do atrito entre a intenção e o produto criativo e das limitações dos mediadores. Necessariamente, uma pintura tem implícita a representação de emoções e sensações. Mesmo numa pintura realista podemos questionar qual a fidelidade à realidade.”

Cor No entanto, é a cor, o elemento fundamental da pintura. A relação formal entre as massas coloridas presentes numa obra constitui a sua estrutura fundamental, guiando o olhar do espectador e propondo-lhe sensações de calor, frio, profundidade ou sombra. Estas relações

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estão implícitas na maior parte das obras da História da Arte e sua explicitação foi uma bandeira dos pintores abstratos. A cor é considerada por muitos como a base da imagem. A cor traduz a emoção, provoca sensibilidade e intuição. A forma constitui o objecto, a cor é uma qualidade do objecto. Na observação da produção, é importante fazer uma ligação e também uma apreciação do desenho (forma) e a utilização das cores. Num contexto de arte-terapia, dir-se-ia que a cor é o veículo de expressão por excelência das emoções. Assim, num processo terapêutico, é importante o código subjectivo das cores, a constância das suas manifestações, bem como os afectos e as sensações que são suscitadas no individuo. A cor tem, para além de significações arquetípicas, culturais e sociais (valor de identificação) uma conotação simbólica individual. A sensação que uma determinada cor suscita, concretiza-se pela analogia a outras cores e tonalidades. As cores podem ser classificadas quanto à sua tonalidade em frias (tons entre verde e o violeta incluindo o azul) e quentes (tons entre o vermelho e o amarelo, abrangendo os castanhos e os ocres). As cores podem ainda ser classificadas quanto à sua pureza em primárias (pigmento de base (amarelo, vermelho e azul) que quando misturado a outro, resulta numa das cores secundárias. Estas são obtidas pela mistura de duas ou mais cores primárias. A técnica da pintura apresenta quatro limites principais: - O limite dos materiais; - O limite dos suportes; - O limite da valoração das tonalidades e das cores; - O limite de capacidade de execução do indivíduo. Estes limites contribuem para a caracterização da intervenção de Arte-Terapia ou em contexto educacional, fornecendo referência do princípio da realidade.

Suportes e Materiais Oferecem oportunidades várias, mas também confrontam o criador com desafios e dificuldades de execução. Em indivíduos pouco familiarizados com as técnicas é importante que o ArteTerapeuta ou o educador desempenhe a função de ensinar a técnica, esclarecendo de forma clara e simples sobre as particularidades dos recursos técnicos ou materiais. Poderá fazer sugestões de propostas técnicas que facilitem a apreensão das especificidades do trabalho de composição, de elaboração de fundos, planos e perspectiva. Entre os diferentes suportes temos a tela, o papel-tela, o papel de desenho/pintura com diferentes espessuras, com ou sem grão, o papel de cenário e a cartolina. Para a utilização, por exemplo, de aguarelas será importante o recurso a um tipo de papel mais grosso que absorva a aguada sem se deformar ou desfazer. Em termos de materiais de pintura há múltiplos, a que podemos recorrer: o óleo, a têmpera ou guache, o acrílico, a tinta-da-china, as aguarelas, os glitters, as digitintas, etc.

Composição A composição deverá ser elaborada de acordo com a espontaneidade e livre arbítrio do criador. Em relação a este o Arte-Terapeuta ou educador deverá ter o maior cuidado de não influenciar o - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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seu processo. A satisfação ou não satisfação com o resultado obtido deverá ser um critério do sujeito criador, não devendo o Arte-Terapeuta ou educador fornecer juízos de valor estético. A gratificação ou a frustração espontaneamente desencadeadas pela criação podem proporcionar ao indivíduo uma oportunidade de reflexão e crescimento interno. A composição evidencia laços simbólicos com o sujeito que cria. Neste sentido, há que atender a: - Influências várias; - Dinâmica de processo; - Enquadramento e disposição. - Os limites da folha; - Elementos clivados e totalizadores; - Inter-relação dos elementos ou personagens, dos contrastes e passagens; - Procura de reparação de erros de composição; - “Sacrifícios simbólicos”; - O equilíbrio versus desequilíbrio. O Fundo O Fundo diz respeito ao plano sobre o qual se desprendem as figuras e objectos representados. A objectivação do fundo é feita em função da idade: - Até aos 6 anos – A criança não vê utilidade em representar um fundo. Ela contextualiza as suas representações (planta na terra/ ave no ar), mas à volta disso há apenas o branco do papel que por vezes ela caracteriza como “é o ar”. Se uma criança o faz temos de considerar que pode não ser um processo espontâneo, podendo ter sido sugerido por um professor ou alguém mais velho – “é para deixar bonito”. O papel do arte-terapeuta não é fomentar esta situação, mas incentivar a livre-criação das crianças. - A partir dos 7, 8 anos, as crianças começam a representar fundos. É importante que o arteterapeuta tenha atenção às dificuldades técnicas que a criação atravessa durante o processo criativo, estando atento ao modo como se faz o contorno dos objectos: - à tendência para concluir apressadamente o fundo, deixando “perder” em parte a própria representação; - à espera do tempo de secagem do fundo, na pintura (quando não se espera o tempo suficiente, as figuras confundem-se com o fundo); - à noção de figura/fundo (significado psíquico do fundo); - à anulação de figuras porque têm a mesma cor do fundo; - às passagens/cortinas/cenários (mascarar o secreto da família); - à expressão de limites incertos (fora e dentro). - A preocupação genuína com o pintar um fundo pode ser sinónimo de maturação de um sujeito e metáfora da inserção no real de um elemento psíquico.

Plano Os planos definem o distanciamento numa representação gráfica ou pictórica, figurativa. Neste âmbito, há que considerar as distâncias - ligadas à lei da perspectiva (falhada ou não) e à relação de valoração entre cores próximas. - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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Apenas quando se verifica um distanciamento em relação à criação, é que se pode julgar os erros do plano - é nesse papel que se encontra o arte-terapeuta/psicoterapeuta. A ele compete distinguir os erros técnicos dos conflitos internos representados. Por exemplo uma representação em primeiro plano pode dar-nos sensação de invasão da folha, asfixia ou falta de harmonia, mas é preciso perceber o sentido subjectivo do sujeito. A acção plástica surge assim como coadjuvante da tomada de consciência do conflito, e o processo de significação interna – reflecte-se na pintura através das projecções espontâneas. O arte terapeuta ou psicoterapeuta deverá pedir ao sujeito que nomeie a atribuição de sentidos para que as significações possam ser clarificadas.

