Ebook Diário De Montagem

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O Jardim das Aflições Um filme de Josias Teófilo

Diário de montagem escrito por Matheus Bazzo entre 12 de março e 18 de abril de 2016

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São Paulo (SP), 12 de março de 2016 – 8h54 – Dia 1 Hoje eu e Josias Teófilo viajaremos para Los Angeles para fazer a montagem do filme O Jardim das Aflições. Lá encontraremos Daniel Aragão, que fará a montagem conosco. Ontem à noite me senti assolado por grandes preocupações com relação à montagem e ao que eu estava fazendo. Também alguns assuntos pessoais estavam misturados às preocupações. Liguei para minha mãe ontem quando estava preocupado. Ela me falou de Deus, de como Ele nos protege, falou que estava orando com uma amiga e que ela teve uma visão de que a mão de Deus estava me acompanhando na viagem. Falar com ela me acalmou bastante. Enfim, que essa nova etapa comece. Vou tentar manter um diário da montagem do filme. Que Deus nos proteja e o Espírito Santo nos conduza. P.S.: Enquanto eu escrevia isso em uma cafeteria, tocou na rádio Society, do Eddie Vedder, que é trilha sonora do Na Natureza Selvagem. Los Angeles, 13 de março de 2016 – 20h53 – Dia 2 A viagem do Brasil para cá foi bem cansativa. Um novo objetivo de vida: nunca mais viajar pela Aeromexico. É a única companhia aérea em que até o atendimento das aeromoças é ruim. Além disso, tivemos que passar por duas alfândegas, a mexicana e a americana. Curioso que eu tive que explicar para o oficial da alfândega sobre a filosofia de Olavo de Carvalho. Descobri que definitivamente não tenho vocabulário suficiente em inglês para falar sobre esse assunto. Esperamos cerca de 1h30 para Daniel chegar ao aeroporto (ele esqueceu da mudança do horário de verão). Pelo visto, Daniel está muito bem e não houve nenhum surto grave, como alguns haviam dito. Talvez fosse só o jeito exagerado dele e a experiência de liberdade de vida. Daniel contou para nós que comprou um terreno no deserto da Califórnia. Vai pagar 140 dólares por mês durante cinco anos. É incrível como tudo aqui nos EUA é fácil. Os americanos entendem a bondade e a facilidade como um dever, não como uma qualidade. Saímos do aeroporto para comer. Five Guys, como sempre. Outro objetivo de vida: 3

comer nesse lugar pelo menos uma vez a cada seis meses. Chegamos na casa em Highland Park. Um lugar razoável, com bastante espaço. Vou ficar dormindo na sala, pois a casa só tem dois quartos, um para Josias e outro para Daniel. Tomara que no futuro tenhamos dinheiro para um lugar melhor com quarto para todos. Fizemos algumas compras básicas no mercado, eu lavei roupas na lavanderia e fomos dormir cedo. Domingo, dia de chegada, não trabalhamos, obviamente. Los Angeles, 14 de março de 2016 – 20h53 – Dia 3 Primeiro dia de trabalho Acordei bem cedo, antes das 7h. O dia está muito bonito, céu aberto e temperatura um pouco baixa. Enquanto Daniel e Josias ainda estão acordando, subi o morro que tem aqui atrás da casa. Saímos para comprar o equipamento que será usado para a montagem do documentário. Compramos um notebook Alienware com tela de 4k e uma tela adicional da Samsung 4k. Esse Alienware tinha a melhor configuração possível. A princípio pensamos em pegar o iMac de 27 polegadas, mas a configuração interna do Alienware era bem melhor. Talvez a gente troque o notebook pelo iMac posteriormente. Depois da compra, fomos almoçar no The Groove, um parque aberto cheio de restaurantes. Uma das coisas que mais chama a atenção nos EUA é a cuidado dado às coisas mais simples para facilitar sua vida. Eu fui entrar em um teatro que tinha uma porta imensa. Devia ter uns três metros de altura. Me direcionei a ela preparado para fazer força ao empurrar, imaginando que ela seria pesada. Minha surpresa é de que algum mecanismo ali dentro fazia ela ser muito leve. Ou seja, alguém estudou uma maneira de fazer aquela porta não ser pesada para as pessoas abrirem. Tivemos que voltar à Best Buy para resolver um problema no HD e nos cabos do notebook.Nossa ideia era ao menos montar as cenas iniciais do filme hoje, mas não deu tempo. Jantamos no In’n’Out e voltamos para casa.

