Silvia Sell Duarte Pillotto Eliana Stamm

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Silvia Sell Duarte Pillotto Eliana Stamm

Silvia Sell Duarte Pillotto e Eliana Stamm

Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes Silvia Sell Duarte Pillotto Eliana Stamm

Curitiba 2011

Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB 9/1424

Pillotto, Silvia Sell Duarte P642f

Fundamentos e metodologia do ensino de artes / Pillotto, Silvia Sell Duarte; Stamm, Eliana. – Curitiba: Editora Fael, 2011. 104 p.: il. ISBN 85-64224-27-8 Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Arte (Ensino fundamental). 2. Professores – Formação. I. Título. CDD 700

Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

FAEL Diretor Executivo Diretor Acadêmico

Luiz Carlos Borges da Silveira Filho Osíris Manne Bastos

Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância

Vívian de Camargo Bastos

Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD

Ana Cristina Gipiela Pienta

Secretária Acadêmica

Dirlei Werle Fávaro

EDITORA FAEL Coordenador Editorial Edição Revisão

William Marlos da Costa Silvia Milena Bernsdorf Jaqueline Nascimento

Projeto Gráfico e Capa

Denise Pires Pierin

Ilustração da Capa

Cristian Crescencio

Diagramação

Ana Lúcia Ehler Rodrigues

apresentação

apresentação

Foi na metade dos anos 90 que conheci a Silvia, em um curso sobre arte na Educação Infantil. Lembro-me muito bem de seu entusiasmo ao falar sobre o imaginário infantil, da imensa bibliografia disponibilizada, de sua generosidade em compartilhar experiências, de suas sugestões e reflexões que nos proporcionou naquele breve período. Desde então, acompanho o seu trabalho, sei de suas publicações, andanças em terras lusitanas, pesquisas, cursos, engajamento institucional, entre tantos outros fazeres, e a cada notícia que tenho, penso: “que bom que a Silvia existe!” Em Fundamentos e metodologia do ensino de artes, mais uma vez, Silvia, em parceria com Eliana – jornalista, artista, pesquisadora e professora – compartilha conosco reflexões sobre a importância dos processos de criação e das linguagens da arte na infância. Silvia e Eliana são como os theoros da Grécia Antiga, que tinham a responsabilidade de observar e relatar, para sua comunidade, o que viam em diferentes lugares, para que comparassem seus relatos com suas expe­ riências, formando, assim, suas teorias. Nessa perspectiva, as autoras deste livro nos trazem suas reflexões, que partem de observações e dos acontecimentos vivenciados em seus cotidianos, como professoras e pesquisadoras do ensino de arte, a fim de que possamos produzir nossos pontos de vista e nossas teorias acerca do ensino de arte na contemporaneidade. Ou seja, as experiências das autoras, acompanhadas de reflexões e de exemplos, convocam-nos para relacionarmos nossas concepções e práticas pedagógicas cotidianas com as temáticas abordadas ao longo desta obra. Além da relevância da temática, a forma relacional com que as autoras estruturam os capítulos fará com que o leitor sinta-se dialogando com os temas, que vão desde a história do ensino da arte no Brasil, passando por conceitos, e chegando, ao final, nas práticas educativas. Dessa forma, a maneira como as autoras organizaram essa obra oportunizará o entendimento amplo do ensino de arte, bem como as minúcias do cotidiano nos modos de ensinar arte na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

apresentação

apresentação A intenção do livro é ser pedagógico, porém não dará uma receita pronta de como planejar e desenvolver proposições de arte, no espaço escolar ou fora dele, mas provocará a vontade de criar possibilidades educativas em arte, aqui entendidas como uma ida a uma exposição de arte, uma experiência estética ao olhar o céu, um projeto de trabalho, entre outras modalidades educativas. A provocação das autoras à criação de processos educativos dos professores não se dá apenas pelas discussões teórico-metodológicas do livro, mas, também, pela proposição de questões desafiadoras, por sugestões de produções e espaços culturais, apresentação de livros e relatos de experiências. A mescla de fundamentação teórica com propostas metodológicas “nutre” o leitor de referências diversas, impulsionando-o a outras buscas, como de filmes, livros, pesquisas e, principalmente, de um outro olhar sobre os processos de criação das crianças e de nós mesmos. Segundo a Fundação Iberê Camargo, o pintor gaúcho costumava afirmar: “[...] No meu andarilhar de pintor, fixo a imagem que se apresenta no agora como retorno às coisas que adormeceram na memória. Essas estão escondidas no pátio da infância.” Ao longo de toda a obra, as autoras, assim como Iberê Camargo, enfatizam a necessidade vital de as crianças terem espaços de criação, experiências poéticas com as diferentes linguagens expressivas no “pátio da infância”, para que, pelo menos nesse período da vida, tenham o prazer de viver e expressar modos singulares de ser e de estar no mundo. Assim, considero fundamental a leitura desta obra, e que ela seja um convite aos leitores para criarem propostas educativas, sensíveis, críticas, reflexivas, afetuosas, lúdicas e prazerosas. Acredito que, assim, esses leitores contribuirão, de maneira diferenciada, com a formação de nossas crianças.

apresentação

apresentação

Parabéns à Silvia e à Eliana por existirem e por produzirem este livro, que terá um papel importantíssimo na formação docente e de estudantes que acreditam na possibilidade da infância recuperar sua poesia. Susana Rangel Vieira da Cunha*

* Professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trabalha na área de Educação Infantil, na interface com as artes visuais e estudos da cultura visual. Atua como docente nos cursos de Graduação em Pedagogia, Especialização, Mestrado e Doutorado em Educação, em disciplinas que abordam infância, artes visuais, cultura visual e Educação Infantil.

sumário sumário Prefácio....................................................................................... 9

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A arte como propulsora nos processos de aprendizagem humana......................................................... 13

2

Uma educação pela infância..................................................... 27

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Sincronias interativas: a arte como elemento integrador das demais áreas de conhecimento......................................... 41

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Trajetórias expressivas nas conexões das linguagens artísticas.......................................................... 61

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Práticas educativas................................................................... 73

Referências............................................................................... 97 Glossário.................................................................................. 103

prefácio prefácio O

livro Fundamentos e metodologia do ensino de artes é referência para discussões reflexivas sobre as linguagens da arte na infância, com ênfase nos aspectos conceituais e metodológicos. As questões discutidas neste livro contribuem para a ampliação do olhar sensível de profissionais que atuam na área da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, bem como para estudantes das licenciaturas dessa área e/ou de áreas afins. Entendemos que, para construir uma relação de afeto e significações com as crianças, é fundamental que todo professor tenha vivências artísticas, estéticas e culturais. A obra é constituída por aspectos teórico-conceituais, histó­ri­ co‑culturais e processos metodológicos, sinalizando algumas atividades, como leitura (visual, corporal e sonora), questionários reflexivos, pesquisas complementares, apresentação de projetos, portfólio, avaliação e relato de experiências. Para os quatro primeiros capítulos foi elaborada uma síntese contendo a essência das questões tratadas; já no último, o destaque foi dado aos relatos de experiências. O primeiro capítulo dá destaque às questões relacionadas aos processos de formação do professor como agente mediador e provocador de mudanças na ação pedagógica. Para que o docente se aproprie do conceito de mediador/provocador, é necessário que conheça a trajetória da arte/educação no Brasil, refletindo sobre a importância dos conteúdos/conceitos da arte para o desenvolvimento cognitivo e sensível da criança. Outra questão destacada neste capítulo são os processos de aprendizagem em arte e suas interfaces entre o ser e o estar professor. O segundo capítulo se propõe a dialogar sobre a importância da arte na infância e sua relevância no currículo da educação básica,

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prefácio prefácio especialmente no período que se refere à infância. Também neste capítulo serão apresentadas algumas possibilidades metodológicas para a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Elementos como ludicidade, jogos e brincadeiras, articulação entre as linguagens artísticas, processos de leitura, vivências com suportes e materiais, construções poéticas e contextualização histórico-cultural serão pilares para os processos metodológicos. 10

O terceiro capítulo aborda possíveis conexões interdisciplinares, deixando claro esse conceito e seus desdobramentos. Portanto, neste capítulo, a arte é apresentada como linguagem/expressão, possibilitando experiências sensoriais e estéticas por meio da musicalização, da corporeidade e das artes visuais. A arte como elemento integrador das outras áreas pode construir conexões entre aspectos cognitivos e sensíveis; entre os saberes e as práticas cotidianas; entre o desejo e a realização de ser e conhecer; de transformar e transformar-se. O quarto capítulo trata das linguagens da arte (artes visuais, expressão corporal e expressão sonora) como integrantes e integradoras do currículo escolar. Nesse sentido, um dos caminhos são os projetos pedagógicos, que possibilitam a interação entre as diversas linguagens e áreas de conhecimento. O projeto, na concepção deste livro, compreende a aprendizagem como desenvolvimento do pensamento crítico, constituída a partir da produção de sentidos e significados. Nesse processo, é possível identificar diferentes fatos, criando proposições reais e imagéticas, tendo como referência o entorno da criança. A avaliação, também abordada, é fundamental nesse contexto, para que possamos entender as trajetórias de aprendizagem da criança. Assim, optamos pelo registro e portfólio e a autoavaliação, uma vez

prefácio prefácio que esses instrumentos dão visibilidade tanto às produções quanto ao processo vivenciado pela criança e pelo professor. Além disso, também sinalizam para a reflexão da prática docente, apontando novos rumos para as práticas pedagógicas. O quinto capítulo aborda dois relatos de experiências, nos contextos da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo como balizadoras as discussões conceituais e metodológicas enfatizadas neste livro. Os relatos contribuem para que o leitor reflita sobre as várias possibilidades das linguagens da arte como integradora nos processos de ensinar e aprender. São essas as questões que o livro apresenta, no intuito de provocar a reflexão/ação de professores, a fim de buscar caminhos possíveis para a arte no currículo da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. As autoras.* * Silvia Sell Duarte Pillotto é Pós-doutora, pelo Instituto Estudos da Criança, na Universidade do Minho (Uminho), em Braga/Portugal, Doutora em Engenharia da Produção (Gestão da Qualidade), pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e Mestre em Educação (Currículo em Arte-Educação), pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Eliana Stamm é formada em jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com especialização em Prática Social da Arte, pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade Estadual de São Paulo (ECA/USP). É professora na Universidade da Região de Joinville (Univille), no curso de licenciatura em Artes Visuais, coordenadora da escola de artes Fritz Alt, na Casa da Cultura, e sócia fundadora do centro de Educação Infantil Aldeia do Sol.

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A arte como propulsora nos processos de aprendizagem humana

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ste capítulo pretende iniciar um diálogo sobre a dimensão sensível na ação pedagógica e o quanto isso pode interferir nas interfaces entre o ser e estar professor no contexto da infância. Pensar no sensível é pensar nas linguagens e expressões artístico-culturais nos âmbitos visual, corporal e sonoro. É inserir-se no universo da percepção, da imaginação, da criação e da emoção. Ser professor de Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental implica estar disponível a novas sensações e percepções, estar aberto ao inesperado, a descobertas sobre o outro e sobre si próprio, é navegar em um mundo desconhecido e surpreendente – o mundo infantil. É importante ressaltar que as atividades pedagógicas devem estar em consonância com a faixa etária das crianças, uma vez que apresentam diferenças nos processos de aprendizagem, nos interesses e nas aptidões. Especialmente na Educação Infantil, deve-se considerar que as crianças de 0 a 3 anos têm um desenvolvimento bastante diferente das que possuem de 4 a 5 anos. Nos capítulos a seguir, trataremos dessas questões com mais profundidade.

Breve trajetória da arte/educação no Brasil A arte está inserida no currículo escolar há pouco tempo, embora, desde os primórdios, esteja sempre presente na vida dos sujeitos, seja nas manifestações em dança, música, teatro e/ou artes visuais. Conta a história que, no Brasil, alguns marcos deixaram rastros na educação formal e não formal, a Missão Artística Francesa foi um deles.

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Trazida por D. João VI, em 1816, ela fomentou a Academia Imperial de Belas Artes, que, “após a proclamação da República, passou a ser chamada de Escola Nacional de Belas Artes. O ponto forte dessa escola era o desenho, com a valorização da cópia fiel e a utilização de moldes europeus” (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2009, p. 10). Por muito tempo a ênfase na cópia permaneceu presente nas escolas de artes e, posteriormente, na educação básica regular. Ainda hoje, verificamos que algumas instituições educacionais destinadas a crianças da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental exigem um rigor das produções infantis, no qual a cópia é privilegiada em detrimento da construção imagética e criativa da criança. Continuando nosso percurso histórico, o Brasil, em especial o estado de Minas Gerais, vivenciava o Barroco1 de forma intensa, em curvas, formas, cores, texturas e movimento, no período entre o início do século XVIII e o final do século XIX. No entanto, o estilo Neoclássico2, vindo com os franceses, se apoderou do contexto das elites. A arte, então, estava somente “no alcance de uma elite privilegiada que desvalorizava as manifestações artísticas que não seguiam esses padrões” (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2009, p. 10).

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Diante desse fato, a história do ensino da arte centrou-se no desenho, fundamentada em uma filosofia de educação autoritária, que tinha no produto final seu maior trunfo, menosprezando o processo de aprender. Os objetivos, nessa concepção, baseavam-se na coordenação motora, no acabamento, na técnica e no “bom comportamento”, sinalizando para atos de higiene, disciplina, ordem e organização e, principalmente, centrado na reprodução das atitudes e conhecimentos do mestre. A arte na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental acompanha as trajetórias desse contexto histórico, artístico e social. Desse modo, é fundamental para o professor, hoje, compreender 1 “Cultura que enfatizava o contraste, o conflito, o dinâmico, o dramático, o grandiloquente, a dissolução dos limites, junto com um gosto acentuado pela opulência de formas e materiais.” (WIKIPÉDIA, 2010c). 2 “A arte neoclássica busca inspiração no equilíbrio e na simplicidade, bases da criação na Antiguidade. As características marcantes são o caráter ilustrativo e literário, marcados pelo formalismo e pela linearidade, poses escultóricas, com anatomia correta e exatidão nos contornos, temas ‘dignos’ e clareza.” (WIKIPÉDIA, 2010i). FAEL

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os caminhos trilhados pela arte/educação3 para a infância, no sentido de registrar os avanços em sua memória e romper com alguns resquícios que ainda perpetuam as instituições educativas. Um marco também significativo na trajetória das crianças e de suas famílias foi o evento da Revolução Industrial, no final do século XVIII. A mulher, nesse contexto, foi inserida no mercado de trabalho externo, fora do lar, sendo obrigada a deixar os filhos aos cuidados da escola. É nesse período, portanto, que surgem as primeiras instituições educativas para os pequenos. No Brasil, especificamente, essa preocupação foi mais forte na década de 20 do século XIX, quando estava latente no contexto social a construção de uma identidade nacional, na qual a criança era vista e compreendida como o futuro do país. Essa ideia dá margem à concepção pedagógica de que a criança exige cuidados e educação, ambos imprescindíveis para sua formação como cidadã. A institucionalização oficial da educação pré-escolar teve início na década de 80 do século XX, por meio da Constituição de 1988, que legitimou o atendimento às crianças de 0 a 6 anos. Já o termo Educação Infantil só foi de fato socializado com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996. No entanto, faz-se necessário pontuar algumas situações que ocorreram nesse período, não apenas na Educação Infantil, mas, também, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A arte/educação, nesse contexto, era vista pelos professores, pais e comunidade de forma geral como recreação, mero passatempo, passando a ter a especial finalidade de organizar materiais e apresentações “artísticas” em datas cívicas e comemorativas. Decorar a escola e dar suporte às outras áreas do conhecimento era a principal função da arte/educação. Nessa época, os documentos que subsidiavam as práticas pedagógicas dos professores/coordenadores eram os Cadernos de Atendimento ao Pré-Escolar, organizados e divulgados pelo Ministério da Educação 3 Utilizar o termo arte/educação foi uma opção nossa, especialmente pelo teor conceitual e atual que ele agrega. O termo fundamenta-se no conceito de arte, no currículo do ensino básico, como espaço para apropriação de conhecimentos e saberes, manifestações expressivas, diversidade cultural e redes de comunicação, sendo bastante utilizado por pesquisadores na área de arte/educação. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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e Cultura (MEC) (PILLOTTO, 1997)4. Os conteúdos dos referidos Cadernos enfatizavam a recreação em detrimento de um encaminhamento também das questões voltadas à arte, à estética e à cultura.

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Na década de 90 do século XX, os conteúdos inseridos nos Cadernos voltaram-se para uma concepção sociointeracionista, na qual a arte/educação era vista como Saiba mais um eixo gerador, possibilitanOs estudos de Lev Vygotsky (1896-1934) postu- do a interdisciplinaridade com lam uma dialética das interações com o outro e outras áreas do conhecimento e com o meio como a desencadeadora do desen- com as linguagens da arte (músivolvimento sociocognitivo. Para ele e seus colaca, teatro, dança e artes visuais). boradores, o desenvolvimento é impulsionado Se, por um lado, essa década pela linguagem. De acordo com Vygotsky, é avançou nas questões pedagógio próprio processo de aprender que gera e cas e nas de arte/educação, por promove o desenvolvimento das estruturas outro, houve uma tendência ao mentais superiores (WIKIPÉDIA, 2010k). espontaneísmo, à individualidade nos processos de aprendizagem e às ações com temáticas diversas (como datas comemorativas ou outros assuntos relevantes) como única possibilidade didática. Essas tendências são resquícios da década de 30, que foram O movimento chamado Escola Nova esboçou‑se intensificadas nas décadas de na década de 20 do século XX, no Brasil. O mun50 e 60 do século XX, quando do vivia um momento de crescimento industrial os estudos sobre a criatividade e de expansão urbana e, nesse contexto, um tomaram impulso nas áreas da grupo de intelectuais brasileiros sentiu a necessidade de preparar o país para acompanhar esse psicologia e educação, dando desenvolvimento, sendo a educação por eles per- sequência ao movimento da Escebida como o elemento‑chave para promover a cola Nova. Vale destacar alguns remodelação requerida (­WIKIPÉDIA, 2010e). teóricos que desenvolveram pesquisas a partir dessa concepção: Viktor Lowenfeld, Herbert Read e John Dewey.

Saiba mais

A Escola Nova, no que se refere à arte/educação, centrava-se na criança e em sua livre expressão, não aceitando qualquer tipo de inter4 Pesquisa realizada para a dissertação O ensino da arte na Educação Infantil, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Paraná. Área de concentração: currículo, linha de pesquisa em arte/educação. FAEL

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venção, fosse de imagens ou do professor. Como afirmam Abramowicz e Wajskop (1995, p. 85): As crianças podem desenhar espontaneamente. A intervenção da educadora é necessária para introduzir as técnicas e a história do mundo das artes. Para isso é preciso tornar acessíveis as ferramentas e os suportes que permitem a expressão das crianças. Deve-se ampliar seu repertório mostrando obras de arte.

A concepção da Escola Nova traz em seu bojo uma ruptura de valores, especialmente no que se refere aos métodos rígidos da escola tradicional. Os interesses se voltam para os aspectos lúdicos, e a psicologia conquista espaços no que diz respeito às questões referentes à autoestima da criança pela via da arte. Para Silva (1987, p. 34), “a livre expressão como conceito central da metodologia de arte/educação conduziu à convicção de que o fundamental seria a criança expressar o seu mundo interior e que, portanto, a arte poderia ser ensinada”. Os professores passam a assumir o papel de orientadores, estimulando os alunos no desenvolvimento de suas atividades. O que importava era a experiência em si, o processo de fazer, o prazer da criança no contato com materiais, suportes e espaços. No Brasil, temos importantes nomes das artes que foram inspirados pela Escola Novista, como: Mário de Andrade, colecionando desenhos infantis, Augusto Rodrigues, inspirador da criação das escolinhas de arte, Anita Malfatti, Flávio de Carvalho, entre outros. Na década de 70 do século XX, esteve no auge a tendência tecnicista, visualizada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 5.692/1971, que le­gi­timou a “educação artística” (nomenclatura utilizada naquela época) como parte integrante e obrigatória do currículo escolar.

Saiba mais “A polivalência no ensino de artes refere-se à ideia de que um mesmo profissional poderia dar conta de ensinar artes visuais, teatro, música e dança. Alia-se a isso a formação superior precária desse profissional, nos chamados cursos de Licenciatura Curta, muito comuns na década de 70.” (WIKIPÉDIA, 2010d).