Ruy de Carvalho no seu Manual de Teoria e Técnica em Arte-Terapia refere que “o uso intermediário dos pincéis, ou a utilização grosseira dos dedos ou mãos implica menos controlo do processo figurativo, propiciando a expressão abstracta (já que em princípio os pacientes em ArteTerapia/Psicoterapia não terão conhecimentos e treino técnico). Há algo de ritualístico na pintura, começando pela preparação dos materiais e pelo próprio manuseamento. A liquidez dos materiais poderá ter algo de regressivo, envolvendo um balancear entre sujar e limpar, entre conspurcar e procurar o equilíbrio estético, entre o confronto com algo de abjecto e o encontro de uma imagem concreta com sentido estético.”

O que é relevante em psicoterapia é na opinião de Sara Pain, “a reconstrução do código subjectivo das cores, i.e., descobrir quais são, em razão da insistência da sua presença ou obstinação da sua falta, os tons mais importantes para o sujeito, assim como aqueles que são capazes de comovê-lo e de promover nele ressonâncias e associações com experiências vividas.”

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M.C. Escher

"Aprender a desenhar é na realidade uma questão de aprender a ver - a ver correctamente – e isso significa muito mais do que uma simples olhadela." Kimon Nicolaides, "The Natural Way to Draw”

O desenho tem sido um meio de manifestação estética e uma linguagem expressiva para o homem desde os tempos pré-históricos. Neste período, porém, o desenho, assim como a arte de uma forma geral, estava inserido num contexto tribal e religioso em que se acreditava que o resultado do processo de desenhar possuía uma "alma" própria: o desenho era mais um ritual místico que um meio de expressão. À medida que os conceitos artísticos se foram separando da religião, o desenho passou a ganhar autonomia e a tornar-se uma disciplina própria. Não houve, porém, até ao Renascimento, uma preocupação em empreender um estudo sistemático e rigoroso do desenho enquanto forma de conhecimento. partir do Século XV, paralelamente à popularização do papel, o desenho começou a tornar-se o elemento fundamental da criação artística, um instrumento básico para se chegar à obra final (o seu domínio era quase uma virtude secundária frente às outras formas de arte). Com a descoberta e sistematização da perspectiva, o desenho veio a ser, de facto, uma forma de conhecimento e começou a ser tratado como tal por diversos artistas, entre os quais se destaca Leonardo da Vinci.

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O desenho é um suporte artístico ligado à produção de obras bidimensionais, diferindo, porém, da pintura e da gravura. Neste sentido, o desenho é encarado tanto como processo quanto como resultado artístico. No primeiro caso, refere-se ao processo pelo qual uma superfície é marcada aplicando-se sobre ela a pressão de uma ferramenta (em geral, um lápis, caneta ou pincel) e movendo-a, de forma a surgirem pontos, linhas e formas planas. O resultado deste processo (a imagem obtida), portanto, também pode ser chamada de desenho. Desta forma, um desenho manifesta-se essencialmente como uma composição bidimensional formada por linhas, pontos e formas. Um desenho é composto basicamente de linhas, com algumas texturas e sombreados. A composição pictórica expressa pelo desenho pode representar situações e realidades diversas: - aquilo que o artista vê quando desenha - uma cena lembrada ou imaginada, - uma realidade abstrata ou no caso do desenho automático (proposto pelos surrealistas), uma realidade que pode vir a surgir a partir do movimento livre da mão do criador através do papel (ou de outra superfície). A diferença entre o desenho e outras técnicas relaciona-se com a prioridade da forma e a importância das relações topológicas. A imagem resultante do desenho implica o conteúdo dramático da mensagem gráfica, a tonalidade afectiva e a tradução de equivalentes pulsionais em morfologias. Há muito maior imediatismo figurativo no desenho que na pintura, onde o uso intermediário dos pincéis e a liquidez das tintas pode implicar que o processo fique mais fora de controlo. Estando o desenho mais próximo da conceitualização e da descrição dos objectos, o seu resultado depende, muito mais das aquisições da lógica. No entanto a introdução de variantes técnicas (como por exemplo desenhar com a mão esquerda) poderá permitir introduzir mais irracionalidade e perda de controlo no acto de desenhar.

Suportes Podem ser usados os mesmos tipos de suportes que na pintura. A superfície sobre a qual se desenhada propiciará a utilização de texturas diferentes com repercussões nos fundos.

Materiais A escolha dos materiais está intimamente relacionada com a técnica escolhida para o desenho. Um mesmo objecto desenhado a bico de pena e a grafite produz resultados absolutamente diferentes. As ferramentas de desenho mais comuns são: Lápis de cor, de cera, pastéis de óleo, secos, de aguarela, lápis de carvão, marcadores, pontas de feltro, carvão ou grafite. Muitos materiais de desenho são à base de água ou óleo e são aplicados secos, sem nenhuma preparação. Existem meios de desenho à base de água (o "lápis-aquarela", por exemplo), que podem ser desenhados como os lápis normais, e então humedecidos com um pincel molhado para produzir vários efeitos. Há também pastéis oleosos e lápis de cera.

Traço A sucessão discursiva de linhas e pontos, esboçados pelo gesto intencional, completam a composição do desenho. A gestualidade intencional envolvida na realização, é tão importante

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quanto a marca deixada (decidida ou indecisa, vigorosa ou suave, contínua ou interrompida, agressiva ou afectuosa). A impressão que os traços nos transmitem está imbuída de significações projectivas. É importante ter em atenção a espessura ou subtileza, a continuidade ou a interrupção, entrecruzamento ou paralelismo, circular ou rectilíneo, etc.

Forma Um conjunto de traços origina uma forma. A sucessão de desenhos permite-nos verificar alguns padrões na utilização particular de formas bem como a sua ligação aos afectos.

Composição Plano e Fundo As considerações mencionadas a propósito da pintura são aplicáveis igualmente ao desenho.

Ruy de Carvalho refere que “os lápis de cor, as pontas de feltro ou os lápis de cera são por vezes tranquilizantes dado serem materiais já conhecidos e de que os pacientes em principio possuem algum conhecimento, em particular se forem crianças. A figuração imaginativa expressa de um modo grosseiro, que o manejo de lápis de cera grossos implica, propiciará que os pacientes não se agarrem directamente ao real. Envolve também o emprego de alguma força no manejo, promova a coordenação motora.” Sara Pain e Gladys Jarreau referem que “Ao desenhar-se traçam-se no papel as marcas dos gestos que correspondem aos trajectos de olhar que seguem o contorno dos objectos concretos ou das suas representações gráficas. Assim, o desenho é uma actividade analítico-sintética: o sujeito desmonta uma imagem em unidades de movimentos não significativos, para de seguida construir uma representação complexa cuja significação emerge das relações topológicas entre as partes.” Outros materiais como os lápis de cor e as pontas de feltro facilitam a representação de pormenor, ganhando aqui o traço relevância particular. Neste caso a narrativa gráfica ou simbólica implícita na figuração fornecerá o enquadramento discursivo. O pastel seco poderá estar mais próximo da pintura, já que o esbatimento dos traços e a criação de esfumados facilitam o apelo à sensação-emoção. Por sua vez o pó deixado sobre a folha providenciará algo de etéreo, a poeira do tempo, que contém algo de incerteza e incontrolável, podendo “sujar” um resultado ou objectivo pretendido. Não podemos estabelecer uma barreira estanque entre desenho e pintura. Se bem que no primeiro se privilegie o traço e a figuração, enquanto que na segunda se coloca a ênfase na superfície e nas cores, é preciso ter em conta um leque diversificado de possibilidades. Por exemplo alguns materiais como os lápis ou pastéis de aguarela oferecem do ponto de vista da execução a possibilidade de utilização de potencialidades combinadas de desenho e pintura. O pastel de óleo combinado com óleo de linho ou petróleo produz um efeito semelhante.