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Chegamos em casa e organizamos o que faltava nos equipamentos para montagem. Quero acordar bem cedo amanhã para começar a montar esse filme. Los Angeles, 15 de março de 2016 – 21h48 – Dia 4 Problemas com o equipamento da montagem. O notebook Alienware que compramos não deu conta da montagem com os arquivos brutos. Acordei cedo, antes das 7h, fiz um café e fui até a igreja aqui perto. A igreja é dedicada a Santo Inácio de Loyola. É simples e bonita. Na volta, comprei ovos e açúcar. A caminhada até a igreja leva uns 20 minutos e nela eu passei por pelo menos seis igrejas. É a causa da bondade americana. Logo que cheguei, Daniel e Josias desceram para começar a montagem e nos deparamos com o problema de rendimento do notebook. Josias também leu os argumentos da montagem e o início dela. Muito bom o que ele escreveu, fiquei ansioso pra ver o resultado. Daniel também deu algumas ideias de que poderíamos filmar uma TV antiga passando imagens de Olavo falando. Estamos pensando em fazer isso. Conversamos um pouco mais e foi decidido que montaremos um CPU com peças melhores. Daniel pesquisou as peças e saímos para comprar. Devolvemos o notebook na Best Buy, pegamos algumas peças e dinheiro como retorno. Depois fomos até a outra loja, quase 30 minutos de viagem para comprar o restante. Fiquei preocupado, pois gastamos 600 dólares a mais do que eu esperava. Será necessário cortar os gastos de refeição para pagar o equipamento. Não vamos poder comer nada além do necessário, sem muita frescura. Quase 16h e não havíamos almoçado ainda. Daniel precisava voltar correndo, pois tinha uma reunião com a neta de Moacir Santos. Ele está escrevendo um filme sobre ele. Perguntei a razão disso e ele me contou um pouco da história de Moacir. É realmente incrível. Ele é órfão e foi do sertão até São Paulo caminhando quando era criança para tentar uma vida melhor. Veio para os EUA na década de 60 para trabalhar como músico. Chegou a NY e fez uma road trip até Los Angeles (Daniel também fez isso no mês passado). Eu não sabia, mas Moacir Santos compôs a trilha sonora de Missão Impossível. Ele era um ghost writer. Finalmente almoçamos uma pizza em uma espelunca aqui perto de onde estamos. Apesar do ambiente, a comida era muito boa. Nunca comi nada ruim aqui. 5

Até comentamos como é curioso o apego que os brasileiros têm por coisas que não são de fato boas. Por exemplo, um restaurante antigo ou um local frequentado por pessoas de “status” perdura durante muito tempo, não pela qualidade do que oferece. Já a lanchonete do tiozão da esquina às vezes faz um lanche delicioso e não perdura, pois ninguém valoriza. É simplista, mas acontece. O CPU não está pronto. Daniel saiu para encontrar a mulher e ainda não voltou. Resolvi finalizar algumas coisas do meu portfólio pessoal que quero lançar ainda essa semana. Amanhã Daniel termina de montar e finalmente começamos a montagem. Terminei de ver uma aula do Gugu sobre misticismo cristão. Agora vou comer alguma coisa, tomar banho e dormir. Amanhã vamos começar a ver O Jardim das Aflições. Los Angeles, 16 de março de 2016 – 22h08 – Dia 5 Comecei a ver Winter on Fire, mas não consegui terminar. Os acontecimentos na política nacional hoje foram mais cinematográficos e revolucionários do que o filme. Saiu a nomeação feita por Dilma para colocar Lula como ministro da Casa Civil. A motivação do partido é protegê-lo das investigações através da imunidade parlamentar. Além disso, rolam boatos no congresso de que estão procurando uma maneira de mudar o regime de governo para parlamentarismo, o que tornaria o ministro da Casa Civil o Primeiro Ministro e faria com que ele tivesse mais poderes que a Presidência. Lula seria o dono do Brasil oficialmente, não que já não o seja off the record. A nomeação de Lula como ministro na atual situação nacional já é um golpe; trocar o regime de governo é um golpe avassalador. Com a nomeação, já começou espontaneamente uma mobilização popular de ocupação em Brasília, no Palácio do Planalto. Acompanhando as postagens do Facebook, um dos organizadores é meu conhecido, Allan dos Santos. Em alguns minutos já havia centenas de pessoas em Brasília e logo o número foi para milhares. Para piorar (ou melhorar) a situação, Sérgio Moro esperou a nomeação oficial de Lula para quebrar o sigilo do grampo telefônico que estava fazendo com o ex-presidente. No grampo, ouvimos Dilma e Lula conversando e Dilma dizendo que estava com o papel da nomeação pronto, caso ele precisasse para alguma emergência. Ou seja, 6

eles já estavam tramando passar o cargo para Lula. Não posso negar que, em alguns diálogos, parece que Lula sabe que está sendo grampeado. Inclusive em um deles ele comenta que podem estar o grampeando. Mesmo sendo grampeado, a atitude do expresidente parece muito teatral. Enfim, o clima é de revolução. Gravamos até um vídeo para a página do filme, convocando as pessoas para irem à Brasília. O vídeo teve milhares de visualizações e compartilhamentos rapidamente. Rezei com Josias e Daniel três Ave-Marias pelo Brasil e ficamos acompanhando as notícias. Fui à loja da esquina, comprei uma vela de Nossa Senhora de Guadalupe e deixei-a acesa. Sobre a montagem, estamos com mais problemas no equipamento e ainda não conseguimos começar definitivamente. Algum problema na placa mãe do CPU que estamos montando. Daniel tentou várias alternativas diferentes. Mas o clima estava tão agitado pelos acontecimentos no Brasil que só conseguimos resolver o problema da placa quando fomos trocá-la no final do dia. Logo depois já jantamos e voltamos pra casa. Daniel testou e funcionou! Agora está atrás de uma versão compatível do Windows. Nosso dinheiro para comida está cada vez mais apertado. Vamos precisar comprar mais dólares. O bom é que, se o governo cair, é capaz de o dólar baixar também. Estou sentindo que vou me gripar e já tomei alguns remédios. Los Angeles, 17 de março de 2016 – 19h22 – Dia 6 Computador funcionou! Começamos a montagem! Tá foda! PT caindo! St. Patrick’s Day! Indo pro show do Bruce Springsteen aqui perto! Depois escrevo mais. Los Angeles, 18 de março de 2016 – 23h59 – Dia 7 Com sono e tentando escrever rápido antes de dormir.