A controvérsia nessa lei e em sua interpretação ficou por conta da posição da educação artística no currículo como obrigatória, mas não considerada uma disciplina com conteúdos, filosofia e metodologias próprias. Diante desse fato, a polivalência ganha forças, impondo ao Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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professor o domínio das linguagens das artes plásticas, do desenho geométrico, da música e das artes cênicas. Em outras palavras, o docente tinha que dar conta e ser “capaz de lecionar música, teatro, artes visuais, desenho, dança e desenho geométrico, tudo ao mesmo tempo, da Saiba mais 1ª a 8ª série [...]” (BARBOSA, 1996, p. 10). Isso desencadeou Heitor Villa-Lobos (1887-1959) foi um maes­ tro e compositor brasileiro. Destacou-se por uma série de atividades centrater sido o principal responsável pela desdas na técnica pela técnica, no coberta de uma linguagem peculiarmente desenho mimeografado, na exebrasileira em música, sendo considerado o cução de “teatrinhos e musiquimaior expoente da música do Modernismo nhas”, com a finalidade de fixar no Brasil, compondo obras que enalteciam o espírito nacionalista, nas quais incorpora conteúdos de outras áreas de coelementos das canções folclóricas, populares nhecimento, entre outras. e indígenas (WIKIPÉDIA, 2010g).

A música, na trajetória histórica, teve pouca inserção nas escolas e somente por volta de 1950 foi incluída no currículo. Ressalta-se a importância de Heitor Villa-Lobos nessa inclusão e de sua influência para que a música fosse compreendida como arte/cultura e direito de todo cidadão.

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Porém, no interior das escolas, era dado destaque somente ao canto orfeônico, à memorização de hinos e ao solfejo. Pouca ênfase se dava à música como possibilidade de expressão e sensibilidade. Segundo Martins, Picosque e Guerra (2009, p. 11), nessa época, [...] surgiam também algumas disciplinas como “artes domésticas”, “trabalhos manuais” e “artes industriais”, em cujas aulas os meninos eram separados das meninas, pois havia artes “femininas” – bordados, tricô, roupinhas de bebê, aulas de etiqueta, etc. – e artes “masculinas” – geralmente executadas com madeira, serrote, serrinhas, martelo: bandejas, porta-retratos, descanso de pratos, sacolas de barbante, tapetes de sisal.

O final da década de 90 do século XX marcou definitivamente a arte/educação, pois pesquisas foram intensificadas e novas abordagens surgiram nas produções de alguns teóricos, como Barbosa, Martins, Fusari, Buouro, Ferraz, Cunha, Pillar, entre outros. Além disso, documentos em forma de propostas curriculares e os Referenciais CurriculaFAEL

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res Nacionais (1998) trouxeram perspectivas para um outro olhar sobre a arte, integrando ações com foco nos processos de leitura/reflexão, na construção poética e na contextualização cultural. É importante destacar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/1996, que ressalta, em seu Artigo 26, parágrafo 2º, o seguinte texto: “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.” (BRASIL, 1996). Isso nos leva a pensar que a concepção de arte no currículo, compreendida como conhecimento, expressão, criação, imaginação e percepção, é fundamental para se buscar outros caminhos metodológicos que priorizem a condição humana e a construção dos saberes.

Processos de aprendizagem em arte: interfaces entre o ser e estar professor Existe diferença entre ser professor e estar professor? Pensamos que a trajetória de estar professor está intimamente ligada à compreensão do que é ser criança hoje. Para isso, faz-se necessário revisitar a nossa própria infância, percebendo qual criança fomos e o que somos hoje dela. São as memórias que potencializam nosso estar professor, pois nos remetem às experiências com a arte, com os espaços, com as pessoas e com as relações que construímos. Essas experiências, muitas vezes, perdem-se no tempo/espaço; no entanto, estar professor de crianças implica reavivar memórias. E não apenas isso: implica, também, reanimá-las em ações. Um professor mediador não é um mero observador das crianças. É, principalmente, aquele que participa, envolve-se e aprende com as atividades em arte. A dimensão sensível na ação pedagógica parte desse princípio, pois o trato com as crianças requer ir além de ensinar. O professor do qual estamos falando é aquele que tem sensibilidade para se apropriar da arte como possibilidade de sua própria construção humana, desdobrando-a em ações pedagógicas no espaço da escola, articuladas à sensibilização poética. Nessa perspectiva, é possível compreender o ato de aprender e conhecer arte também como processo de simbolização e reorganização Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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dos signos que interpretamos. É dessa forma que criamos ideias e, para tê-las, devemos ser instigados a criar. “Ter ideias é, em certo sentido, estar engajado num processo de formação de conceitos nos quais estes são abstraídos ou criados, ou seja, transformados em realizações formais.” (MEIRA, 2003, p. 20). Assim, é possível aprender e conhecer os códigos subjetivos da arte e relacioná-los às nossas experiências, dando formas e sentidos diferenciados e únicos a partir da maneira como os vemos e como os internalizamos. Nesse caso, perceber o mundo significa uma atitude estética, isto é, por meio da arte podemos aprender a ver todas as coisas de um modo especial, superando os limites da não compreensão para uma compreensão, ainda que subjetiva, de nós mesmos. Nesse aprendizado, existe sempre uma escolha: por onde olhamos, o que queremos ver e o que fazemos com o que selecionamos, percebemos e vemos – apropriação – transformação – ressignificação. Por esse viés, podemos pensar na apreensão do conhecimento “nos níveis da racionalidade (argumentação/reflexão) e do sensível (emoção, intuição, percepção, etc.). Ambos devem ser considerados nos processos de aprendizagem, pois fazem parte do contexto cotidiano e, sobretudo, da experiência humana” (PILLOTTO; SCHRAMM; CABRAL, 2004, p. 53).

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Também para Vasconcelos (2001, p. 98), “a pessoa cria ao reconhecer novas relações em antigas questões, ao construir respostas às situações-problema, ao redimensionar os próprios aprendizados”. Sendo assim, a construção do conhecimento só tem sentido quando ele é socializado e compartilhado com as pessoas. Para tanto, é imprescindível que as nossas práticas pedagógicas estejam fundamentadas em ações flexíveis, democráticas e, principalmente, comprometidas, considerando cada criança como um ser único em um universo de muitas diferenças. O professor pode ser um provocador de afeto, forma sensível de construir relações de confiança e de amorosidade, o que constitui um mapa sensível do que ocorre no contexto da escola, por meio do qual inicia sua trajetória de aprendizagem contínua sobre como ser/estar professor. Uma aprendizagem que, sem a relação afetiva com sua própria obra pedagógica, sem a relação afetiva com suas cognições, seus sentimentos, emoções e ações acabam lamentavelmente em desencantamento. Desencantar-se também é parte do inFAEL

Capítulo 1

ventário das relações afetivas. Mas ponto arriscado de inflexão no qual estamos em disponibilidade para optar permanecer no desencanto ou dar a virada criativa para transmutar dor em prazer (MEIRA; PILLOTTO, 2010, p. 13).

A relação de afeto entre a criança e o professor está ligada à experiên­cia criadora de ambos. A arte como experiência humana está no âmbito dessas relações, pois manifestar-se por meio da expressão artística significa a possibilidade de aprender sobre nossas capacidades de criar e ver materializadas nossas fantasias, ideias e vontades. Permite‑nos compreender a nós mesmos e aos outros, em um movimento intenso de construções de conhecimentos e sensibilidades. Nessa abordagem, vale destacar alguns aspectos importantes para ser/estar professor na infância: o emocional, o cognitivo e o comportamental (FERREIRA, 2001). Um professor que tem ativada sua capacidade de observar/interpretar é capaz de identificar suas emoções e atitudes, aprendendo a expressá-las e, sobretudo, percebê-las também nas crianças. Saber lidar com seus sentimentos e os dos alunos, entendendo-os e controlando-os, é fundamental na construção de um ambiente em que os conflitos possam ser minimizados, dando vez às relações de afeto, de amor, de ética e prazer (MEIRA; PILLOTTO, 2010). Nos processos de apropriação do conhecimento e de saberes, o professor precisa saber diferenciar emoção e ação na criança, pois nem sempre a primeira precede a segunda. Em algumas situações, a emoção é internalizada e manifesta em gestos e expressões, como movimentos mais bruscos, olhar mais demorado, aperto de lábios, silêncio, ruídos, isolamento, etc. A interpretação desses códigos infantis pode ajudar o professor a melhor compreender a singularidade de cada criança, articulando-os com as demais particularidades, formando um conjunto de elementos que culminarão em dinâmicas socioculturais, ou seja, movimentos dialógicos de crianças com crianças, professor com crianças, famílias e comunidade em geral. Entender o que as crianças necessitam e desejam contribui para que as interações aconteçam sempre pautadas no respeito às diferenças. Essa atitude por parte do professor permite a resolução de problemas e, principalmente, o aprendizado de como lidar com eles. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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No que diz respeito aos aspectos comportamentais, a expressão não verbalizada da criança (bastante comum) revela seus pensamentos, atitudes e emoções. É importante para o professor acompanhar esse processo, no sentido de identificá-los para que possa ajudar a criança em sua trajetória cognitiva e sensível. Para La Taille, Dantas e Oliveira (1992), as manifestações expressivas (plástica, verbal, dramática, escrita, entre outras) estimulam os processos simbólicos das crianças, culminando em processos de aprendizagem. Ser/estar professor implica uma concepção de educação humanística, como aborda Saltini (1999), ao nos levar a refletir sobre o contexto educacional. Segundo a autora, as escolas deveriam estar mais atentas às questões da infância, do afeto e da amorosidade, e menos preocupadas em transmitir conteúdos e técnicas pedagógicas.

A dimensão sensível na ação pedagógica Ser sensível: que caminho é esse? É possível educar pela sensibilidade? Às vezes, temos a impressão de que a escola ainda prioriza um ensino e uma aprendizagem centrados em um pensamento linear, disciplinar e técnico, em detrimento dos aspectos de uma educação pela sensibilidade.

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A educação pelo sensível é imprescindível nos processos de aprendizagem infantil, uma vez que, ao se apropriar e internalizar os saberes, a criança é afetada pelos sentidos, que estão articulados à imaginação, criação, percepção e emoção. Dentre esses elementos, a criatividade é um dos mais pesquisados, seja pela área da psicologia, da arte ou da estética. Mas o que compreendemos, enquanto professores de crianças, sobre o ato de criar? E o que ele implica no desenvolvimento do ser humano? Ostrower (1986, p. 10), sobre essa questão, afirma que “o homem cria, não apenas porque quer, ou porque gosta, e, sim, porque precisa; ele só pode crescer, enquanto ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma, criando”. Ou seja, toda experiência requer uma abertura sem qualquer tipo de preconceitos; um acolhimento dos mais variados sentidos. Nessa trama, agregam-se razão e sensibilidade, desprendimento e construção de saberes. Criar não é privilégio somente de cientistas e artistas; é capacidade inerente aos seres humanos, mesmo que em níveis diferenciados, uma vez que nossos contextos também se diferenciam, como valores, crenças, conhecimentos, culturas, entre outros. FAEL

Capítulo 1

Quando estamos receptivos a novas experiências, capazes de manter nossas singularidades e reintegrá-las ao coletivo, temos mais condições de criar vínculos afetivos, aprender e amadurecer. A criança espera dos professores essa postura diante da vida e da educação. Cada um só pode falar/agir em nome de suas próprias experiências. Ao criar, corpo e mente formam um todo absoluto, absorvendo sentidos e percepções. Dessa forma, observar, identificar, absorver, internalizar, relacionar e interagir são caminhos criativos que apresentam uma maneira dinâmica de aprender, na qual o professor e a criança tornam-se atores, que ­constroem significados a partir dos cenários culturais. Esse processo requer um movimento constante, que rompe com qualquer tipo de passividade. Em uma educação pela sensibilidade, é necessário dar destaque aos processos perceptivos, que têm, em suas bases, segundo Ostrower (1986), uma forma de absorver o mundo interno relacionado ao externo na dimensão da compreensão. “Tudo se passa ao mesmo tempo. Assim, no que se percebe, se interpreta; no que se apreende, se compreende. Essa compreensão não precisa necessariamente ocorrer de modo intelectual, mas deixa sempre um lastro dentro da nossa experiência.” (OSTROWER, 1986, p. 57). Nas práticas educativas, a percepção pode ser um grande diferencial para o professor. É fundamental, nesse caso, que ele construa laços afetivos com as crianças, buscando perceber seus interesses/curiosidades, suas necessidades/anseios, organizando de forma compartilhada ações que envolvam aprendizagens significativas. Tão importante quanto o que pensamos e desejamos que as crianças aprendam é o que elas são capazes de aprender e o que as move para esse aprendizado. Nesse sentido, a escuta atenta do professor, suas observações referentes à corporeidade e ao movimento da criança são ações indispensáveis para o processo comunicacional e de aprendizagem sensível. No entanto, o desenvolvimento da percepção, em uma educação sensível, pressupõe um eterno aprendizado, pois essa atitude é estruturada por processos seletivos, que envolvem as condições físicas e psíquicas do professor e das suas necessidades e expectativas com relação à criança. Diante dos inúmeros estímulos do contexto contemporâneo, especialmente das mídias, essa seletividade representa uma primeira instância da filtragem de significados. Ou seja, tudo que é absorvido pelo Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

professor e pela criança, no interior da escola e fora dela, interfere e influencia na filtragem do que é percebido: conflitos, interesses, necessidades, entre outros. Nesse contexto, outro elemento de grande ajuda para o professor é a emoção. Segundo Gardner (1999, p. 89), as emoções “servem como um ‘sistema primário de aviso’, assinalando tópicos e experiências”. São perceptíveis os desencontros com relação a esse sentimento no contexto da escola. Os professores encontram dificuldades em fazer uso das suas emoções e reconhecê-las nas crianças. Os cheiros, os olhares, os sons, os espaços e as relações, de uma forma geral, nos afetam e deixam rastros. Portanto, vale salientar que os sinais subjetivos nas relações construídas acontecem, também, por meio das emoções. Segundo Schott (1996, p. 234), “ao admitir o papel cognitivo da emoção e da sensorialidade, também desafiamos a concepção de que a argumentação é a principal forma do conhecimento”. O autor relaciona a cognição à experiência, destacando o quanto é importante que a escola desenvolva projetos focados na interação dos sujeitos com situações vividas. 24

Na mesma linha de pensamento, Gardner (1999, p. 57) chama a nossa atenção, afirmando que “o sensível e o intelectual não estão dissociados dos processos cognitivos, uma vez que o indivíduo necessita do sistema corporal, sensível e cognitivo para comunicar-se no mundo das ideias, das sensações e das emoções”. Vale dizer, então, que uma educação pelo sensível está pautada no saber lidar com as nossas emoções e com as das crianças, ocorrendo sempre por meio da experiência da realidade e das relações afetivas construídas. No contexto da sala de aula, é vital lidar com as emoções, uma vez que, desde muito cedo, enfrentamos questões que apontam para a violência, a corrupção, a inversão de valores, a competitividade e tantas outras que reiteram o individualismo. Todavia, identificar, interpretar e compreender as emoções da criança é ter um olhar sensível, que exige uma educação para a sensibilidade. Esse é, também, um olhar estético, que pode ser conduzido pelo professor como sentimentos de prazer, sentidos e reflexão. “O sentido do estético é um sentido sempre receptor de um perceptor que quer aprofundar-se nesse mais além da imagem, transcendê-la, voltando-se sobre si mesmo sem perder seu entorno.” (FERNÁNDES, 2001, p. 129). FAEL

Capítulo 1

Da teoria para a prática A atividade apresentada a seguir poderá auxiliar o professor em sua prática profissional, contribuindo tanto na Educação Infantil, quanto nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Proposta: autorretrato ●● Organizar as crianças em uma roda de conversa e deixar circular entre elas um ou mais espelhos pequenos, por intermédio dos quais estarão se observando, fazendo caretas e expressões diversas. O professor, então, poderá interagir com questões motivadoras, incentivando os alunos a terem um olhar mais atento. ●● A seguir, apresentar às crianças um papel em formato A3 e tintas de diversas cores, que poderão ser utilizadas com pincéis ou com as mãos, para que os pequenos se expressem por meio do autorretrato. É importante ter cautela com a expectativa de representações que correspondam à realidade, pois, nessa fase, as crianças estão experimentando o corpo, o espaço e tudo o que está à sua volta e não estão preocupadas em representar o real. A fase das garatujas é muito importante para a criança, que inicia um processo de explorar o seu universo. Outro exercício bastante interessante nessa fase são os decalques e impressões com os mais diversos suportes e materiais. ●● Finalizando essa ação, o professor deverá propor às crianças a construção de um painel coletivo com os autorretratos recortados e colados em suporte maior, podendo ajudar ou recortar as produções das crianças que estão em processo de aquisição de habilidade motora. Para que as produções infantis sejam valorizadas e respeitadas, o professor deverá organizar a exposição do painel de forma a dar visibilidade e promover a educação estética. Também é interessante que seja elaborado um texto explicativo sobre o processo de aprendizagem, contendo as falas das crianças e do professor sobre as experiências vivenciadas. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Síntese Neste capítulo, a intenção foi provocar a reflexão do leitor para questões que tratam a arte como propulsora nos processos de aprendizagem humana, especialmente nos contextos da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. O percurso das trajetórias da arte/educação no Brasil busca motivar os leitores no sentido de refletirem sobre suas próprias caminhadas e em que medida a arte/educação, na Educação Infantil e anos iniciais, afetou os seres sensíveis que, hoje, são. A partir dessa leitura, é possível nos perguntarmos: a arte/educação hoje é compreendida da mesma forma que anos atrás? O que mudou? Por que mudou? Qual a sua contribuição para o desenvolvimento cognitivo e sensível da criança? Outro destaque, neste capítulo, foi dado aos processos de aprendizagem em arte e à condição de ser e estar professor/educador. O que nos leva a tomar decisões sobre nossas posturas frente ao ensino e à aprendizagem da criança? Qual o papel de um professor/mediador? As questões tomam um rumo focado na experiência de ser/estar professor e em como a arte e suas linguagens e expressões podem ser um diferencial na atitude e nas práticas desse profissional.

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FAEL

Uma educação pela infância

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E

ste capítulo busca refletir sobre questões referentes à arte na infância, bem como à arte no currículo da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Arte na infância Esta seção tem o objetivo de propor uma reflexão sobre as questões da infância e da arte na infância, no sentido de pensar sobre as rupturas que ocorrem na transição da Educação Infantil para o 1º ano do Ensino Fundamental. Segundo Kramer (2006, p. 208), a “[...] Educação Infantil e Ensino Fundamental são instâncias indissociáveis; ambas envolvem conhecimentos e afetos; saberes e valores; cuidados e atenção; seriedade e riso”. Ainda segundo a autora, não são as crianças a fragmentar o conhecimento, são os adultos e as instituições que constroem grandes lacunas e conflitos entre Educação Infantil e Ensino Fundamental, deixando de fora a experiência com a cultura e com a estética, elementos fundamentais na articulação dos saberes e deveres. Partindo dessas ideias, a arte, no currículo, deve priorizar os espaços, o lúdico, os jogos e brincadeiras, a imaginação, a percepção, o movimento e a criação nos processos de aprendizagem da criança. Os professores devem considerar que a criança aprende brincando e que, nessa fase infantil, a apropriação dos conhecimentos (cognitivos e sensíveis) deve ser explorada de maneira lúdica, dando ênfase à familiarização com as linguagens da arte e do mundo imagético.

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Nesse contexto, o jogo e a imaginação estão totalmente relacionados, e é essa última a atividade básica da criação até o final de nossas vidas. A imaginação, então, é a responsável pela construção da cultura humana, sem a qual não conseguiríamos nos adaptar/ambientar a novos espaços, uma vez que tudo em nosso entorno é construído a partir da nossa imaginação. Por outro lado, as experiências com diferentes espaços, materiais e suportes podem contribuir para o desenvolvimento criativo da criança, pois ampliam a sua percepção, imaginação, intuição, criação e emoção. “Saber utilizar materiais e suportes e os espaços diversificados, além da alegria da investigação, aguça a curiosidade das crianças e lhes dá possibilidades de materializarem as suas ideias por meio das manifestações artísticas e culturais.” (PILLOTTO; PEREIRA; ROPELATO, 2009, p. 78). Meira (2003, p. 22), sobre essa questão, também nos orienta que: Trabalhar criadoramente um material não é somente expressar-se, é possibilitar que esse material também se expresse, gerando, a contrapelo, comportamentos de simultaneidade com quem o trabalha, ou dialoga virtualmente. Tais comportamentos são de apreensão, compreensão e atuação.