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Técnicas de utilização da fotografia em Arte-Terapia/Psicoterapia Judy Weiser fala-nos de cinco técnicas de integração da fotografia no contexto terapêutico. Cada uma das técnicas é emparelhada com um tipo de fotografia: 1. Fotografias tiradas pelo próprio paciente - Toda a fotografia tirada reflecte o fotógrafo, focando o que é suficientemente importante para os olhos do próprio para ser fixado permanentemente; - Todos os passos da escolha de onde, quando, quem, como e porquê fotografar em cada fotografia diz muito acerca do seu criador nomeadamente das suas temáticas ou padrões, símbolos pessoais e metáforas; - Pode-se trabalhar com fotografias do cliente das suas colecções particulares (que o cliente traz espontaneamente ou por pedido do terapeuta), mas também incluir atribuição de tarefas fotográficas entre sessões. Pode ser pedido para o cliente tirar ou encontrar fotografias que mostrem: - pessoas, lugares e coisas que lhe interessem; - o que gosta mais de fazer; um dia típico na sua vida; - o que o faz feliz, triste, zangado, …; - o que necessita de ser reparado na sua vida; - fotografias que gostaria de deixar para os seus descendentes; - coisas que não consegue contar por palavras. 2. Fotografias tiradas ao paciente por outras pessoas Entre várias possibilidades temos: - Fotografias do cliente tiradas por outros deixam-no ver as diferentes maneiras como as outras pessoas o vêem; - Podem ser fotografias tiradas com ou sem o conhecimento do cliente, explorando a diferença entre as fotografias onde sabe que está a ser fotografado e as fotografias onde não sabe;

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- A oportunidade de trabalhar a percepção e a relação com os outros, explorando-se a ideia de como o cliente se apresenta ao mundo; - O cliente escolhe de onde, quando, quem, como, porquê e se quer fotografar esse “outro”, que é ele próprio, decidindo quem o faz. Como o fazem os diferentes “outros” pode ser um motivo de reflexão; - A sugestão de tarefas entre as sessões propondo-se que o cliente traga fotografias tiradas por alguém no seu sítio preferido, quando se está a sentir bem ou mal, quando estiver distraído, onde os outros pensam que ele fica melhor, etc. 3. Auto-retratos: Várias possibilidades podem ser exploradas: - Fotografias que o paciente faça a si mesmo literalmente ou metaforicamente. Tal permite-lhe explorar a imagem quando não há ninguém a olhar, a julgar ou a controlar o processo. Possibilita a oportunidade de ser o cliente a ver-se a ele próprio; - Os auto-retratos permitem uma auto-confrontação não verbal directa. Podem permitir empowerment, sendo rápidos e eficientes accionadores de processos internos em situações terapêuticas; - Podem usar-se os auto-retratos para o cliente dialogar internamente consigo, na sua própria linguagem interna e explorar, por si próprio resultados, consequências e descobertas; o papel do Arte-Terapeuta será conter e facilitar de acordo com as “particularidades” do cliente; - Propostas de tarefas fotográficas entre as sessões de Arte-Terapia/Psicoterapia em que se usem auto-retratos permitem reflectir como se sentiu entre as sessões, como se sente actualmente, como gostaria que os outros o vissem, o que é que foi quando era criança, como que os pais queriam que fosse, o “eu” que ninguém conhece, o que seria se não tivesse estes problemas, etc. 4. Álbuns de família ou outras colecções de fotografias bibliográficas (por exemplo, fotografias na porta do frigorífico, na carteira, no ecrã do computador, etc) - Um álbum de fotografias pode ser visto como uma grande fotografia. Explorar os álbuns de fotografias do paciente pode lançar luz sobre o mapa da sua identidade pessoal e das relações que o povoam, uma vez que as fotografias podem representar mapas emocionais não verbais das dinâmicas familiares “apanhadas em acção”, de muitas formas um álbum familiar é uma casa (metafórica) e também ilustra a fundação da identidade; - Este é um tipo de técnica que é percepcionado pelos clientes como mais confortável, como íntimo e familiar; - O Arte-terapeuta pode sugerir tarefas entre as sessões como olhar para os álbuns fotográficos e explorar as implicações do que é evidente (ou não) sobre a sua família e sobre a sua história, o que é segredo ou é raramente discutido, que fotografias o surpreendem mais por estarem ali, que fotografias mudariam ou retiraria se pudesse, quais as fotografias com que se identifica mais, quem está perto de quem ou quem evita quem, etc.

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5. Fotoprojecções - Utilizam o mecanismo (fenomenológico) segundo o qual o significado de toda a foto é criado primordialmente pelo observador durante o processo de percepção da imagem. No momento em que se olha uma imagem fotográfica qualquer, produz-se uma percepção e uma reacção que são projectadas pelo mundo interior da pessoa sobre o mundo real e que determina o sentido de tudo o que se vê; - Esta técnica não se baseia em nenhum tipo específico de fotografia, mas na relação entre a fotografia e o cliente. - Podem ser projectadas sobre uma folha de papel de cenário fotografias do paciente, de corpo inteiro, em poses escolhidas. De seguida é demarcado o contorno do corpo, na folha de papel de cenário, sendo completado com pintura, desenho ou colagens. Segundo Krauss alguns benefícios específicos do uso da fotografia (para além de benefícios comuns a outros recursos técnicos artísticos) são: - Facilitar que o cliente se visualize (de uma forma que não era possível sem uma câmara); - Possibilitar que o cliente visualize partes de si que não estão disponíveis por auto-observação (cliente de costas, a dormir, a trabalhar, no meio da família, …); - Permitir que o cliente se observe enquanto membro de grandes grupos (família, equipa de trabalho, amigos); - Transmitir fiabilidade – fixas no espaço e no tempo por um supostamente mecanismo objectivo os clientes podem presumir que as fotografias são de alguma forma mais verdadeiras naquilo que transmitem ou traduzem (ideia que “uma fotografia não mente”).

