Manual Psicologia Da Familia

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PSICOLOGIA DA FAMÍLIA

JOSÉ HENRIQUE BARROS DE OLIVEIRA ISBN: 978-972-674-683-6

José H. Barros de Oliveira

PSICOLOGIA DA FAMÍLIA

Universidade Aberta 2002 © Universidade Aberta

Capa de: João Madruga

Copyright ©

UNIVERSIDADE ABERTA – 2002 Palácio Ceia • Rua da Escola Politécnica, 147 1269-001 Lisboa www.uab.pt e-mail: [email protected]

TEXTOS DE BASE (cursos fomais) N.º 244 ISBN: 978-972-674-683-6

© Universidade Aberta

José Henrique Barros de Oliveria Licenciado em Ciências da Educação pela Universidade Salesiana de Roma, obteve o DEA em Psicanálise e o doutoramento em Psicologia pela Universidade de Paris VII. Fez a agregação em Psicologia pela Universidade de Coimbra. É professor catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (grupo de Psicologia) onde rege a cadeira de "Psicologia da Educação" e é investigador do "Centro de Cognição e Afectividade" financiado pela FCT. Colaborou com a Universidade Aberta (Porto) leccionando "Filosofia da Educação" no Mestrado em Relações Interculturais. Tem dado diversos cursos no estrangeiro, particularmente no âmbito do programa Erasmus. Conferencista em muitos Congressos nacionais e internacionais de Psicologia. Membro de várias Associações Científicas de Psicologia. Co-fundador e membro do Conselho Editorial da revista Psicologia, Educação, Cultura, indexada na APA. Exerce a Psicologia Clínica como serviço à comunidade. Autor de mais de meia centena de artigos, particularmente na área de Psicologia da Educação publicados em revistas científicas portuguesas e estrangeiras. É ainda autor dos livros seguintes: • Freud e Piaget - Afectividade e Inteligência. Porto: Ed. Jornal de Psicologia (1991); • Professores e Alunos Pigmaliões. Coimbra: Almedina, (1992); • Inteligência e Aprendizagem - Funcionamento e disfunciona-mento. Coimbra: Almedina (1993); • Psicologia da Educação Familiar. Coimbra: Almedina (1994); • Filosofia, Psicanálise e Educação. Coimbra: Almedina (1997); • Viver a Morte - Abordagem antropológica e psicológica. Coimbra: Almedina (1998), • Psicologia da Religião. Coimbra: Almedina (2000); • Psicologia da Educação Escolar. I - Aluno - Aprendizagem (2.ª edição). Coimbra: Almedina (1999) (1.º autor com A. Barros) • Psicologia da Educação Escolar. II - Professor - Ensino (2.ª edição). Coimbra: Almedina (1999) (1.º autor com A. Barros); • Psicologia do Controlo Pessoal: Aplicações educacionais, clínicas e sociais. Braga: Instituto de Educação - Universidade do Minho (1993) (1.º autor com A. Barros e F. Neto).

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Psicologia da Família 7

Introdução 1. Definição, história e avaliação da família

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Definição de família

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História da psicologia da família

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Avaliação psicológica da família PARTE I: O CASAL 2. Existência conjugal: perspectiva desenvolvimental

37

Estádios de desenvolvimento do indivíduo

41

Ciclo vital do casal

45

Crises na evolução do casal

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Condições de felicidade do casal 3. O Amor, esse (des)conhecido

55

Teorias sobre a atracção interpessoal e escolha amorosa

58

Razões para casar e motivos de (in)felicidade

59

O amor na Bíblia

61

Estádios de desenvolvimento do amor

62

Tipologias do amor

65

Componentes do amor

67

Patologia do amor 4. Harmonia e desarmonia sexual

75

Bio-psicologia diferencial do género

79

Sexualidade conjugal

80

Harmonia sexual e comunicação 5. Doenças do casal – conflitos e divórcio

87

Processos de divórcio – decepção e reconciliação

89

Consequências dos conflitos e do divórcio nos pais e nos filhos

95

Agressividade e violência

96

Melhor prevenir do que remediar PARTE II: PAIS E FILHOS (EDUCAÇÃO) 6. Ser mãe/ser pai

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O primogénito © Universidade Aberta

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108

Filho único ou nenhum filho

111

A figura do pai 7. Educação, contínua geração

122

Perspectiva desenvolvimental

127

Perspectiva diferencial

128

Perspectiva ecológica

132

Casos particulares de educação 8. Estilos educativos parentais

141

Situação histórica

142

Amor vs. hostilidade e autonomia vs. controlo

145

Tipologias dos estilos educativos parentais

149

Implicações dos estilos educativos parentais

150

Autoconceito e inserção social dos filhos

152

Desempenho escolar PARTE III: A FAMÍLIA E A SOCIEDADE 9. A família e a escola

165

Convergência e complementaridade

170

Tipologias, modelos e mecanismos de defesa

172

Situação em Portugal 10. Meios de comunicação social (televisão) e família

184

Influência da TV na escola e na família

185

Perspectiva dos pais e dos filhos sobre TV 11. Famílias idosas

6

193

Aspectos humanos e psicológicos da 3ª idade

196

Luzes e sombras na 3ª idade

197

Reformados e avós

201

12. Famílias disfuncionais

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Bibliografia

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Introdução

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A família ocupa, como célula-base da sociedade, um lugar imprescindível para o futuro da humanidade, pois no seu seio se marca primordialmente e indelevelmente cada criança e por isso o futuro do homem. Deve afirmar-se o lugar central ocupado pela família na construção da identidade individual e como centro do processo de auto-revelação, através de dois reveladores privilegiados: a conjugalidade e a parentalidade (e consequente filiação). A família é o Pigmalião através do qual se realizam as primeiras e mais importantes expectativas ou profecias de realização automática quanto ao futuro do indivíduo e da sociedade (cf. Barros, 1992; Singly, 2000). Gozando a família de saúde, todo o corpo social se apresenta saudável; adoecendo a família, a sociedade cai também enferma. O mesmo se poderia dizer em sentido contrário. A família e a sociedade não funcionam como causaefeito ou como variável independente-dependente, mas como variáveis interactivas ou moderadoras. Porém, a família precede a sociedade ou é a “sociedade” mais primitiva e nuclear. É ela que constitui o fundamento do edifício social ou a raiz da sociedade. Se o fundamento não é sólido, ou se a raiz é pouco profunda, toda a construção ou toda a árvore social ameaça ruína. A família passa hoje por grave crise. Um inquérito realizado pelo Instituto Francês de Opinião (publicado na Enciclopédia A vida do casal, Ed. Denoel, 1969) revelou que um ano após o casamento, 70% dos homens e 78% das mulheres se declaram decepcionados ou infelizes. Após dois anos, esta percentagem sobe para 80 e 85%, respectivamente, e depois de três anos para 89 e 90%. Nos finais da década de 70 havia cerca de 11% de divórcios na Europa (podendo atingir 20% nas cidades), mas nas nações mais evoluídas o nível médio geral era de 20%; portanto, em cada cinco casais, um divorciava. Hoje a percentagem é maior. Se tivermos em conta que muitos não chegam a consumar o divórcio devido a razões religiosas ou morais, ao prestígio social, à preocupação com as crianças ou por razões simplesmente económicas, pode intuir-se a desagragação da família. Assim, uma das coisas mais importantes, senão a mais importante da vida, como é o matrimónio e a família, acaba, em muitos casos, por se tornar um fracasso. Deste modo, cada vez são maiores as reticências em casar, acabando o par por se juntar provisoriamente (união livre), por se banalizar o adultério com o consentimento de ambas as partes, por viverem duas ou mais famílias juntas trocando de cônjuge, etc. Apesar disso, a maior parte das pessoas ainda continua a casar-se e na esperança de nunca divorciar. Na segunda metade do século XX assistiu-se a transformações mais ou menos rápidas e profundas no seio da família. Ao findar do século podia falar-se mesmo em convulsões ou então em agressões à família. Que acontecerá no século XXI, ora começado? Basta invocar a manipulação genética, a procriação assistida, os bancos de esperma, os úteros alugados ou as mães portadoras,

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enfim, toda a problemática relacionada com a procriação. Pense-se ainda nas novas formas de conjugalidade e de parentalidade, nas numerosas famílias monoparentais, nas coabitações ou uniões de facto, nas separações e divórcios, nas famílias reconstituídas onde podem habitar filhos de dois ou três cônjuges diferentes, na permissão de ‘famílias’ homossexuais que reivindicam também o direito de educar, no abuso sexual de menores, nos numerosos abortos, no número crescente de filhos únicos, nas dificuldades acrescidas na educação, na desorientação dos jovens, na depressão e stress de pais e filhos, nas famílias sem pão e sem tecto. Enfim, estamos perante uma crise de identidade da família. Passou-se rapidamente do modelo único de família nuclear para uma grande diversidade de padrões familiares. Esta mudança de paradigma significa uma ruptura na organização mais tradicional e mais antiga do mundo, o que não se fará sem consequências graves, como enfraquecimento das relações afectivas, pulverização dos centros decisores ou uma determinada ‘democratização’ onde é difícil ter lugar a autoridade e a disciplina. Sabe-se que uma das características do mundo actual é a mudança, mas não é a mesma coisa mudar de hábitos alimentares ou de partido político que mudar de figurino em estruturas ancestrais ou em valores que devem ser perenes. As diversas macrotendências (que não ‘modas’) apontadas pelos melhores analistas da sociedade contemporânea, como Toffler ou Naisbitt (cf. Carmo, 2000, pp.37-45), certamente que exigem também da família dramáticas mudanças e adaptações mas que não devem conduzir à sua fracturação ou pulverização sob pena do tecido social poder adoecer de ‘cancro’, como acontece no organismo humano quando as células entram num processo acelerado de desenvolvimento anárquico. Aqui, como noutras instâncias sociais, a mudança tem de acontecer na continuidade e não na ruptura, aproveitando o melhor do passado e integrandoo no presente. No passado, o papel da família consistia fundamentalmente na transmissão do património material e sobretudo espiritual (moral, axiológico, religioso, etc.) de uma geração à outra, enquanto hoje a família tende a privilegiar a construção da identidade pessoal, tanto nas relações conjugais como parentais e filiais. De certo modo, de uma família “vertical” passou-se a uma família “horizontal” e mais personalizada, ao serviço da promoção da pessoa em todas as suas dimensões e no respeito pelo outro (cf. Singly, 2000). Pode falar-se também da passagem duma família “patriarcal” a uma família “nuclear”, de uma família “parentocêntrica” a uma família “filiocêntrica”, de uma família mais “formal” a uma família mais “informal”, de uma família “estável” a uma família”instável” e em reconstrução contínua A nível mais amplo, assiste-se a uma crise das instituições mais proximamente ligadas com a família, como é o caso da escola, sem falar da crise de valores

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na “era do vazio”, do medo do futuro, ou doutros males, como o terrorismo, que afectam gravemente a sociedade de hoje e, por conseguinte, a família. Até ao último quartel do século XX, os antropólogos, sociólogos, historiadores, filósofos e outros estudiosos não prestaram a devida atenção à instituição familiar. Porém, nas últimas décadas muito se tem escrito sobre este tema, a começar pelos antropólogos (cf. e.g. Ghasarian, 1996; Levi-Strauss, 1981; Levi-Srauss et al., 1977; em particular quanto ao incesto, cf. e.g. Crivillé et al. 1994; Lannoy e Feyereisen (1993; Lannoy e Feyereisen (Dir), 1996) e pelos sociólogos (cf. e.g. Bawin-Legros, 1988; Kaufmann, 1999; Segalen, 1981; Singly, 2000; Singly (Dir.), 1992). Note-se que muitos livros escritos sobre a família, mais no âmbito da sociologia, muitas vezes usam conceitos e conteúdos próximos da psicologia, como é o caso do sociólogo francês F. de Singly (1992, 2000), especialista na temática familiar. A nós interessam particularmente os aspectos psicológicos da família, embora não se possam olvidar os sociológicos, dado que a barca da família navega no mar mais amplo da sociedade, reflectindo a sua calma ou as suas tempestades que, por sua vez, também se devem aos ventos que sopram no interior das famílias. Os psicólogos só muito recentemente se debruçaram sobre a família e o seu funcionamento. As grandes correntes clássicas - Psicanálise e Behaviorismo – pouco se interessaram pela família, a primeira porque se centrava quase que exclusivamente no indivíduo, o behaviorismo porque se interessava primordialmente pelos dados observáveis do comportamento. Todavia, Freud e a psicanálise ortodoxa não desconheceram a problemática familiar. Mas foram os psicanalistas posteriores que lhe prestram maior atenção, como Lacan (1978) que analisa diversos complexos (do desmame, da intrusão, complexo de Édipo) que podem ser geradores de neuroses e psicoses. A psicanálise estudou a criança e os seus conflitos com os outros membros familiares, particularmente com os pais (lembre-se o complexo de Édipo), mas não há propriamente uma teoria psicanalítica da família (cf. Tisseron, in Singly (Dir.), 1992, pp. 392-400). Também a psicologia do desenvolvimento em geral se interessou pela evolução cognitivo-afectiva da criança, contando com a sua interacção com os pais, particularmente com a mãe, nos primeiros tempos. Mas outros ramos da psicologia ignoraram durante muito tempo o estudo da dinâmica familiar, talvez porque inconscientemente não acreditavam nas potencialidades da família para o bem-estar da pessoa, ou ainda porque andavam exclusivamente absorvidos com a problemática escolar. Ao menos era de esperar que a Psicologia Social, atenta às interacções entre as pessoas, estudasse também este grupo particular e natural. Mas nem esta prestou grande interesse à família. Talvez uma das razões resida no facto de se tratar duma

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instituição muito particular e complexa, mas também pode estar presente o desinteresse a que votaram esta célula fundamental da sociedade. Porém, a partir da segunda metade do século XX, devido sobretudo às teorias sistémicas, a partir da escola do Palo Alto e da sua teoria do double bind, aplicado também à dinâmica familiar, o panorama foi mudando, sobretudo a nível clínico. A psicoterapia familiar de algum modo precedeu a psicologia da família. O novo paradigma sistémico começou por ser usado a nível clínico (não se concebendo o tratamento de um membro da família sem trabalhar também com os outros membros). Este novo modelo obrigou a interpretar de forma diferente o comportamento global da família ou a abordagem psicológica em geral, para além do tratamento clínico. Efectivamente, a abordagem mais frequente e a mais completa tem de ser a sistémica, dado a família ser considerada como um cacho de indivíduos indissoluvelmente inseparáveis, devendo ter-se uma visão compreensiva e global da situação (cf. Castellan, 1993, pp. 107-135; Relvas, 1996). Apesar de podermos privilegiar a corrente sistémica no estudo da dinâmica familiar, bem como na terapia das disfunções que aparecem a nível familiar, não sognifica que outros ramos da psicologia não aportem o seu contributo, como é o caso da psicologia do desenvolvimento, da psicologia da personalidade, da psicologia social. Os métodos psicológicos em geral usados no estudo da personalidade e do comportamento humano – observação, uso de questionários e de testes, análise de casos, métodos correlacionais, métodos diferenciais, método (quase)experimental, bem como as diversas perspectivas psicológicas (biológica, evolucionista, cognitiva, sócio-cultural) (cf. Bourguigno, in Singly (Dir.), 1992, pp. 401-412; Pinto, 1990, 2001) são também aplicáveis ao estudo da complexa dinâmica familiar em situação normal ou em situações anormais ou particulares, como o divórcio, famílias monoparentais, etc. Hoje, quer os psicólogos educacionais, quer os psicólogos sociais ou os psicólogos da personalidade, estão mais atentos à família, nas suas diversas vertentes e nas consequências que tem para o desenvolvimento integral das crianças e para a felicidade dos indivíduos, em geral. Nas últimas décadas os psicólogos têm-se remido de algum modo da negligência original e são numerosos os estudos sobre Psicologia da Família desde as mais diversas perspectivas. Talvez tenha contribuído para isso o facto de recentes estatísticas, a nível mundial e particularmente a nível da União Europeia, considerarem a família, juntamente com o trabalho e os amigos (cf. Expresso, 29.09.1995), como as coisas mais importantes para a felicidade das pessoas. Apesar do truísmo de que a família está em crise e de haver muitos que a consideram moribunda e lhe preparam o enterro, a verdade é que esta realidade, tão antiga quanto o homem, resiste, apesar das suas múltiplas expressões, e é hoje valorizada mais do que nunca. 12

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A imagem social que hoje se tem da família é de uma instituição em rápidas e profundas transformações, uma instituição em crise. É essa também a percepção que dela têm os jovens, segundo um estudo de Blagojevic (1989), embora se trate duma pesquisa num contexto muito particular (Belgrado). Os jovens (como os adultos) vacilam entre percepções e expectativas positivas e negativas, entre imagens idealistas e realistas, entre interpretações individualistas e colectivistas. De qualquer modo, apesar da crise, a instituição familiar resiste como grande factor de felicidade individual e de estabilidade social. É abundante a literatura e mesmo os Manuais dedicados à Psicologia da Família, sob os mais diversos aspectos (cf. e.g. Durning (Dir.), 1988; Fine, 1989; Frude, 1991; Gottman, 1979; Hinde e Stevenson-Hinde, 1990; Kaslow (Ed.), 1990; Kreppner e Lerner (Ed.), 1989; L’Abate (Ed.), 1985). Há livros menos exigentes do ponto de vista científico, sem deixarem de ser rigorosos, procurando compreender e interpretar melhor tudo o que se passa no âmbito familiar, de tentar reequilibrar e salvar as famílias em crise e de as fazer mais felizes. É o caso, por exemplo, do livro do psicólogo clínico Humphreys (2000) que se baseia fundamentalmente na sua experiência com muitas famílias no sentido de as tornar mais felizes. Outros estudos partem de trabalhos de campo, como é o caso de Touzard (1975) que procedeu a um inquérito psicossociológico a adolescentes sobre os papéis conjugais e a estrutura familiar. Depois da análise dos resultados o autor faz alguns considerandos e termina afirmando que “a criação duma família constitui o risco maior da aventura humana” (p. 129). Na perspectiva educativa – uma das dimensões fundamentais da psicologia da família – os Manuais de Psicologia da Educação ainda se ocupam quase que exclusivamente da Psicologia da Educação Escolar, ou do ensino/ aprendizagem, dedicando eventualmente um capítulo à educação familiar, como é a caso de Beltrán (Dir.) (1985), de Beltrán e col. (1990) ou de Hetzer (1974). Este último autor reconhece que a psicologia pedagógica se tem dedicado sobretudo aos problemas do ensino e da aprendizagem, enquanto “o comportamento e os processos anímicos em situações educativas familiares quase não têm sido objecto de investigação” (p. 397). Tal desconsideração parece injusta, dado que a família condiciona todo o desenvolvimento da criança, a começar pelo desenvolvimento cognitivo e afectivo-motivacional, indispensável para o sucesso escolar. A menos que, a nível inconsciente, os psicopedagogos pensem como Freud, que desconfiava, por diversas razões (cf. Barros, 1987), das potencialidades da educação, em geral, e da educação familiar, em particular. Conta-se que Freud terá respondido a uma mãe que lhe pedia conselhos educativos: - “Faça como quiser; mas de qualquer modo que faça, será sempre mal feito” (in Chiland, 1989, p. 83).

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Em Portugal, também os investigadores têm prestado pouca atenção à problemática familiar, embora haja estudos meritórios (cf. e.g. Abreu, 1996; Abreu et al., 1990; Alarcão, 2000; Fontaine, 1990; Sampaio, 1994; Vaz Serra et al., 1987a, 1987b; Veiga, 1988, 1989). Outros autores falam sobre a família numa perspectiva mais psicoterapêutica (sistémica) (cf. e.g. Costa, 1994; Relvas, 1996,1999; Sampaio e Gameiro, 1992), ou então tratam de casos específicos, como o adolescente e a família (Cordeiro, 1979), novas formas de família (Gameiro, 1999), a violência na família (Costa e Duarte, 2000), ou consequências da ausência do pai (Malpique, 1998), para além de vários estudos no âmbito da psicologia do desenvolvimento. É igualmente de notar o número monográfico da revista Análise Psicológica (1992, nº 1) dedicado à temática familiar, em particular às relações parentais. Não é fácil arrumar nem ordenar em alguns capítulos a complexidade temática da psicologia da família. Mas em geral, como acontece na revista Journal of Family Psychology, frequentemente encontra-se uma secção mais orientada à problemática do casal em si ou das relações conjugais, e outra mais dirigida à sua relação educativa com os filhos, para além de outros temas que têm a ver com a relação da família com outras instituições, como a escola ou os mass media, e ainda temas como a velhice e a família ou ainda diversas anomalias da família, como a violência (há mesmo uma revista especializada neste problema – Family violence), alcoolismo e drogas, depressão e suicídio, pares homossexuais, etc. Assim, fundamentalmente, dividiremos o livro em três partes: o casal – pais e filhos (educação) – a família e a sociedade. Um capítulo introdutório, tenta definir o que se entende por família, traçar uma breve história da psicologia familiar e ainda referir alguns instrumentos de avaliação psicológica da família. Dedico este trabalho introdutório, em primeiro lugar, a todos os casais, pois da qualidade da interacção conjugal depende em grande parte o ambiente familiar e a educação dos filhos (Bray e Berger, 1993; Kerig, Cowan e Cowan, 1993). Pensei outrossim nos profissionais da educação, designadamente nos professores, que têm de contar com a educação praticada na família e que interage com o comportamento e a aprendizagem dos alunos-filhos; os professores tornam-se (ou podem tornar-se), de qualquer forma, através dos alunos, educadores dos pais. O livro pode também ser útil a formadores de pais (escola de pais) e ainda a psicólogos da educação que na escola sentem os problemas da família e tentam a aproximação destes dois pólos educativos fundamentais - família-escola ou escola-família. O livro interessa ainda a todos os psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e outros profissionais que lidam com a família, a sua promoção e os seus problemas. Mais directamente dirigese aos estudantes que procuram introduzir-se na problemática do comportamento familiar.

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1. Definição, História e Avaliação da Família

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Objectivos de aprendizagem Este capítulo introdutório pretende levar os interessados no seu estudo a: • Saber o que se entende por família e os elementos essenciais que a constituem, para além das diversas polémicas. • Traçar os momentos principais por que passou o estudo e a investigação psicológica da família e os conteúdos da Psicologia da Família. • Ser capaz de referir algumas técnicas ou instrumentos de avaliação psicológica da família e eventualmente de os aplicar.

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Antes de nos adentrarmos no estudo da psicologia da família, importa definir o que se entende por cada um dos dois vocábulos que constituem este duo – psicologia e família. Definir psicologia não é fácil, pois cada corrente ou autor insiste nalgum aspecto, conforme a teoria ou escola onde se filia: um psicanalista insistirá nos processos inconscientes, um behaviorista no comportamento (manipulado) observável, um cognitivista nos processos mentais que subjazem ao comportamento, um fenomenologista e/ou humanista nas motivações e na dinâmica afectiva da pessoa. Mas, em geral, podemos definir psicologia, conforme a etimologia, como ciência da “psiquê” (alma, espírito), ou então como ciência do comportamento ou ciência da personalidade. Assim, psicologia da família seria o estudo científico do comportamento (e do que lhe está subjacente: expectativas, afectos, etc.) de cada um dos membros que constituem o casal e a família, em contínua interacção: relação dos pais com os filhos e vice-versa, ou com outros membros que incluem o núcleo familiar, e ainda a relação da família com o meio envolvente ou a sociedade onde se insere, numa perspectiva psicológica que tende a ser cada vez mais sistémica.

1.1

Definição de família

Mais difícil é definir o que se entende por família, dada a sua complexidade e actual mobilidade. A Marriage and Family Review dedicou um número do vol. 28 (1999) a tentar compreender os diversos conceitos e definições da família, perspectivando-a no século XXI, pois o seu conceito e estatuto foi mudando ao longo dos séculos e continua em mudança. Trata-se de um construto pluridimensional e multicultural, sendo diversificadas as vivências familiares conforme as diversas culturas, para além dos tempos. Enquanto, por exemplo, Holstein e Gubrium (1999) procuram definir a família a partir duma abordagem “construcionista social”, Bernardes (1999) afirma que não se deve definir a família, dado haver muitas classes de família. Efectivamente, muito tem mudado o conceito de família nos últimos tempos. Basta pensar em tantas famílias constituídas por pai e madrasta (ou mãe e padrasto) onde convivem filhos naturais, meios irmãos, enteados; ou então famílias monoparentais, com a mãe ou o pai a viver só com o(s) filho(s); ou pensar no reduzido número de filhos, sendo muitos os casais que não têm nenhum ou apenas um; ou então no número crescente de separações e divórcios ou de uniões de facto que podem ultrapassar os casados religiosa ou civilmente; ou então admitir, mesmo politicamente, as ‘famílias’ homossexuais em igualdade de circunstâncias com as famílias tradicionais. Castellan (1993) afirma que o par fundador duma família é “um conjunto de duas pessoas que se unem com intenção de os cônjuges não sintam a © Universidade Aberta

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necessidade de institucionalizar a sua união, distinguindo-se assim das díades de coabitação, apesar destas também poderem ser duradouras. Fundar uma família compromete o futuro sobre dois planos: a auto-realização do casal e a sua realização através dos potenciais filhos, excluindo-se assim do conceito de verdadeiras famílias as uniões, mesmo que eventualmente duradouras, de duas pessoas de igual sexo, sem possibilidades de ter filhos naturais, apesar da lei lhes poder dar o direito de adopção. Noutra obra, Castellan (1994), define a família como “uma reunião de indivíduos unidos pelos laços do sangue, vivendo sob o mesmo tecto ou num mesmo conjunto de habitações, e numa comunidade de serviços” (p. 5). A autora insiste novamente na duração desta relação. Mais adiante pergunta se a família é substituível ou insubstituível, respondendo que “a família natural não é nem substituível nem insubstituível, em princípio, o que permite vislumbrar uma fórmula familiar que vai alastrando: a família recomposta” (p. 115). Mas as mulheres têm mais dificuldade em constituir novas famílias e muitas destas falham novamente. Por isso é que a autora se pergunta ainda sobre a possível morte da família, havendo quem a advogue em benefício de outras formas de convivência, como comunidades diversificadas. Outros movimentos promovem o celibato e o não compromisso com outro cônjuge e com os filhos. Mas pondo-se a família tradicional em crise, pode estar em crise a própria humanidade, pois a diminuição de natalidade já atingiu, na Europa e no mundo ocidental (podendo ocorrer o mesmo, dentro em breve, no terceiro mundo), valores alarmantes. Por isso Castellan conclui que “a transmissão da vida é o problema colocado ao fim do milénio” (p. 119) e, acrescentamos nós, ao novo século e milénio. Lévi-Strauss (in Levi-Strauss, Gough e Spiro, 1977) inicia um estudo sobre a família deste modo: “a palavra família é de uso tão comum, e refere-se a um tipo de realidade tão ligado à experiência quotidiana, que poderia pensar-se que este trabalho depara com uma situação simples” (p. 5). De facto assim não acontece e o estudo comparativo da família entre os diversos povos suscitou grande polémica entre antropólogos. Assim, na segunda metado do séc. XIX e no início do século XX, sob influência do evolucionismo, pensou-se que também a instituição familiar teria evoluído desde formas muito primitivas até às actuais onde prevalece a monogamia. Todavia, o estudo de povos primitivos veio provar que desde o início existiam instituições familiares semelhantes às actuais. Assim, facilmente alguns concluíram que “a família, constituída por uma união, mais ou menos duradoura e socialmente aprovada, de um homem, uma mulher e os filhos de ambos, é um fenómeno universal que se encontra presente em todos e em cada um dos tipos de sociedade” (p. 7). Mas trata-se de “posições extremas”, ambas pecando “por simplismo” (p. 7). Facto é que houve muitos tipos de famílias, assistindo-se, por exemplo, a diversas formas de poligamia e poliandria, embora a monogamia já estivesse 20

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presente desde o início e se trate duma forma muito frequente. De qualquer modo, “o problema da família não deve ser tratado de forma dogmática” (p. 13). Mas é pertinente – acrescenta Lévi-Strauss – construir um modelo ideal daquilo que pensamos quando utilizamos a palavra família e que serve para designar “um grupo social que possui, pelo menos, as três características seguintes: 1) tem a sua origem no casamento; 2) é formado pelo marido, pela esposa e pelos filhos nascidos do casamento, ainda que seja concebível que outros parentes encontrem o seu lugar junto do grupo nuclear; 3) os membros da família estão unidos por laços legais; direitos e obrigações económicas, religiosas e de outro tipo; uma rede precisa de direitos e proibições sexuais, além duma quantidade variável e diversificada de sentimentos psicológicos, tais como amor, afecto, respeito, temor, etc.” (p. 14). No mesmo livro, o estudo de Gough (in Levi-Strauss, Gough e Spiro, 1977) que se debruça particularmente sobre a origem da família, diz que esta pode ser definida como “um par casado ou outro grupo de parentes adultos que cooperam na vida económica e na criação dos filhos, a maior parte dos quais, ou todos, residem em comum” (p. 46). Silva e Smart (1999), no primeiro capítulo do livro editado por eles, afirmam que se assiste actualmente a um grande debate “epistemológico e moral sobre o que a família é e sobre o que a família deve ser” (p. 1). Para alguns é fácil definir o que a família deve ser: união de dois cônjuges heterossexuais residindo em comum em ordem à procriação e educação da prole. Neste sentido, tantos divórcios, famílias monoparentais ou sem filhos fazem pensar na decadência da instituição familiar com graves consequênas sociais. Mas outros consideram menos importante o casamento, a heterossexualidade, a residência comum, a educação dos filhos, não se preocupando demasiado com as mudanças radicais na família, admitindo antes novas formas de família. Os autores colocam-se a exemplo de outros autores, como Giddens (1992) e Beck e Beck-Gernsheim (1995) - nesta perspectiva aberta a novas formas de constituição familiar, segundo o próprio título interrogante do livro: “a nova família?” A mudança dá-se entre a continuidade e a diversidade ou mesmo a rotura. Exemplo disso são as uniões de facto, mesmo entre homossexuais a quem é permitido também, em algumas nações, adoptar filhos. É evidente que tais novos modelos familiares não se fazem sem riscos mais ou menos graves que só o futuro porá em realce, quer para o casal, quer para os filhos, quer para a sociedade em geral, se admitirmos que a família, de uma forma ou de outra, continua a ser a célulabase do tecido social. Há quem afirme que a família tradicional nuclear tende a desaparecer frente a famílias monoparentais, famílias adoptivas, famílias homossexuais, famílias comunitárias. Na realidade a família tradicional resiste, apesar de tantas agressões desde o exterior e do interior, e muitas das ‘novas’ formas de ‘família’,

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mormente as famílias reconstituídas, constroem-se sobre o modelo tradicional. Em todo o caso é a própria Organização Munidal de Saúde (1994) que amplia o conceito de família ao afirmar que “o conceito de família não pode ser limitado a laços de sangue, casamento, parceria sexual ou adopção. Qualquer grupo cujas ligações sejam baseadas na confiança, suporte mútuo e um destino comum, deve ser encarado como família”. Todavia, ampliando um pouco mais estes critérios quase poderíamos denominar família qualquer grupo humano. Por isso, a nosso entender, deve continuar a considerar-se a família, como tradicionalmente se tem entendido, e a grande maioria das pessoas a entende, como casal estável, fundado no amor e na vida em comum, capaz de procriar e educar a prole. O próprio vocábulo “casal” aponta nesse sentido. Etimologicamente, “casal” provém do latim casa, que significa “cabana” ou “pequena quinta”, supondo-se que o casal vive sob o mesmo tecto. Em francês, couple tem na base etimológica o sentido de “reunir”, “juntar”, sendo o casal constituído pela união de duas pessoas. A habitação conjunta pressupõe uma relação privilegiada e duradoura que se expressa sexualmente, sendo potencialmente procriadora, supondo-se por isso que o casal é constituído por um homem e uma mulher.

1.2

História da Psicologia da Família

A revista Journal of Family Psychology dedicou, no vol. V (1992), um número especial duplo (nº 3/4) à diversidade da psicologia contemporânea da família, procurando compreender, desde diversas perspectivas e autores, o que a psicologia da família é, para onde caminha e o que deve ser, conforme se lê na introdução de Liddle (1992a) que cita outro artigo seu sobre a “tarefa duma disciplina emergente e emergida” (Liddle, 1987) e também um artigo de Kaslow (1987) dando conta das “tendências na psicologia da família”, numa perspectiva do passado, do presente e do futuro. Liddle (1992b) descreve, em traços gerais, o “progresso e as perspectivas duma disciplina em maturação”, cuja expressão mais visível é, talvez, a terapia familiar, manifestação clínica da nova disciplina, cujo título – psicologia da família – também é recente (L’Abate, 1983). Não obstante, podemos encontrar muitos conteúdos ímplícitos, pertencentes a esta área, em revistas e livros sobre psicologia do desenvolvimento, psicologia da criança e do adolescente, psicologia social, psicologia da personalidade, etc. Liddle (1992b) apresenta diversos desafios que no futuro se põem à psicologia da família, a começar pela diversidade temática com um grande leque de questões e perspectivas diversas, onde se podem ouvir as mais diversas “vozes”,

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segundo a metáfora de Kaslow (1990). Um dos problemas principais da psicologia da família é o fraco envolvimento programático que a caracteriza, dada a pouca atenção que a psicologia clássica académica lhe tem prestado, mais centrada na terapia familiar do que nos diversos tópicos da psicologia da família. Porém, cada vez mais os autores procuram dar um estatuto científico a esta nova ciência psicológica. Na verdade ela pode dar um contributo notável para a compreensão e tratamento de tantos problemas que afligem a instituição familiar, como a violência, o abuso sexual de crianças, o mal-estar e depressão do casal, o abuso de drogas, etc. Neste número especial do Journal of Family Psychology aparecem outros artigos, como o de Markman (1992) que pensa que a família tem um papel fundamental na defesa e promoção da saúde mental e que, através dela, é melhor prevenir do que remediar tantos males que afectam o casal e por isso também as crianças e a sociedade em geral. Daí os desafios que se colocam à psicologia da família a partir de diversas perspectivas, sem excluir a contextual e multicultural. Por sua vez, Gable, Belsky e Crnic (1992) pensam que a psicologia do desenvolvimento da criança andou durante muito tempo, ao menos até à década de 70, desfasada da família, mas que é nesse contexto que deve ser primordialmente integrada e estudada, pois que o funcionamento do casal, da educação e da família, em geral, afectam sobremaneira o desenvolvimento positivo ou negativo da criança. O artigo de Pinsof (1992) tenta apresentar as componentes principais na tentativa de encontrar um paradigma científico da psicologia da família, definida como uma ciência e profissão votada essencialmente a melhorar a qualidade de vida da família. Este paradigma incorpora três elementos principais: a componente sistémica, enquandrando a psicologia da família, do ponto de vista epistemológico, dentro de outros sistemas humanos; a componente integradora de todos os aspectos abrangidos pela psicologia da família, como a dimensão cultural, sexual e terapêutica; a dimensão processual ou temporal, considerando a evolução da psicologia e da psicoterapia da família ao longo do tempo. Outra revista importante dedicada não apenas à família mas também ao casal em si, como indica o título, é Marriage and Family Review com números monográficos sobre diversa problemática matrimonial e familiar, como a paternidade e a maternidade, sexualidade na família, divórcio, famílias com padrasto ou madrasta, famílias migrantes, perspectivas interculturais, etc., e mesmo temas muito específicos como a medicina familiar, os novos movimentos ou cultos religiosos e a família, aspectos económicos (herança, negócios, etc.), casamentos mistos (interculturais), o stress social e a família, homossexualidade e relações familiares, obesidade e a família, comportamentos disruptivos (violência, prostituição, suicídio), a Sida e a família, o lazer na família, os computadores e a família, os animais domésticos… © Universidade Aberta

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Kaslow (1991) debruçando-se sobre a arte e a ciência da psicologia da família, numa perspectiva retrospectiva e prospectiva, pensa que a psicologia da família se tem desenvolvido em extensão e profundidade, a ponto de hoje ser reconhecida, em muitas nações, como um ramo da psicologia. A família deve ser estudada a nível de microcélula, mas também a nível macrossocial, pois ela funciona como interface entre outros sistemas sociais. A psicologia da família deve abordar problemas teóricos e também metodológicos a nível das pessoas que a constituem mas também numa perspectiva holística ou ecológica. Muitos livros com títulos ou referências à Psicologia da Família, na realidade tratam do psicólogo da família numa perspectiva essencialmente de intervenção clínica ou terapêutica. É o caso de Voices in Family Psychology, em dois volumes, editado por F. Kaslow (1990) onde uma série de psicólogos relatam as suas experiências pessoais ou investigações a partir das mais diversas “vozes”, teorias ou formações, onde prevalece a psicanálise e o behaviorismo mas também modelos mais integrantes e sistémicos, como diz Coleman na Introdução. O editor considera o livro como “um testamento do trabalho de várias dezenas de líderes teóricos, investigadores, professores/treinadores e clínicos que se classificam a si mesmos sob a ampla rubrica de psicologia familiar” (p. 13). Os dois volumes são arrumados duma forma histórica, distinguindo-se quatro “gerações” ou momentos de interpretação e prática da psicologia familiar, embora tal distribuição possa tornar-se um tanto “arbitrária”, como reconhece Kaslow no Prefácio (p. 12). A ideia do livro partiu do empenhamento de Kaslow na 43ª divisão da APA, denominada precisamente “Psicologia da Família”, donde surgiu também a revista homónima Journal of Family Psychology, que apresenta como subtítulo “Revista da divisão da Psicologia da Família da APA (divisão 43)”. Esta revista apresenta uma grande variedade de temas. No início dos anos 90 havia muitos artigos sobre terapia familiar desde as mais diversas perspectivas, mas mais recentemente centrou-se principalmente em temas referentes ao casal em si (marital relationships), ou relacionados com a educação dos filhos (parenting) ou situações ’anormais’ da família, como a separação e divórcio, conflitos e violência, alcoolismo e drogas, depressão e suicídio, pares homossexuais. Há números ou secções especiais, por exemplo sobre adolescentes com problemas de drogas e outros (1996, 10, 1) ou com sida (1997, 11, 1) ou sobre famílias multiculturais (2000, 14, 3) com artigos sobre famílias chinesas, afro-americanas ou méxico-americanas, ou então sobre questões metodológicas (1995, 9, 2). Encontram-se também artigos sobre a violência familiar, mas há uma revista que trata expressamente deste drama – Journal of Family Violence – referindo-se à violência física, psíquica, sexual e outras formas mais ou menos expressas de violência exercida sobre as crianças, mas também sobre a mulher.

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Há periódicos que acentuam particularmente a vertente terapêutica, como Journal of Marital and Family Therapy. Para além das revistas, muita bibliografia sobre a família é especializada na terapia, como é o caso de The handbook of family psychology and therapy em dois volumes, editado por L’Abate (1985). No Prefácio, o editor realça a importância da família a quem os psicólogos no passado não prestaram a atenção devida nem se prepararam para intervir a esse nível. Felizmente a situação está a mudar e um exemplo disso é este Manual onde os mais variados especialistas cobrem as mais deversas áreas da vida familiar, desde pais a filhos, da vida do casal à educação. Na realidade sabemos pouco sobre o que acontece nas famílias, e desconhecemos ainda mais o modo como as coisas acontecem (I, p. 45). Muitos outros livros abordam a terapia familiar desde as mais diversas perspectivas e correntes, como é o caso do livro editado por Hahlweg e Jacobson (1984), fruto dum simpósio num Congresso Internacional sobre a terapia matrimonial behaviorista. Outros privilegiam abordagens psicanalíticas, cognitivistas, humanistas ou sistémicas. Há livros que se debruçam particularmente sobre alguns problemas matrimoniais, numa perspectiva desenvolvimental, como é o caso de The developmental course of marital dysfunction, editado por Bradbury (1998), onde diversos especialistas estudam, a partir de trabalhos empíricos, algumas disfunções do casal ao longo da sua evolução, mas também outros aspectos como a comunicação, processos de acomodação, a felicidade, etc. Trata-se dum bom livro para compreender como é que o casal desenvolve a sua própria (in)felicidade, como promove ou deteriora as suas relações, a partir dos primeiros anos de casamento e mesmo já antes de casar. No campo clínico, muitos autores privilegiam uma abordagem sistémica, como é o caso de Relvas (1996), visto que na realidade a família é um organismo vivo e um sistema em evolução contínua, dependendo do tempo e de muitas outras circunstâncias, como é o aparecimento e crescimento dos filhos.