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Quando as crianças estão em contato com as tintas, por exemplo, podem lambuzar-se, espalhando o material pelo corpo (mãos, pés, rosto, etc.) e pelas superfícies onde se encontra (chão, papéis, objetos, etc.). Nesse sentido, é importante evitar expressões, como: “não pode se sujar”, “cuidado com a roupa”, “não suje a mesa, nem o chão”, entre outras, pois podem inibir o processo de criação infantil. Como aborda Richter (2001, p. 53, grifo do autor), Só falta pedir para não sujarem os pincéis! Ou melhor: para não pintarem! Pintar e sujar tornam-se um ato só. Esses nãos geralmente são ditos em tom de voz já irritado e enojado pelo adulto de cara amarrada (talvez por suas lembranças de infância). Adulto preocupado e nada satisfeito ante o que já sabe que irá acontecer: o caos.

Ainda para a autora, esse caos pode ser aproveitado para a aprendizagem de cooperação entre as crianças e o professor durante a reor­ ganização do ambiente com a limpeza dos materiais, atividade que nem sempre é entendida como ação de aprendizagem e organização de pensamento. FAEL

Capítulo 2

Compreendemos que as linguagens da arte, no currículo, devem proporcionar atividades pedagógicas articuladas ao lúdico, ao jogo e ao brincar, pois possibilitam às crianças um olhar mais sensível e apurado, integrando-as aos espaços sociais, construindo o sentimento de pertença. As linguagens da arte podem contribuir significativamente para o desenvolvimento infantil, tendo em vista o potencial que podemos extrair delas. As ações que incluem o movimento, por exemplo, são ricas na interação simbólica que a criança estabelece com o seu contexto e oportunizam o crescimento pessoal. Martins, Picosque e Guerra (1998, p.  133), sobre esse assunto, relatam que “o encantamento do faz de conta vira teatro e deixa-se conduzir com um novo significado, isto é, representar com parceiros uma história fictícia para outros”. Dessa forma, as crianças legitimam os seus direitos no grupo, construindo relações entre o singular e o coletivo. Nesse processo de conexões entre corpo e espaço e corpo dialogando com outros corpos, as crianças também aprendem a ouvir, manifestar suas opiniões, respeitar as diferenças e a ordenar seu pensamento. Pular, correr, agarrar, passar por obstáculos e subir em objetos são ações ligadas à necessidade da criança de experimentar o corpo e desenvolver sua autonomia. A expressão corporal é, sem dúvida, um forte quesito para a construção de identidades. Da mesma maneira, a expressão sonora contribui para que a criança participe como ouvinte e intérprete e para que experimente a sonoridade do seu corpo, dos objetos, dos ambientes natural e cultural. Segundo Martins, Picosque e Guerra (1998, p. 131), “o modo de ser da linguagem musical tem como matérias-primas sons e silêncios articulados em pensamentos musicais. Assim, compor implica imaginar, relacionar e organizar sons, ouvindo-os internamente”. É possível, então, pensar em arte como linguagem, conhecimento, expressão, cultura e produção de sentido, compondo o universo curricular. Ainda para as autoras: A criança olha, cheira, toca, ouve, se move, experimenta, sente, pensa... Desenha com o corpo, canta com o corpo, sorri com todo o corpo. Chora com todo o corpo. O corpo é ação/ pensamento. Seu pensamento se dá na ação, na sensação, na percepção, sempre regado pelo sentimento. Convive, sente, reconhece e repete os símbolos do seu entorno, mas não é, ainda, um criador intencional de símbolos (MARTINS; ­PICOSQUE; GUERRA, 1998, p. 96). Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Esses aspectos nos remetem à arte no currículo, especialmente voltado à infância, período em que a criança age e pensa movida pelo imagético. Para Eisner (1988), a arte é fundamental no currículo, pois, no ato do fazer artístico, a criança torna-se capaz de expressar melhores ideias e sentimentos, desenvolve a autoestima, a empatia e a capacidade de simbolizar, além de possibilitar o pensamento flexível e a autonomia. O professor pode, ainda, ampliar os repertórios artísticos, estéticos e culturais das crianças, bem como as formas de comunicação, sociais e simbólicas, as quais são necessárias na construção de identidades. Isso nos mostra que a função da arte, através dos tempos, foi, continua e sempre será uma ação de construção da realidade. Nas artes, há uma construção de representações do mundo real e imaginário, que podem contribuir para que as pessoas criem para si mesmas uma possibilidade de futuro (EFLAND, 2005). Portanto, o objetivo essencial da arte, no currículo escolar e fora dele, é o de contribuir para a compreensão da “paisagem social e cultural” da qual cada um de nós faz parte. Vale refletir sobre as palavras de Fusari e Ferraz (1992, p. 52), quando afirmam que “todos nós nos extasiamos ao ouvir o canto dos pássaros e ver o nascer do sol ou a dança das borboletas, porque desenvolvemos um conhecimento específico de categorias sonoras, visuais, movimento, ritmo, etc.”. Permitir que as crianças vivenciem experiências sensíveis com as linguagens da arte possibilita a aquisição de saberes estéticos, desenvolvendo, nelas, um olhar mais perceptivo sobre o seu entorno.

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A arte no currículo da Educação Infantil: procedimentos metodológicos Que espaços a escola oferece para a criança no contexto da Educação Infantil? Espaços que promovem a autonomia ou que levam à passividade? Espaços que possibilitam a interação ou que reduzem o movimento? Existe o espaço ideal? O que pensamos sobre isso? De uma forma geral, observamos que as escolas, em sua grande maioria, ainda organizam seus espaços com móveis e objetos em excesso, ocupando a maior parte do ambiente, dificultando a mobilidade e as produções expressivas das crianças. FAEL

Capítulo 2

Em uma concepção que vê a criança como um sujeito em processo de aprendizagem, que se expressa e comunica-se por meio das linguagens sonoras, corporais e visuais, deve-se pensar nos espaços como construção de identidades. Os ambientes, portanto, são lugares de significações e intencionalidades. Neles e por meio deles construímos quem nós somos e quem desejamos ser. “A estrutura e o arranjo dos espaços escolares refletem culturas, filosofias e escolhas ali estabelecidas que favoreçam ou não a aprendizagem.” (MOGNOL, 2007, p. 118). As crianças pequenas são essencialmente sensoriais e, por isso, transitam pelos espaços buscando sentidos. De um lado para outro, tocam nos objetos, ativando o sentido do tato; experimentam coisas usando o paladar e o olfato; criam sonoridades, explorando o sentido da audição; movimentam-se descobrindo obstáculos, frestas e cantos, por meio do corpo em interação com o espaço, outros corpos e objetos. Para a organização desses espaços, são necessários a sensibilidade e o desprendimento do professor, no sentido de ceder à vontade de organizar tais ambientes apenas sob o seu ponto de vista, quando está preso a sentimentos de cuidar/proteger e à insegurança de romper com algumas rotinas. Algumas perguntas podem nos ajudar em nossas escolhas espaciais: quais espaços são motivadores para as crianças? Quais os que podem estimular sua curiosidade, desafiando-as a explorá-los? Pensar na organização espacial para as crianças, no contexto da escola, é pensar em possibilidades que provoquem sentidos e afetos, tanto nos ambientes internos, quanto nos externos. O mobiliário, os objetos e demais elementos que formam o ambiente interno, por exemplo, podem ser agrupados de modo a permitir o movimento das crianças. Além disso, é necessário pensar em espaços que promovam ações coletivas e individuais; espaços que respeitem a singularidade e a diversidade, nos quais todas as crianças sintam-se acolhidas e motivadas a aprender. Como aborda Richter (2001, p. 53), Torna-se fundamental o adulto planejar sua ação em relação à organização do espaço físico para suportar o inevitável e necessário caos inicial, pois são destes momentos, com a ajuda do adulto, que emerge a organização individual e coletiva da criança.

Deve-se atentar, todavia, para a organização desses espaços no que diz respeito aos cuidados necessários, evitando acidentes de percurso, Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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como: pisos escorregadios, angulações irregulares nas paredes, escadas sem proteção de corrimão ou portão, entre outros. E quanto aos objetos e brinquedos nesses espaços? A escolha deles pelo professor deve ser bastante cautelosa, pois pode envolver alguns riscos, e a segurança da criança deve ser preservada. Portanto, é preciso prestar atenção em brinquedos, como chocalhos com pontas ou de material frágil, que podem quebrar facilmente. Objetos e/ou brinquedos muito pequenos também podem causar danos, pois as crianças podem engoli-los. Pigmentos e massas constituídas de materiais tóxicos devem ser substituídos por aqueles que as crianças possam ingerir. Vale lembrar que, nessa fase, é comum elas colocarem objetos na boca, mordê‑los, pegá-los, esmagá-los ou colocá-los nos olhos, orelhas e nariz, por exemplo. Por isso, os materiais oferecidos devem ser selecionados cuidadosamente. As crianças, segundo Boff e Stamm (2006a, p. 11), [...] têm uma visão gestáltica, isto é, uma visão do todo. Não percebem detalhes como cílios nos olhos de uma boneca ou espelhos retrovisores em ca0rros. No entanto se encantam com bonecas de pano por serem quentinhas e aconchegantes e com carrinhos de rodas de madeira que podem ser puxados.

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A adequação do material é importante em todo o processo de construção da criança, pois alguns deles podem contribuir significativamente, como gizes de cera, têmpera, massas de modelar, papéis e suportes resistentes (por exemplo, caixas de papelão, cartolinas, papel kraft, dupla face, entre outros). A seguir, apresentamos algumas possibilidades de materiais para crianças pequenas.

Têmpera Material utilizado: uma caixa de ovo, vinagre, anilinas em cores variadas e água. Como fazer: separe a gema da clara, lembrando-se de retirar da gema a película que a reveste. Misture bem as gemas, colocando-as em pequenos recipientes, misturando a anilina, duas pequenas gotas de vinagre e um pouco de água. Bata as claras em neve e deixe descansar. Retire o soro e misture-o com anilina, duas gotas de vinagre e um pouco de água. FAEL

Capítulo 2

Receita de tinta caseira Material utilizado: um copo e meio de água, uma pitada de anilina (na cor desejada), uma colher de sopa bem cheia de amido de milho e uma colher de sopa de sabão em pó. Como fazer: colocar um copo de água para ferver, dissolvendo nela a anilina. Assim que ferver, despeje o amido de milho, já diluído em meio copo de água, mexendo rapidamente, sem parar. Engrossando essa mistura, retire-a do fogo, adicionando sabão em pó. Bata bem até esfriar. Receita de massa para modelar Material utilizado: duas xícaras e meia de amido de milho, uma xícara de sal, meia xícara de água, uma pitada de corante (na cor desejada) e umas gotinhas de vinagre. Como fazer: misture todos os ingredientes e leve a massa ao forno em banho-maria até que se desprenda da panela. Guarde em saco plástico ou vidro bem tampado. Cola colorida Material utilizado: cola branca, pigmentos ou guache. Como fazer: basta misturar todos os ingredientes. Guache Material utilizado: uma colher de sopa de carbonato de sódio, uma colher de sopa de pó xadrez, na cor desejável, duas colheres de goma arábica, vinte gotas de desinfetante, quarenta gotas de glicerina. Como fazer: basta misturar todos os ingredientes. Tinta nanquim Material utilizado: sete partes de pigmento xadrez, quatro partes e meia de goma arábica, seis partes de água, meia parte de glicerina, vinte gotas de desinfetante. Observação: uma parte equivale a ¼ do material. Como fazer: basta misturar todos os ingredientes.

Além disso, vale ressaltar a importância de estimular o contato com elementos da natureza, como areia, folhas, água, alimentos, barro e grama, possibilitando às crianças a construção de conceitos. Também é importante permitir o movimento da criança com os pés descalços sobre diferentes texturas, a exemplo: pedrinhas, tapetes, madeira, grama, areia, lama, além de superfícies quentes, frias, úmidas, ásperas e macias. Essas experiências poderão estimular as terminações nervosas, Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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possibilitando o exercício de preensão, que é imprescindível em todo o processo de amadurecimento infantil. Nessa fase de vida, o movimento corporal é vital para o desenvolvimento cognitivo e sensível da criança, pois ela é capaz de entregar-se “integralmente ao movimento permitindo que a profundidade aflore à superfície como expressão da própria vitalidade” (MEIRA; PILLOTTO, 2010, p. 72). Pelo movimento, a criança interage com as pessoas à sua volta, demonstrando suas necessidades e vontades. Nos movimentos corporais de braços, pernas, ombros, cabeça e pés, a criança amplia seu conhecimento espacial e inicia seu processo de consciência corporal. Segundo Boff e Stamm (2006b, p. 12), Ter consciência do seu corpo, da força de seus braços e pernas, da extensão de seus membros e do seu próprio corpo são alguns conceitos de sua corporeidade. Também é importante irem aprendendo aos poucos, através da interferência dos professores, quais as necessidades básicas do seu corpo, como, por exemplo, saber da necessidade de tomar água depois de brincar ao sol ou de jogar bola ou brincar de pega-pega. São conceitos básicos de necessidade física que devemos oferecer às nossas crianças.

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Da mesma forma, é possível perceber os sentimentos de alegria, tristeza, desagrado, dor, aflição, espanto e dúvida pelas expressões faciais, por meio das quais a criança se faz entender pelo adulto. Para que haja uma interação entre criança e professor, é fundamental que esse último esteja atento às manifestações corporais/expressivas de seus alunos. Na Educação Infantil, é necessário dar prioridade ao movimento, explorando e estimulando todo o corpo e a sua relação com o espaço e as outras crianças. Segundo Boff e Silva (2007, p. 88), [...] caminhar, correr, saltar, subir e descer escadas e rampas, subir em árvores são exercícios que a instituição educacional precisa favorecer, pois são eles que vão promover a consciência corporal, o freio inibitório para as atividades que preparam a criança para a escrita, a consciência rítmica, a localização espacial.

A partir das considerações referentes à arte no contexto da infância, vale refletir sobre a necessidade de mudança de postura do adulto diante das exigências de um novo tempo e de uma outra criança: a do século XXI. FAEL

Capítulo 2

A arte no currículo dos anos iniciais: procedimentos metodológicos Falar da arte no currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental é caminhar por duas questões relevantes: a primeira, quando existe, nas instituições educativas, a figura do professor de arte, e a segunda, e mais comum no Brasil, a não existência desse profissional. Como, então, lidar com essas situações? É importante considerar que, mesmo existindo a atuação do professor de arte nos anos iniciais, é imprescindível que o professor regente transite pelo campo da arte com as crianças e com esse profissional de forma integrada, em que ambos tomem decisões referentes ao projeto de ensino e aos processos de aprendizagem. Caso não haja o professor de arte atuando, o professor regente deverá incluir no seu projeto de ensino as linguagens da arte, não só por sua legitimidade na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, mas, principalmente, pelos benefícios que a arte possibilita nos processos cognitivos e sensíveis da criança. Um dos benefícios da arte na infância é a capacidade imagética da criança em articular situações reais com as do faz de conta. Desde o início de nossas vidas, estamos em contato com o brincar, seja correndo com outras crianças, brincando de pega-pega ou, ainda, quando imaginamos cenas a partir de um objeto, de um cenário ou mesmo de elementos muito simples, como batatas e grãos de feijão. São muitas as formas de se brincar e isso tem a ver com algo que difere da gente, seja o ar (vento), um pedaço de pau, uma pedra, uma fogueira, uma folha, um som, uma pessoa. Esses “materiais” estão plenos de sugestões, de ideias e de possibilidades que podem virar brinquedos, vindo ao nosso encontro ou vindo de encontro com a gente, gerando vínculos (­PEREIRA, 2002, p. 7).

Brincar, para a criança, é aprender, pois ela busca a satisfação da descoberta pela alegria de ver saciada a sua curiosidade. Nesse processo, a criança compreende o mundo que a cerca se reinventando em cada brincadeira. A arte relacionada às ideias do lúdico e da brincadeira nos remete ao prazer e dor da reinvenção. Dessa forma, a arte, os jogos e as brincadeiras infantis trazem uma relação entre o tempo e o espaço, entre o real e o imagético. Assim, para Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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as crianças, as aulas que envolvem as linguagens artísticas criam um espaço de experimentações que podem levá-las a melhor compreender o contexto cultural e estético do seu entorno, possibilitando a ativação da imaginação. Outro aspecto “é que a prática artística é vivenciada pelas crianças pequenas como uma atividade lúdica, onde ‘o fazer’ se identifica com ‘o brincar’, ‘o imaginar’9 com a experiência da linguagem ou da representação” (FUSARI; FERRAZ, 1993, p. 84). Quando a criança se expressa por meio das linguagens da arte está em constante aprendizado, articulando pensamento e ação. O ato de desenhar, bastante comum na infância, por exemplo, é parte constitutiva do desenvolvimento da criança. Muitas vezes, o desenho é compreendido pelo adulto como uma atividade sem propósito de aprendizagem; no entanto, ele é muito mais do que se possa imaginar. Nas palavras de Lima (1988, p. 47), “o desenho mesmo que, para o adulto, ele pareça algo estático, unidimensional no papel, para a criança ele é ativo, dinâmico, tridimensional e sequencial”.

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Se o desenho é, para a criança, ferramenta necessária para o seu crescimento, o que dizer dos estereótipos que insistem em permanecer nas escolas? E onde eles estão? Os estereótipos estão por todos os lugares: nas portas das salas de aula, nos murais, nas janelas, nas paredes, nos materiais “educativos” e nos moldes trazidos pelos professores, o que reflete diretamente na criação e produção infantil. Admirando os estereótipos as crianças querem imitá-los e copiá-los: dos murais, das cartilhas, das folhas mimeografadas que são obrigadas a colorir. Assim, aos poucos, vão desaprendendo o seu próprio desenho, perdendo a expressão individual e a confiança nos seus traços, começando a considerá-los “feios” ou “malfeitos”. Algumas crianças dizem então “não saber desenhar” e com isso estão querendo dizer que “não sabem fazer estereótipos”, que “não sabem desenhar igual à professora”. Estão, em última análise, mostrando que já se tornaram inseguras em relação ao desenho, não acreditam que são capazes. Os desenhos estereotipados empobrecem a percepção e a imaginação da criança, inibem sua necessidade expressiva; embotam seus processos mentais, não permitem que desenvolvam naturalmente suas potencialidades (VIANNA, 2010). FAEL

Capítulo 2

Como mudar esse contexto? Um dos caminhos é pensar na escola como espaço da criança, priorizando suas produções, vontades e desejos, estimulando seus processos de criação. Se assim o for, vale substituir os estereótipos por intervenções desafiadoras, tanto na conformação dos espaços quanto no uso de cores, formas e texturas diferenciadas que provoquem a imaginação infantil. Em cada início de ano, e no decorrer dele, a escola pode ser apresentada à comunidade de outras maneiras, por exemplo: murais e/ou painéis com fotos de atividades das crianças, produções infantis, exposições artísticas, sinalizações criativas, entre outras. Da mesma forma, reportamo‑nos aos eventos realizados na escola em datas comemorativas, nos quais as crianças, muitas vezes, apresentam coreografias, peças teatrais e musicais, construídas pelo professor de forma estereotipada. Nesse caso, sugere-se integrar esses eventos aos projetos de ensino, apresentando os processos e resultados de sala de aula. As crianças devem participar das escolhas e do desenvolvimento das ações, para que haja uma harmonia entre o que desejam apresentar e o professor, como organizador dessas ações. Também é importante que as apresentações dos trabalhos das crianças sejam pensadas pelo professor de uma forma criativa e respeitosa. Sinalizar os espaços e organizar material que apresente quais os processos de aprendizagem da criação foram realizados durante as experiências são ações que ajudam na comunicação. Da mesma forma, na organização de exposições didáticas, é fundamental que o professor pense em questões referentes ao espaço, à organização das produções e à sinalização e, principalmente, dê visibilidade às produções infantis. Durante esse processo, as crianças estarão aprendendo sobre respeito, argumentação, compartilhamento de ideias, decisão, entre outros. Outro aspecto de grande destaque, especialmente para os anos iniciais, diz respeito aos processos de leitura, sejam sonoros, visuais e/ou corporais. Segundo Manguel (2001, p. 21), As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens e alegorias. Ou talvez sejam apenas presenças vazias que completamos com o nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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No contexto da infância, a imagem está bastante presente nos desenhos, naquilo que as crianças observam, no contato com os objetos e com as mídias de uma forma geral. No entanto, há que se tomar cuidado com a forma que tratamos as imagens e as apresentamos às crianças. Segundo Hernández (2007, p. 83), “não se deve trabalhar em torno de apenas uma representação visual, ainda que se possa partir de um único exemplo”. Utilizar várias imagens, ­objetos e a­ rtefatos que fomentem a curiosidade reflexiva das crianças é um bom começo para que possamos, de fato, desenvolver uma compreen­são crítica e a sensibilidade. E o papel do professor nesse processo? Podemos dizer que é de mediador e provocador, pois se predispõe a indagar, criticar e motivar as crianças a criar, tendo como referência a produção cultural. “Deixam, então, de ser transmissores a uma audiência passiva, para transformarem-se em “atores”, junto com os alunos, em um processo de reelaboração de suas próprias experiências.” (HERNÁNDES, 2007, p. 89). Quando estamos diante de uma produção artística (visual, sonora e/ou corporal), estamos diante de nós mesmos; podemos descobrir algo que ainda não sabemos, recriando e ressignificando isso. Somos despertados para novas sensibilidades.