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Ontem conseguimos finalmente colocar o equipamento para funcionar e começamos a montagem. Iniciamos seguindo o roteiro que Josias concebeu e também montamos os créditos iniciais. A entrada dos nomes no início, intercalando com as imagens de Carson, está muito boa. Estou bastante satisfeito com essa introdução. Foi só o que fizemos nesse início de montagem. Considero como menos de um dia de trabalho e o resultado foi razoável. Depois saímos para o show do Bruce Springsteen. Foi demais! Josias não ficou até o final porque não é o tipo de música que gosta. Compramos ingresso de um cambista e o lugar era razoável. É muito interessante a experiência de show aqui nos EUA. Aqui eles fazem uma bagunça muito maior que no Brasil, mas de maneira muito mais organizada. As pessoas individualmente demonstram se divertir muito mais, mas sem nenhum tipo de confusão com os outros. Além disso, no Brasil, um show é um evento social onde é necessária uma certa demonstração de status. Você precisa se vestir de um jeito especial, precisa ter uma determinada postura. Aqui isso não existe. Todas as pessoas prestam atenção somente no show e se divertem com isso. Ninguém se importa com o que você está vestindo ou como está dançando. Na saída do show, encontramos Josias e ele comentou que teve várias ideias de modificações na montagem do filme. A princípio, não as achei tão boas. No outro dia, acordamos um pouco mais tarde devido ao show e começamos a montar por volta das 10h. Pensei melhor nas mudanças que Josias propôs e elas são boas, sim. O principal era mudar a tomada de Olavo atirando do início para o meio da segunda parte. A cena deveria ser logo depois dos créditos iniciais, mas ele achou melhor falar mais do personagem antes de mostrá-lo atirando, pois estava parecendo um ato de violência gratuita. Acho que é problemático mesmo. O problema é que, depois dessa mudança, o roteiro de montagem se desorganizou e Josias não está conseguindo visualizar muito bem o início do filme como antes. Retirando a cena do tiro, estamos tendo dificuldade em pensar na continuidade após os créditos iniciais. Isso porque, depois dos créditos, deve entrar a fala de Olavo sobre a ideia do jardim na tradição filosófica. Se retirar a cena do tiro, não temos imagens o suficiente para inserir no início do filme e cobrir toda essa fala. Como não conseguimos resolver isso, acabamos montando outros blocos menores da primeira parte do filme. Montamos alguns diálogos de Olavo com Wagner sobre o aumento do poder estatal e 8

também montamos a sequência do tiro, que será inserida posteriormente em algum lugar. Além disso, os acontecimentos políticos têm nos afetado durante a montagem. A entrada e saída de Lula no ministério três vezes é algo bizarro. São tantas reviravoltas que não conseguimos nos manter estáveis diante de tudo isso. Hoje a polícia do estado de São Paulo retirou todos os manifestantes contra o PT da Avenida Paulista para dar espaço à militância governista. Usaram jatos de água para afastar todo mundo. Houve pouca resistência por parte dos manifestantes. O governo juntou pouco mais de 50 mil militantes na avenida, enquanto as manifestações espontâneas do povo reuniram dois milhões. Pelo material que saiu na internet, a maioria deles não sabia o que estava fazendo ali e foi cooptada por 20 a 30 reais e um lanche (pão com mortadela, claro). Também circularam pela internet algumas convocações que o PT fez para as manifestações, pedindo preferência para chamar negros e pardos e dizendo que, se o governo caísse, acabaria a Bolsa Família. Fizeram o mesmo tipo de convocação durante as eleições. Lula subiu no palanque em São Paulo. Falou coisas bizarras. Mandou cortar a veia dos manifestantes para ver se corria sangue verde-amarelo. “O sangue deles é vermelho como o nosso. É vermelho como o de Jesus Cristo”, ele disse. Que menção bizarra a Nosso Senhor foi essa? Quer dizer que o sangue dos manifestantes é como o de Jesus Cristo? Os manifestantes que o próprio Lula está atacando? Isso, somado à menção que ele fez a si próprio como serpente, na semana passada, demonstram que esse cara só pode estar tendo uma crise. Talvez até um surto psicótico. No mais, percebo que Josias está disperso e não está conseguindo conduzir a montagem. Estamos com dificuldade de comunicação também; Josias não está sabendo o que pedir direito. Los Angeles, sábado, 19 de março de 2016 – 23h59 – Dia 8 Trabalhamos pouco hoje. Aproveitei que Daniel e Josias demoraram para descer e terminei meu portfólio pessoal. Postei no Facebook, contando a história do pão que minha mãe preparou para mim quando tinha quatro anos de idade. Começamos a montar pelas 11h somente. Conseguimos avançar com maior velocidade hoje. Josias estava mais atento e conseguimos fechar melhor alguns diálogos do filme. Parece que ele está recuperando a visão de conjunto da obra. Conversamos também 9