1.3

Avaliação psicológica da família

Sendo a família tão importante, é necessário dispor de instrumentos fidedignos e válidos de avaliação psicológica dos diversos aspectos do casal e dos filhos. Existem, por exemplo, escalas sobre os diversos estilos ou atitudes em relação ao amor (Neto, 1992, 2000) ou sobre os estilos educativos parentais (Barros, 1994). Mas há muitos outros instrumentos, particularmente questionários; infelizmente a maior parte não estão adaptados à população portuguesa. Grotevant e Carlson (1989) têm um livro intitulado precisamente“Avaliação da família (um guia de métodos e medidas)” que constitui um precioso © Universidade Aberta

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instrumento, quer para investigadores quer para terapeutas, sobre a avaliação da família nas suas mais diversas perspectivas, no conjunto das interacções pais-filhos, na avaliação do stress e do coping, etc., embora não apresente instrumentos mais precisos da interacção do casal em si. Como são diferentes as diversas abordagens da família, dependendo das diversas teorias psicológicas, também as ferramentas de avaliação são diversificadas, mas todas seleccionadas com rigor científico, umas dirigidas mais à observação através de agentes externos e outras à auto-avaliação ou auto-reportagem (questionários). Os dois processos têm as suas partes fortes e fracas. Ideal seria combinar os dois métodos. Os autores organizam cada escala dentro do mesmo esquema: informação geral, descrição do questionário, processos de administração, avaliação (fidelidade e validade), um breve sumário, referências fundamentais e ainda um eventual comentário. Pena é que, em apêndice, não sejam fornecidos ao menos alguns questionários, o que facilitaria o seu uso, dadas as dificuldades em ter acesso aos originais. Em particular sobre os cônjuges, é conhecida a escala de satisfação matrimonial (ENRICH) de Fowers e Olson (1993) que procura avaliar a qualidade do amor entre o casal através de dez domínios. Outras escalas tentam avaliar principalmente a comunicação do casal em conflito, como a MADS de Arellano e Markman (1995) que encontram na sua escala suficientes qualidades psicométricas capazes de avaliar a comunicação entre o casal, designadamente em situações conflituosas, partindo da hipótese de que a maior causa de insatisfação do casal reside na sua incapacidade de lidar com os afectos negativos particularmente durante as discussões. Podemos ainda apontar algumas técnicas de diagnóstico (e de terapia) da situação familiar, referentes particularmente às crianças, umas de ordem mais geral e outras mais específicas: 1) Técnicas gerais: a) métodos directos, em particular a observação e os questionários. Embora pareçam instrumentos eficazes, são de valor reduzido, particularmente no caso de crianças, porque os sintomas apresentados são muitas vezes a tradução inconsciente e transferida dos verdadeiros problemas. A descrição dos sinais clínicos pode não ir ao fundo do problema. Interrogar as crianças também não nos traz muitas mais indicações, porque pode fornecer respostas inibidas e deturpadas pelo medo e pela angústia. Mesmo em clima de confiança, a criança não ousa traçar um quadro exacto. Interrogar os pais sobre os filhos também apresenta grandes limitações, pois eles podem deformar, consciente ou inconscientemente, a verdade, por ignorância ou por autodefesa, ou interpretá-la a seu modo. Mesmo o seu testemunho sincero pode não ser objectivo. 26

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b) a psicanálise: Se os métodos de abordagem directa são lábeis, pode lançar-se mão dos processos indirectos, como a psicanálise. Fizeramse muitas tentativas de a aplicar às crianças, polemizando M. Klein com A. Freud sobre o melhor processo (cf. M. Klein, 1982) Apesar das diversas tentativas, é difícil a psicanálise infantil, porque não resulta a associação livre (é normal a mitomania nas crianças) nem a ‘via régia’ da análise dos sonhos (a maior parte deles são pobres e uniformes de conteúdo: medo, desejo, culpabilidade...); c) técnicas projectivas comuns. O Rorschach só é aplicável a partir dos 9 anos e o TAT a partir dos 11 ou 12, mas menos próprio para as crianças; por isso Bellak criou o CAT (com figuras de animais). O teste Szondi é susceptível de muitas críticas. 2) Técnicas projectivas (para crianças): a) técnicas visuais. Lydia Jackson criou o “Teste de atitudes familiares”, semelhante ao TAT de Murray, visando explorar as relações familiares da criança. Fulchignoni (in Porot, 1979), criticou os testes deste género com imagens fixas, preferindo usar o filme que ‘hipnotiza’ melhor a criança. Assim, criou o “teste fílmico dos canários” onde se projecta a vida de um casal de canários e depois se faz um inquérito às crianças. Parece interessante, mas é preciso dispor do material... b) técnicas verbais: histórias, fábulas. Melhor que um “tema livre” (que em geral dá indicações medíocres) são as “histórias sobre um tema dado” (já a mãe de Goethe lhe contava histórias até meio, que o poeta devia completar). Foi Backes-Thomas a primeira a utilizar metodicamente a técnica das histórias a completar; são 10 histórias, 4 delas referindo-se às relações familiares. Luísa Duss em 1940 propôs o método das fábulas a completar. Há também a prova dos 3 desejos: pergunta-se à criança quais das 3 coisas gostaria mais de ver realizada... c) técnicas lúdicas: o jogo livre e espontâneo (os mesmos inconvenientes que o tema livre) ou a modelagem (mas com pouco valor no caso presente). O melhor são os jogos de bonecos (robertos, fantoches, marionetas) onde são espontâneas as identificações da criança com os diversos personagens ‘bons’ ou ‘maus’. Pode usar-se também o psicodrama de Moreno; d) técnicas gráficas: o desenho livre, ou melhor sobre temas dados, particularmente sobre a família. Talvez o método de “desenha a tua família” seja o mais indicado, desde que o psicólogo esteja presente para se dar conta de quem é desenhado em primeiro lugar e outros

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pormenores, sobre os quais deve dialogar com a criança, mandar identificá-los, perguntar pelas personagens ausentes, etc. Normalmente, o personagem mais importante é colocado no plano superior (muitas vezes usa dois planos), à esquerda, e desenhado em primeiro lugar; atenção à grandeza, ao gesto, à falta de algum membro (não desenhar um braço pode ser minimizar o personagem, tirar-lhe as mãos pode significar castigo...), às cores, etc. É uma técnica simples, mas não se deve entrar em interpretações ingénuas, sem ter em conta outras fontes de informação e uma experiência grande de interpretação. Graesser teve a feliz ideia de convidar a criança a desenhar a família sob a forma de animais, o que lhe permite expressar mais livremente os seus sentimentos (cf. Porot, 1979; Hetzer, 1974).. Muitos outros testes de diagnóstico ou de terapia se poderiam citar, a nível de inteligência ou de personalidade, particularmente na área dos projectivos, quer para adultos quer para crianças, como as figuras de Rosenzweig ou o “pata negra” (entre a muita bibliografia sobre o argumento, cf. e.g. Anastasi, 1973). Trata-se de instrumentos úteis, embora a ser usados com circunspecção e competência, para avaliação do comportamento de pais e filhos.

Resumo Não se afigura tarefa fácil definir o que se entende por família, mas os autores insistem em alguns elementos essenciais, como a duração da relação, a vida em comum, a convergência de serviços, a heterossexualidade do casal capaz de procriar e educar a prole. Todavia hoje assiste-se a uma multiplicidade de novas formas de família. Em todo o caso, não se pode chamar família a qualquer encontro, mais ou menos duradouro, de duas ou mais pessoas. É necessário esclarecer as motivações e as finalidades e verificar a sua execução. Durante muito tempo os psicólogos praticamente se alhearam da complexa problemática familiar. Por isso a história da psicologia da família conta ainda poucas décadas. Em compensação, actualmente assiste-se a um grande desenvolvimento da investigação e intervenção neste domínio. Sendo a família uma instituição tão importante, ou mesmo a mais importante da sociedade, e tão complexas as situações e interacções que se verificam no seu seio, é necessário dispor de alguns instrumentos de avaliação e intervenção nas diversas situações. Há medidas sobre variados aspectos do casal e da parentalidade, mas poucas estão adaptadas para a população portuguesa.

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Interrogações e sugestões O que é que entende quando diz ‘família’? Aponte os aspectos ou elementos que julga essenciais para a constituição duma verdadeira família e os que reputa acidentais. Indique algumas novas formas de família e tente avaliá-las criticamente. Trace as linhas principais da evolução histórica da psicologia da família. Para avaliar as diversas situações da vida familiar é necessário dispor de instrumentos adequados: Aponte diversas técnicas usadas para diagnosticar e eventualmente para intervir em várias situações conjugais e parentais. Como sugestão, poderia fazer um breve inquérito a diversas pessoas, diversificando a idade, o sexo, a cultura e eventualmente a classe social, sobre o que é que as pessoas entendem por família, como a definem e o que julgam mais importante para a constituição duma verdadeira família.

Leitura complementar Ao longo da exposição já foram citados vários autores e obras conforme os diversos temas e que podem ser consultados na bibliografia. Para aprofundar este capítulo introdutório, poderia consultar-se especialmente algum número monográfico da revista Journal of Family Psychology e/ou da Marriage and Family Review ou ainda algum Manual de Psicologia da Família, como o editado por L’Abate (1985).

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PARTE I O Casal

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2. Existência Conjugal: perspectiva desenvolvimental

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Objectivos de aprendizagem No final deste capítulo deve ser capaz de: • Compreender melhor os estádios de desenvolvimento segundo Erikson. • Apontar alguns estádios do ciclo vital do casal, segundo diversos autores. • Comprender as diversas crises por que passa o casal e apontar algumas razões da sua ocorrência. • Apontar alguns indicadores de felicidade ou de infelicidade do casal.

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A conhecida fórmula de Lewin (1951) pode servir para compreender o desenvolvimento da família: C=f(P,M): o comportamento é uma função da pessoa e do meio ambiente envolvente. Swensen (1977) aplicou a fórmula à relação entre as pessoas, a começar pela família: R=f(P1, P2…Pn)M: a relação é função das diversas pessoas envolvidas e do meio ou situação onde se processa a relação. Aplicando à família, a relação muda quando alguma pessoa ou o meio muda. Assim, a família está sempre a mudar, não apenas devido ao sucessivo desenvolvimento físico e psicológico de cada um dos seus membros, mas também pelas contínuas mudanças ambientais, devido a factores sóciopolíticos, económicos, comunicacionais e outros (cf. L’Abate, 1985, I, pp. 73-101). O melhor processo para compreender minimamente a família é usar uma abordagem sistémica, como fazem diversos autores. Relvas (1996) tem-se dedicado particularmente à terapia familiar desde uma perspectiva sistémica, consciente de que “não se faz terapia da família; faz-se terapia com a família” (p. 5). Efectivamente, a família (e por isso a terapia familiar) é entendida “como um sistema, um todo, uma globalidade, que só nessa perspectiva holística pode ser correctamente compreendida” (p. 10). Segundo Gameiro (1992) (in Relvas, 1996, p. 11) “a família é uma rede complexa de relações e emoções que não são passíveis de ser pensadas com instrumentos criados para o estudo dos indivíduos isolados (…) A simples descrição de uma família não serve para transmitir a riqueza e complexidade relacional desta estrutura”. Trata-se de “uma só carne em pessoas separadas”, conforme título sugestivo de Skinner (1976), certamente inspirado na Bíblia que afirma a união do casal para constituírem “uma só carne”. O sistema familiar é muito complexo e sui generis, com características ou propriedades particulares, onde o todo é maior do que a soma das partes, com diversos subsistemas (como o conjugal, o parental, o fraternal), sistema hierarquizado e aberto a outros sistemas (a outras famílias, à escola, à sociedade). Trata-se ainda dum sistema ou de um organismo vivo e em contínua evolução através do seu ciclo vital de desenvolvimento que vai desde o casamento, ou do momento em que o casal se conheceu, até à velhice e à morte, passando pelo nascimento do(s) filho(s), seu crescimento e casamento, com o consequente abandono do lar, até à reforma e ao envelhecimento progressivo do casal primitivo.

2.1

Estádios de desenvolvimento do indivíduo

Antes de falarmos propriamente das diversas fases de evolução por que passa o casal, vejamos antes os diversos estádios de evolução do indivíduo. Muitos © Universidade Aberta

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dos psicólogos do desenvolvimento humano, como Freud e Piaget, limitaramse a estudar a evolução cognitivo-afectivo-social das crianças e dos adolescentes, não nos esclarecendo sobre o desenvolvimento dos adultos e eventualmente dos idosos. Acontece que na família, antes de mais estão presentes adultos – o casal – que posteriormente passam a ser pais. Depois vêm os filhos que, em determinada altura, atingem também a maturidade. Por isso, é necessário compreender minimamente a evolução psicológica do adulto jovem, do adulto médio e do adulto idoso, uma vez que os noivos são pessoas adultas (ou ao menos deviam ser). O sistema mais conhecido dos estádios de desenvolvimento que cobrem todo o arco da vida, é o de Erikson (1950) que se inspira, para os primeiros estádios, em Freud. O autor descreve cada estádio como uma tarefa desenvolvimental que deve ser resolvida antes de se atingir o estádio seguinte, embora a tarefa específica de cada estádio se possa prolongar nos outros. Erikson dá importância à interacção social da criança com o meio e explica o desenvolvimento não apenas em termos de sexualidade mas da personalidade em geral. Ele referese ao “princípio epigenético” ou potencial de crescimento. Inicialmente formulou o seu quadro de referência em termos de estádios de crises, fornecendo definições bipolares da crise de cada estádio. Mais recentemente, Erikson (1982) sugeriu que cada um destes opostos pode ser resolvido numa nova condição. Erikson aponta oito etapas, cada uma delas implicando uma crise central (que pode resolver-se positiva ou negativamente) com tarefas concretas de desenvolvimento. Eis as diversas etapas descritas sucintamente e com alusões educativas: - confiança básica versus desconfiança (1º ano - sensorial - oral): a criança tem necessidade de ganhar confiança em si e nos outros. Se as suas necessidades são satisfeitas, sente-se confiante, segura, feliz e sociável (resolução: esperança); de contrário, pode gerar insegurança e desconfiança com consequências nefastas no futuro; - autonomia vs. vergonha e dúvida (2º ano - muscular - anal): transição do lactente, totalmente dependente da mãe, para o começo de certa autonomia e domínio do ambiente, embora dentro das normas (resolução: vontade). Se os pais impõem demasiadas exigências e ameaçam com castigos, a criança perde o sentido da independência e da auto-confiança; - iniciativa vs. culpa (2-6 anos - locomotor - genital): neste período cresce a busca da autonomia, que a locomoção facilita, bem como um maior domínio linguístico. A criança toma iniciativas procurando impressionar os adultos. Se recebe apoio, redobra de confiança e ensaia 38

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novas iniciativas (resolução: finalidade); pelo contrário, se é acolhida com indiferença e punição, desenvolve sentimentos de culpabilidade, inibição e medo; - competência (mestria) vs. inferioridade (6-11 anos - latência): com a saída para a escola, a criança afasta-se mais dos pais em direcção aos coetâneos, o que lhe exige novas competências. Deve aprender a cooperar, a partilhar, a conviver, a trabalhar. Se a criança sai bem desta primeira grande experiência social sente-se mais motivada para novos progressos (resolução: competência); de contrário, desenvolverá sentimentos de inferioridade em relação aos colegas e baixará a sua auto-estima, o que dificultará tarefas futuras, particularmente a nível escolar. Para que a criança possa superar positivamente esta fase, é imprescindível não apenas a ajuda dos pais que também de outros agentes educativos, como os professores, que devem concentrar-se nalguns pontos: levar as crianças a aceitar a sua individualidade, não se comparando obsessivamente com os colegas mas consigo mesmas; procurar que adquiram uma atitude realista, aceitando quer as suas capacidades quer as suas limitações; ajudá-las a adquirir um bom autoconceito de si mesmas, comunicando-lhes expectativas e feedback positivos; - identidade vs. confusão (difusão) (puberdade e adolescência). Nesta etapa Erikson destaca a crise de identidade, devido ao desenvolvimento acelerado físico, cognitivo, afectivo, social. O adolescente interrogase sobre a sua identidade, o sentido da vida, o seu futuro (resolução: fidelidade). Muitos sentem-se confusos e desorientados sobre o que são e o que querem, podendo desenvolver ansiedade, confusão e insatisfação. Na verdade, neste período pode aumentar o insucesso escolar, mesmo em alunos relativamente inteligentes. Também aqui os educadores têm papel determinante na ajuda afectiva e efectiva aos adolescentes, constituindo-se em figuras de identificação e ajudandoos a superar a crise em direcção a um novo reencontro consigo mesmos e com a sociedade; - intimidade vs. isolamento (juventude). Na juventude e início da idade adulta o indivíduo consegue relações mais íntimas com os outros, sobretudo com pessoas de outro sexo. Se é ajudado e se superou bem as etapas anteriores, consegue relacionar-se positivamente e nutre sentimentos de confiança e autonomia; de contrário, encontrará maiores dificuldades em relacionar-se e tenderá a isolar-se; - generatividade vs. estagnação (idade adulta): o indivíduo torna-se apto a constituir família e a satisfazer as suas necessidades, sentindo-se satisfeito consigo e com os outros; de contrário, pode marginalizar-se

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e sentir-se marginalizado, o que leva a baixar a sua auto-estima e a parar psíquica e socialmente; - auto-aceitação vs. desespero (3ª idade). Ao entrar na velhice, ou a pessoa aceita naturalmente o seu declinar e se adapta a essa nova etapa, que culminará com a morte, ou então revolta-se interiormente, vive amargurada e desesperada. Erikson reserva apenas um estádio para a adultez propriamente dita. Outros autores, como Levinson e col. (1978) desenvolvem mais esta etapa da vida que se processa entre construções e mudanças de novas estruturas. Estes autores dividem em quatro estádios o desenvolvimento humano, distinguindo ainda subestádios: - pré-adultez (do nascimento aos 22 anos, aproximadamente); - primeira adultez (dos 17 aos 45 anos, sempre aproximadamente): período de realização das aspirações juvenis, formação duma família e obtenção duma posição no mundo adulto. Dominam as ambições e paixões e também as exigências da família, do trabalho e da sociedade. Constam dela os subperíodos seguintes: 1) dos 17 aos 22 anos dão-se os primeiros passos no mundo dos adultos; 2) dos 22 aos 28 anos normalmente passa-se da família de origem para uma nova família constituída; 3) dos 28 aos 33 pode acontecer um tempo de crise na luta da vida e da família; 4) dos 33 aos 40 anos tenta realizar os sonhos, altura em que o trabalho e a família pedem o máximo; 5) entre os 36 e 40 é tempo de atingir os objectivos e tornar-se um membro senior no mundo; 6) dos 40 aos 45 anos assiste-se à transição da meia idade; - adultez média (dos 40 aos 65 anos). Trata-se do grupo dominante na sociedade. A paixão da primeira idade adulta vai cedendo lugar à compaixão, reflexão e ponderação. A pessoa é menos tiranizada pelos conflitos internos e pelas exigências externas, podendo amar mais genuinamente a si e aos outros. Também aqui se podem distinguir diversas etapas: 1) dos 40 aos 45 a pessoa reavalia a vida, integra polaridades entre a juventude e a velhice, a destruição e a criação, a masculinidade e a feminilidade, a adesão e a separação; 2) entre os 45 e os 50 entra-se na meia idade; 3) entre os 50 e os 55 constrói-se uma nova estrutura de vida para a meia idade; 4) dos 55 aos 60 anos atingese o cume da adultez média construindo-se uma segunda estrutura de vida; 5) dos 60 aos 65 assiste-se a uma idade de transição; - adultez tardia (a partir dos 65 anos), incluindo o que se considera a 3ª idade e mesmo, em muitos casos, a 4ª idade ou os muito velhos.

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Um dos problemas acerca da adultez é se a personalidade se mantém mais ou menos estável ou se é susceptível de desenvolvimento e mesmo de mudanças significativas como ocorre na infância e na adolescência. Autores há que votam mais pela estabilidade, outros pela modificabilidade. Simões (1999) julga poder resolver o pleito usando antes a conjunção copolativa e em vez da adversativa ou. Assim, o adulto caracterizar-se-ia simultaneamente pela estabilidade e pela mudança ou, se quiséssemos usar a terminologia cara aos políticos, pela estabilidade na mudança. O que importa é tentar compreender como é que a mudança se processa sem pôr em risco a estabilidade.

2.2

Ciclo vital do casal

Gould (1978, 1980) segue de perto o esquema de Levinson e colaboradores (1978), mas aplica mais particularmente à evolução do casal. O processo de crescimento do casal alterna dialecticamente entre o crescimento e a intimidade. A relação amorosa também alterna entre períodos nos quais os dois partners crescem de forma não sincrónica e separadamente, e períodos em que crescem juntos e de modo íntimo. Durante a década dos 20, enquanto ainda se cresce na identidade pessoal, o par procura a complementaridade e depende muito um do outro. No final da década dos 20 e início da dos 30 podem aparecer conflitos, a relação pode tornar-se confusa. O aparecimento dos filhos pode ajudar ou ainda complicar mais a situação. Posteriormente emerge a necessidade duma maior clarificação e o amor torna-se mais adulto. Porém, o casal pode não ser convergente neste desenvolvimento, buscando o homem mais sensações e emoções íntimas e a mulher mais independência e poder. Isto é susceptível de originar novas situações conflituosas, julgando a esposa que o desejo de maiores intimidades por parte do marido signifique regressão e o marido interpretando o desejo de maior independência por parte da mulher como rejeição. Perante tais desequilíbrios, necessário se torna encontrar novos compromissos para que o casal não corra o risco de desagregação. Segundo De Franck-Lynch (1986), o ciclo vital do casal passa por três etapas: 1) estádio de fusão em que o ‘eu’ e o ‘tu’ vão evoluindo em direcção ao ‘nós’, podendo ocupar os primeiros dez anos de casados em que os amantes se fecham a sós, embora comecem logo após os primeiros anos a surgir dúvidas sobre se foi acertada a escolha, etc., começando a investir também na eventual parentalidade e na profissão, como meio de algum modo atenuar ou compensar possíveis frustrações; 2) estádio do realismo, passado que foi o sonho e uma certa utopia, ou do retorno ao ‘eu’ e ao ‘tu’, do ‘nós’ à individualidade, do romantismo

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da “minha cara-metade” às “duas caras”, podendo o casal cair na rotina e no aborrecimento, o que gera grande ansiedade e medo quanto ao futuro. Entretanto, os filhos foram crescendo, tornando-se a triangulação mais difícil e menos atenuadora dos conflitos. É a “crise dos quarenta”, podendo resolver-se de diversas formas: negação da personalidade de algum dos cônjuges, individualismo a dois, nova centração nos filhos, melhoria da relação ou então possível separação e divórcio; 3) estádio do reequilíbrio entre o ‘eu’-‘tu’ e o ’nós’, após mais ou menos 20 anos de casados, aceitando-se melhor um ao outro e lançando novas pontes através duma compreensão e diálogo renovados. Esta nova empatia não significa estabilidade definitiva, pois novos problemas se avizinham, como a reforma, os netos, a velhice… Pode concluir-se que, ao longo do seu ciclo vital, o casal, bem como cada pessoa, está num contínuo processo de formação, de tese-antítese-síntese, na terminologia de Hegel, ou de assimilação-acomodação-(re)equilíbiro, na terminologia de Piaget. Uma obra clássica sobre o ciclo vital da família, a partir de estudos empíricos, é a de Olson et al. (1989) que usam o modelo em circumplex, considerando fundamentalmente três variáveis: adaptabilidade, coesão e comunicação. São analisadas as mudanças por que passa o casal sem ou com filhos, menores ou maiores, como gerem o stress familiar, como se sentem satisfeitos, etc. Por sua vez, Lancaster et al. (1987), analisam as perspectivas biossociais e históricas do ciclo vital da família e as suas implicações e interacções na sociedade moderna. Hill e Rodgers, referidos por Nock (1982), apontam três critérios para definir os diversos estádios do ciclo vital da família: alterações no número de elementos que a compõem, alterações etárias, alterações no estatuto laboral dos encarregados do sustento familiar. Baseados essencialmente no primeiro critério, os autores apresentam cinco estádios: 1.º estádio pré-parental (jovem casal sem filhos); 2.º estádio expansivo (a partir do nascimento do primeiro filho que “fecha” a família); 3.º estádio estável (período de educação dos filhos); 4.º estádio de contracção (desde a saída do primeiro filho de casa até à do último); 5.º estádio pós-parental (como no início, o casal encontra-se de novo sem filhos). 42

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Ultrapassando a família nuclear (se bem que estamos a voltar a ela) e tendo em conta as diversas gerações, numa perspectiva mais sistémica, McGoldrick e Carter (1982) apresentam outro esquema em seis estádios considerando o processo emocional de transição e as mudanças necessárias ao processo de desenvolvimento: 1.º entre famílias: o jovem adulto independente; 2.º junção de famílias pelo casamento: o novo casal; 3.º famílias com filhos pequenos; 4.º famílias com filhos adolescentes; 5.º saída dos filhos de casa; 6.º última fase da vida da família (cf. esquema in Relvas, 1996, p. 20). Tendo em conta as diversas fases ou estádios apontados por estes e outros autores, poderíamos simplificar distinguindo fundamentalmente três fases, embora cada uma com diversos momentos: 1.ª pré-parental (formação do casal e período antes do nascimento dos filhos); 2.ª parental ou educacional (prolongando-se desde o nascimento do primeiro filho até que o último deixa o lar para construir nova família, deixando o “ninho vazio”); 3.ª pós-parental (quando o casal fica novamente só, embora continuem a ser pais e avós mas não com a primeira responsabilidade educativa). É evidente que um casal sem filhos nunca passa da primeira fase, a não ser que adopte alguma criança; ou se tem filhos mas algum não casa, ou casa mas fica na casa dos pais, permanece na segunda, embora o filho adulto, eventualmente casado, tenha um estatuto diferente. Segundo Mucchielli (1979), ao contrário do que talvez pense o par de enamorados, o casal só potencialmente está constituído na altura do casamento; deve continuar a consolidar-se ao longo da vida em comum, passando por diversas fases de evolução com as respectivas tarefas a desenvolver e crises a suplantar: 1. lua de mel (com duração variável entre algumas semanas e um ano), caracterizada pela euforia dum novo estatuto social e pelo desinteresse por tudo o que não seja o amor entre ambos, vivido quase como um narcisismo a dois. O casal deve intensificar a sua relação afectiva e a comunicação e procurar antes o interesse do outro do que o próprio,

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levado pelo desejo de agradar, capaz de suplantar o egocentrismo, descentrando-se de si e centrando-se no(a) outro(a); 2. existência conjugal comprometida (primeiros anos de casados, antes de ter filhos), fase de “rodagem”, com regresso ao realismo e reintegração no mundo. Já aqui podem surgir crises (como demonstram muitos divórcios após um ou poucos anos de casados), provocadas pelas primeiras desilusões e dificuldade de adaptação de duas personalidades diferentes. Nesta fase é necessário que os cônjuges procurem tornar um ao outro felizes e ajustar o seu comportamento em todas as dimensões: sexual, profissional, económica. Todos os problemas devem ser tratados abertamente, num diálogo sincero de negociação e compromisso, se o amor não é suficientemente forte para ceder um ao outro; 3. busca de estabilidade a longo prazo (após o nascimento dos filhos, entre os 5/7 e os 15/20 de casamento), atingindo o casal o que poderíamos designar de “velocidade de cruzeiro”, aproveitando da experiência a um tempo dolorosa mas também realista da fase anterior. Porém, durante ou ao fim desta fase podem surgir novas crises e divórcios, ou ao menos compensações individuais pouco legítimas e que distanciam mais um do outro, sem contar com acontecimentos graves, como o nascimento dum filho anormal, uma crise financeira, a morte dum ente querido, etc. É necessário acertar as perspectivas quanto à carreira, aos bens adquiridos em conjunto, ao número de filhos a ter e particularmente ao modo como educá-los; 4. maturidade e perspectiva de envelhecimento a dois (após mais ou menos 20 anos de casados), onde a aceitação é maior, com necessidade de novos compromissos que levem o casamento até à morte. Todavia, espreitam também as crises e os balanços negativos, com a tentação de “refazer a vida”, ao mesmo tempo que a crise da “meia idade” ou o “demónio do meio dia” tenta a novas experiências amorosas a que o casal por vezes só resiste para não perder a face diante da sociedade. Mas se consegue ultrapassar as diversas tentações começa a entrar num período mais estável onde a paz reina, apesar dos diversos problemas, a começar com o da saúde que começa a fraquejar. Noller e Feeney (in Bradbury, 1998, pp. 11-43) examinam particularmente a comunicação nos primeiros anos do casal, as suas respostas aos conflitos, a sua expressão não verbal e modelos de conversação. Concluem que em grande parte o nível de satisfação do casal depende da qualidade da sua comunicação, que já inicia antes do casamento e que vai influenciar também os primeiros anos de união e, a partir daí, o futuro do casal. Rusbult, Bissonnette, Arriaga e Cox (in Bradbury, 1998, pp. 74-113) estudam particularmente os processos 44

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de acomodação durante os primeiros anos de casamento, concluindo que o nível de compromisso é o motivo específico central da relação, promovendo a vontade de acomodação ou ajustamento entre o casal. Enfim, o casal tem algumas funções específicas a desenvolver ao longo do ciclo vital: 1) biológica ou procriadora, não se podendo escamotear esta finalidade necessária à sobrevivência da espécie, para além do filho constituir a primeira obra-prima do casal; 2) social, constituindo o casal e a família uma pessoa moral e jurídica, com direitos e deveres, sendo primordial a paternidade/maternidade e a educação da prole; 3) psíquica, como desejo e realização da intimidade, da expansão afectiva, do evitamento da solidão, enfim, de crescimento e maturidade psicológica a todos os níveis. Como acontece na psicologia do desenvolvimento do indivíduo, também no desenvolvimento duma família, os estádios não são compartimentos estanques mas podem interpenetrar-se, como no caso duma família com diversos filhos, sendo uns crianças e outros já adultos e eventualmente casados, podendo os pais de uns serem ao mesmo tempo avós de outros, continuando a obra educativa até à morte. Isto supondo-se uma família mais ou menos nuclear, porque nas famílias patriarcais em que todos os filhos ficavam em casa e o chefe mais velho superentendia sobre todos, a situação podia ser diferente. Como muda hoje em que abundam os divórcios, as famílias monoparentais, os casais sem filhos ou com um único filho, para não falar de uniões de facto, de troca de pares, de uniões homossexuais…

2.3

Crises na evolução do casal

Há autores que estudam o desenvolvimento do casal, no seu bom ou mau funcionamento, ao longo do arco da vida. Lemaire (1979) deu mesmo um título ao seu livro, considerado um pouco ambicioso ou mesmo temerário – Le couple: sa vie, sa mort. Efectivamente, são muitos os motivos mais ou menos inconscientes que o par tem para se aproximar e constituir a unidade do casal (por exemplo o desejo de se continuar na espécie, de evitar a solidão e o medo da morte), mas também são muitas as razões que progressivamente e subrepticiamente, ou então de repente, levam à disfunção e à destruição do casal. Lemaire, numa perspectiva clínica (psicanalítica de inspiração essencialmente Kleiniana), a partir sobretudo da terapia do casal, mas © Universidade Aberta

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considerando também os factores sociológicos e sistémicos, tenta seguir, quer a evolução positiva quer a negativa do casal. As diversas crises por que passa o casal ou o agregado familiar ao longo da seu arco evolutivo, dependem muito da estrutura mais ou menos rígida ou flexível da família e de quem toma e executa as diversas decisões, se unicamente o marido ou a mulher, se os dois conjuntamente, em diálogo, sendo evidentemente esta forma, com muitos matizes, como as outras, a que proporciona mais estabilidade e menos tensões. As crises e tensões dependem também do modo como cada agente familiar ocupa o seu próprio “campo” ou espaço de competência dominante e interage com o campo do outro cônjuge ou dos filhos. Para além dos campos pessoais, existem outros campos materiais, como o económico e financeiro, o das relações sociais, o do lazer, etc. Para que os conflitos e crises sejam superados, é necessário que exista uma “mentalidade de casal” e não apenas dois individualismos, é necessária a tensão equilibrada entre a unidade do casal e a fecundidade ou a abertura aos outros, a começar pelos filhos, é necessário o justo equilíbrio entre a protecção da intimidade e a abertura ao exterior.

2.4

Condições de felicidade conjugal

Para além das possíveis crises, o casal deve ir construindo, lenta e por vezes dolorosamente, a sua felicidade. Muitos autores insistem nas variáveis personológicas de cada um dos membros do casal, sobretudo a sua sanidade psicológica ou então as suas perturbações, como o neuroticismo ou a ansiedade, determinantes não apenas para a satisfação e bem-estar do casal mas para a educação e felicidade dos filhos (cf. e. g. Caughlin, Huston e Houts, 2000; Clark, Kochanska e Ready, 2000). Pode afirmar-se que a qualidade dum casal depende, pela negativa, da ausência ou superamento de crises e conflitos e, pela positiva, do nível de felicidade que manifestam a dois. Porém, a felicidade dum casal não depende só dos dois e da sua idiossincrasia, mas de muitos outros factores, como a satisfação profissional de um ou dos dois, a situação económica, a saúde, as relações sociais. Todavia, os factores pessoais, têm muito maior peso no bem-estar e na felicidade (cf. Barros, 2000) do que os factores sócio-económicos e contextuais. Mais do que as coisas, estão em causa as infra-estruturas psicológicas de cada um dos cônjuges, onde conta grandemente a imagem mais ou menos positiva ou negativa com que cada um chegou ao casamento, imagem muito influenciada pelos próprios pais, as relações estabelecidas desde a infância com o outro sexo (se se aceitou o próprio sexo, se houve traumatismos infantis por experiências precoces, se os pais se davam bem, etc.), e sobretudo da maturidade ou imaturidade afectiva de cada um dos cônjuges, não bastando que um seja equilibrado, se o outro é 46

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neurótico. Muitos estudos (cf. e. g. Burgess e Wallin, 1953) afirmam e confirmam que o matrimónio feliz depende da maturidade dos cônjuges ou que a infelicidade se baseia no carácter mais ou menos neurótico e desequilibrado de um ou de ambos os parceiros. Se os dois membros do casal são importantes para a felicidade do casal, diversos estudos (cf. Uhr, in Mucchielli, 1979, p. 57) demonstram o peso maior do marido que, se é mais ou menos desequilibrado ou neurótico, marca mais a infelicidade do casal desde o seu arranque, não só pelo carácter neurótico, mas também porque assim não ajuda a mulher que depende muito dele, pois o casamento significa para ela um maior esforço de adaptação quer como esposa quer como mãe, dificuldade de adaptação que é facilitada, ou então dificuldade, pela idiossincrasia e comportamento do marido. Veroff, Douvan, Orbuch e Acitelli (in Bradbury, 1998, pp. 152-179) estudam a felicidade dos casais, limitando-se aos primeiros anos de vida, supondo que há aspectos que farão sempre o casal feliz ao longo de toda a sua existência, embora outros aspectos possam contar mais particularmente para a felicidade na adultez do casal ou na sua velhice. Num tempo em que tantos casamentos fracassam pelo divórcio, ou não são felizes, apesar de se manterem juntos, debruçar-se sobre os factores alimentadores da felicidade do casal é importante. Mas não é fácil definir nem apontar os factores principais que produzem a felicidade e o bem-estar subjectivo, uma vez que há múltiplas teorias sobre a felicidade mais ou menos centradas sobre a própria pessoa ou sobre os factores sociodemográficos e contextuais (cf. Barros, 2000; Simões et al., 2000). A maior parte dos estudiosos colocam o assento principal nos factores personológicos para fundamentarem e interpretarem a felicidade. Se as coisas acontecem assim a nível pessoal, o mesmo parece acontecer a nível do casal. Se a personalidade de ambos é mais ou menos equilibrada, será mais fácil o casal manter-se unido e feliz. Se um ou dois dos parceiros tem tendências neuróticas, mais ou menos acentuadas, está comprometida em grande medida a felicidade, apesar de eventualmente outros factores contextuais serem favoráveis. Não obstante, há também variáveis sociodemográficas importantes, como realça o estudo de Veroff et al. (in Bradbury, 1998), particularmente o sexo e a etnia. Na verdade, o marido pode diferir da mulher e vice-versa nos factores mais fundantes do bem-estar ou da satisfação. Por outro lado, pode tratar-se também dum conceito com fortes conotações culturais, não tendo o mesma ideia de satisfação, por exemplo, um branco que um negro. De qualquer modo, em todos os casos se realça a importância da qualidade da interacção entre o par e o modo como cada um gere o seu autoconceito e auto-afirmação na relação com o outro. Outros autores analisam os factores que podem atentar contra a felicidade do casal ou que podem fazer degenerar o seu nível de satisfação. Kurdek ((in

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Bradbury, 1998, pp. 180-204) estuda particularmente o primeiro ano de vida do casal onde se podem encontrar já muitos gérmens de infelicidade a desenvolver ao longo da vida, em particular nos primeiros seis anos analisados mais pormenorizadamente pelo autor. Autores há que analisam a comunicação, a intimidade e as relações mais íntimas nas diversas perspectivas e o seu contributo para o bem-estar do casal, como é o caso do livro editado por Derlega (1984). Outros autores (e.g. Brubaker, 1990) debruçam-se em particular sobre a relação familiar na idade avançada dos casais que são ao mesmo tempo velhos pais, com netos, com saúde periclitante e com a sexualidade em declínio.

Resumo Só uma abordagem sistémica possibilita uma melhor compreensão da existência conjugal mesmo na sua vertente desenvolvimental. A maior parte dos autores de psicologia do desenvolvimento limitam o seu estudo sobre os estádios de desenvolvimento à infância e adolescência. Erikson estuda também a adultez mas dedicando-lhe apenas dois estádios. Outros autores desenvolvem melhor a psicologia da idade adulta e outros aplicam ao ciclo vital do casal e da família. Na sua evolução, tanto a pessoa como o casal (e a família) conhecem as suas crises bem como os seus momentos de glória ou de felicidade. É bom que, quer eles quer o psicólogo, estejam atentos à evolução para evitar as eventuais crises e potenciar o bem-estar.

Interrogações e sugestões Como descreve sumariamente os estádios de desenvolvimento psicológico segundo Erikson? Aponte alguns autores mais representativos que tentaram também descrever o ciclo vital da família em diversos estádios ou situações. Quais as razões principais da(s) crise(s) por que passa(m) tantos casais (e famílias)? Porque é que outros casais são felizes? Tente observar dois ou três casais ou famílias (incluindo eventualmente a sua) e notar em que fase se encontram da sua evolução psicológica. 48

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Leitura complementar Procurar aprofundar a teoria de alguns autores sobre o ciclo vital do casal. Ler particularmente Mucchielli (1979) e ainda Lemaire (1979). Sobre as diversas teorias e factores de felicidade, susceptíveis de serem aplicados ao casal e à família, ler em particular o vol. 4 (2) de 2000 da revista Psicologia, Educação, Cultura, que foi dedicado à psicologia positiva.

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3. O Amor, esse (des)conhecido

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Objectivos de aprendizagem Após leitura deste capítulo, o estudante deve ser capaz de: • Apontar algumas teorias sobre a atracção interpessoal e a escolha amorosa. • Enumerar algumas razões por que as pessoas se casam e são mais ou menos (in)felizes. • Distinguir diversos termos que traduzem diversas classes de amor. • Apontar alguns estádios de desenvolvimento do amor. • Descrever algumas tipologias de amor, conforme os diversos autores, e apreciá-las criticamente. • Distinguir criticamente algumas componentes de amor segundo Sternberg. • Enumerar algumas patologias ou doenças do amor.

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Um dia, paulatinamente ou de chofre, dois jovens se enamoram. A atracção física, estética, sexual joga um papel importante, mais no homem do que na mulher, bem como os estereótipos sobre o modelo ideal de mulher ou de homem, embora este ideal dependa igualmente da classe social e de outras circunstâncias, como a religião, o nível sociocultural, a influência mais ou menos velada dos pais, etc. Além disso, muitas escolhas processam-se sem razões aparentes, talvez comandadas inconscientemente, e que só a psicanálise poderia tentar esclarecer. De qualquer modo, faz-se jus à sabedoria popular que considera o amor “cego”. Ao contrário, devia ter os olhos bem abertos para não se esbarrar. O amor é tão antigo quanto o homem. Desde que tomou consciência de si, o homem conheceu-se com capacidade para amar e ser amado. O amor é também o constituinte fundamental do casal, é a sua maior força ou traço de união e está na base da sua vida. A vida não teria sentido e a grande maioria das pessoas não casaria sem amor, como demonstram vários estudos (cf. Neto, 2000, p. 226). Mas é difícil defini-lo. É uma emoção muito particular, mas que não prescinde da cognição e que se expressa numa grande variedade de comportamentos (palavras, expressões não verbais, expressões físicas, prendas, sacrifícios pelo amado). Talvez os poetas se aproximem mais da realidade, como Camões no seu célebre soneto: “O amor é um fogo que arde sem se ver, / é ferida que dói e não se sente; / é um contentamento descontente, / é dor que desatina sem doer”.

3.1

Teorias sobre a atracção interpessoal e a escolha amorosa

A pessoa humana é um ser de (em) relação, incapaz de viver sozinha e isolada. Na realidade, a maior parte do tempo passamo-lo com outras pessoas. Todavia há uma infinidade de relações, desde o simples encontro à amizade e ao amor. Levinger (1974) interpreta as relações entre duas pessoas através de quatro níveis: nenhum contacto ou ausência de relação; algum conhecimento mas nenhuma interacção; contacto superficial com alguma interacção; contacto mais recíproco com um relacionamento mais ou menos íntimo, desde a simples amizade, à amizade mais profunda e ao amor duradouro. A aventura de dois jovens que se encontram progride, mais ou menos rapidamente, através das diferentes etapas, até estabilizar na última, podendo “dar o laço” no casamento. Junta-se o desejo de afiliação com o de atracção, conceitos bem definidos pelos psicólogos sociais (cf. Mucchielli, 1979, pp. 22-43). Os dois seres que se encontram, sentem-se atraídos um pelo outro. Há diversas teorias sobre a atracção interpessoal: teoria do reforço (gosta-se das pessoas mais compensadoras); teoria da troca social (gosta-se das pessoas que oferecem mais garantias com menos custos); teoria da equidade (equilíbrio entre © Universidade Aberta

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recompensas e custos); teoria sociobiológica (a atracção é influenciada por objectivos sociobiológicos, como a perpetuação dos próprios genes). As diversas teorias não se excluem mas completam-se mutuamente, sendo umas mais credíveis do que outras. Os autores falam ainda dos diversos determinantes da atracção interpessoal, como a familiaridade, a proximidade, a semelhança, a complementaridade, a reciprocidade, as qualidades positivas (como a sinceridade ou a honestidade), a atracção física (cf. Neto, 2000, pp. 141-181). Estas teorias e determinantes da atracção interpessoal aplicam-se ao processo que leva dois jovens a enamorar-se e eventualmente a casar-se. Normalmente as semelhanças ditam a aproximação (qui se ressemble, s’assemble, dizem os franceses: “quem se parece, junta-se” ou, mais portuguesmente, “cada qual com o seu igual”). Outro ditado reza assim: “para cada panela existe o seu testo”. Outros falam de “almas gémeas” ou da “minha cara metade”. Mas também as dessemelhanças ou as diferenças podem atrair-se como é o caso de dois pólos contrários ou conforme o ditado: “os extremos tocam-se”. Até o acaso pode jogar um papel determinante, prevalecendo um encontro fortuito sobre uma verdadeira escolha. Cada caso amoroso tem a sua história pessoal onde alguns determinantes pesam mais do que outros, sendo necessário também ter em conta o sexo, pois o homem e a mulher podem reger-se por ideias e afectos diferentes na aproximação ou ‘vender-se’ na praça pública do amor por preços diferentes. De qualquer modo, o amor tem muito de ilusão, mas também de realidade (cf. Kaufmann, 1999, pp. 5-43). Se a escolha amorosa por vezes é considerada irracional e obra do acaso, no entanto em geral os amantes “levam a água ao seu moinho” ou “chegam a brasa à sua sardinha”, embora nem sempre se trate dum processo consciente. Os sociólogos, tentando explicar o encontro e união de duas pessoas, acreditam mais nas semelhanças (de raça, religião, estatuto social, idade, etc.). Muitos psicólogos também votam pelas semelhanças de gosto, interesses, valores, que unem dois seres e que poderíamos apelidar de “homofilia”: os amantes aprovam reciprocamente os mesmos valores e crenças; o amor acentua qualquer semelhança e disfarça as diferenças. Mas outros psicólogos defendem a “teoria da complementaridade das necessidades”, como Winch (1958) que se inspira na teoria das necessidades de Murray: uma pessoa que necessita de ser protegida escolherá um protector; a pessoa com tendência à submissão, escolherá alguém com tendência a dominar, etc. Mas também há quem defenda hipóteses intermediárias ou mistas, fixando-se mais no conceito de “compatibilidade” e menos no de semelhança ou complementaridade: a compatibilidade incluiria certo grau de semelhança e também de complementaridade. De qualquer modo, os que se sentem atraídos avaliam as probabilidades de felicidade, embora se possam enganar, porque há muitos factores em jogo.