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É sobre esta questão que o professor/mediador/provocador deve centrar seus esforços: quais sentidos podem ser produzidos pelas crianças no contato com a produção artística? Quais aprendizados podem ser apropriados por elas ao ouvir uma história, uma música? Ou quando assistem a um filme, uma dança, um teatro? “Quando você assiste a um filme ou ouve uma música, é impossível interpretá-los desvinculados da sua história de vida e do momento no qual você vive a experiência estética. Você vê a obra de acordo com a sua ótica [...]” (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2009, p. 66). De fato, os processos de leitura, no contexto da infância, podem contribuir para que a criança perceba o mundo de uma outra forma, em uma outra perspectiva, para além da intelectual: a sensível. Ela pode ser tocada pela experiência com a arte, afetada na sua percepção, emoção e pensamento. Por isso, é válido o professor oportunizar os processos de leitura na sala de aula e fora dela, uma vez que vivemos envolvidos por múltiplas imagens e variadas interpretações e significações. FAEL

Capítulo 2

Da teoria para a prática Proposta: brinquedos e brincadeiras com arte

REPRODUÇÃO

●● Apresentar às crianças a imagem da obra Jogos infantis, de Pieter Bruegel, conversando sobre as temáticas percebidas por elas: bichos, crianças, espaços, brincadeiras, brinquedos, adultos, objetos, etc. No diálogo, questionar se elas têm contato com animas. Quais? Onde? Gostam deles ou não? Por quê? Explorar bastante a interação das crianças com as ações apresentadas na imagem. O encaminhamento desta atividade, com crianças de 0 a 3 anos, deve respeitar o tempo de atenção e envolvimento de cada uma delas. Com os bebês, o importante é trabalhar o visual, o tátil e a curiosidade, por meio das formas, cores, luz, textura, etc., podendo trazer elementos concretos, como objetos e brinquedos, de modo a contextualizar a imagem da obra.

Fonte: BRUEGEL, P. Jogos infantis, 1560. 1 óleo sobre painel de madeira, 118 x 160,9 cm. Museu de História da Arte, Viena.

●● Propor às crianças uma investigação, junto aos seus familiares, relacionada à temática brinquedos e brincadeira: quais brinquedos e brincadeiras estão na lembrança das famílias? Quais ainda hoje permanecem nas brincadeiras das crianças? ●● Organizar com as crianças um mural com os relatos trazidos e propor algumas brincadeiras com elas. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

Síntese Este capítulo propôs ao leitor a reflexão sobre alguns pontos referentes à inserção das linguagens da arte nos currículos da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. É evidente que pensar no currículo é pensar em ações implícitas e explícitas que fazem parte desse cenário, em seus protagonistas (crianças e professores) e em seus processos de aprendizagem. Nessa perspectiva, apontamos algumas questões imprescindíveis que devem ser levadas em conta no contexto da escola: os espaços, a ludicidade, os jogos e brincadeiras e os processos de leitura. Os procedimentos metodológicos também estão presentes no capítulo, sinalizando possibilidades para a sala de aula. Os temas selecionados para este capítulo visam alertar o professor para algumas situações de aprendizagem que exigem um olhar sensível e diferenciado, considerando não apenas os componentes cognitivos do currículo, mas, também, aqueles que desenvolvam o pensamento reflexivo, a capacidade criativa e a compreensão crítica.

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FAEL

Sincronias interativas: a arte como elemento integrador das demais áreas de conhecimento

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E

ste capítulo tem como meta provocar a reflexão sobre a importância de ações pedagógicas no contexto da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo a interdisciplinaridade como base constituinte do currículo.

A arte como elemento integrador: conexões metodológicas interdisciplinares Como vimos nos capítulos anteriores, a arte no currículo tem natureza interativo-interdisciplinar, pois agrega várias áreas do conhecimento: Filosofia, História, Geografia, Antropologia, Estética, Literatura, entre outras. Dessa forma, entendemos que os conteúdos e conceitos desenvolvidos no contexto da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental devem propor às crianças a discussão sobre as diversas culturas, costumes, tradições, produções e manifestações artísticas e espaços culturais, relacionando esses saberes, experiências e conhecimentos aos movimentos presente/passado. É fundamental incorporar ao currículo (escrito e vivido) conteúdos e conceitos referentes ao cenário social, econômico, político, artístico e cultural, bem como à origem cultural de crianças e professores. Alguns processos de aprendizagem se inserem por meio desse viés, como a criatividade, a invenção, a imaginação e as representações sociais. Espaços culturais, como museus, feiras de artesanato, arquivos históricos, teatro, cinema, concertos, e outros tantos, que materializam conceitos, ideias e questões presentes no cotidiano, são, também, espaços de aprendizagem.

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Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

Esses ambientes envolvem, de certo modo, a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos, ou seja, o processo que gera a conscientização das crianças para a compreensão de seus interesses, do meio social e da natureza que as cerca, por meio da participação em atividades grupais. Também contribuem para que aprendam a se organizar com objetivos comunitários, voltados à resolução de problemas. Nessa perspectiva, um dos aspectos relevantes é o campo da educação para a vida e seu gerenciamento. A educação transmitida pela família, no convívio com amigos nos espaços culturais e de lazer, é considerada tema importante em uma educação que prima pela postura interdisciplinar, formando uma rede de significados e de possibilidades diversas nos processos de aprendizagem. Qual a diferença entre a educação formal e não formal? Basicamente, o que diferencia uma da outra é que, na primeira, existe intencionalidade em criar objetivos para determinados fins. A educação não formal, ao contrário, decorre de processos espontâneos, ainda que carregados de valores e representações, como é o caso da educação familiar, da educação advinda de relações, de grupos de amigos, de turmas, entre outras.

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A interação entre os espaços da escola com outros espaços não formais da educação (por exemplo: museus, feiras de arte e artesanato, espaço gastronômico, teatro, bairros, associações) pode contribuir para a compreensão de professores e crianças de que os processos de aprendizagem estão em vários lugares. Na educação, seja formal (escola) e/ou não formal, o foco principal deve estar centrado na cidadania, nas conexões com a coletividade e com o aprendizado comSaiba mais partilhado. A voz, ou as vozes, A educação não formal designa várias dimenque entoam ou ecoam de seus sões tais como: aprendizagem política dos direitos protagonistas – crianças e prodos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho; a aprendizagem e fessores – são mescladas a sentiexercício de práticas que capacitam os indivíduos mentos, como desejos, dúvidas, a se organizarem com objetivos comunitários; a sensações, sonhos, entre outros. aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo; a eduAo se expressarem, as crianças cação desenvolvida na mídia e pela mídia (GOHN, articulam o universo de saberes 2006, grifo nosso). disponíveis com o esforço de Educação formal: reconhecida oficialmente, é apropriar/elaborar/ressignificar oferecida nas escolas em cursos com níveis, graus, a realidade em que vivem. Os programas, currículos e diplomas. (GASPAR, 2010). FAEL

Capítulo 3

códigos culturais são acionados e se desvelam nas emoções contidas na subjetividade de cada um. Para que possamos compreender a postura interativo-interdisciplinar, vale buscar a essência do conceito. Para Brinhosa (1996, p. 165), “a interdisciplinaridade é a possibilidade de interpenetração de conteúdo/ forma entre as disciplinas e o conhecimento universalmente produzido. Em outras palavras, trabalhar de forma interdisciplinar pressupõe o desenvolvimento de um projeto pedagógico no qual as diferentes ­áreas de conhecimento sejam tratadas na sua singularidade e, ao mesmo tempo, conectadas umas às outras, ou seja, “quanto mais eu souber do meu campo de conhecimento, mais condições terei de ouvir o que os outros campos têm a me dizer” (FAZENDA, 2005, p. 7). Trabalhar nesse viés exige uma visão do todo, desde o início das atividades até gerar um novo conhecimento de forma não fragmentada e que esteja vinculado à vida. Assim, desenvolver um projeto “de forma sistematizada e contextualizada requer uma mudança na postura político-pedagógica e no assumir, com real competência, o espaço sala de aula” (BRINHOSA, 1996, p. 167). O professor, em uma concepção interdisciplinar, precisa conhecer a criança e suas infâncias, suas dificuldades e desejos, para, a partir deles, buscar soluções para suas necessidades, construindo, assim, uma metodologia interativa. Para tanto, é necessário ouvir o que as crianças têm a dizer, pois essa escuta pode sinalizar atitudes e estratégias capazes de educar para a vida. A arte no currículo pode ser o elemento integrador, possibilitando a criação de metodologias, unindo os diferentes campos de conhecimento no processo de aprendizagem. Uma obra/objeto de arte, seja visual, corporal, sonora ou literária, pode possibilitar a contextualização geográfica, histórica, estética, ambiental, lógico-matemática, entre outras.

Arte e linguagem As diferentes linguagens (visual, sonora e corporal), no contexto da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, contribuem para a ampliação das formas da criança “ver, reconhecer, sentir, experienciar, imaginar e atuar sobre as diversas manifestações da arte” (CORSINO, 2006, p. 60). Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

As artes visuais normalmente lidam com a visão como o seu meio principal de apreciação. Consideram-se artes visuais pintura, desenho, gravura, fotografia, cinema, escultura, instalação, arquitetura, novela, web design, moda, decoração e paisagismo (adaptado de ­WIKIPÉDIA, 2010b). As artes cênicas são todas as formas de arte que se desenvolvem em um palco ou local de representação para um público. Muitas vezes, essas apresentações podem ocorrer em praças e ruas. Assim, podemos dizer também que o palco pode ser improvisado. Ou seja, o palco é qualquer local onde ocorre uma apresentação cênica. Podemos destacar as seguintes classes: tea­tro, ópera, dança e circo (adaptado de WIKIPÉDIA, 2010a). A música é uma forma de arte que se constitui basicamente pela combinação de sons e silêncio, seguindo ou não uma pré-organização ao longo do tempo. É considerada por diversos autores como uma prática cultural e humana. Atualmente, não se conhece nenhuma civilização ou agrupamento que não possua manifestações musicais próprias (adaptado de W ­ IKIPÉDIA, 2010h). 44

Portanto, nesta seção, a arte é apresentada como linguagem/expressão, possibilitando experiências sensoriais e estéticas por meio da musicalização, da corporeidade e das artes visuais, sempre de forma lúdica, conforme abordado no capítulo anterior, por meio de jogos e brincadeiras. A arte como elemento integrador das outras áreas pode construir conexões entre aspectos cognitivos e sensíveis; entre os saberes e as práticas cotidianas; entre o desejo e a realização de ser e conhecer; de transformar e transformar-se. Pode, ainda, articular as experiências artísticas, estéticas, históricas e culturais da criança, com as várias linguagens, expressões, áreas afins e processos comunicacionais. A inventividade e a produção de sentidos são marcas registradas do campo da arte, importante nos processos de desenvolvimento da personalidade e na construção humana. [...] o acesso à arte significa possibilitar às crianças, de qualquer idade, e aos professores(as), o contato e a intimidade com a arte no espaço escolar e, desta forma, abrir caminhos para a FAEL

Capítulo 3

experiência estética, provocando novas formas de sentir, pensar, compreender, dizer e fazer. Significa promover o encontro dos sujeitos com diferentes formas de expressão e de compreensão da vida (BORBA; GOULART, 2006, p. 50).

Está implícita, nessa concepção, que uma atividade pedagógica só é lúdica quando permite a fruição, a escolha, as descobertas, as perguntas e “as soluções por parte das crianças e dos adolescentes, do contrário será compreendida apenas como mais um exercício” (BORBA, 2006, p. 43). Estamos presentes no mundo quando construímos formas de relação, de inserção nele, formas de vê-lo. Quando nos manifestamos expressivamente, seja como autores, interventores ou apreciadores (dançando, pintando, desenhando, escrevendo, cantando, entre outras formas), elaboramos e reconhecemos de modo sensível nosso pertencimento ao mundo (BORBA; GOULART, 2006). No contexto da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, transitar de forma lúdica pelo universo imagético da criança é o maior desafio da arte no currículo da infância. Isso se dá por meio das linguagens, das construções poéticas, do corpo em movimento, dos sons, da brincadeira, das ciências e de outras tantas possibilidades. Para Fusari e Ferraz (1993, p. 109), [...] o fazer e a apreciação em cada uma das linguagens artísticas devem estar ligados a atividades lúdicas. Experienciando ludicamente a observação e o contato com as formas e diversos materiais artísticos as crianças se expressam, ao mesmo tempo que desenvolvem suas potencialidades estéticas.

A partir dessa citação, entendemos que a abordagem metodológica para a Educação Infantil e para os anos iniciais deve estar fundamentada nos seguintes pressupostos: ludicidade, jogos e brincadeiras, articulação entre as linguagens artísticas (visuais, sonoras e corporais), processos de leitura, vivências com suportes e materiais, construções poéticas e contextualização histórico-cultural. Com relação à ludicidade, aos jogos e brincadeiras, abordados em capítulos anteriores, é necessário que o professor leve em consideração que os processos de aprender na infância pressupõem o ato de brincar e imaginar. Nesse sentido, as linguagens artísticas podem contribuir significativamente. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

A articulação das linguagens artísticas deve ser compreendida como ação em rede, que integra as possibilidades de expressão e comunicação, por meio das linguagens e da produção de sentidos. A ideia é conectar as várias linguagens e expressões artísticas, ampliando as possibilidades das crianças no que diz respeito à comunicação, à interação, à interpretação e à apropriação do conhecimento. Nos processos de leitura, os professores poderão propor leituras de obras de arte, imagens em geral, objetos, instalações, histórias em quadrinhos, livros (literatura infantojuvenil), jornais, revistas, propagandas, etc., assim como de imagens móveis (vídeo, cinema, desenho animado, entre outros). Além dessas possibilidades, há, também, as leituras sonoras (óperas, orquestras, concertos, videoclipes, audições) e corporais (peças teatrais, leituras dramáticas, encenações, dança, etc.). As palavras de Paulo Freire (1988, p. 11-12) reiteram os aspectos citados anteriormente. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que posterior leitura desta não possa prescindir de continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto e contexto.

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Ao selecionar as imagens, as músicas, as peças, os filmes e as animações que serão levados à escola, os professores precisam verificar a sua qualidade e qual a inserção delas nos processos de leitura. Processos que envolvem ações de compaSaiba mais ração, apropriação, socialização e diferenciação são sempre neO termo instalação foi incorporado ao vocabulário das artes visuais na década de 60 do século cessários para o aprendizado e XX, designando assemblagens ou ambientes para o aprender a viver junto, a construídos nos espaços das galerias e museus. compartilhar.

Foi utilizado quando as propostas artísticas não se enquadravam mais as categorias de escultura. No artigo Instalação: campo de relações, de Elaine Tedesco, a discussão parte da seguinte perspectiva “o termo instalação foi pouco usado antes dos anos 80 para designar as propostas artísticas que não se enquadravam mais na categoria escultura [...]” (TEDESCO, 2004). FAEL

Na dimensão dos processos de leitura, as crianças ampliam suas potencialidades de interpretação, narração, avaliação e julgamentos, apurando o senso crítico e estético. Também as atividades de reflexão desenvolvem

Capítulo 3

a ­habilidade de ver, ao invés de simplesmente olhar, as qualidades que constituem o mundo visual – sonoro – corporal; um mundo que inclui e excede trabalhos formais de arte e cultura. [...] os artefatos visuais, sejam eles os produzidos pelos meios de comunicação, pela arte ou pela arquitetura, invadem, sem pedir licença, nossas vidas. Criam efeitos de realidades e elaboram modalidades de compreensão acerca do mundo. Hoje são produzidos infinidades de artefatos culturais; imagens, objetos, que demarcam as infâncias e ao mesmo tempo constroem narrativas em torno de como e o que estas infâncias são para nós e para as próprias crianças (CUNHA, 2007, p. 116).

Hoje, as opções que temos com relação ao conjunto de imagens e sons têm se ampliado significativamente, e as escolas acabam absorvendo as que estão acessíveis, especialmente as veiculadas pela mídia. Porém, enquanto essas são enfatizadas, “outras são excluídas e silenciadas nestes espaços” (CUNHA, 2007, p. 116-117). Imagens da arte local, da arte oriental, da arte indígena, do artesanato, da arquitetura, dos objetos cotidianos, por exemplo, também devem ser apresentadas e trabalhadas em sala de aula. A escolha por determinadas imagens efetuada pelas professoras direciona o que deveria ser um “gosto infantil”, generalizando todas as crianças como apreciadoras de tais imagens. Esta modelagem no gosto infantil implica retirar das crianças as suas singularidades e seus direitos de escolhas sobre outros universos imagéticos e simbólicos que elas convivem (CUNHA, 2007, p. 138).

Lidamos, muitas vezes, de forma paradoxal com a imagem e o som. Se, por um lado, apresentamos às crianças uma infinidade de imagens e sons, por outro, há uma escassez de propostas educativas que “envolvam a constituição da linguagem gráfico-plástica infantil. Assim, as crianças são alimentadas por imagens e ao mesmo tempo são privadas tanto de entendê-las quanto de produzi-las” (CUNHA, 2007, p. 139). Vale ressaltar que, muito embora a imagem e o som sejam uns dos mais persuasivos meios de comunicação, deve-se dar crédito ao seu poder social, político, histórico e cultural. As imagens e sons invadem os espaços públicos e privados, influenciando as formas de aprender, agir e transformar identidades, atitudes, comportamentos e valores de crianças e professores. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

Um currículo que se preocupa com a educação do olhar e busca um diálogo entre as questões pedagógicas, estéticas, sociais e culturais interessa-se, também, em possibilitar o encontro das crianças com a arte e a cultura, nas mais diversas manifestações. A experiência e o prazer no encontro com a arte, seja pela imagem, pela escuta ou pelo movimento, potencializam a apropriação, por parte das crianças, de diferentes linguagens “como formas de expressão e representação da vida: por meio da poesia, do conto, da caricatura, do desenho, da dança, da música, da pintura, da escultura, da fotografia, etc.” (BORBA; GOULART, 2006, p. 51). Trazer, para a sala de aula, uma imagem de obra/objeto de arte, músicas ou teatro ou levar as crianças aos espaços culturais, possibilitando o contato direto com a arte, é fundamental para o aprendizado. Essas são maneiras instigantes delas perceberem e construírem leituras de mundo, pois estão “impregnadas de conteúdos sociais que, portanto, podem ser analisados e debatidos, pelas várias interpretações que podem suscitar” (BORBA; GOULART, 2006, p. 49). Na linguagem sonora, é importante para a criança experienciar e improvisar possibilidades musicais, sejam corporais ou por meio de objetos. Segundo Martins, Picosque e Guerra (2009, p. 99),

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Na música, o movimento simbólico transforma o som de tambores em leões, flautas em pássaros, o de cocos em cavalos velozes. As canções interessam mais pelas histórias que contam, pelo jogo que propiciam, assim como as crianças inventam linhas melódicas que contam uma longa história.

As crianças se apropriam dos sons, transformando-os em elementos imagéticos e relacionando-os às suas experiências cotidianas. Assim, o professor, conhecendo as características infantis, poderá propor atividades sonoras, trazendo, além dos objetos comuns, também outros elementos, como: panelas, tampas, colheres de pau, potes de plástico, caixas de papelão, latas vazias ou cheias com areia, grãos diversos, pedrinhas, isopor, etc. Segundo Lino (1999, p. 64), A noção do conhecimento em música surge da ação da criança com a música, cuja característica fundamental é o movimento simultâneo e sucessivo de seus elementos (duração, altura, intensidade, timbre). Assim, dentro de um processo ativo e lúdico, a criança poderá construir seu conhecimento musical, quando interagir com os objetos sonoros existentes em seu contexto social. FAEL

Capítulo 3

É importante, também, oportunizar momentos de escuta, pois, assim, os pequenos estarão educando seus sentidos para a valorização da cultura musical. Por isso, é necessário um repertório variado e de qualidade, com diferentes estilos e épocas, respeitando, também, as opções infantis, sem perder de vista a formação do gosto musical. A seguir, veja alguns exemplos de atividades que envolvem a linguagem sonora.