sobre as imagens de arquivo. Ontem baixei algumas imagens de guerra e de bomba e pedi para Matheus Cartaxo fazer o mesmo. Hoje também baixei imagens de arquivo de entrevistas do Olavo. Vamos tentar conseguir com a Globo News imagens de arquivo dele no Manhattan Connection na década de 90. Paramos de montar pelas 15h para almoçar. Fomos até Old Pasadena. A cidade é linda demais. Pra que viver no Brasil se você pode ser feliz? Comprei uma camiseta do Johnny Cash. Antes de ir embora, resolvemos dar uma volta. Josias viu de longe uma igreja e fomos até lá. Quando chegamos, estava começando a missa que seria do Domingo de Ramos. Resolvi ficar para a missa. Daniel reclamou que seria melhor ir embora porque o estacionamento ficaria caro. Eu disse que pagaríamos e então ficamos. Daniel não deve ir à missa há muito tempo e ainda acabou pegando uma das mais demoradas do ano. No Domingo de Ramos se lê com toda a igreja todo o relato da Crucificação, então é mais demorado. Na volta, paramos em um lugar com uma vista bonita, onde tinha três meninas sentadas tomando suco. Pensei que elas iriam se assustar quando saíssemos do carro, mas elas nos cumprimentaram e chamaram para tomar um suco que elas estavam tomando. É incrível como as pessoas aqui são cordiais sem segundas intenções. No Brasil, se uma mulher puxa assunto com um homem, ele pensa na hora que ela está com segundas intenções. Ou seja, você parte do princípio de que a outra pessoa está querendo sempre tirar proveito de você. Lavamos roupa na lavanderia e chegamos em casa. Estou um pouco incomodado com o comportamento de Daniel e Josias. Eles falam muita merda. Não estou sendo politicamente correto, mas isso por vezes estraga o clima da montagem e dispersa muito. Josias teve uma ideia ótima no final da noite. Pelo visto, Olavo está precisando de um auxílio financeiro e a ideia do Josias vai ajudar nisso. Ele propôs fazermos um documentário que seria uma série de aulas sobre o tema da mentalidade revolucionária, filmado em 4k e intercalando com imagens de arquivo. Iríamos vender o streaming das aulas e Olavo ficaria com todo o lucro. Nós pagaríamos apenas as questões técnicas para nós. Daniel tem a câmera em 4k e poderíamos ir de RV até lá, atravessando os EUA. A logística disso terá que ser organizada, talvez seja melhor ir de avião. Eu quero voltar para o Brasil antes disso para o aniversário da minha mãe.

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Los Angeles, domingo, 20 de março de 2016 – 20h30 – Dia 9 Domingo não trabalhamos, mas vale a pena registrar algumas coisas. Saímos com Ivan Cordeiro hoje, um cineasta do Recife que mora aqui desde a década de 1990. Ele é muito legal e faz um trabalho bacana com filmagem analógica. Pintou a ideia de atrelar o Ivan na produção de um documentário sobre as catedrais de Paris que queremos fazer em 18mm. Fomos com Ivan a um cinema, cujo terreno foi de uma missão jesuíta em San Gabriel. Lá eles passam filmes mudos antigos com música ao vivo tocada em um órgão, como era feito antigamente. Vimos Wings, o primeiro filme a ganhar o Oscar, em 1927. Minha gripe piorou, então fiquei um pouco sonolento na segunda metade do filme. Mas o lugar e o filme eram tão incríveis que não me deixei dormir. O que me chama atenção na história é a grandeza da personalidade dos personagens. Nos soldados você podia ver toda a bravura e a coragem que um homem deve ter, mas sem deixar de ter ternura, misericórdia e perdão. Depois do filme, comemos comida vietnamita e voltamos para casa. Já vou dormir porque amanhã começamos cedo e quero me recuperar da gripe. Los Angeles, segunda, 21 de março de 2016 – 22h23 – Dia 10 Apesar de começar tarde (depois das 11h), hoje o trabalho de montagem avançou bastante. Conseguimos separar uns bons diálogos de Olavo de Carvalho sobre religião, astrologia, morte, cristianismo. Anotei duas frases ótimas dos diálogos de Olavo: “O perdão de Deus é a maior aspiração da vida humana.” “A incapacidade de arrepender-se é a incapacidade de fazer face à sua própria vida.” Eu fiquei mais afastado da montagem hoje, pois tive que começar o processo de envio das recompensas do crowdfunding. Enviei uma série de campanhas pelo Mailchimp para confirmar os dados dos pagantes. Deu trabalho, mas ficou bem mais organizado que a última campanha. Estou com um controle maior sobre cada pagante agora. A montagem hoje ficou em torno de falas mais densas de Olavo sobre religião, bem como a cena da família rezando o Pai Nosso e indo à igreja. Também pensamos em um teaser 3, que seria algo engraçado. Somente a cena de Olavo saindo de casa e parado na frente da porta por um minuto. No fim, ele reclama de ficar parado ali e a cena fica 11