No que se refere às potencialidades simbólicas e expressivas da técnica, podemos enumerar o seguinte: - Aquilo que para o fotógrafo é normalmente a meta (fotografia impressa) aqui é apenas o ponto de partida… a fotografia é utilizada para ilustrar novas narrações. Toda a fotografia que uma pessoa tira ou guarda é também um tipo de retrato do seu estado interno, um tipo de espelho com memória, um momento cristalizado; - As fotografias funcionam, frequentemente, como construções simbólicas e objectos de metáfora transicional, que oferecem “insights” silenciosos do mundo interior de uma maneira que as palavras sozinhas jamais poderiam representar ou descodificar. O verdadeiro aspecto de uma fotografia não se encontra tanto nos aspectos visíveis, mas sim nas evocações que os detalhes dessas suscitam no sujeito. A pessoa na realidade cria espontaneamente o significado que imagina resultar da imagem fotográfica. Em suma, o sentido de uma fotografia depende sobretudo de quem a observa; - Consideradas colectivamente as fotografias tornam visível o fluxo das histórias da vida das pessoas e servem como impressão visual que mostra onde é que as pessoas estiveram (emotivamente e fisicamente) e pode indicar para onde é que elas se encaminham;

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- A tarefa do Arte-Terapeuta é a de estimular e de dar apoio ao paciente no processo de descoberta pessoal da fotografia enquanto aquele observa, cria, recolhe, recorda, reconstrói activamente ou simplesmente imagina; - As fotografias fazem com que os sujeitos interajam com as sua próprias concepções da realidade.

Este mediador apela directamente ao corpo –“um corpo faz outro corpo”- . O volume e a forma adquirem uma dimensão relevante. Na modelagem verificamos a objectivação de algo e a sua manipulação. Os gestos empregues, a sua energia e vitalidade são informações interessantes bem como a obra em si e respectivas evocações. A modelagem permite a reestruturação da imagem do corpo e a simbolização.

Materiais Os materiais utilizados, mais comuns em Arte-Terapia/Psicoterapia são o barro, a plasticina e a pasta de papel.

Técnicas A modelagem envolve técnicas tridimensionais como a escultura, as máscaras e a olaria, bem como técnicas bidimensionais como o baixo-relevo e a gravura sobre o suporte.

Ruy de Carvalho sustenta que “os materiais próprios à modelagem oferecem plasticidade pelo que através da impressão do gesto volitivo se transforma o informe em forma significativa. A modelagem apela directamente ao corpo: às sensações transmitidas pela extremidade dos dedos, à modulação da pressão e tensão muscular, à diferenciação profunda dos gestos, ao maior - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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compromisso de toda a postura e da dinâmica do corpo que modela. Talvez por isso, a actividade corporal da representação pela modelagem desencadeia mais rapidamente uma resposta emocional, uma ressonância afectiva mais ligada ao trabalho que ao seu resultado. Supõe a construção de elementos materiais diferenciados obtidos a partir da coordenação entre alguns gestos quase repetitivos e seus resultados bem definidos. Aqueles elementos constituirão suporte para os afectos. A forma redonda (em bola ou achatada) e a haste ou rolo são os primeiros significantes modelados. Geralmente o sujeito começa por manipular quase sem outra intenção senão amassar, tomando consciência da textura, que se vai transformando e da temperatura. Progressivamente o indivíduo vai começando a criar formas, no início principalmente taças ou cestas, em jogos de conteúdo/continente. Estas técnicas propiciam também o desencadear de uma resposta emotiva que estará mais ligada ao processo de criação do que ao seu resultado. Para a construção de unidades significantes é necessária uma capacidade de suportar o nonsense, a amorfia ou a incerteza, até chegar à expressão do sentido. A construção de representações complexas vai emergindo a partir da combinação dos primeiros elementos não significativos, mas significantes. O volume global, composto dos elementos básicos, bolas e rolos, revela um sem limite de formas de que a natureza e a imaginação se compõem.”

Simbolismo do Barro O barro, representa o elemento terra, é um símbolo de nascimento, de vida e de morte. Cada cultura e época tem peças e formas em argila que são próprias à sua identidade. A sua forma amorfa inicial pode apelar a fezes. Mas encarna também a contrapartida da forma, a inércia absoluta e o enorme poder do possível. Os trabalhos de modelagem são tradicionalmente efectuados com recurso aos quatro elementos: terra, água, fogo e ar. Os seus níveis de significação são de ordem vária: - cultural, histórico-antropológica; - das relações entre a argila e o simbolismo arquetípico; - subjectiva inconsciente; - do que o sujeito coloca em processo (subjectividade consciente).

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A colagem implica: rasgar, recortar ou cortar, colar e sobrepor. O rasgar pode simbolicamente representar actos prévios de destruição subjectiva, podendo tal ser fonte de satisfação ou de angústia. A primeira é alcançada devido à possibilidade de se expressar e de se libertar de forma deslocada, a agressividade destrutiva. A ansiedade surge pelo medo de se ser punido, devido a ter-se dado expressão ao desejo de destruir, ou por receio de perda de um objecto interno simbolicamente atacado. Ao rasgar o papel executa-se um acto de fragmentação e necessariamente de destruição da unidade. Por outro lado colar o rasgado pode ser simbólico do processo de reparação. Rasgar e colar podem ser equivalentes e pôr em acção as funções discriminativa e de síntese do Eu. O caminho que conduz à organização dos pedaços escolhidos e recortados em função de uma imagem é cheio de armadilhas: certas formas ou imagens perdem relevância devido à presença de outras na proximidade, quando se lhes pretendia dar um papel de primeiro plano. Se imagens recortadas forem combinadas entre si (e não colocadas isoladamente), a significação isolada perde significação face à representação total. Um outro aspecto a considerar é o da aproximação, “roubo”, e utilização pessoal de imagens que foram criadas ou executadas por outra pessoa. A continuidade e a riqueza dos planos considerados depende, estritamente da capacidade de o sujeito estabelecer relações lógicas de classe e de sequência.

CONSTRUÇÃO DE ROSÁCEA COM RECORTES Materiais - Folhas de papel de embrulho, caixas de cartão decoradas, imagens de revistas e de postais; - Cartolina negra (recortada num círculo); - Tesoura; - Cola.

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Descrição da técnica - Definir e marcar centro do círculo; - Definir e marcar oito pontos da rosa-dos-ventos; - Seleccionar e recortar imagens dos vários suportes para construir a “rosácea”; - Seleccionar e colar imagem no centro da rosácea; - Seleccionar e colar imagens nos oito pontos da rosa-dos-ventos; - Colar outras imagens nos restantes espaços da rosácea até sentir que a rosácea está completa, deixando sempre espaço entre várias imagens de modo a que veja a cartolina lembrando a massa de chumbo das rosáceas.