1. Cantinho sonoro: sugerir às crianças para que tragam diferentes objetos encontrados na rua, na escola ou em casa, para compor o cantinho sonoro, local que será de pesquisa, manipulação, apresentação, exploração e classificação de objetos. 2. Seleção de músicas de vários gêneros: clássicas, regionais, populares, instrumentais e outras, para audição em momentos especiais, voltados, especificamente, para ouvir e usufruir música. Conversar com as crianças sobre as impressões que ficaram na audição: emoções, sensações, associações, etc. 3. Bandinha rítmica: construir instrumentos musicais com materiais alternativos (papelão, latas, plásticos, madeira, etc.), organizando uma apresentação musical com os instrumentos produzidos. Selecionar os instrumentos por categorias sonoras. É interessante gravar os sons, para ouvi-los com as crianças, comparando o som original e o gravado.

No que diz respeito às artes cênicas, que envolvem o jogo dramático, a improvisação, o movimento, etc., as possibilidades, no contexto da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, são muitas e variadas. Nessa fase, a abertura da linguagem cênica é o jogo simbólico. Dessa forma, qualquer objeto pode transformar-se em outro: a vassoura em avião, as xícaras vazias em cheias de chá ou café e os pratos vazios em vasilhas repletas de biscoitinhos. Os personagens também vão variando: professores, médicos, dentistas, bombeiros, entre outros. ­Nesse mundo imagético, tudo é possível, e o real dá lugar à fantasia. O professor pode contribuir nos processos de aprendizagem das crianças, motivando-as a vivenciarem situações diversas. Atividades de imitação (bichos, pessoas, situações, imagens, histórias, etc.) e a provocação de situações-problema podem ativar o pensamento, a imaginação e a criação infantil. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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O professor pode ter, em sua sala, um baú ou caixa com várias coisas, como indumentárias, objetos e roupas que possam motivar atividades cênicas com as crianças. Propor que construam cenários, improvisações e imitações com o que tem dentro do baú é um modo de oportunizar o processo imagético de cada uma delas, além de estimular o trabalho individual e coletivo.

Recursos cênicos como máscaras, maquiagem, figurinos, acessórios, sons, iluminação e objetos também são fontes valiosas para que as crianças possam buscar alternativas para aquilo que desejam fazer/produzir. Outra opção interessante é o teatro de animação, de marionetes, de mamulengos, de sombra, de fantoche, entre outros. Essas atividades contribuem para que as crianças se organizem coletivamente no que se refere aos espaços, objetos e instrumentos. Além das narrativas, tudo entra em jogo: o movimento, os sons, o cenário, o figurino, etc. Vale ressaltar que a linguagem cênica, nessa fase, não tem o obje­ tivo de “grandes apresentações”, mas tão somente de oportunizar às crianças a vivência de seu corpo no espaço, em um constante movimento imagético, coletivo, social e cultural.

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Também como expectador, seja de uma peça de teatro ou da apresentação corporal/cênica de outras crianças, o aluno aprende sobre essa linguagem, além da apropriação de valores, como respeito, solidariedade e afeto. Segundo Santos (1999, p. 123), “oferecer às crianças a oportunidade de apreciação de espetáculos teatrais pode constituir atividade extremamente enriquecedora e fascinante, capaz de despertar a curiosidade e o gosto pela arte teatral”. No entanto, deve-se tomar alguns cuidados com relação à escolha das peças que serão apreciadas pelas crianças, levando em conta aspectos de qualidade, faixa etária, tempo de duração e conteúdo, por exemplo. O ideal é que o professor tenha acesso às peças antes dos alunos, para que a seleção seja coerente, ou, ainda, buscar sugestões de professores específicos da linguagem cênica. De qualquer modo, é importante para o desenvolvimento cognitivo e sensível das crianças que o docente promova momentos em que elas possam experimentar atividades como protagonistas dos movimentos, sonoridades, espaços e situações. FAEL

Capítulo 3

Também nos processos de aprender a ler imagem, som, espaço e corpo, as crianças ampliam o conhecimento sensível, no sentido de que o sentir/experimentar possibilita novas ações e pensamentos e um maior envolvimento no contexto cultural. As crianças tornam-se “autoras de suas produções e de suas vidas ao mesmo tempo em que se responsabilizam pela nossa herança cultural, por descobrirem seu valor” (BORBA; GOULART, 2006, p. 55). Essa relação acontece também em função da interação, contemplação e apreciação da obra (visual, sonora e corporal). É uma “relação estética movida pela busca de compreensão de seu significado”. A criança entra em diálogo com a obra, “com seu autor e com o contexto em que ambos estão referenciados. Relaciona-se com os signos que a compõem, elabora uma compreensão dos seus sentidos, procurando reconstruir e aprender sua totalidade” (BORBA; GOULART, 2006, p. 50). Nesse movimento relacional, articulam [...] a experiência nova provocada pela relação com a obra – de estranhamento da situação habitual, de surpresa, de assombro, de inquietação – com a experiência pessoal acumulada – encontros com outras obras, conhecimentos apropriados nas práticas sociais e culturais vivenciados nos espaços familiares, escolares, comunitários, etc. – trazendo o seu ponto de vista para completar a obra. A contemplação é um ato de criação, de coautoria. Aquele que aprecia a obra continua a produção do autor ao tomar para si o processo de reflexão e de compreensão (BORBA; GOULART, 2006, p. 50).

Outro aspecto relevante são as vivências das crianças com suportes e materiais, que possibilitam o contato com oficinas expressivas, nas quais o ato do fazer artístico (visual, sonoro e corporal) seja priorizado. Também o manuseio de materiais e suportes contribui para o desenvolvimento da sensibilidade estética. Essas atividades motivam a “construção de formas de pensamento que permitam estabelecer relações entre os conteúdos veiculados e a sua transposição para novas situações relacionadas com aspectos artísticos ou com outras áreas do saber” (FRÓIS; MARQUES; GONÇALVES, 2000, p. 209-212). A experimentação é, portanto, imprescindível para as crianças, especialmente nessa faixa etária. A imaginação é aguçada pela Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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­surpresa no encontro com cada textura, forma, linhas, cores, sons e movimentos. Mais do que palavras, é na ação/fazer que as crianças constroem seus conhecimentos e aprendem a relacionar os conteúdos/conceitos apropriados às práticas cotidianas. Meira (2003, p. 22) afirma que: Trabalhar criadoramente um material não é somente expressar-se, é possibilitar que esse material também se expresse, gerando, a contrapelo, comportamentos de simultaneidade com quem o trabalha, ou dialoga virtualmente. Tais comportamentos são de apreensão, compreensão e atuação.

A construção poética é o momento da experiência com os saberes apropriados em arte e aquilo que manifestamos de forma expressiva, seja no campo das artes visuais, do teatro, da dança, da música e da literatura. Por meio dessas formas de expressão, as crianças desenvolvem suas possibilidades criativas e imagéticas, aprendendo a se comunicar com o seu entorno. Segundo Japiassu (2001, p. 45), se quisermos ampliar as experiências culturais da criança, é preciso fornecer a ela “uma base sólida para que venha a desenvolver sua capacidade criadora”. Portanto, quanto mais significativas forem suas experiências, maior e melhor será o material disponível para a imaginação.

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As várias linguagens da arte, como o teatro, a música, a dança e as artes visuais [...] representam formas de expressão criadas pelo homem como possibilidades diferenciadas de dialogar com o mundo. Esses diferentes domínios de significados constituem espaços de criação, transgressão, formação de sentidos e significados que fornecem aos sujeitos, autores ou contempladores novas formas de inteligibilidade, comunicação e relação com a vida, reproduzindo-a e tornando-a objeto de reflexão (BORBA; GOULART, 2006, p. 47).

A arte, portanto, no contexto escolar, toma essa dimensão quando contextualizada. Entende-se por contextualização o espaço em que professores e crianças estabelecem conexões entre os saberes apropriados com o contexto sociocultural. Ou seja, os conhecimentos em arte só farão sentido quando articulados com as suas vivências e construções imagéticas. FAEL

Capítulo 3

Qualquer que seja o conteúdo/conceito abordado, é necessário fazê-lo de tal forma que possibilite às crianças muito mais do que apenas informações históricas e biográficas dos artistas e contextos apresentados. É fundamental que o professor proponha ações em que os alunos possam, por meio de suas capacidades imaginativas e criadoras, relacionar fatos, fenômenos, experiências e proposições de ideias. Desejar saber mais sobre uma obra/objeto de arte (visual, corporal e sonora) e seu contexto vai depender sempre de como os professores encaminham seus procedimentos metodológicos. A ideia é que o façam de maneira em que as crianças consigam relacionar esses saberes às suas experiências, produzindo significados e sentidos. A história da arte, que, de certa forma, faz parte da contextualização, pode ajudar as crianças a situarem-se no tempo/espaço, por meio dos quais todas as produções artísticas e culturais se encontram, pois nenhuma forma de arte e de cultura existe em um vácuo descontextualizado. Acompanhando o processo de contextualização, a estética tem papel fundamental na composição de bases teóricas que permitem o julgamento da qualidade daquilo que se vê. Argumentamos sempre a partir do lugar em que estamos, agregando valores, crenças, experiências, conhecimentos e saberes. Além dessas dimensões, pensamos na arte como cultura, pois, como afirma Leontiev (2000, p. 127), Todos os níveis de identidade social baseiam-se na apropriação e assimilação da experiência, de valores e significados, de outras formas de mitologia social acumulada dentro do correspondente sistema social, que são transmitidas através do sistema de ensino.

Ou seja, a arte possibilita a experiência estética e as várias formas de ressignificar o objeto/espaço do qual nos apropriamos. As vivências vão tomando formas culturais, enquanto identidades construídas e transmitidas por meio do que internalizamos e materializamos em novas ações. Portanto, na abordagem da história da arte para crianças é “fundamental descrever o contexto histórico e cultural das obras apresentadas, relacionando esse conhecimento com as narrativas dos sujeitos” (FRÓIS; MARQUES; GONÇALVES, 2000, p. 209). Diante das questões abordadas, perguntamo-nos: quais conteúdos/ conceitos podemos desenvolver na Educação Infantil e nos anos iniciais Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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do Ensino Fundamental? De que forma e em qual perspectiva? É evidente que não existem fórmulas ou modelos únicos e definitivos. É preciso partir sempre das crianças, das discussões curriculares da escola, da comunidade e das diversidades culturais. No entanto, sinalizamos, a seguir, algumas possibilidades, que podem ser repensadas, recriadas e ressignificadas por cada um de nós5. A partir dos pressupostos conceituais definidos ao longo dos capítulos, é fundamental que a construção curricular, para o contexto da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, leve em conta: ●● a familiarização da e com a arte/cultura, por meio de brincadeiras sonoras, corporais e visuais; ●● a produção e criação de personagens por meio do corpo, do som, de objetos, de imagens, de situações, de indumentárias, etc.; ●● a construção de brinquedos por meio das mais variadas formas – dimensões diversas, com materiais alternativos e efeitos sonoros – possibilitando as brincadeiras infantis;

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●● as atividades de pesquisa com brinquedos folclóricos e de criação de brincadeiras; ●● a construção e a apropriação de jogos a partir de imagens de obras de arte, de revistas, de jornais e de multimídia, de sons e corpo – memória, dominó, jogo da velha, etc.; ●● a familiarização, apreciação, intervenção e relações diversas com imagens, objetos e espaços arquitetônicos por intermédio de processos lúdicos; ●● a intervenção e ressignificação das imagens fixas e móveis – obras de arte, imagens de revistas, fotografias, teatro, cinema, animação, multimídia, entre outras; 5 No item deste capítulo intitulado “Arte e linguagem”, mais especificamente no que se refere aos encaminhamentos metodológicos e definições de conteúdos/conceitos que podem ser desenvolvidos na infância, as ideias foram apropriadas do livro Uma educação pela infância: diálogo com o currículo do 1º ano do Ensino Fundamental, da autora e organizadora Silvia Sell Duarte Pillotto, juntamente com as organizadoras Leda Pereira e Carla Ropelato. FAEL

Capítulo 3

●● a criação e produção sonora a partir de imagens, poesias, objetos, textos, dança e outros meios; ●● o uso da expressão corporal a partir de imagens, objetos, sons e textos; ●● a construção de narrativas verbais a partir de imagens, objetos, espaços, sons e corpo; ●● a apreciação da produção local, como: feiras, artesanato, manifestações culturais, entre outros (PILLOTTO; PEREIRA; ROPELATO, 2009). A ideia é que as crianças desenvolvam seus potenciais relacionados aos modos como descrevem, selecionam, interpretam e interagem nas suas produções e nas produções dos demais, seja de outras crianças, artistas, artesãos ou pessoas que, de uma forma ou outra, manifestam-se expressivamente.

Arte e pensamento lógico

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Outra questão que merece destaque é a arte e suas interseções com o pensamento lógico. Nesse sentido, Morin (2001, p. 24) afirma que “todo conhecimento constitui, ao mesmo tempo, uma tradução e uma reconstrução, a partir de sinais, símbolos, sob a forma de representações, ideias, teorias, discursos”. Esse tipo de conhecimento/pensamento constitui uma nova forma de ver, ou seja, pressupõe um olhar por completo e não de forma fragmentada, isolada e individualizada. Ao mesmo tempo, é reconhecida a unidade dentro do diverso e o diverso dentro da unidade. Consegue, “reconhecer, por exemplo, a unidade humana em meio às diversidades individuais e culturais, as diversidades individuais e culturais em meio à unidade humana” (MORIN, 2001, p. 25). Nessa perspectiva, podemos dizer que as áreas da arte e da matemática, como pensamento lógico, tem muito em comum. Atividades nas quais as crianças necessitam do pensamento e do corpo para desenvolver ações de operar, ordenar, medir, produzir e interpretar são um bom exemplo dessa relação. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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A aprendizagem se dá, também, no momento da discussão, pois, ao justificar sua produção, a criança conceitua aquilo que, até então, era um simples recurso que utilizava, mas sobre o qual não havia refletido. Da mesma forma, trabalhar as identidades e o corpo, agregando a arte à matemática, é mais uma das opções possíveis. Pesquisar as idades das crianças e de seus familiares, Saiba mais estabelecer comparações entre as alturas e o peso, utilizando O tangram é um ótimo exemplo para o desenvolvimento do pensamento lógio corpo (individual e coletivo), co‑matemático e da arte. É considerado são situações que podem levar as um jogo, com sete peças recortadas, geralcrianças a perceberem o corpo mente, em papelão ou madeira, as quais, no espaço e as dimensões, além inicial­mente, formam um quadrado, mas, de construírem identidades. quando separadas, possibilitam inúmeras criações de formas diversas: humanas, animais, da natureza, etc.

Os processos de aprendizagem do espaço/forma, no contexto da escola (em sala de aula e fora dela), são possibilidades de compreender o corpo em movimento, relacionando-o a outros corpos e espaços. Assim, é fundamental que o professor proponha atividades nas quais os alunos percebam a escola como um lugar de invenção, no qual possam experimentar, conjecturar, relacionar, comunicar, argumentar e validar.

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Isso significa que aprendizagem sobre o espaço e forma não pode ser restrita apenas à identificação e/ou nomeação de formas. As crianças/alunos necessitam manejar relações espaciais em sua vida cotidiana, em sua localização ou na busca de objetos ou, na manipulação de objetos, nos deslocamentos em um bairro ou na cidade, em sua casa, na construção ou no uso de diversos objetos (PILLOTTO; PEREIRA; ROPELATO, 2009, p. 91).

Uma excelente atividade que pode desencadear boas questões e problemas é a construção de maquetes. Mais do que a simples elaboração e manuseio com os materiais, que podem ser alternativos, as crianças aprendem noções de bi e tridimensionalidade. É importante ressaltar que a tridimensionalidade é mais concreta para as crianças, pois elas podem andar em volta do objeto/maquete, perceber elementos, como tamanho, altura, dimensão, diâmetro, largura, observando suas mudanças no espaço de acordo com os diferentes pontos de vista (visão de baixo, de cima, do lado direito, do lado esquerdo, de perto, de longe, etc.). FAEL

Capítulo 3

Arte e matemática, enquanto linguagens, podem estar integradas em atividades que desenvolvam noções corporais, espaciais e simbólicas.

Arte e ciências sociais e ambientais No que se refere às relações entre arte e ciências sociais e ambientais, podemos enfatizar alguns aspectos relevantes, como exercitar o olhar crítico das crianças sobre as questões sociais e suas relações organizacionais. Atividades que envolvam o nome das crianças, suas origens, costumes e histórias são processos metodológicos que as ajudam a construir percepções sobre si, sobre o outro e sobre o mundo. Possibilitar o conhecimento de diferentes histórias em espaços/tempos diferenciados pode gerar mudança de atitudes, tornando as crianças mais compreensivas, mais autônomas e mais tolerantes. Nesse viés, temas como diversidade étnica, diferenças religiosas e múltiplas culturas passam a ser melhor compreendidas pelas crianças quando abrimos essas questões para o diálogo. Os espaços geográficos e históricos constituem-se elementos da coletividade e um excelente conteúdo para ser tratado com as crianças. Nessa discussão, é preciso possibilitar-lhes vivências que apontem para a importância do cuidado com o planeta e com todos os seres vivos, uma vez que fazemos parte deste complexo. A sala de aula pode ser um bom começo para exercitar os cuidados com a manutenção e preservação do patrimônio histórico e ambiental, estabelecendo valores de convivência e respeito com a natureza e com tudo que a cerca.

Uma sugestão de atividade é propor um projeto que envolva o bairro da escola e seus espaços, no qual os alunos identifiquem e registrem as diferentes paisagens, pessoas, plantas, objetos e arquitetura em uma caminhada coletiva. Após a caminhada, conversar sobre os registros, ampliando as observações com outras questões não contempladas, por exemplo: imagens de obras de arte que tenham como tema a natureza, assim como músicas, poemas e peças teatrais.

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Da teoria para a prática

REPRODUÇÃO

REPRODUÇÃO

Esta atividade tem a imagem da obra Verão, que faz parte da coleção As quatro estações, do artista Giuseppe Arcimboldo, como referência para as etapas dos exercícios propostos às crianças. A escolha dessa imagem se deu, especialmente, por ela possuir um caráter interdisciplinar, além de lúdico.

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Fonte: ARCIMBOLDO, G. Verão, 1573. 1 óleo sobre tela, 76 x 64 cm. Museu Nacional do Louvre, França. (As quatro estações.)

●● Mostrar a imagem às crianças e pedir para que comentem sobre o que identificaram nela e quais as impressões que tiveram: se é estranha, engraçada, bonita, feia, assustadora, etc. ●● Perguntar sobre o que lembra o quadro: alimentos, filmes, histórias, pessoas, etc. ●● Com a ajuda de um mapa, mostrar às crianças as regiões em que o solo é mais adequado para o plantio de determinados FAEL

Capítulo 3

alimentos; conversar sobre a climatização, vegetação e culturas alimentares. ●● Solicitar às crianças que tragam alimentos para a próxima aula (encontro), como: frutas, verduras, pães, geleias, bolachas, etc. ●● Junto com as crianças, separar os alimentos por categoria: frutas, verduras, legumes, cereais, etc. Perguntar se conhecem uma horta, se já foram com as famílias ao verdureiro ou ao mercado e se já experienciaram o cultivo da terra, plantando ou colhendo os alimentos, etc. ●● Apresentar às crianças o seguinte desafio: em uma mesa grande e forrada com papel ou plástico, completamente higienizada, fazer formas de rostos com lápis ou carvão. Cada criança, com as mãos esterilizadas, ficará em frente ao desenho da forma externa do rosto, pensando em como construir uma face a partir dos alimentos, também higienizados. É importante que o professor deixe os alimentos cortados (rodelas, tiras, fatias, etc.) e que as crianças usem instrumentos não cortantes. ●● Após a construção das faces com os alimentos, o professor poderá fotografar as produções das crianças e convidá-las a degustar os alimentos (um momento também para ser registrado). É importante aproveitar a festa para socializar as percepções, experiências, sabores e saberes apropriados na atividade. ●● O professor, junto com as crianças, poderá organizar um espaço de exposição (no pátio, na sala de aula ou em outro lugar que achar adequado), em que estejam presentes a imagem do quadro Verão e as fotografias dos processos e produções das crianças. A partir dessa exposição, os alunos poderão criar personagens e movimentos, sonorizando, a partir do corpo (mãos, pés, cabeça, tronco, voz, etc.) e/ou de objetos (latas, vidros, madeira, papelão, etc.). ●● Por fim, é importante conversar sobre a experiência de cada uma das crianças e sobre o quanto todos aprenderam sobre as culturas, a natureza, as artes (visual, corporal e sonora), as narrativas, as ciências, a história, a geografia, a matemática, entre outras áreas. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Síntese Este capítulo enfatizou o trabalho pedagógico interdisciplinar, no qual a arte e suas linguagens expressivas dão sustentação às conexões interativas. Dessa forma, alguns itens tiveram um destaque maior, como “Arte e linguagem”, que aponta para questões metodológicas referentes às artes visuais, cênicas e musicais. Na seção “Arte e pensamento lógico”, discutiu-se a importância da arte no desenvolvimento do pensamento reflexivo, tendo a matemática como elemento de integração metodológica. Por fim, em “Arte e ciências sociais e ambientais”, foram apresentadas possibilidades de um trabalho que prioriza a construção de identidades, bem como a consciência ambiental e de pertença planetária.