bem cômica. Vamos ver se lançamos isso mais para frente. Comprei ingressos para eu e Josias vermos um concerto de violinos de Bach com a Filarmônica de LA. Los Angeles, terça, 22 de março de 2016 – 21h30 – Dia 11 Muita coisa do que concebemos originalmente está mudando. Hoje chegamos mais perto de montar o final do filme, mas não ficou exatamente como o roteiro do Josias. A princípio, teria uma voz off do Roberto Mallet lendo Ortega y Gasset. A voz ficou empostada demais e não encaixou bem com a fala de Olavo que vem depois. No fim, eu encontrei uma voz do próprio Ortega narrando outro trecho que cabe com a fala de Olavo. Isso ficou muito interessante para a cena final do filme, com Olavo sendo filmado de costas após sua longa fala sobre a morte e a filosofia. Após isso, entraria o Sibelius bem alto. Não sabemos ainda qual voz off entrará. Além disso, limpamos mais algumas falas de Olavo sobre religião e vimos imagens de arquivo dele. Hoje os guris foram almoçar fora e eu decidi ficar e fazer meu almoço com o que compramos. Eles estão muito dispersos. Queria que o clima dessa montagem fosse de maior seriedade e comprometimento. Eu preciso acordar o Josias, senão ele se perde no horário. Os acontecimentos no Brasil também estão nos afetando. É muito pesado tudo que está acontecendo e o clima está complicado. Preciso melhorar isso de alguma forma. Conviver é uma merda. Los Angeles, quarta-feira, 23 de março de 2016 – 22h07 – Dia 12 Hoje foi só separação de diálogos. Reduzimos uma aula inteira do COF a dez minutos de cena. Vamos reduzir ainda mais. Sintetizar toda uma fala de Olavo de Carvalho não é fácil. Ele fala muitas coisas essenciais em cadeia. Ou seja, quase tudo pode ser salvo. Mesmo assim, estamos conseguindo ser bem concisos. A aula do COF foi feita através de uma entrevista do Wagner. Ao que tudo indica, será um documentário com muita informação, muito falado e com temas densos. A preocupação é que fique cansativo e com falas demais. Talvez tenhamos essa impressão agora porque só montamos diálogos. Hoje é dia 23, dia de lua cheia, e Josias havia comentado que poderia ser o dia em que 12

o governo brasileiro cairia. Não caiu, mas, em compensação, a Odebrecht liberou uma lista com 200 nomes de favorecidos pela empreiteira. Ainda não se sabe exatamente quais desses repasses são ilegais e estão investigando. Lula e Dilma não estão na lista, mas é aquela coisa: se você é o dono da festa, seu nome não está na lista. Los Angeles, sexta-feira, 25 de março de 2016 – 21h46 – Dia 14 Sexta-feira santa. Reparei em dois vitrais interessantes na igreja aqui perto, um com São Francisco e outro com São Ladislau. São Francisco é o santo da pobreza e da paz, e São Ladislau era um rei guerreiro. Ou seja, as duas faces do Pantocrator, a misericórdia e o rigor. Ontem não deu tempo de escrever porque depois da montagem fomos jantar na casa do Ivan e ficamos meio bêbados de vinho. Foi bom ter feito isso, pois precisávamos descontrair e rir um pouco. A casa do Ivan é incrível, com uma vista linda para o pôr do sol e uma decoração com obras de arte meio anos 1960. Comemos comida vegetariana por causa do Josias, mas a massa era italiana e estava muito boa. A montagem de ontem não andou tanto. Nós vimos algumas cenas sobre as doze camadas da personalidade que não vão entrar no filme. Elas serão usadas apenas como extras. A fala é muito boa, mas não tem espaço dentro da narrativa do filme. Além disso, separamos as cenas da família de Olavo. Também temos um trecho de Olavo e Roxane conversando amorosamente que está incrível. Eles são o casal mais apaixonado que já vi na minha vida. Essa cena vai ser boa para dar um respiro na tensão do filme. Mas hoje avançamos bastante na montagem! Já montamos um bom pedaço da sequência final. Olavo fala sobre religião, intercalando com cenas na missa, e depois corta para a família rezando o Pai Nosso em inglês e servindo o jantar. A cena do jantar termina com uma tomada muito bonita de Jack, neto de Olavo, olhando para câmera e o som entrando em silêncio. Logo depois, Olavo começa a falar sobre a morte e a filosofia. Ou seja, religião, família e morte na sequência final. Tudo está bem ritmado e intenso. Além disso, montamos boa parte da cena do COF que virá logo antes da fala sobre religião. Ou seja, estamos montando o filme de trás para frente. O trecho de Ortega y Gasset narrado pelo próprio Ortega no fim do filme está muito bom. É um elemento externo totalmente inesperado e que fecha o filme perfeitamente. Los Angeles, sábado, 26 de março de 2016 – 22h39 – Dia 15 Dia de folga. 13