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Ninguém escolhe a família de origem onde nascemos, mas escolhe-se o par com quem se deseja construir nova família, o que faz com que, de qualquer forma, se juntem também duas famílias: a dele e a dela. Segundo Skinner (1976), o motivo fundamental por que se escolhe determinado parceiro é por afinidades psicológicas, sobretudo a partir dos antecedentes familiares. Mas certamente outras razões, mais ou menos conscientes ou inconscientes, estão presentes, como o aspecto físico, a atracção sexual, os dotes intelectuais, a situação financeira, afinidades religiosas ou étnicas, o modelo de beleza ou de ideal de homem ou de mulher veiculado pelos mass media, etc. De qualquer modo, são semelhanças num ou noutro aspecto. Porém, também acontecem casamentos com personalidades opostas, visando cada um completar-se no outro e realizando o ditado que afirma que “os extremos tocam-se”. Se muitos escolhem o par pensando na imagem do pai ou da mãe, também podem escolher pensando o contrário do pai ou da mãe ou ao menos na tentativa inconsciente de compensar o que falhou na relação dos pais entre si e com os filhos. Alguém pode escolher outro(a) que julga submisso(a) porque ele ou ela gosta de mandar; outro pode escolher uma pessoa muito mais velha vendo nela de qualquer forma a imagem do pai ou da mãe de quem está ainda muito dependente. Há ainda aproximações mais ou menos naturais, enquanto outros pares se podem aproximar lutando contra as diversas dificuldades (às vezes os pais, quanto mais se opõem a determinado namoro dos filhos, mais os aproximam). Muitos estudos existem sobre as motivações (inconscientes) por que se escolhe a profissão de professor e que por analogia também se podem aplicar à escolha do parceiro. Segundo Mucchielli-Bourcier (1979, pp. 55-57), as razões inconscientes que moveram alguém a ser professor são: desejo de ser “o único comandante a bordo”, exibicionismo e procura de um certo público, identificação com a criança, desempenho do papel parental. Outros autores insistem também em motivações ambivalentes, como domínio e submissão, e que depois têm consequências a nível de satisfação ou de frustração com a profissão (cf. Barros e Barros, 1999, II, pp. 14-18). Em todo o caso, o modelo ideal de profissão e também de companheiro(a) começa a delinear-se desde a infância muito dependendo da qualidade da relação dos pais entre si, dele(a) com os pais e com os irmãos, embora tal imagem possa ser desfocada e mal apreendida na infância. Enfim, a atracção amorosa continua a ser em grande parte um mistério e, em certo modo, fruto do acaso ou de um momento de encontro, dum sorriso, dum gesto tímido, dum olhar, duma característica física (feições do rosto, cor dos olhos, tom de voz, maneira de andar, altura…). Muitas vezes não se trata propriamente duma escolha mas de ser escolhido(a), não é um acto verdadeiramente livre e racional, mas afectivo e instintivo, mais fruto duma expectativa ou duma busca, onde se misturam motivações conscientes e inconscientes mais ou menos incontroláveis. Todavia, o instinto move-se de

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algum modo segundo um “modelo interior” preformado que serve de filtro na busca do amado(a). Mas também se pode pôr a fasquia muito alta ou o nível de exigência não ser muito compatível com a realidade por medo de compromisso. Ou então não pintar tão bem o “príncipe azul” porque ele tarda a chegar e o tempo vai passando, sendo necessário prescindir do ideal para ficar com o possível. Todos estes ‘trabalhos’ cognitivo-afectivos, são muito influenciados, positiva ou negativamente, pelas figuras parentais ou por outras pessoas representativas, por vivências infantis, eventualmente por “amores” ou namoricos de infância, ou ainda pela própria psicologia e auto-conceito do amante que se busca no outro ou nele procura realizar a sua imagem ideal. Pode admitir-se que muitas das escolhas têm uma componente neurótica mais ou menos acentuada. Na realidade, como diz o ditado, muitas vezes “o amor é cego” e é tanto mais cego quanto mais neurótica for a pessoa interessada.

3.2

Razões para casar e motivos de (in)felicidade

Porque é que as pessoas se casam? Praticamente todos os namorados e casais dizem que foi por amor, um amor apaixonado e impossível de terminar. Mas depois aparecem as desilusões e as divisões tão dolorosas, podendo passar o amor a ódio refinado. Não será então ilusão e utopia o amor? Ter-se-iam encontrado e juntado apenas por amor? Certamente outras necessidades inconscientes estão na base da constituição do casal, que não apenas o amor, como o desejo de fruição sexual, a busca de apoio e de aprovação, a fuga à solidão, o encontro e a necessidade de companhia, a segurança para o futuro, um novo estatuto social, a realização das expectativas (e mesmo pressões) familiares e sociais, e mesmo razões económicas e outras menos nobres, como o desejo de ‘fugir’ da casa paterna. Em particular sobre a pressão social, afirma Nock (1982, p. 642): “o homem ou mulher atractivos e sem deficiências pessoais evidentes, que acabam por não casar, convertem-se num ‘puzzle’ indecifrável para os outros, sendo sujeitos a constantes perguntas ou insinuações sobre os motivos por que não casam”. Estão menos sujeitos a pressões, embora nem sempre sejam compreendidos, os que não casam por motivos religiosos, como os padres e as freiras. De qualquer modo, são múltiplas e complexas as motivações por que alguém casa ou não casa (sobre a natureza e as diversas teorias da motivação, bem como sobre as diversas teorias da personalidade, pois é esta que condiciona as motivações, cf. e.g. Pinto, 2001). É evidente que os motivos mais ou menos conscientes da escolha do parceiro têm influência decisiva nas razões da felicidade ou infelicidade do casal. Em qualquer dos casos, o novo casal tem de fazer um grande esforço de adaptação, 58

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porque o ideal de homem ou de mulher vão-se esfumando com o tempo, ficando a realidade dos factos. A adaptação pode ser menos dolorosa e acabar em felicidade se a escolha foi bem feita, e antes de mais se ambos são mais ou menos pessoas equilibradas psicologicamente. Porém, se um ou os dois são desequilibrados, com tendências neuróticas, a situação torna-se mais difícil. À idiossincrasia pessoal juntam-se outros factores que contribuem para a estabilidade ou desagregação do casal, como o momento do primeiro encontro (se foi em situação normal ou após algum deles ou os dois terem perdido outro namorado), a relação com a família de origem (é necessário desenraizamento, mesmo no espaço físico -“quem casa quer casa” – mas sem prejuízo dum bom relacionamento com os pais de um e outro cônjuge), a maior ou menor liberdade com que casaram (muitas vezes os pais exercem uma forte influência ou pressão, não cumprindo o ditado “entre homem e mulher nunca metas a colher”, que é válido também antes do casamento), a idade com que casaram (talvez a idade ideal, embora não haja regra sem excepção, se coloque na 3º década da vida, à volta dos 25 anos – casar muito cedo ou muito tarde pode trazer mais inconvenientes), o tempo e a qualidade do namoro (em geral à volta dos 3 anos é o tempo ideal, mas depende da formação de cada um), o tempo da primeira gravidez (se já vão para o casamento com um filho por nascer ou nascido pode pensar-se nalgum défice de liberdade), a situação financeira (se não de todo desafogada, seja ao menos suficiente). Mas cada casal é um caso e às vezes assiste-se a famílias unidas apesar de muitas condições adversas, enquanto outras são infelizes e se desagregam aparentemente em melhores condições de partida. Nada está predeterminado; o prognóstico é reservado, embora se possa intuir maior ou menor sucesso, considerando as pessoas em causa, os motivos por que se casaram e as diversas situações onde se movem, sendo muito importante, particularmente no início do novo casal, o comportamento dos progenitores. Em todo o caso, impõe-se uma construção contínua do edifício conjugal ou o cultivo do amor em todas as estações da vida. É necessário diálogo (comunicação), respeito, tolerância, boa gestão dos conflitos inevitáveis, fidelidade, capacidade de perdão e outros valores ou virtudes que ajudam o casal a manter-se unido e a progredir cada vez mais na unidade e felicidade.

3.3

O amor na Bíblia

Sendo o amor tão antigo quanto o homem e um ou mesmo o elemento essencial do ser humano, e a coisa mais importante da vida para muitas pessoas, não admira que ele esteja presente desde as origens e o encontremos em todas as manifestações do homem, em particular na religião, como expressão © Universidade Aberta

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fundamental da humanidade. Referindo-nos em concreto à religião judaicocristã, na base da civilização ocidental, encontramos na Bíblia alguns vocábulos que nos podem ajudar a compreender a essência do amor. Para exprimir a ideia de amar, a língua hebraica do Antigo Testamento só possuía o verbo aheb e o substantivo derivado ahabah que cobria uma grande variedade de amores. Os tradutores da versão dos “Setenta” dispunham de quatro termos gregos para exprimir o verbo hebraico aheb: agapân, philein, erân, stergein. Este último (donde deriva o substantivo storgê, ternura) exprime sobretudo a afeição dos pais pelos filhos, mas nunca aparece na Bíblia grega. Por sua vez, erân (donde deriva eros) mal aparece no Antigo Testamento e é banido totalmente do Novo Testamento por ter uma conotação pouco apropriada para exprimir a pureza do amor de Deus pelos homens e destes por Deus. Restavam os outros dois: philein, carregado de sensibilidade e afectividade, emprega-se para evocar os laços de parentesco e as relações amigáveis. Agapân, por sua vez, denota uma preferência de escolha que provém mais da inteligência e da vontade do que da sensibilidade, implicando um juízo de valores. Foi este vocábulo, na sua forma verbal e substantiva (agapê), que pareceu mais apropriado aos autores do Novo Testamento para exprimir o amor de Deus pelos homens, manifestado em Jesus Cristo, e dos homens por Deus e entre si. Na tradução da Bíblia grega para o latim, os autores (como S. Jerónimo na tradução da Vulgata) acharam que o termo que melhor exprimia agapê era cáritas (derivado de carus, valioso, querido), termo mais nobre do que amor que os clássicos latinos também usavam, sobretudo referindo-se ao amor familiar, e reservando preferentemente cáritas para o amor divino ou entre os homens ilustres. Infelizmente a conotação de “caridade” nas línguas latinas pode significar apenas algum donativo ou a “caridadezinha”, mas não assim no original. Por outro lado, o termo “amor” anda totalmente banalizado, predominando nele uma conotação sexual (“fazer amor”). Todavia, trata-se dum termo abrangente, podendo denotar amizade, afecto, intimidade, ternura, carinho, predilecção, e ainda compaixão, misericórdia, perdão, paixão… De qualquer modo, a complexidade do sentimento amoroso exprime a dificuldade em expressá-lo linguisticamente e por isso nasceram diversos vocábulos na tentativa de exprimir os seus diversos cambiantes. Psicologicamente podemos defini-lo como uma força de unificação (intimidade) e de crescimento. Não é uma coisa mas uma relação entre pessoas ou pessoas em relação íntima (sobre o conceito de intimidade, cf. Neto, 2000, pp. 205– -207).

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3.4

Estádios de desenvolvimento do amor

O amor é como um ser vivo: nasce, cresce, atinge a plenitude ou então pode morrer. A relação amorosa passa por diferentes estádios, descritos por diversos autores. Podem notar-se as seguintes sequências, combinando as descrições de Altman e Taylor (1973) e de Weiner (1980): 1) orientação: os dois começam por conhecer-se e interagir de modo superficial; 2) exploração: começa uma relação afectiva superficial e o par vai-se conhecendo e interessando melhor um pelo outro; 3) início amoroso: o intercâmbio amoroso sobe rapidamente e os dois começam por explorar mais profundamente as características da personalidade até que a idealização atinge o máximo; 4) desmascaramento: a maior intimidade e o mútuo abrir-se um ao outro vai revelando também defeitos mútuos; 5) manipulação mútua: cada um procura fazer do outro a pessoa que deseja que ela seja; 6) resolução: cada um adapta-se à realidade do outro e desenvolve uma relação cada vez mais permanente. O modelo de Secord e Backman (1974) distingue quatro estádios no desenvolvimento das relações íntimas: 1) precoce: os dois interessados exploram as vantagens da relação; 2) negociação: estudo das condições que permitem o estabelecimento da relação; 3) compromisso: aumenta a dependência mútua, independentemente de outras possibilidades amorosas; 4) institucionalização: reconhecimento oficial da relação exclusiva. Para Murstein (1976), as relações íntimas que levam ao casamento desenvolvem-se em três estádios ou passam por três tempos: 1) estímulos: percepção das características físicas, psicológicas e sociais do outro(a) com a consequente avaliação das suas qualidades; 2) valores: ambos os intervenientes avaliam os seus valores pessoais e do outro(a) e o que pode resultar da sua interacção; 3) papéis: avaliação mútua dos diferentes papéis. © Universidade Aberta

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O amor também pode mudar ao longo da vida matrimonial. O amor romântico inicial vai cedendo lugar ao que alguns autores designaram de “amorcompanheiro” com diversas facetas. Ao longo do tempo o amor pode sofrer desgaste, tornando-se mais convencional, passivo, diminuindo as expressões externas de amor. Mas pode acontecer que o verdadeiro amor não decline, apesar de não se expressar tão efusivamente. Ao longo da vida do casal surgem também diversos conflitos, por razões internas, como os filhos, ou externas, como o emprego. Se os conflitos forem bem resolvidos, podem tornar-se em momentos de crescimento e união. Mas também podem desagregar a família, caso não haja entendimento. Se o amor é o cimento-armado que une o casal, é também a matriz do desenvolvimento e educação dos filhos. A psicologia do desenvolvimento, atenta aos primeiros meses e anos de vida, afirma que o amor é absolutamente necessário para um normal desenvolvimento psico-afectivo da criança. Normalmente este amor primordial é dado pela mãe. Mas na sua ausência, uma boa figura feminina pode suprir esta necessidade de carinho e quase simbiose. Se este amor primitivo está ausente, não apenas a criança não desenvolve normalmente, senão que gera distúrbios psicossomáticos que prevalecem por toda a vida. O amor entre pais e filhos manifesta-se aos mais diversos níveis. Logo no início da vida e pela vida fora, para além dos pais, a criança é influenciada, positiva ou negativamente, por outras figuras mais representativas, como sejam os eventuais irmãos, avós, tios, primos, amigos, professores, etc. (cf. Swensen, in L’Abate (Ed.), 1985, I, pp. 357-377).

3.5

Tipologias do amor

O amor na família é uma força de unificação e de crescimento existente dentro dum grupo especial de pessoas que vivem juntas. Neste amor há uma dialéctica entre autonomia e intimidade, entre individualização e integração ou quase fusão. O amor que unifica a família é também a força que a prolonga noutra família quando um dos seus membros, normalmente o filho mais velho, começa a amar outra pessoa acabando por unir-se a ela e constituindo nova família. Mas o amor pode outrossim estar na base da desagregação do núcleo familiar, se um dos cônjuges se enamora por outra pessoa e resolve trocar o amor primitivo. De qualquer modo, o amor é a grande força ou íman de aproximação das pessoas e a base de construção das famílias. O amor satisfaz as necessidades fundamentais, porque a necessidade fundamental é a necessidade de amar. O amor está presente ao largo de todo o desenvolvimento pessoal e familiar, embora com intensidades e cambiantes diferentes.

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A relação amorosa entre homem e mulher em ordem a constituir o lar, começa normalmente no estádio que Erikson (1950) define como de intimidade vs. isolamento. Inicialmente trata-se de um amor romântico (distinto de amor companheiro, cf. Neto, 2000, pp. 238-244) que tem algumas características: preocupação com o amado e desejo de estar na sua presença; idealização e sobrevalorização do amado; fantasias acerca do amado nas quais ele satisfaz as necessidades e leva a uma existência ideal; vulnerabilidade narcisística para com o amado e vigilância para não o perder. Trata-se dum amor dependente e erótico. Neste amor, há diferenças por género. As mulheres não parecem inclinadas a amar durante os períodos de transição, ao contrário dos homens; as mulheres caem no amor mais frequentemente, mas são mais cépticas e cautelosas do que o outro sexo; aparentemente as mulheres gozam mais com o amor, enquanto os homens sofrem mais. Quanto à tipologia do amor, o amor romântico e o amor companheiro (de amizade) estão longe de esgotar todas as cambiantes ou variedades do amor. Lee (1973) distingue seis “cores” ou estilos de amor, sendo três primários (éros-paixão, ludus-jogo, storgê-amizade) e três secundários (pragma-prático, mania-possessão, agápê-altruismo). Os primários são comparados às três cores principais (vermelho, amarelo e azul) e os secundários podem identificar-se com as cores mistas, como no caso dos compostos químicos, resultando, das diferentes combinações, amores com características diferentes. Assim, Pragma é composto de storgê e de ludus; Mania provém da combinação de éros e de ludus; Agápê é um composto de eros e de storgê. Pode discordar-se desta catalogação de Lee (deveria, por exemplo, incluir-se entre os amores primários o amor agápico, em vez do lúdico) e das suas diversas combinações (será, por exemplo, que um amor pragmático tem alguma coisa de ternura - storgê?), mas indubitavelmente trata-se duma catalogação louvável. Deste hexágono proviriam seis modos possíveis de amar conforme os diferentes níveis de desenvolvimento, e que foram descritos particularmente por Lasswell e Lasswell (1976) e por Lee (1977). Podemos descrevê-los num crescendo valorativo: 1) mania: amor obsessivo, possessivo, ansioso, dependente, ciumento, incapaz de tolerar a perda do amado, podendo até desenvolver doenças. Esta espécie de amor anda associada a um baixo auto-conceito e autoestima. É típico de pessoas num estádio de desenvolvimento do eu impulsivo e autoprotectivo; 2) ludus: o amante joga aos amores procurando obter o máximo lucro com o mínimo custo e abstendo-se de qualquer dependência ou

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compromisso. Tal amor é mais típico das pessoas num estádio de desenvolvimento autoprotectivo; 3) pragma: amor prático, sensível, consciente, realista, provocando ou desfazendo a relação por razões práticas. Tais pessoas denotam ainda um estádio de desenvolvimento do eu autoprotectivo, com aspectos também conformistas, mas em vias de superação; 4) eros: amor romântico ou apaixonado que idealiza o amado e procura agradar-lhe. Fixa-se sobretudo nas características de beleza física. Denota um estádio conformista; 5) storgê: amor de ternura, afeição, relação, interdependência, mútua abertura e realização, comprometido a longo prazo, próprio de amigos íntimos ou de casais que atingiram um estádio de desenvolvimento onde prevalece a autonomia; 6) agapê: amor puro, oblativo, altruista, gratuito, desinteressado. O amante quer e procura o melhor bem para o amado que corresponde da mesma maneira desinteressada e incondicionalmente, sem olhar a sacrifícios e recompensas. Pode encontrar-se eventualmente num casal que atingiu a maturidade, e é símbolo sobretudo do amor maternal e mais ainda do amor divino. Fazendo jus aos diversos vocábulos usados na Bíblia grega, poderíamos ainda falar de um amor philia ou de amizade, mas ele compara-se e está incluído de algum modo no amor storgê. É um amor menos altruísta e menos universal que o amor agapê, mas já muito purificado e abrangente. Para ser mais exaustivos, era necessário, dentro de cada uma das categorias, distinguir várias subcategorias. Mas o esforço de Lee e de outros autores para catalogar uma emoção tão complexa como é o amor, pode considerar-se benemérita. A partir desta tipologia, os autores procuraram encontrar escalas (multifactoriais) de avaliação dos diversos graus de amor, como é o caso de Lasswell e Lobrenz (1980) e sobretudo de Hendrick e Hendrick (1986, 1989). Estes estilos de amor foram também identificados em Portugal (Neto, 1992, 1994), embora se possam verificar diferenças interculturais. Todavia, a distinção entre seis classes de amor e as consequentes escalas hexafactoriais é susceptível de contestação e aperfeiçoamento. Partindo de outras teorias sobre o amor, seria possível elaborar escalas com menos factores ou até de tendência unifactorial visto que, no fundo, só há amor verdadeiramente tal quando há dom gratuito de si mesmo; o resto são escórias do amor, subprodutos do egoísmo ou de comportamentos mais ou menos possessivos ou patológicos.

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3.6

Componentes do amor

Sternberg (1986, 1987), a exemplo do que tinha feito com a sua teoria da inteligência, distingue três dimensões fundamentais no amor, propondo um modelo triangular, ou “teoria triangular do amor”, como lhe chama na obra editada juntamente com Barnes (Sternberg e Barnes, 1988), intitulada precisamente Psicologia do amor, e que é na realidade uma verdadeira enciclopédia sobre o amor, segundo a perspectiva psicológica. Sternberg considera em cada vértice do triângulo um dos elementos principais do amor: 1) intimidade: sentimentos de proximidade e de união entre os amantes e que geram alegria e entusiasmo; 2) paixão: impulsos que levam à atracção e à união física dos amantes; 3) decisão/compromisso de assumir eventualmente uma relação a longo prazo. A intimidade é a componente principal do amor, enquanto a paixão é a menos nobre e duradoura. Se quiséssemos aproximar estas dimensões dos tipos de amor apontados por Lee, poderíamos dizer que a intimidade e o compromisso afectam sobretudo o amor storgê e agapê, enquanto a paixão está particularmente presente no amor erótico e de algum modo no maníaco. Cada uma das três componentes pode exprimir-se de diversas maneiras: a intimidade através da comunicação de sentimentos interiores, da promoção do bem-estar do outro, da partilha de bens; a paixão através de diversas expressões físicas (beijar, abraçar, etc.); o compromisso através da fidelidade, mesmo em momentos difíceis. Sternberg (1986) aponta ainda algumas propriedades do amor (estabilidade, controlabilidade, etc.) mais ou menos presentes em cada uma das três componentes. Por exemplo, quanto à estabilidade, a intimidade e o compromisso desempenham um papel fundamental nas relações a longo prazo, enquanto a componente passional está mais presente a curto prazo, podendo com o tempo desaparecer. Sternberg, analisando as três componentes do amor, identificou oito espécies de amor, dependendo da presença ou da ausência de cada componente. A sua taxonomia é constituída por: não amor, amor de gosto, amor louco, amor vazio, amor romântico, amor companheiro, amor insensato, amor perfeito. Por exemplo, uma relação envolvendo compromisso, mas não intimidade nem paixão, é um “amor vazio”; uma relação envolvendo intimidade e compromisso mas não paixão, é um “amor companheiro”; um amor com as três componentes seria um “amor perfeito” que pode estar presente nos casais e mesmo na relação pais-filhos (cf. Sternberg e Barnes (Eds.), 1988; Neto, 2000, pp. 249-252).

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É evidente que também esta catalogação e interpretação do amor, segundo Sternberg, pode ser objecto de crítica, carecendo de confirmação empírica, mas é mais uma tentativa de classificar a panóplia do amor. Todavia, é de estranhar que Sternberg, como cognitivista que é, não tenha apontado também como elemento ou componente principal do amor, para além da intimidade, da paixão e do compromisso, o (re)conhecimento crítico do amor, que não deve ser “cego” mas antes ter os olhos bem abertos. Mais avisado andava Piaget que, confrontando-se com Freud e aproximando a inteligência da afectividade, afirmava que não há amor que não tenha uma componente cognitiva, como não há raciocínio, mesmo matemático, onde a afectividade ou motivação não esteja de algum modo presente (cf. Barros, 1991). Tenha-se ainda em conta as diversas variáveis que dão coloridos particulares ao amor, como a idade, o sexo (é ao mesmo tempo muito diferente e essencialmente idêntico o modo de amar em feminino ou masculino), a personalidade ou idiossincrasia de cada um, para além de determinantes contextuais e interculturais (cf. Neto, 2000, pp. 256-268). Ao longo da formação e constituição do casal, e mesmo na relação dos pais para com os filhos e destes para com os pais, podem encontrar-se representados estes diversos tipos de amor, quer segundo Lee, quer segundo Sternberg, em doses diferentes conforme a idade e os diversos momentos dos amantes. Porém, todos os casais deviam procurar atingir o amor storgê, se não o amor agápico, na tipologia de Lee, ou o amor perfeito, na terminologia de Sternberg. Pode haver, e há, outras classes de amor, mais ou menos autênticos ou apaixonados, mais ou menos duradouros ou efémeros, mas o amor conjugal tem a sua especificidade própria. Para tentar defini-lo é melhor dizer antes o que não é ou não deve ser: 1) um amor-paixão que tem sempre algo de patológico e de trágico, a exemplo do romance Romeu e Julieta ou Tristão e Isolda e outros que contibuíram para o mito ocidental de que o amor verdadeiro tem de ser dramaticamente apaixonado; 2) uma alienação que julga, por influência freudiana, que a verdadeira auto-realização não deve conhecer barreiras ou proibições, dando antes largas a todos os instintos; 3) uma repetição permanente do passado, sem abertura para o futuro. Ao contrário, o verdadeiro amor conjugal deve ter algumas características principais: 1) compromisso futuro que implica uma intencionalidade, uma vontade de continuarem unidos e mutuamente se fazerem felizes; 2) necessidade de criação contínua que passa não apenas pelos filhos mas pelos problemas quotidianos de habitação, trabalho, etc.; 3) aceitação duma transcendência que pode não ser religiosa mas aceita o sacrifício de si para renascer no outro; 4) corresponsabilidade em todas as dimensões, pressupondo igualdade e colaboração.

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3.7

Patologias do amor

O amor autêntico e normal é oblativo, dom de si, centrado no outro, na vontade de lhe agradar e de o tornar feliz, é solicitude e responsabilidade pelo outro, é livre e libertador, não possessivo ou obcecado unicamente pelo sexo ou por outros interesses sócio-económicos que não seja a pessoa em si. Há uma interdependência entre os amados, a necessidade de estarem juntos, a disposição de se sacrificarem um pelo outro, o desejo de intimidade e outros aspectos que distanciam o amor do egoísmo, do egocentrismo e do narcisismo que muitas vezes se mascaram de amor mas que de amor não têm nada ou quase nada. O verdadeiro amor não tem bilhete de ida e volta, antes se perde no amado. O verdadeiro amante é feliz na medida em que faz o outro feliz. Trata-se duma concepção de amor muito além da teoria freudiana e psicanalítica, até agora dominante, que concebe o amor unicamente como instinto, pulsão libidinosa, desejo de satisfação sexual. Se existe um amor autêntico também há muito amor patológico e doentio, fruto de personalidades imaturas e possessivas, que utilizam o outro como meio para se compensarem a si mesmos, para exprimirem o seu desejo de posse e de prazer a todo o custo, confundindo e reduzindo o amor à paixão sexual (hoje esta tentação é muito mais frequente porque veiculada pelos massmedia e porque vivemos numa sociedade pansexualizada na publicidade, nos espectáculos e noutras manifestações). Trata-se de um ‘amor’ muitas vezes neurótico ou psicótico e até perverso (masoquista, sádico). Frutos amargos ou consequências deste ‘amor’ são a pedofilia, o incesto, o homicídio ou suicídio por paixão, e outras aberrações. Uma das patologias específicas ou ao menos perturbações do amor é o ciúme As relações amorosas (do casal ou de um par de namorados) são frequentemente afectadas por este mal que, até uma certa dose, é relativamente normal, mas que em excesso é patológico e corrói o amor. Se um pouco de ciúmes torna o amor mais apimentado e vigilante, sendo sinal de verdadeiro amor, há ciúmes doentios e patológicos, sem fundamento algum, a necessitar de intervenção terapêutica (se não se manifestam incuráveis), pois não apenas tornam infeliz quem os tem mas também (e sobretudo) quem é vítima deles, particularmente quando se sente inocente. Trata-se de um sentimento frequente abrangendo uma parte significativa de amantes (mesmo homossexuais), embora com maneiras de reagir diversificadas, mostrando-se os homens mais activos e zangados e as mulheres mais passivas e sofredoras. Pfeiffer e Wrong (1989) definem os ciúmes como um emaranhado cognitivo-afectivo-comportamental. Do ponto de vista cognitivo, está em causa uma ameaça mais ou menos real ou fictícia. As reacções emotivas envolvem medo, mal-estar, ira, surpresa e outros sentimentos dolorosos. A pessoa ciumenta pode comportar-se de diversos modos, tentando aproximar-se do outro par ou então reagindo mais ou menos © Universidade Aberta

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violentamente ou passivamente. De qualquer modo, é uma pessoa infeliz e faz infeliz a outra. Não sendo possível aprofundar este mal-estar do amor, remete-se para a bibliografia especializada, por exemplo o artigo de Silva e Marks (1997) que procuram definir, avaliar e dar indicações clínicas sobre o ciúme, baseados na literatura e na própria experiência.

Resumo Toda a gente fala do amor, mas não é fácil a sua definição nem apontar todos os seus elementos e componentes. Aplicando directamente ao amor conjugal, interessa antes de mais compreender algumas teorias sobre a atracção interpessoal, a escolha amorosa e as razões por que as pessoas se casam e com quem. Os autores debatem-se entre razões de similaridade, complementaridade e mesmo oposição. Depende de cada caso, mas certamente conforme os motivos mais ou menos (in)conscientes da escolha, temos um casal mais ou menos (in)feliz. A complexidade do amor manifesta-se também na diversa terminologia para o expressar, já a partir da Bíblia e dos gregos. Os autores, tentando compreender como é que o amor nasce e se desenvolve, apontam diversos estádios de desenvolvimento do amor. Há também tentativas de catalogar o amor ou de lhe apontar tipologias. Lee distingue seis espécies de amor e a partir daí construíram-se algumas escalas na tentativa de avaliação da qualidade do amor. Sternberg, por seu lado, tendo já definido a inteligência tridimensionalmente, faz o mesmo com o amor, falando de três componentes: intimidade, paixão e compromisso. Se o amor é coisa sublime e delicada, está também sujeito a muitas doenças, uma das quais é o ciúme, que tem várias conotações e motivações, mas que sempre perturba e pode mesmo matar o amor.

Interrogações e sugestões Descreva sumariamente as diversas teorias sobre a atracção interpessoal e a escolha amorosa, bem como as implicações que daí decorrem. Distinga diversos estádios de desenvolvimento do amor apontados pelos diversos autores.

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Distinga algumas tipologias do amor donde derivam diversas espécies de amor, conforme os diversos autores. Lee distingue seis modos possíveis de amar e que podem ter diversas combinações entre si, como as cores: aponte-os e diga se concorda com essa teoria. Sternberg tem uma teoria triangular sobre o amor: descreva os seus componentes e tente apreciar esta teoria criticamente. O amor é coisa sublime mas frágil e pode também adoecer: fale um pouco do ciúme. Tente analisar um caso de par amoroso, interrogando-os sobre as razões de escolha mútua e eventualmente observando alguns dos seus comportamentos.

Leitura complementar Há muita literatura sobre o amor. Para aprofundar o tema podia ler-se o capítulo que Neto (2000, pp. 225-268) dedica ao assunto. Clássica é a obra editada por Sternberg e Barnes (1988) precisamente sobre “Psicologia do amor”. Referência fundamental é também a obra de Lee (1973) sobre “As cores do amor”.

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4. Harmonia e Desarmonia Sexual

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Objectivos de aprendizagem Pretende-se com este capítulo que o leitor seja capaz de: • Apontar as principais diferenças bio-psicológicas do género. • Enumerar alguns objectivos da relação sexual e alguns mitos que a envolvem. • Decrever alguns factores de que depende a satisfação na relação sexual. • Dizer porque é que é importante a harmonia sexual no casal e alguns factores que para isso contribuem.

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É abundante a bibliografia sobre a sexualidade no casal (cf. e.g. Eysenck e Wilson, 1979), quer do ponto de vista normal, quer anormal ou patológico, necessitando neste caso de terapia. Não nos podemos alongar sobre este particular. Todavia, seguindo fundamentalmente Mucchielli (1979, pp. 5-21), vamos referir-nos a alguns aspectos mais importantes, pois trata-se duma dimensão fundamental da pessoa e em particular do casal.

4.1

Bio-psicologia diferencial do género (masculinidade/ feminilidade)

Trata-de de diferenças acidentais ou essenciais? Há vários instrumentos ou escalas para tentar avaliar estas diferenças. Das suas diversas passagens, e supondo a sua validade, em geral pode concluir-se que as mulheres obtêm maior êxito em tarefas implicando factores estéticos (mais gosto nas cores, imagens), verbais (falam mais facilmente, utilizam vocabulário mais concreto), realizações manuais, preocupações sociais (relações humanas e capacidade de simpatia, maior “memória social” para nomes e caras), organização material do trabalho. Além disso, exprimem as suas emoções de forma mais espontânea e mais extrema, são menos indiferentes que os homens em relação aos interesses, são mais introvertidas, etc. Ao contrário, os homens conseguem fazer melhor tarefas que impliquem aptidões espaciais, uma percepção analítica, um tempo de reacção rápida, raciocínio matemático e lógico, definições de palavras abstractas, etc. Estamos perante diferenças psicofisiológicas ou mais de índole cultural (estereótipos)? Num estudo de Rocheblave-Spenlé (1964), os esterótipos masculinos e femininos, conforme alguns grupos de traços, apontavam o homem como mais decidido, disciplinado, independente, com necessidade de poder, gosto pela luta, activo, criador, de sexualidade imperiosa… enquanto a mulher era vista mais como caprichosa, faladora, com necessidade de confiar, de agradar, diplomata, passiva, intuitiva, de sexualidade acariciadora… A autora conclui que muitos destes traços são representações culturais onde está presente o domínio masculino (machismo) que atribui prevalentemente ao homem valores positivos e à mulher defeitos, segundo uma percentagem de 11 qualidades para 1 defeito no homem e de 8 defeitos para 2 qualidades na mulher. Mesmo as mulheres reconhecem esta “supremacia” do homem (sobre estereótipos do género, cf. Neto, 2000, pp. 31-123). A partir de determinada altura, e como reacção a esta situação, começaram a surgir na América e na Europa movimentos feministas, reividicando para a mulher igualdade de direitos na família, no trabalho, na política e contestando a consideração da mulher unicamente como um “ventre” ou como “uma casta © Universidade Aberta

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inferior”, votada à menor-idade e a viver no lar à volta da panela e dos filhos. Pôs-se também em causa ou reinterpretou-se a psicologia diferencial da mulheres, considerando como mitos muitas dessas diferenças. É famosa a expressão de Simone Bouvoir em “O segundo sexo”: on ne naît pas femme, on le devient. Todas as diferenças seriam convencionais ou artefactos sócioculturais, resultados da educação machista e da pressão social. Faz-se crer que o sexo anatómico e fisiológico nada tem a ver com a diferenciação e que toda a distinção não é mais do que papéis sociais aprendidos. Cai-se assim noutro extremo da igualdade absoluta ou do uni-sexo não apenas no vestir, mas no comportamento e nos papéis sociais. A contra-reacção não se fez esperar, mesmo numa perspectiva científica. Assim Margaret Mead (1966), a partir da antropologia, constata que as diferenças culturais apenas formalizam a diferença biológica dos sexos e que os papéis masculino-feminino foram fixados desde cedo na espécie humana. E isso devido particularmente ao facto incontestável que é a mulher que concebe e dá à luz realizando a sua feminilidade na maternidade. E é a mãe que instintivamente se relaciona e educa diferentemente o menino da menina, porque esta se parece com ela e o menino se deve tornar diferente dela e semelhante ao pai. Também a partir da antropologia, M. Mead constata que o papel masculino original é o de alimentar a família. Comparando os humanos com os macacos, ela demonstra que o papel tipicamente viril não consiste propriamente em proteger a sua mulher e os filhos (isso acontece nos símios superiores), nem na posse soberana das fêmeas disputando-as a outros machos (como acontece nos primatas e noutras espécies animais), mas antes no comportamento do homem preocupado em alimentar a família. Pode concluir-se que a diferenciação dos papéis entre os sexos é uma realidade transcultural e que radica na biologia, embora os estereótipos culturais tenham o seu peso e as representações possam evoluir. Mas por vezes tal evolução é fruto da pressão cultural, como alguns comportamentos masculinos bastante efeminados que M. Mead encontrou em três tribos, mas atribuídos à colonização branca que proibiu aos homens realizarem as actividades guerreiras a que estavam habituados. A etologia também nos diz que nos animais existe uma estreita relação entre a hierarquia social e o comportamento sexual. Assim, por exemplo, um veado vencido e dominado por outro macho, torna-se impotente; um babuino vencedor monta o que é vencido e este adopta um comportamento feminino (não devendo isto ser interpretado como homossexualidade). Parece, por conseguinte, que a concepção masculina e feminina ao longo das diversas culturas e tempos é uma invariante e a sua explicação fundamental é de ordem biológica, embora a educação e a cultura possam também influenciar. 76

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Efectivamente, existem entre o homem e a mulher profundas diferenças genéticas, hormonais e fisiológicas com grandes repercussões a nível neurológico e psicológico. Biologicamente o sexo masculino é mais frágil, havendo mais abortos espontâneos e maior mortalidade infantil entre os meninos. Além disso, as raparigas desenvolvem-se mais rapidamente, física e psicologicamente, na adolescência e as mulheres duram em média mais 6 ou 7 anos do que os homens. O último par de cromossomas (23) que determina o sexo, na rapariga é constituído por dois XX, enquanto no rapaz por XY, sabendo-se que o cromossoma Y, proveniente do pai, é cinco vezes mais pequeno que o X e constituído por poucos genes. Pensa-se que as anomalias de um cromossoma podem ser mais facilmente compensadas pelo outro na rapariga do que no rapaz. Além disso este par de cromossomas tem ainda outras propriedades para além da determinação do sexo, como resistência a certas doenças e resistência psicológica e moral (por exemplo, é muito maior a taxa de suicídios entre os homens). Dependente da genética (genital), as hormonas sexuais também interferem diferencialmente no homem e na mulher, determinando os caracteres sexuais secundários (como a voz, a barba, os seios), o esqueleto, a altura e o peso, a pele, o cabelo, a força, o sistema cárdio-vascular, o cérebro, e ainda o carácter e o comportamento, podendo afirmar-se que tudo em nós, quer físico quer psicológico, é sexuado e por isso diferenciado. Sabe-se, por exemplo, que a progesterona penetra no cérebro afectando o seu funcionamento; através do hipotálamo influencia também o humor. A ablação dos testículos num jovem provoca perturbações no desenvolvimento normal e uma certa feminização, enquanto na mulher a ablação dos ovários trava a evolução feminina mas sem provocar virilização. A própria expressão da sexualidade é muito diferente no homem e na mulher, sendo o homem mais excitável e agressivo; por isso a poligamia é mais frequente que a poliandria, e o adultério masculino também mais frequente. O homem facilmente separa a genitalidade da afectividade, ao contrário da mulher. No homem trata-se mais de uma actividade (fragmentada), enquanto na mulher é antes um estado (de ternura global). O homem pode funcionar em compartimentos estanques, enquanto a mulher funciona (ou não funciona) na sua globalidade sómato-psíquica. Humoristicamente pode afirmar-se que o homem não precisa de afinar a viola para tocar, mas a mulher só toca bem (ou vibra sexualmente) quando todas as cordas físicas e psíquicas estiverem afinadas (o que leva o seu tempo…). As diferenças manifestam-se igualmente a nível de paternidade e de maternidade. No homem, a vida sexual e a possível paternidade não o compromete biologicamente, mas apenas social e afectivamente, enquanto na mulher a possível maternidade compromete antes de mais biologicamente, com consequências a nível hormonal e psicológico ao longo da gravidez e © Universidade Aberta

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durante a amamentação, com reflexos a longo prazo. O mesmo se diga do sentimento paternal ou maternal, também eles diferentes, sentindo o pai prevalentemente orgulho por ter descendência, poder, responsabilidade, não havendo em geral conflito entre sentimentos paternos e conjugais (a menos que sinta ciúmes patológicos do bebé que veio partilhar com ele a vida da esposa-mãe, dependendo também do comportamento desta). O mesmo não se passa com a mulher que tem mais dificuldade em gerir simultaneamente a dupla função esposa-mãe, havendo quem faça prevalecer mais a mãe (em detrimento do marido) ou da esposa (eventualmente em detrimento do filho que, neste caso, será mais estimado quando crescer, enquanto no caso anterior a mãe o prefere pequeno). Tais diferenças radicadas na biologia dos sexos, têm também implicações a nível psicológico e de concepção da vida. Antes de mais a nível da própria inteligência e afectividade. Quanto às diferenças de inteligência, para além das conotações culturais e idiossincráticas, no homem o raciocínio parece mais abstracto e espacial, enquanto a mulher é mais intuitiva e concreta. O facto da inteligência feminina se enraizar na sua natureza biológica de procriadora, torna-a mais sensível e compreensiva. A afectividade e emotividade femininas contrastam com a agressividade masculina cuja raiz é também biológica, tratando-se duma agressividade ofensiva e física, enquanto a agressividade feminina é mais defensiva e verbal. A violência (por exemplo na guerra) é mais típica do homem. É também diferente a Weltanschauung ou concepção do mundo e da vida, em particular da vida doméstica. A mulher concebe o casamento como uma situação vital essencial onde espera realizar-se, podendo sentir dificuldades em conciliar o seu lugar no lar com o seu papel ou intervenção social. Ao contrário, o marido não sente essa dificuldade, podendo dar-se de corpo e alma à sua profissão ou intervenção sócio-política sem achar que isso colide com a vida conjugal. Ele vê a casa como lugar de refúgio e descanso no meio da agitação da vida, enquanto a esposa a considera também como lugar de trabalho, eventualmente desopilando melhor fora de casa, podendo resultar daí alguns conflitos, se o marido não ajuda nas lides domésticas ou se se recusa a sair nos fins-de-semana. Mas, como dissemos, embora a biologia continue a ter o seu peso inegável na estrutura físico-psicológica e comportamental dos géneros, os factores socioculturais são cada vez mais determinantes, havendo muitas crenças e comportamentos estereotipados.