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Trajetórias expressivas nas conexões das linguagens artísticas

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prática pedagógica para a infância pressupõe a articulação das linguagens visual, corporal e sonora, uma vez que o pensamento das crianças se constitui por associação, interação e contextualização. Um exemplo sobre essa questão se refere ao ato de desenhar. Quando a criança desenha, sua imaginação é ativada por meio de experiências (tátil, olfativa, gustativa, auditiva, visual, corporal) e ela vive o desenho como se fosse real. 61

Articulações metodológicas das linguagens da arte: visual, sonora e corporal Nesta seção, é importante sinalizar algumas possibilidades de propostas metodológicas que articulam as diferentes linguagens da arte. Vale destacar que os processos de apropriação da arte/cultura, no contexto da infância, podem ser múltiplos: como conteúdo/conceito, como recurso pedagógico, como mobilizador do aprendizado, como fruição, entre outros. A criança aprende conteúdos/conceitos de arte/cultura quando o professor apresenta propostas desafiadoras e, ao mesmo tempo, significativas e prazerosas. Ela pode aprender, no contexto da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sobre questões estéticas, sobre história da arte e procedimentos de leitura (visual, sonora e corporal), desde que esteja motivada para essa aprendizagem. Como recurso pedagógico, a arte/cultura pode trazer benefícios no que diz respeito à emoção, à afetividade e à sensibilidade, por meio de propostas que oportunizem as manifestações expressivas, artísticas e

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culturais da criança. No que se refere à arte/cultura como mobilizadora da aprendizagem da criança, é importante destacar que as áreas do conhecimento podem ser articuladas às suas expressões, como desenho, pintura, modelagem, música e teatro. Como é possível, então, desenvolver uma proposta em modelagem sem possibilitar o aprendizado lógico-matemático, da espacialidade, do corpo e das formas imagéticas e reais? Como desenvolver propostas de leitura sem provocar a percepção estética, ou seja, a fruição? Tudo isso, é relevante dizer, deve estar permeado pelo prazer de aprender. Outro aspecto que deve ser levado em consideração diz respeito às temáticas a serem trabalhadas no contexto da infância. É fundamental que o professor ouça o que as crianças trazem como propostas, além daquelas que ele pensa serem importantes para o aprendizado delas. Alguns temas são instigantes, como identidade, natureza, cidade, animais, corpo/espaço, brinquedos e brincadeiras. A partir da abordagem até aqui realizada, apresentaremos, a seguir, uma das possibilidades de articulação metodológica, envolvendo as linguagens sonora, visual e corporal, tendo como tema os animais.

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Iniciamos com a preparação do material pedagógico pelo professor. É necessário pesquisar em livros, revistas, jornais, animações, poemas e músicas sobre a temática proposta, selecionando aquilo que possa ser mais instigante para as crianças. As imagens podem ser preparadas, isto é, recortadas e coladas em suporte mais consistente, como cartolina, papel cartão, papelão, etc., e protegidas por papel contact. Isso facilitará o contato dos pequenos com o material, evitando desgastes e danos. Em seguida, é importante que o professor organize suportes de formas e tamanhos diferenciados, como triângulos, quadrados, retângulos, círculos, nos quais poderá fazer a silhueta de animais diferentes, a partir da pesquisa e do material anteriormente preparado. Além disso, será necessário providenciar um gravador, folhas de papel kraft em tamanho maior, cola, tesouras, barbantes, giz, guache, pincéis, pincel atômico e fita adesiva. Iniciando a atividade, o professor deverá distribuir para as crianças, de forma aleatória, os suportes em tamanhos e formas diferentes, com as silhuetas de animais esboçadas. Em seguida, as crianças podem ser estimuladas a falar sobre as impressões causadas pelos esboços: a siFAEL

Capítulo 4

lhueta lembra o quê? Algum animal? Vocês têm animais de estimação? Quais? Conhecem algum? Gostam de animais? Têm medo de animais? Brincam com eles? Sabem das suas necessidades? Já foram em algum lugar que tivesse muitos animais? Zoológico? Fazenda? Além dessas, outras questões podem surgir. Após essa conversa, as crianças podem ser provocadas no sentido de perceberem detalhes do animal imaginados por elas a partir da silhueta recebida. É possível ajudá-las com perguntas que possam identificar o animal imaginado. O animal tem pele? Pelo? Penas? Couro? Casco? Sua textura é lisa? Macia? Áspera? Espinhosa? Enrugada? Melequenta? Gosmenta? Fria? Quente? Posteriormente, a tarefa será estimular as crianças a preencherem a silhueta (texturas) a partir das percepções que tiveram, sem se preocupar em representar fielmente o animal. Nessa atividade, o professor estará envolvendo ações a partir da textura visual (processos de leitura de imagem e textura tátil) quando a criança tem contato com diferentes materiais e suportes artísticos, sentindo as sensações táteis. Em seguida, as crianças podem ser convidadas a recortar ou não o animal texturizado por elas, sendo livre essa decisão, ou seja, algumas poderão preferir permanecer com o suporte inalterado. O professor, então, deverá colocar as folhas de papel kraft (o tamanho e a quantidade dependem do número de crianças) presas ao chão, para que as produções, após conversa e observação dos pequenos sobre elas, possam ser coladas nesse suporte, criando contextos. Por exemplo: paisagem, fazenda, casa, praça, etc. Se o grupo for muito grande, pode haver dois suportes, um para cada subgrupo. Em uma próxima etapa, deve-se propor aos alunos que construam sons a partir do corpo e/ou de objetos, tendo como referência o contexto criado. As sonoridades serão gravadas e, em seguida, ouvidas pelo grupo com alguns questionamentos: esses sons são os mesmos executados anteriormente? Eles estão relacionados com a temática proposta? Lembram sons de animais? Quais? Lembram outros sons? Quais? Que outras lembranças os sons despertam em vocês? Na sequência, as crianças deverão ser estimuladas a criar movimentos corporais, tendo como base suas produções e os sons gravados. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Durante esse exercício corporal, a gravação dos sons deve estar em uma altura audível, atuando como suporte sonoro. Finalizando, o professor poderá apresentar às crianças as diversas imagens (de revistas, jornais, literatura infantojuvenil, etc.) pesquisadas por ele anteriormente. Nesse processo, os alunos identificarão convergências e divergências, tanto entre as imagens apresentadas quanto entre elas e suas produções. Uma roda de conversa é fundamental para que as crianças comentem suas experiências e para que seus processos de aprendizagem possam ser identificados pelo professor.

Projetos pedagógicos como proposta interativa Em uma proposta interativa, de que forma é possível desenvolver um projeto educativo? Evidentemente, os encaminhamentos estarão sempre atrelados aos conceitos e objetivos que norteiam o entendimento de projeto que tem o professor. Inicialmente, é importante identificar quais aprendizagens são necessárias para as crianças no tempo/espaço em que se encontram e quais possibilidades são pertinentes, respeitando as diversidades e as falas dos alunos. O professor poderá provocar o interesse das crianças em relação a situações-problema, sempre se preocupando em criar momentos significativos nos quais os processos de aprendizagem estejam presentes.

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A partir da observação e de conversas com as crianças, é importante listar aquilo que elas já conhecem, quais os seus interesses, desejos, curiosidades e dificuldades, que poderão sinalizar ações para o projeto. Essas ações devem apontar o que é necessário que as crianças aprendam e como elas podem fazer isso. Quanto à organização das ações, é fundamental definir a distribuição de tarefas, onde e como serão realizadas, qual o tempo a ser disponibilizado e como será avaliado o projeto. O desenvolvimento de um projeto educativo deve mostrar as diferentes formas de se buscar informações, seja por meio de visita de estudos, pesquisa na internet, em biblioteca, com familiares ou convidados. É relevante que as crianças aprendam como é o processo de obtenção de informações e qual a contribuição delas no seu aprendizado. FAEL

Capítulo 4

O papel do professor é o de ajudar os alunos a interpretarem as informações coletadas, estabelecendo prioridades e integrando-as às suas realidades. Nesse processo, eles aprendem a organizar o pensamento, a tomar decisões e a aceitar interferências de outras pessoas na resolução de problemas, refletindo sobre a sua participação como sujeitos de ação. Além disso, em um projeto educativo, todos devem estar envolvidos, desde sua concepção inicial até a sua finalização: escolha temática, levantamento de questões-problemas, coleta de dados, pesquisa, interpretação dos dados, escolha das atividades artístico-culturais, avaliação dos processos de aprendizagem, organização de portfólio e sua socialização. A partir disso, pode ser gerada a construção de novos projetos.

Avaliação e registro O registro é um fundamental subsídio para os processos de aprendizagem, incluindo os de avaliação. Nessa concepção, avaliar é aprender, ou seja, os processos avaliativos devem constar em todo o andamento de um projeto e não apenas no seu final. São várias as possibilidades de registro do professor, desde cadernos de anotações até fotografias, filmagens, gravações de voz, desenhos, cadernos de bordo e o portfólio, que pode agregar todos esses elementos. É importante destacar a relevância de o professor construir seu próprio portfólio e, também, de integrar-se ao das crianças. Assim como no projeto, a maneira como a avaliação é abordada está relacionada às concepções de educação, ensino e aprendizagem e à postura do professor frente ao mundo. Todas as ideias, crenças, ideais e desejos estão inseridos na avaliação e sinalizam o que somos e quem pensamos ser. A avaliação compartilhada pode ser um dos caminhos a serem trilhados no contexto da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Ela acontece quando crianças e professor discutem acerca dos aprendizados, seus avanços cognitivos e sensíveis, bem como sobre suas dificuldades e alternativas para superá-las. O portfólio é uma possibilidade eficaz, oportunizando a troca de experiências entre crianças e professor, agregando outros personagens da comunidade. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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No portfólio, são incluídos, de forma intencional, elementos como: fotos, escritos, filmagens, imagens, músicas, poemas, desenhos, textos, entrevistas, etc. Caracteriza-se como de natureza interativa devido ao diálogo permanente entre os envolvidos durante sua construção. É, também, um facilitador por dar visibilidade às diversas fontes e informações, bem como por deixar clara a trajetória de aprendizagem das crianças e do professor. O portfólio documenta e celebra o que as crianças sabem, podem e desejam fazer. É muito comum as ouvirmos dizer: “não sou capaz de fazer”; “não sei fazer”; ”não desejo fazer”. O portfólio permite a transformação dessas frases para “eu posso, desejo e sei fazer”. Sendo assim, esse instrumento de avaliação permite que as crianças possam “ver as suas próprias mudanças, realizadas ao longo do tempo, e possam partilhar a sua viagem no desenvolvimento e na aprendizagem com os outros” (PARENTE, 2004, p. 59). Em outras palavras, é preciso priorizar os processos singulares e coletivos de aprendizagem, e ao professor cabe compreender as diversidades, criando situações que ampliem o repertório dos alunos nas suas vivências em grupo, na família, na instituição e com outras crianças.

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A construção de um portfólio estará sempre balizada pelas perspectivas pedagógicas, pelos documentos oficiais e legais (nacionais, estaduais ou municipais) e pelas concepções apropriadas e mediadas pelo professor e pelas crianças, sendo articulada aos nossos contextos, histórias, experiências, conhecimentos, crenças e valores. Esse instrumento é fundamentado em metas objetivamente definidas e explícitas, que devem ser desenvolvidas coletivamente. Vale dizer que não existe uma só forma de construção de portfólio; portanto, as metas também são flexíveis e atreladas às necessidades e interesses do grupo. Apontamos, aqui, algumas possibilidades estruturais para a construção de um portfólio. Sugerimos o uso de um suporte de papel no tamanho A3, para dar maior visibilidade às produções, e uma capa resistente, para que as crianças possam manusear, podendo ser personalizada (se o portfólio for individual) ou pensada no coletivo. O interior do portfólio pode ser definido por categorias, o que facilita na seleção FAEL

Capítulo 4

das produções, projetos, falas e imagens a serem incluídas nele. Acompanhe, a seguir, algumas categorias que podem ser levadas em conta: áreas de conhecimento, comunicação, arte, social e emocional, resolução de problemas. ●● Áreas de conhecimento: aspectos referentes às aprendizagens dos conteúdos/conceitos das diferentes áreas de estudo. ●● Comunicação: aspectos referentes às interações entre crianças e comunidade – passeios, visitas de estudos, eventos, projetos integrados, etc. ●● Arte: essa categoria dá visibilidade às produções artístico-culturais das crianças nas linguagens visual, sonora e corporal. Algumas produções, especialmente as tridimensionais, corporais e sonoras, podem ser apresentadas em forma de fotografias e/ou gravações em áudio e/ou vídeo. ●● Social e emocional: aspectos referentes às relações entre as crianças e entre as crianças e seu professor. São interessantes nessa categoria: frases, perguntas, colocações, situações inusitadas, interação com a comunidade, entre outras. ●● Resolução de problemas: nessa categoria, pode ser evidenciado como surgiram as situações-problema, quais as alternativas para solucioná-las, como se deu o processo e quais os resultados obtidos. Em todas as categorias, os processos de aprendizagem devem ser evidenciados, uma vez que o portfólio é um instrumento avaliativo que destaca as trajetórias de apropriação de saberes e conhecimentos. No entanto, os processos de aprendizagem não se findam na construção do portfólio. É necessário avaliá-lo continuamente para que possamos compreender como as crianças aprendem, como se manifestam nas mais diversas expressões e linguagens, quais dificuldades encontradas no processo e quais alternativas para superá-las. Segundo Parente (2004, p. 77), “a análise e interpretação do portfólio não podem ser entendidas como um fim em si mesmo, mas como um meio para atingir um fim. O fim almejado é a avaliação do desenvolvimento e da aprendizagem [...]”. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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A análise do portfólio não está reduzida apenas em identificar quais as potencialidades e competências das crianças, mas, sobretudo, na possibilidade de avaliação do processo como um todo: planejamento e projeto, desenvolvimento e percurso, crescimento ­intelectual, sensibilidade e outras tantas questões que vão redimensionando as ações educativas. Nos processos avaliativos, deve-se considerar o respeito às especificidades da infância, possibilitando a formação de seres humanos autônomos, conscientes e livres. Dessa forma, é necessário que a avaliação esteja inserida e articulada ao trabalho pedagógico: Para que a avaliação esteja realmente a serviço dos aprendizados, é necessário que o professor queira colocar as informações obtidas com a avaliação (na sua função esclarecedora) a serviço do seu trabalho pedagógico, no intuito de ajudar os alunos a progredir. A avaliação poderá, então, adquirir essa dimensão de ajudante que de imediato ela não possui (HADJI, 2007, p. 28).

Para a avaliação tornar-se formativa, Hadji (2001) considera ser importante que se tenha a intenção de avaliar para formar, ou seja, a avaliação precisa fazer parte de um projeto maior: o de formar seres sensíveis e abertos para a vida. Precisa, também, comunicar as pessoas envolvidas no processo: o professor, que será informado sobre a dimensão do seu trabalho pedagógico, contribuindo na regulação da sua ação, e a criança, que poderá saber como está sua aprendizagem, reconhecendo-se e superando-se.

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A avaliação na educação de infância deve possuir algumas características que assegurem que os procedimentos efetuados tenham em conta a idade e as características desenvolvimentais das crianças, a articulação entre as diferentes áreas e domínios de conteúdo e a visão da criança como uma pessoa com competência que participa ativamente na construção do conhecimento (PARENTE, 2004, p. 39).

A autoavaliação é outro instrumento que deve ser considerado no processo de aprendizagem da criança. O professor deve ser um orientador e regulador externo e só deve intervir quando os instrumentos de regulação da criança estiverem bloqueados. Esse instrumento avaliativo beneficia o processo educativo, ensinando a criança a se perceber enquanto sujeito de aprendizagem e desenvolvendo a sua autonomia para buscar soluções nas suas dificuldades. FAEL

Capítulo 4

Na área de arte/educação, a autoavaliação é fundamental, pois, durante o processo artístico, a criança, em seus comentários, pode compreender situações diversas, que contribuirão para a tomada de decisões, inventividade e crescimento intelectual e sensível. Nos processos de avaliação, o professor deve estar atento para algumas questões: o que está sendo avaliado? Como está sendo avaliado? Quais os benefícios dessa avaliação para o desenvolvimento cognitivo e sensível das crianças? Em arte/educação, os instrumentos de avaliação são os mais diversos, pois agregam múltiplas linguagens e tratam não somente dos aspectos cognitivos, mas, principalmente, dos sensíveis, que são, na maioria das vezes, subjetivos. Ou seja, é mais um motivo para se ter um olhar mais cuidadoso sobre as formas de avaliação. As expressões das crianças, em arte/educação, são evidenciadas nos processos de aprendizagem, como no desenho, na pintura, na modelagem, na escultura, nas técnicas mistas, entre outras. A observação deve estar centrada nos avanços da criança. Por exemplo, na medida em que ela amplia o seu traço e aumenta o repertório das cores, das texturas, das linhas, das formas, dos espaços e dos suportes, ela está progredindo, tanto intelectualmente, quanto na sua expressão e comunicação. A ideia não é julgar se a produção está “bonita e bem acabada”, mas, sobretudo, perceber o que foi ampliado em se tratando de aprendizagem das linguagens da arte. Além disso, é preciso atenção do professor, para não comparar as produções das crianças, pois cada uma delas deve ser respeitada em sua singularidade e diversas potencialidades. A comparação deve ser com o progresso do próprio aluno, ou seja, o que ele já sabia e foi ampliado, o que ele não sabia e agora sabe, como ele se manifestava expressivamente (corpo, som, espaço, desenho, etc.) e como ele, agora, expressa-se. Outro aspecto a ser considerado é a forma de registro em notas. Especialmente para as crianças da Educação Infantil e dos anos iniciais, a nota numérica não é a adequada. Assim, o professor pode pensar em avaliar os processos de aprendizagem mediante análise do portfólio e das maneiras expressivas com que as crianças se manifestam, sempre estando atento à questão da avaliação como instrumento de aprendizagem e não de medição de capacidades. Se a nota for uma exigência Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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inevitável da escola, é preciso cautela para que a avaliação não se torne um bloqueador das capacidades expressivas do aluno. Nesses casos, jamais deve-se assinalar a nota ou fazer comentários nas produções das crianças, pois essa ação aponta para uma intervenção nem sempre compreendida por ela.

Da teoria para a prática Um passeio pelas redondezas da escola ou por algum lugar especial na cidade é uma ótima oportunidade para que o professor provoque seus alunos para o seguinte desafio: ●● sugerir às crianças a elaboração de um roteiro para passeio – o que visitar, qual o trajeto, o que levar, o que registrar, qual a duração do passeio; ●● as crianças poderão levar blocos de desenho e giz de cera, lápis preto, máquina fotográfica ou outro material que desejarem levar para fazer os registros daquilo que veem e do que percebem sobre os aspectos interessantes para elas;

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●● no retorno à escola, no chão ou em outra base, o professor deverá expor o que foi registrado pelas crianças para dialogar sobre as impressões trazidas por elas; ●● após essa conversa, poderão organizar um mural coletivo, classificando categorias coletadas – paisagens, pessoas, animais, prédios, casas, ruas, etc.; ●● a seguir, o professor poderá propor às crianças a criação de improvisações e/ou dramatizações (dependendo da idade), a partir do contexto do mural. Essas dramatizações podem incluir sonoridades, indumentárias, cenários e diálogos; ●● ao final da atividade, a proposta será uma autoavaliação, na qual a criança poderá expressar os seus processos de aprendizagem, identificando aspectos significativos do trajeto, registros e produções. O professor pode conduzir a autoavaliação em forma de questionamentos e provocações, de acordo com as idades e contextos. FAEL

Capítulo 4

Síntese Este capítulo tratou de questões referentes às conexões entre as linguagens sonora, corporal e visual nos processos de aprendizagem em arte. Também foi enfatizada a importância do projeto educativo, tendo como eixo articulador uma temática condizente e atrativa para as crianças da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Um exemplo foi apresentado, no sentido de provocar a reflexão sobre as possibilidades existentes em um projeto educativo. Além disso, outros aspectos destacados foram o registro e a avaliação, com foco no ­portfólio e na autoavaliação.