Potencialidades simbólicas e expressivas da técnica - Do ponto de vista do simbolismo da rosácea esta pode ser entendida como um símbolo de regeneração. A rosácea gótica e a rosa-dos-ventos marcam uma ponte entre o simbolismo da rosa e da roda. Tanto a rosa como a roda são símbolos que exprimem a evolução do universo e da pessoa contendo em si uma qualidade feminina. Para Jung as rosáceas das catedrais representam o si mesmo do homem transposto para o plano cósmico. É a unidade da totalidade, e para este autor equivalente da mandala; - Esta técnica apresenta semelhanças com a técnica do vitral. No entanto, é uma técnica de vitral “positivo” (não transparente). Aqui em vez de se furar uma superfície escura colocam-se vários recortes sobre esta. Explora-se o efeito do contraste das cores das imagens recortadas sobre o escuro da cartolina que funciona como a massa de chumbo, correspondendo os recortes aos pedaços de vidro da rosácea. Concluída a rosácea o sujeito terá de se distanciar do particular para encontrar o significado do todo; - Como esta técnica utiliza também o recorte e a colagem, manipulam-se imagens já feitas para criar novas imagens. A tarefa de recortar poderia ser mais inquietante se não fosse o conteúdo em projecto, se o sujeito não pudesse dar imediatamente a cada pedaço um lugar significativo na nova estrutura. Há uma passagem de pedaços soltos para uma organização de pedaços escolhidos e recortados em função de uma imagem total. A significação situa-se ao nível da escolha de um lugar em relação à sua vizinhança. A passagem da rasgadura à colagem determina um cenário significante da vivência do sujeito, quando é preciso romper com o passado (por corte) e posicionar-se em relação ao futuro (perspectivar um novo sentido a partir de arranjo criado). A colagem é uma actividade de síntese analítica semelhante a todo o processo que se realiza na linguagem criativa, transformando as palavras em letras e sílabas, cujo sentido desaparece no momento em que encontram uma posição numa nova composição.

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“O Homem é corporeidade e, como tal, é movimento, é gesto, é expressividade, é presença.” Menezes

Siqueira (2008)27 refere que “O movimento é comunicação, e comunicar uma mensagem é utilizar uma linguagem, a linguagem corporal. O movimento é o instrumento dessa linguagem. Para enviar essa mensagem, não se requer nenhuma condição, nem idade, nem sexo… Todos os indivíduos aceitarão, com atenção e interesse, o gesto da comunicação corporal.” A expressão corporal evidencia a forma de se estar e se comportar no mundo. As nossas primeiras vivências foram organizadas num Eu Corporal. Como forma de expressar a vida, sonhar e brincar com o corpo, os movimentos do corpo promovem desenvolvimentos orgânicos, sociais e culturais. Ao dançarmos ou ao expressarmo-nos, o corpo desenha formas, conta histórias, denuncia e anuncia, constrói significados, penetra no tempo e no espaço, criando e expandindo-se neles e com eles. A dança e o movimento constrõem um diálogo, uma vivência de diferentes ritmos, melodias e harmonias, ensinando-nos a sentir, a pensar e a comunicar. Isto permite àquele que dança uma aproximação com a sensibilidade, com o belo e com a própria vida, pois toda dança ou expressão corporal comporta valores culturais, sociais e pessoais produzidos historicamente. A expressão corporal é um mediador efémero, onde o movimento é o pilar essencial. A criatividade socorre-se da energia corporal de cada um, criando determinados movimentos, experimentando outros, numa fluidez de formas corporais que poderão permitir catarses. 27

SIQUEIRA P. C. M. . A linguagem corporal no processo educativo estético do idoso

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Trabalha-se com o nosso corpo e o do outro. Estes interagem e reagem emocionalmente permitindo explorar meios de comunicação não verbais e expressivos. O arte terapeuta ou psicoterapeuta, facilita o contacto corporal como contentor e tranquilizador, bem como a interacção e a reacção emocional corporal, o que permite promover a expressividade corporal significativa. Os indivíduos sentem-se melhor quando se movem e verifica-se mesmo um desejo por movimento e dança, embora muitas vezes esse desejo seja inibido. O terapeuta deve estar atento à estrutura corporal, à vivência corporal, ao processo corporal e à imagem corporal. Paul Schilder28 postulou que nós temos uma imagem corporal, um esquema mental do corpo que formamos na nossa mente. Essa imagem pode estar distorcida em várias patologias, como na anorexia. Este autor considerava que o movimento era uma das formas pela qual a imagem corporal poderia ser transformada. “O fenómeno da dança permite a perda e a mudança da imagem corporal, o que é importante já que: -não há dúvida que a perda da imagem corporal trás consigo uma atitude psíquica particular-; o movimento influencia então a imagem corporal e conduz a uma mudança na imagem corporal com equivalente mudança na atitude psíquica.” Num contexto terapêutico, o terapeuta pode sugerir a utilização de qualquer parte do corpo do paciente, uma vez que todas as partes corporais podem ser tratadas como tendo uma mensagem/sabedoria sobre si próprio. As diferentes partes do corpo podem dar a sensação de não se relacionarem facilmente e consequentemente de não trabalharem em conjunto. Frequentemente as pessoas desenvolvem bloqueios do fluxo energético no seu corpo, pois podem ter aprendido a bloquear a energia em zonas como o pescoço, cintura ou pélvis, podendo até clivar um dos lados do corpo. Assim, o terapeuta pode ter necessidade de explorar o significado dos bloqueios e clivagens de energia. Para o efeito, pode convidar as diferentes partes do corpo para um diálogo verbal, corporal ou sonoro. Neste contexto, o terapeuta trabalha activamente para facilitar a integração corporal. A corporalização permite um trabalho de fundo no corpo e no Self nuclear. O movimento e a dança podem ser económicos e efectivos e expressar o que as palavras não conseguem, pois permitem vivenciar situações no corpo e no Self nuclear. O corpo move a psique tal como a psique move o corpo. Na relação dialógica o corpo é um dos componentes activos de comunicação, pois não revela apenas a individualidade e a relação interpessoal mas fundamentalmente é o reflexo do mundo interno do seu Self. Como refere Martha Davis (1974), “a qualquer momento, o movimento reflecte simultaneamente padrões intrapsíquicos, interpessoais e culturais.” O corpo poderá espelhar emoção, ansiedade, mecanismo de defesa ou comunicação simbólica inconsciente. Esta situação poderá ilustrar o processo interpessoal de coesão, ligação, dominância ou minoria. Poderá reflectir igualmente rituais culturais e convenções de interacção grupal ou ainda padrões transitórios ou estilos rígidos e repetitivos. Os processos interpessoais e intrapsíquicos estão sujeitos a uma mudança momentânea, enquanto que um estilo de movimento pessoal de um individuo e os seus respectivos traços culturais, persistem através do tempo. A dimensão do movimento é um acesso directo a estes