Adiantamos o dia de folga para sábado ao invés de domingo, pois amanhã chega o irmão do Josias e teremos que buscá-lo no aeroporto. Isso contará como trabalho para Daniel. Conseguimos passear hoje e foi um bom dia. Conhecemos alguns lojas de antiguidade daqui. Comprei dois CDs na Atomic Records, o Goodbay and Hello, do Tim Buckley, e o My Mother’s Hymn Book, do Johnny Cash. Conheci um antigo paparazzo daqui. Ele é dono de uma loja de antiguidade e começou a me mostrar as fotos que tirou de Jack Nicholson, Paris Hilton, Clint Eastwood e muitos outros. Usava um casaco esportivo preto velho e furado, calça jeans larga e um cabelo seboso e longo. Tinha uma aparência decadente e uma fala dissimulada. Parecia ter tido um passado com drogas ou até mesmo perdido tudo por algum problema na vida. Mas a loja dele parecia funcionar bem, apesar do mau cheiro e da aparência. É interessante como nos EUA existe essa cultura forte das lojas de antiguidade. São pequenos museus da cultura pop. O slogan da loja que conhecemos hoje é “saving the future by selling the past”. Impressionante como uma loja pequena dessas tem um slogan tão significativo. É exatamente isso que essas lojas fazem, elas transformam o passado em uma uma mercadoria e não deixam que ele desapareça. As antiguidades são um produto aqui porque as pessoas realmente valorizam o passado. Mesmo a cultura do hipster tem o seu valor por querer resgatar a cultura pop americana do passado. Aqui o capitalismo é tão desenvolvido que você pode escolher até a época em que quer viver. Se você quiser viver em um local com aparência, músicas e roupas dos anos 1960, por exemplo, você pode. Los Angeles, domingo, 27 de março de 2016 – 22h 22 – Dia 16 Páscoa. Hoje o dia foi de folga também, obviamente. Saímos para almoçar e passear. A relação com os meninos está melhor. Comi uma comida grega muito boa num mercado aberto aqui de LA. Fomos buscar o irmão do Josias no aeroporto e depois para praia. Conheci Venice Beach. O cheiro era o mesmo do Arroio do Silva, em Santa Catarina, onde minha família tem casa. Muita gente doida na rua. Incrível a quantidade de malucos que existem aqui e ao mesmo tempo tudo funciona de maneira organizada, desde mendigos tocando piano na rua até mulheres caminhando com arara nos ombros.

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Los Angeles, segunda-feira, 28 de março de 2016 – 22h – Dia 17 Sem cabeça para escrever agora. Josias e Daniel brigaram feio. Daniel diz que vai embora amanhã ou depois de amanhã. Josias diz que não quer mais montar com Daniel, pois ele quer ter as decisões finais da montagem. Não sei o que fazer. Los Angeles, quarta-feira, 30 de março de 2016 – 22h – Dia 19 Mentalmente exausto. Josias e Daniel deixaram de dar continuidade à montagem. Tudo poderia ter sido resolvido de maneira mais simples. Vamos tentar com outro montador ou, quem sabe, fazer nós mesmos. Andei um pouco pelo centro de LA hoje. Fui na Last Bookstore e na Catedral de Nossa Senhora dos Anjos. A catedral era péssima, parecia uma galeria de arte moderna. Los Angeles, sábado, 02 de abril de 2016 – 21h52 – Dia 22 As coisas estão bem mais calmas nos últimos dias. Eu e Josias estamos dando continuidade à montagem. Eu sei editar algumas coisas no Premiere e estou arrumando os detalhes. Avançamos em muita coisa. Com os diálogos separados, fizemos várias novas partes. Ao todo, temos o esqueleto de pelo menos 35 minutos de filme. Colocamos uns blocos de cena atrás dos outros e está ficando muito bom. Ainda será necessário um montador profissional para arrumar os detalhes de corte. Mas fizemos um bom trabalho. Aluguei um carro para poder conhecer mais a cidade neste final de semana. Ontem fomos ao Getty Center e depois fomos à Opus Dei daqui. O pessoal gostou muito de nós. Contamos muitas coisas sobre a situação do Brasil, sobre o filme e o contexto em que foi produzido. Mostramos os teasers para eles na sala com a televisão e eles aplaudiram no fim. O pessoal é muito cordial e vamos marcar de nos vermos de novo. Hoje vimos o Stagecoach, do John Ford, que talvez entrará no filme. No fim, John Wayne descobre onde sua amada morava e era um lugar simples, junto das prostitutas. Ele não se importa com isso e a leva embora para casar. Hoje fomos no LACMA também. A parte de obras sacras é incrível. Vi também uma exposição de arte oriental, chinesa. Muito interessante a delicadeza dos quadros medievais deles. 15