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Práticas educativas

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ste capítulo tem como objetivo apresentar ao leitor três relatos de experiências envolvendo as linguagens da arte, que poderão ser norteadores para o trabalho do professor no contexto da Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Conexões com as linguagens da arte: questões ambientais O relato aqui apresentado foi desenvolvido com uma turma de trinta alunos do 4º ano do Ensino Fundamental, em uma escola de Joinville, Santa Catarina, no ano de 2009. As ações aconteceram durante um semestre na disciplina arte/educação. Em conversa com a professora da classe, ponderou-se a necessidade de abordar, com as crianças, temas envolvendo as questões ambientais, por se tratar de um dos mais importantes assuntos da atualidade, que envolve a consciência planetária. Dessa forma, em uma primeira etapa, realizamos experiências educativas e estéticas com os alunos, tendo como objetivo trazer à tona o interior de cada um deles, por meio de conversas sobre as suas dúvidas, suas dificuldades de integração ao grupo, sua timidez e seus medos. Propôs-se, também, o desenvolvimento de atividades expressivas através do corpo/espaço, de leituras de objetos/imagens, de sons e movimento. A ideia foi olhar para si, para olhar o outro. Muitas vezes, em um primeiro contato com as crianças em situação de aprendizagem, percebe-se certo constrangimento e insegurança nas

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primeiras atividades de interação e construção de vínculo afetivo. Assim, foi proposto um exercício de sensibilização, em ambiente externo à escola, sugerindo a formação de um círculo entre elas. Foi retirado, então, de dentro de um “saco surpresa”, um rolo de barbante colorido. A proposta era bastante simples: iniciamos dizendo uma palavra que representasse quem éramos ou o que pensávamos. O nome foi provisoriamente substituído por essa palavra-chave, que talvez pudesse nos revelar muitas coisas de nós mesmos e dos outros. Pronto! O jogo estava iniciado. Após a palavra ser dita, o rolo era entregue a uma próxima criança, e assim consecutivamente, até que todos pudessem se expressar. Ao término dos sons das palavras, um emaranhado de linhas tramadas formava um desenho no espaço. Um desenho multicolorido, com multiformas e multividas. Então, um segundo desafio foi apresentado ao grupo. A música tocava ao longe, ora em ritmos rápidos, ora em ritmos lentos. Ora sons conhecidos, ora sons estranhos aos nossos ouvidos. A partir dos ritmos, apontávamos para uma criança do grupo, que entregava o seu barbante para a criança ao lado e, em seguida, cumpria o desafio de movimentar‑se corporalmente, no ritmo da música, entre a teia de fios, evitando tocá-los com seu corpo.

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Todos interagiram, ajudando os colegas, levantando ou baixando os fios e seguindo corporalmente os ritmos. Muitos risos, olhares surpresos e expressões alegres, leves e afetivas! O processo havia começado. Instalava-se, nesse momento, uma cumplicidade, laços de afeto e de compartilhamento. Após esse primeiro momento de sensibilização integrativa, levamos o grupo para outro espaço, agora interno, composto por quatro mesas compridas, com algumas bancadas. Quando todos já estavam acomodados, esperando o próximo desafio, de dentro do “saco surpresa” puxamos um grande envelope lacrado. Olhando fixamente para o grupo, perguntamos: o que pode estar contido nesse envelope? Risos, muito risos. Largamos o envelope e distribuímos para cada criança uma folha de papel A3, colocando à disposição materiais como: tesouras, cola colorida, giz, guache e pincéis. Solicitamos para que cada um retirasse do envelope um pedaço de papel. Feito isso, sugerimos que olhassem cuidadosamente para o fragmento de papel e iniciassem um processo de reflexão: que FAEL

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outras imagens podem lembrar a partir desse fragmento? Imagens de objetos, filmes, livros, obras de arte? Lembranças de situações, sensações, inquietações? Quais impressões esse fragmento causa a vocês? Paz, tranquilidade, saudade, agitação, turbulência? Os fragmentos formavam a imagem da obra Fachadas em Ocre, de Alfredo Volpi, que foi recortada em diversas partes. Portanto, resumia-se em pedaços de cores, formas e fachadas arquitetônicas, o que poderia sinalizar diversos contextos imagéticos! Segundos, minutos de reflexão. Informamos, então, às crianças que cada uma delas tomaria uma importante decisão: escolher em que espaço da folha seria colado o fragmento. Na horizontal, vertical, inclinado? Na ponta, no centro, na lateral? Totalmente dentro da folha ou saindo do espaço do papel? Algumas crianças perguntavam curiosas: por que a decisão de algo tão simples era tão importante? “Cada um terá suas respostas no devido tempo”, dizíamos nós. Quando todas colaram seus fragmentos no papel, outro desafio surgiu: vamos criar contextos a partir dos fragmentos? Ao longe, uma voz tímida, quase sussurrante, falou: “professora, não sei pintar, não sei desenhar.” Caminhamos ao encontro da criança, tentando buscar nas palavras e no gesto uma forma de acalmá-la e motivá-la a criar. Então, foi dito: “você já pensou na possibilidade de não saber desenhar apenas o que os outros esperam que você desenhe? Pense que todos nós temos uma marca. O desenho e a pintura são marcas, assim como o tipo de letra que temos, da voz que emitimos, dos gestos singulares. Deixe a mão se mover sobre o papel, dançando, dançando, dançando...”. A criança ficou a nos olhar, em um misto de incerteza e vontade. Nesse momento, certamente, ela estava tomando algumas decisões. Segundo Ferreira (2001, p. 21), nos processos de criação, aprendemos também a tomar decisões. “Toda criação envolve muito mais uma atividade de exploração, invenção e tomada de decisão do que conformismo à regra.” Ou seja, o fato de avaliar a adequação e qualidade dos materiais e suportes utilizados, bem como as formas, cores, texturas a serem materializadas exige grande esforço do pensamento visual. Após a colagem dos fragmentos, as crianças complementaram com vários materiais: lápis, giz de cera, cola colorida, guache, carvão, etc., construindo um novo contexto. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Algum tempo depois, finalizaram essa etapa um pouco inseguras ainda, pois perguntavam insistentemente se estava certo ou errado o exercício realizado. Nada dissemos sobre certo e errado, pois partimos do pressuposto de que a experiência acontece também pelo erro, e que esse pode ser mais construtivo do que a verdade-constatação. Continuamos o processo orientando as crianças para que colassem as suas produções na parede, organizando-as por categorias (marinhas, fachadas de casas, paisagem urbana, paisagem rural, não figurativos), de acordo com o que haviam registrado. Evidentemente, a categoria dos não figurativos foi a menos preenchida, pois a maioria das crianças busca, nessa fase, um significado realista para as suas expressões artísticas. Uma vez realizada a curadoria pedagógica, entendida, aqui, como a organização das produções artísticas nos espaços disponibilizados (parede), sinalizamos a exposição artístico-didática com etiquetas e cartazes, iniciando processos de leitura. Perguntamos, então, às crianças: quais caminhos as levaram a construir essas produções? Como foi esse processo? Quais as dificuldades encontradas? Quais as surpresas reveladas? O que cada uma descobriu sobre si mesma que ainda não sabia? O que podem descobrir sobre o outro?

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A intenção dessas indagações não foi a de centrar-se apenas no significado de suas produções/imagens, mas em como elas trazem significações para elas. Percebíamos que os questionamentos causavam estranhamento às crianças, até que uma delas levantou o braço, e, em um misto de dúvida e ansiedade, perguntou: “preciso explicar o que fiz? Temos que dizer o que significa?” Perguntamos à criança: “você deseja fazê-lo?” E, prontamente, ela respondeu: “Para mim é difícil explicar, porque muitas vezes nem eu sei muito bem o que significa!”. Respondemos: “fique tranquila, vamos apenas conversar, expressando aquilo que pensamos e sentimos vontade de dizer.” Em seguida, foi aberta a conversação e muitos pontos foram aprendidos juntos, como algumas dificuldades encontradas pelas crianças: “gostei muito, mas foi bem difícil”; “Desenho livre é mais fácil!” Outra criança ponderou: “nossos desenhos ficaram bem diferentes!” Apesar das percepções infantis, ainda identificamos em algumas produções a presença de nuvens, pássaros e casas estereotipadas, uma FAEL

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vez que na escola eles estão ainda presentes com conotação valorativa. Romper com os estereótipos é um processo que demanda ações criativas e de desconstrução. Essas atividades visaram desenvolver leituras visuais, processos de criação, produções artísticas e conexões entre aspectos imagéticos e contextos vivenciais, a fim de oportunizar às crianças discussões reflexivas, levando-as a compreender seu próprio processo inventivo. Além disso, o projeto possibilitou discussões sobre as questões ambientais, como a preservação e manutenção planetária, os cuidados necessários com a natureza, em especial a água, e o sentimento de pertença, pois cuidamos daquilo que conhecemos e respeitamos. Essas problemáticas ficaram visíveis nas produções e nas falas das crianças, revelando aspectos sobre as suas aprendizagens, tanto no que se refere aos conhecimentos e saberes das linguagens da arte, quanto às construções de identidades e autonomia. Em outra etapa do projeto, distribuímos para cada um dos alunos fotocópias em preto e branco (tamanho A2) do livro Natureza morta, que não tem texto escrito, criado e ilustrado pelo artista plástico Gonzalo Carcomo. As fotocópias foram distribuídas completamente fora de ordem da história. É importante destacar que as crianças não conheciam o livro, a maioria pensou que fosse fotocópia de alguma obra de arte. Ao receberem as cópias, o primeiro impacto foi com o tamanho do papel, pois a maior parte dos pequenos tem acesso mais fácil a papéis no tamanho A4, ou seja, metade do tamanho recebido. A segunda indagação foi com o que fazer com a cópia. Uma das crianças questionou: “é para inventar uma história para essa imagem?”; “O que é para fazer?”. Respondemos: “faremos o que desejamos fazer. A primeira ideia é olhar apenas. O que a imagem tem a nos dizer? O que ela pode nos revelar? Lembranças, experiências, outras imagens, situações, filmes, livros, objetos... o que vocês podem descobrir a partir da imagem? O que vocês podem desvelar?” Depois de um tempo, certa inquietude se revelou entre os pequenos. Dissemos, então: “busquem apenas se concentrar na imagem. Deixem a imaginação vagar, criem relações entre a imagem e tudo que vocês são capazes de perceber.” Após o exercício de leitura visual, oferecemos materiais, como guache, giz de cera, lápis de cor, tesouras, barbantes, cola, pincéis e Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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esponjas. Sugerimos às crianças que, a partir da imagem do livro e das ideias surgidas, fizessem intervenções sobre a fotocópia, criando outro contexto. Outras indagações foram apresentadas por elas: “vamos pintar em cima da imagem?” “É para colorir a imagem?” Observamos, com essas falas, o quanto é difícil para a criança romper com a folha em branco ou interferir sobre algo que já está criado (fotocópia). Ações de intervenção estimulam o pensamento criativo e crítico, possibilitando o desenvolvimento da autonomia. O trabalho, inicialmente, causou certo tumulto, pois as crianças buscavam referências nas imagens dos outros colegas, verificando se havia semelhanças. Percebendo que todas eram diferentes, passaram a produzir com mais individualidade. Ao finalizarem o trabalho, foram convidadas a olhar a numeração que estava atrás da fotocópia, colando-as sequencialmente na parede. A sequência numérica era a mesma do livro de referência, ou seja, havia sido fotocopiado o livro na íntegra; no entanto, as crianças não sabiam desse fato. Após a fixação sequenciada das produções na parede, discutimos sobre as questões relacionadas às intervenções de imagens, e muitos assuntos vieram à tona, como as apropriações de obras de arte, da literatura, de personagens, de filmes, entre outros.

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Outro desafio foi proposto: “a partir da sequência das produções realizadas por vocês, vamos criar narrativas com sons, movimentos, vozes e expressões?”. Assim, as narrativas foram se construindo com a participação de todos. Iniciamos leituras (da esquerda para a direita e da direita para a esquerda) das produções infantis, criando textos corporais e sonoros, utilizando, também, objetos. Foram narrativas cômicas, trágicas, tragicômicas, corporais (movimentos e expressões faciais), surreais e cotidianas. Os sons foram gravados e ouvidos por todos nós, observamos que as narrativas se modificavam de acordo com as ­sequências que criávamos. As crianças diziam: “é a voz do Rodrigo, que engraçado!” “Esta é a minha voz?”, diziam outras crianças. Após as muitas vozes, as crianças perceberam que as narrativas foram criadas a partir de fragmentos de um livro de literatura infantojuvenil, que havia se transformado em outra produção e que culminara em outras tantas produções corporais, sonoras e visuais. Esse foi o grande aprendizado naquele momento. FAEL

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O projeto foi finalizado com uma autoavaliação, em que cada criança pôde descrever o que tinha e como tinha aprendido. Além disso, foram mostradas às crianças as imagens originais do livro utilizado, imagens de obras de Alfredo Volpi, bem como imagens delas próprias, todas se tornando um rico material didático. Esta é a perspectiva do currículo integrado, uma outra forma de vivência: ensinar para obter significado e compreensão. Em outras palavras, o currículo é compreendido como um movimento de aprendizagens, em que nenhuma disciplina é capaz de, sozinha, fazer conexões. São sempre necessárias, nessas abordagens, as interlocuções com outras áreas do conhecimento, articulando razão e emoção. As crianças não aprendem parcelas de conhecimento desconectadas e fragmentadas, mas, sim, conectam esses saberes com seus próprios interesses e experiências de vida. É a mente da criança que constrói essa integração. Portanto, um currículo integrado é um currículo do pensamento, sobre ideias, expressões, sensações e autonomia (PARSONS, 1992). Percebemos que, após as experiências realizadas com a arte e sobre a arte, as crianças sentiram-se encorajadas a criar. Compreenderam que a experiência estética pode fazer parte da vida de todos e que, a cada dia, ampliamos nossas possibilidades de ver e ser. Portanto, esse projeto oportunizou experiências artísticas e estéticas aos pequenos, que utilizaram suportes, espaços e materiais variados, possibilitando reflexões sobre o prazer em se envolver com aspectos relacionados à percepção sensorial, à emoção, à criação e à imaginação. O projeto contribuiu, também, para que elas experienciassem questões que envolviam ações responsáveis, com comprometimento e solidariedade. Durante todo o processo, identificamos alguns aspectos a serem considerados, referentes às vivências das crianças, como a internalização dos conceitos/conteúdos da arte em suas manifestações expressivas, artísticas, orais, corporais, escritas, culturais e avaliativas. Com relação às questões de sensibilização e interiorização, as crianças expressaram mudanças no seu olhar, ampliando os aspetos sensíveis. Algumas delas diziam que as ações foram descontraídas, alegres e prazerosas. Portanto, é possível aprender a partir de ações significativas em que todos podem trocar experiências, conhecimentos e saberes. São as diferenças que nos impulsionam a aprender com o outro e a compartilhar. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Vale ressaltar que esse projeto foi adaptado para um curso de formação de professores, relatado no livro A arte como propulsora da integração: escola e comunidade, das mesmas autoras deste livro, Eliana Stamm e Silvia Sell Duarte Pillotto (2007), e, para nossa surpresa, muitas reações dos professores foram semelhantes às das crianças. Isso nos leva a pensar que, em algum momento das nossas vidas, deixamos de desenvolver nossa capacidade artística e estética e que precisamos, urgentemente, resgatá-las, pois, em nosso trabalho e em nosso dia a dia, a arte/cultura está presente, ensinando-nos a sermos cada vez mais humanos. O projeto relatado anteriormente foi desenvolvido com crianças da Educação Infantil, sofrendo algumas adaptações com relação aos materiais pedagógicos e encaminhamentos metodológicos. Dessa forma, preparamos o ambiente no sentido de sensibilizar as crianças, mobilizando-as a interagir com as propostas. Assim, algumas imagens de obras de arte foram fotocopiadas (colorido), ampliadas e coladas pelas paredes da sala em altura compatível com a das crianças, para que elas tivessem boa visibilidade. As imagens Trigal com ceifador, de Vincent Van Gogh, Chuva repentina sobre a ponte Ohashi, de Utagawa Hiroshige, e Forte vento em Yeigiri, de Katsushika Hokusai, retratam questões climáticas, como chuva, vento e calor. Também foram fotocopiadas, em preto e banco, imagens do livro Natureza morta, do artista Gonzalo Carcamo, e coladas na parede, na mesma sequência do livro, e em altura adequada para o olhar das crianças. REPRODUÇÃO

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Fonte: VAN GOGH, V. Trigal com ceifador, 1889. 1 óleo sobre lona. 73 x 92 cm. Museu de Amsterdam. FAEL

REPRODUÇÃO

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REPRODUÇÃO

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Fonte: HOKUSAI, K. Forte vento em Yeigiri, 1830-35. Xilogravura policromada impresa em papel 27 cm x 32 cm. British Museum, Londres. 

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Ao mesmo tempo, a sala foi preparada com alguns cantos de sensações. O canto do vento foi feito com ventilador e fitas coloridas presas a ele, para dar a sensação de movimento. Esse ventilador foi colocado em altura apropriada para que o vento tocasse as crianças. No canto do calor, foi ligado um aquecedor para que as crianças sentissem na pele calor semelhante ao do verão. Para o canto da chuva, preparamos um ambiente com bacias cheias de água e um recipiente com uma massa gelatinosa e gosmenta. A ideia era que as crianças tivessem a sensação da temperatura e textura da água para uma sensibilização estética. Quando as crianças entraram, percebemos que as imagens e os cantinhos preparados causaram curiosidade e estranhamento. Algumas perguntas surgiram, como: “que é isso, professora?” “Quem desenhou?” “Que legal!” “Dá para entrar?”. A partir das suas interações com os cantinhos e as imagens, iniciamos um momento de provocação, convidando-as a experimentar cada cantinho. O cantinho do vento foi muito interessante para aquelas que tentavam chegar perto do ventilador para sentir o vento nos cabelos, nas roupas e no rosto. Houve muitos risos e comentários: “Ui, o vento vai me levar!” “Que gostoso!” “Está fresquinho aqui!” No canto do calor, as impressões foram diferentes: “que quente aqui!” “Tô [sic] com calor, quero sair daqui!” “Que legal, eu gosto do calor!” No cantinho da chuva, a festa foi total. Algumas crianças foram diretamente para o recipiente da massa gelatinosa e gosmenta, espremendo-a com as mãos, amassando com os pés, passando-a no corpo e interagindo com os demais colegas, passando a massa uns nos outros. A bacia com a água também causou alegria. Brincar com água, para a criança, é sempre prazeroso, e sensações diversas acontecem, como arrepio e frio causados pelos respingos, e alegria, demonstrada pelos risos.

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Após as experiências, sentamos com as crianças para que todas socializassem suas percepções. Esse momento foi extremamente rico e significativo para todos. Em seguida, a atenção dos alunos centrou-se nas imagens coloridas e no livro sequenciado. Aproveitamos, então, para apresentar algumas questões referentes à natureza e ao cuidado e carinho que devemos ter por ela. Nessa fase infantil, é importante evitar uma abordagem excessivamente crítica. É necessário estimular e sensibilizar a criança para questões ambientais, dando ênfase aos seus vínculos afetivos com o planeta. É interessante destacar que elas fizeram links das FAEL

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imagens com as sensações e compreenderam que a natureza é composta de seres vivos, que devem ser respeitados, cuidados e preservados. A próxima atividade envolveu a produção artística infantil. Preparamos tintas a base de farinha de trigo cozida, colorida com pigmentos (anilina comestível), e oferecemos pedaços de esponjas e pincéis. Os menores optaram por pintar com os dedos e esponjas, e os maiores, com esponjas e pincéis. O desafio foi o de intervir nas fotocópias do livro Natureza morta, de forma sensorial. Vale salientar que as produções das crianças menores continham garatujas e zonas compactas de cor, sem preocupação com contorno ou com acabamento. Já as maiores desenhavam com a tinta linhas e formas, relacionando-as ao tema natureza. Ao término da atividade, as crianças sentaram-se em círculo e comentaram umas com as outras as suas experiências, cada uma de forma bastante singular: mostrando o que havia realizado, perguntando o que achavam sobre sua produção, falando sobre os elementos da natureza, enfim. Foi maravilhoso ouvi-las e perceber o quanto a vivência estética, artística e espacial havia causado transformações – quase imperceptíveis, nesse momento, mas fundamentais na construção da identidade dessas crianças. Aproveitando o clima de animação, propusemos a elas a sonorização das produções. Como podemos fazer o som de uma chuva? Nessa hora, utilizamos o pau de chuva, os sons vocais, sininhos, etc. E como podemos fazer os sons representando um dia de muito calor? E o som do vento? Evidentemente, não pudemos deixar de gravar esses ruídos. Depois de explorar os sons o máximo que podíamos, o desafio foi o de ouvi-los e fazer pequenas improvisações a partir dos sons gravados. Nesse instante, a interação foi total. As crianças se reuniram em pequenos grupos para resolver o problema. O que fazer? Em que espaço? Utilizando o quê? As resoluções foram as mais diversas: cenas de chuva, de vento, de animais em locais quentes, banho de mangueira, temporal, trovoada, etc. Ao final das improvisações, conversamos sobre o que havia ocorrido. Perguntamos: “como foi o processo? O que acharam sobre as apresentações? Quais as relações das apresentações com as atividades anteriores?” Percebemos, assim, que o projeto havia tocado a todos de forma sensível e que os pequenos tinham, realmente, participado de uma experiência! Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Renato Gagno Filho/Editora Fael

O registro dessas atividades aconteceu durante todo o processo, por meio de observações, anotações, fotografias, gravações e filmagens. O portfólio foi nosso principal instrumento de avaliação e foi fundamental para que compreendêssemos a trajetória de aprendizagem das crianças.