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 “The Image and Appearance of the Human Body” 

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processos, os quais apenas são inferidos a partir de palavras, desenhos, sonhos, trabalhos de arte ou aquilo que as pessoas fazem, na opinião de M. Davis. A relação entre movimento e significado é então intrínseca, pois verifica-se uma conexão essencial, inerente e natural entre o movimento e o que ele significa. O movimento, de um ponto de vista genérico, é portador de um significado quase universal; a constrição dos traços faciais, a contracção do peito e o encolher dos ombros em direcção ao centro, indicam por exemplo o contrário de um ser expansivo e extenso. O corpo possui potencialidades de percepção (cinestésica, formal, funcional, sexual), movimento (respiração, alinhamento, centralização, tensão, ritmo, espacialidade) e de relação, além de plásticas, criativas e estéticas. Concluindo, as potencialidades simbólicas e expressivas da expressão corporal podem resumirse da seguinte forma: 1. Expressão e comunicação não verbal 2. Acesso ao prazer funcional 3. Restabelecimento da unidade psicocorporal 4. Restauração do amor próprio 5. Individuação 6. Simbolização corporal 7. Sublimação 8. Criatividade corporal

“Sem a música, a vida seria um erro.” Friedrich Nietzsche

A música é uma forma de arte que se realiza através da combinação de sons e silêncio, seguindo ou não uma pré-organização ao longo do tempo. É considerada por diversos autores como uma prática cultural e humana. Actualmente não se conhece nenhuma civilização ou agrupamento que não possua manifestações musicais próprias. Embora nem sempre seja feita com esse

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objectivo, a música pode ser considerada como uma forma de arte, considerada por muitos como a sua principal função. Há evidências de que a música é conhecida e praticada desde a pré-história. Provavelmente a observação dos sons da natureza tenha despertado no homem, através do sentido auditivo, a necessidade ou vontade de uma actividade que se baseasse na organização de sons. Embora nenhum critério científico permita estabelecer o seu desenvolvimento de forma precisa, a história da música confunde-se, com a própria história do desenvolvimento da inteligência e da cultura humana. A criação, a performance, o significado e até mesmo a definição de música variam de acordo com a cultura e o contexto social. A música vai desde composições fortemente organizadas (e a sua recriação na performance), música improvisada, até formas aleatórias. A musica pode ser dividida em géneros e subgéneros, contudo as linhas divisórias e as relações entre géneros musicais são muitas vezes subtis, algumas vezes abertas à interpretação individual e ocasionalmente controversas. Dentro das "artes", a música pode ser classificada como uma arte de representação, uma arte sublime, uma arte de espectáculo. Para indivíduos de muitas culturas, a música está extremamente ligada à sua vida. A música expandiu-se ao longo dos anos, e actualmente encontra-se em diversas áreas, não só na arte, mas também inserida no domínio militar, educacional ou terapêutico (musicoterapia). Além disso, tem uma presença central em diversas actividades colectivas, como os rituais religiosos, festas e funerais. A música está associada a práticas mágicas e aos cultos. A música desde os primórdios da humanidade tem sido utilizada para fins religiosos, místicos e recreativos. O primeiro som que nos chega como seres em crescimento é o intra-uterino (batimento cardíaco da mãe e a sua voz). Aquele que se exprime através da música ou tem a ajuda de um suporte musical, projecta, nas suas produções, na sua interpretação ou na sua escuta, a sua própria personalidade. A música favorece a exteriorização da personalidade profunda. Tendo em conta esta dimensão, a música pode ter uma utilização terapêutica e suscitar reacções emocionais, relaxamento ou catarse. Os ritmos, antes de serem musicais são físicos e biológicos. Em contexto terapêutico pode utilizar-se a expressão musical do seguinte modo: 1. Expressão Musical passiva/receptiva: utilização de gravações musicais que suscitem reacções emocionais/catarse. Muitas vezes é utilizada complementarmente à expressão plástica; 2. Expressão Musical activa: desenvolve-se a partir de métodos de educação musical activa pela procura de uma comunicação com o outro através de um jogo à volta do fenómeno do som; 3. Expressão Musical c/Relaxação: utilização de técnicas passivas, utilizando músicas neutras afectivamente, monótonas, repetitivas e sem grandes pulsações. 4. Trabalho de Voz: liga a actividade musical à actividade muscular. Baseia-se na respiração e assemelha-se com as terapias de “primal scream”; - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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5. Improvisação: Nesta modalidade, que poderá ser grupal, começa-se a traçar uma comunicação que a princípio até poderá parecer desarmoniosa. O objectivo principal é encontrar um ponto de encontro através de caminhos construídos pelos sons que vão surgindo e criando música. Uma vez que a “orquestra” se encontre, inicia-se um dialogo e a comunicação começa a fluir. Nesta altura a música surge com particular ressonância no interior de cada indivíduo do grupo. O indivíduo tem espaço para colocar em acção a sua sonoridade interna, através de um instrumento ou de sons produzidos pelo próprio corpo. Trata-se do indivíduo e do indivíduo no grupo, lembrando que o total será sempre mais do que apenas a soma das partes. Criam-se redes de comunicação que enriquecem o próprio discurso. “Através da improvisação o terapeuta emerge-se numa associação de ideias e reflecte sobre os significados implícitos na dinâmica que entra em jogo, com o estabelecimento da aliança terapêutica, seja em grupo ou individual, devendo concentrar-se na comunicação não-verbal que ocorre”. (Manual de Expressão Musical em Arte-Terapia Vivencial. SPAT, 2006)

A escuta musical e a expressão criativa mobilizam, de acordo com Jacqueline Verdeau-Paillès29, uma possibilidade de despertar afectivamente, bem como, um processo de estruturação ou reestruturação que escapa ao controle intelectual e que implica de forma intensa os afectos e o corpo. A expressão musical pode ser orientada para o tratamento de sintomas como a agitação, ansiedade, tensão, apatia, humor depressivo, etc. O terapeuta promoverá um ambiente seguro de modo a facilitar a adaptação e a expressão. A música pode ser associada com outros mediadores: - expressão corporal: exploração das relações que ligam o corpo e o espírito e facilitando a expressão gestual com o suporte fornecido pela música; - expressão plástica: o grafismo, a cor, a escrita, o movimento criativo etc. poderão ser enriquecidos ou despoletados tendo por base um suporte musical.