Ontem, no Getty Center, eu vi um ícone medieval de Nossa Senhora feito pelos monges da Etiópia. Fiquei abismado com a beleza e a peculiaridade do ícone. Apesar de seguir os padrões do cânone dos ícones, esse tinha alguns detalhes muito interessantes, como o olho egípcio nas figuras humanas e as cores em tom laranja e verde. Também comprei um livro da Taschen sobre logotipos, um estudo histórico sobre a origem do estilo modernista. Hoje Daniel mandou uma mensagem falando que podia voltar a montar conosco na segunda e ficar por aqui. Talvez tenha se arrependido de ter saído ou talvez só precise de dinheiro e um lugar para ficar. De qualquer forma, acho que vai ser bom ter a mão dele aqui de novo. Se for ruim, ele pode sair novamente. Além disso, o carro dele aqui facilita nossas viagens. A saída de Daniel foi boa também para vermos como é mais fácil de lidar com os problemas do filme sem ele aqui. O temperamento provocador estava dificultando muito. Espero que a gente consiga avançar mais nessa montagem. O ideal seria ao menos sair daqui com o esqueleto do filme pronto. Los Angeles, segunda, 04 de abril de 2016 – 22h18 – Dia 24 Josias desistiu de dar continuidade à montagem sem um montador. Disse que está muito provisório. Pra mim não faz sentido. Não tem problema ser provisório. Depois vai definindo exatamente o que vai ficar. Hoje só pesquisei imagens de arquivo. Ontem fomos na Huntington Library. Lindíssimo o lugar. Daniel se comprometeu em vir hoje de manhã. Adiou para o fim da tarde, depois cancelou e adiou para amanhã. Estamos esperando se ele irá voltar ou não. De qualquer forma, precisamos dele para fazer as filmagens das imagens de arquivo. Hoje fui ao ArtCenter College of Design, a faculdade de design de Pasadena por onde passaram vários diretores de arte e designers que trabalharam na Apple. O lugar é incrível. Fui também ao Norton Simon Museum. Los Angeles, terça, 05 de abril de 2016 – 20h07 – Dia 25 Daniel ainda não apareceu. Falei com ele no Facebook e ele demonstrou ter desistido da ideia. Quer que o pagamento seja por hora de trabalho, pois não sabe quantas horas irá trabalhar por dia. Isso é ruim, pois basicamente está dizendo que irá trabalhar menos que o normal. Ele parece bem confuso. 16

Só saí para devolver o carro e almocei fora um hambúrguer muito bom. O dono do lugar era neto de um grego que estava no exército na Segunda Guerra. O seu avô trabalhava na cozinha do exército e depois montou um restaurante quando veio para os EUA. Seu pai também tinha um restaurante e então ele também abriu um. É raro ver essa continuidade vocacional nos brasileiros. Los Angeles, quinta, 07 de abril de 2016 – 22h06 – Dia 27 Tivemos um bom andamento nos últimos dois dias. Como não sou um montador profissional, estamos fazendo somente o básico. Mas está um básico bem feito. Algumas coisas que foram feitas são definitivas também. Estamos colocando todos os blocos de fala em ordem na timeline do Premiere. Já temos 1h10m de filme. Alguns cortes ainda serão feitos e ainda vamos inserir as imagens de arquivo. Se o filme mantiver a qualidade de falas e de imagem que já temos, somada às imagens de arquivo exclusivas de Olavo, mais as imagens de arquivo histórica e de filmes de referência, teremos um documentário excelente. Cogitamos duas horas de filme. Jantamos no Outback hoje. Costela de porco com barbecue. Glórias! Los Angeles, domingo, 10 de abril de 2016 – 10h02 – Dia 30 Na sexta-feira pouca coisa foi feita no filme, pois foi o último dia do irmão do Josias aqui. No sábado tentamos organizar as imagens de arquivo que vão para o filme. Estamos mentalmente bastante cansados para organizar as falas de Olavo. Todo conteúdo é grandioso demais e exige muita atenção. Duas horas de trabalho e já estamos cansados de tentar organizar a filosofia dele em narrativa cinematográfica. É um trabalho denso e meticuloso. Los Angeles, segunda, 11 de abril de 2016 – 22h42 – Dia 31 Hoje a montagem foi muito boa! Trabalhamos por volta de umas 5h ao todo. Parece pouco, mas, tratando-se da organização de um conteúdo filosófico denso, é muita coisa. Fizemos alguns ajustes que precisavam ser feitos e montamos uma das últimas cenas que faltam. É a cena da família de Olavo se reunindo e ele conversando sobre a vida com Roxane, sentados no sofá. Ficou muito boa a sequência de cortes. Além disso, enviamos o início do filme para Matheus Cartaxo, Mauro Ventura e Pavel Tavares, para verem e darem sua opinião. Por enquanto só Cartaxo respondeu e fez 17