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4.2

Sexualidade conjugal

Ninguém duvida da importância da sexualidade na vida pessoal e do casal, para além das evoluções no percepcionar e viver a sexualidade, tendo em conta ainda as diversas revoluções e contra-revoluções a que se tem assistido na sociedade em relação ao sexo e à sexualidade (cf. Neto, 2000, pp. 271287). Teoricamente trata-se da relação mais íntima entre duas pessoas. Muitos pares queimam etapas e iniciam rapidamente esta relação íntima julgando que com ela vem a segurança e a felicidade, considerando-a como um fim, quando na realidade se trata dum processo gradual e por vezes doloroso. Qual a relação entre a satisfação matrimonial e a satisfação sexual? Os autores normalmente estão de acordo que a harmonia sexual contribui em grande parte para o bom entendimento do casal. Mas não há grande investigação sobre o assunto. Spanier e Lewis (1980) fizeram uma revisão das investigações realizadas nos anos 70 sobre a qualidade matrimonial. Notaram primordialmente três áreas que contribuem para a qualidade do casal: diferenças sexuais, efeito dos filhos, profissão. Mas só encontraram cinco artigos que indirectamente abordavam a relação entre a qualidade matrimonial e a sexualidade. A expressão sexual do casal é um processo dinâmico em contínua evolução, dependendo da personalidade de ambos, da saúde, da idade, do contexto social, do número de filhos e de outros factores. Trata-se duma relação ao mesmo tempo forte e delicada podendo ser fonte de grande prazer mas também de dor, desilusão e insegurança, principalmente por parte da mulher, cuja vibração sexual depende de todo o contexto afectivo, enquanto o homem pode separar a relação sexual da afectividade. Segundo Talmadge (in L’Abate (Ed.), 1985, I, pp. 468-470), cinco objectivos estão presentes no exercício da sexualidade matrimonial: 1) a procriação: o desejo sexual é uma pulsão instintiva para a sobrevivência da espécie. A procriação tem fortes razões bio-psico-sociais; uma delas é unir mais o casal e torná-lo mais adulto (cf. Ballon, 1978); 2) a relação: a união sexual é um meio privilegiado de exprimir afeição e amor mútuo, do casal viver em intimidade e interdependência, num contacto ao mesmo tempo emotivo e fisiológico; 3) a recriação: na relação sexual o casal encontra prazer e ao mesmo tempo expressões lúdicas e relaxantes; 4) um aferidor ou barómetro da satisfação do casal em geral: quando a relação sexual vai perdendo qualidade, pode ser um indicador ou prenúncio de que a união do casal corre riscos; 5) a celebração do laço matrimonial: a relação sexual pode significar uma força capaz de dar qualidade à vida, de dar saúde física e mental, para além de manter o casal unido. Talmadge (pp. 470-477) aponta também alguns mitos da sexualidade matrimonial: é fácil o uso do sexo no casamento (mas tem antes de ser uma conquista progressiva); a frequência do exercício sexual é o primeiro indicador

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da compatibilidade sexual e da felicidade do casal (mais do que a quantidade interessa a qualidade); uma relação sexual pobre conduz à infelicidade do casamento e a expressões extramatrimoniais (depende das causas dessa ‘pobreza’); a relação sexual e a relação matrimonial são entidades separadas (assim pode acontecer, mas a relação matrimonial necessita da relação sexual); o sexo cria intimidade no casal (se for de boa relação); os casais felizes não têm problemas sexuais (podem tê-los mas são capazes de os superar); desde que haja uma boa colaboração sexual com o partner, a relação sexual matrimonial será satisfatória (são necessárias outras condições para uma boa relação); o sexo matrimonial é sempre romântico, excitante e orgásmico (pode não ser). Talmadge (pp. 477-492) descreve ainda diversos factores de satisfação sexual matrimonial que sintetiza: 1) factores de personalidade (auto-imagem, imagem do corpo, identidade do género, sentimentos de culpabilidade, poder, estilos defensivos, autonomia, dependência, conflitos intrapsíquicos); 2) contexto social (desenvolvimento do casamento, educação, idade, cultura, mass-media, filhos, acontecimentos casuais como mudanças profissionais, mortes, etc.); 3) estado físico (comportamento hormonal, situação cárdio-vascular, saúde geral, obesidade, situação neurológica, funcionamento da genitalidade, outros distúrbios); 4) família de origem (sexualidade dos pais, clima sexual da casa, atitudes e conhecimento parental sobre o sexo, experiências sexuais na infância, incesto e traumas sexuais, clima afectivo); 5) personalidade da relação (estilo de comunicação, amor, confiança, entrega, intimidade, resolução de problemas, dependência/independência, apoio mútuo, capacidade de abertura, etc.). Muita outra bibliografia analisa a natureza e importância da sexualidade no sistema familiar, e não apenas no casal, que também nos filhos, como Maddock (1983), que em parte concorda com Freud quando considerava a sexualidade ou a atmosfera erótica da família como a força maior de socialização da criança. Efectivamente, muitos estudos têm provado a grande influência da sexualidade no comportamento individual e colectivo de todos os membros da família.

4.3

Harmonia sexual e comunicação

Peso determinante na (in)felicidade do casal tem a (des)harmonia sexual entre ambos os parceiros, sendo neste campo mais determinante a satisfação da mulher que, por outro lado, depende muito do marido, do modo como a estima e ama e do modo como prepara e vive o acto sexual. A mulher, se se sente feliz com o marido, mais facilmente atinge o orgasmo e, por outro lado, na medida em que é compensada sexualmente, pode tornar-se mais alegre, num círculo bem-fazejo que ajuda mais facilmente o casal a superar as diversas crises. 80

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A respeito da harmonia sexual, como de outras expressões do amor e relacionamento conjugal, é muito importante também o ajustamento das percepções, crenças e/ou expectativas recíprocas entre os dois, a respeito da própria pessoa de cada um, do seu comportamento, dos papéis, trabalhos, etc. Em grande parte vivemos das expectativas (cf. Barros, 1992), mas estas podem ser deturpadas, sendo necessário o diálogo para afinar, no caso vertente, o que é que o marido pretende da esposa e esta do marido e como se percepcionam mutuamente. Neste grande sistema de expectativas, pode estabelecer-se uma certa hierarquia. Figuram em primeiro lugar as aspirações interpessoais fundamentais: sentir que se ocupa o primeiro lugar no coração do outro, que nos podemos apoiar nele e que somos, de qualquer modo, indispensáveis. No casal, as expectativas sobre o papel de cada um, são também importantes: o marido espera primordialmente da esposa carinho e outras qualidades afectivas, mas também intelectuais e sociais, enquanto a esposa espera do marido segurança, sobretudo nas dificuldades, apoio económico, mas também que seja afectuoso, inteligente e capaz de autocontrolo. Apesar de algumas destas características poderem ser mais fruto de estereótipos, à medida que a situação “unisexo” se vai impondo, é sempre evidente que estão em campo duas personalidades complementares, psicológica e socialmente. A satisfação destas expectativas gera felicidade e crescimento mútuo do casal, enquanto a sua decepção vai abrindo rombos mais ou menos graves no amor e na comunicabilidade entre ambos. Antes que esta comunicação falhe, é necessário fazê-la funcionar para evitar círculos viciosos: quanto maior frustração das expectativas, menos comunicação ou mais isolamento e quanto mais isolamento e silêncio, maior frustração. Nos casais felizes a comunicação verbal (diálogo) e outras espécies de comunicação não verbal (afectiva, presencial) é reconfortante, sobretudo nos momentos de dificuldade, enquanto nos casais infelizes ou em vias de rotura não há propriamente comunicação, sendo substituída pela agressividade ou pelo silêncio. Enfim, a existência conjugal não pode ser assimilada a um jogo onde cada um puxa para seu lado, até rebentar a corda, ou onde há um que perde e o outro que ganha (a vitória de um faz-se à custa da derrota do outro), nem mesmo onde há empate, repartindo-se as vitórias e as derrotas, mas onde as vitórias de um pertencem também ao outro e as derrotas (que a vida impõe) também são repartidas. Assim, as alegrias partilhadas tornam-se maiores e produzem mais unidade, enquanto as cruzes levadas a dois se tornam mais leves e podem constituir também momentos de crescimento. De qualquer modo, é difícil manter uma boa comunicação entre o casal, se a relação sexual perde qualidade afectiva.

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Resumo Há autores que, para explicar as diferenças comportais entre o homem e a mulher, se apoiam fundamentalmente nos factores genético-constitucionais, enquanto outros acentuam particularmente os factores socioculturais. Defendese que as principais diferenças psicológicas entre os dois sexos radicam fundamentalmente no biológico (genético, hormonal, fisiológico). A antropologia cultural parece corroborar esta tese. Todavia os factores socioculturais, com muitos estereótipos, desempenham também um papel determinante. Reveste-se de grande importância o exercício da sexualidade para o bemestar do casal. Os autores apontam diversos objectivos nesta relação, mas também existem muitos mitos a este respeito. São ainda diversos os factores de satisfação sexual matrimonial. De qualquer modo a harmonia sexual exerce papel determinante para a felicidade do casal e para uma boa comunicação entre os cônjuges.

Interrogações e sugestões Em que factores se fundamenta a diferença bio-psicológica entre os dois sexos? Quais os objectivos principais que os dois cônjuges têm na relação sexual? Aponte alguns mitos que correm sobre a relação sexual. Quais os objectivos que o casal tem (ou pode ter) no exercício da sexualidade matrimonial? Diga algumas razões sobre a importância duma boa harmonia sexual entre o casal e alguns factores que contribuem para isso. Faça um inquérito mais ou menos estruturado a alguns casais sobre a importância que dão à relação sexual na sua vida de casal e se essa relação é preparada. Tente notar as perspectivas diversas do homem e da mulher.

Leitura complementar Para aprofundar este tema, pode ler-se o livro de Eysenck e Wilson (1979) sobre a “Psicologia do sexo” ou ainda alguns capítulos do 1º volume da obra editada por L’Abate (1985). 82

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5. Doenças do Casal – Conflitos e Divórcio

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Objectivos de aprendizagem Pretende-se que, no final deste capítulo, os seus leitores sejam capazes de: • Identificar diversos processos e momentos na vida do casal que podem conduzir ao divórcio. • Apontar as consequências dos conflitos e do divórcio para os cônjuges e para os filhos. • Enumerar algumas classes de violência no casal e na família. • Aconselhar algum casal em vias de ruptura e/ou propor alguma terapia.

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Até ao último quartel do século XX, os psicólogos pouco se interessaram pelos conflitos familiares, que muitas vezes terminavam na separação e no divórcio, mais fixados no indivíduo do que nas suas relações, embora nos anos 70 houvesse já preocupação com o divórcio, particularmente pelas consequências que acarretava para os filhos, como é o caso do livro de Liberman (1979). Nas duas últimas décadas é abundante a literatura sobre as diversas doenças do casal e da família. Maurey (1977), num livro que intitula O casal doente, começa por afirmar que, enigmaticamente, conforme a descrição das primeiras páginas da Bíblia, o primeiro casal (Adão e Eva) começou logo a ter problemas, deixando-se seduzir pela serpente e recriminando o homem a mulher e esta a serpente, tornando-se ambos infelizes. Pode dizer-se que o casal nasceu mal. E será que houve grande evolução até agora? Na realidade, muitos casais actuais – como ao longo de toda a História - nascem mal e continuam mal, acabando por desfazer-se. No corpo humano, as diversas manifestações patológicas não se manifestam de um dia para o outro, mas progressiva e silenciosamente, de tal modo que, por vezes, quando os sintomas aparecem mais claramente, já é demasiado tarde e pode estar a desenvolver-se, em estado avançado, um cancro ou outra doença grave. O processo é idêntico do ponto de vista psicológico: comportamentos neuróticos ou psicóticos (por exemplo, fobias ou obsessões, depressões, tendências esquizóides, etc.) vão-se desenvolvendo subreptícia e gradualmente. O mesmo se passa com o casal. No início tudo corria bem (quando corria) e pouco a pouco, quase imperceptivelmente, instala-se a desilusão, o fracasso, a infelicidade, o divórcio.

5.1

Processo do divórcio – decepção e tentativas de reconciliação

O processo que desagua muitas vezes na separação e no divórcio passa, segundo Lee (1984), por diversos estádios, desde a descoberta do problema, à sua exposição ao parceiro, a algum tipo de negociação que pode chegar a algum tipo de resolução ou então à cisão mais ou menos a curto ou a longo prazo. Quando chegam a este ponto, dá a impressão que os cônjuges caminharam sempre em vias paralelas e não convergentes. Acusam-se mutuamente, mas no fundo ambos são responsáveis e vítimas, embora em graus diferentes, conforme cada caso. Também a dor e as consequências sentidas pela separação dependem de muitos factores, principalmente se o passado foi amoroso ou sempre relativamente frio; no caso duma boa relação anterior, os custos são maiores. Há investigações que levam a concluir que a © Universidade Aberta

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separação acarreta sofrimento maior para os homens, mas depende de cada casal (cf. Neto, 2000, pp. 291-295). O processo por que se chega à desilusão ou decepção pode ser diversificado, mas tem sempre etapas mais ou menos detectáveis, como a incompreensão, a acusação mútua, a humilhação, as expectativas frustradas e consequente monotonia e aborrecimento, a desarmonia sexual, o egocentrismo, o silêncio, desigualdades no modo de pensar e de viver, a agressividade verbal ou mesmo física, e outras causas. O casal, por si mesmo ou ajudado por alguém amigo ou por algum técnico (psicólogo, advogado, sacerdote) pode fazer o ponto da situação e arrepiar caminho, dando passos no sentido um do outro, quando antes se iam separando cada vez mais, caminhando em sentido contrário. Assim, depois da crise pode vir a bonança ou mesmo os melhores dias do casal. Por isso, há formas mais ou menos activas e construtivas de abordar o problema, como verbalizar a situação e manifestar capacidade de diálogo e de lealdade um pelo outro; e há formas mais ou menos passivas e destrutivas, como o deixa-correr negligente ou o esticar mais a corda até ao rompimento total. Pode acontecer a reconciliação e um recomeçar novo caminho. Mas também, por diversas razões (a ferida é já demasiado profunda, a psicologia de ambos é de difícil compatibilização, não há vontade suficiente de reiniciar o caminho, etc.), a reconciliação pode ser apenas aparente ou sol de pouca dura, recomeçando o processo de separação e decepção, que passa pelo isolamento, procura de compensações fora de casa, ruptura da comunicação (silêncio agressivo ou indiferente), exasperação permanente, doenças físicas ou psíquicas, como a depressão, ou mesmo tentativas de suicídio (fruto do stress ou como mecanismo para ‘castigar’ inconscientemente o outro, ou ainda como último grito de alerta e desejo de salvar o lar), comportamentos desviantes (como o álcool ou a droga) ou mesmo o crime, podendo chegar a matar o outro cônjuge, num acto de desespero. Mas o mais ‘normal’ é a separação ou o divórcio. Pode também o casal às vezes, para salvar a face social ou por outras razões, como as económicas, permanecer sob o mesmo tecto (divórcio afectivo) mas levando vidas totalmente independentes como se não tivessem nada a ver um com o outro. Os diversos processos de ruptura funcionam a um tempo como mecanismos de defesa contra a culpabilidade pessoal, como culpabilização do outro ou como necessidade de se autocastigar ou de castigar o outro. Tais tensões e ‘guerrilhas’, mais ou menos silenciosas ou manifestas, não atingem unicamente o casal, mas os familiares próximos de um e outro e sobretudo os filhos (se os há e conforme a idade dos mesmos), gerando neles sentimentos de insegurança, culpabilidade, desorientação, dificuldades de identificação, desadaptação social (que pode chegar à criminalidade passiva ou activa), distorção da imagem de família, medo do casamento futuro. 88

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O diagnóstico de tantos lares falhados nem sempre é fácil de fazer e é sempre multifactorial. Mas poder-se-iam apontar causas de doença grave ou de morte do casal mais ou menos internas (controláveis) ao casal ou mais ou menos externas (incontroláveis). Entre as primeiras, conta-se o arrefecimento ou mesmo a morte do amor, graves incompatibilidades de personalidade e de expectativas, nível sócio-cultural e de origem muito diferente, desarmonia sexual, conflitos a propósito dos papéis de cada um e a propósito de tudo e de nada. Causas mais extrínsecas da crise podem ser: matrimónios muito precoces ou mais ou menos forçados e irresponsáveis (como alienação), sem a devida preparação e liberdade, doença mental ou psíquica de um dos cônjuges (como tendências neuróticas ou psicóticas, homossexuais, sádicas, etc.), problemas profissionais ou financeiros, presença de terceiros (sogros, por exemplo), trabalho da mulher fora de casa (chegando a casa cansada e sem possibilidade de atender bem o marido e os filhos), meios de comunicação social que atentam contra a fidelidade do casal, etc. (cf. Mucchielli, 1979, pp. 77-116). Touzard (1975, pp. 24-29), através duma investigação com casais franceses, refere-se ao impacto do conflito que frequentemente começa por ser intrapessoal antes de se tornar interpessoal, uma vez que a mesma pessoa, marido ou esposa, devem assumir diferentes papéis que podem ser contraditórios ou dificilmente compatíveis entre si. Mas os conflitos mais graves passam-se a nível das duas pessoas que constituem o casal e que têm traços de personalidade incompatíveis com o outro cônjuge que também não sabe ligar com as diferenças. A fonte do conflito pode ser também cultural e social, mais frequente actualmente em sociedades com grande fluxo migratório. Os muitos conflitos que surgem ao longo da vida do casal e da família podem ser resolvidos das mais diversas formas, umas muito negativas até outras com sucesso. Vaillant (1977) descreve quatro níveis de defesas: 1) defesas psicóticas, como a projecção ilusória, a negação e a distorção; 2) mecanismos de defesa imaturos, como projecções, fantasias esquizóides, hipocondrias, comportamentos passivo-agressivos e mesmo agressões; 3) defesas neuróticas como a racionalização, o recalcamento, a deslocação, a formação reactiva, a dissociação; 4) defesas maduras como o altruísmo, o humor, a supressão, a sublimação, a antecipação. Só esta última forma de reagir aos conflitos e situações quase de ruptura consegue resolver a situação positivamente e a longo prazo para bem de ambos os contendores. Não se trata propriamente de evitar o conflito mas de usá-lo construtivamente e não destrutivamente, para o próprio casal e principalmente para o bem dos filhos. Humphreys (2000) afirma que o conflito pode ser “uma força criativa dentro da família” se é encarado como “oportunidade para a mudança” e “sinal para os membros familiares de que algum processo de cura é necessário” (p. 98). Tal processo de cura pode ser necessário a diversos níveis: físico, comportamental, emocional, social, sexual, cognitivo. Para uma boa solução © Universidade Aberta

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do conflito é necessário, antes de mais, identificar bem o(s) problema(s) e que todos os intervenientes estejam dispostos a empenhar-se na solução. Diga-se ainda que muitos casais se separam, após mais ou menos tempo juntos, porque na realidade nunca viveram como autênticos casais mas apenas como duas pessoas justapostas, não formando uma verdadeira comunidade conjugal, dinâmica e viva, para além do contrato civil ou do quadro formal. A união conjugal é um começo de duas vidas em convergência, bem diferente de um grupo normal, pois a díade conjugal ultrapassa todos os esquemas de grupo, tendo uma dinâmica nova. Rucquoy (1974) tenta compreender as dificuldades, conflitos e crises do casal a partir das razões ou “determinantes” que levaram o casal a formar-se, devendo considerar-se determinantes sociológicos (o contexto em que habitam tem um papel fundamental no futuro (des)entendimento) e psicológicos (razões mais ou menos conscientes da escolha que, por exemplo, tanto podem tentar satisfazer certas tendências profundas, como reagir a essas mesmas tendências). Leonard e Roberts ((in Bradbury, 1998, pp. 44-73) referem-se particularmente às agressões entre o casal no primeiro ano de vida, havendo diferenças significativas no comportamento do marido e da esposa quando ajudados a solucionar os seus problemas e a resolver os seus conflitos. Bales (1970) descreveu um modelo tridimensional do comportamento interpessoal que pode ser aplicado à dinâmica familiar. As três dimensões são: topo-base (up-down), positivo-negativo, para a frente-para trás (forwardbackward). A primeira dimensão representa a dominância vs. a submissão. A segunda inclui associações positivas (como o amor e relações interpessoais satisfatórias) ou negativas (como a hostilidade e a ansiedade). A terceira leva o grupo ou à mútua aceitação e consecução do objectivo, ou então ao afastamento do projecto comum. Cada pessoa tende a levar o grupo para o lugar ou atitude onde se move. Por exemplo, uma pessoa no espaço topopositivo-frente, tende a ser ascendente, amicável e toma a iniciativa de fazer com que o grupo atinja os objectivos. Uma pessoa no topo-negativo-frente também tende a ser dominante e a levar o grupo a atingir os objectivos, mas é menos cooperante na relação no interior do grupo e pode tornar-se autoritária. Uma pessoa na base-negativo-para trás é submissa, tem atitudes negativas e pessimistas, e não coopera na obtenção dos fins do grupo. Na situação familiar, os diversos membros encontram-se em situações diferentes nas três dimensões e podem acontecer as mais variadas combinações no funcionamento do agregado familiar, gerando-se os mais diversos conflitos ou então soluções satisfatórias (cf. Swensen, in L’Abate (Ed.), 1985, I, pp. 73-101). A hipótese de o casal terminar em fracasso é estudada também longitudinalmente, como é o caso da investigação de Gottman (1993) que se 90

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queixa de haver poucos estudos longitudinais neste sentido. Este autor apresenta a sua teoria da dissolução matrimonial que permite outrossim prever a sua eventual estabilidade, dando importância, para além de outros factores, às expectativas negativas ou positivas do casal que tendem a generalizar-se de situações pontuais para a relação conjugal na sua globalidade. Maccoby et al. (1993) analisam os papéis da mãe e do pai no pós-divórcio e as suas implicações na vida dos filhos adolescentes. Trata-se também dum estudo longitudinal com famílias divorciadas, onde se verifica, como noutros estudos, que em geral são as mães a assumirem a responsabilidade principal dos filhos que ficam com elas. Mas há muitos pais que manifestam também um grande envolvimento na educação dos filhos. Os autores estudam os possíveis custos e também benefícios do contacto dos filhos com um dos progenitores ausente do lar. São apresentados diversos estudos que consideram positivo o contacto com o outro progenitor, desde que algumas condições sejam satisfeitas, como a qualidade psicológica satisfatória do progenitor, o conflito matrimonial não muito grande a ponto de levar um dos pais a denegrir o outro diante dos filhos, etc. Mas há também estudos que não encontram benefícios nestes contactos, mesmo que algumas premissas sejam satisfeitas. Carrère et al. (2000), partindo da constatação que, nos Estados Unidos (certamente na Europa os números serão idênticos), um terço dos casais fracassa nos primeiros cinco anos de matrimónio, terminando metade ou dois terços em divórcio, com todas as consequências perniciosas para a saúde física e psíquica do casal e eventualmente dos filhos, procuram encontrar factores capazes de predizer a estabilidade ou a fracasso dos casais. Detectando e compreendendo a influência destes factores, será possível construir uma teoria sobre a qualidade e estabilidade matrimonial. Para esta análise, os autores baseiam-se fundamentalmente na teoria de Gottman (1993, 1994) que aponta três domínios – percepções, fisiologia e comportamento - que funcionam, a nível individual e grupal, como termostates interactivos no casamento. Castellan (1993, pp. 181-210) analisa sumariamente a problemática da separação e do divórcio, havendo tantas formas de divórcio quantas as formas de casamento, não se podendo generalizar as situações, antes tentando compreender caso a caso e se possível ajudar a ultrapassar a situação de crise e de risco de cisão que acarreta sempre graves custos quer para o casal quer para os eventuais filhos. Pode acontecer a reconciliação após um período mais ou menos longo de separação. Mas na maior parte dos casos isso não se verifica e cada um dos ex-cônjuges, após período mais ou menos longo de solidão ou de vida como família monoparental, caso haja filhos, tenta recompor o núcleo familiar casando de novo, com sucesso diversificado conforme as diversas circunstâncias, quer para os pais quer para os filhos.

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White e Mika (1983) mostram-se bastante críticos sobre a investigação que se faz a propósito da separação e do divórcio. Quando não se controlam todas as variáveis, podem tirar-se conclusões apressadas.

5.2

Consequências dos conflitos e do divórcio nos pais e nos filhos

Já anteriormente se fizeram referências aos efeitos perniciosos dos conflitos e do eventual divórcio nos cônjuges e nos filhos. Insiste-se agora mais nas consequências das diversas rupturas sobretudo nos filhos. Cummings e Davies (1994) analisam o impacto que os conflitos conjugais podem ter, a curto ou a longo prazo, para o desenvolvimento integral dos filhos, sendo frequentemente geradores das mais diversas expressões patológicas que se podem prolongar pela vida fora e afectar também a constituição futura duma nova família. São analisadas as múltiplas reacções das crianças e os mais diversos efeitos produzidos (cólera ou violência, apatia ou alienação, incompatibilidades várias, infelicidade ou depressão) conforme a sua personalidade e conforme a natureza do conflito e da personalidade dos pais. Na realidade, o mesmo conflito pode produzir efeitos muitos diversificados conforme a índole da criança e as diversas circunstâncias que a rodeiam. Apesar de ser diversificado o impacto dos conflitos parentais sobre os filhos, eles causam sempre perturbações quer a nível de personalidade quer de educação. Isto porque a qualidade e felicidade dos pais, muito dependente da relação conjugal, se reflecte forçosamente na qualidade da educação em geral. De qualquer modo, os pais devem ao menos evitar ‘jogar’ os filhos contra um dos cônjuges, como muitas vezes acontece, procurando antes ‘poupá-los’ o mais possível às suas quezílias e agressões de toda a ordem. Contudo, as discussões entre o casal podem revestir também aspectos positivos. O conflito em si não é intrinsecamente mau e, até certo ponto, é inevitável e motivo de novas (re)adaptações, se o casal souber concordar com as suas discordâncias e tentar resolvê-las com o mínimo de desgastes para si e para os filhos. Os filhos reagem diferentemente, não apenas conforme a intensidade do conflito entre os pais e como ele é resolvido, dependendo em grande parte da maneira de ser de cada um dos cônjuges, mas também conforme a idade, o sexo e principalmente a idiossincrasia de cada filho, havendo uns que se remetem ao silêncio e à frustração afectiva, enquanto outros tomam parte activa e muitas vezes ajudam os progenitores a resolver pelo melhor a situação conflituosa. Em todo o caso, os conflitos devem ser geridos de forma a proteger o mais possível os filhos (e os pais) e a promover o seu bem estar. 92

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Muitos outros autores estudam as consequências ou os diversos padrões de resposta das crianças aos conflitos parentais, que podem levar a comportamentos agressivos a depressivos (cf. Davis et al., 1998). Grych (1998) estuda particularmente a avaliação que os filhos fazem dos conflitos parentais, interpretando-os sobretudo em chave contextual. Liberman (1979) analisa do ponto de vista psicopatológico e médico-social as implicações negativas (desequilíbrio social, intelectual, afectivo e somático) da separação dos pais para o desenvolvimento dos filhos, dando ainda sugestões para a prevenção (primária, secundária e terciária) do divórcio. Levinger e Moles (1979) abordam o contexto, as causas e consequências deste fenómeno, insistindo nos determinantes sócio-psicológicos, económicos e outros e nas consequências para os ex-esposos e para os filhos. Clarke-Steward et al. (2000) analisam as consequências do divórcio nos filhos logo nos primeiros anos de vida, com influências negativas na sáude física e psíquica das crianças, embora o impacto possa ser menor conforme o comportamento de cada um dos pais. Ayalon e Flasher (1993) dedicam um livro exclusivamente às “reacções em cadeia” que podem sofrer as crianças com a separação dos pais. As autoras têm preocupações essencialmente de ordem terapêutica, na tentativa de prevenir e remediar os eventuais traumatismos por que passam as crianças com pais divorciados e recasados, muito dependendo dos próprios pais, da idiossincrasia de cada criança e do ambiente que as rodeia. Outro estudo que se debruça sobre a adaptação dos filhos pequenos no pósdivórcio é o de Whiteside e Becker (2000). Trata-e duma meta-análise de outros estudos que em geral apontam para uma intervenção contextual ou sistémica, considerando a criança em relação à mãe e ao pai e a outros factores envolventes. Um bom livro sobre o casamento, o divórcio e as consequências na adaptação das crianças é o de Emery (1988). Trata o problema desde as mais diversas perspectivas (cultural, histórica, demográfica), as questões metodológicas e conceptuais da investigação sobre o divórcio, a adaptação dos filhos, e ainda abordagens terapêuticas e legais. Emery afirma que “se há algo que caracteriza todos os divórcios é a mudança” (p. 11), que muitas vezes começa muito antes da separação física e se prolonga depois desta. Esta mudança para pior, ou degenerativa, afecta o casal e também os filhos que se têm de adaptar a uma mudança mais ou menos radical, podendo este processo ser facilitado ou complicado, dependendo de muitas condições. É injusto generalizar ou exagerar nos dois sentidos: dizer que infalivelmente as crianças saem gravemente traumatizadas ou afirmar que o divórcio não tem impacto significativo. A verdade é que a situação abrange grande número de casais e de crianças e não pode ser menosprezada. Por outro lado, é verdade que muitas vezes, antes do

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divórcio, a criança sofria mais do que no pós-divórcio. Depende de cada caso e, aqui mais do que nunca, cada caso é um caso. Trata-se dum processo multifactorial que tem de ser visto no seu contexto ecológico. Em particular quanto às consequências do divórcio nas crianças, pode concluirse que há maior consulta de crianças com pais divorciados nos serviços de saúde mental, sendo mais difícil a construção da própria identidade, mesmo a nível sexual, notando-se nestas crianças uma precoce actividade sexual, mais problemas de comportamento, menos sucesso na escola. Mas se é justa alguma preocupação, não é para alarmar, porque há muita crianças que passam praticamente imunes, dependendo da idiossincrasia do pai ou da mãe com quem ficam (normalmente é a mãe que fica com o filho, mas hoje já é bastante comum ficar com o pai, dependendo, novamente, de muitas circunstâncias), do contacto e da sua qualidade com o outro genitor, do eventual novo casamento de um ou dos dois progenitores, da presença ou não de outros familiares, da idade e do sexo das crianças, do estatuto social e de outras variáveis que contribuem positiva ou negativamente para ultrapassar ou agravar os problemas. Laumann-Billings e Emery (2000) analisam o sofrimento psíquico de jovens adultos provenientes de famílias divorciadas, concluindo que essa maior tristeza depende também de outros factores, como a frequência dos contactos que mantêm com os pais, o conflito interparental e a idiossincrasia de cada filho. Martin (1997), na sequência duma tese de doutoramento em sociologia, estuda os efeitos, a curto ou a longo prazo, da dissolução do matrimónio e a evolução do agregado familiar após a desunião até à eventual recomposição da família. Muitos autores julgam que actualmente, devido a diversas razões, os efeitos perniciosos do divórcio, sobre o próprio casal bem como sobre os filhos, são menos acentuados. Polacek (2001) tenta demonstrar o contrário, apesar de haver intervenções psico-sociais capazes de mitigar os efeitos deletérios, que, não obstante, não parecem diminuir. Amato (2000) partiu da hipótese de que no último decénio as coisas tinham melhorado, baseando-se em alguns argumentos: o divórcio é mais bem aceite na sociedade actual e por isso os filhos dos divorciados são menos estigmatizados; os pais estão mais preparados para gerir as consequências do divórcio nos filhos; nas escolas foram facilitados programas de intervenção para reduzir os efeitos negativos do divórcio. Mas Amato não confirmou a sua hipótese de melhoramento, tendo em conta o rendimento escolar, os problemas de comportamento, a adaptação psicológica, o autoconceito e a auto-estima, a competência social e o estado da saúde. Já antes Frost e Pakiz (1990) tinham previsto uma maior dificuldade dos adolescentes para lidar com o divórcio dos pais. Estudos específicos tentam predizer a estabilidade matrimonial ou então o divórcio em casais recentes (Carrère et al., 2000). Outros sugerem que o divórcio perturba o comportamento parental, levando os pais a terem menores 94

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exigências e afeição para com os filhos, mais inconsistência na disciplina, a serem menos positivos e mais irritadiços. Arendell (1995) estuda as consequências do divórcio desde a perspectiva do marido, apresentando razões convencionais e menos convencionais que levaram à separação. Tein et al. (2000), num estudo longitudinal, analisam particularmente o comportamento das mães divorciadas em relação com outras variáveis.

5.3

Agressividade e violência

O’Leary e Cascardi (in Bradbury, 1998, pp. 343-374) debruçam-se sobre o problema da agressão física no casamento, numa perspectiva desenvolvimental, começando por constatar que só a partir da década de 80 os especialistas se começaram a interessar mais a sério por esta situação, infelizmente sempre em crescendo, em que o marido abusa da mulher sexualmente, usando ainda outras formas de agressão. O estudo procura encontrar explicações psicológicas (diversas características de personalidade) e ainda biológicas e até genéticas, para esta situação humilhante e violadora do respeito e da liberdade do outro cônjuge. Esta problemática complexa também pode ser estudada numa perspectiva mais sociológica e cultural. Muitos outros estudos abordam o drama da violência ou da agressão, mesmo física, no casal e as repercussões evidentes que tem no comportamento e nos problemas do outro cônjuge (particularmente da mulher, porque em geral a agressão parte do marido) e nos filhos (cf. e. g. Gordis, Margolin e John, 1997; Hamby e Gray-Little, 1997; Jouriles et al, 1996; Walker, in Kaslow, 1990, II, 139-158). Há Manuais que procuram ser exaustivos sobre a violência familiar, como é o caso do editado por Van Hasselt (1988) que se coloca essencialmente numa perspectiva psicanalítica, sociológica e intercultural, analisando todas as formas de agressão: física, sexual (incesto), homicídio, etc. e ainda os diversos factores que conduzem à situação violenta, como o descontrolo psíquico e o álcool. Um livro recente português de Costa e Duarte (2000) intitula-se precisamente Violência Familiar. As autoras centram-se particularmente na violência conjugal e parental, começando por definir os conceitos, embora não seja tarefa fácil dada também as dificuldades inerentes à investigação nesta área. As autoras privilegiam o modelo explicativo (e interventivo) ecológico-desenvolvimental por parecer mais abrangente da complexa problemática que é a violência familiar. No final as autoras, fundadas na literatura e na sua própria experiência, abordam a questão da intervenção junto das famílias onde se pratica a violência e programas para tentar prevenir tais situações, tendo em conta particularmente a situação portuguesa. © Universidade Aberta

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Trata-se dum problema antigo, embora hoje seja mais visível graças aos meios de comunicação social que publicitam qualquer situação anómala. Apesar disso, a maior parte dos casos continua no segredo do lar, porque a mulher ou os filhos têm muitas vezes pudor e mesmo medo de denunciar a situação. Se a mulher é normalmente a vítima, não quer dizer que seja imune de culpa, pois muitas vezes também pode usar de violência verbal, de chantagens e outros processos, como a negligência, que irritam o marido e o conduzem à violência mesmo física. Há violência familiar em todas as classes sociais. Como sempre, melhor é prevenir do que remediar, ajudando o casal a gerir os conflitos através do diálogo e a suportar melhor as frustrações. Mas muitas vezes é necessário que a mulher tenha a coragem de denunciar a situação, quando não há outro remédio. O Código Penal Português prevê e pune os crimes de violência contra a família, considerando mesmo alguns deles crimes públicos, susceptíveis de serem denunciados por terceiros (cf. entrevista das autoras em Notícias Magazine, 25.03.2001).

5.4

Melhor prevenir do que remediar

Qual a terapia para evitar tantos males do casal ou a sua própria destruição? Como sempre, conforme a sabedoria do ditado, “é melhor prevenir do que remediar”. E uma forma de prevenção é tentar promover uma família nova, desde a raiz, isto é, fazendo com que os jovens não avancem para o casamento ou para a vida em comum de ânimo leve, antes após preparação necessária, ajudados pelos pais, pela escola, pela Igreja, por instituições especializadas e pela sociedade em geral. Mas se a doença já corrói o tecido familiar, é necesário um bom diagnóstico da situação antes de se aplicar a receita. Quer o diagnóstico quer a terapia podem provir de algum especialista (psicólogo ou psiquiatra) mas também, ao menos numa fase inicial, de outra pessoa: algum familiar, outro casal amigo, um consultor familiar, um sacerdote. Se for necessária a intervenção dum técnico especializado (desde que ambos os cônjuges se disponham ao tratamento – o pior mal é ignorar a doença ou não se querer tratar), há muitas psicoterapias (conforme as diversas correntes psicológicas), quer individuais, quer grupais ou sistémicas. A escolha depende das condições do casal, se a ‘culpa’ da situação é exclusiva ou predominantemente de um ou dos dois, e doutras condições, como a intervenção precoce ou já retardada, a vontade de ultrapassar a crise, etc. Nuns casos é melhor optar por terapias individuais (sobretudo quando um ou os dois cônjuges têm comportamentos patológicos e o diálogo se afigura impossível), noutros por terapias grupais, incluindo eventualmente os filhos, se for o caso, pois é todo o ‘sistema’ familiar que está doente. 96

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Sendo uma das causas do mal-estar familiar a dificuldade de comunicação ou a falta de diálogo, é necessário que o casal (e eventualmente os filhos) seja (re)educado na arte de bem dialogar, capacitando-se para saber ouvir e falar, para estar disposto a aceitar a verdade e a dizê-la. Sendo outro grande problema a desarmonia sexual, ao mesmo tempo causa e efeito de outros desentendimentos conjugais, também se impõe uma (re)educação neste sector através de processos que levem ao conhecimento mútuo, aceitando os ritmos diferentes de reacção, dispondo-se o marido a preparar a esposa (por exemplo, o marido deve saber que a mulher, qual guitarra, só toca bem se antes é bem afinada), evitando a ejaculação precoce, etc., e sobretudo enchendo-se de carinho um para com o outro, não só no acto sexual mas ao longo de todo o dia.

Resumo O lar deveria ser um ninho de pombas e de paz, mas infelizmente muitas vezes, por diversas razões, transforma-se num ninho de ‘víboras’ e de guerra. O processo por que se chega do amor à frieza, ao ressentimento e mesmo ao ódio entre o casal é complexo e interferem muitos factores pessoais de um e outro dos cônjuges, para além de outras razões ambientais e contextuais. Por vezes o casal faz diversas tentativas de reconciliação para de novo voltar ao conflito que frequentemente termina em divórcio, com graves consequências para o casal e particularmente para os filhos. Os diversos ressentimentos e discussões entre o casal podem chegar a vias de facto, isto é, à agressividade verbal e mesmo física, havendo casos de grande violência que pode terminar mesmo no homicídio. Para evitar que se chegue a situações de ruptura e mesmo de violência é necessário que os casais sejam ajudados de diversas formas e eles mesmos se disponham a ultrapassar os conflitos e a olhar mais ao que os une (eventualmente os filhos) do que ao que os separa.

Interrogações e sugestões Qual o processo ou caminho sinuoso que leva os casais até ao divórcio? Porque é que muitas tentativas de reconciliação não resultam e o processo conflitual recomeça?

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Os diversos autores procuram interpretar este processo: Cite alguns, com referência particular a algum estudo longitudinal e ao modelo tridimensional de Bales. Aponte algumas consequências dos conflitos, em particular do divórcio, para os filhos (menores), fazendo referência a alguns autores. A violência no casal não é infrequente. Porquê? Como obstar a esta situação dolorosa? Aplique o ditado “é melhor prevenir do que remediar” ao casal. Interrogue alguns casais sobre a qualidade do seu lar, perguntando se já tiveram conflitos mais ou menos graves, pondo a hipótese eventualmente do divórcio, e como os superaram. Receiam que o conflito possa voltar?

Leitura complementar Entre a bibliografia citada, pode ler-se mais em particular o livro de Maurey (1977) – O casal doente. Sobre a violência familiar, com alusões ao caso português, é útil a leitura do livro de Costa e Duarte (2000) precisamente com esse título.

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PARTE II PAIS E FILHOS – EDUCAÇÃO

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6. Ser Mãe / Ser Pai

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Objectivos de aprendizagem No final deste capítulo, o estudioso será capaz de: • Compreender melhor as implicações que tem para a mãe e para o casal o nascimento do primeiro filho. • Perceber de algum modo as razões por que um casal decide ter um filho e deseja ter apenas um ou no máximo dois. • Perceber também porque é que muitos casais não desejam ter filhos, enquanto outros querem ter um filho a todo o custo. • Comprender melhor a figura do pai, a sua psicologia e modo de lidar com a esposa e com os filhos.

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O desenvolvimento natural dum casal culmina com o nascimento de um ou vários filhos, atingindo o núcleo familiar a sua plenitude, assistindo-se não já a uma díade mas a uma tríade, a uma triangulação. Trata-se dum momento transcendente para cada um dos cônjuges, com vivências diversificadas, podendo o primogénito uni-los mais mas também fazendo perigar a relação dual, se a mulher/mãe se devota totalmente ao filho esquecendo ou mesmo jogando-o contra o pai que, por sua vez, pode sentir ciúmes e menosprezo do filho. Esta ‘coligação’ da mãe com o filho, pode estender-se pela vida fora, mas também o pai, mais tarde, se pode coligar com um ou outro filho contra a mãe. Actualmente uma grande percentagem de casais não têm filhos ou porque não os querem ou porque não os podem ter. Os casais estéreis por decisão pessoal, apresentam as mais diversas razões para isso, razões mais ou menos válidas ou mesmo, consciente ou inconscientemente, recrimináveis, como o egoísmo e o hedonismo que entendem fugir a qualquer compromisso e sacrifício. Os casais estéreis por razões biológicas ou de saúde, por parte de um ou outro cônjuge (tem aumentado significativamente a esterilidade masculina), em vez de se fecharem na sua dor ou egoísmo, podem sentir-se fecundos psíquica e espiritualmente, amando-se mais, abrindo-se às necessidades sociais, ou eventualmente adoptando alguma criança, desde que estejam preparados e tenham maturidade suficiente para isso, pois é mais difícil educar filhos adoptivos do que naturais. Mas felizmente, a maior parte dos casais têm um ou vários filhos. Segundo Castellan (1993, p. 31), “falar dum grupo familiar é falar dum grupo particular, unido por laços de sangue, comportando ao menos duas gerações e vivendo sob o mesmo tecto, numa comunidade de serviços. Por isso, é o nascimento dos filhos que transforma o casal em família e funda o grupo familiar”. Castellan (1994, p. 3) tinha definido a família como um conjunto de indivíduos “unidos pelos laços de sangue, vivendo sob o mesmo tecto ou num mesmo conjunto de habitações, numa comunidade de serviços”. Tal definição é muito abangente, mas considera também implicitamente a existência de filhos, fazendo alusão a “laços de sangue”. Não obstante haver uma percentagem significativa de casais que decidem não ter filhos e outra percentagem que são estéreis devido a disfunções da mulher ou do homem, ou mesmo de ambos, regra geral é com o nascimento do primeiro filho que a família se constitui propriamente como tal e atinge a sua plenitude.