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 «Les Méthodes Thérapeutiques. Approche Méthodologique en Musicothérapie» 

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“O teatro é uma dimensão da poesia, isto é, a mais alta tentativa de conseguir que cada um de nós se envolva na verdade que não existe, e que é a razão de ser daquilo que dá sentido à existência e a essa coisa (...) que é o tempo.” Eduardo Prado Coelho

Esta forma de expressão é um processo catártico onde não existe intermediário, o “Eu” passa a ser o “Outro”. Estamos perante uma prática teatral onde se trabalha o desenvolvimento pessoal e a pedagogia mais do que a terapia. Envolve trabalho técnico sobre as personagens, o texto, decoração, cenários, etc. O individuo encontra-se consigo próprio, redescobre o “outro” e reaprende determinados aspectos da vida. A expressão dramática é preventiva enquanto que a dramaterapia é curativa. A Expressão dramática permite: 1. Acesso a um setting terapêutico “como se”, onde os objectos internos ganham vida nas personagens; a “plateia interna” de cada um observa e reage, e o terapeuta “director de cena” oferece suporte, contenção e apoio; 2. O paciente/cliente desempenha o papel de protagonista e expõe-se verbalmente, expressando os seus conflitos internos; 3. A partir do conflito inerente ao “viver de novo a situação”, tornam-se possíveis a catarse e a integração; 4. O incorporar de personagens permite dar expressão aos aspectos emocionais e dramáticos da nossa persobalidade; 5. A representação pode funcionar como um catalizador da coesão interna, reforçanso-se os elos afectivos, a capacidade de auto-suporte, a confiança e a contenção; 6. Dramatizar permite pôr em jogo o placo interno imaginário, onde os objectos internos se movimentam; 7. A relação terapêutica fornece um ambiente protegido face à irrupção catártica; - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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8. A representação dramática possibilita: - expressão de sentimentos intensos do Self; - reforço do conceito de auto-eficiência; - reflectir sobre vários pontos de vista; - novas formas de perspectivar as relações inter-pessoais; - reparação e criação de vínculos; - balanço de aspectos polares do Self; - reforço da auto-estima. A expressão dramática poderá integrar um conjunto de recursos técnicos artísticos combinados. Deste modo, este mediador poderá realizar-se a partir de outro recurso técnico como as máscaras ou as marionetas.

MÁSCARAS A máscara potencia a projecção e a identificação, facilitando a expressão emocional e a colocação em acção do duplo. Possibilita provocar no outro reacções que pela aparência própria, o sujeito é incapaz de obter. Deste modo, entre outros, poderão ser elaborados sentimentos de vergonha ou expressar desejos de provocação bem como de agressão e até de sedução. A fabricação da máscara inclui todos os aspectos da criatividade: a capacidade de organização perceptivo-motora, a integridade da imagem corporal, a compreensão das relações próprias à lógica do espaço, a representação simbólica, e a referência à dupla determinação da subjectividade implícita na máscara.

MARIONETAS A marioneta é o exemplo do objecto intermodal completo: é uma escultura, uma pintura, é desenhada, decorada, manipulável, que pertence a quem a cria, mas que é outro e que ocupa o espaço entre si próprio e os outros. A marioneta prolonga o corpo. “O fantoche é uma síntese de elementos significantes. Podemos considerá-lo o meio ideal para transmissão de certos conteúdos, o mais próximo representante do ritual existente na animação de objectos, na agitação de máscaras, na representação de uma realidade que obriga a uma descodificação de símbolos que o próprio sentido escultórico do fantoche encerra” (Alexandre Veiga, O Fantoche. Um cenário pedagógico) A construção de marionetas coloca algumas dificuldades na sua elaboração. Na passagem ao imaginário para a realidade os pacientes terão de confrontar-se com a marioneta que conseguiram construir, muitas vezes bem diferente da que idealizaram; a escolha da personagem propícia o espelhar de personagens do palco interno das representações objectais e do Self com inerentes conflitos internos, dando a possibilidade de serem exteriorizados diversos sentimentos através da personagem. Deste modo é possível a expressão da sombra ou do duplo. A escolha ou construção e dramatização de uma história com as marionetas incentiva a uma dinâmica que contribui para reforçar os laços num grupo e apela à criatividade na acção. A dramatização com a marioneta permite o prazer e a exploração da repetição, o sentido do cómico, do drama e do suspense; possibilita a transferência do movimento (do sujeito à marioneta); dá a oportunidade a vários tipos de ajuda entre os participantes: as sugestões sugeridas directamente ou jogadas com a marioneta ou a colaboração atrás de um biombo apoiando o outro a manejar a sua marioneta. - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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Trabalha no grupo a interacção espontânea, a capacidade de adaptação a situações imprevistas, a resolução de conflitos e a integração dos diferentes elementos num contexto do grupo como um todo. O âmbito de manejo da marioneta é o do jogo simbólico. As marionetas têm uma origem religiosa incontestada. A marioneta contribui para criar no mundo humano o espaço do parecido, o espaço de ficção que abriu ao homem o campo do imaginário e do jogo. A marioneta é um objecto inter-modal completo: é uma escultura, pintura, decoração e pertence-nos mas é “Outro”. Não sou “Eu” mas vem de mim. O poder terapêutico da marioneta resulta da consciência do duplo (personalidade que está escondida, inconsciente, a nossa sombra). A marioneta segundo Klein representa a nossa mitologia. É um mediador que facilita o “desmascarar” dos nossos alter-egos.

“Senta-te diante da folha de papel e escreve. Escrever o quê? Não perguntes. Os crentes têm as suas horas de orar, mesmo não estando inclinados para isso. Concentram-se, fazem um esforço de contensão beata e lá conseguem. Esperam a graça e às vezes ela vem. Escrever é orar sem um deus para a oração. Porque o poder da divindade não passa apenas pela crença e é aí apenas uma modalidade de a fazer existir. Ela existe para os que não crêem, como expressão do sagrado sem divindade que a preencha. Como é que outros escrevem em agnosticismo da sensibilidade? Decerto eles o fazem sendo crentes como os crentes pelo acto extremo de o manifestarem. Eles captarão assim o poder da transfiguração e do incognoscível na execução fria do acto em que isso deveria ser. Escreve e não perguntes. Escreve para te doeres disso, de não saberes. E já houve resposta bastante.” Vergílio Ferreira, in "Pensar"

A expressão escrita utiliza a palavra e a linguagem como veículos de expressão e de comunicação. A escrita ajuda a organizar, sistematizar e a estruturar ideias, emoções, desejos, sobre nós e sobre os outros. Este mediador ajuda a nomear, a dar nomes aos sentimentos. É um mediador que se pode complementar com outros (texto para uma imagem, diálogo para a marioneta, história a partir de uma expressão plástica, etc.). A escrita tem como suporte a folha de papel, a qual se apresenta como um envólucro continente, permitindo a expressão e a catarse,

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o apego e o desapego, enfim a concretização do Self. Neste sentido, a escrita assume-se como um espelho contentor. Por outro lado, a expressão escrita utiliza a metáfora i.e. a transfiguração do concreto, a analogia mediante a qual a mente humana explora o universo das qualidades e o mundo não visível. Deste modo, é possível a partir de situações reais evocar aspectos subjacentes mais profundos da realidade interna. A metáfora permite ainda a indefinição, o sensorial e o perceptual, bem como o enlaçar de vários segmentos da realidade. Por fim, refira-se que a utilização de figuras de estilo permite o acesso a um colorido psicológico que poderá revelar-se através do paradoxo, da metonímia, dos neologismos, da hiperbole, do eufemismo, da antítese, do sinédoque, etc.