ótimos apontamentos. Nossa preocupação com a lentidão do filme caiu por terra. Matheus achou até que está rápido demais. Fez alguns elogios a cortes de cena que eu fiz. Algo bom, visto que eu não sou um profissional e ele tem um ótimo gosto. Fiz um macarrão com molho vermelho e bastante alho aqui. Ficou muito bom. Los Angeles, terça, 12 de abril de 2016 – 22h54 – Dia 32 Terminamos o primeiro corte final do filme com 1h20 de duração. Falta ajustar alguns detalhes de corte e inserir as cenas de arquivo. O resultado final está bem interessante. É como se fossem vários filmes em um só. Estou muito satisfeito com o resultado que obtivemos. Ainda falta inserir as imagens de arquivo. Daniel resolveu aparecer hoje e vai dormir por aqui. Vamos ver de fazer algumas imagens com ele amanhã. Amanhã também vou pagar um jantar para nós três com dinheiro do filme. Será uma forma de manter boas relações com Daniel também. Acabei de voltar do jogo dos Clippers vs Grizzlers. Bem massa. Los Angeles, quinta, 14 de abril de 2016 – 22h04 – Dia 34 Ontem foi oficialmente o último dia de montagem. Mostramos o resultado para Daniel e ele achou muito bom. Amanhã vamos mostrar para Ivan. Estou feliz com o resultado e cansado também. Vamos embora no domingo e daqui para lá vamos descansar. Tive que comprar uma mala a mais. Los Angeles, sábado, 16 de abril de 2016 – 11h24 – Dia 36 Talvez não tenha tempo de escrever hoje à noite. Amanhã cedo viajamos de volta ao Brasil, onde chegaremos somente segunda de manhã. Temos que reorganizar toda a casa para seu formato original deixado pelo proprietário e arrumar as malas para levar o equipamento comprado aqui. Vamos ter que levar um CPU grande e uma tela de 4k de volta ao Brasil. Esse equipamento poderá ser utilizado para montar outros filmes, no futuro. Ainda é cedo para entender tudo que se passou aqui em Los Angeles e a dimensão que esse filme irá tomar. O dia em que viemos para cá foi o mesmo dia em que começaram 18

as manifestações pela queda do governo e estamos voltando exatamente no dia em que será votado o impeachment. Tudo isso pode ser muito simbólico e esse filme pode servir como um coroamento para uma nova fase na política e na cultura nacional. Ontem vimos o filme com Ivan. Cada vez que eu vejo, parece que ele é maior. É um filme sobre filosofia? É, mas muito mais que isso. É um filme sobre o Brasil? É, mas muito mais que isso. É um filme sobre formação intelectual? É, mas muito mais que isso. É um filme sobre salvação das almas? Talvez seja precisamente isso. O filme caminha, conforme concebido no roteiro, do plano horizontal para o vertical. Fala de questões sociais e familiares enquanto se dirige para a formação da consciência, a morte, a eternidade. Nesse sentido, o filme pode ser entendido no que Rosselini apresentaria como a pedagogia pela imagem. Ou seja, pegando o espectador pelas mãos e levando-o do plano de percepção horizontal da vida para o vertical – exatamente como Olavo de Carvalho faz em suas aulas ou em sua filosofia propriamente dita. Tudo isso sem cair de maneira alguma em uma autoajuda barata ou num discurso motivacional. A condução procede pela via do que é essencialmente verdadeiro – isto é, o filme desabrocha de maneira suave, como só a realidade concreta das coisas pode fazer. A verdade é mostrada de maneira natural dentro do discurso e da vida do filósofo, fazendo com que ela seja tanto melhor entendida no discurso quanto melhor assimilada e absorvida pela experiência apresentada na narrativa. Não é uma pedagogia pela fala, é uma pedagogia pela vida concreta. Ou seja, é na ação vital do filósofo que o filme conduz o espectador, colocando-o diante do quadro da eternidade e fazendo a pergunta derradeira: o que você vai fazer com sua vida? Durante as filmagens, Olavo comentou que esse filme tomará proporção que não imaginamos e que fará muito sucesso. Prefiro não criar grandes expectativas, mas é muito curioso como toda a série de fatos da história nacional tem se encaminhado para um uma situação em que o lançamento desse filme é decisivo. Jamais poderíamos imaginar esse contexto no momento em que estávamos projetando a realização do filme, no final de 2014. Falando com o Renan Martins dos Santos, dono da Concreta, que patrocina o filme, ele comentou que tudo isso pode ser um alinhamento cósmico. Não só para o filme, mas para o Brasil. Talvez eu esteja exagerando em esperar algum resultado grandioso do lançamento desse filme e devo me contentar somente com o valor que a obra tem em si, que já é enorme. Porém, não posso fechar os olhos para tudo que tem acontecido durante a gestação dessa obra. Monte Mor (SP), segunda, 18 de abril de 2016 – 21h36 Esse é o último registro neste diário. Fiquei mais de 24 horas viajando de Los Angeles 19

para cá. Foi bem cansativo. Aconteceram algumas coisas interessantes na viagem. Foi justamente no dia da votação do impeachment no congresso para depois ir para o STF. Estávamos viajando sem internet, então foi uma aflição muito grande. Fizemos uma escala na Cidade do México e lá encontramos outros brasileiros que também estava aflitos para descobrir o que se passava no Brasil. Conseguimos uma rede Wi-Fi e pegamos o final da votação. No último voto todos começaram a gritar, comemorar e se abraçar. Foi muito bom esse momento com outros brasileiros. Nós fizemos um vídeo da nossa comemoração e postamos na página do Facebook do filme. Foi emocionante. Finalmente o processo de impeachment passou! Já distribui os presentes que trouxe para a família aqui e eles adoraram. Agora vamos marcar uma exibição do filme quarta-feira para um círculo fechado de amigos em São Paulo, em que estarão Rodrigo Gurgel e Roberto Mallet.

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