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6.1

O primogénito

Ser mãe/pai acontece muito diferentemente do que acontecia no passado, porque se casam mais tarde; porque muitas vezes o primeiro filho aparece só bastantes anos depois do casamento, uma vez que a mulher, através da pílula ou doutros métodos anticonceptivos, pode engravidar só quando quiser; porque frequentemente o primeiro filho torna-se filho único ou no máximo aparece um segundo filho. Antes os filhos nasciam em casa, hoje no hospital; antes o marido não participava, hoje o pai normalmente está presente no parto e participa depois nos cuidados do bebé. A primeira gravidez e parto afecta o casal em grande medida, não apenas a nível pessoal, mas familiar e também social, dando-lhe um novo estatuto. O nascimento de um filho afecta mais a mãe, pela positiva, sentindo-se plenamente realizada e expandindo as forças ocultas do seu coração; mas também pela negativa, mesmo na sua saúde física e psicológica, podendo ocorrer, por exemplo, depressões post-partum, perturbações do sono caso a criança durma mal, e outras complicações (cf. Chertok, 1969), Mas também o pai é muito envolvido, particularmente quando participa nas tarefas de alimentar e tratar do bebé, para além de implicações sociais. Há literatura especializada sobre a maternidade e paternidade e em especial sobre a gravidez dum primeiro filho (cf. e.g. Ballon, 1978; Breen, 1975), mesmo desde uma perspectiva intercultural (Losoff, Jordan e Malone, 1988). Todos os autores estão de acordo que, com o nascimento do primeiro filho, o casal inicia uma nova fase e, para outros autores, se constitui propriamente como família. Na realidade, Brazelton (1983), por exemplo, considera que o primeiro filho assinala o nascimento da família, dado o enorme peso deste evento na constituição da família, passando de díade a tríade, assistindo-se a uma redistribuição dos papéis entre os cônjuges e a uma certa crise afectiva por parte da mãe que pode inconscientemente centrar-se no bébé menosprezando o marido, e do pai que se vê um pouco marginalizado e não sabe como relacionar-se com a esposa e com o recém-nascido. Este, ao mesmo tempo que constitui os cônjuges em pais, cria primos, tios, avós, etc. Socialmente falando, os novos pais assumem novas responsabilidades sociais. Isto supondo-se que se trata do primeiro filho dum casal ‘normal’, porque os nascidos antes do casamento ou em famílias reconstituídas ou monoparentais podem ter significados diferentes. Como o casamento foi precedido de expectativas e apreensões, assim o nascimento do primeiro filho. Ele é desejado em parte como um Messias que traz a eventual ‘salvação’ ao casal, porventura já em vias de desgaste afectivo e de crise. Além de estabilizar o casal, vai unir mais as duas famílias de origem que, como avós ou com outros laços de parentesco, se vão unir mais e colaborar 106

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na criação e educação do neonato. Mas tais expectativas não se confirmam muitas vezes, assistindo-se antes, ao menos num primeiro tempo, a uma crise do casal que perde em intimidade e na atenção mútua. Verifica-se ainda outras desilusões dos pais, particularmente da mãe, em relação ao aspecto físico da criança, ao seu sexo, etc. Mas actualmente, com a ecografia e outras técnicas que permitem saber o sexo da criança e outros pormenores meses antes de nascer, tais expectativas são menos pronunciadas ou são antecipadas. Elas são também de outro género se porventura o bebé foi ‘produzido’ através da reprodução assistida. De qualquer modo, os pais não se prepararam ou não foram minimamente preparados para a maternidade/paternidade, limitando-se em grande parte a seguir o instinto e algumas instruções dos seus progenitores (é de particular importância os conselhos e a presença da mãe da primípara). Para além de tudo, a verdade é que o nascimento do primeiro filho ou a transição do casal para a parentalidade, muda, se não radicalmente, ao menos substancialmente, a familia (cf. LaRossa e LaRossa, 1981). Note-se que o estatuto de pai ou de mãe é irreversível, ao contrário do casamento. Delmore-Ko et al. (2000) analisam a relação entre as expectativas pré-natais e a experiência pós-natal, entre a maior ou menor preparação dos pais, a maior ou menor apreensão e a maior ou menor complacência. Breen (1975), estudando “o nascimento dum primeiro filho”, procura, a partir desse facto marcante, compreender melhor a feminilidade. Trata-se dum tema menos abordado, apesar de constituir uma experiência profunda e marcante na vida duma mulher. Mas tal acontecimento continua a processar-se como desde os primeiros tempos, deixando-se a parturiente entregue a si mesma. Breen, servindo-se da experiência subjectiva de muitas mulheres nestas circunstâncias, resolveu descrever-nos os principais sentimentos experimentados pelas grávidas e o impacto que significa tornar-se mãe pela primeira vez, lançando mão sobretudo da teoria psicanalítica e numa perspectiva desenvolvimentista, procedendo também a um trabalho empírico comparando as primíparas (no terceiro trimestre de gravidez) com outras mulheres sem essa experiência. Através duma análise de conteúdo das diversas expectativas, foram identificados vários temas que puderam ser agrupados em três classes principais de mulheres – preparadas, receosas e complacentes – e quatro de homens – preparados, receosos, complacentes e mistos. Os preparados demonstraram maior adaptação depois do parto. Os autores analisam não apenas as expectativas em si, mas também conforme o sexo, e as suas consequêncais após o parto. Delmore-Ko et al. (2000) propõem-se essencialmente estudar as mudanças que se verificam no autoconceito da mulher ou na sua identidade com o nascimento do primeiro filho e as mudanças psicológicas que nela se operam,

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além de um novo estatuto social e de novas preocupações que adquire. Com a gravidez, a mãe modifica a percepção de si mesma em relação ao novo ser que cresce dentro dela até ao parto, embora continuem a ser importantes outros significativos na sua vida, particularmente o marido, que tem também de fazer um grande esforço de adaptação, vendo-se agora no duplo papel de marido e pai, como a mulher no de esposa e mãe. Trata-se duma nova etapa do desenvolvimento psico-fisiológico da mulher, que poderia ser comparado com a puberdade. Como todo o processo de desenvolvimento, essa experiência culminante acarreta, por um lado, uma crise e, por outro, um novo salto em frente. Mas a evolução negativa, com manifestações neuróticas (fantasias povoadas de receios e apreensões – a mãe anda tão grávida no cérebro como no ventre), pode prevalecer, se a personalidade é frágil e/ou se não tem o suficiente apoio da família, particularmente do marido e dos pais (de modo muito especial da mãe da primípara). Autores há que aplicam diversos estudos sobre estereótipos sexuais aos pais sobre a imagem que têm dos filhos acabados de nascer. Embora não houvesse praticamente diferenças conforme o género, os pais das meninas descreviamnas como mais pequenas e afáveis, e os meninos como maiores, mais fortes e activos. O mesmo se diga quanto ao tratamento: embora os pais não tenham consciência de educar diferentemente os filhos e as filhas, todavia na realidade observam-se algumas diferenças (cf. Neto, 2000, pp. 54-55). As expectativas sobre o sexo do filho a nascer (hoje mitigadas ou mesmo desaparecidas através de exames pré-natais, como a ecografia), podia levar mesmo a eliminar o menino ou a menina, se tais expectativas fossem defraudadas, ou então por razões políticas, como é o caso narrado na Bíblia em que o faraó egípcio mandou liquidar todos os varões recém-nascidos, tendo Moisés sido salvo por uma artimanha da família. Pode haver muitas outras razões de rejeição, como as apontadas e rectificadas por Weiss (1998).

6.2

Filho único ou nenhum filho

Porque é que o casal decide ter um filho? Por razões diversificadas, mesmo conforme se trata do pai ou da mãe (cf. Poussin, 1999, pp. 23-28). Há motivos mais ou menos conscientes ou inconscientes: para dar sentido à própria vida, para unir mais o casal, para adquirir um novo estatuto social, para significar uma certa maturidade, para ter uma companhia capaz de combater a eventual solidão (sobretudo no caso de divórcio), para poder ter alguém subordinado 108

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que obedeça e ajude nas tarefas domésticas (particularmente em zonas rurais onde cada filho significava nova riqueza por ser mais um trabalhador), para poder expandir o seu amor, para deixar descendência e ter continuidade após a morte… Humphreys (2000) afirma que “a razão mais importante para se ter um filho é dar àquela criança a oportunidade de experimentar a vida em toda a sua beleza, maravilha e desafio” (p. 20). Os pais não são donos dos filhos ou estes não são sua posse. Apenas lhes pertence dar-lhes as melhores condições para um desenvolvimento harmonioso e sadio da sua personalidade. Outras razões para se ter filhos nunca possibilitarão um bom ambiente à criança. Humphreys aponta algumas razões “insensatas” ou “imaturas” para se ter filhos: para satisfazer a família ou a sociedade que esperam isso; para dar sentido à própria vida; para provar a masculinidade ou feminilidade: para ter alguém que se pareça consigo; para salvar o casamento; porque ‘sonham’ ter um bebé; porque dá novo estatuto social; para comprometer mais o outro cônjuge ou parceiro; para ter alguém que cuide de si na velhice; para dar uma companhia a outro filho; para dar ao filho o que nunca se teve. Também pode ser insensato ter um filho se não se tem o mínimo de recursos ou de saúde física (doença grave, alcoolismo, toxicodependência…) e psicológica (depressão, ansiedade em excesso…). E porque ter só um filho ou o máximo dois? Pode ser por egoísmo (dá muito trabalho e maçada), por falta de saúde física ou psíquica do pai ou da mãe, por dificuldades de espaço na casa (muito pequena, com uma única assoalhada), por dificuldades sócio-económicas (como o trabalho da mãe fora de casa), por medo do futuro e da educação… Segundo inquéritos de que dá conta Castellan (1993, p. 37), entre as razões aduzidas para ter um reduzido número de filhos, viria em primeiro lugar razões económicas, logo seguidas de razões qualificadas de “egoístas”, encontrando-se as dificuldades de alojamento e a saúde da mãe muito menos valorizadas em relação às duas primeiras. Todavia, as causas da redução drástica da natalidade variam muito conforme os tempos e os lugares, as situações sociopolíticas e outras. É muito diferente a situação, por exemplo, na China (cujo governo impõe à força a redução) ou nos Estados Unidos (onde certamente prevalece o comodismo ou outras razões), é muito diferente a situação em Angola (onde a guerra impera) ou na Europa, onde a população envelhece cada vez mais. De qualquer modo, como afirma Castellan, “no estado actual da sociedade, o terceiro filho traria mais problemas novos do que alegrias novas” (p. 38). Todavia, depende das diversas circunstâncias e sobretudo das diversas famílias, havendo ainda hoje famílias numerosas muito felizes e realizadas. Além disso, no Ocidente, ter três filhos como média significaria rejuvenescer a população, evitando o contínuo envelhecimento a que se assiste.

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Há estudos também dedicados ao nascimento dum segundo filho e das consequências ou mudanças que daí advêm na relação entre os pais e o primogénito (Kreppner, 1988). E porque há casais que não querem ter nenhum filho? Muitas razões podem ser comuns aos motivos por que desejam apenas um filho, mas mais exacerbadas: razões de egoísmo puro, razões de saúde física ou psíquica (fobias patológicas) dos dois ou de um deles, falta de confiança no futuro do casal (na previsão do divórcio), suspeita de que o filho venha perturbar a intimidade afectiva e sexual do casal, medo exagerado do futuro e das dificuldades de educação… Nave-Herz (1989) acentua particularmente duas razões para explicar o fenómeno cada vez mais frequente de casais sem filhos: a convergência entre a orientação para o trabalho por parte da mulher e um novo conceito de maternidade que já não aceita o papel tradicional da mulher unicamente como parturiente. Todas estas razões são mais ou menos válidas objectiva ou subjectivamente consideradas. De qualquer modo, o casal deve ser ajudado e preparado para a paternidade/maternidade. Nem os particulares, nem a sociedade, nem o estado dão suficiente apoio aos jovens pais. Na realidade não é fácil gerar e educar um filho, o que pressupõe competências psicopedagógicas e económicas (cf. Entwisle, in L’Abate, 1985, I, pp. 557-585). Hoje coloca-se também o problema - no lado oposto aos que não querem ter filhos, pelos mais variadas razões – daqueles que querem ter um filho a todo o custo, recorrendo aos variados processos da tecnologia médica, como a inseminação artificial ou até a ventres alugados e outros processos. Na realidade são cada vez mais os casais estéreis, por parte da mulher ou do homem ou eventualmente dos dois. Para além dos problemas éticos que se podem colocar nestas situações, sobretudo se a(o) dador(a) do óvulo ou do esperma é uma mulher ou homem não pertencente ao casal, pode perguntar-se, para além dos problemas éticos, se a atitude dos pais, perante crianças que nascem da tecnologia e depois de muitas tentativas e despesas, não será diferente, se não farão eventualmente o filho pagar caro todas as ‘despesas’ havidas para o conseguir ter. Há também quem quisesse ter filhos mas um ou os dois cônjuges são estéreis. Então, se não enveredam pela tecnologia mais sofisticada para ter um filho, não lhes resta senão a adopção. Há estudos que se centram no filho adoptivo. Brodzinsky e Huffman (1988) analisam em concreto a transição por que passam os pais adoptivos que têm de enfrentar muitas vezes desafios maiores do que os pais a quem nasce um filho natural.

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6.3

A figura do pai

O Handbook of Parenting, editado por Bornstein (1995), dedica alguns capítulos do terceiro volume ao estatuto da pa(ma)ternidade. Barnard e Martell (in Bornstein, 1995, III, pp. 3-26) estudam particularmente a função materna, as suas características, a capacidade e o processo para atingir o papel maternal e outros aspectos do mothering, concluindo que se trata dum processo complexo e delicado, ainda insuficientemente estudado, mesmo comparando a maternidade em diversas culturas, tornando-se necessário ajudar mais as mães na sua preparação para tão alta função. Por sua vez, Parke (in Bornstein, 1995, III, pp. 27-63) debruça-se mais em particular sobre a paternidade e a interacção do pai com a mãe, de cuja qualidade depende em grande parte o bom desempenho de ambas as funções, os determinantes e as consequências do envolvimento paterno na educação dos filhos, a valorização actual da paternidade. Parke conclui que actualmente, devido a recentes investigações, é possível compreender melhor a importância e o funcionamento da paternidade na sua relação directa com os filhos e indirecta, através da esposa, pois na medida em que haja harmonia no casal também a qualidade da maternidade se torna melhor. Outros estudos, como o de Wilson e Gottman (in Bornstein, 1995, IV, pp. 33-55) insistem também na importância duma correcta interacção entre os esposos para o mútuo apoio (evitando o stress, ultrapassando os conflitos, promovendo o bem-estar do casal), e para uma boa condução dos filhos. Sem desconsiderar a presença indispensável da mãe, já muito estudada, fixemonos um pouco mais na figura do pai, actualmente muito realçada. A revista Marriage and Family Review dedicou 2 números do vol. 29 (2000) à paternidade e ao envolvimento parental desde as mais diversas perspectivas (histórica, psicológica, antropológica, etc.) e com diversos tipos de abordagens (investigação, intervenções e políticas). (A mesma revista tinha dedicado um número de 1984 às mulheres, às múltiplas mutações por que tem passado o seu estatuto recente, aos movimentos feministas, ao trabalho das mulheres fora de casa e a outras situações com implicações no casal e na maternidade). Entre os livros clássicos que se debruçam particularmente sobre a figura paterna, conta-se o de Lynn (1974), que lhe dá também uma perspectiva ecológica e cultural, começando por analisar o comportamento do macho nos animais e no homem primitivo e o papel paternal em algumas culturas, mormente na americana. As relações entre o pai e a criança são vistas em interacção com a relação com a mãe. De qualquer modo, o desenvolvimento do(a) filho(a), para o bem ou para o mal (agressividade, delinquência e outros comportamentos disruptivos), estão muito dependentes do pai. Daí a necessidade de educar e seguir os pais para o saberem ser, problema que também Lynn aborda, bem como a situação, não infrequente, devido a diversos factores, do pai ausente.

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Num artigo de revisão sobre o estado da arte, Lamb (1992) começa por dar uma perspectiva histórica sobre a evolução do papel do pai (americano). Nota depois um maior envolvimento actual do pai, embora muitas vezes as mudanças sejam modestas (as mães são identificadas essencialmente com os cuidados e os pais com o brincar), além de um maior envolvimento não significar automaticamente efeitos positivos. Depende muito, para além de factores sócioculturais, dos determinantes de tal envolvimento: motivação (muitos pais desejam prestar mais cuidado aos filhos, mas não querem dispor de mais tempo ou julgam que se trata dum papel efeminado); competência e autoconfiança (muitos pais julgam não saber como comportar-se); apoio por parte das mães (muitas não desejam maior envolvimento do pai); razões de ordem institucional (ao pai compete essencialmente o sustento da família e por isso passa muito tempo fora de casa, sendo muitas vezes agravado pela distância do lugar de trabalho). Os Estados estão a dar mais importância à licença de paternidade, incentivando os pais a repartir com a mãe o tempo pós-parto, obrigando-os mesmo a ficarem em casa nos primeiros dias, como é o caso duma recente lei portuguesa que parece descabida, pois a imposição quase nunca resulta mas sim a mentalização e a educação. Garbarino (2000) analisa a “alma da paternidade” sugerindo que se está a reinventar uma nova paternidade social. Também Singly (2000) pensa que à “deconstrução” e destabilização da imagem e funções parentais devem seguirse novas formas de exercer a paternidade, mesmo após eventual divórcio, mas sem diminuir a sua importância e autoridade. Lamb (2000) estuda a história da investigação sobre o envolvimento parental que muda conforme os tempos e as culturas. O autor identifica quatro tipos de papéis parentais com importância diferente ao longo dos tempos: o pai como educador moral e guia (particularmente em vigor antes da revolução industrial); o ganhador do pão (dominante entre a revolução industrial e a grande depressão económica); o modelo do papel sexual (em vigor sobretudo nas décadas de 30 e 40); o novo tipo de educador (tornado popular a partir da década de 70). Em geral, na maior parte dos artigos, conclui-se sobre a importância decisiva do pai no desenvolvimento harmonioso da criança e na sua felicidade futura. Outros autores analisam a história e ideologias sobre a paternidade, o que é tornar-se pai, o que é viver a paternidade sem a maternidade ou problemas actuais de pais que educam sem a presença da mãe (cf. McKee e O’Brien (Ed.), 1982). Autores há que se referem a aspectos mais concretos sobre a paternidade, como é o caso de Samuels (Ed.) (1985) estudando as perspectivas de Jung sobre esta problemática. Também o livro de Clerget (1980) se coloca essencialmente numa perspectiva psicanalítica, dando relevo ao complexo de Édipo. O mesmo acontece com Castelain-Meunier (1997) que depois de analisar o poder paternal ao longo da história, fixando-se particularmente na complexidade da paternidade no mundo de hoje, se refere à paternidade do 112

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ponto de vista psicanalítico. A autora baseia-se em Freud, Lacan e outros autores que distinguem entre o pai real, imaginário e simbólico. Numa perspectiva também predominantemente psicanalítica, a partir da sua prática clínica, se coloca Celeste Malpique (1998) para realçar as consequências perniciosas da ausência real do pai nos pré-adolescentes numa comunidade piscatória. A autora começa por notar o interesse actual pelo estudo do papel do pai desde uma perspectiva psicológica, antropológica, sociológica, sociopsicanalítica e psicopatológica. Centra depois a sua investigação nas consequências da ausência do pai no processo de identificação e na identidade das crianças e ainda na dinâmica do agregado familiar. A ausência do pai real leva à fantasia dum pai imaginário, dificultando uma correcta identificação com a figura paterna por parte do rapaz e uma segurança maior por parte da menina. Por outro lado, distorce também a verdadeira imagem da mãe que se vê na necessidade de assumir duplo papel. A presença do pai ajudaria não apenas os filhos que também a esposa/mãe. Alguns autores estudam o caso particular da relação entre os pais e a criança através do jogo. Labrell (1996) conclui que o pai também joga com os filhos e que consegue maior criatividade do que a mãe, usando de forma diferente os objectos propondo jogos não convencionais. A intervenção lúdica do pai, mesmo se de forma irregular, contribui tanto para o desenvolvimento cognitivo e geral da criança como a intervenção mais regular da mãe. Outro estudo de Zaouche-Gaudron, Ricaud e Beaumatin (1998) prova outrossim a importância do pai para o desenvolvimento sócio-afectivo da criança na interacção que faz com ela através do jogo.

Resumo O casal só se constitui propriamente em família com o nascimento do primeiro filho. A primeira gravidez (toda a gravidez, mas principalmente a primeira) significa grandes mudanças não apenas para a mãe que também para o pai e a relação entre ambos. É necessário que os dois estejam minimamente preparados (devia ser maximamente, mas ao menos minimamente) para tão transcendente acontecimento. Não são claras as razões por que um casal decide ter um filho e podem misturarse razões válidas, mais ou menos (in)conscientes, com razões menos válidas ou mesmo patológicas. Também nem sempre se comprreende porque é que o casal decide ter só um filho ou no máximo dois, apesar de normalmente argumentar com motivos económicos. Menos se compreende porque é que muitos casais decidem não ter filhos, enquanto outros procuram ter um filho a

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todo o custo, recorrendo às novas tecnologias de procriação assistida. Não seria melhor optarem pela adopção? Tem-se estudado muito a figura materna na sua relação com o filho (por exemplo as teorias da vinculação) e menos a figura paterna. Mas nas últimas décadas a figura paterna adquiriu novos contornos e importância para a educação, quer directamente na relação com os filhos, quer indirectamente, coloborando para que a mãe se sinta mais ou menos feliz na sua maternidade.

Interrogações e sugestões Quais as implicações principais para o casal e para cada um dos cônjuges com a gravidez e nascimento do primeiro filho? Porque é que o casal decide ter filhos? Prevalecem razões conscientes ou mais inconscientes, razões válidas ou menos válidas? Hoje o mais frequente é encontrarmos um casal com um ou dois filhos. Porquê? Porque é que muitos casais não querem ter filhos? E porque é que outros procuram ter um filho a todo o custo? Na sua opinião é mais fácil educar um filho natural ou um filho adoptivo? Desenvolva sumariamente a importância que a figura paterna vem tendo ultimamente e se considera isso importante. Como sugestão, interrogue alguns casais com as perguntas acima ou outras similares e, conforme as respostas, tire as suas conclusões. Se é mãe ou pai tente, num acto introspectivo, perguntar-se porque é que resolveram chamar à vida uma criança ou se eventualmente foi um acto fortuito, e as implicações que os diversos motivos de ma(pa)ternidade têm para a educação.

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Leitura complementar Para compreender as mudanças que acontecem na família, sobretudo por parte da mãe, aquando da gravidez e do nascimento do primeiro filho, pode consultar-se o livro de Breen (1975). Sobre as razões mais ou menos válidas da ma(pa)ternidade pode ler-se o livro de Humphreys (2000). Sobre a figura paterna leia-se particularmente o livro de Lynn (1974). No caso português e considerando que muitas vezes o pai está ausente, com consequências nefastas para o desenvolvimento dos filhos, é sugestiva a leitura do livro de Malpique (1998).

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7. Educação, Contínua Geração

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Objectivos de aprendizagem Após estudo deste capítulo, deve-se estar apto a: • Fazer algumas considerações sobre a importância da educação ministrada pelos pais que devem ser preparados para tão nobre e difícil função. • Dar uma perspectiva desenvolvimental sobre a educação parental, com referência particular à vinculação e ao desenvolvimento moral. • Apresentar também uma perspectiva diferencial. • Referir-se à perspectiva ecológica da (na) educação. • Dizer o que se entende por famílias monoparentais e consequências educativas desta situação, bem como de outras situações anómalas.

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Mais do que nunca é necessário educar os pais para que melhor possam cumprir a sua delicada missão de educadores. Na verdade, hoje a escola prepara para tudo, técnicos de toda a ordem, mas não se preocupa em preparar (futuros) pais para a arte e ciência de bem educar. Todavia não faltam livros que abordam esta questão e insistem na necessidade não apenas de educar os pais, mas também de preparar os professores para uma melhor relação com os encarregados da educação, como é o caso do livro de Pourtois e col. (1984) que se intitula precisamente “educar os pais”, com um subtítulo sugestivo: “como estimular a competência em educação”. Não é fácil “inventar novos pais” (Sampaio, 1994), capazes de interpretar todos os sinais emitidos pelos filhos, crianças ou adolescentes, para elaborar a resposta certa e manter o mais aceso possível o diálogo em ordem a ter “novos filhos”. A educação é uma ciência e uma arte. É necessário saber (psicopedagogia) mas também ter jeito ou inclinação para isso, ter o suficiente equilíbrio psicológico que permita enfrentar dia a dia as muitas vicissitudes por que passa a educação duma criança. É necessário ainda ter um suficiente auto-conhecimento e auto-aceitação de si mesmo porque muitos pais reflectem na educação dos seus filhos o modo como foram educados pelos pais. Tomando consciência disso, podem evitar repetir os mesmos erros ou potenciar os aspectos positivos. Fishel (1998), analisando os questionários passados a pais, encontrou quatro estilos distintos de pais em relação aos seus próprios progenitores: tradicionalistas, rebeldes, compensadores e sintetizadores. “Os tradicionalistas elogiam o estilo de paternidade dos seus pais, admiram o passado e escolhem conscientemente repeti-o. Os rebeldes criticam as escolhas dos seus pais e juram fazer o oposto com os seus filhos – mas frequentemente repetem inconscientemente o passado contra a sua vontade. Os compensadores prometem dar aos seus filhos aquilo que lhes faltou, aquilo que desejavam que os seus pais lhes tivessem dado. E os sintetizadores escolhem conscientemente o que repetir do melhor do passado, o que modificar e o que mudar” (pp. 105-106). Os pais não têm todas as rédeas da educação nas mãos, pois muitos outros factores extrafamiliares influenciam o desenvolvimento da criança. A eterna discusão se é a hereditariedade ou o meio a ter mais peso na evolução da inteligência ou da personalidade, pode também transladar-se para o campo educativo. Collins et al. (2000) notam que talvez se tenha acentuado demasiado a força da educação parental no desenvolvimento personológico dos filhos, sem considerar outros factores micro ou macrocontextuais, como seja a importância dos companheiros e outros factores ambientais não familiares, e também a força dos factores genético-hereditários. Para estes autores é necessário encontrar novos modelos de compreensão da influência dos diversos factores em interacção constante, evitando interpretações determinísticas ou © Universidade Aberta

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simplistas, dado que a realidade se apresenta muito mais complexa e tem de ser abrangida no seu conjunto ou sistema mais vasto. Dada toda esta complexidade, não é fácil definir a “função parental”, conforme o título duma obra de Poussin (1999). O autor afirma que muitas vezes os psicólogos falam da função do pai, como é o caso da psicanálise, ou da mãe, mas não propriamente dos dois em conjunto. Se há um instinto maternal e paternal (este menos radicado biologicamente), há também um “instinto parental”, no dizer de Poussin (1999, pp. 15-22). Esta função parental propriamente só existe na espécie humana, pois nos animais limita-se em grande parte à alimentação e desaparece quando os filhos chegam à idade adulta, enquanto na espécie humana vai muito mais além do que a protecção e o alimento e perdura toda a vida, mesmo quando os pais ou os filhos já morreram. Como biologicamente são necessários os dois para procriar (antigamente pensou-se que a concepção dependia particamente só da mãe, depois julgouse que ela era apenas depositária da ‘semente’ do pai), também os dois são necessários para educar, que é um dar à luz contínuo. Ambos são necessários para o equilíbrio psicológico dos filhos e ambos se devem responsabilizar pelos desatinos dos filhos, ao menos enquanto menores. Por isso é que, por exemplo, na Inglaterra são previstas penas (multas ou até cadeia) para os pais que não vigiam os filhos para evitar que façam desacatos. Sem pretendermos resumir a grande quantidade de estudos existentes sobre educação, quer a nível de psicologia do desenvolvimento, quer a nível de psicologia diferencial, remetendo para essas disciplinas, vamos apenas dar, a traços largos, a interacção pais-filhos ao longo do arco evolutivo e conforme algumas variáveis diferenciais.

7.1

Perspectiva desenvolvimental

É abundante a bibliografia abordando a relação pais-filhos desde as mais diversas perspectivas e ao longo dos anos em que vão crescendo e sendo educados. Foram estudados particularmente os primeiros anos de vida, observando a interacção entre a criança e os pais, designadamente a mãe, como demonstram os muitos estudos, por exemplo, sobre a vinculação (attachment). Bowlby (1969, 1973, 1980) foi um dos autores que melhor estudou a vinculação da criança com a mãe e as funestas consequências da desvinculação. Os autores (e. g. Ainsworth et al., 1978) distinguiram vários padrões ou estilos de vinculação (seguro, esquivo ou distante, ansioso ou ambivalente) e as consequências para o desenvolvimento psicológico da

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criança, concluindo que uma vinculação feita de segurança promove um óptimo desenvolvimento a todos os níveis. Cook (2000) estuda de forma particular a segurança da vinculação no contexto familiar. Autores há que tratam da vinculação para além da infância, analisando a relação pais-filhos ao longo da vida, como é o caso do livro editado por Pillemer e McCartney (1991) que abordam as relações que se estabelecem no seio da própria família (within-family) mas também entre indivíduos de diferentes espécies de famílias (between-family). Estes autores consideram ainda a situação social da família (como a condição económica, a raça, normas e valores do grupo de pertença, etc.) que condiciona a interacção entre os seus diversos membros. Os estudos referem-se particularmente à ligação ou afecto entre o bebé e a mãe. São famosos, por exemplo, as observações de Brazelton e col. (1974, 1979) sobre as interacções da mãe com o recém-nascido, registadas em vídeo. Mas também há autores que estudam a vinculação entre o bebé e o pai logo nos primeiros dias e meses de vida. As diferenças entre o pai e a mãe na interacção diversificada com o filho não parecem significativas. O pai enriquece essa relação transformando a díade mãe/filho em tríade. Também não aparecem muitas diferenças conforme o sexo do filho, se bem que a interacção pareça ser mais calorosa e rica com as meninas. Quanto à ordem dos nascimentos e ao seu número, os pais, e particularmente a mãe, tem relações mais ricas com o primeiro filho do que com os outros. Em todo o caso, os muitos estudos provam a decisiva importância para o desenvolvimento integral da criança que provém da simbiose ou ligação entre os pais e a criança desde os primeiros momentos de vida. A sua ausência ou insuficiência traz perturbações graves à personalidade futura do filho (cf. Pollack e Grossman, in L’Abate (1985) I, pp.586-622). No grande Manual, em quatro volumes, editado por M. Bornstein (1995) sobre os mais diversos aspectos da paternidade/maternidade - Handbook of Parenting - o primeiro volume abre com um capítulo assinado pelo próprio Bornstein (1995, I, pp. 3-39) estudando a relação dos pais com o bebé (parenting infants), concluindo que se trata duma época ao mesmo tempo fascinante e desafiadora para os pais, particularmente para a mãe, cujas relações precoces com o bebé marcam definitivamente o seu futuro. Mas se a criança sofre as influências positivas ou negativas dos pais, também estes são marcados e condicionados em grande medida pelo filho recém-nascido. Edwards (in Bornstein, 1995, I, pp. 41-63) estuda o segundo e terceiro ano de vida em que a criança começa a dar os primeiros passos, ainda vacilantes (parenting toddlers), não apenas fisicamente que também psicológica e socialmente. A autora, a partir das diversas perspectivas (psicanalítica, cognitivista, teoria da vinculação, dimensão intercultural), aborda o

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desenvolvimento do autoconceito e do autocontrolo da criança, a sua identidade sexual, as suas competências cognitivas, sempre em constante interacção com os pais, para além do seu próprio processo de desenvolvimento biológico e neurológico. Os anos seguintes, mais ou menos entre os 3 e os 6, não são abordados de modo aprofundado neste Manual, mas sim dos 6 aos 12 anos, período comummente denominado de infância média ou da escolarização, que é estudado particularmente por Collins, Harris e Susman (in Bornstein, 1995, I, pp. 65-89). Entre os 5 e os 7 anos a criança atinge o “uso da razão” ou entra no período das “operações concretas”, segundo a termonologia de Piaget. Com o início da escolarização (antes já tinha andado no jardim infantil), a criança dá um grande passo na socialização e são exigidas maiores responsabilidades não apenas por parte dos pais mas também dos professores que, por outro lado, assumem igualmente um papel relevante na educação, para além e em colaboração com os pais. De qualquer modo, este período não é de forma alguma um “período de latência”, na designação dos psicanalistas, antes se trata dum período efervescente e com implicações para o resto da vida. O período adolescencial (parenting adolescents) é abordado por Holmbeck, Paikoff e Brooks-Gunn (in Bornstein, 1995, I, pp. 91-118), sempre com abundante bibliografia. Tratando-se dum período tão decisivo no desenvolvimento físico, cognitivo, afectivo, moral e social do ser humano, todavia até há pouco tempo era pouco estudado, em confronto com a infância do ponto de vista psicopedagógico. Actualmente reconhece-se a importância decisiva desta idade para o resto da vida, obrigando também os pais a muita “ginástica” mental no sentido de saber dosear, nos diversos estilos educativos, autoridade com liberdade. Podem distinguir-se três adolescências – inicial, média e final – qualquer uma delas com características próprias conforme ainda a idiossincrasia, o sexo, o meio social e outros factores condicionantes da vida do adolescente. Em todas é necessária uma grande capacidade de paciência e adaptação dos pais e de outros educadores que, embora não podendo evitar certos conflitos de gerações, podem ao menos mitigá-los ou não levá-los até à rotura. Todavia, segundo Jeffries (1987, 1990), que estudou o amor dos adolescentes e ainda dos jovens universitários para com os pais, os filhos sentem-se atraídos pelos pais e usam para com eles da virtude da caridade e das virtudes cardiais (prudência, justiça, fortaleza e temperança) (Jeffries inspirou-se em S. Tomás e na descrição que faz destas virtudes morais). Também Barros (1994) concluiu, num estudo empírico, que em geral os filhos têm em boa consideração os pais. Os autores estudam os adolescentes nas suas relações com os pais e confrontando-os com os seus problema específicos. Assim, Forehand e 124

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Nousiainen (1993) estudam a forma diferente do pai e da mãe de se relacionar com o adolescente. Outros autores colocam-se mais numa perspectiva terapêutica a partir dos problemas comportamentais dos adolescentes (cf. e. g. Liddle, 1996) ou analisam casos mais concretos, como é o abuso de drogas (cf. Schmidt, Liddle e Dakof, 1996) ou então a adaptação dos adolescentes, sobretudo em caso de separação dos pais (Honess e Charman, 1998). Zarif e Eggebeen (in Bornstein, 1995, I, pp. 119-140) abordam o modo de ser pai ou mãe durante a vida adulta dos filhos e ao mesmo tempo a atenção que os filhos devem prestar aos pais já avançados na idade. Muitas vezes os pais continuam a apoiar os filhos em todos os sentidos (monetariamente, ficando com os netos, etc.) quando os filhos casam e constroem a sua própria família. Mas nem sempre os filhos retribuem do mesmo modo. Actualmente, com poucos filhos e muitos divórcios, para além de outras condições sócio-culturais, leva a que frequentemente os pais, chegados a velhos, se sintam mais ou menos abandonados pelo(s) filho(s), remetidos a instituições particulares onde a solidão mais se faz sentir. Verdadeiramente o problema dos idosos é um problema grave na nossa sociedade e os filhos devem ser os primeiros a fazer tudo para o solucionar da melhor forma, lembrados que também eles caminham para a velhice (cf. Barros, 1999). Também é estudada a interacção desenvolvimental do marido com a esposa, numa perspectiva de “sistema interactivo”, como é o caso de Pedersen e col. (1980) e as implicações que tem para a educação. Muitos outros estudos dizem respeito à linguagem como meio privilegiado de interacção entre o filho e os pais e também ao jogo (cf. Labrell, 1996). São ainda estudados temas mais específicos e em idades particulares, como é o caso de Filomena Gaspar (1999) que na sua dissertação de doutoramento aborda particularmente os factores socioculturais e interpessoais do desenvolvimento numérico em crianças com idade pré-escolar, contando com o envolvimento dos pais. Podia ainda estudar-se a importância da família para o desenvolvimento integral da criança: desenvolvimento cognitivo, afectivo, social, etc. (cf. Barros, 1994). Vamos apenas fazer uma referência ao desenvolvimento moral. Os pais têm obrigação de promover a educação integral dos filhos em todas as dimensões, sem descurar o seu desenvolvimento moral. Eisenberg e Murphy (in Bornstein, 1995, IV, pp. 227-257) estudam particularmente esta dimensão, apresentando perspectivas teóricas sobre o desenvolvimento pró-social e moral, como a teoria psicanalítica, a behaviorista, a da aprendizagem social, a teoria cognitivista (com alusão particular a Kohlberg), a teoria da internalização moral (Hoffman) e a teoria da motivação intrínseca/extrínseca. Qualquer teoria, bem como os estudos empíricos, defendem a importância decisiva dos pais para o

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desenvolvimento moral e social dos filhos, mais pelo exemplo do que pelas palavras, muito dependente dos estilos educativos usados: se educam com amor e autoridade dialogante é mais fácil a promoção de comportamentos pró-sociais e morais; se usam uma educação repressiva e fria, facilmente os filhos podem cair em comportamentos disruptivos e marginais (cf. Barros, 1994, 1997). A revista Journal of Moral Education dedicou um número especial (1999, 28, 3) à importância do contexto familiar para o desenvolvimento moral. Logo no editorial, Walker (1999) lamenta que se tenha menosprezado ou ignorado a importância decisiva da família no desenvolvimento e educação moral das crianças, privilegiando-se a escola e os colegas, como fez Kohlberg (cf. Lourenço, 1998) que até olhou com suspeição para a família por ter autoridade natural sobre os filhos, enquanto se desconsiderava a importância da autoridade, da afectividade e do comportamento (exemplo) na educação moral em favor da acentuação cognitivista e racionalista realizada através de dilemas propostos à criança (cf. Barros, 1997). Esta desconsideração da família, por princípio e por ser considerada uma instituição muito complexa e pouco estudada, foi danosa para uma equilibrada educação moral que não pode ser feita unicamente à base da inteligência e do raciocínio dilemático, mas também fundada na afectividade e nos exemplos concretos de vida. Um outro artigo de Walker e Hennig (1999) insiste na importância fundamental da família no desenvolvimento moral dos filhos, sem menosprezar a influência de outras instâncias, como a escola e os colegas. Diversos estudos apresentados pelos autores concluem que os estilos de interacção dos pais com os filhos, o seu funcionamento e raciocínio moral usado nas obras e palavras, são preditivos do subsequente desenvolvimento do raciocínio e do comportamento moral dos filhos. São realçados também os factores afectivos em contraste com a ênfase posta actualmente nos factores cognitivos, e também a relevância dos dilemas da vida real em contrate com os dilemas hipotéticos e abstractos. Smetana (1999) analisa o papel dos pais no desenvolvimento moral desde uma perspectiva social. A moralidade é construída a partir de interacções sociais recíprocas, quer afectivas, quer cognitivas. O contexto afectivo da relação pode influenciar a motivação dos filhos para ouvir e responder às propostas dos pais. Se bem que muitas das interacções morais da criança ocorram num contexto entre colegas, os pais podem apetrechar-se de algumas competência cognitivas facilitadoras do desenvolvimento moral dos filhos, como ajudá-los a raciocinar e a usar atitudes críticas frente aos valores sociais que lhes são propostos. Halstead (1999) insiste na grande diversidade actual a ter em conta na educação moral, dependendo não apenas da estrutura familiar, muito variada e com diversos valores, mas também dos valores que os filhos recebem no contexto 126

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familiar e no modo como são transmitidos. Frequentemente os valores familiares entram em colisão com os transmitidos na escola e na sociedade envolvente. É necessário considerar o direito das famílias na iniciação aos valores axiológicos que julgam melhor para os filhos, no direito da escola a transmitir os valores da sociedade e sobretudo no direito da criança de progressivamente se tornar autónoma no desenvolvimento dos valores que considera melhores.

7.2

Perspectiva diferencial

Embora actualmente, sobretudo no mundo ocidental, o número de filhos tenha baixado drasticamente, a ponto de haver muitas ou mesmo a maior parte das famílias com um ou dois filhos apenas, todavia ainda há famílias com três ou mais filhos, o que condiciona e especifica muito a educação, conforme a posição que ocupam na fratria, o sexo, o temperamento de cada um, etc. Mesmo quando há dois filhos, a educação já é diversificada. O nascimento de um novo filho condiciona muito o modo de ser dos pais mesmo para com os outros filhos, assim como cada filho que nasce exerce uma influência decisiva nos próprios pais e na relação entre os cônjuges, servindo de algum modo de mediadores, assim como o amor do pai ou da mãe para com os filhos é mediada pelo amor com que ama ou é amado(a) pelo outro cônjuge. Não podendo estudar pormenorizadamente os diversos aspectos ou estilos educativos dos pais conforme o número, o sexo e outras variáveis dos filhos (cf. Barros, 1994), apresentamos sinteticamente algumas conclusões, seguindo de perto o Manual editado por Bornstein (1995). Furman (in Bornstein, 1995, I, pp. 143-162) estuda os diversos aspectos da relação dos pais com os filhos (parenting siblings). Começa por dizer que só a partir de Adler e dos estudos psicanalíticos é que os psicólogos se começaram a interessar por este assunto, não cessando os trabalhos de crescer abordando os diversos aspectos da constelação da fratria, como a ordem, o sexo, a idade e distância entre os irmãos, e ainda o impacto do nascimento dum filho, sobretudo do primeiro, no casal. Outros autores analisam aspectos particulares da paternidade/maternidade, como a influência do sexo dos filhos (Fagot, in Bornstein, 1995, I, pp. 163-183), o caso dos irmãos gémeos (Lytton, Singh e Gallagher, in Bornstein, 1995, I, pp. 185-208), das crianças com síndroma de Down ou com outras deficiências mentais (Hodapp, in Bornstein, 1995, I, pp. 233-253), dos filhos agressivos ou transviados (Rubin, Stewart e Chen, in Bornstein, 1995, I, pp. 255-284), das crianças sobredotadas (Feldman e Pirto, in Bornstein, 1995, I, pp. 285304), dos filhos adoptivos (Brodzinsky, Lang e Smith, in Bornstein, 1995, III, pp. 209-232), dos filhos de casais divorciados e recasados (Hetherington e © Universidade Aberta

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Stanley-Hagen, in Bornstein, 1995, III, pp. 233-254) e mesmo dos ‘filhos’ de casais homossexuais (Patterson, in Bornstein, 1995, III, pp 255-274). Remetemos para estes ou outros estudos onde se pode encontrar ampla bibliografia, não sendo possível neste breve Manual de Psicologia da Família abordar toda esta problemática psicopedagógica. Em todo o caso, tendo em conta tantas variáveis diferenciais, reconheça-se que não é fácil a arte de bem educar, e os pais devem ser treinados neste sentido, sobretudo quando têm de lidar com situações difíceis, como é o caso de filhos com diversos problemas, autistas, deficientes, etc. O livro editado por Dangel e Polster (1986) sobre Parent training pode ajudar nesse sentido, colocando-se essencialmente numa perspectiva comportamentista. Entre a muita bibliografia sobre educação familiar, o livro dirigido por Dansereau, Terrisse e Bouchard (1990) analisa, sob as mais diversas perspectivas, esta complexa problemática, insistindo na necessidade de formação dos pais, tornando-os aptos a lidar não apenas com as situações normais de educação, mas também com filhos problemáticos. De qualquer modo, quer nos casos normais quer ‘anormais’, quer por parte dos pais quer dos filhos, deve atender-se sempre às diversas variáveis sociodemográficas, como o sexo e a idade, às variáveis contextuais e ainda e sobretudo ao temperamento de cada criança, pois cada filho é um mundo à parte e não podem os pais educar “todos igual”, mas antes tendo em conta a idiossincrasia de cada filho, bem como a própria maneira de ser do pai ou da mãe que interage diferentemente com o temperamento de cada filho. Sanson e Rothbart (in Bornstein, 1995, IV, pp. 299-321) abordam esta problemática específica pedindo aos pais atenção e respeito pela individualidade de cada filho, mesmo das “crianças difíceis”, pois tal adaptação e flexibilidade é o único caminho para uma educação com sucesso.