Poesia A poesia recorre essencialmente ao sistema metadramático ou terciário do pensamento. A linguagem poética destaca-se pela sua musicalidade, ritmo e timbre. Assim, socorrendo-se da palavra a poesia afasta-se do pensamento lógico consciente. Serve-se da palavra e transcende-a. A linguagem poética é a da metáfora, a do sonho, e consequentemente um apelo ao simbolismo e ao fantasmático. A intenção primordial do poeta não é o sentido mas antes a estética. Por outro lado, a poesia através da rima, da métrica etc. confere sustentação aos caos e ao fragmentado, fornecendo-lhe equilíbrio estético. Assim, a criação poética é da ordem do emocional e expressa isso mesmo, tendo um grande potencial reparador. Trata-se de uma linguagem que concilia opostos, sintética e totalizante que possibilita o acesso ao sentimento do todo.

Escrita Criativa O objectivo é estabelever a escrita como meio de expressão de vivência interna e de reflexão sobre o mundo interior. Neste tipo de escrita, a acentuação não está no resultado, mas sim no processo, na experiência e prazer vivenciado. Contêm em si três características essenciais: o uso de formas de jogo e práticas expressivas; a relevância do processo e não do produto (como é habitual na arte-terapia); a sua utilização em grupo, ganha valor de processo social. A racionalização, a ansiedade ou até a arrogância, podem bloquear o processo.

Histórias Quando falamos de histórias em contexto de intervenção terapêutica reportamo-nos às histórias que nos são contadas e às histórias que nós contamos aos outros. Desde a infância que estamos em contacto com estes dois tipos de histórias, que nos ajudam a percepcionar e a organizar a realidade e a experiência. As histórias podem incluír mitos, lendas, contos de fadas e populares, bem como fábulas. Os mitos são o resultado de crenças de que existiam entes superiores ao Homem com poderes desconhecidos e superiores, enquanto as lendas são narracções fantásticas e alegóricas reportando a um tempo, a locais e personagens específicos que são recontadas oralmente ao longo dos anos perdendo-se a sua origem. Os contos populares e contos de fadas possuiem uma função lúdica e encerram em si uma moral ou um conhecimento de vida através de mensagens

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simbólicas. As fábulas por sua vez introduzem a particulariedade de ter como personagens animais. Este tipo de histórias ou temáticas especificas decorrentes ou não directamente dessas histórias poderão ser escutadas em sessões de Arte-Terapia Vivencial ou Psico-Educacional ou criadas. No caso da escuta, o arte-terapeuta terá de atender a determinados critérios de escolha dessa mesma história, em termos do simbolismo e das dinâmicas que essa história possa evocar. Por outro lado, as histórias também podem ser criadas e servirem como ponto de partida para a associação livre de ideias ou atribuição de significações. As histórias podem ainda integrar outros recursos e mediadores. Por fim, refira-se que as histórias em Arte-Terapia podem ter várias funções consoante o objectivo delineado para a sessão. Assim, poderemos estar perante uma: - função de espelho (projecção de necessidades na história e espelho das estruturas psíquicas); - função de modelo (tradução de conflitos e revelação de soluções); - função de mediação (mediação entre terapeuta e paciente num processo trilateral), etc. Em Arte-Terapia Psico-Educacional a história poderá ser uma forma particularmente pertinente e adequada de focar o tema e os objectivos implícitos, tendo em conta os elementos narrativos, simbólicos e ético-morais que lhe são próprios. Isto implica que o arte-terapeuta irá escolher a história em função da leitura que ele próprio faz dela, passando ao grupo a sua visão peculiar.

CONSTRUÇÃO DE MARIONETAS E DRAMATIZAÇÃO

Materiais - Cartolinas, papel de arroz, papel de lustro e outros de várias cores; - Tecidos de várias cores, lãs e fio de sisal; - Pasta de papel; - Desperdícios como garrafas de água; - Tesoura e xats; - Colas várias. Descrição da técnica Existem várias técnicas, desde os fantoches de dedo feitos com cones de cartolina, aos fantoches com as cabeças feitas em pasta de papel. Pode apenas sugerir-se que o indivíduo use a sua criatividade, deixando-se descobrir o modo de construir a marioneta.

Potencialidades simbólicas e expressivas A construção de marionetas coloca algumas dificuldades na sua elaboração. Na passagem ao imaginário para a realidade os pacientes terão de confrontar-se com a marioneta que conseguiram construir, muitas vezes bem diferente da que idealizaram; a escolha da personagem propícia o espelhar de personagens do palco interno das representações objectais e do Self com - Manual do Curso de Artes Terapias – Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia 2012

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inerentes conflitos internos, dando a possibilidade de serem exteriorizados diversos sentimentos através da personagem. Deste modo é possível a expressão da sombra ou do duplo. A escolha ou construção e dramatização de uma história com as marionetas incentiva a uma dinâmica que contribui para reforçar os laços num grupo e apela à criatividade na acção. A dramatização com a marioneta permite o prazer e a exploração da repetição, o sentido do cómico, do drama e do suspense; possibilita a transferência do movimento (do sujeito à marioneta); dá a oportunidade a vários tipos de ajuda entre os participantes: as sugestões sugeridas directamente ou jogadas com a marioneta ou a colaboração atrás de um biombo apoiando o outro a manejar a sua marioneta. Trabalha no grupo a interacção espontânea, a capacidade de adaptação a situações imprevistas, a resolução de conflitos e a integração dos diferentes elementos num contexto do grupo como um todo. O âmbito de manejo da marioneta é o do jogo simbólico.

Bibligrafia

Carvalho, Ruy: Manual do Seminário de Teoria e Técnica da Arte-Terapia/Psicoterapia Pain, Sara & Jarreau, Gladys: Teoria e Técnica da Arte-Terapia Weiser, Judy: Phototherapy Techniques

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