Renato Gagno Filho/Editora Fael

Processo de aprendizagem – produção com tintas utilizando massa de trigo e anilina.

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Crianças observando as produções artísticas do grupo.

Do tridimensional ao interdisciplinar Este relato refere-se a um projeto desenvolvido com crianças do 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, a partir da inauguração de um espaço de exposições em uma escola também de Joinville, Santa Catarina. FAEL

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A ideia para o nome do espaço partiu das crianças que haviam visitado uma exposição de esculturas no Museu de Arte de Joinville (MAJ) e ficaram encantadas com a experiência. Em especial, apreciaram, com muito entusiasmo, os espaços interno e externo do MAJ e as obras em escultura do artista Mário Avancini, escultor joinvilense, mais conhecido como o “poeta da pedra”. As crianças voltaram para a escola com a expectativa de escolher nesse ambiente um espaço específico para as exposições das suas produções e de outras pessoas também. O espaço foi definido em grupo, e o nome escolhido para ele foi “Galeria Mário Avancini”, em homenagem ao artista.

Acervo do Museu de Arte de Joinville

Na abertura da galeria, montou-se uma exposição com diferentes obras do referido artista, fotos e reproduções de reportagens sobre ele. Sem dúvida, a maior sensação daqueles que se encontravam no local foi a apresentação de uma obra inacabada de Mário Avancini, exposta sobre a banqueta que ele usava para esculpir, que foi mantida pela família da mesma forma que o artista a deixou antes de falecer. Também foram resguardadas as suas ferramentas, além de pedaços do granito que iam sendo tirados da pedra bruta enquanto o escultor trabalhava.

Obra inacabada do escultor Mário Avancini.

A presença da Direção do Museu de Arte foi importante nesse projeto, uma vez que trouxe informações sobre essa obra, criando um Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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clima de solenidade para o momento da inauguração em um sábado de atividades com a família. Também foi dada às crianças a oportunidade de vivenciarem, naquele dia, uma performance do artista Thiago de Souza, que declamou um texto poético sobre Mário Avancini.

Renato Gagno Filho/Editora Fael

A seguir, pais, professores e crianças, juntos, participaram de uma oficina de esculturas em sabão e sabonetes e de modelagem em argila. Essa experiência foi bastante relevante, pois a interação entre crianças e adultos possibilitou uma vivência compartilhada.

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Renato Gagno Filho/Editora Fael

Crianças em processo de produção artística na oficina de escultura em sabonete.

Crianças em processo de produção artística na oficina de modelagem em argila.

Na semana seguinte, cada turma visitou novamente a exposição com obras de Mário Avancini na escola, agora com a mediação da professora de arte, que oportunizou exercícios de sensibilização e percepção, tanto estéticas quanto táteis. Principalmente pela forma com que essa atividade foi conduzida, seu objetivo se pautou na compreensão da FAEL

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obra pelas crianças, por meio dos sentidos. A professora de arte vendou os olhos dos pequenos para que pudessem sentir a obra de forma mais intensa, explorando o tato, o espaço e a imaginação, fazendo com que a experiência fosse bastante significativa para as crianças, que identificaram detalhes das formas e do material utilizado pelo artista. Além disso, os alunos divertiram-se muito na tentativa de adivinhar as formas.

Brad Harrison/ HAAP Media Ltd.

Na turma do 1º ano, o interesse ficou centrado na origem das pedras. A professora de arte sugeriu, então, a realização de pesquisas, o que envolveu as crianças e as famílias. Devido ao acontecimento dessa atividade, ­Luísa, uma criança de outra escola, ao saber da pesquisa, ofereceu sua coleção de pedras para integrar o projeto que estava sendo desenvolvido. Com essa coleção, a professora trabalhou atividades de matemática, possibilitando a apropriação de noções de peso, quantidade, volume, proporção, classificação e divisão por grupos (cor, tamanho, textura, forma, etc.).

Detalhe da coleção de pedras coloridas da menina Luísa.

O empréstimo também motivou as crianças a escreverem cartas de agradecimento à menina que emprestou as pedras, convidando-a para conhecer a escola e participar de uma oficina de reciclagem de papel. A criança aceitou o convite, respondendo às cartas, iniciando, assim, uma cumplicidade com as demais. Na semana seguinte, Luísa visitou a escola e participou da atividade. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Ana Lúcia Ehler Rodrigues

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Simulação de como eram as cartas escritas pelos alunos à menina Luísa.

No processo de investigação sobre a origem das pedras, as crianças descobriram os vulcões e a composição química das rochas. Conhecimentos sobre ciências foram incorporados nas aulas da professora da classe, visto que, nessa escola, os projetos são construídos em parceria – professora de classe e professora de arte atuando de forma interdisciplinar. Nas aulas de arte, as crianças dessa turma decidiram construir um vulcão de argila, que foi apresentado na feira de ciências da escola e que, graças à participação de um dos pais, pôde ser acionado, dando um efeito de fumaça, causando a admiração de todos os presentes.

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Na finalização do projeto, uma das mães trouxe um documentário sobre Pompéia, contribuindo para a ampliação dos conhecimentos das crianças sobre o tema trabalhado. O vídeo causou grande impacto na turma, uma vez que puderam visualizar a ação do vulcão Vesúvio, que, ao ser ativado, transformou as pessoas da cidade em esculturas petrificadas. As reflexões pautaram-se no projeto como um todo, dando ênfase ao processo imagético das construções tridimensionais, e na apropriação de conhecimentos sobre matemática, ciências, geografia, história e língua portuguesa, especialmente no que se referiu às narrativas. Já com as crianças do 2º ano, o interesse ficou centrado na escultura e nos processos de construção, em especial o esculpir. Foi, então, oferecida a essa turma a oportunidade de aprofundar os conhecimentos, tanto técnicos quanto estéticos, da linguagem da escultura. Assim, foram motivadas a conhecer a produção de outros artistas, retornando ao MAJ por ocasião da exposição de esculturas em espaços abertos, com obras de Pita Camargo e Jorge Schroeder. FAEL

Jorge Schroeder

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Cláudio Peruzzo Junior

Escultura de Jorge Schroeder, feita com bronze e acrílico. Sem título.

Escultura de Pita Camargo, feita com mármore. Sem título. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Felipe Wohlke Lopes

Essa visita foi acompanhada por mediadores do MAJ, que apresentaram as obras e documentário de cada um dos artistas, mostrando seus processos de criação/produção e ateliês. O registro da visita foi feito por meio de desenhos, tendo as obras e documentários como referência.

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Registro feito em desenho por Felipe Wohlke Lopes, a partir da observação das obras de Pita Camargo e Jorge Schroeder, na ocasião da visita ao Museu de Arte de Joinville.

Retornando à escola, a professora de arte propôs uma discussão sobre a visita ao MAJ e sobre as impressões das crianças com relação à produção dos artistas. O diálogo trouxe à tona questões referentes aos elementos visuais (forma, textura, linha, cor e espaço), materiais e instrumentos utilizados pelos artistas, como mármore, bronze, acrílico, etc. A partir dessa conversa, surgiu o seguinte desafio: como desenvolver uma produção tridimensional com outros materiais? Decidiu‑se, então, pela produção individual em bloco de concreto celular, após a elaboração de um projeto desenhado. Vários esboços foram feitos, até que surgisse um resultado satisfatório para cada criança. Em seguida, houve a transposição do projeto para o bloco de concreto celular. Para esculpir, os alunos utilizaram facas sem ponta, pás e lascas do próprio concreto. As crianças ficaram bastante tempo envolvidas com as produções, buscando soluções para problemas encontrados, sempre dispostas a retomar o trabalho. Após a construção poética, foi organizada uma exposição na Galeria Mário Avancini, aberta à visitação de crianças, profesFAEL

Capítulo 5

sores, familiares e comunidade em geral. É interessante ressaltar que as próprias crianças mediaram a exposição, socializando o seu processo. No contexto da Educação Infantil, o projeto “Do tridimensional ao interdisciplinar” passou por uma adaptação, levando em conta a idade e as necessidades dessas crianças. Da mesma forma que os alunos do Ensino Fundamental, os da Educação Infantil visitaram a exposição na Galeria Mário Avancini, participando, também, de exercícios de sensibilização tátil, porém sem as vendas nos olhos. Outra atividade desenvolvida foi o exercício de sensibilização com as pedras coloridas. Em um primeiro momento, a professora colocou as pedras em uma grande bacia de alumínio para que as crianças pudessem manuseá-las. No ato de tocá-las, pegá-las e largá-las, os sons também oscilavam, ora mais alto, ora mais baixo e estridente. As crianças ficaram fascinadas com o colorido das pedras e com os sons que podiam extrair delas. A professora também as colocou em cima de um papel kraft para que pudessem brincar organizando formas e linhas, sobrepondo-as, criando personagens com elas, enfim, mil possibilidades. Nessa atividade, a professora ficou sempre atenta para que as crianças não se machucassem com as pedras.

REPRODUÇÃO

Em um outro momento, a professora colou na parede a imagem de algumas pedras pintadas, oriundas da gruta Mas-d’Azil (localizada na França), com o intuito de que as crianças pudessem conhecer a imagem de uma pedra de um tempo bem remoto.

Pedras pintadas: desenhos absolutamente geométricos e esquemáticos. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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As crianças ficaram muito interessadas, mas a atenção foi logo voltada para as outras pedras que a professora havia colocado, também, em cima de um kraft. Eram pedras maiores, e a brincadeira proposta pela professora foi a seguinte: na mesa, foram colocadas tintas (comestíveis) e pedaços de esponjas. Sugeriu-se: “vamos pintar as pedras?” As crianças iniciaram as atividades bastante animadas e, rapidamente, começaram a pintar as pedras, as mãos, o rosto, o corpo e até as outras crianças. Foi um momento mágico em que todos interagiram. A professora, ao término da atividade, solicitou às crianças que colocassem as pedras umas ao lado das outras, comentando sobre as cores, as texturas, as formas, etc. Depois, mostrou a elas uma mesa pequena coberta por um tecido preto, sugerindo que cada uma escolhesse um lugar para colocar a sua pedra. Assim foi feito, com a professora registrando cada fase da atividade.

Flávio Takemoto/HAAP Media Ltd.

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Kym Parry/HAAP Media Ltd.

A próxima atividade continha uma folha de papel kraft de, aproximadamente, dois metros de comprimento, onde havia pedras maiores colocadas em lugares diferentes. As crianças foram motivadas a pintar os espaços entre as pedras. Algumas delas preferiram pintar individualmente em outro espaço e papel e foram respeitadas.

Criança pintando em outros espaços e suportes (cartolinas). FAEL

Criança trabalhando individualmente.

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Foi muito interessante vê-las se movimentando, pensando em possibilidades de utilizar a pintura sem tocar as pedras. Noções espaciais, de lateralidade e de organização de pensamento foram amplamente trabalhadas. Ao final da pintura, a professora retirou as pedras e as crianças ficaram surpresas com o desenho que se formou no espaço não pintado em função da colocação das pedras. Após essa atividade, a professora preparou com as crianças massas de pão, variando entre o salgado e o doce. Elas modelaram formas diversas com a massa, explorando infinitas texturas (ásperas, lisas, onduladas, furadas, etc.). A professora assou os pães, e, depois de frios, as crianças puderam colorir com pigmentos feitos com anilina comestível. Vale ressaltar que essa experiência estimulou especialmente o olfato (cheiro do pão assando e depois de assado) e o visual (formas, cores, texturas, volumes, dimensões). A professora convidou as crianças a organizarem um formato interessante com os pães assados em cima de uma grande mesa coberta por um pano branco. Inicialmente, elas foram colocando os pães de qualquer jeito e, com a orientação da docente, aos poucos, escolhiam um espaço para os pães que estavam enfileirados, agrupados, sobrepostos, separados, etc. A mesa foi fotografada em vários ângulos (perto, longe, em fragmentos), e esse registro, posteriormente, se transformaria em material didático. A próxima etapa foi incrível. A professora convidou as crianças a se deliciarem com a degustação dos pães doces, salgados, crocantes, densos, lisos. Nesse momento, foi ativado o paladar, tanto com relação aos gostos e sabores, quanto à textura desse alimento. Algumas questões vieram à tona: alimentação adequada, a alegria de estar com quem gostamos no momento da alimentação, a higiene das mãos, dos objetos e alimentos, entre outras tantas considerações feitas pelas crianças e pela professora. Ao final do projeto, o portfólio foi o elemento utilizado pela docente para compreender a trajetória de aprendizagem de cada criança, sendo, também, um sinalizador de outras tantas questões que poderiam, em um próximo projeto, ser enfatizadas. O fechamento não poderia ser mais interessante, pois o portfólio e as conversas com os pequenos possibilitaram verificar as trajetórias de aprendizagem com as linguagens da arte. Esse foi um momento significativo, especialmente porque as crianças não possuem rótulos, nem preconceitos; experimentam e socializam, apenas. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

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Finalizando esse capítulo, é importante destacar algumas questões. O professor pode desenvolver outros tantos projetos alterando materiais, temas, conceitos e metodologias. Nos relatos aqui apresentados, houve uma escolha com relação às imagens de obras de arte, aos livros infantojuvenis, às imagens que mostram o processo de aprendizagem das crianças, às imagens mais antigas, atuais, enfim. As escolhas perpassam nossas concepções, pelo contexto em que estamos e pelos interesses e necessidades das crianças. O importante é ter clareza sobre o que pensamos ser imprescindível que as crianças aprendam e experienciem e sobre o que elas são capazes de fazer, desejam e estão curiosas em aprender. Agregando esses dois aspectos, estamos oportunizando a elas uma aprendizagem significativa, que, nessa fase da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, está atrelada às linguagens e expressões da arte/cultura.

Da teoria para a prática

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A partir da leitura reflexiva dos dois relatos de experiência apresentados neste capítulo, é possível organizar com crianças um projeto que tenha como foco a interdisciplinaridade. ●● Investigar junto às crianças questões que sejam do interesse delas, anotando-as e fazendo uma votação para eleger uma delas. ●● Solicitar a elas que coletem tudo o que puderem sobre o assunto a ser investigado: revistas, internet, objetos, depoimentos, fotografias, etc. ●● Organizar com as crianças um cantinho com os materiais coletados e conversar sobre como foi a investigação: quais elementos foram selecionados? Por quê? Por quem? Quem ajudou? ●● Propor às crianças o seguinte desafio: fazer uma produção a partir do que aprenderam com a pesquisa. É preciso definir com elas, também, quais suportes e materiais podem ser utilizados. ●● Após a produção das crianças, verificar quais linguagens e ­áreas de conhecimento estiveram presentes no processo. FAEL

Capítulo 5

●● Decidir junto às crianças e à Direção da escola qual o espaço adequado para organizarem uma exposição das produções. ●● Organizar com as crianças a exposição (sinalização, convite, cartazes, etc.), convidando a escola e a comunidade para participar do evento. É imprescindível registrar todo o processo, pois o registro é, também, material didático e poderá ser utilizado na sequência desse e de outros tantos projetos.

Síntese Este capítulo teve como objetivo socializar com o leitor dois relatos de experiências desenvolvidas com alunos da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, que abordam as linguagens da arte de forma interdisciplinar. Durante a trajetória deste livro, questões conceituais e metodológicas foram apresentadas e, em seu bojo, a escolha por caminhos conceituais e didáticos. Dessa forma, a escolha dos dois relatos apresentados teve como critério os conteúdos, os conceitos e os procedimentos pedagógicos adotados por nós, autoras, durante o processo de escrita do livro. Esperamos que os dois relatos de experiências contribuam como referência para que se possa ampliar as possibilidades didáticas, tendo as linguagens da arte como propulsoras de um trabalho interdisciplinar.

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Glossário Bloco de concreto celular: material utilizado na construção civil bastante macio e fácil de manusear, além de leve. Canto orfeônico: “[...] tem características próprias que o distinguem do canto coral dos conjuntos eruditos. Trata-se de uma prática da coletividade em que se organizam conjuntos heterogêneos de vozes e tamanho muito variável. Nesses grupos, não se exige conhecimento musical ou treinamento vocal dos seus participantes.” (­GOLDEMBERG, 2002). Estereótipo: é a imagem preconcebida de determinada pessoa, coisa ou situação. São usados principalmente para definir e limitar pessoas ou grupo de pessoas na sociedade. Sua aceitação é ampla e culturalmente difundida no ocidente, sendo um grande motivador de preconceito e discriminação. Estética: palavra que vem do grego aisthésis, significando percepção, sensação. É am ramo da filosofia que tem por objeto o estudo da natureza do belo e dos fundamentos da arte. Ela estuda o julgamento e a percepção do que é considerado belo, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como as diferentes formas de arte e da técnica artística [...] (adaptado de WIKIPÉDIA, 2010f). Mamulengo: o termo “mamulengo”, oriundo do Nordeste brasileiro, deriva de “mão molenga” – a maneira como o manipulador segura o boneco. No teatro de mamulengos, não se diz representar ou apresentar um espetáculo, mas, sim, “brincar de boneco”. Guarda elementos vinculados à tradição dos folguedos Ibéricos, sendo remanescente dos espetáculos da Commedia Dell’Art. Em geral, o ator (mamulengueiro) tem apenas um roteiro do espetáculo, sendo o texto é, em sua maior parte, improvisado de acordo com as reações do público (adaptado de MAMULENGOS ROLIM, 2010).

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Fundamentos e Metodologia do Ensino de Artes

Pau de chuva: [...] instrumento musical idiofônico, de percussão e ritmo com um som musicalmente impreciso, próximo ao que chamamos de ruído. Muitos desses instrumentos têm forte presença em cerimônias religiosas ou na prática de rituais xamânicos, em sessões de santería cubana, gerando ritmos populares como o som, o mambo, etc., denunciando alguma influência indígena na música negra cubana. São dessa família, também, diversos tipos de chocalhos africanos, alguns formados apenas por um corpo qualquer revestido com uma malha de fios e contas (adaptado de WIKIPÉDIA, 2010j). Têmpera: [...] método de pintura no qual pigmentos de terra são misturados a um “colante”, uma emulsão de água e gemas de ovo ou ovos inteiros (às vezes cola ou leite). A têmpera foi largamente utilizada na arte italiana, nos séculos XIV e XV, em afrescos ou painéis de madeira preparados com gesso, que foram, posteriormente, subs­ti­tuídos pela pintura a óleo. As cores de têmpera são brilhantes e translúcidas. Por ter um tempo de secagem muito rápido, a gradua­ ção de tons se torna dificultada (adaptado de WIKIPÉDIA, 2010l). Textura: “[...] é o aspecto de uma superfície, ou seja, a “pele” de uma forma, que permite identificá-la e distingui-la de outras. Quando tocamos ou olhamos para um objeto ou superfície, sentimos se a sua pele é lisa, rugosa, macia, áspera ou ondulada. A textura é, por isso, uma sensação visual ou tátil.” (WIKIPÉDIA, 2010m).

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FAEL

O livro Fundamentos e metodologia do ensino de artes aponta possibilidades teórico-metodológicas para o ensino e aprendizagem da arte e de suas linguagens, no contexto da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, oportunizando a reflexão dos professores que atuam nessa área. A ênfase desta obra está na pedagogia da sensibili­­dade, pois entendemos que os vínculos afetivos são essenciais nos processos de aprendizagem da criança. Nessa perspectiva, as linguagens da arte dão sustentação às conexões entre as demais áreas do conhe­cimento, pois sua natureza interdisciplinar contribui para a apropriação dos saberes, especialmente no período da infância. Além disso, esta obra prima por uma linguagem clara e objetiva, sem deixar de lado a consistência teórica, no intuito de provocar o professor para a construção de conhecimentos, seja com relação a questões práticas ou conceituais. Esse contexto está, também, inserido na Educação a Distância (EaD), que trata das redes sociais, comunicando ideias, conceitos e proposições. Para que possamos ter uma EaD significativa e de qualidade, é necessário mediar tais questões, de forma que o professor sinta-se motivado e desafiado a pesquisar, questionar, estudar e propor às crianças ações que também provoquem a curiosidade, a autonomia e o senso de pertença.

do Ensino de Artes

Fundamentos e Metodologia

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