7.3

Perspectiva ecológica

Actualmente, os autores tendem a situar a educação e os estilos educativos parentais no contexto envolvente e considerando também a dimensão intercultural. O meio ambiente que rodeia a família é muito complexo. Lewis e Feiring (1998) editaram um livro onde os diversos autores procuram estudar, desde variadas perspectivas, a natureza dos ambientes familiares, os múltiplos elementos que interagem e se influenciam mutuamente, no seio da mesma família e com projecção no exterior, constituindo um quadro de referência que se poderia denominar “sistema de matriz social” (p. 1). É a partir deste complexo sistema de referência que é possível interpretar muitas situações referentes quer a pais quer a filhos, como é o sucesso escolar, analisado de 128

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forma particular por Feiring e Lewis (in Lewis e Feiring,1998). Se a família sofre múltiplas influências do meio ambiente circundante, também constitui fonte de socialização muito para além dos seus limites, podendo influenciar contextos como as relações dos filhos com os seus colegas, segundo estudo de Parke et al. (in Lewis e Feiring, 1998). Luster e Okagaki (1993) editaram um livro sobre os pais como educadores numa “perspectiva ecológica”. Os diversos autores que contribuem para esta obra, inspiram-se fundamentalmente no paradigma ecológico, deixando-se influenciar pela teoria de Bronfenbrenner (1977, 1979) e de Belsky (1984) sobre os determinantes das práticas educativas. Este último autor parte do princípio de que os estilos educativos parentais são determinados pelas características dos pais, dos filhos e pelo contexto envolvente a relação paisfilhos. É necessário ter em conta as múltiplas influências que sofre o comportamento parental a partir da interacção entre as pessoas e o contexto. A atenção é fixada principalmente no sistema familiar, como contexto primário da educação. Vondra e Belsky (in Luster e Okagaki,1993, pp. 1-33) exploram as origens desenvolvimentais das práticas educativas, procurando compreender o papel da personalidade em relação com os factores ambientais na formação do comportamento parental, servindo-se do contributo de muitos autores, quer provenientes da área clínica quer da investigação empírica, concluindo que só numa perspectiva ecológica é possível compreender melhor a origem e evolução dos estilos parentais de educação, cientes de que tais práticas marcam precocemente os filhos e o seu comportamento na escola, a relação com outros colegas, etc. Se o temperamento dos pais tem influência decisiva nas práticas educativas, também as diversas características do filho (como o temperamento, a idade, o sexo), em contínua interacção com o meio, influenciam o comportamento parental, conforme o estudo de Lerner (in Luster e Okagaki,1993, pp. 101-120). Okagaki e Divecha (in Luster e Okagaki, 1993, pp. 35-67) tentam compreender o desenvolvimento das crenças parentais e a sua influência nas práticas educativas (o sistema de crenças influencia o comportamento, mas também este pode interferir com as crenças), inspirando-se fundamentalmente nos estudos interculturais de Stevenson e colaboradores realizados particularmente no Japão, na China e nos Estados Unidos sobre o sucesso em matemática e noutros aspectos da aprendizagem, concluindo que nos Estados Unidos o desempenho é menor porque a sociedade e os pais pensam que essencialmente o sucesso se deve a factores biológicos. Os pais julgam que em geral os seus filhos estão acima da média, porque uma alta auto-estima é buscada como um fim em si mesmo e ainda porque os pais não partilham suficientemente a responsabilidade no desenvolvimento do carácter e da competência dos filhos. Outro estudo intercultural de Cochran (in Luster e Okagaki,1993, pp. 149– © Universidade Aberta

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-178), fixando-se nos Estados Unidos, Alemanha, País de Gales e Suécia, analisa as diversas redes sociais pessoais e a sua influência determinante nos estilos educativos, tendo em conta a globalidade ecológica em que o sistema familiar se situa. A respeito das crenças parentais, também McGillicuddy-De Lisi e Sigel (in Bornstein, 1995, III, pp. 333-358) abordam este problema, começando por definir, desde as mais diversas perspectivas (abordagem atribucional, modelos de processamento de informação, perspectivas construtivistas e transaccionais) o que se entende por crença (termo muito próximo de percepção, ideia, atitude, etc.), as suas componentes, funções e relações com a afectividade, intencionalidade e valores. De qualquer modo, as diversas crenças dos pais influenciam grandemente a sua relação com os filhos e o estilo educativo, influenciando por sua vez as crenças dos próprios filhos a respeito dos pais, em contínua interacção. Tema muito paralelo ao das crenças, são as atitudes dos pais para com os filhos e a sua educação, abordado por Holden (in Bornstein, 1995, III, pp.358-392). Emery e Tuer (in Luster e Okagaki,1993, pp. 121-148) pensam que a díade mãe/pai-filho é muito influenciada pela tríade mãe/pai-filho-esposa/marido. Há estudos que demonstram que o pai ou a mãe se comportam diferencialmente conforme estão sozinhos com os filhos ou em presença do outro cônjuge ou progenitor. Daí ser necessário enquadrar o estilo educativo parental dentro do contexto da relação conjugal. O problema da separação ou divórcio dos cônjuges põe mais a nu a importância da relação conjugal para o sucesso educativo, uma vez que os progenitores deixam de ser cônjuges, perturbando por isso a educação. Os estilos educativos parentais dependem ainda de outros contextos, como é o caso do trabalho dos pais que exerce influências mais ou menos directas nos seus valores, no humor, etc. (cf. Crouter e McHale, in Luster e Okagaki,1993, pp. 179-202) e também dos vizinhos e da comunidade envolvente, havendo ambientes mais ou menos favoráveis ou mais ou menos de risco para o exercício da paternidade (cf. Garbarino e Kostelny, in Luster e Okagaki,1993, pp. 203-226). Por isso, num artigo conclusivo, Luster e Okagaki (1993, pp. 227-250) procuram integrar todas as contribuições, defendendo que para uma maior compreensão e eventual mudança dos estilos educativos parentais é necessário considerar conjuntamente quer as características dos pais (personalidade, maturidade, competência, valores, crenças, saúde, situação sociocultural), quer dos filhos (personalidade, idade, sexo, saúde, etc), quer do contexto ecológico, cada vez mais complexo (onde devem ser consideradas variáveis recentes como é a influência da TV e dos media em geral, a importância da Internet, etc.), todos estes factores ou agentes em interacção constante, condicionando positiva ou negativamente o modo como os pais educam. Se compreendermos melhor todas estas influências, mais facilmente 130

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podemos intervir e ajudar os pais em missão tão sublime mas também tão complexa e difícil como é a educação. No livro editado por Fine (1989) diversos autores apresentam as perspectivas mais recentes sobre a educação parental e as diversas consequências a nível do desenvolvimento dos filhos, estudando ainda casos particulares como a gravidez de adolescentes ou as crianças com diversos handicapes. O livro de Lautrey (1980) sobre “classe social, meio familiar e inteligência”, examina a estruturação do ambiente familiar e a sua relação com a classe social particularmente em ordem à compreensão e promoção do desenvolvimento cognitivo dos filhos. Começa por analisar a relação entre as práticas educativas parentais e o desenvolvimento intelectual das crianças. Todavia estas práticas ou estilos de educação não estão desenraizados mas antes inseridos e dependentes do meio social onde a família vive. Apesar da importância que o meio social onde habita a família reveste para o desenvolvimento das crianças e a sua educação cognitiva, em particular, Lautrey recusa-se a cair num fatalismo sociológico, acreditando que pode haver uma “educação compensatória”, embora ao mesmo tempo se deva lutar contra as desigualdades sociais, como diz Reuchlin no Prefácio a esta obra (p. 11) e como afirma o próprio Lautrey ao concluir o seu trabalho (p. 244). Pior que a descompensação social da família, é a sua estruturação demasiado rígida e uma educação autoritária. O autor está convencido da importância determinante dos estilos educativos parentais para o desenvolvimento da inteligência dos filhos. O sistema educativo familiar pode funcionar como variável intermediária entre a classe social e o desenvolvimento cognitivo. Dentro desta perspectiva ecológica em que se situa a família e a educação, é também muito importante a relação entre a família e os pares ou colegas dos filhos. Parke e Ladd (1992) editaram um livro onde é estudada exaustivamente a influência que a família exerce na relação que os filhos mantêm com os colegas. Interessa compreender, como escreve Ladd logo no primeiro capítulo, como é que as famílias influenciam as relações de camaradagem dos filhos e os mecanismos ou os “percursos” responsáveis pelos efeitos causados por esta interacção. Tal influência pode ser directa ou mais ou menos indirecta, por exemplo, através dos estilos educativos parentais, das suas atitudes e crenças, da qualidade da vinculação, da sua relação conjugal, mas também através da idiossincrasia dos filhos, do seu sentido de eficácia pessoal e de outras variáveis. Na realidade, as cognições, emoções e outras formas de funcionar ou competências que a criança adquire na família servem-lhe na relação com os pares. O inverso também pode ser válido: os sucessos ou insucessos que os filhos têm na relação com os colegas, e que se reveste de importância capital na idade adolescencial, reflectem-se igualmente na relação familiar, numa interdependência geradora de maior progresso psicológico ou então num círculo vicioso degenerativo. Enfim, todo o ambiente endógeno

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familiar bem como o exógeno influenciam as relações dos filhos com o meio ambiente, sobretudo com os colegas. Diversos paradigmas podem ser usados para tentar compreender as inteacções que se passam entre o sistema familiar e o sistema dos colegas dos filhos.

7.4

Casos particulares de educação

Hoje existe um número significativo de famílias monoparentais, devido ao crescente número de divórcios ou então à decisão da mulher de querer um filho sem assumir o compromisso matrimonial, escolhendo viver só com o filho, ou ainda à morte de um dos cônjuges, à ausência do marido com longos períodos fora de casa, ou à adopção. Trata-se, por isso, de um grupo não homogéneo mas heterogéneo. Na América do Norte (e o mesmo deve acontecer na Europa), quase uma terça parte das famílias é monoparental e destas cerca de 90% só com a presença da mulher. A revista Marriage and Family Review dedicou dois números do vol. 20 (1995) a esta problemática, estudando a questão desde as mais diversas perspectivas, como a histórica, o pai ou a mãe a viver sós com o(s) filho(s), a presença de crianças com dificuldades mais ou menos graves, a presença de crianças adoptivas, etc. Há também diversos livros, para além de muitos artigos, dedicados ao assunto, como é o caso do livro Single parent families de Kissman e Jo (1993) que traça uma perspectiva geral da problemática complexa que envolve esta realidade. Weinraub e Gringlas (in Bornstein, 1995, III, pp. 65-87) abordam também esta problemática nas mais diversas implicações e dificuldades não apenas educativas que também económicas e sociais, podendo levar a mãe/pai mais facilmente ao stress e à depressão, dadas as muitas dificuldades que tem de enfrentar a sós. Todavia, também pode ter sucesso e sentir-se realizada(o) na sua missão. Depende muito não só da sua capacidade educativa e social, da sua personalidade, mas também em grande parte da personalidade do filho(a), e do apoio ou não que pode encontrar de outros familiares, sobretudo dos pais (avós) e da sociedade em geral. De qualquer modo, trata-se sempre duma situação anómala, embora muito frequente. Entre tantos estudos sobre as implicações da separação ou do divórcio não apenas para os pais mas também para os filhos e a educação, podemos citar o artigo de Sandler, Tein, Mehta, Wolchik e Ayers (2000) sobre o impacto do divórcio nas crianças, o de Honess (1998) nos adolescentes e o de LaumannBillings e Emery (2000) sobre jovens adultos, notando-se que também nestas idades o divórcio dos pais perturba psicologicamente, dependendo de outras variáveis como o contacto com os pais, o conflito entre eles, a residência, etc. 132

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Também Geuzaine, Debry e Liesens (2000) analisaram as consequências da separação dos pais na tardia adolescência dos filhos, concluindo que as raparigas sentem mais do que os rapazes esta separação, sobretudo em relação com a mãe. O mesmo se diga a respeito dos diversos conflitos matrimoniais, mesmo que não cheguem à separação ou ao divórcio, mas que afectam particularmente os filhos. Cummings e Davies (1994) analisam o impacto diferencial destes conflitos. Outra problemática é o caso de famílias com padrasto/madrasta. A revista Marriage and Family Review dedicou dois números do volume 26 (1997) a esta problemática, desde as mais diversas perspectivas, como a histórica (Philips, 1997), a dos meios-irmãos (Bernstein, 1997), a do género dos enteados (Levin, 1997). Na Introdução, Sussman e Levin (1997, pp. 1-4) apresentam algumas das razões do aumento do número destas famílias, não só devido aos tradicionais motivos, como o novo casamento do viúvo ou da viúva, mas também e sobretudo ao aumento extraordinário de divórcios, para além de tantas mortes por guerra, pela Sida, etc., que levam a novos casamentos. Outros autores debruçam-se sobre temas mais específicos, como diversos programas de educação para estas famílias (Hughes e Schroeder, 1997) ou o problema do abuso de crianças no seio destas famílias (Giles-Sims, 1997). Tema que merece também consideração é o caso, cada vez mais frequente, de mães adolescentes. Só no último quartel do século passado se começou a dar particular atenção a tantas mães teenagers que devem ser apoiadas durante a gravidez e após o nascimento do filho, ajudando-as na educação dos filhos, tanto mais que normalmente procedem das classes mais desfavorecidas e onde pode faltar o apoio da família donde procede a jovem mãe (Brooks-Gunn e Chase-Landsdale, in Bornstein, 1995, III, pp. 113-149). Luster e Mittelstaedt (in Luster e Okagaki,1993, pp. 69-99) estudam também o caso particular destas mães adolescentes (teen-agers), cada vez mais frequente (calcula-se que no mundo ocidental cerca de 10% das raparigas entre os 15 e os 19 anos engravidam) e as suas consequências na educação. Efectivamente, há estudos que demonstram que os filhos destas mães apresentam mais problemas comportamentais, têm maiores dificuldades escolares e correm mais riscos sociais. As autoridades educativas e sociais devem tentar evitar, através de diversos métodos, mais ou menos discutíveis e sucedidos, evitar a gravidez precoce. Mas, nascida a criança, é necessário prestar todo o apoio social e psicológico às jovens mães. Os autores sugerem que o problema não reside propriamente na idade das mães mas no ambiente ecológico em que vivem. Os factores que contribuem para o risco de engravidar precocemente estão igualmente presentes nas práticas educativas subsequentes. Os especialistas estudam ainda aspectos particulares da pa(ma)ternidade, relativamente frequentes, como é o caso de pais deficientes sensório-motores (cf. Meadow-Orlans, in Bornstein, 1995, IV, pp. 57-84) ou psicologicamente © Universidade Aberta

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deprimidos (cf. Field, in Bornstein, 1995, IV, pp. 85-99) ou toxicodependentes (cf. Mayes, in Bornstein, 1995, IV, pp. 101-125) ou que maltratam os filhos (cf. Rogosch, Cicchetti, Shields e Toth, in Bornstein, 1995, IV, pp. 127-159). Trata-se de temas momentosos, e bem assim outros, como o stress de todos os dias na família (cf. Crnic e Acevedo, in Bornstein, 1995, IV, pp. 277-297) ou como servir-se da televisão para a educação, potenciando os seus efeitos positivos e mitigando os perversos (cf. Dorr e Rabin, in Bornstein, 1995, IV, pp. 323-351), ou a importância do jogo na interacção pais-filhos (cf. Uzgirir e Raeff, in Bornstein, 1995, IV, pp. 353-376), ou ainda a importância dos colegas ou amigos dos filhos na educação e como os pais podem lidar com eles (cf. Ladd e Sieur, in Bornstein, 1995, IV, pp. 377-409). Porém, tais temas específicos ultrapassam o âmbito deste Manual, podendo consultar-se, entre outros subsídios, os capítulos indicados no Manual de Bornstein (1995), onde é fornecida ampla bibliografia. Podiam ainda ser abordados aspectos particulares da educação, como é o caso da disciplina. Chamberlain e Patterson (in Bornstein, 1995, IV, pp. 205-225) estudam este importante problema que todos os pais se colocam, sobretudo à medida que os filhos vão crescendo. Esta questão tem a ver com práticas ou estilos educativos parentais, havendo pais mais ou menos democráticos ou autoritários, mais ou menos calorosos ou frios, mais ou menos centrados nos filhos ou em si mesmos, conforme as diversas teorias sobre os estilos educativos parentais (cf. Barros, 1994, pp. 75-89). A disciplina também pode ser mais ou menos férrea (inflexível) ou dialogante (flexível) com maior ou menor adesão dos filhos. Não há soluções mágicas para este problema que se põe não apenas a nível familiar, que também escolar (cf. Barros e Barros, 1999, II; pp. 70-82) e social. Em todo o caso é evidente que, quer a criança quer o adolescente precisam de autoridade mas que ela deve ser dialogante e não repressiva, dependendo muito o seu exercício não apenas das características psicológicas, quer dos pais quer dos filhos, mas também das condições sociais e históricas onde a família está inserida. De qualquer modo, é necessário que a disciplina, em vez de ser importa de for a, seja assumida pela criança e centrada nela, tendo em conta a sua evolução psicológica, para se tornar progressivamente auto-disciplina.

Resumo Educar é a missão primordial e insubstituível dos pais, pois de qualquer forma a educação prolonga a geração. Todavia não se afigura tarefa fácil, mormente nos tempos que correm, e os pais não estão nem foram preparados para isso. Os filhos devem ser educados tendo em conta muitas variáveis, particularmente 134

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a idade, pois não é o mesmo educar uma criança pequena, que um adolescente ou um jovem adulto. Faz-se referência particular à vinculação da mãe com a criança desde os primeiros meses de vida. Poderia apresentar-se uma perspectiva desenvolvimental sobre a educação cognitiva, afectiva, social, etc., mas privilegiou-se o desenvolvimento moral, discordando em parte da teoria de Kohlberg. Na educação é necessário não apenas ter em conta a idade, mas também outras variáveis, como o género da criança, a sua situação na fratria e outras variáveis endógenas à criança e à família. Mas importante também é considerar as variáveis exógenas ou o ambiente ecológico onde se situa a família e se desenvolve a educação. A perspectiva ecológica da educação assume cada vez mais importância relevante. Na análise sumária de alguns casos particulares ou anómalos da educação, realça-se a educação quando está presente só um dos progenitores - famílias monoparentais - e ainda famílias com padrasto/madrasta, mães adolescentes, pais deficientes, etc.

Interrogações e sugestões O que entende por “inventar novos pais” conforme título sugestivo dum livro? O que entende por ‘vinculação’? Fale sumariamente do desenvolvimento moral da criança e de algumas estratégias usadas para isso. Refira algumas variáveis importantes a ter em conta na educação, realçando em particular a ecológica. Que entende por famílias monoparentais e quais as consequências para a educação? Refira-se brevemente às famílias com padrasto/madrasta, com mães adolescentes ou com pais deficientes e implicações que isso comporta para a educação. Se possível, proceda a um inquérito a algumas famílias sobre o que reputam mais importante na educação e quais as dificuldades principais encontradas. Poderia fazer o mesmo com uma pequena amostra de filhos menores ou maiores. Tire algumas conclusões.

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Leitura complementar É vasta a bibliografia sobre a educação, em geral, e sobre a educação familiar, em particular. Numa perspectiva desenvolvimental poderia ler-se alguns dos capítulos do Manual editado por Bornstein (1995). Em particular sobre o desenvolvimento moral, muito importante mas menos estudado que o desenvolvimento cognitivo-afectivo, pode ler-se Lourenço (1998) baseado fundamentalmente na teoria de Kohlberg. Sobre a perspectiva ecológica em educação é útil consultar o livro editado por Luster e Okagaki (1993). A propósito de famílias particulares, como as monoparentais, poderia ler-se os números monográficos indicados da revista Marriage and Family Review.

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8. Estilos Educativos Parentais

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Objectivos de aprendizagem No final deste capítulo, os estudiosos serão capazes de: • Saber explicar os estudos que estiveram na base das diversas tipologias sobre os estilos educativos parentais. • Explicar, segundo a teoria de Schaefer, as duas dimensões bipolares quanto às práticas educativas parentais. • Confrontar o esquema de Schaefer com o de Baumrind • Dar conta de algumas implicações que os estilos educativos parentais podem ter no autoconceito e na inserção social dos filhos, bem como no seu desempenho escolar.

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No capítulo anterior abordamos sumariamente o problema da educação numa perspectiva desenvolvimental, diferencial e ecológica. Trata-se dum problema momentoso em todas as gerações, mas talvez hoje ainda mais candente. Remetemos os leitores para tantos Manuais de psicologia da educação em geral e de psicologia da educação familiar, em particular. Neste capítulo vamos abordar um tema também muito estudado e que se integra perfeitamente num Manual de Psicologia da Família, dado a dimensão educativa, e em particular os estilos educativos parentais, constituírem a parte fundamental da relação pais-filhos.

8.1

Situação histórica

Foi o Fels Research Institute, fundado em 1929, a lançar a primeira investigação de envergadura sobre o desenvolvimento da criança, controlando diversas variáveis, entre elas as práticas educativas familiares. Os trabalhos de Baldwin, Kalhorn e Breese (1945, 1949), na sequência dos estudos levados a cabo pelo Fels Institute, podem ser considerados pioneiros, não apenas na determinação dos diversos pattern of parent behavior, mas ainda do appraisal of parental behavior. Quanto aos diversos modelos ou padrões de comportamento parental, os autores, na sua monografia de 1945, distinguem fundamentalmente três tipos de pais: 1) pais rejeitadores, subdivididos em “activamente rejeitadores” (actively rejectant) e “indiferentes” (nonchalant rejectant); 2) pais casualmente autocráticos e casualmente indulgentes; 3) pais aceitadores, distinguindo entre “aceitadores democráticos”, “aceitadores indulgentes” e “aceitadores democrático-indulgentes”. Baldwin et al. (1945), organizaram todas as variáveis sobre estilos educativos em 3 grupos (clusters): aceitação da criança, indulgência (protecção) e democracia. Concluíram que o ambiente democrático é o mais favorável ao desenvolvimento intelectual da criança. Porém, outras variáveis podem estar a mediar esta correlação, como o nível sócio-económico da família. Posteriormente, Baldwin et al. (1949), sempre baseados nos primeiros resultados do Fels Institute, encontraram outros 3 grupos de variáveis: calor afectivo, harmonia ou adaptação (adjustment) e restrição, que em grande parte coincidem com as anteriores. Lautrey (1980), no início do seu livro, sintetiza estas investigações, ao mesmo tempo que avança com uma interpretação mais social do sistema educativo familiar, colocando-se numa perspectiva explicativa ou causal, e não apenas descritiva, acentuando a importância da estruturação do ambiente familiar e dos seus valores, por sua vez dependentes da classe social, para o desenvolvimento intelectual da criança. O autor utiliza o quadro conceptual © Universidade Aberta

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da teoria de Piaget como “grelha de leitura” do ambiente familiar e como meio de avaliar o desenvolvimento intelectual. Praticamente contemporânea do Fels Research Institute é o Berkeley Growth Study, iniciado por Bayley em 1928. Trata-se igualmente de um vasto estudo longitudinal. É no âmbito deste estudo que Schaefer (1959) encontra duas dimensões bipolares quanto às práticas educativas: amor vs. hostilidade e autonomia vs. controlo. Cada parte deste binómio pode traduzir-se por outros termos com matizes próprias. Assim, amor-hostilidade equivale a calorhostilidade (Becker, 1964), aceitação vs rejeição (Becker e Krug, 1965), protecção-abandono, afeição-frieza, interesse-indiferença, confiançadesconfiança, diligência-negligência, proximidade-distanciamento. Em vez de autonomia-controlo pode falar-se em permissividade-restritividade (; Baldwin, 1955; Baldwin et al., 1945; Becker, 1964), democracia-autoritarismo, flexibilidade-inflexibilidade, coerência-arbitrariedade, compreensão-rigidez, diálogo-imposição, cooperação-coacção, tolerância-intolerância, etc. Alguns destes termos já supõem, de qualquer forma, uma conjugação ou interacção de um eixo com o outro eixo do binómio. Becker (1964), dentro da dimensão autonomia-controlo, fala ainda de tranquilidade-ansiedade. Estes dois factores bipolares (um de conotação mais afectiva (amor-desamor) e outro mais social, disciplinar ou de poder (liberdade-autoritarismo) são confirmados por muitas investigações que tentam sistematizar os resultados, muitas vezes através de processos estatísticos, designadamente pela análise factorial. Por isso vamos dar-lhe um pouco mais de atenção.

8.2

Amor vs. hostilidade e autonomia vs. controlo

A primeira dimensão (sócio-afectiva) pode reportar-se às teorias psicanalíticas e personalistas. Os autores concordam que o calor afectivo é favorável ao são desenvolvimento da criança, embora algumas investigações considerem que o amor excessivo e possessivo da mãe possa tornar-se prejudicial (Baumrind, 1971). As investigações pioneiras da Fels Parent Research (Baldwin et al., 1945) põem em evidência algumas características relacionadas com a aceitação das crianças (afeição e centração na criança) e, de um modo implícito, com a sua protecção (preocupação com o seu bem-estar e duração dos contactos), dimensões que Baldwin et al. (1949) denominam de “harmonia” e Baumrind (1973) de capacidade de resposta (responsiveness). Maccoby (1980, pp. 392393) afirma que é difícil definir em que consiste o “calor” educativo, embora esta variável afectiva apareça como importante no estilo educativo. Pais 142

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calorosos estão profundamente empenhados no bem-estar dos filhos, respondem às suas necessidades, dispensam-lhes tempo, mostram-se entusiasmados com as realizações da criança, são sensíveis aos seus estados emotivos. Por seu turno, as crianças cujos pais mostram aceitação e afeição, são afeiçoadas ou ligadas aos pais e mostram tendência para aprender melhor, são relativamente complacentes, apresentam uma boa auto-estima, internalizam melhor as normas morais, são mais altruistas. Apesar da ênfase posta num ou noutro aspecto do amor, esta dimensão está presente em toda a relação educativa, embora não seja fácil apreendê-la e menos avaliá-la e medi-la, dadas as diversas circunstâncias, intensidades e pecularidades que a exprimem. Por isso, é ilusório pensar que se trata de uma dimensão ou estrutura simples, tanto mais que se combina com a outra dimensão de autoridade; assim, por si só, não explica grande parte da relação educativa. Os sentimentos amorosos ou mais ou menos hostis dos pais para com os filhos podem variar de intensidade ou de qualidade, com consequências para o comportamento da criança. Por exemplo, o amor pode ser mais ou menos intenso, mais ou menos ansioso e/ou possessivo (proteccionismo), o que de qualquer forma já cai na outra dimensão de autonomia-controlo. A segunda dimensão (autonomia vs controlo), essencialmente referente à autoridade ou à disciplina, é também necessária para a compreensão das práticas educativas, tornando-se, além disso, de mais fácil avaliação, embora, como na dimensão anterior, se trate de um continuum variando de intensidade e de qualidade, de difícil definição e operacionalização. Apesar disso, é a que diferencia melhor o comportamento educativo dos pais. Esta dimensão reportase primordialmente às teorias comportamentistas (behaviorismo operante importância do reforço) e às teorias da aprendizagem social. Maccoby (1980) analisa extensamente esta dimensão, começando por resumir a teoria de Baldwin et al. (1945, 1949) e de Baumrind (1967, 1971, 1973) que chegam a conclusões um tanto diferentes a respeito de como os filhos são afectados pelos estilos educativos parentais, particularmente quanto ao controlo, e que Maccoby procura reconciliar à luz de outras investigações. Uma das dificuldades reside no facto de o termo “controlo” poder assumir diversas significações, como restritividade (a criança fica com uma margem estreita de manobra), exigência (os pais exigem um alto nível de responsabilidade não proporcional à idade da criança), imposição coerciva de regras, interferência intrusiva nos planos e relações dos filhos, exercício arbitrário do poder. Falar de controlo ou de autoridade supõe a existência de regras claras e nestas é necessário considerar quem as fixa, quem as faz respeitar e os meios utilizados para as fazer cumprir. A combinação destas quatro facetas das regras ou normas (existência, origem, rigidez e pressão), pode sintetizar-se no eixo autoritarismo vs democracia ou na trilogia clássica, após os estudos sobre a liderança de K.

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Lewin (autoritarismo, democracia e permissividade), numa escala que vai da firmeza rígida ao laxismo total. Esta dimensão, por outro lado, não pode ser bem compreendida senão em combinação e interacção com a anterior (amor vs hostilidade). Falar de autoridade e de regras significa também falar da estruturação da vida familiar. Segundo Lautrey (1980) existem 3 possibilidades: 1) ausência de estruturação, dada a inexistência de regras de organização; 2) estruturação rígida, quando as regras são estabelecidas unilateralmente e exigido o seu cumprimento independentemente das diversas circunstâncias; 3) estruturação flexível, se há flexibilidade quer na fixação das regras (de mútuo acordo) quer no seu cumprimento (que é exigido mas que considera as circunstâncias que podem mudar de comum acordo). Desta estruturação familiar dependem as práticas educativas. Assim, na ausência de estruturação, a prática educativa tende para a permissividade ou deixacorrer. Na estruturação rígida, a educação reveste-se normalmente de autoritarismo e coerção. Na estruturação flexível, a norma educativa é a democrática ou autoritativa-recíproca. Todavia não se trata estritamente de uma relação causa-efeito, pois também se pode dar o inverso: em certas circunstâncias a necessidade de uma educação mais rigorosa, por exemplo, pode levar consigo a necessidade de uma estruturação ou rigidez das normas familiares.

8.3

Tipologia dos estilos educativos parentais

Schaefer (1959), estudando a educação materna, no âmbito do Berkeley Growth Study, distribui os estilos educativos em dois eixos ou factores bipolares ortogonais: amor vs. hostilidade e autonomia vs controlo. Da conjugação ou da interferência das duas dimensões ou coordenadas nascem outras tantas práticas educativas. Baseando-se na observação e em entrevistas, Schaefer (1959) apresenta um modelo hipotético em circumplex do comportamento maternal, dado que as variáveis se organizam em círculo, segundo o modelo teórico descrito por Guttmann (1955): Schaefer (1959, p. 234) conclui que muitas das variáveis existentes sobre o comportamento materno podem ser ordenadas segundo estas duas dimensões: amor vs. hostilidade e autonomia vs. controlo que explicariam grande parte da variância do comportamento social e emocional da mãe (e do pai) em relação ao filho.

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AUTONOMIA Distanciamento

Democracia

Indiferença

Cooperação

Negligência HOSTILIDADE

AMOR

Antagonismo exigente

Super-indulgência

Autoritarismo dictatorial

Indulgência protectora Superprotecção

CONTROLO

Tomando como dimensão principal, no modelo de Schaefer, a autonomia vs controlo, e conjugando-a com a outra dimensão, amor vs hostilidade, obtemos fundamentalmente 4 estilos educativos em “circular”: democrático (na conjugação da autonomia com o amor), indulgente, permissivo ou proteccionista (controlo com amor), autoritário (controlo com hostilidade) e negligente, indiferente ou rejeitador (autonomia com hostilidade). Nos dois primeiros, o centro é particularmente o filho (puerocêntrico), enquanto nos dois últimos os pais se centram particularmente sobre si mesmos (parentocêntrico). Por outro lado, o primeiro e o terceiro estilos (democrático vs. autoritário) dizem mais respeito à dimensão autonómica (da disciplina ou do poder); o segundo e o quarto (indulgente vs. negligente) apelam mais à dimensão afectiva. Baumrind (1973, 1977, 1983) constata que a dimensão amor vs. hostilidade explica pouco da variabilidade do comportamento parental para com os filhos e introduz outras variáveis como o conformismo e o tradicionalismo. Situa também em duas dimensões ortogonais os estilos educativos dos pais: capacidade de resposta às solicitações dos filhos (responsiveness) vs. atitudes de exigência (demandingness). Conforme a combinação e intensidade de um ou outro comportamento, temos o modelo seguinte:

EXIGÊNCIA ‘RESPONDÊNCIA’

alta

média

baixa

alta

autoritário-recíproco

democrata

permissivo

Média

Exigente

Indiferenciado

Não directivo

baixa

Autoritário (punitivo)

------

Rejeitador (negligente)

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Não considerando os termos médios, podemos reduzir a quatro os estilos educativos segundo Baumrind (os pais ‘respondentes’ estão mais centrados na criança, enquanto os ‘não respondentes’ se centram predominantemente sobre si mesmos):

EXIGENTE (controlador)

NÃO EXIGENTE (não controlador

'RESPONDENTE' (aceitador)

autoritário-recíproco (comunicação bidireccional)

Indulgente (permissivo)

'NÃO RESPONDENTE' (rejeitador)

Autoritário (imposição do poder)

Negligente (não implicado)

Não é possível sobrepor completamente o modelo de Baumrind com o de Schaefer, no que diz respeito à ‘respondência’ em interacção com a exigência ou não exigência, dado que o estilo autoritário-recíproco, entendido como ‘autoritativo’ (passe o anlicismo) ou democrático, estaria mais na conjugação da ‘respondência’ com a não exigência ou não controlo, enquanto o estilo indulgente se encontraria na conjugação da ‘respondência’ com a exigência ou o controlo. Depende, em grande parte, do que Schaefer entende por autonomia e por controlo (e também por amor e desamor) e o que Baumrind entende por exigência e não exigência (e também por correspondência ou não correspondência). Na realidade, para este último autor, o controlo não se opõe à autonomia, mas está ligado ao nível de exigências que podem levar à progressiva autonomia da criança. É particularmente benéfica para a criança a interacção ou uma boa dosagem de exigência e de (cor)respondência ou de resposta. Nenhum dos autores põe em causa a importância da autoridade. No que concerne à ‘não respondência’, a correspondência é praticamente perfeita entre os dois autores. Tendo em conta os dois modelos, mas considerando, nos dois primeiros estilos, particularmente o de Baumrind, podemos identificar quatro estilos educativos fundamentais: 1) estilo ‘autoritativo’ (democrático, compreensivo, apoiante). Favorece a internalização das normas parentais. Há uma autoridade forte mas dialogante (por isso deixamos passar o anglicismo ‘autoritativo’, diferente de autoritário) entre pais e filhos, é exigido o respeito das regras (que podem ser mudadas de comum acordo, dependendo da responsabilidade de cada um); as infracções podem ser objecto de sanções. A criança goza de certa autonomia e os pais estimulam a expressão dos seus desejos e sentimentos, são controladores, mas também calorosos, exigem correspondência e disciplina, mas são 146

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suficientemente compreensivos, levando os filhos à autoconfiança, à segurança e à maturidade; 2) estilo indulgente (protectivo). Caracteriza-se pela ausência de normas, pela tolerância e aceitação dos impulsos da criança. Os pais não utilizam o poder para atingir os seus objectivos, mas por vezes tornam-se violentos quando perdem totalmente o controlo da situação. Tais reacções apresentam-se como incoerentes em relação aos princípios estabelecidos. Estes pais, relativamente permissivos, mais ou menos calorosos, pouco exigentes, podem provocar nos filhos falta de autocontrolo e de autoconfiança, levando-os a sentir-se demasiado dependentes e sobreprotegidos; 3) estilo autoritário (autocrático, exigente). A vida familiar é centrada nos pais que monopolizam o poder de decisão, modelando o comportamento do filho em função de critérios absolutos. Os pais exigem obediência cega, valorizando o respeito pela ordem e pela autoridade. Os castigos são automáticos quando a norma é infringida ou quando há tentativas de independência ou rebelião. Estes pais controladores, pouco calorosos e muito punitivos, tendem a produzir filhos descontentes, inseguros, submissos ou revoltados; 4) estilo negligente (indiferente, rejeitador). Tais pais não exigem responsabilidade aos filhos mas também não encorajam a independência. São frios, inacessíveis, indiferentes, centrados em si mesmos, não dando à criança os estímulos afectivos de que necessita. Recorrem a castigos ou a pressões para evitar que o filho perturbe o seu comodismo. Assim, os filhos tornam-se tristes, frustrados, inseguros, desorientados, podendo mais facilmente cair na delinquência, activa ou passiva (por exemplo, a toxicodependência). Trata-se duma tipologia que, como qualquer outra, é redutora da imensa variedade de comportamentos ou estilos educativos parentais. Por isso os autores falam de outras dimensões complementares, como “graus de exigência de maturidade”, “clareza de comunicação”, etc. (Baumrind, 1971,1972). Pode mesmo perguntar-se, uma vez que se conjuga o eixo da autoridade com o do amor, se é possível haver verdadeira liberdade sem amor ou amor autêntico que não liberte. Em todo o caso, não há duas famílias que eduquem do mesmo modo. Cada família, cada educação. Não há tipos puros e, embora haja em muitos pais predomínio de um ou outro estilo, podem ter características de outros tipos, ao menos em determinadas ocasiões. Pode afirmar-se que, teoricamente, é o estilo democrático ou autoritativorecíproco o ideal, pois há equilíbrio entre autoridade e afecto e uma boa interacção entre a capacidade de resposta e de exigência, o que é benéfico

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para um harmonioso desenvolvimento da criança (Maccoby e Martin, 1983). O tipo democrático usa os elementos mais positivos do tipo autoritário e ainda dos outros dois. Os filhos aprendem a comportar-se pela positiva (obtenção de sucesso) enquanto os filhos de pais autoritários se comportam prevalentemente pela negativa (evitamento do fracasso). Os pais democráticos e calorosos estão centrados nos filhos e não em si mesmos. O estilo democrático é o mais frequentemente encontrado nas diversas investigações. Mas a desejabilidade social pode viciar em parte as respostas aos questionários sobre as práticas educativas parentais, mais por parte dos pais (que estão em causa) do que dos filhos. Todavia, em grande parte convergem as respostas de pais e filhos, o que pode abonar em favor da sua sinceridade (cf. Barros, 1994). Outros autores procuram agregar os diversos estilos educativos parentais noutros esquemas, seguindo outros critérios. Assim, Kellerhals e Montandon (in Singly (Dir.), 1992, pp. 194-200), tendo em conta a situação social em que se inserem as famílias, distinguem três grandes estilos educativos: 1) estilo contratualista, caracterizado pela importância que os pais dão à auto-regulação e à autonomia dos filhos e pelo acento posto sobre a imaginação e a criatividade. Os pais privilegiam a motivação (explicação) ou a relação (sedução) sobre o controlo (exigência ou proibição). Não há muita diferença entre os papéis educativos do pai e da mãe, ambos incluindo aspectos intrumentais e expressivos. A família manifesta-se aberta às influências exteriores (colegas, escola, televisão), dando-lhes importância educativa e comentando as suas mensagens; 2) estilo estatutário, que se situa quase no lado oposto ao anterior. Insistese sobre a obediência e a disciplina (acomodação) em detrimento da auto-regulação. Os métodos pedagógicos fazem mais apelo ao controlo e à disciplina do que à motivação e à relação. É grande a distância entre pais e filhos, com pouca comunicação e é assaz diversificado o papel do pai e da mãe, sendo a presença do pai mais fraca e instrumental. A atitude face aos agentes exteriores (escola, colegas) é de reserva e desconfiança; 3) estilo maternalista, também caracterizado pelo acento posto na acomodação (obediência, conformismo) antes que na auto-regulação e na autonomia, sendo a educação mais fundada sobre o controlo que sobre a motivação e a relação. Mas há bastante proximidade entre os pais e os filhos, sendo a comunicação frequente e relativamente íntima. As influências externas são vistas com reserva. Tentando aproximar esta tipologia da anterior, poderíamos considerar o estilo contratualista como autoritativo ou democrático; o estilo estatutário como

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autoritário e algo negligente; o estilo maternalista como indulgente. Mas, como qualquer tipologia, esta é mais redutora do que a anterior e menos abrangente de todas as ‘nuances’ dos estilos educativos parentais. Kellerhals e Montandon aproximam ainda os estilos educativos de formas diferentes de coesão familiar: nas famílias tipo “associação” (a coesão é fundada sobre a autonomia e com abertura ao exterior) prevalece o estilo contratualista – normalmente trata-se de famílias da classe alta; nas famílias tipo “bastião” (centradas sobre si mesmas) prevalece o estilo estatutário – normalmente tratase de classes baixas; nas famílias tipo “camaradagem” (coesão interna e abertura ao exterior) assiste-se a uma mistura dos três estilos. Digamos que cada género de família tem necessidade de determinado tipo de filho: autónomo, negociador, inventivo, no caso das famílias “associação”; leal, conformista, dependente, nas famílias “bastião”. Pode esquematizar-se deste modo: Estilo

Tipo

Classe

contratualista

associação

alta

estatutário

bastião

baixa

combinação dos três

camaradagem

média?

Um estudo de Kerig (1995) com mães, pais e crianças entre os 6-10 anos classifica o sistema familiar em coesivo, separado (distante), triangular (coligações entre as gerações) e exclusivo (a criança é excluída do subsistema parental), mas sem resultados conclusivos sobre qual dos sistemas se manifesta mais eficiente, dependendo de diversas variáveis.

8.4

Implicações dos estilos educativos parentais

Deixando de parte algumas variáveis diferenciais a respeito das práticas educativas parentais (cf. Barros, 1994), fixemo-nos nos efeitos do sistema educativo familiar sobre algumas variáveis personológicas e no comportamento geral e específico dos filhos, pois não é indiferente para a estruturação da personalidade dos filhos ou para o seu desenvolvimento cogntivo e para o rendimento escolar se os pais educam duma forma mais ou menos calorosa e democrática ou mais ou menos autoritária e fria. Muitos estudos concluem que os estilos educativos parentais têm um grande impacto no desenvolvimento psicológico das crianças e adolescentes (cf. e. g. Collins e Kuczaj, 1991).

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Autoconceito e inserção social dos filhos Coopersmith (1967) e Baumrind (1977) concluíram que os pais calorosos e com uma disciplina firme geram nas crianças e nos adolescentes um elevado autoconceito, o mesmo acontecendo nos jovens adultos (Amato, 1986; Bishop e Ingersoll, 1989). Segundo Brody e Schaefer (1982), os pais calorosos tendem a desenvolver nos filhos uma alta auto-estima. Que o nível de harmonia familiar tem influência directa no autoconceito dos filhos é provado por vários estudos, como o de Raschke e Raschke (1979) que concluem que o autoconceito dos filhos diminui à medida que os conflitos entre os pais aumentam. Segundo Watson (1957) as práticas educativas têm consequências a nível do carácter das crianças. Assim, os filhos educados em meios autoritários e dominadores têm tendência a ser conformistas, obedientes, tímidos e sem espírito de iniciativa. Por seu lado, Essau e Coates (1988) concluíram que os jovens com pais autocráticos manifestavam mais altos índices de ansiedade do que os que tinham pais democráticos e permissivos. Por outro lado, o modo como o casal se relaciona entre si ou a interacção entre o marido e a esposa medeia a influência que os pais exercem sobre os filhos (Vaz Serra et al., 1987a). Estes autores estudaram em particular a influência das relações dos filhos com os pais para o autoconceito, concluindo que uma boa atmosfera familiar e uma relação positiva dos pais com os filhos (tolerância, compreensão, ajuda e incentivo para vencer as dificuldades) são essenciais para a formação de um bom autoconceito (Vaz Serra et al., 1987b). Os autores estudaram ainda a relação entre práticas educativas dos pais e o locus de controlo dos filhos, concluindo que há uma maior influência na externalidade do que na internalidade, isto é, que uma má atmosfera familiar e uma educação demasiado rigorosa pode produzir uma crença de controlo externo dos reforços, enquanto uma boa atmosfera educativa tem menos influência no controlo interno da situação (Firmino et al., 1987) (cf. Barros, Barros e Neto, 1993). A influência das práticas parentais na personalidade dos filhos não é apenas directa mas também mediada por outras variáveis, como a percepção que os pais têm dos filhos e os filhos dos pais (Baumrind, 1975; Coopersmith, 1967; Parish, 1988). Um estudo de Parish e McCluskey (1992) concluiu que o autoconceito dos estudantes (universitários) variava conforme o nível percebido do calor parental, de acordo com outros estudos (v. g. Brody e Schaefer, 1982), mas não em função do nível de restritividade dos pais. Os pais eram avaliados mais positivamente se eram percebidos como calorosos e permissivos do que como hostis e restritivos. Litovsky e Dusek (1985) concluíram que os adolescentes com uma alta autoestima percepcionam os pais como mais aceitadores e menos controladores e exigentes. Os resultados permitem supor que o desenvolvimento de um bom 150

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autoconceito se processa numa atmosfera de aceitação por parte dos pais que permite ao adolescente autonomia e oportunidade para aprender novas competências. Um estudo de Fleming (1992) relaciona a autonomia adolescencial com a percepção que o adolescente tem das práticas educativas parentais, concluindo que o estilo educativo autonómico-amoroso é o que melhor facilita o acesso do adolescente à autonomia. Um estudo intercultural sobre as relações familiares e a personalidade da criança analisa diversas variáveis dependentes (auto-estima, ansiedade, competência interpessoal e hostilidade) e independentes (diversos estilos parentais), concluindo que em geral uma boa auto-estima e uma baixa ansiedade por parte dos filhos anda relacionada com uma boa harmonia familiar, enquanto um demasiado proteccionismo por parte dos pais gera nos filhos uma baixa competência interpessoal nas relações sociais dos filhos e o abuso da punição parental desenvolve comportamentos hostis nos filhos (Scott et al., 1991). Alguns autores estudam ainda a influência das práticas educativas nos distúrbios de comportamento dos filhos. Gardner (1992) analisa várias investigações recentes sobre a importância da interacção entre pais e filhos na etiologia de desordens de comportamento dos filhos, interacção que muitas vezes é mediada por factores contextuais. Alguns estudos não são de todo concludentes particularmente quanto à direcção da relação, pois se o comportamento dos pais influencia o dos filhos, positiva ou negativamente, também se dá a direcção inversa. Os estilos educativos dos pais não apenas têm repercussões no desenvolvimento personológico dos filhos que também no seu comportamento social. Um estudo de Dekovic e Janssens (1992) examina a relação entre o estilo educativo dos pais, o comportamento pró-social e o estatuto sociométrico dos filhos. As duas dimensões do comportamento maternal e paternal (autoritativo-democrático e autoritário-restritivo) parecem ser preditivas do comportamento pró-social e do estatuto sociométrico dos filhos. Dekovic e Janssens põem em evidência as diferenças na interacção dos pais com os filhos mais populares ou rejeitados no grupo (estatuto sociométrico). Enquanto os pais das crianças populares adoptam primordialmente um estilo educativo autoritativo-democrático, os pais das crianças rejeitadas usam fundamentalmente um estilo autoritário-restritivo. Do mesmo modo, é o estilo democrático a desenvolver na criança um melhor comportamento social. E a influência dos estilos educativos parentais na aceitação ou rejeição da criança pelos colegas, tanto parece dar-se indirectamente (através de um melhor comportamento social dos filhos), como directamente. E a análise estatística não apenas indica “efeitos indirectos e directos” mas também que as características das crianças influenciam por sua vez o estilo educativo dos pais.

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O comportamento pró-social foi definido por Radke-Yarrow e Zahn-Waxler (1986, p. 208) como “comportamentos que respondem positivamente às necessidades e ao bem-estar dos outros”. Algumas investigações mostraram que certas práticas parentais (educação afectiva e democrática) podem estimular uma orientação positiva da criança para com os outros (Radke-Yarrow et al., 1983). As reacções parentais ao mal-estar e à necessidade de ajuda da criança (ser ajudado constitui uma experiência importante) relacionam-se com o comportamento pró-social e com a competência social da criança. A aceitação da criança pelos colegas ou a sua rejeição desempenha um papel importante no seu desenvolvimento social e é preditiva da sua adaptação ou desadaptação social posterior (Parker e Asher, 1987; Rogosch e Newcomb, 1989). O papel que os pais possam desempenhar no status sociométrico do filho (se é aceite ou rejeitado pelo grupo) tem sido praticamente ignorado, embora seja lógico supor que os desempenhos sociais da criança necessários para ter sucesso na interacção com os colegas, são aprendidos na interacção pais-filhos (Hartup, 1979). Desempenho escolar Muitos estudos analisam a relação entre as práticas ou estilos educativos parentais e o sucesso escolar dos filhos, concluindo em geral que um estilo mais democrático ou autonómico favorece a realização escolar, directa ou indirectamente, através da promoção de uma maior capacidade de realização, de um melhor autoconceito ou de outras variáveis mediadoras (Grolnik e Ryan, 1989; Steinberg et al.,1989; Veiga, 1988, 1989). A maior parte dos estudos centra-se em crianças e adolescentes, mas também há investigações mesmo com universitários. Strage e Brandt (1999), analisando alunos do ensino superior, concluíram que as práticas educativas parentais condicionam, quer a personalidade dos filhos, quer a sua relação com os professores, quer, e como consequência, o desempenho escolar. Tratando-se de crianças há mesmo estudos muito específicos, como o de Tiedemann (2000) dando conta da influência dos estereótipos de género, quer dos pais, quer dos professores, como preditores do conceito que as crianças fazem da sua capacidade para a matemática. Vários estudos com adolescentes provam que os alunos crescidos em famílias autoritativas têm melhor desempenho na escola (Dornbusch et al., 1987; Lamborn et al., 1991; Steinberg et al., 1989; Steinberg et al., 1991). Estes estudos sugerem que a relação entre a autoridade e o sucesso escolar é causal, presente tanto nos adolescentes mais novos como nos mais velhos, tendo em conta diferentes conceptualizações de autoridade, e generalizável a famílias de diferentes sectores étnicos e sócio-económicos. A atitude autoritativa dos 152

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pais influencia as atitudes e os comportamentos académicos do adolescente, promovendo um maior empenho no trabalho, aspirações mais elevadas, sentimentos mais positivos para com a escola, mais tempo dispendido no trabalho em casa, um autoconceito académico mais elevado, etc. (Lamborn et al., 1991; Steinberg et al., 1989). Dornbusch et al. (1987) examinaram três tipos de estilos educativos parentais (autoritário, permissivo e autoritativo) e a sua relação com o desempenho escolar em adolescentes. Os estilos autoritário e permissivo correlacionam negativamente com os resultados escolares, enquanto o estilo autoritativo ou democrático correlaciona positivamente. Os autores consideraram também o sexo, a idade, a raça e outras variáveis que medeiam a relação. Steinberg et al. (1989), por seu lado, analisaram a relação entre três aspectos do estilo autoritativo parental (aceitação, autonomia psicológica e controlo comportamental) e a realização escolar de adolescentes primogénitos. Concluíram que o estilo democrático, através das suas diversas características, facilita o sucesso escolar desenvolvendo um saudável sentido de autonomia e de orientação para o trabalho. Os adolescentes que descreveram os pais como calorosos, democráticos e firmes mostravam-se mais propensos a desenvolver atitudes positivas para com o desempenho escolar. Outros estudos centram-se em aspectos mais concretos do sucesso, como o de Pratt et al. (1992). Segundo estes autores, o estilo autoritativo dos pais está positivamente correlacionado com o apoio que estes prestam ao trabalho escolar dos filhos em casa e em particular favorece um melhor desempenho na matemática. Wentzel et al. (1991), estudando a relação entre o estilo educativo e o sucesso escolar em rapazes do 6º ano de escolaridade, realçaram o papel mediador da educação na adaptação sócio-emotiva. Analisando separadamente o comportamento do pai e da mãe, os autores concluíram que as mães que usavam uma disciplina severa e inconsistente exerciam influência negativa directa nos resultados escolares dos filhos, e indirecta, através do desânimo global e da desvalorização cognitiva dos filhos, enquanto os pais só exerciam uma influência negativa indirecta, através do desânimo e auto-desvalorização dos filhos. Em geral este estudo provou que um estilo severo de educação influencia negativamente o desempenho escolar, além (e por causa) de prejudicar o desenvolvimento sócio-afectivo dos filhos. Steinberg e col. (Steinberg, 1990; Steinberg et al. 1989, 1991) sugeriram que são três as componentes de autoridade que contribuem para o desenvolvimento psicológico sadio do adolescente e para o sucesso escolar: aceitação e calor parental; supervisão do comportamento e rigor (strictness); concessão de autonomia psicológica ou democracia. Esta trilogia (calor, controlo e

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democracia) é paralela à tríplice dimensão de educação parental identificada por Schaefer (1965) no seu tabalho pioneiro sobre as práticas pedagógicas, através das respostas dos filhos. Também é similar às dimensões do controlo parental recentemente identificadas por Baumrind (1991a, 1991b): controlo apoiante (supportive control) (semelhante ao calor afectivo), controlo assertivo (assertive control) (semelhante à supervisão e rigor) e controlo directivoconvencional (directive-conventional control) (semelhante à concessão de autonomia). Um estudo mais complexo de Steinberg et al. (1992) examina o papel das variáveis mediadoras entre o sistema educativo e a realização cognitiva dos filhos, em particular o impacto de uma educação autoritativa (authoritative parenting), o envolvimento parental na escola e o encorajamento parental para o sucesso dos adolescentes (14-18 anos). Estes responderam a um questionário sobre as práticas educativas dos pais e o seu comportamento. Nesse ano e no seguinte recolheram-se também dados sobre o seu desempenho. Concluiu-se que a educação com autoridade (alta aceitação, supervisão e autonomia psicológica) leva a uma melhor performance dos alunos e a um mais forte compromisso escolar. Mas este impacto positivo é mediado pelo efeito positivo da autoridade no envolvimento parental na escola (a não autoridade atenua este impacto benéfico). O envolvimento parental promove mais o sucesso do adolescente na escola quando ocorre no contexto de um meio doméstico autoritativo. Steinberg et al. (1992) examinam: 1) a relação entre a realização escolar e o comportamento parental ao longo do tempo para ver se a autoridade na educação, o envolvimento e o encorajamento actualmente conduzem a uma melhoria na escola (estudo desenvolvimental, pouco frequente); 2) os efeitos da autoridade na realização tendo em conta os efeitos mediadores do encorajamento e do envolvimento. Os efeitos positivos atribuídos ao estilo educativo com autoridade podem ser mediados por um número de comportamentos educativos mais concretos e específicos; 3) os efeitos moderadores do estilo autoritativo na relação entre o envolvimento e o encorajamento, por um lado, e o sucesso, por outro; 4) o impacto do estilo democrático na realização numa população heterogénea étnica e sócioeconomicamente. Os resultados mostraram ainda o impacto do estilo autoritativo na realização escolar dos adolescentes; o papel mediador do envolvimento parental e do encorajamento académico; o papel mediador do estilo autoritativo. Não é só pelo estilo educativo que os pais influenciam o rendimento escolar dos filhos, senão também pelo envolvimento directo nas actividades escolares (falar com os professores, encorajar o sucesso, apoiar os trabalhos escolares que os filhos trazem para casa, etc.). A educação autoritativa é vista neste estudo como um estilo geral de educação que caracteriza o comportamento dos pais numa ampla variedade de situações, enquanto o encorajamento parental 154

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ao sucesso escolar e a participação nas actividades escolares são vistos como práticas particulares com fins educacionais específicos. Estas variáveis são menos estudadas, mas são importantes. Em geral os estudos indicam que os alunos cujos pais se envolvem mais na educação obtêm mais sucesso (cf. v.g. Stevenson e Baker, 1987). Os estudos indicam também que os alunos com mais sucesso têm pais que os encorajam mais e que este encorajamento é o primeiro mediador na conexão entre a classe social da família e a realização escolar (Sewell e Hauser, 1980). Steinberg et al. (1992) concluem que saber “como os pais expressam o seu envolvimento e encorajamento pode ser tão importante como saber se e em que medida o fazem” (p. 1279). Mas não se trata propriamente de uma explicação causal mas interactiva. Não é só um bom estilo educativo a promover o sucesso. Não se exclui a hipótese de que o sucesso do adolescente também provoca um estilo autoritativo nos pais (a relação entre as duas variáveis é recíproca). Pode também supor-se que a relação entre uma educação autoritativa e o sucesso seja simplesmente devida a uma terceira variável não mensurável. Apesar desta possibilidade, é mais plausível que seja o estilo autoritativo a favorecer o sucesso. E a magnitude desta relação não é trivial. O livro de Lautrey (1980) é também um exemplo da complexidade da relação entre os estilos educativos familiares e o sucesso cognitivo dos filhos, acentuando a importância das variáveis sociais mediadoras, inspirando-se na teoria de Piaget. Assim, o autor estuda o desenvolvimento intelectual dos filhos em função do meio familiar, este por sua vez dependente da classe social a que a família pertence. Lautrey conclui que “o sistema educativo familiar influenciaria o desenvolvimento cognitivo através de duas espécies de mecanismos, um actuando sobre o equilíbrio entre assimilação e acomodação, por meio da relação entre perturbações e regularidades (tipo de estruturação), e o outro intervindo sobre a actividade espontânea do sujeito (particularmente por meio do sistema de valores), podendo o jogo destes dois mecanismos tomar formas diferentes segundo a maneira como o sistema de valores e o tipo de estruturação se articulam dentro do sistema educativo familiar” (pp. 225-226).

Resumo Os estilos educativos parentais começaram a ser estudados particularmente depois das investigações levadas a cabo pelo Fels Research Institute e pelo Berkeley Grouth Study sobre o desenvolvimento da criança em diversas perspectivas. Foram aparecendo algumas variáveis ou factores mais importantes, acabando os autores por arrumá-los bipolarmente, sendo os esquemas de Schaefer e de Baumrind dos mais conhecidos e usados como ponto de © Universidade Aberta

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referência. No essencial eles são concordantes, embora não de todo coincidentes. Assim, podemos distinguir quatro estilos educativos parentais, cientes todavia de que não há estilos puros. Outros autores podem preferir esquemas diferentes. Quaisquer que sejam as práticas educativas parentais e o esforço para as catalogar, a verdade é que não é o mesmo uma educação familiar mais ou menos dialogante e centrada sobre a criança ou uma educação férrea e mais ou menos dictatorial, uma educação calorosa ou uma educação fria. As consequências fazem-se sentir, positiva ou negativamente, nos diversos âmbitos do desenvolvimento psicológico e projecção social dos filhos, designadamente no seu autoconceito, na inserção social e no seu rendimento académico.

Interrogações e sugestões Onde se basearam principalmente os diversos autores para o estudo dos estilos educativos parentais? Explique o esquema bipolar amor vs. hostilidade e autonomia vs. controlo. Trace esquematicamente a tipologia de Schaefer e a de Baumrind, tentando compará-las. No cruzamento dos dois eixos bipolares encontramos quatro estilos educativos parentais: descreva-os sumariamente. Outros autores tentam catalogar os estilos educativos parentais de outra forma: aluda particularmente ao esquema de Kellerhals e Montandon. Não é indiferente que a criança seja educada de uma forma ou de outra, mais ou menos democraticamente ou com mais ou menos amor; isso tem as suas implicações a todos os níveis: aponte particularmente as implicações dos estilos parentais no autoconceito e na inserção social dos filhos. E quais as implicações no desempenho escolar? Aluda a alguns estudos. Olhando à sua própria família, de que modo foi educado, ou eventualmente de que modo está a educar?

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Leitura complementar Para aprofundar os estilos educativos parentais, poderia ler-se algum texto original de Schaefer ou de Baumrind ou ainda de Maccoby e outros autores citados. Quanto às implicações das práticas educativas parentais no desenvolvimento psicológico da criança e no sucesso escolar, poderia ler-se alguns dos autores mais citados, particularmente Vaz Serra, Scott et al., Dekovic e Janssens, Steinberg.

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PARTE III A FAMÍLIA E A SOCIEDADE

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9. A Família e a Escola

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Objectivos de aprendizagem No final deste capítulo, dever-se-á estar apto a: • Explicar sumariamente a convergência e complementaridade entre a escola e a família. • Apontar algumas tipologias e modelos de relação entre os pais e a escola, e ainda alguns mecanismos de defesa. • Situar particularmente o caso português, servindo-se de alguns trabalhos de campo.

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Vimos nos capítulos anteriores essencialmente a família desde dentro - relação dos cônjuges entre si e com os filhos - embora nunca se trate duma célula ou ilha isolada, mas em interacção constante com o meio envolvente. Porém, nesta última parte queremos abordar mais expressamente algumas instituições que mais interagem com a família, particularmente a escola e os meios de comunicação social (televisão), e ainda algumas situações específicas que são também graves problemas sociais, como a terceira idade (famílias na velhice) e outros problemas socias (famílias anormais ou disfuncionais). A primeira grande abertura e contacto da família com o exterior faz-se essencialmente quando o(s) filho(s) entra(m) na escola. Actualmente a maior parte das crianças passa antes pelo jardim infantil ou pela pré-escola. Todavia, não estudaremos esta instituição que, por diversas razões, é menos significativa para a criança e para os pais, embora mitigue o choque da posterior entrada para a escola.

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Convergência e complementaridade

A saída da criança para a escola marca, duma forma determinante, não apenas a criança, mas também a família que se expõe pela primeira vez, duma forma mais visível (através do filho, do seu comportamento e realização escolar), à apreciação da comunidade envolvente. Quando a criança regressa a casa, traz consigo outro mundo de colegas, professores, novas relações, a que os pais também se têm de adaptar, para além da alteração eventual dos seus horários e mesmo das suas economias. Mas é a criança que mais ‘ginástica’ mental e afectiva tem de fazer na adaptação a uma nova vida, a novos colegas e superiores, a novas aprendizagens e valores, tendo de lançar mão de todas as competências até agora adquiridas no seio da família, na relação com os pais e com os irmãos, e no contacto com os colegas. A triangulação que antes existia – criança, pais, irmãos – pode desdobrar-se em duas: criança/aluno versus pais e professores; criança/aluno versus irmãos e colegas. O sucesso desta transição para um novo mundo dependerá em grande parte da qualidade do ambiente familiar mas também da escola, da capacidade dos professores captarem a simpatia da criança e fazer com que o grupo escolar funcione bem. Hoje, mais do que nunca, acentua-se a importância da interacção família-escola ou pais-professores, e vice-versa (Castellan, 1993; Diez, 1989; Honoré, 1980; Mariet (Dir.),1989; Marques, 1988; Martinez, 1989), existindo mesmo programas para envolver os pais na dinâmica escolar (cf. Kroth, 1989; Nye, 1989). Já os grandes pioneiros da Escola Nova ou da nova pedagogia, como Decroly, Freinet, Montessori, tinham insistido na importância da relação escola-família. Porém, só recentemente se levaram a cabo numerosas pesquisas sobre o impacto da família para a realização escolar dos alunos. © Universidade Aberta

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Nos anos 60 pedia-se aos pais para reforçarem as aprendizagens escolares dos filhos. Na década de 70 falava-se de complementaridade recíproca entre a família e a escola. Nos anos 80 pediu-se aos professores uma colaboração estreita com a família para melhor compreensão do ambiente natural da criança e no intuito de comprometer os pais na vida escolar (Macbeth, 1984). Na década de 90 insistiu-se mais com os pais para se fazerem presentes na vida escolar. Mas infelizmente nem os pais nem os professores foram preparados para isso. Ninguém melhor que os professores poderia educar e mentalizar os pais para a necessidade de uma maior colaboração família-escola, tornandoos educadores dos educadores. Na formação de professores insiste-se hoje muito na vertente psicopedagógica, que não apenas científica (cf. e.g. Abreu, 1996; Raposo, 1995), mas faltam alusões à importância da família e ao modo como lidar com os encarregados de educação. Na relação entre a família e a escola, já muito estudada mas sempre a adquirir novos contornos, tende actualmente a dar-se mais importância às famílias e a pedir-se aos professores que abram a escola aos pais e que estes se disponham a colaborar melhor com a escola, pois são os primeiros responsáveis e educadores dos alunos-filhos ou, melhor, dos filhos-alunos. Poussin (1999, p. 158), afirma que a escola tende cada vez mais a esbater o papel dos pais ou a suprimir a “cultura” parental. Porém, a sua função deve ser antes promover os pais e ajudá-los na difícil tarefa educativa, sem de modo algum pretender substituir-se a eles. Muitos estudos confirmam e apoiam a necessidade da interacção família-escola para a promoção do educando em todas as dimensões, e sobretudo para o seu sucesso escolar. Autores há que se debruçam sobre o processo e os factores subjacentes a esta interacção, como é o caso de Grolnick et al. (1997) que, estudando uma amostra de mães, de crianças e de professores, procuram compreender melhor os preditores do envolvimento parental durante a escolarização dos filhos. Trata-se dum problema complexo dependente da personalidade e das variáveis contextuais que envolvem os agentes familiares e escolares, interagindo ainda com a idade e o sexo dos filhos, tornando-se necessária uma abordagem multidimensional. Adams e Christenson (2000) insistem na importância de que se reveste a confiança que os pais depositam na escola e os professores na família e na sua relação com a escola para o bom funcionamento da instituição escolar, concluindo que é maior a confiança mútua durante os primeiros anos de escolaridade dos filhos e que os pais se avantajam mais do que os professores nesse voto de confiança. Porcher (in Mariet, 1981, pp. 60-72) pensa que recentemente se tem assistido a uma complementaridade entre a escola e a família, chegando as duas instituições a tornar-se quase redundantes ou sobrepostas, isto é, a escola quase deixou de instruir para pretender educar, fazendo o mesmo papel da 166

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família. No passado, a família era praticamente o único lugar educativo e fazia tudo. Depois a escola assumiu o papel de instruir. Posteriormente, quase abdicou de ensinar para se tornar um lugar “eudemónico”, onde a criança se sentisse tão bem ou melhor do que na família: escola como “família exemplar”. Isto quase em reacção aos exageros anteriores. Na verdade, a escola tinha sido (e continua a ser em muitas partes) um lugar apenas de transmissão de conhecimentos, um enche-cabeças, uma máquina de preparar para os exames, praticando uma “educação bancária” (Paulo Freire). Assim, surgiu a reacção, em grande parte por mãos da pedagogia não directiva e das “escolas novas”. O aluno é visto mais como criança do que como aluno, assistindo-se a uma espécie de “descolarização” da escola, embora não no sentido que lhe dão os defensores da mudança radical da escola (por ex. Bourdieu e Passeron) ou os teóricos da desescolarização, como Illich. Mas as maravilhas duma escola eudemónica, centrada na criança e na sua felicidade e liberdade, podem agravar mais as diferenças sociais, em vez de as colmatar, e é esta uma das críticas mais cerradas que faz Snyders (1972) às pedagogias não directivas. Como dizia Lacordaire no século XIX: “entre o forte e o fraco, é a liberdade que oprime e a lei que liberta”. Interessa que a escola não espartilhe mais o pelotão mas que tente conservá-lo unido. Contudo, se a escola é para ensinar, conseguirá assim aproximar as distâncias, ou não serão os filhos das classes mais favorecidas novamente a ter maior sucesso? Talvez Snyders também seja utópico. A escola deve ser lugar de educação global, sem descurar o ensino-aprendizagem propriamente dito, mas atenta a todas as potencialidades da criança, sem contudo ter a pretensão de poder fazer tudo e de se substituir à família. A família, por seu lado, embora invista mais na educação sócio-afectiva, não pode descuidar a formação intelectual. São instituições complementares, convergentes na diversidade de meios e fins. E as duas instituições têm de contar com outras instâncias educativas, como os meios de comunicação social. Epstein (1990), depois de constatar o pouco interesse que os estudiosos têm devotado a este problema, afirma a necessidade duma boa “conexão” ou envolvimento das duas instituições, respeitando mutuamente a identidade de cada uma, ponto de vista que contrasta com três perspectivas que têm defendido quer a separação (separateness), quer a continuação (sequencing), quer ainda o encaixe ou a sobreposição (embeddedness – overlapping) das duas instituições. Muitas investigações têm concluído sobre as vantagens de os pais suportarem e encorajarem as actividades escolares, suporte que vem principalmente das classes mais favorecidas. Outra linha de investigação centra-se na influência que a escola pode ter na família, procurando mesmo levar os pais a mudar de comportamento para o bem académico e afectivo dos filhos-alunos.

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Connors e Epstein (in Bornstein, 1995, IV, pp. 437-458) abordam o problema ao terminar o último volume de Handbook of Parenting. Depois duma perspectiva histórica onde se pode notar a conflituosidade entre estas duas instituições, e de apresentarem as diversas teorias sobre a relação família-escola (separação, compenetração, sobreposição), os autores estudam a natureza dessa participação e colaboração, quer na escola quer na família. Após um período em que ambas as instituições andaram de costas voltadas, talvez dadas as mudanças que iam sofrendo, a ritmo acelerado, é necessário que ambas se dêem as mãos, abrindo-se também à comunidade mais ampla, em ordem a uma educação integral e convergente dos alunos-filhos. Honoré (1980), apesar de reflectir um certo “desencanto” que se verifica na relação professores-pais, propõe algumas pistas para melhorar a situação, em prol das duas instituições. A escola não pode viver sem a família, nem esta sem aquela; são dois sistemas que não se podem ignorar, sob pena de prejudicarem a obra educativa, e em particular a aprendizagem. A escola faz parte da vida quotidiana de cada família com filhos em idade escolar, família que por sua vez controla, directa ou indirectamente, a escola, mais agora, por exemplo em Portugal, em que a lei permite e estimula a intervenção dos pais, a diversos níveis, na escola. Porém, o diálogo entre as duas instituições nem sempre é fácil, e por vezes é “desigual e frágil” dado os pais encontrarem um corpo docente organizado e muitas vezes hermético, concebido para funcionar negociando pouco com os utentes. Quando os pais procuram forçar as portas, os professores podem reagir mais ou menos defensiva ou receptivamente (Montandon e Perrenoud, 1987, pp. 7-22). O arco de ponte entre estes dois pólos ou a razão de ser do diálogo família-escola, são evidentemente as crianças-alunos. A escola transforma os filhos em ‘alunos’ e os pais em ‘pais de alunos’, e a família transforma os professores em ‘professores de filhos’. A ‘criança-aluno’ ou ‘aluno-filho’ é o go-between, o “mensageiro e a mensagem” entre a família e a escola. É o “mediador” entre as duas instituições que liga através da metacomunicação. Em linguagem informática, o aluno pode ser chamado interface, e na linguagem parapsicológica, medium entre pais e professores, não sendo, porém, ‘neutro’ mas interveniente activo ou ‘actor’ neste processo relacional (Perrenoud, 1987, pp. 49-87). Trata-se de um processo “dialéctico”, podendo as crianças-alunos usar diversas “estratégias de protecção” para se defenderem das influências da escola e/ou da família, ou “estratégias de dramatização”, ampliando as influências. Os filhos-alunos sabem muitas vezes pôr os pais contra os professores e vice-versa. Ambos os agentes educativos devem estar atentos para não entrar neste jogo,

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embora por vezes também o favoreçam falando mal uns dos outros (Perrenoud, 1987, pp. 159-163). Existem muitos trabalhos sobre a influência da família na escola, mas a maior parte, no dizer de Montandon (1987), limitam-se a constatar o facto em vez de tentar compreender o processo. Por isso, este autor realiza um interessante estudo exploratório com 10 famílias, interpretando os seus diversos modelos de funcionamento (grau de flexibilidade, coesão e confiança) e as suas implicações ou repercussões na escola. Monnier e Pourtois (1987) insistem particularmente na formação dos professores, dado que a maioria deles não estão preparados para dialogarem proveitosamente com os pais. Assim, os autores apresentam um programa para formar os professores na relação escola-família, tanto mais que está a emergir um novo tipo de professor com uma forte conotação social. Almagro (1986) estuda a relação família-escola numa perspectiva sistémica, insistindo na necessidade de cooperação entre estes dois subsistemas, pois “a escola não opera com indivíduos isentos de toda a influência, não parte do zero no seu trabalho educativo” (p. 460). A família influencia grandemente não só a configuração da personalidade, e em particular a cognição e o código linguístico da criança, mas também mais concretamente o rendimento escolar e o comportamento na sala de aula. Quanto ao sucesso escolar, ele não depende unicamente do status sócioeconómico da família (seria uma causalidade redutora e demasiado socializante), mas também do nível cultural dos pais, do seu código linguístico, da estruturação do meio familiar, da interacção da mãe com a criança, etc., embora estes factores estejam relacionados com o estatuto social. Mas não é lícito estabelecer uma “causalidade linear” entre o clima educativo familiar e o rendimento escolar, antes uma “causalidade circular”, pois também a realização escolar pode interferir no clima familiar. O ambiente familiar influencia igualmente o comportamento na sala de aula. A relação do aluno com o professor tende a reflectir a relação que aquele tem em casa com os pais e os irmãos. Blair, Jones e Simpson (1968) investigaram o efeito da disciplina dos pais sobre a personalidade das crianças e sobre o seu comportamento escolar, concluindo que a demasiada severidade dos pais pode tornar os filhos agressivos, instáveis e antidemocráticos, com reflexos também na escola (cf. Mayor (Dir.), 1986, pp. 459-463). Muitos outros estudos se poderiam citar sobre como melhorar a comunicação professores-pais ou escola-família em ordem a um melhor clima escolar (e familiar) e a um maior rendimento académico (Gelfer, 1991; Haynes et al., 1989; Russel, 1986; Stevenson e Baker, 1987), sobre estratégias para resolver

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o conflito dos pais com a escola (Margolis e Brannigan, 1990), mais concretamente sobre um maior envolvimento dos pais na aprendizagem da leitura (Drummond et al., 1990; Hannon, 1987; Hewison, 1988) ou na superação da dislexia (Acklaw e Gupta, 1991; Wilson e Simmons, 1989). Outros estudos insistem ainda na análise sistémica e ecológica da interacção escola-família (Evequoz, 1988; Power e Bartholomew, 1987). Há autores que procuram mesmo criar instrumentos que permitam avaliar o envolvimento da família na escola, como é o caso do Family Involvement Questionnaire (FIQ) de Fantuzzo, Tighe e Childs (2000), tendo em vista crianças pequenas, e que se revelou ser um questionário tridimensional. Também Kohl, Lengua e McMahon (2000) estudam o envolvimento parental na escola que contribui para o sucesso escolar e o desenvolvimento social das crianças, procurando outrossim encontrar instrumentos de avaliação rigorosa sobre este envolvimento que é multidimensional. Os psicólogos educacionais que trabalham nas escolas devem contribuir para lançar pontes entre a escola e a família em ordem a um melhor funcionamento de ambas as instituições para bem dos formandos (cf. Abreu, 1996; Bartell, 1995; Woody, 1989). A necessidade desta colaboração não se faz sem exigências éticas por parte dos psicólogos escolares, como responsabilidade, competência, confidencialidade, evitamento de estereótipos e compreensão dos valores familiares. Autores há que estudam as questões éticas na relação do psicólogo com as famílias (e. g. Vetere e Gale, 1987).

9.2

Tipologias, modelos e mecanismos de defesa

Dutercq (2001) constata que a presença e influência dos pais na escola, por diversas razões, ainda é insuficiente e fragmentada, que os estudos se fixam sobretudo no diálogo difícil entre professores e pais sem apontar soluções, que os pais se preocupam (os que se preocupam) predominantemente com a segurança na escola, com os horários, com os seus direitos sociais, e menos com os conteúdos e métodos de ensino/aprendizagem e com a educação integral dos seus filhos na escola. Analisando o comportamento dos pais nalguns colégios particulares franceses, o autor nota uma grande gama diversificada de participação (individual e colectiva) dos pais, desde o absentismo total ao “consumismo individualista”, isto é, aqueles pais que não deixam a escola, intrometendo-se em tudo. Dutercq conclui apontando uma tipologia de pais de alunos: pais participantes (participativos), pais oposicionistas (políticocríticos), pais ausentes (retirados, fantasmas). É de toda a conveniência ajudar os pais a serem cada vez mais participativos, o que não exclui uma crítica

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construtiva em prol de uma melhor convergência de todos os agentes educativos para uma educação integral dos alunos/filhos. Bouchard (in Castellan, 1993, pp. 157-158) alude também a uma espécie de tipologia educativa das famílias segundo três modelos principais: 1) o modelo racional acentua o primado do saber, em vista duma profissão ambiciosa para o filho, e daí a valorização dos professores; é o modelo onde a comunicação entre a família e a escola funciona melhor; 2) o modelo humanista considera que o saber não é o principal, antes o desenvolvimento pleno das potencialidades da criança em todas as dimensões. O professor é apenas um entre outros educadores. Os pais podem pedir-lhe eventualmente ajuda e colaboração, mas eles continuam a ser a trave-mestra principal da educação; 3) o modelo simbiossinérgico aponta para o primado do colectivo. A criança deve desenvolver-se a partir dum conjunto de sinergias, entre as quais a escola e os professores. O projecto parental está centrado no melhor, a nível individual e colectivo, para o filho. Daqui se deduz a complexidade da colaboração entre a família e a escola e a difícil situação dos professores frente a expectativas e exigências muito diversificadas dos pais, que os consideram como comunicadores do saber mas também como formadores em todas as dimensões, dando-lhes mais ou menos importância. Segundo Morval (in Castellan, 1993, p 159), muitas famílias são discretas na colaboração com a escola, mesmo quando os professores a solicitam, devido a diversos mecanismos de defesa ou a eventuais problemas psíquicos. Efectivamente, a família corre o risco de sofrer: 1) de narcisismo: o criador é julgado pela sua obra; se a criança não obtém sucesso, são os pais também que são ‘chumbados’; 2) de julgamento exterior sobre a sua estrutura, as suas intenções, estando sujeita à crítica a partir da escola; 3) de memória, porque os insucessos dos filhos relembram os próprios fracassos dos pais na sua infância, revivendo o possível encontro com os seus antigos professores nos actuais professores dos filhos; 4) de descaracterização do projecto parental devido aos ventos contrários provindos da escola, o que pode gerar um certo ressentimento, ciúme, inquietação, sentimento de despojamento.

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Isto explica a circunspecção não apenas do lado dos pais mas também dos professores, que podem ser assaltados inconscientemente por mecanismos de defesa idênticos, o que leva à insegurança das duas instituições. Mas, apesar de tudo, a interacção família-escola vai funcionando. Não obstante, importa que professores e pais sejam educados no sentido de potenciar uma melhor relação, principalmente quando se trata de crianças ou adolescentes em perigo, devido a comportamentos disruptivos ou a perturbações afectivas, e ainda quando se está perante casos graves de insucesso escolar que pode trazer outras consequências. É melhor prevenir que remediar. Isto é verdade em todos os sentidos, a começar pela disciplina, problema momentoso hoje nas escolas pejadas de indisciplina e mesmo de violência (cf. e.g. Estrela, 1998; Veiga, 1999). Se não há colaboração e sintonia entre a família e a escola, não é possível tentar resolver esta e outras situações. Todos os educadores são poucos para (re)construir a personalidade do educando. Os alunos-filhos são os primeiros interessados e recompensados por um bom entendimento escola-família. Não são apenas os pais e os professores que têm a palavra na educação, mas os alunos-filhos, que muitas vezes, conforme a idade ou outros factores, têm visões diferentes do papel da escola (e da família) na sua educação (Barros, 1994). A criança e o adolescente pode considerar a escola e a aprendizagem como um obstáculo aos seus sonhos (de ar livre, de jogar e estar com os colegas, de aprender outras coisas) e não como um meio para atingir os seus fins. Mais do que um lugar de bem-estar e de sucesso, a escola pode ser vista como uma cadeia e um lugar de mal-estar. Depende da idade e da idiossincrasia do aluno, do meio social, da escola e dos seus professores, da família e do meio ambiente em geral que rodeia a criança.

9.3

Situação em Portugal

Referindo-nos concretamente a Portugal, sobre o envolvimento dos pais na escola, deve aludir-se a um estudo empírico levado a cabo em 1987, nos jardins infantis e nas escolas do 1º e 2º ciclo do básico, por uma equipa de investigadores liderada por Don Davies (1989), estudo também realizado nos Estados Unidos e na Inglaterra. Consta de entrevistas feitas a pais e professores. Embora se trate dum estudo exploratório sem grandes preocupações quanto ao critério de selecção da amostra, os autores estão convencidos de que na realidade a amostra se pode considerar representativa de pais com baixo nível sócio-económico e que os resultados espelham a realidade. Os autores pensam que o envolvimento dos pais na escola traz grandes vantagens não apenas para o sucesso escolar dos filhos, mas para os próprios pais e professores e bem assim para o desenvolvimento duma sociedade democrática. Todavia, há vários obstáculos 172

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ao envolvimento parental, como o baixo estatuto sociocultural dos pais, os conflitos entre as funções da família e da escola e as suas características organizacionais (por exemplo, na família a criança é tratada como indivíduo e na escola como grupo, na família as relações são prolongadas e na escola transitórias). Na sequência de outras investigações, este estudo prova que são os filhos e os pais de classe sociocultural mais baixa os que mais lucram com um maior envolvimento na escola, mas são precisamente estes que têm maiores dificuldades em participar. Por outro lado, os professores, pensando na família, têm em mente uma classe média que muitas vezes não existe e que defrauda as suas expectativas, para além dos professores sentirem que a comunidade, e mesmo a família, os menospreza. Daí resulta que a imagem que os professores fazem da colaboração da família com a escola é menos positiva do que a imagem que os pais têm da escola e dos professores. Ou então os professores tendem a limitar o envolvimento dos pais na escola ao seu empenhamento no estudo dos filhos em casa e na disciplina. Em geral os pais respondiam que pouco ajudavam os filhos nos deveres escolares, por não saberem ou por não terem tempo, mas que gostariam de colaborar mais com a escola. Muitos confessam, por exemplo, que não gostam de receber mensagens escritas dos professores porque ou não as compreendem ou porque trazem sempre más notícias. Há pais que, embora não sabendo muito bem como interagir melhor com a escola e com os professores, manifestam esse desejo e gostariam que a escola também contribuísse para a sua própria educação (educação de adultos). Na realidade, porque é que a escola não cria programas de alfabetização de adultos? Outros autores (e.g. Abreu, 1996, pp. 41-66) se interessaram pelas atitudes dos pais em relação à escola e realçaram a importância do seu envolvimento para um bom rendimento escolar, tendo em conta diversas variáveis socioculturais. Tentando também compreender a percepção que os pais e os filhos-alunos têm da escola e da sua relação com a família, passou-se um questionário a 226 casais e a 344 filhos-alunos do ensino secundário e universitário (cf. Barros, 1994). Resumindo os resultados principais, pode afirmar-se, no que toca à percepção que os pais têm da escola, que ela é positiva, embora gostassem de ver maior contacto entre ela e a família. Os pais preocupam-se sobretudo com os resultados escolares dos filhos, mas também com os tempos livres passados na escola. É realçada a importância que reveste o ambiente familiar para o sucesso. É igualmente positiva a ideia que têm dos professores, se bem que façam reparos ao seu absentismo e a alguns métodos de ensino. Quanto à diferença de respostas por sexo, elas são poucas, tendendo o pai a ser mais optimista quanto à escola e aos professores, talvez porque tem menos conhecimento da situação, dado que são as mães que ajudam mais os filhos © Universidade Aberta

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nos estudos, que se preocupam mais com os maus resultados e que contactam mais com a escola. Um outro estudo português provou também o papel mais positivo da mãe na relação família-escola (Abreu, Borges e Silva, 1990). Estes resultados não se afastam substancialmente dos encontrados por Kellerhals e Montandon (1991, pp. 174-181), que procuraram sondar a missão que os pais atribuem à escola e o seu grau de participação na empresa escolar. A respeito da missão da escola, os pais investem-na essencialmente de uma vocação técnica ou científica e menos de uma vocação ideológica (problemas sociais, educação moral e artística) ou prática (higiene, educação sexual, lides caseiras, etc.). No que tange à participação dos pais no projecto escolar (através do contacto com os professores, do acompanhamento do trabalho escolar dos filhos e da influência ou desejo de intervir nas orientações escolares) nota-se que uma larga percentagem dos pais, principalmente as mães, contactam directa ou indirectamente (através do telefone, etc.) com os professores, embora, em geral, não desejem aumentar esses contactos. Por outro lado, quase a totalidade dos pais ajudam os filhos nos trabalhos escolares que trazem para casa. Apesar disso, não desejam influenciar mais directamente as orientações escolares (por exemplo, os programas), o que pode ser interpretado como desejo de colaborar mas sem se intrometerem em demasia nas competências específicas da escola e dos professores, pelas mais diversas razões, incluindo talvez o desejo de que os professores não interfiram também muito na família. Os pais privilegiam ainda a colaboração individual sobre a colectiva ( associações de pais, etc.). No que concerne à percepção dos filhos sobre a relação família-escola, pode afirmar-se que, em geral, os filhos julgam que os pais se interessam pelos seus estudos, seguem a sua evolução na escola e estão satisfeitos com ela e com os professores, o que de qualquer modo vem corroborar o que os pais disseram. Quanto às diferenças nas respostas por sexo, os rapazes crêem que os pais desejam mais aplicação nos estudos, sentindo-se mais obrigados a estudar, enquanto as raparigas julgam que os pais se sentem mais satisfeitos com os seus resultados e são mais encorajadas a estudar. E quais as expectativas dos professores a respeito da família? Dado não se ter passado um questionário a professores para ver a percepção que têm da relação escola-família e do contributo positivo ou negativo dos pais para o bom funcionamento da escola e da aprendizagem, servimo-nos de outros estudos, aliás menos abundantes do que os realizados com pais, para analisar também o ponto de vista dos professores. Sermet (1985), analisando as expectativas de uma dezena de professores primários, constatou que eles atribuem aos pais amplas responsabilidades 174

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quanto ao trabalho escolar e ao comportamento do filho na escola, ao mesmo tempo que exprimem um certo cepticismo quanto à vontade dos pais em exercer a sua responsabilidade e quanto às suas competências para o fazer. Um estudo de Chase (1985), sobre o grau de satisfação dos professores, pôde concluir que, em geral, os docentes se sentem satisfeitos com as condições de trabalho, a disciplina na sala de aula, os currícula e as condições de ensino. Menos satisfeitos se mostram com a relação escola-comunidade, com a preparação que a escola faz para a vida e ainda com a formação em serviço. O questionário que Chase usou constava de 64 itens, 5 dos quis visavam a relação escola-comunidade: 1. Até que ponto considera úteis os contactos com os pais? 2. Até que ponto conhece os pais dos seus alunos? 3. Qual a sua avaliação sobre a consideração que a comunidade tem do estatuto do professor? 4. Como avalia o trabalho que a escola faz para informar os pais sobre o seu andamento? 5. Qual a sua opinião sobre o nível de conhecimento que os pais possuem a respeito da escola e do seu programa? O item 1 obteve a média mais elevada entre todos os itens do questionário (4.3, sobre 5, que era o máximo de apreciação positiva). Os itens 3 e 4 também receberam cotações bastante altas, superiores à média, enquanto os itens 2 e 5 foram cotados abaixo ou mesmo muito abaixo (no caso do 2) da média. Pode assim concluir-se que os professores desejam muito os contactos com os pais e pensam que a escola desenvolve esforços para os ter informados, mas os pais sabem pouco do andamento da escola e dos seus programas, e os professores desconhecem os pais dos seus alunos, apesar do desejo de contactar com eles. Os professores consideram ainda que a comunidade aprecia bastante o seu estatuto. Pode deduzir-se deste estudo que os professores se interessam mais pela família do que esta pela escola. Lester (1987) passou também um questionário a professores, com 3 itens, visando implicitamente a família, e onde se controlava o “reconhecimento” da comunidade (incluindo os pais) pelo trabalho dos professores. Mas não se podem tirar grandes conclusões deste estudo. Barros, Neto e Barros (1991) procuraram também controlar as causas principais de satisfação e de descontentamento dos professores, concluindo que a família e a sua relação com a escola pouco conta para o nível de satisfação dos professores. Pode concluir-se que, apesar de teoricamente ambos os agentes educativos estarem convencidos da importância de uma maior interacção família-escola, © Universidade Aberta

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as duas instituições continuam ainda bastante de costas voltadas uma para a outra. Professores e pais devem passar mais à prática, começando por analisar as causas do mútuo desconhecimento, para bem de todos e principalmente dos alunos-filhos ou filhos-alunos. Talvez o maior passo deva ser dado pelos professores, tornando-se educadores dos educadores; mas os pais, ajudados pelos docentes, podem e devem, individualmente e em associação, interessarse mais pela escola, superando todas as dificuldades, dada a complexidade educativa exigir total convergência de esforços.

Resumo Há muita bibliografia que insiste na necessidade duma maior convergência e complementaridade entre as duas grandes instituições educativas que são a família e a escola. Ao longo dos tempos foi-se insistindo mais nos profesores e/ou nos pais e em distintos aspectos. Mas é evidente que todos teriam a lucrar com uma maior simbiose entre família e escola. Era necessário, quer por parte dos professores, quer dos pais, promover maiores contactos. Os pais pensam nos objectivos da escola diferentemente. Os autores apontam diversos modelos e também vários mecanismos de defesa dos pais para não irem à escola. A situação em Portugal foi estudada em alguns trabalhos de campo, concluindose que o caminho a percorrer para uma maior colaboração educativa ainda é grande.

Interrogações e sugestões Trace um esboço histórico sobre as relações entre a escola e a família. São diversificadas as razões por que os pais não vão à escola ou colaboram pouco com os professores: a culpa é mais deles ou dos professores? Os pais têm expectativas diversificadas quanto à escola: aponte algum modelo. É capaz de indicar alguns mecanismos de defesa que inibem os pais de comparecerem na escola? Apresente alguns dados concretos da situação em Portugal. Será que presentemente a situação está a mudar ou as coisas continuam na mesma? Como sugestão poderia tentar passar um breve questionário quer a professores quer a pais sobre o interesse duma colaboração maior entre a escola e a família e as razões por que isso não acontece. 176

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Leitura complementar Sobre a relação entre a família e a escola pode ler-se Mariet (1981) tentando completar as duas últimas décadas com algum autor mais recente, como Kohl et al. (2000) ou Dutercq (2001). No livro de Castellan (1993) podem encontrarse outras referências importantes. Para o caso português leia-se o livro editado por Don Davies (1989).

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10. Meios de Comunicação Social (televisão) e Família

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Objectivos de aprendizagem Pretende-se com este breve capítulo que o leitor esteja apto a: • Discorrer brevemente sobre a importância que os meios de comunicação social, em particular a TV, revestem para a escola e a família, sobre o seu contributo para o sucesso escolar. • Compreender os principais aspectos positivos e negativos do uso destes meios.

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É por demais evidente a influência que a TV exerce nas famílias, tomando o lugar mais importante na casa e o tempo mais nobre, sendo imprescindível no ritmo quotidiano. A influência da TV manifesta-se não apenas nas programações directas, através de tantos canais de antena ou por cabo, mas ainda nas videocassetes sobre os mais variados temas e sempre ao dispor. Os mais novos usam sobretudo os videojogos ou os jogos por computador. O computador, com todas as suas potencialidades, está a absorver mais horas do que a televisão, sobretudo devido à Internet cujas ‘auto-estradas’ são percorridas por centenas de milhões de utentes, havendo pessoas, a começar pelos jovens, que quase não conseguem desligar-se das suas imensas possibilidades, e cuja habituação ou viciação pode funcionar quase como uma ‘droga’. Recentemente tem-se publicado bastante bibliografia sobre o computador e a Internet desde as mais diversas perspectivas, como as influências nas relações domésticas (Kiesler, 2000), perspectivas educacionais (Turow, 2001) e mesmo ciberaconselhamento ou a Internet como meio de aconselhamento das famílias (Jencius e Sager, 2001), Porém, vamos referir-nos primordialmente à TV e à sua influência na família e na escola. Deixamos sem aprofundar temas sempre recorrentes, como a influência de cenas violentas na agressividade das pessoas, sobretudo dos mais novos. Conforme as diversas correntes psicológicas, assim os autores atribuem mais ou menos ‘culpa’ à TV. Enquanto, por exemplo, um teórico da aprendizagem social ou um behaviorista acredita que a violência vista é susceptível de ser imitada ou ‘modelar’ o comportamento da pessoa, podendo funcionar como reforço, um psicanalista julga que as cenas violentas podem de algum modo servir como catarsis da pessoa violenta, sentindo-se assim mais libertada. Mas parece prevalecer a explicação anterior, havendo estudos (cf. e.g. Bandura, Ross e Ross, 1963, sobre os filmes violentos) que apontavam para a imitação dos modelos agressivos por parte das crianças e que infelizmente alguns casos dramáticos parecem certificar. Em todo o caso, é necessário considerar outras variáveis de personalidade e contextuais, pois as mesmas situações violentas produzem efeitos diversificados conforme as pessoas que as presenciam e as diversas circunstâncias em presença. Foi a conclusão a que chegaram, por exemplo, Matos e Ferreira (1998) com um grupo de adolescentes. Porém, neste momento interessa-nos particularmente as implicações psicopedagógicas da TV na interacção da família com a escola e no sucesso escolar.

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10.1

Influência da TV na escola e na família

Judite Lazar (1985) estuda especificamente a relação entre a escola e a televisão, mostrando-se talvez demasiado optimista. No Prefácio a este livro, Dienzeide faz notar que, através da TV, todo o mundo entra na criança, que passa mais tempo diante do aparelho televisivo do que na relação com os pais. Segundo Lazar, a TV não pode servir de “bode expiatório” para a crise da escola, pois já antes do seu aparecimento, a escola estava em crise. A instituição escolar, em vez de sentir a televisão como concorrente, devia senti-la como complementar e ajudar as crianças a comportar-se criticamente diante do écran. Além disso, a escola devia tornar-se mais viva, a exemplo e sob o estímulo da sua concorrente, para que as crianças não sentissem a escola monótona e desinteressante, ao contrário da TV, com cujo ritmo se identificam mais. De qualquer forma, esta trepidante “epidemia de imagens” ou “revolução icónica” (p. 22) tornou-se um fenómeno social e não apenas um lazer. Judite Lazar considera que a TV, essa “máquina maravilhosa de comunicar”, “revolucionou profundamente os antigos valores sociais e culturais, o comportamento tradicional, bem como os costumes e a percepção” (p. 173). Esta “mudança tempestuosa” foi muito mal recebida pela escola, ciosa dos seus privilégios, caminhando a passos lentos, enquanto o mundo, reflectido pela TV, corre a passos de gigante. Lazar rebate alguns “vícios” atribuídos à televisão, em particular o tornar passivo o indivíduo (criança), o esbater a fronteira entre o real e o imaginário, o ser fonte de medos para a criança. Na realidade, estes possíveis malefícios televisivos não são tão evidentes, embora seja verdade que a TV gera nas crianças vários estereótipos. A TV transformou-se numa “escola paralela” (expressão de Friedmann, em Le Monde) e é o primeiro meio sério capaz de destruir o sistema escolar esclerosado. Ela acompanha o ritmo acelerado das crianças, volta-se para o futuro, faz apelo a todos os sentidos, ao contrário da escola que é lenta, baseada no passado e privilegiando a palavra e o ouvido. Muitos professores ainda não se deram conta da importância deste novo “educador”, e consideram que a televisão não modifica sensivelmente o papel da escola, segundo um inquérito referido por Lazar (1985), onde os professores julgam a TV como complementar à acção educativa, ideia que parece demasiado “optimista”. De qualquer forma, as duas instituições “podem caminhar de mãos dadas, completar-se, tirar o máximo proveito da sua simbiose” (p. 40). Mas infelizmente isso não tem acontecido. Não se pode esperar que a televisão seja panaceia capaz de resolver todos os problemas deixados pela escola. Mas poderá ajudar, desde que a escola, por 184

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sua vez, ajude as crianças a ver a TV com olhar mais crítico. Para isso, a escola deve abrir as portas à TV, como Freinet as abriu à imprensa, a fim de que a criança se familiarize positivamente com a “aprendizagem icónica”. Sem culpar directamente os professores do fosso cavado entre a “cultura antiga” e a “cultura televisiva”, é verdade que também eles são responsáveis da “enorme dicotomia” entre a nova geração, crescida no seio dos mass-media, e a oferta inadaptada da escola. Em todo o caso, não nos podemos conformar com a “ruptura irreversível entre a escola e a televisão” (p. 175). Mariet (1989) aporta ideias semelhantes, defendendo a televisão dos ataques que lhe são feitos, tornando-a “bode expiatório” de todos os males. As crianças fazem dela um uso “policromado” e não “monocolor”. Em vez de os educadores continuarem a lamentar-se, devem antes educar a criança para o bom uso deste instrumento de comunicação, criando “um novo espírito televisivo”. À escola compete fundamentalmente tal educação. Porém, Castellan (1993, pp. 162-165), mostra-se menos optimista, estudando particularmente a relação da televisão com a família e o seu papel na educação das crianças. A família deve incorporar o fenómeno televisivo na sua dinâmica e procurar enriquecer-se com ele. Entre as duas instituições, “nem deve haver aliança nem rivalidade”. Não importa ignorar ou apenas criticar este “facto social” que é a televisão e que se integra nos ritmos quotidianos da família, como uma espécie de “ritual televisivo familiar”, segundo expressão de Lurçat (1984). Sem menosprezar os aspectos positivos do fenómeno televisivo, não se trata para além de tantas banalidades, com influências nefastas particularmente nas crianças e adolescentes.

10.2

Perspectiva dos pais e dos filhos sobre a TV

Tentando compreender a percepção que os pais e os filhos têm do lazer em geral, e em particular da televisão, passou-se um questionário a 226 casais e a 344 filhos-alunos do ensino secundário e universitário (cf. Barros, 1994). No que toca à TV, muitos pais duvidam do seu valor educativo e consideram que prejudicou o diálogo na família, podendo ainda ser fautora de violência. Mas não se pode dizer que a televisão saia muito condenada, mostrando os pais bastante tolerância. As respostas dos pais não se afastam substancialmente das obtidas no inquérito de Kellerhals e Montandon (1991, pp. 181-187) onde parece que os pais controlam bastante os filhos neste domínio, não parecendo muito convencidos do seu papel educativo, dando a impressão de tolerá-la sem entusiasmo especial, considerando-a como simples divertimento. © Universidade Aberta

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No que tange aos filhos, estes manifestam uma imagem bastante liberal dos pais e da educação que eles praticam, por exemplo, deixando-os à vontade ir ao cinema e ver televisão. Esta liberdade é maior quando os filhos são mais velhos, mas há poucas diferenças significativas nas respostas entre os alunos do ensino secundário e universitário. Também não são significativas as diferenças por sexo.

Resumo O grande avanço informático dos últimos tempos com o uso cada vez mais generalizado da Internet e das suas imensas potencialidades para a educação, pode levar a pensar que a TV, as videocassetes, etc. já estejam ultrapassadas. Mas na realidade os mass media, e em particular a televisão, têm um papel relevante na educação, quer familiar quer escolar. É necessário compreender os seus aspectos positivos e negativos, os prós e contras do seu uso generalizado em ambiente escolar e familiar, Apesar de algumas influências negativas, sobretudo na promoção da violência e do erotismo exacerbado, os contributos positivos devem ser aproveitados, quer pela escola, quer pela família.

Interrogações e sugestões Qual a sua perspectiva sobre o contributo da Internet para a educação escolar e familiar? Acha que a Internet e os computadores relegaram para segundo plano a importância da TV? Quais as principais críticas apontadas à televisão? Aprecie-as criticamente. Que pensa da relação entre a TV e a violência, hoje tão generalizada, mesmo no âmbito da escola? Tentar aprofundar algum dos temas relacionados com a Internet e suas implicações na família, partindo de algum artigo indicado no início do capítulo ou pesquisando por conta própria alguma base de dados. Fazer um inquérito a alguns jovens sobre quanto tempo estão diante do computador (eventualmente ligados à Internet) e diante da TV. Perguntar sobre as vantagens e desvantagens de cada um destes meios na educação e particularmente na aprendizagem escolar. 186

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Leitura complementar Sobre a relação entre a escola e a TV, com implicações na família, poderia ler o livro de Lazar (1985) ou o dirigido por Mariet (1989). Sobre a Internet e problemas relacionados com o seu uso, poderia ler-se algum dos artigos citados no início deste capítulo.

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11. Famílias Idosas

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Objectivos de aprendizagem No final deste capítulo, os interessados deverão ser capazes de: • Traçar alguns aspectos humanos e psicológicos dos idosos, distinguindo diversas “terceiras idades”. • Compreender melhor alguns aspectos positivos e negativos dos idosos, particularmente em situação familiar. • Distinguir os prós e os contras duma educação feita pelos avós.

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O problema da terceira idade é hoje dos mais versados e preocupantes quer a nível sócio-político, quer a nível psicológico. A terceira idade identifica-se praticamente com famílias idosas, pois os idosos são família, avós ou bisavós, vivendo em casa ou nos lares, casados, divorciados ou viúvos. Daí que num Manual sobre a psicologia da família não seria lícito ignorar esta problemática. Depois de uma referência introdutória geral sobre aspectos humanos e psicológicos da terceira idade, estuda-se mais concretamente as famílias idosas com referência a problemáticas específicas como a reforma e os netos.

11.1

Aspectos humanos e psicológicos da terceira idade

A problemática crucial dos idosos na sociedade actual, particularmente no mundo ocidental, é hoje mais candente, não só pela percentagem cada vez maior de velhos em comparação com outras faixas etárias, mas também pelo abandono a que podem ser votados. Problema tão antigo quanto o homem, embora com contornos diferentes ao longo dos tempos e hoje com uma nova acuidade. Na verdade, o mundo tem cada vez mais os cabelos brancos. Que futuro para os idosos? A longevidade é uma bênção ou um “suave veneno”, um dom ou um “presente envenenado”? A velhice nunca vem só, e pode trazer muitos problemas para os próprios idosos, para os familiares e para a sociedade em geral. O que é uma pessoa idosa ou da terceira idade? Mais do que a idade, contam certamente a saúde ou a doença e outras variáveis que levam a considerar caso por caso ou a individualizar a situação. Todavia, em geral considera-se pessoa idosa a que atingiu os 65 anos, embora haja estudos que contam já como idosos os que chegam aos 60. Dado que actualmente, com os progressos da medicina e outras condições favoráveis, a esperança de vida ou a longevidade aumentou consideravelmente, particularmente no mundo ocidental, emerge cada vez mais um novo grupo social - o dos velhos designado eufemisticamente “terceira idade” (em espanhol usa-se a expressão simpática “pessoas maiores”). Mas considerando que se trata de diversas décadas da vida, é necessário distinguir, como na infância e na adolescência, e bem assim na idade adulta, diversas fases ou períodos de idade avançada. Podemos ao menos distinguir dois grupos, considerando “terceira idade” a partir dos 65 até aos 75 ou 80 (seriam os idosos-novos) e depois “quarta idade” (os propriamente “velhos”, ou “idosos-velhos”, ou ainda, se quisermos, anciãos ou gerontes). Mas pode também falar-se de “quinta idade”, idosos muito velhos, após os 90 ou mesmo só os centenários, que começam a ser cada vez mais numerosos. Comparando com as estações do ano, diríamos que a terceira idade se encontra no Verão-Outono, a quarta no Outono-Inverno e a quinta no

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maior rigor do Inverno. Mas é tudo relativo e deve considerar-se caso por caso. Pode acontecer que alguém aos 85 anos esteja ou se sinta mais ‘novo’ do que outro aos 65. Enfim, pode falar-se de “envelhecimento com sucesso” (successful aging) (cf. e.g. Fisher, 1995; Seeman, 1994) ou de “envelhecimento insucedido”. Sempre a velhice foi considerada e estudada, mesmo em estilo quase autobiográfico, como é o caso do livro de Cícero De senectute. Mas os estudos, desde todas as perspectivas, impõem-se ainda mais no presente, quando a percentagem dos idosos cresce significativamente de década para década. Sem nos metermos em grandes dados estatísticos, diga-se, apenas com referência ao nosso País, que, em 1995, seguindo a tendência europeia, e graças à diminuição da natalidade e ao aumento da esperança de vida na velhice, os jovens com menos de 15 anos eram 18% e os idosos 14%. Actualmente existem em Portugal cerca de um milhão e meio de pessoas com mais de 65 anos (15% da população, contra 11,5% em 1981). As projecções do Instituto Nacional de Estatística prevêem que em 2035 o número de idosos varie entre 23 e 26% da população residente em Portugal. Para 2015 estima-se a existência de cerca de 1.760.000 portugueses com 65 anos ou mais. Um dos critérios pelo qual se pode aferir o índice de humanização duma sociedade é o lugar e o tratamento reservado aos velhos. Por isso, as sociedades africanas que ainda mantêm o ancião em casa, podem dar-nos lições de humanismo (mas também não têm lares e às vezes praticam uma ‘eutanásia’ suave e discreta quando o idoso já se torna um estorvo). De qualquer modo, os governos pouco têm feito para que se torne possível o velho permanecer em casa. O idoso pode ser muito útil em trabalhos voluntários ou remunerados de solidariedade social. Pode ainda dar maior estabilidade ao lar, na interacção fecunda entre as diversas gerações, ser factor decisivo e complementar da educação dos netos, ser a ‘memória’ da família e as raízes dos mais novos. Dizem os africanos que “quando um velho morre, é uma biblioteca que arde”. Os países escandinavos, que foram pioneiros nos lares para a terceira idade, estão a recuar nesta solução cómoda mas problemática a muitos títulos. E se os Estados não pensam melhor este problema, cada vez a agudizar-se mais, todos começamos a ter medo de chegar a velhos ou de atingir uma certa longevidade (sem falar do medo da eutanásia, mais ou menos discreta, que assalta muitos espíritos ao entrar num hospital). O que agora fazemos aos idosos, far-nos-ão os mais novos a nós e outros farão a eles pior. Lembremos o ditado: “novo és; velho serás”. Isso se lá chegarmos. Mas é necessário começar a educar os jovens para darem atenção aos idosos. Enfim, muitos vivem no terror de envelhecer, quando poderia ser a idade mais bela, como é belo o solpoente.

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A contradição está em que, por um lado, os filhos não têm tempo ou condições para ter os pais em casa, e, por outro, precisam deles, sobretudo para cuidarem dos filhos (netos). Mas o problema ou dilema coloca-se de maneira diferente: os que ainda estão válidos e são capazes de funcionar como educadores, são bem-vindos a casa. O pior é com os já incapazes de auto-suficiência e que também já não podem tomar conta das crianças nem serem educadores, além de darem muito mais trabalho. De qualquer modo, não só os familiares e as instituições sociais têm o dever de apoiar e confortar o idoso, mas também os responsáveis da Nação, para cumprirem minimamente o que diz a Constituição da República Portuguesa que dedica aos idosos o artigo 72: “1º As pessoas idosas têm o direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social. 2º A política da terceira idade engloba medidas de carácter económico, social e cultural tendentes a proporcionar às pessoas idosas oportunidade de realização pessoal, através de uma participação activa na vida da comunidade”. A problemática da terceira idade tem sido abordada, desde diversas perspectivas, incluindo a psicológica. Consultando qualquer ficheiro, apenas na última década, encontramos centenas de artigos e livros dedicados à velhice, embora muitos sejam do foro clínico ou neuropsiquiátrico. Mas são também abundantes os estudos no domínio cognitivo (perturbações na memória, na capacidade de atenção e concentração, distúrbios na linguagem, etc.), no domínio das motivações e emoções, da solidão (“síndroma de Diógenes”) e depressão, do bem-estar e satisfação com a vida, da ansiedade e stress, etc. Revistas há que tratam quer os aspectos mais clínicos da gerontologia, quer as dimensões mais psicológicas, como é o caso do Journals of Gerontology, cuja série B é dedicada a Psychological sciences and social sciences. Na revista Psychology and Aging também se encontram muitos artigos do âmbito clínico e neurofisiológico. Segundo Triado e Villar (1997), o envelhecimento progressivo é visto pelos próprios idosos fundamentalmente como um “processo de declínio”, prevalecendo os aspectos negativos, embora os idosos também apontem alguns benefícios ou ganhos. Aos familiares e outros envolvidos no problema gerontológico, é recomendado ajudar mas não se substituir ao velho (o que ele pode fazer com suficiente segurança, deve fazer) e sobretudo pede-se compreensão e carinho. Em Portugal, o estudo psicossociológico da terceira idade ainda é relativamente incipiente, mas já não faltam investigações, como o livro de Paúl (1996) ou os artigos de Simões (1985) e Neto (1992) sobre estereótipos relacionados com idosos. No ano internacional do idoso, a revista Psicologia, Educação e Cultura

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dedicou também um número temático à terceira idade (1999, 3, 2), onde se podem encontrar artigos segundo perspectivas demográficas, cognitivas, psicossociais, personológicas e mesmo literárias.

11.2

Luzes e sombras na terceira idade

Quando o último filho (que muitas vezes é o primeiro e o único) casa e sai de casa, o casal pode entrar em crise e sofrer até de depressão conjugal, particularmente a mãe, sentindo o lar vazio e a sua função esgotada, com uma sensação frequente de inutilidade presente ou mesmo passada e futura. Se não sabem gerir esta nova situação, podem acontecer reacções estranhas, como a tentativa de chamar novamente o filho para casa, com consequente ciúme para com a nora ou o genro (daí muitas das anedotas, com fundamento, sobre a rivalidade e má-vontade entre sogros e noras ou genros). O casal idoso pode chegar mesmo ao divórcio, ou ao menos à tristeza e à depressão. É necessário que o casal se venha mentalizando desde longa data que as ‘aves’ que criaram têm direito a voar, uma vez atingida a maturidade, e que o ‘ninho’ vai ficar vazio. A capacidade de coping com esta nova situação depende da qualidade psíquica do casal, da relação entre eles, e também do comportamento dos filhos recémcasados. Mas na maior parte dos casos, se o casal soube manter boas relações de conjugalidade, para além da parentalidade, passado o primeiro momento de desorientação com a saída do último filho, abre-se um novo período para o casal que sente mais liberdade, mais intimidade, maior tempo libre para os seus hobbies ou mesmo para actividades culturais e sociais, etc. É difícil marcar uma idade cronológica para se considerar uma família de velhos. Normalmente, para os casais que têm filhos, consideram-se famílias idosas quando o último filho deixa o lar para constituir nova família, o que acontece geralmente na década dos 50, coincidindo muitas vezes com o nascimento do primeiro neto e com a idade da reforma. Trata-se de famílias multigeneracionais, onde os mais velhos podem ser avós e bisavós, muito dependendo da progenitura que tiveram e da idade em que casaram os filhos e os netos. De qualquer modo, deve haver um grande diálogo e enriquecimento entre as diversas gerações, sendo os mais velhos depositários de grande experiência e os mais novos podendo trazer nova vida e esperança, necessitando uns dos outros, quer económica, quer educacional e espiritualmente. Hoje que se é mais sensível e se estudam as diversas problemáticas gerontológicas, também as famílias mais idosas são objecto de maior atenção, 196

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como o demonstra, por exemplo, o livro editado por Brubaker (1990), onde se pode encontrar ampla bibliografia sobre este assunto específico. Aborda temas como casais de idosos, a sua sexualidade e qualidade matrimonial, as suas relações com os filhos adultos, a relação entre avós e netos, a viuvez, a doença crónica e outros estudos, não faltando a dimensão intercultural. Se os mais novos devem encontrar na família o primeiro suporte psicossocial, com mais razão as pessoas idosas necessitam desta instituição fundamental para a sua qualidade de vida. Muitas pessoas chegam à terceira idade casadas e felizes, mas outras tantas vivem sós (divórcio, viuvez, solteiros), sofrendo da solidão em casa própria (acontece muitas vezes que são os da 3ª idade a cuidar dos da 4ª idade, mais dependentes e por vezes com doenças crónicas – é de evitar quer o menosprezo quer a superprotecção) ou em algum lar para terceira idade, onde também pode refugiar-se o casal quando ambos chegam a idade avançada. A estadia num lar não é sinónimo automático de infelicidade e pode até proporcionar melhor qualidade de vida do que na família. Tudo depende da qualidade do lar e do apoio que os familiares prestam aos internados. Muitos filhos simplesmente esquecem ou abandonam os ‘velhos’. A interdependência e a interajuda em todas as dimensões é absolutamente necessária para a felicidade dos mais novos e dos mais velhos, sobretudo destes últimos que podem e devem contar com a solidariedade dos filhos ou netos para terem uma velhice menos traumatizante e poderem um dia morrer mais tranquilos, deixando também os filhos e netos num luto menos traumatizante por sentirem que cumpriram os seus deveres filiais. É natural que aos mais velhos ocorram mais acidentes ou sofrimento (como a reforma, a doença, as disfunções sexuais, a viuvez (cf. Heineman e Evans, in Brubaker (Ed.), 1990, pp. 142-168), a morte ou desencaminhamento de algum familiar, uma vez que a família é grande, mas também aspectos positivos (como o nascimento e educação dos netos, mais tempo de lazer, maior sabedoria frente à vida). De qualquer modo, é difícil generalizar, pois cada família é um caso diferente, além dos aspectos interculturais pesarem muito; por exemplo, os velhos em muitas sociedades africanas e/ou orientais são tratados e considerados de modo muito diferente do que acontece no mundo ocidental (cf. Brubaker, 1990, pp. 13-26).

11.3

Reformados e avós

Mais ou menos à entrada para a terceira idade, surge também a idade e a problemática da reforma que pode trazer aspectos negativos ou positivos,

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conforme a condição sócio-psíquica de cada um dos membros do casal. Pode ser um tempo de desgraça, se o reformado não sabe encontrar novas formas de viver e conviver, de ocupar o seu tempo, mas normalmente torna-se tempo de graça, de maior disponibilidade para finalmente e calmamente se poder fazer aquilo de que mais se gosta. Uma das alegrias, mas que também pode ser causa de conflitos e preocupações, são os netos que dão novo trabalho mas também novo sentido à vida, embora muitos avós (particularmente as avós, que são as mais solicitadas) tentem hoje envolver-se menos na educação para ficarem mais livres e porque as crianças podem, desde cedo, ir para berçários, nfantários ou para a pré-escola, além de haver outras instituições que ocupam as crianças nos tempos livres e enquanto os pais ainda não chegam do trabalho. Mas em geral, pode considerar-se positiva, ou até muito positiva, a intervenção dos avós na educação dos netos, desde que tenham a competência mínima (há avós de muito género) e não se sobreponham, contradigam ou critiquem os pais das crianças, primeiros responsáveis pela educação, antes colaborem generosamente segundo as linhas pedagógicas estabelecidas. Apesar da sua importância, tem-se prestado pouca atenção aos avós, embora haja livros que abordem esta condição, como é o caso de Bengtson e Robertson (Eds.) (1985) que estudam a diversidade e estilos de ser avô, as mudanças e expectativas a respeito da sua função, a importância que têm para inculcar valores éticos e religiosos nos netos, etc. Também Smith (in Bornstein, 1995, III, pp. 89-112) trata o caso de ser avô ou avó, os diversos estilos de ser avós, as vantagens e desvantagens da educação feita por avós. Só a partir da década de 70 é que os estudos se intensificaram nesta área, mas muitos vão perdendo actualidade, porque hoje é difícil, no mundo ocidental, encontrar famílias onde convivem três ou quatro gerações, tendendo os avós a estar cada vez mais afastados dos netos (porque dos filhos). De qualquer modo, a influência dos avós na educação depende de muitos factores: da idade, formação e personalidade dos próprios avós, da idade e personalidade dos filhos (que lhes deram netos), da medida em que precisam da intervenção dos pais (avós) e de outras circunstâncias. Salvo excepções, é muito mais positiva, para avós e netos, a presença dos avós em casa do que ‘arrumá-los’ em lares e reduzi-los ao silêncio educativo. No livro editado por Smith (1991), diversos autores dão-nos uma perspectiva internacional da “avosidade”, conforme diversas nações, mostrando modos de ser avós e defendendo a sua presença no lar e na educação.

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Resumo A terceira idade constitui hoje um dos problemas mais agudos do ponto de vista social e também psicológico, visto constituir uma faixa etária significativa e em vias de crescimento. Quando se fala de idosos ou de terceira idade, abrange-se um período que pode conter em si décadas, sendo necessário distinguir diversas etapas dentro da velhice. A terceira idade tem certamente prazeres próprios mas também sofrimentos específicos, devendo a sociedade e também os psicólogos (da família) ajudar a potenciar os primeiros e minorar os segundos, a fim de poder ser uma idade feliz. Neste caso, não apenas os interessados serão beneficiados mas também os seus filhos e netos, podendo os avós completarem ou até substituírem em grande parte os mais directos educadores.

Interrogações e sugestões É importante a terceira idade? Porquê? Em que sentido? Que se entende por terceira idade? Pode distinguir-se ainda uma quarta e mesmo quinta idade? Quais as características principais dos idosos e que implicações têm na família? Trata-se duma idade feliz ou infeliz? Porquê? Quais os prós e os contra duma educação feita pelos avós? Sugere-se fazer um breve questionário a alguns idosos sobre como se sentem na família, se seria melhor estar num lar e porquê. Ou eventualmente analisar algum caso de idoso feliz e outro infeliz, tirando conclusões.

Leitura complementar Para comprender alguma problemática específica sobre a terceira idade, poder-se-ia consultar o nº 2, do vol. 3 (1999) da revista Psicologia, Educação, Cultura, dedicado precisamente a esta problemática. É também importante o livro editado por Brubaker (1990). Sobre os avós poderia ler-se o livro editado por Smith (1991).

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12. Famílias Disfuncionais

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Objectivos de aprendizagem Após leitura deste breve capítulo que visa unicamente chamar a atenção para alguns grandes problemas, sem pretender aprofundá-los, os interessados serão capazes de: • Ter alguma ideia sobre a prevenção de tantas ‘doenças’ familiares. • Estar sensibilizados para algumas problemáticas concretas (como a toxicodependência ou o alcoolismo) podendo eventualmente aprofundar estes e outros temas. • Dar-se conta do grave e doloroso problema que são as crianças abusadas das mais diversas maneiras. • Procurar compreender as implicações do luto na família.

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Um Manual introdutório sobre psicologia da família não pode ter a veleidade de abordar todos os temas que à família dizem respeito. Todavia, cabe ainda uma alusão breve a tantas famílias disfuncionais ou anormais, quer do ponto de vista dos pais, quer dos filhos, quer de ambos, abrangendo doenças psíquicas (como esquizofrenias ou depressões), ou doenças sociais, como a toxicodependência ou o alcoolismo, sem contudo entrarmos no campo das mais diversas terapias, remetendo para bibliografia especializada. Depois duma breve introdução em que se apela para a prevenção, referem-se algumas classes de famílias anómalas ou problemáticas, sem contudo explorar cada uma das disfuncionalidades, remetendo-se para a bibliografia. No final faz-se alusão ao caso tão frequente de crianças vítimas de violência ou de abusos de toda a ordem. Termina-se com uma breve referência ao luto que abrange e desestabiliza tantas famílias. L’Abate (1990) intitula um seu livro Building family competence, onde procura estudar diversas estratégias de prevenção primária e secundária dos problemas familiares, convencido de que, como soa o ditado inglês, “uma grama de prevenção vale tanto como um quilo de cura”, ou mais portuguesmente, “é melhor prevenir do que remediar”. Na verdade, o autor procura enquadrar os diversos métodos de prevenção num contexto teórico. A prevenção é definida como “toda a abordagem, processo ou método usado com o fim de melhorar a competência interpessoal e o funcionamento em pessoas consideradas individualmente, ou como parceiros nas relações íntimas (reservadas e prolongadas) ou como pais” (p. 7). L’Abate começa por desmontar diversos mitos e submitos para depois apresentar uma teoria desenvolvimental da competência interpessoal, métodos de prevenção e intervenção nas crises, diversos programas de prevenção. O autor conclui muito sabiamente que um meio fundamental de previnir crises futuras no matrimónio é preparar bem os que vão casar, propondo-se mesmo abrir um centro de preparação de técnicos para tal missão. Na realidade, preparam-se técnicos de todas as espécies, através de muitas aulas teóricas e práticas, de muitos anos de estudo e de estágio, e nada se faz para preparar futuros cônjuges ou futuros pais, como se fosse arte fácil a de ser marido ou esposa, pai ou mãe. Isto em condições normais de família, quanto mais em condições difíceis e anormais… Apesar de todos os cuidados profiláticos para bem da saúde familiar, há sempre muitas famílias que padecem de diversos males, provindos do seu interior, e que levam tantas vezes a conflitos e divórcios, ou mais dependentes de agressões exteriores do meio ambiente. Enumeremos alguns casos frequentemente abordados numa perspectiva terapêutica: - Famílias traumatizadas (cf. Figley e Erickson, in Kaslow, 1990, II, 33-50).

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- Casais disfuncionais (cf. Bradbury (Ed.), 1998). - Famílias irregulares com um padrasto ou uma madrasta (cf. Fine, Voydanoff e Donnelly, 1993). - Alcoolismo em um ou em vários membros do agregado familiar, podendo mesmo ser o caso de mães alcoólicas. Barrera e Stice (1998) confrontam os pais alcoólicos com os não alcoólicos e a maneira diferenciada como é vivenciado o conflito entre o pai e o adolescente. - Toxicodependência que afecta tantas famílias devido a um ou vários dos seus membros serem viciados na droga (cf. e. g. Castellan, 1993, pp. 172-181). - Prostituição ou também prisão da mãe e consequências para o sistema familiar, sobretudo para os filhos (cf. e.g. Hale, 1987). - SIDA. que na África atinge tantas famílias e mesmo no mundo ocidental. Pequegnat e Bray (1997) introduzem uma secção especial da revista Journal of Family Psychology sobre este tema, atribuindo aos pais e à família um papel imprescindível na prevenção e apoio aos sidosos. - Casais homossexuais. Julien, Chartrand e Bégin (1996) estudam particularmente os casais de dois homens em relação ao uso de sexo seguro (cf. Alarcão, 2000, pp. 228-230). - Famílias com crianças deficientes (L’Abate, 1985, II, 741-780) - Crianças deprimidas e suas famílias (Kaslow e Racusin, in Kaslow, 1990, II, 194-216). Autores há que referem ainda outros casos como o suicídio dos jovens ou de algum dos cônjuges, casos de delinquência de diversa ordem, etc. Alarcão (2000), estuda os (des)equilíbrios familiares numa perspectiva sistémica, abordando o desenvolvimento familiar conforme as diversas idades dos filhos e conforme alguns tipos particulares de famílias: reconstituídas, monoparentais, adoptivas, homossexuais, comunitárias. Particular relevo é dado às famílias com membros toxicodependentes, delinquentes, violentos ou com multiproblemas. Caso específico, hoje muito presente na bibliografia e ainda em Congressos nacionais ou internacionais de Psicologia, é o das crianças abusadas de todos os modos, mesmo sujeitas à violência física, que frequentemente, como consequência, denotam imaturidade cognitiva e maiores limitações noutras competências sociais, além de apresentarem problemas de comportamento em confronto com outras crianças (cf. e. g. Trickett, 1993). Dolto et al. (1981) 206

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publicaram na França um livro com título sugestivo – Enfants en souffrance. Na realidade é um mar de sofrimento desconhecido. O pior é que estas crianças, que mais tarde vão ser pais, podem usar com os filhos os mesmos processos violentos, porque no fundo habita nelas uma grande infelicidade. Por isso é que Clément (1996) escreveu um livro com um título paralelo – Parents en souffrance – onde analisa, numa perspectiva essencialmente psicanalítica, a “disparentalidade” que aparece, no dizer de Rapoport no Prefácio (p. 21), como uma “repetição transgeneracional” da infância infeliz que tem muitas caras. Não existe propriamente uma patologia-tipo dos maus tratos sofridos, mas na realidade eles tornam a criança infeliz que, por sua vez, com grande probabilidade, vai também fazer um dia os seus filhos infelizes. É ampla a bibliografia sobre crianças vítimas de violência, de incúria, de abuso sexual, mas escasseia a análise dos pais destas crianças para melhor compreender a via-sacra dolorosa de tantas crianças e eventualmente poder ajudar os pais que também provavelmente trazem marcas dolorosas da sua infância. Outro caso específico é o da morte, com o consequente luto, na família. Mais tarde ou mais cedo, será fatal que algum membro da família adoeça gravemente ou tenha um grave acidente, correndo risco de vida ou morrendo. Pode ser o pai ou a mãe (marido ou esposa), pode ser um filho, pode ainda tratar-se de avós ou netos, de tios ou sobrinhos. Sobretudo no caso de pais e filhos, marido ou esposa, o luto torna-se mais dramático, mas é necessário ultrapassar, com os menores gastos possíveis, a situação e fazer o trabalho de luto, que passa pelo reconhecimento da realidade (não abrigar-se na negação do acontecimento), pela integração do defunto na memória familiar (não escondendo os seus objectos nem fazendo silêncio sobre ele) e um trabalho de recriação de novos laços familiares, dada a ausência de um elemento significativo (cf. Castellan, 1993, pp. 169-172). Barros (1998) analisa, sob diversas perspectivas, incluindo a antropológica e a psicológica, o morrer e a morte e ainda a concepção que a criança vai desenvolvendo acerca da sua própria morte ou de algum ente querido.

Resumo Se é complexa a problemática e dinâmica das famílias ‘normais’, isto é, sem graves problemas no seu seio, gerindo a vida normalmente, apesar de alguns contratempos, muito mais o é quando se trata de famílias ‘anormais’ ou disfuncionais, com problemas graves no seu seio (droga, álcool, prostituição, SIDA, etc.), provindos dum ou outro membro, para além de outros problemas já tratados, como os conflitos contínuos e o divórcio, que também podem ser © Universidade Aberta

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consequências (e causas) destas disfunções. Atenção particular merece o drama de tantas crianças que são vítimas de abusos e violência de toda a ordem. Mais tarde ou mais cedo, as famílias conhecerão também o luto, por morte de algum ente querido, e é necessário que saibam gerir a situação.

Interrogações e sugestões Como prevenir tantas crises ou doenças por que passam as famílias? Sendo grande a percentagem de famílias disfuncionais, aponte alguns dos graves problemas que as afligem e tente aprofundar algum deles. Refira-se particularmente ao caso das crianças abusadas, vítimas de violência física, sexual e outras. Porquê? Como lidar com o luto que atinge tantas famílias? Tente estudar o caso particular duma família onde algum dos seus membros é drogado ou alcoolizado. Tire conclusões.

Leitura complementar Sobre prevenção primária e secundária dos problemas familiares leia-se particularmente L’Abate (1990). Querendo estudar algum caso particular de disfuncionalidade, parta-se da bibliografia indicada no texto ou consulte-se Alarcão (2000). Para iniciar na problemática de crianças abusadas pode ler-se Dolto et al. (1981). Sobre o morrer e a morte, veja-se Barros (1998).

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Composto e maquetizado na UNIVERSIDADE ABERTA 1.a edição Lisboa, 2002

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ISBN: 978-972-674-683-6

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